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All content following this page was uploaded by Cristiano Mauro Assis Gomes on 04 March 2016.
Agradecimentos
Como produto final, este livro possui uma história, e pessoas importantes foram fundamentais
para a sua realização, seja através de um incentivo marcante, seja através de ensinamentos, seja
através do exemplo de vida.
Meu agradecimento especial: ao Professor Reuven Feuerstein, a Rabbi Raffi Feuerstein, a
Nechama Tzaban e a Alex Kozulin.
Meu agradecimento, mais que especial, a duas pessoas fundamentais na realização deste livro e
grandes incentivadoras em minha vida: à minha mãe, Rosa Maria Assis e à minha esposa, Flávia
Schayer Dias.
Sumário
Apresentação ................................................................................................................... 13
Prefácio ............................................................................................................................. 17
Introdução....................................................................................................................... 29
Conclusão 283
Feuerstein: abrangência, pesquisas e resultados ................................................... 283
Referências bibliográficas .......................................................................................... 289
Apresentação *
AGENCIAMENTO DA APRENDIZAGEM
Uma das principais mudanças que ocorreram na teoria educacional foi a identificação do
agenciamento da aprendizagem. Por um tempo, pareceu óbvio que um aprendiz individual, por
si só, realizava tal agenciamento. Essa interpretação “óbvia”, no entanto, recebeu uma
reavaliação crítica de pelo menos duas direções. Uma delas é a teoria sociocultural baseada no
trabalho de Vygotsky (1991; cf. também Kozulin, 2000a) e de seus seguidores. A outra é a teoria
da Experiência de Aprendizagem Mediada, de Feuerstein. Ambas as abordagens enfatizaram a
importância das forças socioculturais em configurar a situação de desenvolvimento e
aprendizagem de uma criança. Ambas apontaram para o papel fundamental exercido por pais,
professores, colegas e comunidade na definição do tipo de interação que ocorre entre as
crianças e seu ambiente. Como resultado, a “óbvia” identificação individualista do
agenciamento da aprendizagem foi desafiada.
Na teoria de Vygotsky, o marco inicial na aprendizagem da criança é definido como uma
situação sociocultural que cria uma possibilidade para a criança apropriar-se de certas
ferramentas simbólicas e de atividades disponíveis em uma dada sociedade. Assim, a situação
sociocultural torna-se um elemento integrante do agenciamento superindividual da
aprendizagem. Para os seguidores de Vygotsky, a criança como uma agência independente de
aprender constitui o objetivo, a meta, e não o ponto inicial do processo educacional.
Feuerstein, por sua vez, sugeriu que, além da situação de aprendizagem direta, em que a
criança verdadeiramente se constitui como sujeito agente da aprendizagem, há também uma
situação de aprendizagem mediada. Tal situação pressupõe a existência de um mediador
humano ativo que, juntamente com a criança, constitui um agenciamento cooperativo do
aprender. Além disso, segundo Feuerstein, a falta da EAM leva a subseqüentes danos nas
habilidades da criança no nível de aprendizagem direta. Assim, a ausência desse agenciamento
cooperativo da aprendizagem pode levar a danos significativos do potencial de aprendizagem
da criança e de sua prontidão para a educação formal.
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Deve-se estar atento ao fato de que, quando Feuerstein e colaboradores escrevem sobre
“curso normal de desenvolvimento”, o que eles têm em mente é um curso previsto de
desenvolvimento patológico em crianças com limitações genéticas, orgânicas ou psicológicas. A
modificabilidade, então, refere-se à capacidade do organismo de mudar o curso do
desenvolvimento associado a deficiências. Assim, mesmo que a teoria da EAM reconheça o
efeito de determinantes genéticos, orgânicos e maturacionais, a ênfase principal é dada aos
fatores experienciais que trabalham contra esses determinantes.
Os fatores limitantes genéticos, orgânicos e ambientais podem levar à falta da EAM e,
conseqüentemente, ao desempenho deficiente relativo a tarefas cognitivas e comportamentais.
No entanto, se, apesar da hereditariedade e da organicidade, à criança é proporcionada a EAM,
quando as barreiras que obstruem a mediação são estabelecidas e ultrapassadas por estratégias
especiais ou pelo aumento da intensidade da exposição à EAM, então a deficiência prevista pode não
ocorrer, necessariamente. (Feuerstein, Krasilovsky e Rand, 1978, p. 207)
Feuerstein e colaboradores enfatizam que seu modelo não estabelece limites aos processos
de re-mediação e de re-desenvolvimento e, como tal, não implica períodos críticos de
desenvolvimento. Admitem que os primeiros anos da infância podem ser considerados como o
período ótimo para a EAM, mas afirmam que mudanças significativas também podem ser
alcançadas durante a adolescência e o início da juventude.
A ênfase na possibilidade de um desvio radical no curso previsto do desenvolvimento
lança dúvidas sobre a questão do desenvolvimento normativo. Se, por exemplo, a criança que
teve sérios problemas de comunicação durante seus primeiros anos de vida acaba adquirindo
uma fala fluente aos nove anos, o que esse desenvolvimento nos diz a respeito do curso
“normal” do desenvolvimento?
AVALIAÇÃO COGNITIVA
AGENTES DE MEDIAÇÃO
EDUCAÇÃO COGNITIVA
Cada vez mais, tem sido reconhecida a necessidade da introdução sistemática dos
estudantes aos sistema simbólicos que servem como instrumentos no trabalho com materiais
de aprendizagem. Todavia, na prática educacional regular, o papel dos instrumentos
psicológicos muitas vezes é obscurecido pelo fato de que a aquisição de material de conteúdo e
a aquisição de ferramentas simbólicas estão interligadas. Sob certas circunstâncias, porém, a
aquisição normativa das ferramentas psicológicas é obstruída. Isso acontece quando um grande
número de instrumentos simbólicos não está disponível na cultura nativa da criança (por
exemplo, em uma sociedade tradicional analfabeta), ou quando desvantagens específicas de um
indivíduo (por exemplo, a cegueira) interferem na apropriação dos instrumentos simbólicos
disponíveis para os outros. É por essa razão que a aquisição e o uso de ferramentas psicológicas
podem ser estudados em dois contextos:
Pode-se notar uma certa similaridade entre a ênfase nos pré-requisitos de aprendizagem
nos programas vygotskianos regulares da pré-escola e os programas compensatórios de
Feuerstein para crianças em idade escolar. A similaridade não é acidental, porque uma das
metas do Programa de Enriquecimento Instrumental de Feuerstein é formar, em crianças mais
velhas, aquelas funções que crianças mais favorecidas adquirem mais cedo. Assim, em sua
função compensatória, o PEI é similar à função geradora de desenvolvimento dos programas
vygotskianos da pré-escola e da primeira série.
INTERFACES TEÓRICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
1
Introdução
Havia em Teerã, na Pérsia, um velho mercador que tinha três filhos. Um dia, o mercador chamou os
jovens e disse-lhes:
— Aquele que passar o dia sem pronunciar palavras inúteis receberá de mim um prêmio de vinte e
três timões.
2
Ao cair da noite, os três filhos foram ter à presença do ancião. Disse o primeiro:
— Evitei hoje, meu pai, todas as palavras inúteis. Espero, portanto, merecer (segundo a vossa
promessa) o prêmio combinado – prêmio esse de vinte e três timões, conforme deveis estar
lembrado.
O segundo aproximou-se do velho, beijou-lhe as mãos e limitou-se a dizer:
— Boa noite, meu pai!
O mais moço, finalmente, não pronunciou palavra alguma, aproximou-se do velho e estendeu-lhe
apenas a mão para receber o prêmio. O mercador, ao observar a atitude dos três rapazes, assim
falou:
— O primeiro, ao chegar à minha presença, fatigou-me a atenção com várias palavras inúteis; o
terceiro mostrou-se exageradamente lacônico. O prêmio caberá, pois, ao segundo, que foi discreto,
sem verbosidade e simples, sem afetação. (Tahan, 1997, p. 26)
Inicio a exposição deste livro utilizando a metáfora da palavra inútil. É uma forma não-
usual de introduzir as intenções que permeiam um livro, mas que justamente visa a expor a
dificuldade da escrita, por meio da clareza e da desenvoltura das idéias. Escrever não é tarefa
fácil, pois engloba pelo menos dois fatores fundamentais. Primeiro, os conceitos devem estar
bem definidos e deve haver coerência lógica entre as idéias. Segundo, o fluxo deve ser agradável
e seqüencial, possibilitando ao leitor navegar juntamente com o escritor em uma aventura
difícil que é a busca pelo saber e pela construção do conhecimento.
Este livro tem seu embrião em uma necessidade particular de escrever sobre a teoria de
Reuven Feuerstein, contextualizando-a na prática e nas vicissitudes do campo psicoeducativo.
Como bem argumenta Mezan (1998), há um momento da prática e um momento da escrita
(sobre essa prática): este é o momento da escrita.
Segundo Nasio (1988), eminente psicanalista da atualidade, há um saber sensato e um
saber inventado, produzido pelo setting analítico. No caso, o saber inventado produz-se
através da experiência do analista, no momento de sua atuação clínica, em que várias
perguntas e enigmas abrem-se no instante do ato analítico. Sobre esse lugar inseguro,
inaugurando uma necessidade de construção que dê conta justamente de sua incerteza,
demarca-se o saber sensato: produção de uma certeza parcial para o incerto.
Por que me referir ao saber sensato e ao saber inventado exatamente neste contexto
introdutório? Porque considero que a metáfora-teorização de Nasio abrange todo o campo
científico (não somente o clínico) e quem trabalha com o ser humano, em suas dimensões
psicoeducativas, sejam cognitivas e/ou emocionais, navega em um terreno movediço, em um
terreno na qual interagem ambos os saberes no caminho da construção do conhecimento. Por
isto, entrego-me às palavras de Paul Watzlawick:
(...) na melhor das hipóteses só podemos saber acerca da realidade o que esta não é. O capitão de um
navio deve atravessar um estreito durante uma noite escura e tempestuosa, sem conhecer sua
configuração, sem carta náutica nem farol, sem nenhum instrumento de navegação. Ou naufragará
ou, se conseguir atravessar o estreito, voltará a navegar em segurança. Se se chocar contra os
rochedos e o capitão perder a embarcação e a vida, o naufrágio será a comprovação de que a rota
escolhida não era a adequada para a travessia do estreito. Por assim dizer, o capitão terá descoberto
o que a rota não era. Pelo contrário, se chegar são e salvo, ficará apenas demonstrado que a rota
escolhida não o levou a chocar-se, literalmente, com nenhum rochedo. O êxito não ensina nada ao
capitão sobre a verdadeira configuração do estreito; ele não sabe se navegou o tempo todo em
segurança, ou se cada momento esteve na iminência da catástrofe: cruzou o estreito como um cego.
Seu roteiro conformou-se às condições (por ele desconhecidas) do local, mas não correspondia
necessariamente a ele (se se entender esse termo na acepção de Von Glasersfeld), isto é, a rota não
correspondia à verdadeira natureza do estreito. É fácil perceber que a verdadei ra configuração do
estreito talvez permitisse roteiros mais curtos e mais seguros. (Watzlawick, 1994, p. 22-23)
3
*A sigla LPAD será utilizada neste livro por ser amplamente utilizada, correspondendo em
inglês a Learning Potential Assessment Device.
4
Parte I
1
Teorias de Piaget e Vygotsky: Modelos
Norteadores para a Educação
O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
Falar de Piaget é sempre difícil, porém fundamental, por duas razões. Primeiro,
possivelmente nenhum outro pesquisador, em nível individual, tenha tido tanta influência no
terreno da cognição e da educação. Segundo, suas idéias são tão ricas que até hoje continuam
fomentando pesquisas, até mesmo em tendências diferentes e divergentes do próprio
construtivismo. Durante quase toda a sua vida acadêmica, o grande teórico da mente infantil
buscou entender as transformações existentes no desenvolvimento da inteligência, enfocando,
por isso mesmo, o estudo da criança e do adolescente (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998).
Piaget partiu do pressuposto de que a estrutura cognitiva deve ser concebida como um
processo em transformação, e as pesquisas, em nenhuma condição, poderiam ser conduzidas e
reduzidas a uma análise simplesmente descritiva e estática da mente. Entender as
transformações qualitativas pelas quais passa a mente humana é entender o próprio estado da
mente (Piaget e Inhelder, 1988). Graças aos estudos piagetianos, o conhecimento sobre as
transformações qualitativas das atividades mentais tornou-se amplo e verticalizado ao mesmo
tempo. Segundo ele, a estrutura cognitiva é construída em etapas, e pode-se dizer que cada
etapa apresenta uma qualidade própria que incorpora as anteriores (Piaget, 1988). Por isso,
sua corrente de pensamento foi denominada de construtivismo: a estrutura mental e o
conhecimento são construídos em uma relação dialética entre a maturação biológica e o
ambiente.
Os estímulos do mundo, analisados por certos empiristas como passíveis de serem
incorporados diretamente pelo organismo, são vistos de outra maneira por Piaget (1987).
Determinando que os estímulos do mundo são organizados pelo organismo através da
estrutura cognitiva, Piaget preconizou e definiu dois conceitos elementares em sua teoria: a
assimilação e a acomodação.
O conceito de assimilação demarca-se justamente pela capacidade da estrutura cognitiva
do indivíduo em atuar no ambiente. O organismo assimila a realidade à sua maneira, ou seja,
de acordo com a capacidade de sua estrutura interna (Piaget, 1987). Em contrapartida, a
estrutura cognitiva também é mobilizada e modifica-se em função dos objetos da realidade,
5
Mais do que períodos rígidos ou idades fixas e bem determinadas (Piaget, 1988), essas
fases devem ser compreendidas como qualidades da mente humana. Gardner, Kornhaber e
Wake (1998), citando várias pesquisas atuais, demonstram que a cronologia das fases não é tão
segura e que, dependendo de certos fatores experimentais, a criança pode atingir algumas das
fases piagetianas em uma idade bem anterior à esperada. Ainda com relação às idades ou à
faixa etária de cada período do desenvolvimento cognitivo, é necessário ressaltar que Piaget
tomava como referência as idades de crianças que apresentavam características funcionais
definitivamente já maduras.2
Retomemos as fases piagetianas, aprofundando o estudo sobre o desenvolvimento da
estrutura cognitiva, pois isso nos ajudará a entender melhor a proposta de Feuerstein, a ser
discuta posteriormente. Assim, o período sensório-motor é a fase em que a criança, até por
volta dos dois anos, ainda não está inserida na ordem da linguagem, mas desenvolve de forma
significativa vários processos inteligentes. Como já dissemos, o bebê inicia sua vida com
esquemas previamente determinados e, gradativamente, adquire esquemas construídos. Aos
poucos, ele vai adquirindo comportamentos cada vez mais inteligentes, o que é explicado pelo
conceito de esquema, o mais importante conceito desse período. Como ilustração desse
conceito, podemos pensar no fenômeno da preensão, reflexo básico humano. Inicialmente
reflexa, a preensão é apenas uma ação automática e indiferenciada. Porém, através de contatos
com os objetos, ela sofre o processo da acomodação, já não sendo a mesma ação para qualquer
objeto. Por exemplo, a preensão de uma latinha é muito diferente da preensão de um gelo. Com
o desenvolvimento progressivo, o esquema de preensão passa a compreender todas as ações de
pegar, aprendidas no contato com o ambiente, ou seja, um conjunto de ações modificadas,
especializadas e adaptadas forma um esquema.
Ao longo do desenvolvimento da fase sensório-motora, os esquemas começam a se
interligar uns aos outros em um processo de coordenação. Como exemplo, temos uma ligação
muito importante efetuada entre o esquema do acompanhamento visual a um determinado
objeto e o esquema da preensão, ligação essa que ocorre entre a percepção (esquema da visão)
e a ação motora (esquema da preensão), tornando possível o pegar e o olhar ao mesmo tempo.
Antes dessa coordenação, o bebê ou olhava o objeto, ou pegava o objeto, mas não fazia as duas
coisas simultâneas e conjuntamente! Por volta dos 18 meses, a criança já apresenta uma
riqueza enorme de esquemas, podendo, assim, interagir intencionalmente com os objetos e
formular relações de causa e efeito entre suas ações e as modificações causadas no ambiente a
partir de suas ações. Nesse período, os esquemas prévios e os esquemas construídos iniciam o
desenvolvimento das operações mentais, como, por exemplo, a classificação e a seriação, além
da formação das categorias do pensamento, como as noções de espaço, tempo, objeto e causa e
efeito.
