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pantes da arena política tendem a optar por for- mulação e implementação de políticas de países em
matos de políticas que contemplem seus interes- desenvolvimento não é um fato novo, tendo inten-
ses ou, minimamente, criem ou mantenham aber- sificado-se após a Segunda Guerra Mundial. Em seu
tas janelas de oportunidade para ganhos futuros formato atual, porém, agências multilaterais, como
(Immergut, 1992, 1998). o Banco Mundial, integram arranjos institucionais
Para estudar a formação dos sistemas de supra-nacionais que, cada vez mais, vêm assumin-
saúde suíço, francês e sueco, Ellen Immergut (1992) do a função de gerenciar o risco político de países
recorreu à perspectiva do embate entre comprado- em desenvolvimento.1 As agências multilaterais bus-
res e vendedores de serviços. Distingue explicita- cam acompanhar e intervir sobre o ambiente polí-
mente instituições, definidas como o arcabouço tico, sendo sua estratégia prioritária a oferta e difu-
legal do processo político, de interesses. são de idéias (Mattos, 2000; Misocsky, 2003). Idéias
Entretanto, as políticas públicas muitas vezes que ganham progressiva legitimidade tendem a se
são concebidas sem considerar hierarquias ou pro- institucionalizar nos cenários políticos e são consi-
tocolos legais, dependendo mais de negociações, deradas importantes motores de mudanças por
flexibilidades e arranjos ad hoc, que incluem gru- alguns institucionalistas históricos (Peters, 1999;
pos de interesse (Lascoumes e Le Galès, 2003). Pierson e Skocpol, 2004).
Arranjos institucionais, nessa perspectiva, com- Outro conceito central ao institucionalismo
preenderiam tanto definições formais de procedi- histórico é o da dependência de trajetória (path
mentos de governo quanto negociações baseadas dependence) (Immergut, 1998; Peters, 1999). A
em dinâmicas menos protocolares. história comporta conjunções críticas, nas quais
Optamos, por isso, pelo arcabouço analítico são feitas as opções políticas e institucionais ini-
de Susan Giaimo (2001), que destaca macrocontex- ciais para um setor, com a legitimação dos atores
tos e a dinâmica de interação entre grupos de inte- que participarão das arenas setoriais e a definição
resse. Ao examinar arranjos institucionais associados de arranjos institucionais. As opções assumidas
aos sistemas de saúde de Alemanha, Inglaterra e nesses momentos tendem à permanência e, a
Estados Unidos, a autora recorre a duas categorias menos que surja alguma força suficiente para
de atores – pagadores, que financiam o sistema, e superar essa inércia de origem, limitam opções
provedores, que fornecem os bens e serviços neces- posteriores (Pierson e Skocpol, 2004).
sários. Mediante sua presença organizada na arena As opções políticas assumidas tendem a
decisória, os pagadores definem em que medida o refletir e a repercutir sobre a organização do mer-
sistema de saúde proposto atende seus interesses ao cado e nas relações entre o setor público e o pri-
passo que os provedores tentam enxergar e apro- vado. Mercados e interesses ligados a esses dois
veitar as oportunidades geradas pelo contexto. setores, por sua vez, lutam por se fazer represen-
Os pagadores incluem empresários, Estado e tar nas arenas políticas e influenciam a formula-
trabalhadores nos sistemas de corte bismarckiano ção e a implementação das políticas.
