O novo livro de Eugênio da crise da saúde, destacan- junto de medidas de conten-
Vilaça Mendes, lançado apro- do seu caráter universal, sis- ção de custos do sistema Em priadamente durante a X Con- tematizando as correntes ex- seguida, analisa a reforma do ferência Nacional de Saúde, plicativas e as propostas de sistema de saúde e dos ser- é um convite à reflexão e à reforma do setor que cada viços sociais no Canadá, des- prática em torno de uma uma destas correntes funda- tacando suas particularidades agenda de questões que es- menta. Nessa perspectiva, técnicas e políticas, como: o truturam os desafios e opor- discute as reformas sanitári- reconhecimento e respeito tunidades para a consolida- as na Europa, caracterizando aos direitos dos cidadãos; a ção do Sistema Único de os modelos e tendências que reorganização dos serviços de Saúde. Resultado da obser- se estão configurando em modo a adaptá-los às neces- vação e análise de experiên- vários países, quais sejam: a sidades dos usuários; a ga- cias internacionais e, princi- introdução de princípios de rantia de serviços próximos palmente, de uma extraordi- mercado no Sistema de Saú- às residências; a melhoria da nária vivência da realidade de, com o objetivo de indu- atenção por meio do acolhi- brasileira, durante os onze zir a competitividade e au- mento, da ajuda e do trata- anos em que o Autor traba- mentar a eficiência e eficácia; mento personalizado por lhou na OrganizaçãoPanamericanaode deslocamento da ênfase so- Saúde, o livro pessoal dedicado; a aproxi- reúne informações, sistema- bre o controle de recursos e mação do processo decisório tiza estudos e apresenta pro- processos para a preocupa- à ação, colocando-se o cida- ção comsem postas cujo significadopolítico-estratégicocontribui, resultados; a articu- dão no centro das decisões lugar a dúvidas, para a am- lação entre os níveis de aten- sobre saúde e bem-estar co- pliação e enriquecimento do ção primária, os serviços letivos e a garantia do finan- debate em torno dos rumos ambulatoriais e hospitalares; ciamento público. Em tercei- da Saúde no país. a opção pela descentraliza- ro lugar, examina as propos- ção e a busca de autonomia tas de reforma setorial que de gestão de unidades mais vem sendo difundidas no con- Dividido em quatro ca- complexas, transformando-as texto latino-americano, parti- pítulos, o livro contém, em em entes públicos não-estatais e a aplicação de um con- cularmente a formulada pela primeiro lugar, uma análise CEPAL-OPS, na qual se enfa- tiza a necessidade de desen- antecedentes nos últimos 20 não terem surgido em conse- volvimento de açõesintersetoriais anos e o desenho e discute e oimple- significado qüência do SUS, sendo pro- mentação de uma "cesta bá- estratégico do que vem ocor- blemas históricos que expres- sica" de serviços de saúde e rendo no Setor Saúde para o sam a crise do Estado brasi- estratégias específicas de desencadeamento de uma re- leiro e, particularmente, a cri- mudança institucional no se- forma do aparelho de Estado se do paradigma flexeneriano tor saúde, incluindo a des- que não se limite à redução da atenção médica. Contra- centralização, a regulação es- do seu tamanho, implicando pondo-se aos "fatóides" exi- tatal do mix público-privado o fortalecimento da sua ca- bidos pela mídia, que explo- de produção de serviços, a pacidade de regulação e con- ra o "aqui e agora" sanitário, criação de mercados internos dução das políticas econômi- o Autor apresenta os resulta- ao setor e a proposta de au- cas e sociais. Conquanto con- dos favoráveis do SUS, exem- tonomia de gestão das enti- sidere que "a reforma do Es- plificando-os com a erradica- dades estatais. tado é muito mais ampla do ção da poliomielite, a redu- que o que está acontecendo ção dos coeficientes de inci- A revisão das experiên- no setor saúde", aponta como dência do sarampo, difteria, cias e propostas implementa- fatos significativos da direção coqueluche e tétano neona- das no âmbito internacional que esta reforma pode vir a tal, o controle vetorial da tem como objetivo a identifi- tomar, a extinção do INAMPS doença de Chagas, as mu- cação de algumas "lições" e o processo demunicipalizaçãodas ações danças e serviços significativas de na assis- para o processo brasileiro. saúde. Além disso, acumula tência à saúde mental, os re- Este é analisado no segundo argumentos em prol do SUS, sultados alcançados na área capítulo, tomando como explicitando sua importância de saúde materno-infantil e pressuposto a defesa do SUS, para a construção de um outros. Conclui, assinalando fundamentada em uma série paradigma de atenção à saú- que quem ganhou com o SUS de evidências de caráter po- de que supere o modeloflexneriano, forambem 60 milhões como seude brasilei- sig- lítico, social e econômico. nificado, enquanto espaço so- ros que anteriormente esta- Nas palavras do Autor, "o cial de construção da cidada- vam submetidos a uma aten- SUS é uma proposta que me- nia, problematizando a expe- ção estatal de medicina rece ser continuada porque riência dos Conselhos de simplificada ou à filantropia. vem se constituindo em espa- Saúde. Com a firmeza que caracteri- ço de reforma do aparelho de za as argumentações formu- Estado e de formação de ci- ladas ao longo do capítulo, dadania, porque tem apresen- Um dos trechos mais in- finaliza: "A contradição está tado resultados favoráveis em teressantes desse segundo em que esses b r a s i l e i r o s que diversos campos, porque signi- capítulo é o item intitulado ganharam com o SUS não ficou ganhos reais para milhões "O SUS na prática", no qual estão socialmente organizados de brasileiros mais pobres e por- o Autor trata de desconstruir e s ã o d e s t i t u í d o s d e voz