7
um rio que fornecem riqueza. Piaget (1990) enfoca a existência de um pensamento pré-lógico,
denominado transdução, marcado pela ausência de conceitos propriamente ditos.5
Embora o egocentrismo 6 seja uma característica importante da fase pré-operatória,
demonstrando uma incapacidade de a criança perceber e analisar a realidade em um todo
coerente e lógico, há também no mesmo período uma tendência progressiva para um declínio
do egocentrismo, o que Piaget chama de descentração, entendida como a consideração de mais
de um ponto de vista sobre um determinado objeto. Ganhando uma riqueza cada vez maior de
representações sobre o mundo e sobre os fenômenos do cotidiano, a criança começa a ter
conflitos entre as suas próprias representações mentais, que muitas vezes se contradizem.
Nessa riqueza de conflitos, formam-se as primeiras descentrações.
Graças à condição de descentração progressiva, a estrutura cognitiva adquire uma nova
qualidade, denominada reversibilidade (Piaget, s.d.): equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação. Pode-se dizer, pelo pensamento piagetiano, que a criança pré-operatória possui
uma mente egocêntrica e irreversível, devido ao desequilíbrio próprio entre a assimilação e a
acomodação (Piaget, 1990). Entretanto, em meio a tal desequilíbrio, concomitante e
mutuamente, transformações vão preparando o terreno para a reversibilidade como parte da
natureza do próprio processo de desenvolvimento da estrutura cognitiva pela auto-regulação.
Passando para a próxima fase, o período operatório concreto, podemos dizer que a
flexibilidade é a sua marca, e há duas alterações que merecem destaque: a constituição da
reversibilidade do pensamento e a instauração do pensamento lógico. É nessa etapa que as
operações mentais, norteadas pelo pensamento lógico, estabelecem-se por excelência. No
pensamento de Piaget (1958), uma operação mental lógica é um ato mental reversível, capaz de
reverter suas operações internas. Assim, quando uma criança é capaz de operar que A > B > C é
a mesma coisa que C < B < A, por exemplo, a reversão das operações internas indica a
existência de uma operação mental de caráter lógico. Outro exemplo: se dois elementos
formam um terceiro elemento, como no caso de 2+3=5, então a subtração do terceiro elemento
com o segundo só pode resultar no primeiro elemento novamente, ou seja, 5 - 3 =2.
Através da reversibilidade, operações mentais como a análise, a seriação, a classificação e a
comparação passam a ser organizadas pelos princípios da dedução e da indução, as quais se
constituem em caminhos do pensamento lógico. Por meio de algumas provas
experimentais, Piaget define que a percepção da criança no período operatório concreto é
regulada pelo pensamento lógico. No início dessa fase, ela começa a compreender as
relações existentes no mundo não só através dos dados fornecidos diretamente por sua
percepção, mas também através de inferências lógicas, seja pela dedução, seja pela indução.
Um exemplo disso é a prova piagetiana que analisa a compreensão da criança frente à
noção de substância. A prova consiste em mostrar à criança duas “bolas” de argila,
contendo o mesmo formato e a mesma quantidade de massa (Figura 1.1). Diante da criança,
o experimentador enrola uma das bolas, transformando seu formato inicial de bola em
formato de “salsicha”; após fazer isso, o experimentador pergunta à criança qual das bolas
possui mais massa, se é a bola de argila não modificada, ou se é a bola que foi transformada
em salsicha (Figura 1.2) (ver Goulart, 1998). Evidentemente, há a mesma quantidade de
massa, mas a transformação do formato de uma das bolas em salsicha pode enganar a
criança, porque perceptivamente a forma de bola é bastante diferente da forma em salsicha,
induzindo a uma falsa dedução (transdução) de que a massa das duas é diferente.
1. operações combinatórias;
2. proporções;
3. coordenação entre dois ou mais sistemas de referência;
4. noção do equilíbrio mecânico;
5. noção de probabilidade;
6. noção de correlação;
7. compensação multiplicativa (relativa a uma proporção inversa);
8. conservações abstratas.
Devemos considerar, ainda, a importância de Piaget para a educação. Ele teve como
preocupação, em toda a sua obra, a teorização sobre a construção do conhecimento, tema
estruturante da educação e, dessa forma, através de seus estudos sobre os processos mentais,
conseguiu demonstrar a estreita ligação entre a psicologia cognitiva e o processo de ensino -
aprendizagem, aspecto que envolve a prática educativa. Vejamos algumas de suas idéias mais
importantes sobre o tema.
Segundo os positivistas, a educação deve fazer com que as pessoas apreendam a realidade
tal como ela é. Para o positivismo, as representações mentais, responsáveis pelo conhecimento
humano, devem ser uma cópia precisa das relações existentes no mundo. Contrastando com tal
axioma, Piaget (1998) concebe a percepção, a representação mental e o conhecimento somente
através do filtro da estrutura cognitiva. A partir dessa condição, o conceito de assimilação
define a absorção do objeto através das regras internas estruturais, delimitando que o
indivíduo percebe a realidade, representa-a e adquire conhecimento somente através dos
limites assimilativos de sua estrutura.
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A ABORDAGEM DE VYGOTSKY
• O homem é determinado pela sua história (história de seu povo), pelas condições
socioculturais e econômicas de sua época, e elabora sua identidade a partir das relações
de produção na qual está inserido. Apesar dessa determinação, o homem é, ao mesmo
tempo, agente de transformação de seu tempo, vindo a ser determinado e
determinante, marcando a presença da dialética. Nesse sentido, o sujeito do
materialismo histórico dialético é um sujeito interativo (Smolka, De Goes e Pino, 1998).
• O ambiente, mais que um conjunto de objetos, pessoas, relações, é entendido pela
noção de realidade sócio-histórica. Para o materialismo sócio-histórico, o ambiente não
faz sentido se não for enfocado o espectro da cultura humana, a interação social e as
relações de produção.
Na realidade, a psicologia russa, tanto antes como depois da revolução, era profundamente
dependente da tradição psicológica européia. (Kozulin, 2000, p. 26)
A escola psicológica francesa de Piesse Janet tinha vários seguidores na Rússia (e depois na União
Soviética) e deixa uma impressão duradoura em Vygotsky. Vygotsky citava com freqüência a
afirmação de Janet de que uma função psicológica aparece duas vezes na vida do indivíduo: primeiro
como uma função interpessoal e depois como uma função intrapessoal (ver Van der Veer e Valsiner,
1988). (Kozulin, 2000, p. 27)
Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e,
depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da
criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória
lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam -se das relações reais
entre indivíduos humanos. (Vygotsky, 1991, p. 64)
Em uma fase histórica da União Soviética na qual o ambiente material era muito enfocado,
Vygotsky atreveu-se a penetrar no estudo da mente, buscando estabelecer relações importantes
entre o estudo das atividades mentais e a cultura. É necessário ressaltar que Vygotsky, como
judeu de uma família que valorizava a educação formal, teve a oportunidade de contar com
uma educação bastante enriquecedora, tendo, inclusive, um tutor antes de se tornar adulto. Já
adulto, Vygotsky lia os pensadores ocidentais avidamente e interessava-se por várias idéias e
tendências, marcando-se como um homem curioso, muito bem-informado e com um vasto
conhecimento (Kozulin, 1999). Nesse sentido, ele procurou manter suas bases européias,
mesmo após o fortalecimento da ditadura de Stalin na União Soviética dos anos 30 . Segundo
Kozulin (2000) e Zinchenko (1998), a partir da década de 30 não havia espaço na União
Soviética para uma outra forma de interpretação da realidade que não a que apenas levasse em
conta o aspecto material da relação social, ou seja, os sistemas de produção, implicando todos
os jargões de tendência marxista radical.
A relação de Vygotsky com a psicologia européia, seus estudos a respeito da escola
sociológica de Durkheim, da escola antropológica de Lévy-Bruhl, seu interesse pela gestalt e
pelos trabalhos de Piaget tornaram-no um personagem perigoso na União Soviética. Mais que
isso, sua teoria sobre a interação entre o plano social e o desenvolvimento da mente foi
considerada por muito tempo idealista na União Soviética.
Analisando seu estilo próprio, o que caracteriza Vygotsky (1991) como um dos gigantes da
psicologia cognitiva é a relação que ele promove entre o plano social e a constituição da
estrutura cognitiva dos indivíduos. Vygotsky propôs uma explicação para o desenvolvimento
cognitivo a partir da ação mediada: a ação – objeto de interesse da psicologia marxista –
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somente tinha sentido para Vygotsky como sendo ação mediada, significando que todo ser
humano, inserido em uma realidade sócio-histórica, apenas adquire a condição humana se for,
em sua relação com o mundo, mediado por instrumentos de sua cultura. Para Vygotsky (1991),
a cultura tem a função de mediar, de intermediar, ou seja, de se interpor entre o indivíduo e a
realidade, fornecendo ao ser humano seu contorno de humano. Ela oferece meios
mediacionais, ou “instrumentos culturais”, para que os seres humanos “interajam” com o
ambiente (Wertsch, 1998). Sua ênfase na cultura, definindo que a ação deveria ter um
direcionamento pelo plano simbólico, foi um dos principais aspectos que fez com que Vygotsky
fosse chamado de idealista na União Soviética dos anos 30.
Em todo o seu desenvolvimento teórico, Vygotsky enfatizou o papel da cultura e da
mediação. Para ele, não fazia sentido uma ação humana em si mesma, pois a ação pura não leva
ao desenvolvimento humano, e sim à ação mediada. Pouco antes de sua morte, um grupo de
seguidores de Vygotsky criou na cidade ucraniana de Kharkov um centro de pesquisas, visando
a ajustar as idéias do teórico aos princípios marxistas utilizados pelo regime stalinista. Seus
fundadores, entre outros Leontiev, defendiam que o cerne do desenvolvimento cognitivo
humano seria a ação material, concreta. Conforme Kozulin:
A insistência do grupo de Kharkov na atividade prática como origem das funções psicológicas
encaixava bem com o clima ideológico soviético dos anos 30, que glorificava o trabalho concreto
como uma das causas principais da transformação socialista do ser humano. (Kozulin, 2000, p. 40)
Diferenciando seu caráter, os instrumentos culturais são divididos em dois grandes grupos
(Pozo, 1998; Kozulin, 2000; Zinchenko, 1998):
Por que Vygotsky salienta essa divisão dos instrumentos culturais e valoriza o grupo dos
instrumentos psicológicos em relação às ferramentas? Se as ferramentas materiais modificam
os objetos do mundo, os instrumentos psicológicos modificam o sujeito humano em sua relação
com o meio. O interesse de Vygotsky concentra-se na modificação que os instrumentos
culturais causam no processo interno do indivíduo e é nisso que reside seu interesse maior nos
instrumentos psicológicos (Pozo, 1998). Como aponta Zinchenko (1998, p. 41): “Em Vygotsky
encontramos três mediadores principais: signo, palavra e símbolo”. A linguagem,
principalmente no nível do discurso, tem valor fundamental de articular, mediar a relação do
sujeito com o mundo, sendo ela um dos principais elementos da cultura humana, senão o
principal, e tendo, por isso mesmo, a função de regular as atividades mentais superiores
(Frawley, 2000).
Podemos perceber que as ferramentas necessitam dos instrumentos psicológicos. Para que
um operador de escavadeira utilize essa ferramenta, ele precisa utilizar um meio simbólico que
defina seu uso. O mesmo acontece com a guitarra elétrica, reconhecidamente uma ferramenta
de nossa cultura. Para que alguém possa tocá-la bem, deve conhecer o sistema de notas
musicais e suas respectivas posições no braço da guitarra. Assim, os sons, o ritmo e a melodia
podem ser criados a partir dessa ferramenta. Entretanto, mais que apenas aprender a tocar, os
instrumentos psicológicos adequados ajudarão o iniciante a pensar musicalmente, a
compreender a música, a viver plenamente a experiência musical. Sua atenção, sua percepção
musical, sua memória auditiva são funções cognitivas alteradas, devido à influência dos
instrumentos psicológicos.
Nesse sentido, toda ferramenta elaborada pelo homem implica também a construção de
um ou vários instrumentos psicológicos para que outras pessoas venham a compreendê -la e
usá-la. Uma das grandes preocupações de Vygotsky era analisar qual a repercussão dos
instrumentos psicológicos no desenvolvimento da mente humana através do uso das
ferramentas.
A Figura 1.4 mostra a ocorrência dos instrumentos culturais em ferramentas e em
instrumentos psicológicos, bem como analisa a relação dos primeiros com o ambiente e dos
últimos com o indivíduo.
14
Vygotsky abriu caminho para uma série de pesquisas que, ao longo do tempo, já estão
mudando a face da psicologia cognitiva. Luria (1990), um de seus discípulos mais importantes,
estudou nos anos 30 o nível cognitivo de adultos em vilarejos da Ásia Central (pertencentes à
antiga União Soviética), os quais passavam por uma grande transformação social e cultural,
uma vez que estavam saindo de uma sociedade feudal, marcada pelo analfabetismo, para uma
sociedade industrial, relativamente escolarizada. Comparou grupos de pessoas que haviam
sofrido pouca influência das mudanças culturais (identificados como adultos analfabetos) e que
mantinham a mesma relação de trabalho do período anterior à mudança socialista com grupos
de pessoas que já estavam sofrendo um período curto de escolarização (máximo de dois anos) e
que incorporavam novas formas de produção. Pesquisando justamente os efeitos de uma
escolarização mínima em alguns grupos de pessoas que viviam em tais áreas, Luria (1990) pôde
constatar que várias operações mentais, como a classificação, a comparação, a dedução, a
inferência lógica, a representação mental, a construção de silogismos, sofreram uma
importante alteração. Esta dizia respeito, basicamente, ao desenvolvimento no modo de
raciocinar por meio de notações simbólicas, de estabelecer categorias abstratas e de pensar por
meio de proposições. A abstração foi o nível mais afetado pelas mudanças socioculturais.
As pesquisas de Luria são muito relevantes, porque descrevem uma época de mudanças
radicais na história da humanidade, em que as transformações nas relações sociais e culturais
puderam ser estudadas de uma forma mais ampla e efetiva. Além das famosas pesquisas de
Luria sobre a atuação de novos instrumentos culturais no desenvolvimento mental, outras
15
também se destacaram. Como exemplo, Olson (1998) estuda a relação da escrita com o
pensamento humano e conclui que a produção da escrita propiciou – e propicia – aos seres
humanos uma nova maneira de pensar sua própria fala, deslocando o discurso do plano
concreto para o plano abstrato. Kozulin (2000) enfatiza o poder da literatura como
instrumento psicológico, no sentido de mobilizar o plano cognitivo e catalisar mudanças no
modo de perceber, analisar e conceber a realidade. Na mesma linha de pensamento, Tsunoda
(1998) buscou demonstrar a existência de uma estreita relação entre o meio social e o
desenvolvimento da estrutura cerebral, em que a língua (código aprendido e apreendido no
ambiente social) tem um papel fundamental na determinação da especialização cerebral frente
aos estímulos sonoros.