ou baseados em seguros privados, como o ale-
mão e o americano, ou a população institucional-
mente representada, em sistemas mais universa- Bases históricas das políticas e do
listas, como o inglês. Os provedores incluem os mercado de serviços de saúde
profissionais de saúde (em especial, os médicos) no Brasil
e empresários da saúde dos ramos de produtos e
serviços. A saúde pública passou a ser uma prioridade
Nos chamados países emergentes, como o política do governo brasileiro na década de 1920. A
Brasil, poderíamos considerar, atualmente, que as criação de um programa federal de profilaxia rural,
agências multilaterais agregam ao modelo de apoiado pela Fundação Rockfeller, instalou dezenas
Giaimo (2001) um terceiro tipo de ator importante de postos sanitários em áreas não urbanas do país.2
para a definição dos formatos das políticas sociais: A agenda do saneamento rural inscrevia-se em um
os credores (Santos e Gerschman, 2004). A presen- projeto político de construção da nacionalidade e
ça de agências internacionais a título de apoio à for- do Estado nacional liderado por eminentes sanita-
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ristas da época, que rechaçava a ideologia do deter- um sistema de atenção à saúde individual de base
minismo climático e genético como explicação para corporativa estatal (e não societária) corresponde-
o subdesenvolvimento brasileiro (Castro Santos, 2004; ria a uma primeira linha de dependência de traje-
Lima e Hochman, 1996). tória para as políticas de saúde nesse segmento da
Essa agenda estabelecia uma clara distinção atenção, e ajuda a compreender as oportunidades
entre ações relacionadas à saúde pública e a pro- e dificuldades encontradas para a posterior
teção médico-assistencial individual, e era refor- implantação de um sistema nacional de base uni-
çada por uma recusa programática arraigada de versalista. Embora o projeto político-ideológico de
profissionais ligados à saúde pública de incorpo- construção do Executivo Federal no Estado Novo
rarem ações curativas ao campo da saúde públi- incorporasse a prestação de serviços públicos de
ca. (Hochman e Fonseca, 1999). saúde para toda a população brasileira, foram ado-
A base de provedores de serviços de atenção tadas medidas de cunho universal apenas para o
médica individual no Brasil era constituída, à época, setor social que demandava um investimento
essencialmente de estabelecimentos privados e estratégico dentro daquele modelo específico de
filantrópicos. Na atenção individual, o Estado espe- projeto de Estado. Portanto, a noção de direito
cializava-se em segmentos populacionais marginali- social e a universalização são questões distintas
zados ou que pudessem ameaçar a saúde pública, (Fonseca, 2005).
como os portadores de doenças mentais e infeccio- Em outras palavras, o corporativismo estatal
sas (IBGE, 2003). O setor caritativo, por meio das não nasceu de uma iniciativa social, mas de uma
Misericórdias, assumia o cuidado dos pobres, e a definição estratégica acoplada a um projeto especí-
medicina liberal ocupava-se daqueles que podiam fico de Estado, que criou uma categoria diferencia-
pagar. Começaram a se consolidar, também nessa da de cidadão, qual seja, o trabalhador (D’Araújo,
época, arranjos mutualistas de provisão de servi- 2000). O Estado Novo também contribuiu para con-
ços, iniciados por comunidades de imigrantes ou sagrar uma histórica separação institucional e polí-
sindicatos. tica entre saúde pública e assistência médica. Por
Também a partir dos anos de 1920 assistiu-se outro lado, a experiência do Estado Novo e a saga
à ascensão da agenda de assistência médica indi- sanitarista da Primeira República no campo das
vidual (Nunes, 2000). Na era Vargas, o governo políticas sociais podem ter nos legado as bases
federal, na perspectiva de um projeto desenvolvi- para a possibilidade de adesão da opinião pública
mentista e de fortalecimento do Estado nacional, a formas estatais de proteção (Hochman e Fonse-
incorporou novas atribuições e alianças. Segundo ca, 1999), que viabilizaram a própria construção da
Malloy (1991), em países de industrialização recen- proposta do Sistema Único de Saúde.
te, como o Brasil, o projeto de formação do Estado No lado dos provedores de serviços de atenção
nacional está vinculado, basicamente, ao papel de à saúde ainda predominavam, até 1950, entidades
promotor e ator da industrialização. Como recurso privadas sem fins de lucro, mutualistas e filantrópi-
estratégico para a perseguição desse projeto, no cas, que suplementavam as redes estatais (Cordeiro,
Estado Novo os trabalhadores organizados foram 1984). Os atores setoriais institucionalizados na arena
institucionalizados como atores políticos (D’Araújo, das políticas de saúde compreendiam, então, um
2000). O Estado passou a patrocinar o fortaleci- Estado fortemente centralizador, trabalhadores e pro-
mento de um sistema previdenciário, ainda inci- vedores privados filantrópicos.
piente, baseado em Institutos de Aposentadorias e A incorporação de novos provedores priva-
Pensões, organizados segundo a categoria profis- dos, com fins de lucro, ao mercado setorial se fez
sional, que ofereciam coberturas variadas de aten- notar paulatinamente, à medida que a atenção à
ção à saúde individual (Braga e Paula, 1981; Lima saúde aumentou seu grau de sofisticação tecnoló-
e Hochman, 1996). gica e dependência de capital (Braga e Paula,
Foram, assim, plantadas as bases para um sis- 1981). Em 1960, 62,1 % dos hospitais eram priva-
tema nacional de saúde corporativo tutelado pelo dos, dos quais já 14,4% com fins lucrativos (Idem).
