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16/04/2022 15:25 País de Rosamor, de Maura de Senna Pereira

LITERATURA
BRASILEIRA
Textos literários em meio
eletrônico
País de Rosamor, de
Maura de Senna

Edição de base:
 
Maura de Senna Pereira, Poesia
reunida e outros textos,
Org. de Lauro Junkes,
Florianópolis: ACL, 2004.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ÍNDICE
 
Dia primeiro

Os meninos

A
boda
As estações

As comemorações

Passeio
Canto da amante

amada

A
festa
Grão-sacerdote

Bailenda

Colheita
Louvação de Jupira

Vozes no pomar

A
nau
Os arcanjos

 
 
Não saio deste caminho:
este caminho me leva
ao País de Rosamor
 

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Dia primeiro
 
 
No momento em que
cheguei
era aurora em Rosamor.
 
Primeiro passo que dei:
ir ao rio me lavar
das nódoas vis das
moedas.
Rio encarnado da aurora
logo tão negro ficou.
(Rio, carrega essas
manchas
bem para o fundo ao
mar.)
 
Depois de purificada
vieram todas as gentes
veio pastor veio rei
vieram mães e meninos
os mineiros os
astrônomos
saudar a recém-chegada.
 
Em honra da nova irmã
beberam rubra groselha
e dançaram na manhã.
 
Deram-me casa com
flores
trepadeiras de jasmim
vestidos claros de linho
leves túnicas de tule
alpercatas de cetim.
Também esmeralda e
pérola
também pães asmos e
vinho
as frutas da primavera
e favos sabendo a rosas
e vozes sabendo a mel.
 
Mostraram os cem
meninos
que amanhã vou ensinar.
Mostraram ruas e rosas
que só em sonhos eu vi.
E à noite vi a lua
— grande e perto como o
mar.
 
 
 

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Os meninos
 
 
Delícia de ver agora
meus meninos — quanta
cor:
pretos brancos amarelos
cor de pitanga e de
amora
cor de luar e trigueiros
uns com os olhos
dourados
outros de verdes cabelos.
 
Delícia de ver agora
meus meninos — quanto
amor:
diferentes mas tão belos
e sonhando tão unidos
tão alegres companheiros
como se fossem rebentos
da mesma planta saídos.
 
Delícia de ver agora
cem meninos e pensar
em ascender às estrelas
e no recreio — tão puros
diferentes mas tão belos

vê-los todos cirandar
com os pombos e as
serpentes.
 
 
 
A boda
 
 
Nos casamentos
a boda é simples:
em torno — rosas
em nós — amor.
 
 
 
As estações
 
 
Primavera tem cem anos
no País de Rosamor.
E só depois de — mui
lautos —
verão e outono passarem
é que vem o lento
inverno
marcar o fim docemente.
 
 

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As comemorações
 
 
I
 
 
Eis que passam os
nascidos entre cânticos
eles que jamais viram
nenhuma das faces do
dragão
eles que montam em
leopardos
e têm um halo sobre a
franja.
seu sono é como o dos
pássaros
nos ares altos da
montanha
despojado de qualquer
sono
que ponha sombras no
dia branco.
Eis que passam os
nascidos entre cânticos.
 
 
II
 
 
Roseiras todas,
despetalemo-nos
para celebrar o evento.
Despetalemo-nos,
despetalai
corolas de todas as cores
sobre o cortejo. Arcoirisai
o caminho dos nascidos
e quando passarem aos
pares
epitalâmios de pétalas
derramai
sobre seus nimbos. Seus
nimbos.
E glorificai-os a todos
com aromas
que ungidos são
eles que nasceram sob
o signo da Rosa, nossa
mãe.
 
 
 
Passeio
 
 
Pelas aleias de jacintos

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passearei
que a tarde começa
e o labor é findo.
 
Ou irei à encosta das
grandes luzes
ouvir os sábios?
ou ao palácio dos poetas
buscar a última canção?
 
Pelas aleias de jacintos
passearei.
 
Ou subirei à montanha
à hora de rosazul descer
as pétalas
devagar?
ou irei ao portossol
ver a nave das estrelas
regressar?
 
Pelas aleias de jacintos
passearei.
 