A partir do pressuposto de que a estrutura cognitiva e a inteligência são impulsionados
pelos instrumentos culturais, mais especificamente os instrumentos psicológicos, Vygotsky
(1991) formulou um conceito que se tornou revolucionário para a psicologia cognitiva e começa
a se tornar central para a educação: a estrutura cognitiva relaciona-se diretamente com o meio
social, em uma relação dialética; não há supremacia nem dos aspectos biológicos nem dos
aspectos do meio, mas uma articulação processual em que a presença de um somente se efetiva
com a presença do outro. Mas de que maneira? Vejamos o paradigma revolucionário:
(...) toda criança nasce em um mundo transformado pela atividade de gerações anteriores. São só os
seres humanos aculturados que podem organizar o ambiente das crianças e, assim, dar -lhes a
oportunidade de se apropriarem do campo comum de recursos culturais. (Cole, 1998, p. 165)
Por mais de uma década, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca
consideraram a noção de que aquilo que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser,
de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que
consegue fazer sozinha. (Vygotsky, 1991, p. 97)
Ainda com relação ao teste de QI, Vygotsky deu o seguinte exemplo. Propôs pensarmos em
duas crianças hipotéticas que entravam para a escola. As duas teriam 10 anos de idade e seu
teste de QI indicava que ambas possuíam o desenvolvimento mental de uma criança de oito
anos. Aparentemente, as duas crianças tinham o mesmo nível de desenvolvimento, já que eram
capazes de responder prontamente da mesma forma. Poderíamos, inclusive, pensar que a
educação delas teria um andamento semelhante. Mas Vygotsky quer nos fazer pensar. Sigamos
um pouco suas idéias:
Imagine, agora, que eu não terminasse meus estudos nesse ponto, mas que somente começasse por
ele. Essas crianças parecem ser capazes de lidar com problemas até o nível de oito anos de idade, e
não além disso. Suponhamos que eu lhes mostre várias maneiras de tratar o problema. Diferentes
experimentadores poderiam empregar diferentes modos de demonstração em diferentes casos:
alguns poderiam realizar uma demonstração inteira e pedir à criança para repeti -la, outros
poderiam iniciar a solução e pedir à criança para terminá -la ou, ainda, fornecer pistas. Em resumo,
de uma maneira ou de outra, proponho que as crianças solucionem o problema com a minha
assistência. Nessas circunstâncias, torna-se evidente que a primeira criança pode lidar com
problemas até o nível de 12 anos de idade, e a segunda, até o nível de 9 anos de idade. E agora,
teriam essas crianças a mesma idade mental? (Vygotsky, 1991, p. 97)
(...) o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do
ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do
processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a noção de
zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom
aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. (Vygotsky, 1991, p. 97)
NOTAS
1. Gardner, Kornhaber e Wake (1998) e Pinker (1998), citando várias pesquisas atuais,
problematizam as explicações piagetianas, enfocando que várias aquisições cognitivas
iniciais do bebê podem ser pré-formadas (sem a influência direta do ambiente). Detalhes à
parte, os aspectos globais do modelo piagetiano sobre a construção do conhecimento são
bastante pertinentes e ricos.
2. Piaget, na essência de suas pesquisas, não procurou interferir nas respostas das crianças,
buscando não influenciar em nenhuma hipótese a construção do raciocínio espontâneo.
Muitos aspectos mentais avaliados por ele podem ser definidos como propriedades bastante
maduras da estrutura cognitiva das crianças. Nesse sentido, vários pesquisadores que
utilizaram as provas piagetianas observaram que as crianças são capazes de atingir vários
níveis cognitivos em idade bem mais precoce que as apontadas por Piaget (Gardner,
Kornhaber e Wake, 1998). Por exemplo, quando os pesquisadores centravam melhor as
orientações para as crianças, as respostas eram qualitativamente superiores. Considerando
18
Parte II
TEORIA E MÉTODO DE
REUVEN FEUERSTEIN
20
2
Teoria da Modificabilidade
Cognitiva Estrutural
O FATOR DA MODIFICABILIDADE
NOTAS
3
Experiência de
Aprendizagem Mediada
O SURGIMENTO DA EXPERIÊNCIA
DE APRENDIZAGEM MEDIADA
Durante a Segunda Guerra, vivi em campos de concentração e depois em prisões nazistas. A guerra
acabou e dediquei-me às crianças sobreviventes do holocausto. Elas foram para Israel depois de
passarem três, quatro anos nos campos de concentração. Seus pais haviam morrido em câmaras de
gás. Algumas chegaram em Israel como esqueletos. Eram totalmente analfabetas aos oito, nove anos
de idade. Eu não podia aceitar que fossem retardadas ou idiotas. Passei mais de sete anos
trabalhando com essas crianças. Não conseguiam organizar o pensamento, nem suas ações. Uma
noite, em Jerusalém, um dos meninos, com oito anos, deitou-se ao meu lado e então começamos a
ler filosofia juntos. A mudança era possível. Hoje, essas crianças torna ram-se homens e mulheres
inteligentes e dignos. (Feuerstein, entrevista concedida à Vitória, 1994, p. 6)
A DEFINIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
DE APRENDIZAGEM MEDIADA
Com relação à experiência vivida por Feuerstein com as crianças imigrantes, é necessário
dizer que uma parcela delas, apesar dos testes, apresentava a capacidade de se adaptar às novas
exigências e de aprender conteúdos escolares de uma forma satisfatória. Algumas eram
provenientes de culturas antigas, de tradição oral, e demonstravam capacidade para aprender
conteúdos muito além dos exigidos na sua cultura original, sendo capazes de estabelecer novas
e constantes estratégias mentais de aprendizagem. Concomitantemente, também foram
mostrando-se capazes de se adaptar à nova cultura de Israel, incorporando a escrita e o estudo
formal com relativa facilidade e rapidez.
Ao longo do tempo, Feuerstein foi constatando uma diferença importante entre as
crianças com boa flexibilidade e as crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem
escolar e de inserção cultural.
Nos anos 70, Feuerstein e seus colaboradores (Feuerstein, Rand e Hoffman, 1979)
comprovaram, em nível de pesquisa empírica, os referidos pressupostos já desenvolvidos em
observações e práticas educativas. Os resultados apontaram que a EAM é um fenômeno
reconhecível, tanto em culturas tradicionais e remotas quanto nas sociedades industriais. Além
disso, comprovou-se que somente as crianças que haviam passado pela EAM em sua própria
cultura adaptavam-se aos desafios apresentados pelo ambiente e demonstravam boa
capacidade para aprender. A teoria apresentava-se válida frente aos dados, como demonstra o
relato do próprio Feuerstein:
Discussões com Rey, que teve participação ativa nessas explorações, e com o grupo piagetiano,
ajudaram a definir o problema e, mais tarde, a dar forma à teoria da EAM. Nossas observações
básicas levaram-nos a considerar o culturalmente diferente como um indivíduo equipado com
capacidades de aprendizagem, justamente adquiridas por ter sido exposto e afetado pela sua própria
cultura. Isso possibilitou ao indivíduo beneficiar-se de oportunidades formais e informais para
aprender. (A mais poderosa ilustração e confirmação dessa hipótese foi obtida 35 anos depois com a
experiência que nos realizamos estudando um extremo caso de diferença cultural – os imigrantes
judeus etíopes que apresentavam um alto nível de capacidade para aprender, apesar de terem uma
cultura bastante distante da cultura ocidental de Israel, à qual eles tinham de se adaptar). Esse
padrão adaptativo foi contrastado com aqueles indivíduos que nós observamos que não conseguiam
beneficiar-se da exposição direta ao estímulo e necessitavam de um investimento intensivo (EAM)
para aprender o que outros faziam facilmente. O que está evidente é que os privados culturalmente
só conseguiam “aprender a aprender” pela via da mediação. Esse grupo foi definido por nós como
“privados culturais” porque eles não foram expostos à sua própria cultura e, além disso, tornaram-se
incapazes de se beneficiar desde a exposição direta até a fonte dos estímulos. (Feuerstein, Rand e
Hoffman, 1979, p. 4-5)
Coulter, 1996). Uma cultura antiga, tradicional, de tradição oral, e uma cultura pós-moderna
estão em relação de igualdade no que diz respeito à EAM.
Feuerstein (Feuerstein et al., 1980) enfatiza essa posição, comentando sobre os perigos
sociais e políticos de uma concepção contrária:
A linguagem é um dos universais humanos básicos. Todos os grupos humanos conhecidos possuem
linguagem complexa, que exibem similaridades essenciais em sua estrutura como um todo. Em
determinada época, pensava-se que as pessoas com tecnologias extremamente simples, então
chamadas de primitivas, deviam ter linguagens de tipo mais rudimentar, comparadas às das pessoas
possuidoras das mais avançadas tecnologias. É verdade, é claro, que com os avanços técnicos e
científicos surgiu um fluxo de terminologias técnicas, mas as linguas das pessoas pré -industriais, e
até mesmo pré-agrícolas, têm um vocabulário rico em conteúdos que dizem respeito ao seu próprio
ambiente externo (por exemplo, plantas e espécies de animais) e às nuanças da emoção e do
relacionamento interpessoal. (Greenberg, 1977, p. 75)
Gardner (1994) também oferece dados importantes, descrevendo uma série de pesquisas
sobre a questão do pensamento e sua relação com as diversas culturas. Tanto os povos antigos,
iletrados, quanto os povos pós-industriais apresentam as mesmas funções cognitivas da espécie
humana e um pensamento complexo. Segundo Gardner:
Os resultados de dezenas de estudos ao longo das últimas décadas são totalmente consistentes nesse
ponto. Quando as tarefas escolares de estilo ocidental – os tipos que aparecem nos testes
padronizados – são aplicadas a ambas as populações, caracteristicamente as crianças escolarizadas
as desempenham muito melhor. (De fato, seria difícil visualizar qualquer outro resultado.) Mas,
quando são dadas às crianças matérias de seu próprio ambiente com o qual já trabalharam, quando
elas tornaram-se familiarizadas com as circunstâncias da testagem, ou quando seus próprios
comportamentos são examinados em busca de evidência das capacidades pesquisadas (como a
memória ou capacidade indutiva, com respeito a práticas importantes para a sobrevivência na
cultura delas), as aparentes diferenças entre as populações escolarizadas e não-escolarizadas ou
desaparecem simultaneamente, ou são drasticamente reduzidas. Parece que as capacidades
28
cognitivas humanas básicas nas quais os psicólogos têm estado tradicionalmente interessados –
atenção, memória, aprendizagem, classificação – serão desenvolvidas, pode-se supor, uma vez que o
indivíduo não viva em um ambiente por demais empobrecido. Não surpreendentemente, enquanto
as comparações são restritas à informação específica ensinada na escola, as crianças escolarizadas
continuam a apresentar sua superioridade segundo todas as medidas. (Gardner, 1994, p. 94)
Entretanto, nessa análise não podemos deixar de considerar Vygotsky e suas contribuições
a respeito do desenvolvimento cognitivo e da questão cultural. Segundo ele, há dois tipos de
funções psicológicas: as funções psicológicas naturais e as funções psicológicas culturais. As
funções psicológicas naturais caracterizam-se como as funções cognitivas da nossa espécie,
como a fala, a classificação, a comparação, a memória, a resolução de problemas. Já as funções
psicológicas culturais são justamente as funções naturais transformadas pelos instrumentos
psicológicos. É verdade que todos os povos têm a função de memória, mas a forma de
apropriação dessa função cognitiva natural e sua regulação dependem dos instrumentos
psicológicos elaborados por cada cultura. Por exemplo:
A memória de um homem que sabe como anotar o que necessita recordar está treinada: em
conseqüência, desenvolve-se em uma direção distinta da memória de um homem que seja
completamente incapaz de empregar signos. (Vygotsky e Luria, 1993, p. 105, citado em Kozulin,
2000, p. 30)
TRANSMISSÃO CULTURAL
• Nem toda transmissão cultural engloba ou se qualifica como EAM, mas toda EAM
engloba ou se qualifica como uma transmissão cultural, ou seja, na via da transmissão
cultural.
2. Transmissão do “algo mais”: essa faceta engloba a EAM. Aqui não importa tanto
o conteúdo da informação transmitida, e sim a relação estabelecida entre emissor e
receptor, no sentido de que tal relação implica a mobilização do processo de
aprendizagem.
Um exemplo simples, porém ilustrativo desse “algo mais” mediado, é a seguinte frase:
“Olhe que linda flor, repare nos seus contornos, olhe para os detalhes das pétalas e as
diferenças de cor!”.
O conteúdo transmitido refere-se não apenas à informação sobre a flor, mas também
evoca no receptor uma transformação no modo de perceber a realidade, através de uma
observação mais precisa e detalhada, de uma atenção dirigida, de uma intenção de análise, de
fatores imbricados em um envolvimento motivacional e na construção de um significado. A
mensagem proferida por um emissor busca transformar o estado do funcionamento cognitivo
do indivíduo receptor, incitando-o a uma exploração diferenciada. Mais importante que isso:
há um emissor-mediador com uma intenção muito clara, incitando o receptor a perceber como
ele percebe, a interpretar o mundo como ele interpreta, a significar como ele significa. Há um
mediador – um ser humano – que seleciona, filtra, organiza, nomeia, dá significados ao mundo
dos objetos. O mediador transmite sua visão de mundo ao mediado para que ele possa
estabelecer a sua própria visão. É no conflito entre os conhecimentos prévios do mediado e o
saber do mediador que se produz uma nova forma de interpretação por parte do mediado. Esse
tipo de transmissão cultural engloba a EAM.
A transmissão cultural, provocada pela interação entre um emissor e um receptor, que
mobiliza nossa forma de entender, interpretar e conceber o mundo, envolve a EAM. Nesse
sentido, vários momentos que temos com nossos pais, nossos filhos e nossos professores, são
momentos de experiência mediada? Certamente que sim. Lembremo-nos de quando Feuerstein
constatava potenciais de mudança nas crianças imigrantes, sobretudo nos momentos em que
ele interagia com elas. Todavia, nem todas as interações caracterizam uma aprendizagem
mediada. Posteriormente, estudaremos que tipo de interação específica define uma
aprendizagem mediada.
Toda interação humana somente se viabiliza pela comunicação. Desse modo, pudemos
analisar brevemente que a EAM tem seu foco não especificamente no conteúdo das
informações, mas sim no diálogo intencional entre o emissor e o receptor da mensagem.
Ambos interagem constantemente, imperando a troca de impressões, os sentimentos sobre o
mundo e o intercâmbio de formas de compreensão da realidade. A interação comunicacional e
de transmissão no processo de EAM impõe a presença da mobilização cognitiva e afetiva
através de uma relação dialógica, interacional entre dois ou mais seres humanos. Assim sendo,
podemos, inclusive, apontar duas facetas da transmissão cultural a respeito da diferença entre
a transmissão da informação e a transmissão mediacional desse “algo mais” que é a experiência
mediada:
Faceta 1: a transmissão de informação caracteriza-se principalmente como a interação que
propicia a aprendizagem através da exposição direta do indivíduo aos produtos de sua cultura.
Faceta 2: é entendida como a interação humana veiculada por uma intencionalidade, uma
significação e uma transcendência de ações. Quando o pai mostra a seu filho pequeno uma
série de tratores, nomeando-os, e o faz perceber detalhes nunca vistos, informalmente ele está
ativando funções cognitivas em seu filho, modificando seu padrão de perceber, analisar e
compreender as coisas. O indivíduo sofre a exposição aos produtos de sua cultura por
interposição de outro indivíduo que lhe transmite significados culturais e transforma sua
relação com o mundo.
A primeira faceta da transmissão cultural é composta pelos produtos culturais,
independentemente se são significados ou não pelos indivíduos, e demarca-se como a
exposição direta do indivíduo aos conteúdos do mundo. A segunda faceta demarca a EAM, e
essa transmissão caracteriza-se pela produção intencional de significados através de uma
relação dialógica entre duas ou mais pessoas. Os conteúdos da cultura são transmitidos
30
intencionalmente por um indivíduo nela inserido, buscando mobilizar naquele que os recebe
uma significação e um sentido, de forma tal que o mediado futuramente se transformará em
um mediador das próximas gerações, e assim por diante.
Comparando a primeira faceta com a segunda, podemos dizer que a primeira diz respeito
aos conteúdos isolados, fragmentados ou organizados e estruturados de uma cultura, que são
expostos todos os dias na rua, nos letreiros, nas conversas, nas aulas expositivas, na televisão,
no rádio, nos livros, ao passo que a segunda faceta diz respeito ao momento em que um ser
humano se interpõe entre outro organismo e o mundo, estimulando e acessando sua
capacidade de aprender, de reagir e interpretar o ambiente. Enfim, para que haja EAM, além
da transmissão de conteúdos, deve existir uma qualidade de interação que transcenda o
conteúdo e organize-o. Em resumo:
• Nem toda transmissão cultural e interação humana produzem a EAM, mas toda
experiência mediada provém de um tipo de interação, viabilizada por determinada
transmissão cultural.
A exposição direta aos conteúdos também é uma forma de transmissão cultural. Portanto,
analisemos a aquisição do conhecimento no indivíduo e comparemos as propostas de
Feuerstein e de Piaget.
A teoria piagetiana sobre a aquisição de conhecimento e aprendizagem fundamenta-se no
fato de que os organismos possuem esquemas prévios de funcionamento (nascem com eles), os
quais se desenvolvem a partir do contato com o ambiente. A estimulação do ambiente faz os
esquemas prévios de um organismo tornarem-se esquemas complexos, reversíveis. Assim,
Piaget considera que todo organismo nasce com certos padrões (esquemas) já determinados a
priori, mas que o aprendizado ocorre na transformação desses esquemas e na construção de
esquemas superiores a partir do contato com os objetos da realidade. Piaget enfatiza a relação
dialética entre o organismo e o objeto ou, mais propriamente, entre o sujeito e o objeto.