Estado, em que os pagadores compreendem empre- Foi também ao longo dos anos de 1950 e
gadores, empregados e o Estado. Essa opção por 1960 que apareceram as primeiras empresas de
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medicina de grupo, inicialmente pequenas e des- reforçou a dependência mútua entre o provedor
capitalizadas. Surgiram a partir da visão empresa- privado e o setor público (Oliveira e Teixeira, 1986;
rial empreendedora de alguns grupos de médicos Cordeiro, 1984), na medida em que foram apenas
que identificaram um novo nicho de mercado em experiências isoladas em alguns estados e municí-
empresas que se instalavam no país nessa época e pios. Concomitantemente, as sucessivas vitórias em
que se dispuseram a pagar por esses serviços. O arenas políticas – parlamento e executivo – garan-
desenvolvimento inicial das medicinas de grupo tiram aos empresários subsídios para aumentar seu
não dependeu de qualquer planejamento governa- parque tecnológico, via Fundo de Apoio ao Desen-
mental, mas, por ocasião da unificação da volvimento Social (Braga e Paula, 1981; Cordeiro,
Previdência, algumas dessas empresas foram cha- 1984).
madas pelo governo para atuar na prestação suple- A Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária
mentar de serviços médicos a instituições previ- (IBGE, 2003) evidencia, entre 1967 e 1979, um espe-
denciárias (Salm, 2005). tacular crescimento de 67,9 % na quantidade de lei-
As corporações e os sindicatos cresceram e tos disponíveis no país, o que atinge a marca de
ampliaram a proteção social para novas camadas de quase meio milhão de leitos. O Estado financiava
trabalhadores até o golpe de 1964, quando os tra- internações de baixa complexidade em um sistema
balhadores foram afastados da arena política, com de faturamento aberto, e ainda era dono de um con-
uma concomitante quebra do padrão corporativo siderável parque hospitalar de maior complexidade.
estatal da prestação de serviços de saúde (Braga e Com isso, além de vender serviços ao setor público,
Paula, 1981). A unificação da Previdência, em 1967, o setor privado viabilizava a transferência para os
configurou uma tentativa de mudança de trajetória hospitais públicos de seus pacientes de maior custo
na política de saúde, uma vez que unificou os (Braga e Paula, 1981).
Institutos de Aposentadorias e Pensões, acabando A arena de negociação no âmbito da saúde
com os benefícios diferenciados por categoria ocu- encerrava, nas décadas de 1970 e 1980, basica-
pacional e limitando, assim, o poder político dos mente dois atores: o provedor empresarial priva-
sindicatos. Os recursos foram centralizados na do com e sem fins de lucro; e o pagador Estado,
Previdência, possibilitando seu direcionamento para representado pela forte burocracia centralizada
a compra de serviços privados de assistência médi- do que, nesse período, se transforma no Instituto
ca. O afastamento dos trabalhadores da condução Nacional de Previdência Social (Hochman, 1992).
das entidades sindicais, das decisões e dos rumos Ao optar pela provisão privada como forma
da política previdenciária deu lugar ao estabeleci- de viabilizar a universalização, sem regular, desde
mento de relações diretas da Previdência com pres- o início, um escopo de atuação para essa iniciativa
tadores e produtores de insumos3 (Bahia, 2005). privada empresarial, o Estado estabeleceu uma
A política de saúde da década de 1970, segunda linha de dependência de trajetória para as
implementada de forma mais estruturada no políticas de saúde. A base de provisão privada é
governo Geisel, abrangia dois elementos princi- consolidada e passa a influenciar direcionamentos
pais: um processo de expansão da cobertura, evi- futuros das políticas e do mercado de saúde.
denciado pela capitalização da saúde na compra Em função do desenho institucional e organi-
de serviços ao setor privado e por programas zacional implantado no regime militar, os antigos
como o Programa Nacional de Imunização; e pro- beneficiários dos Institutos de Aposentadorias e
jetos alternativos ao modelo hegemônico, como o Pensões não só perderam a ingerência sobre seu sis-
Programa de Interiorização de Ações de Saúde e tema de seguridade, como passaram a ter que com-
Saneamento (PIASS), capitaneados pelo recém- petir por acesso a serviços de saúde com uma base
surgido “Partido Sanitário”,4 que questionava o maior de usuários (Faveret Filho e Oliveira, 1990).
modelo adotado para a saúde (Temporão, 2003). Progressivamente, começaram, então, a migrar para
Ainda que organizada com base em contestar um subsistema alternativo de provisão de serviços
o “privilégio do produto privado”, a universaliza- de saúde (Werneck Vianna, 1998).