Ou irei encher as mãos
Com os lilases líricos
Do crepúsculo
Que logo mais terei?
 
Pelas aleias de jacintos
passearei.
 
 
 
Canto da amante
amada
 
 
Ainda trazendo sol e sal
além do ímpeto e da
esperança
chegou o Amado.
É alvo o leito e o instante
é alvo
porque desatado
de tudo o que antes
turvava o amor.
Nada conspurca
incompleta ou ensombra
meu festim de entrega
e o total carinho pela
noite alta
me faz tão sagrada
que me julgo a terra.
Ah, eu sei que — um dia
— estarei derramada
em cinzas pelas
companheiras rosas

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mas — antes — rosas


brotarão de mim.
 
 
 
A festa
 
 
Vou botar flor no cabelo
para ver posse do rei.
Levo cinto de camélias?
Levo xale de papoulas?
Tragam flores tragam
flores
para a festa de irmão rei
Reinar aqui é rodízio
e agora chegou a vez
daquele que traça e
planta
os nossos jardins ovais.
Tragam flores tragam
flores.
 
Nós e flores para a festa
no jardim das cariátides
e da fonte verdemar.
Veremos os autos novos
dos maduros
dramaturgos
e sobre um tapete vivo
de violetas vermelhas
a salamandra dançar.
Chegarão depois em
bando
as juvenis isadoras
com seus fluidos véus
azuis
véus ou asas pelo ar
pés de pétala no chão.
 
Entre flores, sobre flores
— banquetes de rosamel.
Entre flores — cantos,
rondas,
até uma ponta da lua
já descer sobre o jardim
e as garças brancas
chegarem
para o sono sobre a
fonte.
 
 
 
Grão-sacerdote
 
 
Grão-sacerdote, de
barbas brancas,

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trazia Bíblia preta na


mão.
 
(Veio de longe por nossa
fama:
termos forjado reino do
amor.)
 
Em nossos braços o
acolhemos.
Demos-lhe igreja pesada
de anjos
— anjos azuis, pretos e
róseos,
brancos e roxos, cor de
marfim

e altar para
a toda bela — mais do
que
Vênus —
Nossa Senhora de
Rosamor.
 
Também lhe demos tratos
de terra
e com seus doze bispos
amáveis
planta as espigas, uvas e
rosas:
dá-nos o pão, o vinho e o
mel.
 
Chega domingo: grão-
sacerdote
fala do púlpito ao templo
cheio.
Todos amamos esse
homem santo
que — tantas vezes —
com santa
ira nos apostrofa:
— Cristãos sem fé!
 
Penso que lembra
naquele instante
horrores todos que viu
outrora
e ao mesmo tempo
nossas mãos dadas
e anelo nosso de cada
dia:
paz sobre a Terra
que ela é Azul.
Pois olhos claros se
umedecem
pousa no púlpito a Bíblia
preta
as longas mãos se põem
em prece

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e num momento — tão


nosso pai —
grão-sacerdote nos
galardoa:
— Continuai! Continuai!
 
 
 
Bailenda
 
 
É certo, mineiros,
que mora uma fada
no fundo da mina?
 
E os mineiros riem.
 
É certo que a fada
que mora na mina
— hetera encantada
de verdes cabelos —
vos leva, mineiros,
a magos castelos?
 
E os mineiros riem.
 
É certo que os beijos
nos magos castelos
vos põem a sonhar
e os filhos que tendes
— por isso, mineiros —
têm verdes cabelos?
 
E os mineiros riem.
 
A bela acordada
no fundo da mina
protege os tesouros
que temos na terra?
Mineiro, é certo?
 
E os mineiros riem.
 
De modo que um dia
se alguém atacar
— ou fica fraterno
(só lírios abertos
teremos na mão)
ou volta marcado
de flores e paz?
Mineiros, é certo?
 
E os mineiros riem.
 
 
 
Colheita
 

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Fui ontem colher na lua
antúrios que lá plantei.
Tomei o meu barco alado
e logo à lua cheguei.
 
O canteiro preparado
por minhas mãos
encontrei.
Mas nas hastes dos
antúrios
somente estrelas achei.
 