O esquema baseia-se na relação dinâmica entre a maturação biológica da estrutura interna
e a influência do ambiente. A relação do indivíduo com o ambiente dá-se em uma interação
direta (exposição direta ao objeto). O ambiente, nesse sentido, é entendido como uma rede de
objetos de conhecimento que se situam frontalmente ao indivíduo. O modelo de Piaget é
construtivista, uma vez que supõe que os esquemas mentais são construídos a partir da
interação do indivíduo com os desafios da realidade. Piaget (1988) enfatiza que a educação
deve permitir aos educandos serem experimentadores, enfocando o aspecto ativo da mente
humana frente aos objetos de conhecimento.
Para Feuerstein, Piaget está correto quando fala da relação dialética entre maturação e
ambiente, considerando o valor da exposição do indivíduo aos objetos como um elemento
importante na mobilização do desenvolvimento. Entretanto, Piaget não enfoca a qualidade da
interação humana como um fator central, relevando dos objetos o valor central da variável
ambiente (Feuerstein, entrevista concedida à Vitória, 1994). Nesse contexto específico, a
diferença fundamental entre ambos é que Feuerstein preconiza a existência da EAM, condição
fundamental para preparar qualquer indivíduo para “aprender” e beneficiar-se da exposição
direta ao objeto. Segundo Feuerstein, há sempre a necessidade efetiva e afetiva da presença de
um “outro” humano, denominado mediador, que se interpõe entre o indivíduo e o conjunto de
objetos que o rodeia.
Assim, para Feuerstein, não é basicamente a exposição direta ao objeto, conjunta à
maturação, que forma os esquemas mentais e o conhecimento, tal como na proposta
piagetiana. É justamente uma “quantidade” não-mensurável de EAM, da presença desse
31
“outro”, que irá ativar o sistema cognitivo e provocar nele uma construção estrutural e flexível,
verticalizando os rumos de sua maturação.
O esquema de Feuerstein (1997) resume-se desta forma:
A letra H, da Figura 3.1, significa a presença humana, um mediador, que “encaminha” o
indivíduo em sua interação com os objetos de conhecimento. Os estímulos do ambiente
(letra S) chegam ao indivíduo (letra O) por duas formas: diretamente ou através do filtro do
mediador, como mostram as setas; o mesmo acontece com as ações (letra R) do indivíduo:
podem ser ações diretas junto ao ambiente ou canalizadas e mobilizadas pela ação do
mediador.
A teoria de EAM – definida como a qualidade de interação entre o organismo e o meio – produz-se
pela interposição de um ser humano iniciado e intencionado, que medeia o mundo e o organismo,
criando no indivíduo a propensão ou tendência à mudança pela interação direta com os estímulos. A
EAM é a única que produz a flexibilidade, a autoplasticidade na exestência humana e, em última
instância, oferece-lhe a opção de modificabilidade, tal como temos descrito. (Feuerstein, 1997, p. 15)
Para tentar compensar o erro inicial, as autoridades estão enviando fêmeas adultas aos locais onde
as gangues atuam, especialmente os parques Pilanesberg e Hluhluwe -Umfolozi. Imaginam que as
elefantas possam pôr “ordem no pedaço”, já que as fêmeas têm grande poder disciplinador e
costumam desempenhar função organizativa no interior das manadas. Os rinocerontes aguardam
ansiosamente a chegada dessas titias. (Varella, 1997, p. 91)
Kozulin (2000) esclarece que a concepção de aprendizagem mediada modifica nossa visão
da conduta animal e humana de forma radical. Várias espécies de animais, assim como os seres
humanos, necessitam das “titias” comentadas por Varela (1997). No caso, elas fundamentam o
comportamento dos seres em desenvolvimento. Em vez de apenas responder diretamente aos
estímulos do mundo e ter comportamentos reforçados pelo ambiente, a conduta animal e
humana é regulada pelo fator da mediação. O ser humano responde ao mediador, e não
simplesmente aos estímulos do mundo, o que redimensiona a questão do ambiente.
A rápida expansão da teoria traz um certo perigo de aplicação inapropriada de termos e, em uma
certa extensão, uma tendência a confundir EAM com diferentes teorias da aprendizagem e métodos
34
que podem ser, se não totalmente opostos, pelo menos contrários às características centrais
especificadas pela EAM. Acrescentando, uma vez que a área de interesse da EAM é a interação entre
o ser humano e o seu ambiente sociocultural, a tendência para considerar qualquer interação
ambiente-criança, como sustentando as características da EAM é grande. (Feuerstein e Feuerstein,
1994, p. 3)
Para que haja uma experiência mediada, é necessário que o mediador tenha uma intenção
com relação ao mediado. Essa intenção pode ser acompanhada de conteúdos conscientes como
de expectativas e fantasias inconscientes. Em uma mão dupla, essa intenção deve ser
incorporada pelo mediado, estabelecendo-se entre esses dois seres um posicionamento.
Quando a mãe vai em direção ao seu bebê, olha para ele e chama sua atenção, ela está buscando
provocar uma reciprocidade, demonstrando sua intencionalidade de interação, de troca afetiva,
de investimento emocional, de apresentação ao mundo. O bebê, aos poucos, vai estabelecendo
um reconhecimento da face da mãe, de suas intenções e demandas (Spitz, 1996).
Gradativamente, o choro do bebê será dirigido não mais ao acaso, mas será remetido àquela
face, àquele mediador que está tão presente, que o conforta e o alimenta. Assim, ao lon go de
35
Ao mesmo tempo, o objeto principal da interação mediada não é o objeto em si, mas os processos
cognitivos da criança: também isso deve ficar claro para a criança. Em uma situação de
aprendizagem, a criança deveria dar-se conta de que o objeto real da atividade de aprendizagem não
é uma tarefa ou um jogo em particular, e sim seu próprio pensamento. Centrando -se
constantemente no estado de atenção da criança, em suas estratégias de resolução de problemas, em
seus erros e acertos, o adulto tem a situação de aprendizagem como uma sensação de propósito e
intencionalidade. (Kozulin, 2000, p. 84)
Mediação de significado
(...) se por um lado, os significados atribuídos às palavras são produzidos pela coletividade, no seu
processar histórico e no desenvolvimento de sua consciência social, e como tal, se subordinam às leis
36
O mediador deve fornecer seus significados para o mediado, inclusive para que ele possa
elaborar novos significados e novas possibilidades, generalizando e transcendendo. Interagir
pela troca de significados significa trocar experiências, vivências e sentimentos que
ultrapassam o nível do fenômeno concreto. Significa que, geração após geração, os seres
humanos irão compartilhar e terão uma certa identificação sobre o que é certo e o que é errado,
estabelecendo um senso comum, um senso estético e ético. Aliás, Pinker (1998) relata que um
dos fatores mais difíceis para que um computador possa ser inteligente é a programação de um
senso comum sobre os objetos e sobre o mundo.
Por que temos valores tão fundamentais e antigos, como, por exemplo, os contidos na
Bíblia? Para que possamos ter uma certa ordem, um certo senso comum, para que o real tenha
uma interpretação e uma certa constância inteligível. O ser humano possui uma necessidade
suprema de organizar a realidade, e o fator desencadeador é, sem dúvida, a construção de
significados.
No contexto da teoria da Feuerstein, “significado” deve ser entendido como um sentido
que o indivíduo tira da vida. Até mesmo uma criança de colo já está inserida em significados
pela via do outro; significados de um outro que lhe fornece o alimento, a sobrevivência e que,
gradativamente, lhe transmite o sentido de seu amor, de seus anseios, de seus desejos e de seus
valores. O bebê, paulatinamente, percebe o investimento emocional que a mãe lhe significa e
passa a se dirigir frente a esse outro. Nesse ir em direção a, o próprio “eu” do bebê vai
estruturando-se, reconhecendo no outro o júbilo do reconhecimento de si mesmo, enquanto
semelhança e diferença (Paín, 1991b). Esse outro, que supre o bebê em alimentos, em
significados, em afetos, tem função fundamental em seu desenvolvimento não só afetivo, como
muitos pensam, mas também no desenvolvimento cognitivo, como diz Paín, aludindo a esse
fato por meio de uma metáfora cativante:
(...) o sujeito humano está sempre constituído a partir de outro. Tanto a estrutura inteligente quanto
a semiótica são eminentemente intersubjetivas, não tanto pensando em cada indivíduo como um
aparelho telefônico que depende, para seu funcionamento, de uma rede comunicações, mas à
medida que este indivíduo se constitui como sujeito de um chamado. É porque alguém chama,
requer, solicita, que confere ao outro sua qualidade diferenciada, incluindo-o ao mesmo tempo em
um sistema de semelhanças. Assim, um número telefônico, como o nome próprio, não é para
chamar a si próprio, mas para ser chamado, como parte de um conjunto de requerimentos mútuos.
Aquele que chama a si próprio pelo telefone não encontra, como no espelho, sua imagem plena, mas
o som monótono de “ocupado”. (Paín, 1991b, p. 20)
Freud (1987a) descreveu o grande interesse das crianças pela questão do nascimento.
Embora o objeto de Freud tenha sido o inconsciente e seu maior interesse visasse, no caso das
crianças, à análise das construções fantasísticas sobre o nascimento, ele verificou a importância
da elaboração dos significados promovidos pelas crianças sobre a vida e a morte, tanto do
ponto de vista emocional quanto cognitivo. Freud também analisou os ritos e os mitos como
um vasto campo de produção simbólica, em que as culturas humanas investiram no intuito de
entender o mundo e a si mesmas.
O homem é o único animal que deixa vestígios de sua história, seja através de símbolos
gráficos, de totens, de imagens esculpidas, ou de tecnologias. Esses elementos da cultura são
marcas, interpretações de um homem que, significando a si mesmo, transforma a natureza e
constrói o chamado mundo humano – a humanidade, que é uma extensão da sua própria
37
natureza. Nesse viés, é interessante constatar que os períodos de grande crise da humanidade,
sem exceção, promoveram grandes crises no sistema de crenças, de significados culturais. Isso
acontece porque os significados humanos são construídos a partir do confronto direto que o
homem trava com as vicissitudes da realidade e do confronto silencioso que ele trava com o seu
desejo. Os significados, pode-se dizer, são produzidos na relação dinâmica entre a necessidade
de sobrevivência e a necessidade de plenitude. E, no caso, a plenitude buscada coloca-se
sempre em questão:
Mediação de transcendência
Por exemplo, alimentar uma criança com um horário fixo tem o valor superf icial de proporcionar-
lhe nutrição e, possivelmente, ensinar-lhe a habilidade sensório-motora de manipular uma colher;
sem dúvida, a mesma atividade pode ter o valor transcedental de ensinar a criança as noções de
tempo, horário, repetição de fatos similares, etc. (Kozulin, 2000, p. 85)
É razoável esperar que um estudante universitário esteja apto a aplicar, em um novo contexto, uma
lei da física, ou uma prova de geometria, ou um conceito de história acerca do qual ele recém exibiu
“domínio aceitável” em seu curso. Se, quando as circunstâncias de testagem são ligeiramente
alteradas, a competência buscada não pode mais ser documentada, então a compreensão – em
qualquer sentido razoável do termo – simplesmente não foi adquirida. Esse estado de coisas
raramente tem sido reconhecido publicamente, mas mesmo estudantes bem -sucedidos sentem que
seu aparente conhecimento é, no máximo, frágil. Talvez esse embaraço contribua para o sentimento
de que eles – ou mesmo o sistema educacional inteiro – são de algum modo fraudulentos. (Gardner,
1994, p. 9)
Mas, afinal, transcender para quê? De um ponto de vista ético, seria interessante que
qualquer indivíduo tivesse consciência crítica de seu lugar na vida, consciência política, postura
ética e valores morais elevados, que exercesse sua cidadania e fosse contrário às injustiças,
buscando a transformação social para o bem comum. Tudo isso só é possível através da
capacidade humana de extrapolar os eventos em si e estabelecer condições que transcendam os
acontecimentos da simplicidade para a complexidade. Aproveitando o ensejo, menciono
Ricouer (citado em Velho, 1995):
Uma ação importante, poderíamos dizer, desenvolve significados que podem ser atualizados ou
realizados em situações outras que não aquela em que ocorreu essa ação. Ou seja, o significado de
um evento importante vai além, supera, transcende as condições sociais de sua produção e pode ser
reatualizado em novos contextos sociais. Sua importância é sua relevância durável e, em alguns
casos, sua relevância onitemporal. (Ricouer, 1984, p. 208)
• Pode ser construído através de sua capacidade para agir nos diversos ambientes: ações
competentes elevam o sentimento de competência.
• Pode ser definido também pelo impacto de suas ações nas pessoas que o cercam. As
impressões, os comentários, os sentimentos das outras pessoas em relação ao indivíduo
têm um papel relevante na definição do sentimento de competência de alguém.
• Embora os dois primeiros aspectos digam respeito aos feedbacks objetivos, percebidos
diretamente através da competência das ações e da aprovação dos outros, há um
terceiro fator, subjetivo, que diz respeito à auto-estima interna da própria pessoa. Uma
auto-estima muito baixa faz com que a pessoa tenha um baixo sentimento de
competência, mesmo sendo competente e tendo o apoio e a admiração das pessoas ao
seu redor.
Esse critério significa basicamente ir em direção ao outro e promover uma ação de troca,
de inter-relação. De modo geral, desenvolve a capacidade do mediado de se descentrar das suas
próprias posições e, assim, compartilhar seus pontos de vista e suas produções com as do
outro. Essa mediação estimula a busca de novas relações que conduzam a novas aprendizagens
e identidades, visto que promove também o “colocar-se no lugar do outro”. O indivíduo que
partilha apreende a importância do vínculo social inserido na diferença.
Várias pesquisas antropológicas estudam a importância do compartilhar para o
estabelecimento de um vínculo duradouro entre pessoas ou grupos. Esse tipo de
relacionamento é encontrado em todas as culturas, sendo caracterizado como um traço geral da
humanidade (Pinker, 1998). Toda interação humana que leva em conta o compartilhar
caracteriza-se pela consideração do outro, dos seus sentimentos, das suas aspirações, de sua
pessoa como um todo, imperando, evidentemente, a reciprocidade. Os dois lados ganham com
a partilha.
O aspecto humanitário é evocado quando os indivíduos interagem compartilhando suas
experiências e suas vivências. Embora a base da partilha seja a troca, essa relação pode
transcender-se em uma sensibilização ao bem-estar do próximo. Nesse contexto, surgem
condições de interação como a empatia, o respeito e a compreensão da dor e da felicidade do
outro. Se algum dia o ser humano perder esta capacidade, perderá a oportunidade de sentir
junto com o outro e de crescer em comunidade. O ser humano isolado em seu mundo é apenas
uma unidade fria e solitária. Além disso, todas as formas básicas de relação implicam o
compartilhar, como o companheirismo, a amizade, o casamento e a família. Convivemos com
outros que nos são semelhantes, partilhando as diferenças. Aquele que experienciou esta
mediação, possivelmente assegurará que outras gerações sejam mediadas por ele mesmo no
comportamento de partilha e assim sucessivamente.
Por exemplo, as maiores diferenças encontradas em geral entre homens e mulheres, em termos de
dependência e independência, são relacionadas aos papéis de cada gênero, impostos pela sociedade.
(Feuerstein e Feuerstein, 1994, p. 43)
42
Isso é ilustrado pela história de um velho homem que está plantando uma árvore. Alguém passa e
pergunta: “Por que você planta esta árvore? Você sabe que não será capaz de co mer os frutos, uma
vez que são necessários 70 anos até que a árvore gere frutos”. Ele responde: “Sim, mas se meus pais
não tivessem feito o que eu fiz, eu não teria comido tal fruto”. (Feuerstein e Feuerstein, 1994, p. 44-
45)
Mediação da conscientização
do ser humano como modificável
Existe uma crença geral na cristalização e na estaticidade do ser humano, como se isso
fosse uma verdade incontestável. Há um ditado que diz: “Pau que nasce torto morre torto”.