ção da atenção médica promovida com as Ações A incorporação dessa nova clientela viabili-
Integradas de Saúde e credenciamentos universais zou o crescimento das empresas de medicina de
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grupo e de outras formas de organização empresa- tes na história política do país ressurgiram com
rial para oferta de planos e seguros de saúde que grande força.
lhes sucederam. Por vitórias nas arenas políticas e O SUS nasceu “na contra-mão” de outras
atuações junto aos anéis burocráticos (Cordeiro, reformas setoriais nas décadas de 1980 e 1990. A
1981), facilitada por uma proximidade já existente proposta de atenção universal baseada na con-
de agentes públicos, essas empresas passaram tam- cepção da saúde como direito da cidadania e
bém a usufruir de um amplo aporte de subsídios dever de Estado vai de encontro à dinâmica das
estatais diretos e indiretos (Faveret Filho e Oliveira, reformas mundiais (Almeida, 2002). O princípio
1990; Cordeiro, 1984), com conseqüentes aumento da descentralização sustenta-se em um desenho
da autonomia financeira e redução da dependên- institucional que busca garantir a institucionaliza-
cia em relação à venda de serviços para o setor ção de governos subnacionais e da população,
público. via conselhos de saúde, como convém a sistemas
Configurou-se, assim, uma conjunção crítica, universalistas e aos princípios de descentralização
em que a seqüência dos eventos foi fundamental. A e controle social do SUS.
superposição de uma proposta universalizante a um Entretanto, esse arcabouço institucional ainda
sistema corporativo sem base societária (D’Áraújo, é débil e o SUS vem sendo reconhecidamente escul-
2000), aliada à posterior exclusão da arena política pido a “golpes de portaria” (Goulart, 2001).
de um grupo específico de atores (trabalhadores), Promulgadas as Leis Orgânica 8080/90 e Com-
parece ter gerado uma segmentação ainda mais plementar 8042/90 de Saúde, foram editadas pelo
radical do sistema. A prévia existência de uma base Ministério da Saúde sucessivas Normas Operacio-
de provedores, cuja origem estava ligada à presta- nais Básicas (NOBs), que buscaram definir os vários
ção de serviços médicos a empresas, favoreceu aspectos operacionais, de arenas decisórias a fluxos
ainda mais a migração do trabalhador para os pla- de financiamento e estruturação do modelo de aten-
nos de saúde. ção (Idem).
As NOBs aumentaram pontos de veto a pos-
síveis ataques ao SUS e conferiram legitimidade
A era SUS: arranjos institucionais democrática ao sistema, incorporando a participa-
ção de novos atores. Entretanto, acabariam por
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) contribuir para o surgimento de uma estrutura ins-
ocorreu no bojo do processo de democratização titucional que reserva à burocracia estatal contro-
do país. Destacaram-se nesse processo atores que le sobre as principais decisões, com um peso ele-
anteriormente tinham menos peso no cenário vado ao gestor federal, às comissões intergestores
nacional, como políticos das esferas subnacionais e às associações de secretários municipais e esta-
de governo e o “Partido Sanitário”, cuja atuação era duais de saúde. Esses atores têm assento privile-
legitimada pela forte tradição sanitarista nacional. giado em estruturas de conselhos e conferências
Na década de 1980, sanitaristas históricos passaram de saúde, em detrimento do controle social
a ocupar posições-chave na estrutura organizacio- (Labra, 1999).