Fui ontem colher na lua
antúrios que lá plantei.
Fui ontem colher antúrios
e com estrelas voltei.
 
 
 
Louvação de Jupira
 
 
Senhora, Nossa Senhora,
Senhora de Rosamor,
fui prostituta e mendiga:
sou agora tecelã.
 
Com meus filhos
macilentos
a este país cheguei.
São hoje dois curumins
que têm faces de romã.
 
Já tive lençóis de trapo
em leito de duro chão.
Agora tenho-os de linho
tecido por minha mão.
 
Teço teço para as outras
teço para mim também.
Tenho roupas (e
adereços)
com que não sonhou
cunhã.
 
No meu, no nosso tear,
teço com as
companheiras
o linho, brocado e lã
para todas as mulheres.
 
Venho, pois, à tua igreja
neobarroca, heptagonal,
com seus sinos de ouro e
prata
e Rosamor no vitral
 

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com seus anjos


multicores
e toalha branca no altar
(mas eis — repleta — em
cada mesa
branca toalha também).
 
Senhora, Nossa Senhora,
Senhora de Rosamor,
que assim seja todo dia
para todo o sempre.
Amém.
 
 
 
Vozes no pomar
 
 
Por que vos planto
meus belos frutos
por que vos planto?
 
Para colheres
tantos e tantos
para colheres.
 
Para que tantos
meus belos frutos
para que tantos?
 
Para nos dares
a teu irmão
para nos dares.
 
Por que vos dar
meus belos frutos
por que vos dar?
 
Para nos teres
e ao pomar
para nos teres.
 
 
 
A nau
 
 
Selvagens filhos do mar
descem de uma nau
preta.
São mercadores?
corsários?
Trazem dádivas amigas
nas rudes mãos
tatuadas?
Ai, trazem trinta moedas
para comprar esmeraldas.
 

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Mas nosso rei jardineiro


assim lhes veio falar:
"Guardai o vosso dinheiro
que não podemos tocar.
Esmeraldas são beleza
em nossa comunidade.
Brilham nos dedos, no
colo,
nos cabelos das amadas.
Olhai as nossas varandas
abertas de par em par:
já estão elas guardadas.
 
Temos ainda os sobejos
em volta desta roseira
— a das rosas irisadas.
Se para o bem —
poderíeis
as que quisésseis levar.
Mas iriam gerar lutas
nossas pedras não
ocupadas.
Por isso não tirareis
nem uma só do lugar".
 
Foi quando, de rosto
mau,
desembainhando as
adagas
cercaram a grã-roseira
para colher esmeraldas.
Colhê-las? Mesmo as
menores
eram todas pedras magas
eram rochas eram bruxas
— intactas sob as adagas.
 
Então eles se renderam
E — após lavarem no rio
as suas mãos maculadas

apertaram a mão do rei.
Nosso reino caminharam
até as grutas azuis.
Pavanarrosa dançamos
sal e vinho lhes servimos.
(Lua desmisteriosa
roçando mesa enfeitada
de narcisos e maçãs).
 
Selvagens filhos do mar
voltaram para a nau preta
vazia das esmeraldas
mas de sonhos
carregada.
De tantos sonhos que um
dia

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vai chegar uma nau


branca
trazendo gestos amigos
nas mesmas mãos
tatuadas.
 
 
 
Os arcanjos
 
 
Com o leite das ovelhas
por leão apascentadas
doze filhos vou criar.
 
Não subirão às estrelas
não descerão às jazidas
que já lhes tenho missão.
 
Em doze corcéis alados
(para eles vão nascer
com rubros sóis sobre as
asas
em doces pastos de flor)
nosso reino deixarão.
 
E com rosas
simplesmente
— nem espadas nem
punhais —
com doze rosas sagradas
farão por terra tombar
a cabeça do Dragão.
 
Amor então se erguerá
e rosas rebentarão
na terra no céu no mar.
 
Em doze corcéis alados
com rubros sóis sobre as
asas
os doze cavalgarão.
(O lábaro com a rosa
suspensa sobre o
Dragão).
 
Em doze corcéis alados
nosso reino deixarão.
E só depois de plantarem
Rosamor em toda a terra
os doze regressarão.
 
 
 
 
 
 

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