Concepções como essa influenciam fortemente a maneira como os indivíduos vêem a si
mesmos e modificam sua história de vida. A crença na estaticidade acarreta, provavelmente, a
própria estaticidade: quando nada se faz, nada se colhe. Entretanto, o pior da crença na rigidez
é que nada se espera de alguém que não seja o previsível.
A conscientização do ser humano como modificável implica acreditar na imprevisibilidade
e na superação das expectativas. O destino passa a ser do próprio homem que, apesar de sujeito
a determinados fatores maiores que ele, também pode alterar o curso desses fatores,
influenciando diretamente sua história e, quem sabe, a História. Feuerstein aborda a
passividade dos educadores que não acreditam na modificabilidade humana:
MEDIAÇÃO ESPONTÂNEO-INFORMAL
E MEDIAÇÃO TÉCNICO-FORMAL
Nota-se que a EAM foi posta até agora como um fenômeno inconsciente, informal, ou seja,
como sendo um movimento cultural espontâneo, aprendido e apreendido através das gerações.
Nenhuma pessoa, em sua relação cotidiana, imagina que está ativando a inteligência de
ninguém, ao menos na magnitude da importância que Feuerstein impõe a essa interação
específica. Na melhor das hipóteses, as pessoas sabem que, quando interagem umas com as
outras, estão mobilizando o potencial do outro e de si mesmas. No entanto, essa consciência
não ultrapassa tal limite, e as pessoas não sabem como alterar a inteligência de ninguém
quando o processo de aprendizagem está indo mal.
Não há como alterar algo que não se conhece bem, e é isso que o Método de Avaliação do
Potencial de Aprendizagem (LPAD) e o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI),
ambos procedimentos operacionais ou sistemas aplicados de Feuerstein, propõem: conhecer
bem a condição cognitiva do indivíduo e alterar os pontos necessários para uma mudança
estrutural (Egozi, 1994). Chamaremos essa mediação intensiva de mediação técnica ou formal,
cujo processo de interação não é mais difuso, e sim consciente dos focos a serem alterados, os
quais Feuerstein denomina de funções cognitivas.
Em outras palavras, o programa PEI é formulado para compensar a carência das iniciais EAM da
infância, a qual causou reduzida modificabilidade cognitiva e criou a necessidade de uma
intervenção remediadora. Foi a necessidade de remediar os efeitos da falta de experiência de
aprendizagem mediada em adolescentes privados culturalmente, sob os cuidados do Departamento
para Youth Aliyah, que estimularam Fauerstein a criar o programa PEI. Nós enfatizamos a expressão
“método e técnica” usada na definição de Fauerstein relativa ao PEI para desenvolver o contraste
entre o uso “natural” da experiência de aprendizagem mediada na infância e a aplicação “artificial”
do método e da técnica planejados, tais como o PEI. O ponto é que, esse substituto artificial, mesmo
servindo ao propósito original, é normalmente muito diferente do original em seu formato como
método de uso. Por exemplo, os óculos que são usados como corretivo para visão deficiente são
muito diferentes do cristalino natural dos olhos; uma muleta ou uma prótese são muito diferentes da
perna perdida ou defeituosa que foi substituída. Do meu ponto de vista, essa relação entre o original
e o substituto vale também para a relação mediacional dos pais na infância (orig inal) e o “método e
técnica” do PEI, o qual está objetivado para corrigir os efeitos danosos da falta de EAM. (Egozi,
1994, p. 351)
NOTAS
46
1. Segundo Balbi e Balbi (s.d.), o bebê humano encontrado nas matas e cuidado pelos lobos irá
comportar-se como um lobo porque, na evolução humana, os lobos têm um
desenvolvimento cerebral semelhante às estruturas mais primitivas do homem. Através do
contato com os lobos, seriam ativadas apenas as partes cerebrais mais primitivas. Não
entraremos em detalhes, até mesmo porque essa afirmação é bastante polêmica.
2. Serge Moscovici publica na França, em 1961, um estudo bastante interessante sobre os
significados construídos pelos cidadãos franceses a respeito da psicanálise. Sua pesquisa
referia-se às representações que as pessoas tinham a respeito da psicanálise como objeto de
conhecimento incorporado e transformado pelo cotidiano. Segundo Moscovici (1978), a
sociologia deve ter como campo central as representações que as pessoas produzem dos
eventos e dos objetos cotidianos de sua realidade. Essas representações, segundo ele,
apreendem um sujeito que é, ao mesmo tempo, produto e produtor do real. Mais do que
apenas analisar a sociedade pelo viés dos sistemas de produção e das instituições, Moscovici
(1978) propõe compreender o indivíduo como um ser ativo, capaz de elaborar, interpretar e
transformar o real, enfatizando que esse conhecimento é formado no âmbito da
intersubjetividade e da interação social, como reforça Jovchelovitch (1994). Moscovici
(1978) dá o nome de representações sociais a esse conhecimento fundado nas relações
sociais, estabelecendo a teoria das representações sociais. Sua concepção procura eliminar a
dicotomia entre indivíduo e sociedade, já que o campo do social e o campo do psicológico
interpenetram-se dialeticamente na constituição do indivíduo (Jovchelovitch e Guareschi,
1994).
3. Ainda no terreno da lingüística, outro teórico que defendeu as formações sociais e sua
relação direta com o desenvolvimento cognitivo foi Labov (1972), através da sociolingüística.
Seu maior adversário foi Chomsky (1980, 1981), convicto da qualidade inata do
desenvolvimento.
47
4
Funções Cognitivas
e Operações Mentais
48
Especificamos uma série de características da EAM e dissemos que ela é causa central e
fator proximal para o desenvolvimento da estrutura cognitiva dos indivíduos. Também
descrevemos a noção de estrutura cognitiva presente em teóricos como Piaget e Vygotsky,
relacionamos Feuerstein a eles e o concebemos como um estudioso da modificabilidade e do
processo interno cognitivo. Agora, iniciaremos nosso estudo sobre a concepção de Feuerstein
do processo interno.
Feuerstein compreende o processo interno em termos funcionais-estruturais. Do ponto de
vista funcional, ele procura analisar como a mente humana funciona e quais aspectos fazem-na
funcionar mal, segundo a influência da interação humana. Através da análise de como a mente
funciona, Feuerstein pôde constatar alguns elementos estruturais e fundamentais para um
processamento mental eficiente, denominando esses elementos de funções cognitivas. Estas,
por sua vez, foram sendo definidas a partir da influência do construtivismo piagetiano em
Feuerstein, e de seus estudos sobre a interação das mães com seus filhos.
Do ponto de vista estrutural, Feuerstein analisa o processo cognitivo, seus elementos e as
transformações estruturais vividas pelo organismo, baseando-se na teoria piagetiana do
desenvolvimento. Feuerstein é um construtivista, no sentido amplo desse conceito, e sua teoria
diz respeito à Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural. Quando fala de mudanças, de
flexibilidade, de um potencial cognitivo, concebe tudo isso dentro de uma estrutura cognitiva
que deve ser capaz de se rearranjar, de se transformar, a partir da mediação. Feuerstein difere
em grau de Piaget, pois atribui uma importância maior ao processo de aprendizagem,
redefinindo a relação entre a maturação e o contexto social. Entretanto, é estruturalista, porque
concebe a estrutura cognitiva em grau muito próximo a Piaget.
Kozulin enfatiza que, diferentemente de Piaget, o modelo de Feuerstein define o
desenvolvimento das funções cognitivas justamente através da aprendizagem mediada. Kozulin
salienta que, no modelo de Feuerstein, as funções cognitivas não se encontram nem totalmente
“dentro” do indivíduo nem totalmente no ambiente, e sim na relação entre os indivíduos, já que
o desenvolvimento das funções cognitivas está alicerçado nas relações interpessoais. O modelo
de Feuerstein acompanha o pressuposto de Vygotsky ao defender que toda função cognitiva é
tanto uma tendência biológica interna quanto uma influência externa promovida por fatores
culturais canalizadores.
Se decompomos uma função mental superior em suas partes componentes, não encontramos nada
mais que processos naturais que podem ser estudados de uma maneira estritamente científica. Não
necessitamos de nenhum princípio metafísico especulativo para estudar esses processos. Todos os
componentes básicos das funções mentais superiores são absolutamente materialistas e podem ser
captados através de métodos empíricos comuns. Não obstante, essa última suposição não implica
que as funções mentais superiores possam reduzir-se às natrais. A decomposição somente nos
mostra o material das funções superiores e não nos diz nada sobre sua construção.
O princípio construtor das funções mentais superiores encontra -se fora do indivíduo: nos
instrumentos psicológicos e nas relações interpessoais. (Kozulin, 200, p. 30)
Esquematicamente,
Funções Cognitivas: são processos estruturais e complexos do funcionamento mental
que, quando combinados, fazem operar e organizar a estrutura cognitiva. Dentre as várias
funções cognitivas definidas por Feuerstein e sua equipe, podemos citar como exemplo o
comportamento exploratório sistemático, que abrange o processo cognitivo complexo através
do qual o organismo procura e captura os estímulos do mundo. Todos os processos que
englobam a ação perceptiva de reconhecimento de objetos, a definição de estímulos, por meio
de uma busca, seja através do olhar ou do tateio, define essa função.
Operação Mental: é o resultado final da combinação de uma série de funções cognitivas.
Um exemplo de operação mental é a análise, que consiste em extrair as partes principais de um
49
todo e definir suas características, sendo o resultado da combinação de uma série de funções
cognitivas, tais como percepção clara e precisa, o comportamento exploratório sistemático, a
capacidade para lidar com duas ou mais fontes de informação, etc.
O modelo de Feuerstein enfatiza o caráter funcional, ou seja, o funcionamento da
atividade mental através das funções cognitivas. No entanto, não explica o desenvolvimento
das funções cognitivas em termos estruturais, como Piaget faz com as operações mentais. Na
verdade, embora o modelo tenha como alicerce a análise estrutural realizada por Piaget, ele
pode ser considerado uma descrição funcional de como a mente humana tem seu
funcionamento alterado pela mediação humana. Por esse motivo, tentaremos articular o
modelo funcional de Feuerstein às explicações de Piaget sobre o desenvolvimento da estrutura
cognitiva.
FUNÇÕES COGNITIVAS E
PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES
(...) as capacidades do indivíduo não são de natureza estática predeterminada, mas podem ser
significativamente modificadas pelo impacto ambiental tanto através de modos formais quanto
informais de interação. (Rand, 1994, p. 80)
Descreveremos, agora, cada função cognitiva dos respectivos níveis mentais: entrada,
elaboração e saída.
51
Funções de entrada
A função cognitiva de entrada é responsável pela absorção dos detalhes característicos dos
objetos. Os estímulos neles existentes devem ser distinguidos em seus detalhes fundamentais,
sejam seus contornos em três dimensões, suas formas específicas, seu tamanho, seu brilho,
suas cores, enfim, suas propriedades, seus atributos, suas qualidades específicas. Pelo fato de
que se relaciona diretamente com a percepção pelos sentidos (visual, auditiva), essa função
cognitiva recebe uma influência importante de aspectos filogenéticos básicos da percepção da
espécie humana, respondendo pela identificação sensorial e não-verbal dos objetos e do
ambiente, bem como pela especificação dos mesmos por detalhes fundamentais. É enfatizada a
discriminação sensorial, seja visual ou auditiva. Por exemplo, a percepção de detalhes de uma
flor, o enfoque de minúcias a respeito de suas pétalas, etc., envolve a percepção clara e precisa.
Em relação à sua deficiência, a percepção “embaçada” e confusa faz com que o sujeito não
fixe sua observação de forma precisa e com penetrância nas propriedades dos objetos e do
ambiente. Certas distinções são ignoradas, acarretando uma série de distúrbios, sejam visuais
e/ou auditivos. A discriminação é ineficiente, e a capacidade de extrair atributos dos objetos e
dos ambientes fica diminuída. Por isso, a percepção do mundo torna-se imprecisa e pobre.
Podemos dizer que a necessidade de percepção clara e precisa é exigida em todas as
atividades humanas. Contudo, sua necessidade torna-se vital especialmente nas atividades que
requerem precisão e análise apurada. Imaginemos, para finalizar, um degustador de vinho –
ele deve perceber os detalhes com precisão para analisar com profundidade os elementos da
bebida e verificar sua qualidade. Essa precisão começa na percepção do dado, do objeto.
tarefa. Constatei, juntamente com ele, a partir de nossas conversas, que havia lido somente a
metade inferior das duas folhas. O mais interessante é que essa descoberta foi uma surpresa,
tanto para mim quanto para ele! O menino não tinha consciência de sua impulsividade e falta
de sistematização.
A clínica tem revelado que crianças diagnosticadas como hiperativas ou com déficit de
atenção apresentam, na verdade, deficiências significativas no comportamento exploratório
sistemático. Elas procuram várias coisas ao mesmo tempo, sem uma busca coordenada e
planejada, demarcando uma percepção descoordenada e assistemática.
Sem o bom funcionamento dessa função cognitiva, os estímulos, mesmo sendo absorvidos
em seus detalhes, não passam pelo filtro conceitual e perdem sua carga de categoria simbólica.
Ao perder sua carga simbólica e abstrata, a percepção passa a se restringir aos aspectos
puramente concretos. O conceito tem a função de extrair as propriedades, os traços dos dados,
destacando-os do plano sensorial para o plano simbólico e geral.
A percepção não se dissocia da cadeia conceitual e dos processos superiores de
pensamento (Luria, 1990). Além disso, o objeto enfocado pelo sujeito é uma síntese entre os
estímulos observados e a cadeia conceitual que agrupa e categoriza esses estímulos em
propriedades definidas e organizadas. Perceber é, ao mesmo tempo, absorver estímulos e
transformá-los em conceitos.
Orientação espaço-temporal
Ter uma boa orientação espaço-temporal não significa apenas saber o nome das ruas e
saber andar pela cidade ou pelo mato, como circula no senso comum. A orientação espaço-
temporal tem repercussões existenciais e práticas que vão muito além disso. Uma boa
orientação espacial e temporal torna qualquer ser capaz de se inserir, orientar-se e deslocar-se
em um ambiente. Toda exploração minuciosa, busca de adaptação, seleção e transformação do
ambiente requer uma orientação espacial e temporal precisa. Como categoria do pensamento, a
orientação espaço-temporal estabelece relações entre os objetos, subsidiando todo o
pensamento abstrato. Quando bem estabelecida, essa função propicia ao indivíduo construir
referências sobre as constâncias da natureza e do ambiente (sejam espaciais, como as medidas
de tamanho, profundidade, sejam temporais, como medidas de tempo).
A noção de causa e efeito entre objetos e eventos, por exemplo, assim como a utilização do
céu como mapa, a busca por padrões repetitivos na natureza e a construção de referenciais são
manifestações que envolvem a orientação espaço-temporal.4 Evidentemente, um indivíduo com
orientação deficiente apresentará uma série de dificuldades no processo de aprendizagem e de
construção do conhecimento e tenderá ao fracasso escolar, por questões obviamente cognitivas.
Sem uma boa orientação espaço-temporal, é impossível ao indivíduo compreender vários
conteúdos escolares, como os princípios da matemática e da geografia, assim como solucionar
uma série de problemas encontrados no cotidiano.
Figura 4.1 Quadrado na posição tradicional, com seus lados na vertical e horizontal, e
quadrado em posição diferente, com seus lados na diagonal.
É notória a existência de uma série de estímulos que estão presentes em nossa vida
cotidiana. Todavia, apenas uma parte desses estímulos deve ser absorvida por nós. Não
podemos perceber todos os estímulos que nos são investidos, sob a pena de enlouquecermos.
Há um filtro em nossa atenção que canaliza a absorção de estímulos e informações,
possibilitando a percepção dos dados do mundo que tenham efetiva relevância. Por exemplo,
quando escutamos uma música bastante agradável, nossa atenção deve dirigir-se para aqueles
estímulos sonoros que envolvem a música em si, abarcando um processo perceptivo
discriminatório. Como o campo perceptivo é limitado, há necessidade de um controle na
incorporação dos estímulos a serem captados. É isso que faz a função de precisão e exatidão ao
coletar e compilar dados na fase de entrada da informação. Ela envolve os processos sensoriais,
que são processos cognitivos de base, e o controle consciente da atenção, que abrange
processos cognitivos superiores.