nal dos Ministérios da Saúde e da Previdência e Os Conselhos de Saúde, que corresponderiam
Assistência Social.(Cordeiro, 1991). a um espaço de controle social para formação de
Os partidos políticos ressurgiram após o inter- consensos entre pagadores e controle dos prove-
regno autoritário. As demandas que provieram de dores pelos pagadores, seriam elementos críticos
suas bases políticas definiram perfis específicos e para garantir os princípios do SUS. Entretanto, pres-
um corpo institucional diferenciado. Nesse mo- supõe longos tempos de maturação política para se
mento, afloraram interesses setoriais que passaram tornarem mais atuantes (Labra, 2003) e é possível
a ser disputados pelos próprios partidos, seja com que não tenham ainda como se contrapor aos sis-
o objetivo de ampliar suas bases eleitorais, seja para temas de representações de interesses mais madu-
construir um arco de alianças no Congresso que ros, convergentes ou poderosos que povoam essa
viabilizasse a luta política nessa instância. Foi uma arena política. Definiu-se, portanto, uma instância
época em que velhas forças e interesses dominan- formalmente regulamentada de controle social no
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SUS, mas fica-se a imaginar se a trajetória de nos- Cresceu também nos últimos anos o papel do
sos sistemas de proteção social (Malloy, 1991) não Poder Judiciário na implementação das políticas de
conspira contra sua institucionalização. saúde. Esta participação é expressa pela garantia
Aparentemente, na saúde replica-se o déficit do acesso do cidadão a recursos do Sistema Único
democrático da democracia brasileira, expresso de Saúde por caminhos judiciais, na perspectiva da
pelo predomínio do Executivo, cujo processo de saúde como direito do cidadão. É bem provável
tomada de decisão freqüentemente subtrai a for- que esse tipo de demanda aumente, principalmen-
mação de opinião tanto dos parlamentares como te com a organização de alguns grupos de pacien-
da sociedade civil (Werneck Viana, 2002). As tes em associações (Viana et al., 2005).
regras do processo decisório do Executivo, talvez
pela necessidade de maior agilidade, tendem a se
pautar menos em procedimentos formalizados do A era SUS: padrões de financiamento
que nos demais poderes. Portanto, decisões que e bases de provedores
ficam exclusivamente a cargo do Executivo podem
ser mais susceptíveis à intervenção de outros gru- A implantação do SUS é contemporânea a
pos, sejam eles comunidades epistêmicas (produ- uma crise de financiamento no país que se reflete
tores de idéias e conceitos) ou grupos de interes- na saúde. O ápice dessa crise advém da retirada do
se, que podem vir a estabelecer anéis burocráticos financiamento da saúde pela Previdência Social,
com o Estado. em 1993. Ainda assim, provedores privados, com
Entretanto, há importantes decisões que presença cada vez mais organizada nas arenas
necessariamente passam pelo Legislativo, como decisórias, buscavam ampliar sua participação no
as questões relacionadas ao financiamento e a setor público, de início no segmento de atenção
macrodirecionamentos do sistema de saúde. A básica. Nesse mesmo ano, um consórcio de asso-
Frente Parlamentar da Saúde, criada em 1993 na ciações de provedores que congregava planos,
Câmara dos Deputados, ilustra bem a capacidade estabelecimentos privados e profissionais de saúde
da saúde de congregar posições e interesses total- propôs ao governo o Plano Básico de Assistência
mente distintos em arenas comuns. Essa Frente Médica, que seria, em parte, financiado com recur-
reúne 237 deputados e 23 senadores, com repre- sos previdenciários (Labra, 1993; Costa, 1998).
sentação de todos os partidos e estados, e já nos Esse é também o momento em que passa a
legou medidas como a Contribuição Provisória ser mais uma vez fortemente percebida a presença
sobre Movimentação Financeira (CPMF), inicial- de técnicos de agências internacionais na formata-
mente concebida como fonte de recurso para a ção de políticas nacionais de saúde. Partindo da
saúde, e a Emenda Constitucional 29, que vincu- premissa defendida por essas agências, de que os
la constitucionalmente recursos obrigatórios das governos são incapazes de financiar “tudo para
três esferas de governo à saúde. todos”, o “novo universalismo” recomendava a
A importância política crescente dos planos implantação de sistemas de saúde nacionais que
de saúde culminou na aprovação da Lei 9565/98, não apenas segmentassem serviços básicos e con-
que regulamenta os planos, e na criação da Agên- vencionais, oferecendo um pacote clínico essencial
cia Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Pereira expresso por cobertura universal de atenção básica,
et al., 2001). O aumento das garantias para os bene- como também focalizassem os gastos públicos nas
ficiários dessa nova modalidade de subsistema cor- camadas pobres da população e, ainda, fortaleces-
porativo ocorre em bases bastante diferentes sem setores não-governamentais ligados à presta-
daquela dos sistemas corporativos estatais. A regu- ção de serviços, uma vez que serviços não cober-
lação do setor de saúde supletivo é delegada a uma tos pelo pacote essencial ficariam a cargo do
agência (ANS), que tem como missão primordial a mercado (Misoczky, 2003).