polí- que atende melhor às necessi- as críticas que se fazem ao t i c a . Em o u t r o s t e r m o s , os g a - dades de saúde de nossa po- SUS, chamando a atenção n h a d o r e s d o SUS são maioria pulação do que algumas pro- para o fato de que os pro- silenciosa q u e conta p o u c o no postas liberais que se apresen- blemas que se verificam nos jogo político e na formação tam como alternativas" (p. 13). serviços de atenção médica - de opinião. Alcançaram, com Partindo do pressuposto filas, atendimentodesumanizado,pacientes o S U Snos , c i corredo- dadania, na saúde, de que "o SUS é um proces- res, grevismo crônico etc. - mas permanecem sub-cida- so", o Autor recupera seus dãos políticos". O terceiro capítulo, que titucional do Ministério da cos e a atenção a grupos e ocupa a maior parte do li- Saúde e, especialmente, das indivíduos, segundo a lógica vro, aborda a racionalização Secretarias Estaduais de Saú- das necessidades e demandas do SUS, tratando, em primei- de. Ainda neste capítulo abor- sociais de saúde, e não se- ro lugar, de justificar a ne- da as novas formas de ges- gundo a lógica econômico- cessidade de se introduzir um tão do serviço público, a administrativa que rege a problemática conjunto de medidasracionalizadoras,destinadas do financiamen- a garan- oferta de serviços; d) a trans- tir a viabilidade do sistema. to e a busca de racionalida- formação da ordem governa- Inicialmente o Autor discute de no gerenciamento dos re- tiva da cidade, com o trânsi- as especificidades dos espa- cursos e dos serviços. Desse to de uma gestão médica do ços sociais da saúde, distin- modo, o Autor incursiona por sistema de saúde para uma guindo o espaço público do temas críticos como a polê- gestão propriamente da Saú- estritamente estatal, após o mica em torno do nível de de, que pense a saúde da que apresenta um conjunto gasto com a saúde no país, população como objetivo de propostas que implica- defendendo a necessidade de primeiro e último dos go- riam, no seu entender, a não só aumentar o volume vernos que se pretendem constituição do SUS como sis- de recursos como, fundamen- democráticos e comprome- tema efetivamente público. talmente, implementar formas tidos com o bem-estar dos Nessa perspectiva, discute a de distribuição e alocação cidadãos. que estatal", necessidade de"desprivatizaçãodo espaço impliquem comuma elevação Além de apresentar, em a ruptura dos anéis burocrá- da "eficiência alocativa". linhas gerais, uma construção ticos que articulam os inte- Finalmente, no quarto teórica que estrutura o "novo resses do Estado aos do se- capítulo, Eugênio Mendes paradigma", este último capí- tor privado contratado econveniado; analisaa síntese apresenta a necessá- da sua re- tulo traz propostas concretas ria "publicização" do espaço flexão em torno das estraté- para a implementação de pro- privado, quer aquele contra- gias de construção social de cessos de mudança institucio- tado pelo SUS, quer o que um novo sistema de saúde, nal, organizacional e opera- se organiza à margem do SUS, baseado em quatro pilares cional no âmbito do SUS, es- isto é, a atenção médica su- fundamentais: a) a concreti- pecialmente dos sistemas mu- pletiva, que teria de ser re- zação de uma concepção nicipais e locais. O Autor, fiel gulada pelo Estado; proces- positiva da saúde, em oposi- à sua trajetóriapolítico-institucional,marcada pela inser- so que incluiria a eliminação ção à concepção negativa que ção em situações concretas, de subsídios cruzados e re- fundamenta a maior parte das onde se mesclam distintas núncias fiscais, mecanismos práticas de saúde em nosso políticas, programas e proje- através dos quais o próprio meio; b) a superação do tos, sugere, habilmente, que Estado vem favorecendo a modelo flexneriano, através se articulem as concepções e expansão desse subsistema. da implementação de proces- práticas derivadas das pro- Em seguida, analisa a crise sos que impliquem a "produ- postas de constituição de "ci- institucional do SUS, chaman- ção social da saúde"; c) a dades saudáveis", cuja matriz do a atenção para a necessi- substituição da ênfase na se inspira na experiência ca- dade de articulação de um atenção médica individual nadense, com as experiências "novo pacto federativo", que pela prática de vigilância da latino-americanas, e brasilei- implicaria um redesenho ins- saúde, estruturada em uma ra em particular, de constru- perspectiva integral, articu- ção de distritos sanitários, es- lando a promoção da saúde, paços no âmbito dos quais a prevenção de danos e ris- se pode reorientar a propos- organização dos serviços, dos Eugênio Vilaça Mendes es- ta de implantação de progra- projetos em curso, indepen- creveu este livro reproduzir- mas de "Saúde da Família", dentemente de suas origens se-á no debate de idéias e assumida como estratégia de e intenções originárias. Nes- proposições políticas que a reorganização da atenção se sentido, o livro inteiro e, leitura certamente desperta- primária de saúde, comple- especialmente, os seus capí- rá nos distintos sujeitos que mentada pela organização de tulos 3 e 4 podem ser lidos lutam em defesa do SUS; consórcios intermunicipais, como fruto de um trabalho debate mais que nunca ne- enquanto estratégia de reor- profundamente engajado, cessário para que os rumos ganização da atenção secun- quiçá impaciente, de um da Política de Saúde no país dária e terciária. Como se Autor que não quer esperar, não se pautem pelo receitu- pode perceber, Eugênio Men- quer "fazer acontecer" dentro ário liberal, nem tampouco des propõe a articulação, na do possível. Não tenho dúvi- que as propostas alternativas prática cotidiana da gestão e das de que a paixão com que se esterilizem em ortodoxias.