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Rubem Alves (1986), em seu livro sobre filosofia da ciência, diz que o cientista é aquele
que “pesca” (incorpora) o real através de uma rede. A rede delimita a forma como serão pegos
os “peixes” (dados do mundo) para a formação do “alimento” (conhecimento). Se algum dia
tentarmos “pescar” todos os peixes do mar ao mesmo tempo, com certeza nos afogaremos na
imensidão do “mar”. Podemos dizer que essa “rede” utilizada por Rubem Alves serve como
excelente metáfora no caso do campo perceptual. Todos nós podemos recolher apenas um
número limitado de elementos do real e devemos fazê-lo com certa precisão e exatidão, em
razão de uma necessidade particular, situacional ou contextual. Nossa atenção não pode estar
voltada para tudo.
Com relação a isso, é interessante, analisar alguém que começa a “navegar” pela internet e
não sabe precisar as informações de que necessita. A atenção não está dirigida e o campo
perceptivo não é regulado por uma canalização que colete apenas certos dados qualificados
como relevantes para o referido contexto. Não havendo uma filtragem dos estímulos, o
indivíduo perde-se totalmente naquele emaranhado de informações.
Funções de elaboração
Essa função depende do bom funcionamento da entrada, tendo em vista que “perceber” e
“definir” um problema implica primeiramente uma boa captação dos dados. Entretanto, apenas
a percepção dos dados não é suficiente para que alguém entenda o que lhe demanda a
realidade. É necessário que o indivíduo faça um movimento interno de usar os dados
percebidos, relacioná-los, realizando uma síntese compreensiva.7
Uma pessoa pode captar várias fontes de informação, ter uma percepção clara, precisa e
ainda ser guiada por conceitos; no entanto, nada disso terá sentido se não houver uma síntese
de tal percepção na definição do problema que a realidade apresenta. Utilizando uma metáfora,
posso ter todos os instrumentos de uma arte marcial; porém, se não souber quando estou no
55
ringue, quando estou em guerra e quando estou em paz, jamais usarei com sabedoria meus
dons.
É comum aos indivíduos com deficiência nessa função, diante de tarefas, observar os
dados, mas não definir a natureza do problema. A percepção e a definição do problema
implicam a interpretação dos dados observados e, por isso mesmo, situam-se no âmbito das
funções de elaboração dos dados. Aliás, grande parte da impulsividade provém de uma
deficiência nessa função cognitiva, em que a carga de informações encontra-se totalmente
desordernada pela falta de uma representação que signifique as informações absorvidas no
processo de entrada.
Utilizo um exemplo engraçado quando desejo mediar a correção dessa função cognitiva de
perceber e definir o problema. Contextualizo uma situação de compras, dizendo que um rapaz
deve comprar cinco bananas e duas maçãs. Chegando ao supermercado, ele fica encantado com
todas as frutas, verduras e, principalmente, com os chocolates. Entusiasmado, compra cinco
chocolates e duas melancias em promoção. Normalmente, os mediados divertem-se bastante
com o exemplo e tomam consciência de seu comportamento no momento de realizar uma
tarefa.
Saber fazer uso da comparação, de forma espontânea, é uma das funções mais necessárias,
básicas e fundamentais que permeiam a vida cotidiana e acadêmica do homem. Comparar
significa qualificar as propriedades dos objetos em termos de suas diferenças e semelhanças.
Em níveis mais elementares, comparar é extrair diferenças e semelhanças concretas entre dois
ou mais objetos e, em níveis mais abstratos, comparar é instituir semelhanças e diferenças por
meio de classes formais.
A comparação adquire um estatuto de generalização quando conectada à linguagem
humana. Graças à linguagem, compreendemos os objetos como classes. Quando digo vermelho,
não estou referindo-me apenas a uma maçã vermelha, mas ao traço, ao conceito denominado
vermelho. Evidentemente, todas as coisas que contêm vermelho entram no universo dessa
classe chamada vermelho. Note-se, porém, que a linguagem permite ao ser humano comparar
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não apenas os objetos concretos, mas também analisar e comparar classes, extrapolações dos
próprios objetos.
Muitas vezes, a dificuldade que o indivíduo apresenta para comparar reside em encontrar
o critério mais apropriado para fazer uma boa relação entre as propriedades-conceitos dos
objetos. Um critério não deve ser muito geral, nem muito específico, a não ser que haja motivos
específicos para isso. Por exemplo, se se quer comparar um homem com uma mulher, e o
critério é sua mais fundamental semelhança e diferença, deve-se dizer que os dois têm sexos
diferentes, mas apresentam como semelhança serem seres humanos. Não é válido dizer que
ambos têm como semelhança a presença de olhos, ou que ambos são semelhantes porque são
seres vivos. O primeiro caso é muito específico, deixando de lado que eles também têm braços,
pernas e outras características próprias da espécie. Já o segundo caso é demasiadamente
generalista, colocando-os no mesmo grupo das moscas e das baratas. Esse agrupamento
impreciso e vasto mostra que o indivíduo não reconheceu nesses dois objetos propriedades
mais restritas que determinavam com maior precisão seu grau de semelhança: o fato de ambos
serem seres humanos.8
Quando o indivíduo apresenta deficiência nessa função cognitiva, ou seja, quando percebe
o mundo de forma episódica, em geral demonstra dificuldades para organizar as informações e
pensar de forma ampla. Normalmente, seus esquemas mentais representam informações
parciais, fragmentadas, em que diversas representações mentais formam apenas esquemas
parciais. A percepção episódica torna o indivíduo preso à fragmentação dos dados, tornando
sua capacidade de interpretação da realidade frágil. Pode-se constatar que essa função e a
função de amplitude do campo mental relacionam-se diretamente com a capacidade do
indivíduo para elaborar uma grande quantidade de informações ao mesmo tempo. A percepção
global da realidade constrói representações mentais globais, sintetizando várias representações
em um esquema mental flexível e amplo.
O indivíduo que possui deficiência nessa função cognitiva apresenta grandes dificuldades
em aprender com as situações, em tirar proveito da experiência. Em nível mais simples, pode-
se dizer que a interiorização do próprio comportamento significa a formação de esquemas
mentais sobre as ações utilizadas para a realização de uma tarefa do cotidiano. Em nível mais
complexo, pode-se dizer que essa função imprime a construção virtual de padrões complexos
de comportamento que produzam um alto nível de profundidade e precisão, disponíveis para
qualquer situação de necessidade.
A metacognição tem sua força aqui. Através dessa função cognitiva, o indivíduo pode
obter consciência de seus atos e formular inferências sobre as causas desses atos e melhorá-los.
Mediei um adolescente que jogava comigo futebol de mesa. Ele batia a palheta com muita força
em seu jogador, o chute saía muito forte, e o garoto nunca acertava o gol. Em suma, não
conseguia fazer passes nem mesmo para outros jogadores mais próximos do gol. Seu domínio
de ações motoras era bastante precário. Além disso, chutava a gol de qualquer distância,
raramente conseguindo um bom chute, muito menos um gol. Deixei isso acontecer por um bom
tempo, analisando sua própria maneira de jogar. Depois, perguntei-lhe como fazia para jogar,
qual era seu “jeito de jogar”, explicando que eu tinha um jeito de jogar, uma forma especial,
uma técnica. Ele olhou para mim com um olhar de pesar e, sem jeito, franziu a testa,
mostrando que nunca havia pensado em “como” jogar, mas apenas em jogar. Nunca havia
parado para pensar no seu jogo e no quanto era responsável pelos seus próprios acertos e erros.
Perguntei-lhe se desejava apenas jogar, ou se também queria fazer gols e, quem sabe, ganhar. A
resposta foi contundente e firme. Desejava melhorar. Esse é um exemplo simples de como a
interiorização do próprio comportamento é uma função cognitiva essencial na análise do
comportamento e dos processos cognitivos envolvidos.12
Pensamento hipotético
Por exemplo, os agricultores sabem quando uma condição climática deve ser favorável e
produzir chuva (hipótese muito provável) por meio de indícios demonstrados na natureza e de
seus conhecimentos prévios sobre eventos passados. Em outras palavras, para que uma
hipótese tenha relevância, o problema deve ser bem definido. Os especialistas em alguma área
são pessoas que sabem absorver da realidade o maior número de informações para os
problemas de sua área e estabelecer o maior número de hipóteses através das variáveis mais
importantes (Gardner, Konhaber e Wake, 1998).
Do ponto de vista da qualidade do pensamento hipotético, podemos dizer que a
formulação de uma hipótese implica a consideração de que uma situação pode ter várias
possibilidades para ser resolvida ou compreendida. Uma hipótese é o contrário de uma
verdade, porque toda hipótese tem em si uma margem de dúvida, de incerteza. A clínica mostra
que os indivíduos que apresentam deficiência nessa função, ou seja, que apresentam
59
dificuldades em construir hipóteses, demonstram uma mente bastante rígida, caracterizada por
opiniões centradas e unilaterais: eles generalizam dados parciais e estão pouco abertos a novos
indícios. A formulação de hipóteses abre o leque cognitivo, possibilita previsões e predições
probabilistas, o que, aliás, é uma necessidade humana desde os seus primórdios para controlar
a natureza e conhecer seus enigmas.13
pensar. O núcleo do aprender a aprender é, por excelência, a capacidade para traçar novas
estratégias.14
o conceito cognitivo e sua ligação direta com uma nova maneira de interagir com o mundo.
Esse processo, além de ampliar a consciência do próprio ato do pensar, garante e possibilita a
transcendência, pois generaliza o processo do raciocínio para múltiplos contextos. O mediador
não deve simplesmente assistir à tomada de consciência espontânea (Piaget, 1977), e sim
provocar diretamente conflitos cognitivos e mobilizar o potencial do indivíduo. Podemos
inclusive entender essa função cognitiva com relação à importância que Vygotsky atribui à fala
enquanto elemento de articulação e controle do próprio pensamento das pessoas.
Estabelecer relações virtuais é uma função cognitiva responsável pela manipulação das
representações mentais através de novos recortes da realidade. Pode-se estabelecer que as
representações mentais são o “espaço virtual” em que as projeções atuam. Desse modo, a
representação mental é o “veículo” a ser projetado virtualmente, e a projeção de relações trata
da mobilidade e da capacidade de engendramento das representações entre si pela formulação
de novas relações. Estabelecer relações virtuais significa relacionar diversos planos de
informações.
Em alguns casos, pude constatar em meus mediados uma boa projeção de relações
virtuais, porém acompanhada de uma escassa representação da realidade. Isso se demonstrou
acentuademente em um rapaz portador de síndrome de Down. Como sua projeção de relações
virtuais era muito mais rica que sua capacidade para representar globalmente, as projeções
eram como “setas” que não possuíam um alvo bem dirigido. Ele projetava relações, mas não
tinha referências conceituais, temporais e espaciais que orientassem e norteassem suas
projeções, demarcando um caso bastante interessante de imaginação fértil, porém ainda em
forma “bruta”, devido ao desenvolvimento deficiente do plano representacional. À medida que
as categorias básicas do pensamento foram sendo estabelecidas – tempo, espaço, causa e efeito
– através da intervenção cognitiva, as projeções foram mostrando-se cada vez mais criativas e
organizadas. É interessante destacar que ele não tinha uma percepção global porque não
possuía uma flexibilidade e reversibilidade do pensamento: suas representações eram parciais
e fragmentadas.
62
Funções de saída
Comunicação descentralizada
Essa função implica e requer o aspecto emocional na comunicação das idéias. Todo
conteúdo do mundo é investido de uma carga emocional e de um valor para o indivíduo. Por
isso, a capacidade para comunicar de forma fluida as idéias indica uma relação positiva entre o
conteúdo transmitido e o sujeito, e sua deficiência forma bloqueios na comunicação. Todo
conteúdo é carregado de valores e de significados emocionais. Em determinadas situações,
nossa resposta pode ser truncada devido à presença poderosa e negativa de determinados
significados.
Feuerstein e colaboradores (1980) chamam a atenção para o fato de que o bloqueio na
comunicação e na ação relaciona-se, em diversas situações, ao registro de fracassos repetidos.
O insucesso em determinadas tarefas, seja devido à impulsividade, à falta de raciocínio lógico, a
uma deficiência no processo de entrada, é, em algumas situações, concebido como uma
impossibilidade para o futuro, demarcando no indivíduo uma postura de reação negativa frente
a uma nova ação.
A função responsável pela precisão na execução dos problemas destaca-se porque, além de
cuidar dos detalhes da ação, fornece um feedback fundamental em relação às funções de
entrada e de elaboração. A precisão e a exatidão ao comunicar respostas pode ocorrer em
termos de ações sensório-motoras específicas e por meio da fala. O feedback mais poderoso às
outras funções é veiculado pela fala, propiciando uma ação virtual que pode ser modificada
quantas vezes for necessário.
Um exemplo clínico demonstra a idéia da ação dessa função de precisão e exatidão ao
responder. Uma pessoa recebe uma tarefa de lápis e papel. Ela deve descrever (uso
metacognitivo da fala) o raciocínio utilizado para a resolução da tarefa, ou seja, falar o que ela
observa, as propriedades dos objetos (fase de entrada), o que está entendendo, qual o objetivo
da tarefa (fase de elaboração), e como pode ser a resposta para o problema (fase de saída).
Esse processo de falar com clareza sobre o raciocínio e as estratégias do pensamento utilizadas
no processo implica a função de saída de precisão e exatidão ao responder. Ainda com relação
ao exemplo, se a resposta for vaga e imprecisa, será solicitada maior precisão. A pessoa deverá
pensar sobre a coerência e a precisão de sua própria fala. Nessa seqüência de respostas pela
fala, a pessoa vê-se confrontada a observar incoerências e reelaborar suas hipóteses e
estratégias.
Muitas vezes, somente o fato de se pedir para que alguém exponha com precisão sua
resposta já faz com que altere automaticamente e por conta própria a eficiência de seu
pensamento, dando feedback ao processo de entrada e de elaboração. Nesse processo, ocorre a
produção de um movimento cognitivo de reentrada e reelaboração, com novas respostas. Note-
se que já havíamos comentado que a saída não tem uma função de apenas capacitar o
comportamento. Na realidade, ela é um processo que maximiza o processo cognitivo e também
impulsiona o indivíduo a executar procedimentos no mundo da melhor forma possível,
construindo uma tomada de consciência (Piaget, 1977) e uma abstração reflexionante (Piaget,
1995).
Conduta controlada
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
FUNÇÕES COGNITIVAS DEFICIENTES
seja incompreensível. O professor pode alterar sua didática e não surtirá efeito, já que a
questão está na incapacidade do aluno em captar o número de elementos envolvidos.
Um mapa de geografia, por exemplo, vira uma “batalha” para o aluno que observa
apenas algumas informações de uma só vez e ainda de maneira fragmentada e
episódica.
Já na fase de elaboração:
Todos esses produtos ou comportamentos descritos são fatos vividos cotidianamente nas
escolas. O que Feuerstein faz ver é que esses fenômenos têm uma causa fundamental no
processo cognitivo: deficiência de funções cognitivas, promovida e causada pela síndrome de
privação cultural. Poderíamos ter falado não somente da escola, mas da empresa, da
universidade. Escolhemos a escola como um exemplo didático, o qual pode ser extrapolado em
todas as áreas que implicam algum tipo de processo de aprendizagem. Mais adiante,
discutiremos o programa cognitivo de Feuerstein para mediar, alterar e corrigir as funções
cognitivas deficientes (Capítulo 5) e analisaremos um novo paradigma para o campo educativo,
em função das novas descobertas sobre o processo mental e sua relação com o aprender a
aprender, aprender a pensar (Capítulo 6).
67
Feuerstein não estuda especificamente as operações mentais em sua teoria, mas as inclui
em seu quadro de funções cognitivas que descrevem o funcionamento cognitivo. É importante
ressaltar que a análise estrutural das operações mentais utilizado por Feuerstein tem seu
alicerce e sua explicação no enfoque sistêmico de Piaget (Kozulin, 2000). Nesse sentido, é
necessário que retomemos alguns conceitos piagetianos para a fundamentação conceitual de
operação mental.
Segundo Piaget (1958), toda operação mental tem sua gênese na ação e seu
desenvolvimento constrói-se através do desenvolvimento da estrutura cognitiva.