correção de falhas de mercado e a garantia do O Programa de Saúde de Família (PSF) foi
cumprimento de contratos. Fica, assim, definitiva- concebido em dezembro de 1993, em reunião con-
mente sacramentada a perspectiva da mercantili- vocada pelo gabinete do então ministro Henrique
zação da atenção à saúde (Braga e Silva, 2001). Santillo (Vianna e Dal Poz, 1998), com o apoio de
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técnicos do Banco Mundial e da Organização dade (Viana et al., 2005), enquanto outros estabe-
Panamericana da Saúde – OPAS (Idem). O endos- lecimentos filantrópicos começaram a ensaiar a
so ao PSF foi favorecido pelo discurso anti-hospi- comercialização de “planos” próprios, não regula-
talocêntrico, pela valorização das práticas de pre- mentados pela ANS (Portela et al., 2002).
venção do Movimento Sanitário e pela crise Entre maio de 2002 e abril de 2003, a rede
financeira. O PSF passou a ser o modelo para a pública realizou 82% dos procedimentos ambula-
reorientação das práticas de atenção, sendo sua toriais do SUS, contrastando com 14% dos privados
expansão uma estratégia prioritária do governo e 4% dos universitários (Datasus, 2003). O setor
federal para a ampliação da cobertura da atenção privado, por sua vez, vem consolidando uma espe-
à saúde da população. A adesão municipal a essa cialização no sentido oposto, sendo hoje detentor
orientação era estimulada por incentivos financei- de mais de 80% do parque de equipamentos bio-
ros a municípios que adotassem o programa, médicos mais sofisticados do país (IBGE, 2002) e o
agregados como incentivos aos repasses regulares responsável pela realização de 84% dos procedi-
do Piso de Atenção Básica. mentos de alta complexidade,6 ofertados pelo setor
Com isso, ao longo da década de 1990 e iní- público no país (Datasus, 2003).
cio do século XXI, o expressivo crescimento da Em 1999, o Ministério da Saúde criou o Fundo
atenção ambulatorial básica e do PSF foi conco- de Ações Estratégicas e Compensações (Faec) para
mitante à diminuição relativa do financiamento de financiar os procedimentos de alta complexidade.
internações hospitalares e, em menor proporção, O Faec financia uma parcela importante das ações
de procedimentos de média e alta complexidade5 de interesse de provedores privados e de segmen-
(Mattos e Costa, 2003). tos favorecidos da população, que fazem uso sele-
Entre abril de 1992 e julho de 2003, houve tivo de alguns procedimentos do SUS, como tera-
uma queda de 12% no total de leitos disponíveis no pia renal substitutiva, medicamentos excepcionais,
SUS, com crescimento da fatia proporcional ocupa- testes para Aids e transplantes.
da por hospitais públicos e universitários, em detri- Configura-se, assim, um padrão de financia-
mento dos privados (Matos e Pompeu, 2003). Nesse mento, sob controle do gestor federal, que induz
período, mais de quatrocentos novos hospitais à especialização do provedor público em atenção
públicos, a maioria com menos de 30 leitos, soma- básica, via Piso de Atenção Básica (PAB) e seus
ram-se à rede do SUS (Datasus, 2003). Essa ten- incentivos associados, e à especialização do pro-
dência contrasta com o padrão histórico de grandes vedor privado em alta tecnologia, via Faec e remu-
unidades hospitalares públicas e poderia tanto indi- neração diferenciada de procedimentos mais com-
car o surgimento de um novo tipo de organização plexos pela tabela SUS.
hospitalar, com atuação mais articulada com a Aliado a isso, setores mais qualificados da
atenção básica, como uma proliferação de hospi- oferta hospitalar privada migraram para um seg-
tais de baixa capacidade resolutiva, cujo processo mento mais bem financiado, o da saúde suplemen-
de criação estaria antes vinculado a interesses tar, tendência já prevista por Faveret Filho e
políticos do que a critérios técnicos. Oliveira (1990) há mais de uma década.