68
O comportamento verbal é uma ação sem dúvida amenizada e ainda interior, um esboço de ação que
corre o risco incessante de permanecer em estado de projeto; é uma ação, contudo, que
simplesmente substitui as coisas por signos e os movimentos por sua evocação; e opera ainda no
pensamento por meio desses intérpretes. Ora, negligenciando esse aspecto ativo do pensamento
verbal, a introspecção só vê no signo reflexão, discursos e representação conceitual. Daí, a ilusão dos
psicólogos introspectivos quando julgam reduzir-se a inteligência a esses estados terminais
privilegiados, bem como a dos lógicos, de que o esquema logístico, mais adequado, deve constituir
essencialmente uma teoria de “proposições”.
Para alcançar o funcionamento real da inteligência importa, pois, em inverter esse movimento
natural do espírito e situar-se na perspectiva da própria ação. Somente então aparece claro o papel
dessa ação interior que é a operação. E por esse fato, impõe-se a continuidade que une a operação à
ação verdadeira, origem e meio da inteligência.
Para Piaget, a inteligência e a operação mental são correlatos, e essa correlação é explicada
através de dois fatores:
Identificação
Análise
Comparação
Síntese
A operação mental de síntese permite que o indivíduo estabeleça relações que se referem
ao mecanismo global. A organização do todo vai além do funcionamento de qualquer uma de
suas partes. Um corpo humano é composto de células, que formam tecidos, que formam
70
Classificação
Até então, pelo exemplo, a construção dos critérios sexo e altura, e a formação das
respectivas classes e suas diferenças, demarca o que ocorre no próprio processo da
comparação. Comparamos por meio de classes, como foi dito anteriormente. Entretanto,
podemos notar algo que vai além da comparação, demarcando a classificação por excelência.
Analisemos o exemplo dado. Com a mudança do critério sexo para o critério altura, pudemos
notar que as meninas altas foram incluídas junto aos meninos, isso porque o elemento
relevante passou de sexo para altura (Figura 4.3). Esse rearranjo dos elementos, a partir da
mudança de critérios, não faz parte do ato de comparar, mas especificamente do ato de
classificar, demarcando sua especificidade. A classificação se distingue totalmente da
comparação quando opera logicamente rearranjando os elementos. No exemplo dado, as
meninas altas, que no primeiro critério estavam agrupadas com a outra menina, passam a ser
incluídas junto aos meninos, a partir da mudança de critério. Esse rearranjo define a
classificação por excelência. 22 Neste sentido, afirmamos que o que caracteriza a classificação
por excelência não é a formação de classes, já que este fenômeno ocorre no ato de comparar,
mas sim a coordenação das classes, ou seja, o rearranjo do universo de elementos em diversas
classes e em diversos critérios.
Semelhante a todas as outras operações mentais, a classificação também sofre um
processo de desenvolvimento progressivo, adquirindo o caráter lógico após certa fase do
desenvolvimento infantil.22
Seriação
Por exemplo, o agrupamento de bolas visto na Figura 4.4 é uma classificação já que
organiza os objetos por meio de uma relação de igualdade (todos são bolas):
72
Figura 4.5 Seriação crescente de tons mais claros para tons mais escuros das bolas.
Do ponto de vista da construção da seriação no aparato cognitivo, pode-se dizer que ela
acompanha a construção da classificação (Piaget e Inhelder, 1983a).23 Do ponto de vista do
processo mental, organiza a projeção de relações virtuais e a representação, já que dá uma
seqüência lógica aos eventos e aos objetos. Um trecho de Piaget (1958, p. 64) ilustra essa
relação:
Tomemos, como exemplo, uma interessante experiência devida ao nosso colaborador André Rey.
Tracemos um quadro, de alguns centímetros, numa fôlha de papel igualmente quadrada (10 a 15 cm
de lado) e peçamos ao paciente para traçar o menor quadrado possível, bem como o maior quadrado
que possa caber na fôlha. Ora, enquanto os adultos (e as crianças a partir de sete-oito anos)
conseguem traçar rapidamente um quadrado de 1-2 mm de lado, ou outro que cubra a beira do
papel, as crianças de menos de seis-sete anos apenas desenham, a princípio, quadrados menores e
maiores que o modelo, procedendo, pois, por tentativas sucessivas e, às vêzes, infrutífe ras, como se
não pudessem antecipar, em nenhum momento, as soluções finais. Nesse caso, o que notamos é a
intervenção de um “agrupamento” de relações assimétricas (A < B < C...), presente nas pessoas
maiores e aparentemente ausente nas menores de sete anos. O quadrado percebido se situa, no
pensamento, dentro de uma série de quadrados virtuais, cada vez maiores e cada vez menores, em
relação ao primeiro.
73
Diferenciação
Codificação e decodificação
Representação mental
Pensamento divergente
Pensamento(s) lógico(s)
A faculdade de pensar logicamente não é congênita nem está pré-formada no psiquismo humano. O
pensamento lógico é o coroamento do desenvolvimento psíquico e constitui o término de uma
construção ativa e de um compromisso com o exterior, os quais ocupam toda a infância. (Piaget e
Inhelder, 1988, p. 32)
cotidiano em nível concreto; o outro organiza a realidade sobre o plano abstrato dos
enunciados e das regras formais.
Portanto, o pensamento lógico concreto caracteriza-se como sendo a capacidade do
pensamento em agrupar (associar, reverter, compensar, incluir) e organizar os elementos do
real de forma flexível, reversível, estabelecendo regras para seus agrupamentos e ações.27 Nosso
estudo sobre as operações mentais anteriores explicita melhor os fundamentos da operação
lógica concreta, já que esse pensamento caracteriza-se como o conjunto de todas as operações
já citadas, tais como a comparação, a projeção de relações virtuais, em uma condição reversível
das operações.
Quanto à lógica formal, vejamos seu caráter. Há várias explicações sobre as mais diversas
situações ou fenômenos do mundo. Quando alguém, em seu objetivo de entender os
fenômenos, cria uma explicação, sua comunicação ocorre através de um enunciado (Maritain,
1994), como, por exemplo, “Todo guarda-chuva é preto”.
Estamos a todo momento criando enunciados sobre a vida, sobre as coisas, isto é, sobre os
fenômenos que nos cercam e um conjunto organizado de enunciados forma uma
argumentação, o alicerce do pensamento lógico-formal.
Os enunciados, implícita ou explicitamente, expressam uma relação. Pensar formalmente,
em sua base, é pensar através de argumentos. Podemos dizer que um argumento é uma
combinação de enunciados em que uma conclusão pode ser tirada através da relação entre
enunciados. Os enunciados iniciais que se relacionam são chamados de premissas. Um
argumento, pois, define-se pela construção de premissas e pela produção de uma conclusão
(ver Figura 4.9):
Argumentos dedutivos:
• Sendo as premissas verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira.
• Toda compreensão obtida na conclusão já deve estar inserida nas premissas.
78
Argumentos indutivos:
• Mesmo que todas as premissas sejam verdadeiras, é possível que a conclusão seja falsa.
• A conclusão acarreta novas informações que as premissas não continham.
Ainda com relação à diferença entre os dois tipos de argumentos, na dedução o importante
é confirmar a premissa, enquanto na indução o importante é produzir uma nova conclusão,
mais abrangente ou mais precisa. Quando se argumenta dedutivamente, o importante é validar
a premissa inicial; quando se argumenta indutivamente, o importante é produzir uma verdade
parcial na conclusão através das premissas (ver Carrilho, 1994, sobre a importância da indução
no procedimento científico).
Esquematizando, alguém pode argumentar o seguinte:
Pelo conhecimento de mundo, sabemos que os pássaros não são maus e, muito menos,
que todos os pássaros são vermelhos. Esses enunciados não têm validade empírica frente à
realidade. Todavia, há uma validade comprovada na relação entre as premissas e a conclusão,
uma vez que as premissas estão em relação perfeita com a conclusão, não do ponto de vista da
verdade, da evidência observacional, mas do ponto de vista da estrutura lingüística, da forma
proposicional como foram construídas. Os argumentos dedutivos encaixam-se perfeitamente
nesse modelo. Portanto, no argumento dedutivo não está em questão a validade empírica, e sim
a validade estrutural dos enunciados, porque o processo dedutivo encontra-se no máximo da
abstração, em que a relação entre os termos é mais importante que o conteúdo transmitido por
eles. O conteúdo perde em importância para a forma (Lefebvre, 1979).
No entanto, convém salientar que a argumentação dedutiva pode ser (e é) usada para
formalizar premissas baseadas em evidências objetivas, motivo pelo qual a ciência busca
organizar dedutivamente observações empíricas.
Quanto à argumentação indutiva, vejamos um exemplo: se alguém abre um saco, pega
alguns elementos desse saco e constata que todos são brinquedos, baseado em evidências
objetivas, pode generalizar que o saco é de brinquedos. Note-se que o indivíduo manipulou
apenas alguns elementos do saco, em alguns pontos importantes, e generalizou que todo o saco
deveria ser de brinquedos. Tem-se que:
Note-se que a conclusão supera a premissa, como foi dito anteriormente. A indução
extrapola a premissa, enquanto a dedução confirma a premissa.
Retomando as operações mentais, objeto de nosso estudo neste item, apresentaremos as
operações mentais que consideramos situarem-se especificamente no pensamento lógico: o
pensamento hipotético-inferencial, o pensamento transitivo; o pensamento analógico e o
pensamento silogístico.
Pensamento hipotético-inferencial
Essa é uma ação mental responsável pela descoberta de relações de causa e efeito entre os
objetos. A inferência é a busca e o estabelecimento relações para o preenchimento de lacunas
na explicação das coisas. O mundo possui certas constâncias, certos padrões, e as inferências
são as tentativas do aparato cognitivo de compreensão das relações possíveis entre os objetos e
os eventos, do mundo: o que se liga a quê?
79
Pensamento transitivo
Pensamento analógico
A regra subentendida na relação “Sol está para homem” mostra que um objeto da natureza
representa um gênero humano. Aplicando-a a outro elemento semelhante, temos que “Lua está
para mulher”. Lua também é um objeto da natureza e pode representar o gênero feminino.
Segundo Almeida Júnior (1963, p. 119): “Analogia é uma proporção entre razões, ou a
identidade de razões que duas coisas têm em relação a outras duas”. O pensamento analógico
generaliza uma condição para diversos contextos através do caminho indutivo, estabelecendo
uma condição a partir de relações mínimas e extrapolando pela generalização. Um exemplo
excelente de analogia, de atividade que mobiliza e requer o pensamento analógico para sua
solução, é o teste de Raven.
Existe uma brincadeira simples, mas que exige pensamento analógico. Descubra a regra
existente na transformação dos elementos. Escreva os números que faltam nos espaços
demarcados no quadro pela letra a e pela letra b, em função da regra que deve ser descoberta
(ver Tabela 4.1):
8 12 15 (b)
Pensamento silogístico
por dois termos: o sujeito do enunciado e seu predicado. Por exemplo, “Todo cachorro é
vermelho”.
O sujeito do enunciado é “cachorro” e o predicado é “vermelho”. Existem duas classes,
explicitadas pelo sujeito e pelo predicado, que são justamente o conjunto de cachorros e o
conjunto da cor vermelha. Assim, o enunciado simples ou categórico trata de conjuntos
determinados, não precisando necessariamente implicar uma verdade empírica, ou seja, estar
de acordo com a realidade objetiva, como, por exemplo, “Todos os homens são azuis”.
Como relação lógica entre os enunciados categóricos, o silogismo possui a seguinte
estrutura (Hegenberg, 1975):
Como estrutura lingüística, o silogismo não é analisado pelo seu conteúdo, e sim pela sua
estrutura interna, demarcando uma validade proposicional e não uma validade empírica.
Analisando a forma do exemplo, destituído do seu conteúdo, temos: A é B; B é C; logo, A é C.
Sendo que A é igual a “os elefantes da África”; B é igual a “bichos nervosos”; C é igual a
“não se relacionam”.
É importante ressaltar que essa operação mental, entre as que compõem o pensamento
lógico, é a base do pensamento lógico formal de Piaget. Sobre esse pensamento, aliás, há uma
série de estudos que tentaram analisar se a lógica formal poderia ser definida como um
processo fundamentalmente natural da mente humana, ou se ela recebia uma forte influência
da educação formal.
Johnson-Laird (1992), o principal expoente dessa análise, descreve com bastante
propriedade a dificuldade da maioria das pessoas adultas em realizar deduções a partir de
construções de cunho apenas formal. Segundo ele, as pessoas realizam deduções
eficientemente quando expostas a situações contextuais, nas quais o conteúdo tem
importância. O autor (1992) enfatiza que as premissas são preferencialmente interpretadas
pelos indivíduos através da utilização de esquemas de conhecimento prévios e que o ser
humano primeiro analisa as premissas em termos de sua relevância frente à realidade externa,
82
(...) sob a operação de classificação há um número de funções, como coleta de dados precisos e
sistemáticos; a necessidade de lidar com duas ou mais fontes de informações simultaneamente e a
necessidade de comparar os objetos ou fatos para serem classificados. (Feuerstein et al., 1980, p. 71)
Assim como no caso das funções cognitivas, as operações mentais também ocorrem de
forma complexa e inter-relacionada entre si. Uma operação mental não existe sozinha no
processo do pensar. Um exemplo claro é o da classificação: para que um indivíduo venha a
classificar, ele deve primeiramente identificar, analisar, comparar, ou seja, colocar em
operacionalização uma série de outras operações mentais. Outro exemplo pertinente é o caso
da analogia, pensamento lógico de caminho indutivo. Para a formação de analogias, deve
haver, por exemplo (modelo interpretado a partir de Pellegrino, 1992):
Resumindo, para ser executada, uma operação mental necessita do funcionamento de uma
série sistêmica de outras operações mentais. Uma operação mental não opera sozinha e
somente pode ser executada pelo funcionamento em cadeia de outras operações mentais em
conjunto. Existem determinadas operações mentais que são mais complexas que outras porque
exigem a preexistência de operações mentais que acabam funcionando como “alicerce”, base ou
pré-condição para que a operação mental mais complexa seja processada.
Feuerstein e seus colaboradores constatam uma questão relacional importante na
dinâmica das operações mentais e das funções cognitivas. Segundo eles, as funções cognitivas
são os elementos estruturais, os aspectos fundamentais da ocorrência de uma operação mental.
Entretanto, concebem também que uma operação mental menos complexa, semelhante à
função cognitiva, possui a função de elemento estrutural para uma operação mental mais
complexa. Nesse sentido, a operação mental elementar adquire o estatuto de função
cognitiva, dependendo do contexto operacional. Por exemplo, a comparação impulsiona a
classificação, servindo de função cognitiva para a última.
Mais claramente, Feuerstein e colaboradores nomeiam toda operação mental de função
cognitiva se, e somente se, essa operação participar do processo em cadeia, vindo a ocupar um
lugar de alicerce para outra operação mental. Contudo, as operações mentais complexas
também podem servir de funções cognitivas para as operações mentais mais simples, fato que
acontece quando as operações mentais simples ganham uma condição de complexidade e
alteram seu padrão.
Como o processo cognitivo não tem fim, e uma operação mental sucede sempre outra,
sustentando-a, no final das contas todas as operações mentais, em algum momento do
processo de pensamento, tornam-se funções cognitivas. O silogismo, pensamento lógico
altamente abstrato, pode sustentar uma identificação. Por si só e em si mesma, a identificação
é uma operação básica. Todavia, quando sustentada pelo silogismo, a identificação passa a ser
altamente abstrata, “refinada”, sob a configuração da lógica formal. Nesse caso, a identificação
muda de qualidade, porque tem como função cognitiva a estrutura do silogismo. Esse
fenômeno relacional entre as operações mentais deve-se a uma condição fundamental: o
processo de pensamento não é linear, mas sim circular e dialético, em uma condição estrutural
sistêmica (Kozulin, 2000).
Enfim, as funções cognitivas podem impulsionar ou transformar as operações mentais. No
caso das operações mentais mais simples que servem de funções, elas impulsionarão as
operações mentais mais complexas. No caso das operações mentais mais complexas que
servem de funções, elas transformarão as operações mentais mais simples, o que está de acordo
com o pressuposto de Luria (1990) e Vygotsky (1991) de que as funções cognitivas mais
complexas coordenam os processos inferiores.
Tendo enfocado o caráter circular e dialético do processo mental, quando então devemos
definir uma ação mental como função cognitiva ou como operação mental? De forma
complementar, Feuerstein e colaboradores definem que, em uma tarefa específica,
normalmente uma operação mental (ou até mais de uma) destaca-se como o ato final, para a
resolução de um determinado problema. Essa operação é denominada de operação mental do
processo cognitivo, enquanto as demais operações mentais envolvidas na tarefa, coadjuvantes
da operação mental central, são entendidas como funções cognitivas.