É bem possível que o segmento de pequenos A qualidade da carteira de hospitais – refle-
hospitais públicos com baixo grau de incorpora- tida no grau de incorporação tecnológica, na
ção tecnológica tenha passado a competir por infra-estrutura hospitalar e na qualidade dos pro-
financiamento com provedores privados historica- fissionais de saúde – é um dos principais deter-
mente dependentes do financiamento do SUS nos minantes da segmentação de produtos dos planos
últimos vinte anos, relegando essa rede mais tra- de saúde para distintas clientelas (Gerschman et
dicional de prestadores filantrópicos privados ao al., 2004). Várias seguradoras e operadoras ofere-
papel de “perdedoras” da era SUS (Pereira, 1996). cem planos “básicos”, com um elenco de hospi-
Alguns segmentos de provedores privados tais menos valorizados, e credenciam hospitais
mais qualificados tenderam a migrar para um mais valorizados à medida que o plano se sofisti-
nicho de oferta ao SUS significativamente mais ca.7 Por esse motivo, o setor privado vem incor-
bem remunerado, o de serviços de alta complexi- porando competência crescente para ofertar maior
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complexidade, em áreas que tradicionalmente só beneficiou no período foi o dos planos de saúde
eram cobertas pelo setor público. A sofisticação (Pereira, 1996).9
dos serviços ofertados pelos planos de saúde, con- No plano das especializações tecnológicas, o
traposta à aparente “simplificação” da oferta públi- SUS hoje corre o risco de se tornar um “plano de
ca e às dificuldades de acesso, pode estar contri- cuidados básicos”, conforme preconizado pelo
buindo para o crescimento dos planos de saúde. Banco Mundial, aliado a uma fatia de oferta de
O setor privado de atenção à saúde consoli- maior complexidade, cujo tamanho dependeria
dou-se como provedor em dois nichos de merca- das pressões do mercado no sentido da compra
do: um que capitaliza lacunas de oferta de alguns desses produtos pelo setor público e da disponi-
serviços mais bem remunerados pelo setor públi- bilidade financeira ou política do setor público
co, ofertando serviços em que o pagador é o para adquiri-los (Santos e Gerschman, 2004).
Estado; e, outro, que ocupa nichos como prove- Cuidados de maior custo e complexidade na
dor de uma oferta “diferenciada” a segmentos da saúde pública podem passar a apresentar uma
população que fazem uso seletivo do sistema vinculação crescente de mecanismos de acesso
público. clientelistas ou judicializados, o que pode reforçar
A impressão geral de que as classes privile- distribuições iníquas de benefícios (Viana et al.,
giadas utilizam o SUS de maneira seletiva (Draibe, 2005).
1992) só recentemente vem sendo confirmada por
estudos de campo (Vianna et al. 2005).8 Esse uso
seletivo segue um padrão que lembra os princí- Considerações finais
pios do “seguro catastrófico”, embora este último
não esteja formalmente inscrito no desenho do No Brasil, períodos de transição política
sistema público de atenção à saúde no Brasil. parecem marcar as grandes mudanças da trajetória
Os seguros catastróficos foram propostos nos setorial da saúde no último século. São conjun-
Estados Unidos na década de 1970, como alterna- ções críticas, que põem em cheque as bases insti-
tiva a sistemas universais de saúde. Correspondem tucionais da sociedade, favorecendo mudanças.
a uma forma de proteger pessoas defrontadas com A história da construção do sistema de saúde
despesas de saúde que possam substancialmente nacional é a história da institucionalização de suces-
comprometer a renda familiar. Por meio deles, o sivos atores, iniciada com ações sanitárias promovi-
Estado financiaria uma parcela variável das despe- das por um Estado centralizado e uma sociedade
sas incorridas por doenças financeiramente onero- civil escassamente desenvolvida.
sas. No caso brasileiro, pode-se imaginar que o A incorporação progressiva à seguridade
SUS também atue como rede de proteção quando a social de trabalhadores e corporações profissio-
circunstância catastrófica não é uma doença que nais sinaliza uma trilha semelhante à bismarckia-
acarreta despesas insustentáveis, mas a perda de na nas origens da seguridade social no Brasil.
receitas e benefícios vinculados a um emprego for- Mas, de fato, não houve avanços significativos das
mal (que franqueia o acesso aos serviços de saúde organizações do trabalho, enquanto instrumento
oferecidos por planos e seguros empresariais). Há da luta política da classe operária, que permitis-
indícios de que a instabilidade econômica e o sem aprofundar o modelo de seguridade social
desemprego da década de 1990 possam ter provo- brasileiro.
cado uma migração reversa para o SUS da parcela No contexto da transição à democracia, o
da população que perdeu seus planos de saúde. “Partido Sanitário” subscreveu a proposta política
Em síntese, pode-se dizer que, se por um de restabelecimento da democracia, atrelada a um
lado o SUS de fato gerou avanços na cobertura projeto para o sistema de seguridade social molda-
sanitária da população, com efeitos de interioriza- do nos princípios do Estado de bem-estar europeu.
ção de prestações sociais que fazem lembrar os Propôs um novo modelo de sistema de saúde, fun-
da reforma sanitária do início do século XX, por damentado no direito público e universal no que
outro, existem motivos para concordar com a tese diz respeito ao cuidado de saúde e ao controle
de que o segmento de provedores que mais se exercido pela sociedade (Gerschman, 2004).
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O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE THE BRAZILIAN PUBLIC HEALTH LE SYSTÉME UNIQUE DE SANTÉ
COMO DESDOBRAMENTO DAS SYSTEM (SISTEMA ÚNICO DE EN TANT QUE DEDOUBLEMENT
POLÍTICAS DE SAÚDE DO SAÚDE) AS THE UNFOLDING OF DES POLITIQUES DE SANTÉ DU
SÉCULO XX TWENTIETH CENTURY HEALTH XXe SIÉCLE
POLICIES
Silvia Gerschman e Maria Angélica Silvia Gerschman e Maria Angélica Silvia Gerschman et Maria Angélica
Borges dos Santos Borges dos Santos Borges dos Santos
Este estudo compreende uma Based on non-systematic Cette étude propose une
retrospectiva histórica das políticas e search of bibliography and of natio- rétrospective historique des politi-
do mercado setoriais da saúde no nal and international databases and ques et du marché sectoriels de la
Brasil ao logo do século XX, buscan- research reports on Brazilian health- santé au Brésil au long du XXe siècle.
do reconstruir as bases para o surgi- care, this paper reviews health poli- Elle tente de reconstruire les bases
mento e a consolidação do Sistema cies and the healthcare service mar- pour la mise en place et la consoli-
Único de Saúde (SUS). A partir de ket in Brazil along the 20th century, dation du Système Unique de Santé
pesquisa não sistemática de biblio- in an attempt to track the origins (SUS). À partir d’une recherche non
grafia, bancos de dados e relatórios and structuring of the Brazilian systématique de la bibliographie, de
de pesquisa nacionais e internacio- public health system (Sistema Único banques de données et de rapports
nais sobre o sistema de saúde bra- de Saúde). Using a historical neoins- de recherche nationaux et internatio-
sileiro, as autoras analisam, à luz de titutionalism framework, we discuss naux à propos du système de santé
contribuições do marco teórico do institutional arenas and specific rela- brésilien, les auteurs analysent, à la
neo-institucionalismo histórico, as are- tionships between payers, providers lumière de contributions du repère
nas institucionais e as relações especí- and creditors relevant to the various théorique du néoinstitutionnalisme
ficas entre pagadores, provedores e shapes assumed by health policies historique, les arènes institutionnel-
credores relevantes para as sucessivas and the health system in Brazil. les et les rapports spécifiques entre
configurações adquiridas pelas políti- Institutional arrangements derived payants, fournisseurs et créanciers
cas de saúde e o sistema de saúde from interactions between successi- importants pour les successives con-
brasileiro. Arranjos institucionais ve political actors seem to have had figurations obtenues par les politi-
resultantes das relações entre suces- a role both on present patterns of ques de santé et le système de santé
sivos atores políticos parecem ter healthcare service supply and on brésilien. Les arrangements institu-
tido um papel relevante na configu- restrictions and challenges faced by tionnels résultants des rapports entre
ração da oferta de serviços de saúde SUS. les acteurs politiques successifs sem-
e para os limites e desafios com que blent avoir eu un rôle important
se depara o SUS. dans la configuration de l’offre de
services de santé et pour les limites
et les défis auxquels fait face le SUS.