Já que falamos em operações mentais e sua problemática na teoria de Feuerstein, é
preciso destacar que a descrição das operações mentais, no modelo utilizado neste livro, tem
apenas um caráter didático. É muito difícil encontrar na prática clínica e educacional, por
exemplo, a identificação (operação mental) de um objeto que, ao mesmo tempo, não esteja
84
sofrendo um processo de análise (outra operação mental). Devemos considerar também que
uma operação mental menos complexa pode sofrer interferência direta de uma operação
mental mais complexa, o que dificulta bastante sua classificação em um critério didático
simples. Assim, uma identificação pode ser apenas sensorial, extremamente simples, como
pode ser uma identificação baseada em hipóteses, ou seja, acompanhada de pensamento
hipotético-inferencial e alicerçada pela lógica formal. Esse é um campo fértil para pesquisa.
NOTAS
1. A percepção não é concebida como um ato passivo, mas como uma construção.
2. Piaget (1987) descreveu a necessidade como o componente responsável pelo movimento
estruturante e organizativo do cognitivo. Para ele, a necessidade está inevitavelmente ligada
ao próprio movimento do psiquismo de assimilar a realidade, de acordo com a estrutura em
formação e, ao mesmo tempo, acomodar-se e adaptar-se à realidade. Assim, a necessidade
surge como um estado funcional, dinâmico, de equilibração, através da assimilação e da
acomodação ao real.
3. Não confundir o termo operação, empregado como característica da função cognitiva, com o
termo operação mental. A operação é o movimento da função em sua integração, em sua
entrada, junto às outras funções do processo mental. Já a operação mental é o resultado do
movimento funcional da operação de todas as funções implicadas em um processo cognitivo
específico.
4. Segundo Piaget (1998), o espaço e o tempo formam-se primeiramente através da relação
sensório-motora do bebê. Em um primeiro momento, o espaço percebido não é integral, não
havendo um espaço homogêneo e contínuo, tal como o percebemos. O bebê, em sua fase
inicial, percebe “espaços” estabelecidos pelos esquemas sensório-motores, como no caso do
espaço bucal, devido ao esquema da sucção, do espaço visual, devido ao esquema visual, que
vão unindo-se e formando uma síntese a partir da coordenação dos diversos esquemas
(Piaget e Inhelder, 1993).
Na fase pré-operatória, a criança é capaz de representar o espaço, sendo incorporado em
formas de imagens mentais. Os esquemas sensório-motores ganham o estatuto de esquemas
mentais. Entretanto, o espaço representado no período pré-operatório é centrado, ou seja,
hipervalorizado em certos dados perceptuais, enquanto outros dados são renegados. É
somente por volta dos oito ou nove anos, no período operatório concreto, que a criança
forma representações espaciais mais precisas e objetivas, devido à reversibilidade. No caso
da orientação do espaço, isso significa a capacidade para representar vários dados
perceptivos de um mesmo fenômeno, regulando as possíveis distorções perceptivas. A
orientação espacial é intuitiva no período pré-operatório e analítica no período operatório
concreto. Com relação ao tempo, verifica-se semelhante processo de desenvolvimento. No
início, o bebê percebe os objetos somente em sua presença, desligando sua atenção dos
85
mesmos quando eles saem de seu campo visual ou motor (Piaget, 1987). Posteriormente,
passa a se interessar pelo objeto em sua falta, estabelecendo uma busca pelo objeto. É
somente no período operatório concreto que o indivíduo torna-se capaz de compreender o
tempo propriamente dito. Até então, o tempo mantém-se em relação direta e de
dependência com a ordem espacial (Piaget, s.d.). Buscando especificidade, podemos dizer
que a ordem temporal agrupa os diversos “espaços” (distância e velocidade de cada objeto)
em um só espaço temporal. A confluência das relações espaciais de dois ou mais objetos,
analisadas conjuntamente, não pode ser constatada de forma direta pelo plano perceptivo-
espacial, mas somente deduzida pelo plano temporal. Assim, a ordem temporal se destaca
no período operatório concreto e atinge seu ápice no período operatório formal.
5. Piaget foi o principal pesquisador do desenvolvimento das constâncias no ser humano. Para
ele, as constâncias que percebemos nos objetos não advêm de forças inatas, mas sim de um
processo de construção. Elas são representadas pelo indivíduo somente no período
operatório concreto, quando ele se torna capaz de analisar e compensar as várias
transformações ocorridas em um mesmo objeto, conservando princípios como a noção de
substância, peso e volume (Piaget e Szeminska, 1981; Piaget e Inhelder, 1983a).
Anteriormente ao período operatório concreto, a criança produz uma “superênfase” em
determinadas características e suas transformações, o que acaba provocando uma dedução
incorreta. Por exemplo, quando estamos dentro de um carro, em uma rodovia, e olhamos
para as árvores que se encontram ao lado do acostamento, temos a impressão de que
estamos correndo bastante. Já se estamos em uma grande reta da estrada e passamos a
olhar para uma montanha muito distante de nós, temos a impressão de que estamos bem
mais lentos. Por que acontece essa ilusão? Justamente porque representamos somente um
ponto, ou poucos pontos da condição real. No exemplo dado, correlacionando a “rapidez”
das árvores à sua distância próxima, somos capazes de compreender que há apenas uma
ilusão de percepção e de corrigir nossa compreensão. A velocidade, único fator representado
inicialmente, é corrigida pelo segundo fator, que é a distância. A criança anterior ao período
operatório concreto não faz tal correção com precisão.
É interessante notar que várias ilusões perceptivas são mantidas, mesmo após nossa
compreensão da ilusão. Contudo, após o período operatório concreto, nosso raciocínio passa
a controlar e dirigir a percepção. Piaget (1998) demonstra que, até por volta dos 12 anos, a
criança forma configurações, ligadas a aspectos concretos dos objetos. Somente no período
operatório formal ela passa a formalizar uma série de imagens mentais que correspondem
às transformações dos objetos e acontecimentos, determinando a conservação de objetos
formais e esquemáticos.
6. Parece que a função de entrada está totalmente relacionada ao desenvolvimento da
descentração perceptiva e da reversibilidade mental.
7. A respeito do desenvolvimento cognitivo dessa função, podemos extrair algumas explicações
a partir dos estudos piagetianos. A função de percepção e definição de um problema adquire
uma eficiência satisfatória apenas no período operatório concreto, devido à aquisição da
reversibilidade. Antes da reversibilidade, os dados são absorvidos e representados
parcialmente e a definição de um problema é sempre fragmentada e egocêntrica. Somente
no período operatório concreto a definição de um problema ganha o estatuto de
representação global. No período operatório formal, a definição de um problema ganha um
caráter formal. As representações passam a definir uma situação problemática por meio de
níveis simbólicos lógico-formais.
8. Devido aos fatores descritos, pode-se dizer que o ato de comparar e classificar não é tão fácil
como se poderia pensar. Piaget (Piaget e Inhelder, 1983) estudou a capacidade da criança
em fazer comparações e em incluir certos objetos em determinados grupos gerais ou
específicos. Segundo ele, para que a comparação e a classificação sejam eficientes e a criança
compare semelhanças e diferenças, incluindo subclasses em classes maiores, torna-se
necessário que ela adquira a reversibilidade mental. Através de pesquisas, Piaget
demonstrou que, em uma fase anterior ao período operatório concreto, a criança compara
86
apenas poucas propriedades dos objetos, sem articulá-las. Essa falta de articulação ocasiona
comparações egocêntricas e parciais.
9. Podemos dizer que o campo mental tem sua estruturação a partir do período pré-operatório,
atingindo seu nível estrutural no período operatório concreto e daí em diante. Somente a
partir do período pré-operatório a criança consegue representar os dados em nível virtual,
registrando-os em um campo mental. Anteriormente, no período sensório-motor, os dados
são elaborados em nível de esquemas de ação e de padrões perceptivos imediatos (Gardner,
1994). Entretanto, no período pré-operatório, devido à qualidade egocêntrica, as
representações dos dados do ambiente são bastante parciais, enfocando apenas certos
dados, ora alguns elementos, ora outros, mas nunca todos e ao mesmo tempo, o que acarreta
uma compreensão parcial do fenômeno apreendido. Apenas no período operatório concreto
é que o campo mental torna-se flexível, capaz de enfocar várias fontes de informação ao
mesmo tempo, devido às descentrações progressivas, em que cada dado representado
mentalmente passa a ser sintetizado com os outros dados também representados. Aliás, essa
condição determina o conceito de campo mental: uma rede de representações mentais que
se intercambiam, na qual os dados se cruzam e fornecem uma riqueza de informações sobre
a realidade. Acrescentamos ser a descentração o fator central para sua formação, o que
Piaget confirma (s.d, p. 183) quando descreve que “ a conclusão da descentração só pode
significar a coordenação das relações até aí consideradas sucessiva e isoladamente”.
10. A percepção global da realidade é uma realidade mental que ocorre apenas no período
operatório concreto, motivo que definimos na função anterior a respeito da descentração
progressiva das representações e da reversibilidade.
11. Como é possível supor, essa função estrutura-se no período operatório concreto, fase em que
a criança adquire a reversibilidade mental e, por isso mesmo, substancializa as operações
mentais lógicas. Através da reversibilidade, é possível para a criança operar mentalmente a
transitividade das relações entre os objetos, assim como seriar e classificar de forma flexível.
Essas aquisições iniciam o processo de raciocínio lógico, indicando a descentração mental
como um dos fatores mais importantes para a construção de representações mentais globais
e para o surgimento do raciocínio indutivo e dedutivo, próprios do raciocínio lógico.
Conforme Piaget (1990), anteriormente ao período operatório concreto, a criança raciocina
por meio de uma “transdução”, dedução e indução parciais, incompletas, devido à falta de
reversibilidade.
12. Sabe-se que o período pré-operatório é a fase do desenvolvimento marcada pela inserção da
criança na linguagem. Todo o aparato simbólico é amplamente desenvolvido nessa fase.
Contudo, o pensamento da criança ainda é rígido, inflexível, e a diversidade de pontos de
vistas não é levada em conta e, além disso, as ações e os fenômenos da realidade são
analisados apenas em alguns pontos (irreversibilidade). Dessa forma, somente na próxima
fase de desenvolvimento, o período operatório-concreto, a interiorização da conduta adquire
o seu caráter lógico (Piaget, 1988).
13. A maior dificuldade na elaboração de hipóteses é que elas necessitam do caráter lógico. No
pensamento intuitivo pré-operatório, a criança elabora pseudo-hipóteses que não têm o
estatuto lógico. As hipóteses são elaborações que uma pessoa faz sobre o mundo, baseada
em seu conhecimento prévio, estabelecendo probabilidades para um conhecimento maior
ou para a resolução de um conflito. A criança pré-operatória constrói representações e um
conhecimento prévio egocêntrico (Piaget, 1990). Sem o estabelecimento da lógica, suas
hipóteses são elaborações de condições prováveis para a resolução de um conflito ou
problema, mas que envolvem dados parciais e mal generalizados, pela ausência ainda de
uma dedução e indução lógicas. Por excelência, as hipóteses são formuladas apenas no
período operatório concreto e adquirem seu estatuto de proposições conceituais somente no
período operatório formal.
14. Segundo Piaget (s.d, p. 16), “ até 7-8 anos a criança não consegue pois raciocinar sobre
diversas possibilidades ao mesmo tempo...”, o que influencia de forma direta a construção
de estratégias. No período sensório-motor, as estratégias baseiam-se em novas assimilações,
ou seja, em alterações no ambiente promovidas pelo bebê através de seus esquemas
87
Um dos motivos que torna os “porquês” infantis tão obscuros para a consciência adulta, e que
explica as dificuldades que sentimos para responder às crianças, é que uma grande parte dessas
perguntas se relacionam a fenômenos ou acontecimentos que não comportam precisamente
“porquês”, já que ocorrem ao acaso. Assim, é que o mesmo menino de seis anos, cuja reação ao
movimento que acabamos de descrever, espanta-se que haja em Genebra dois Salève, enquanto
não há dois Cervin em Zermatt: “Por que existem dois Salève?” Outro dia, pergunta: “Por que o
lago de Genebra não vai até Berna?” Não sabendo como interpretar essas perguntas estranhas,
resolvemos propô-las a outras crianças da mesma idade, perguntando-lhes o que teriam
respondido a seu companheiro. A resposta para eles não apresentou nenhuma dificuldade: há
um Grande Salève para os grandes passeios e para os adultos, e um Pequeno Salève para os
pequenos passeios e para as crianças, e o lago de Genebra não chega até Berna porque cada
cidade deve ter o seu lago. Em outras palavras, não há acaso na natureza, porque tudo é “feito
para” os homens e crianças, segundo um plano sábio e estabelecido, no qual o ser humano é o
centro. (Piaget, 1998, p. 30)
Piaget (s.d.) criou experiências nas quais a criança deveria organizar uma série de
quadrinhos que, em um primeiro momento, estavam desorganizados. Após escolher uma
88
Em uma experiência antiga, apresentamos às crianças, em uma caixa, duas vintenas de bolinhas
de madeira, das quais duas eram brancas e as outras de cor castanha, e lhes perguntamos: “Qual
dos dois colares seria o mais longo, o que fizéssemos com as bolinhas de madeira ou o que
fizéssemos com as de cor castanha?” Ora, as crianças indefectivelmente respondiam que o colar
feito de bolinhas castanhas seria o mais longo, porquanto só havia duas bolas brancas. Ou seja,
que pensando por imagens perceptivas irreversíveis e não por operações reversíveis, a criança
não chega a comparar a parte com o todo, mas evocando uma só das partes (as bolinhas
castanhas), ela “perde de vista” (= irreversibilidade) o todo e só compara uma parte com outra
parte. (Piaget, s.d., p. 73-74)
22. Segundo Piaget e Inhelder (1983), os primeiros atos de classificar, em sua gênese,
encontram-se nas primeiras manipulações intencionais do bebê sobre os objetos. A
classificação sensório-motora, própria dessa fase, visa a organizar os objetos através de uma
ação discriminatória. Na fase pré-operatória, a criança classifica os objetos por meio de
continuidades perceptivas. Suas classificações são coleções figurais e não obedecem a um
critério lógico. A percepção imediata de determinadas características dos objetos define o
agrupamento. Assim, o agrupamento que começa pelo critério cor, muda para o critério
forma, e assim por diante, de acordo com a percepção imediata dos objetos.
É somente no período operatório concreto que a análise opera com as partes dentro de
um todo coerente e reversível, e é precisamente na fase operatória concreta que a criança
adquire a capacidade de estabelecer um conjunto a partir de critérios bem definidos,
concebendo estabelecer uma hierarquia lógica entre as classes.
É no período operatório formal que as classes ganham substância abstrata formal e a
criança é capaz de estipular classes vazias, classes que não possuem nenhum objeto, mas
que possuem uma relação formal com outras classes. Uma experiência realizada por Piaget e
Inhelder (1983) ilustra isso de modo bastante interessante. Foram dados às crianças um
conjunto de cartões quadrados, redondos, triangulares, contendo desenhos de árvores,
frutos, casas. Também foram dados cartões quadrados, redondos e triangulares sem imagem
89
nenhuma. Todos os cartões deveriam ser classificados. Até a idade dos 10 a 11 anos as
crianças não conseguiram classificar com os mesmos critérios os cartões com desenhos e os
cartões sem desenhos. Houve uma impossibilidade de trabalharem com uma classe sem
elementos. Já a classificação feita pelos adolescentes, de caráter operatório formal, incluía
os elementos sem conteúdo da seguinte maneira:
Cartões com desenho = classe dos cartões que possuíam um desejo.
Cartões sem desenho = classe dos cartões que não possuíam um desejo.
23. Apenas no momento em que adquire a reversibilidade a criança é capaz de construir
seriações completas através de critérios bem delimitados por todo o conjunto. Vejamos a
explicação de Piaget:
A criança de quatro-cinco anos apenas consegue construir partes não coordenadas entre si: BD,
AC, EG, etc. Depois constrói séries curtas e só obtém a seriação de dez elementos através de
múltiplas tentativas. Ademais, ao terminar a ordenação, ela será incapaz de intervalar novos
termos, a não ser se desfizer o todo. Será preciso atingir o nível operatório para que a seriação
tenha êxito rápido, mediante um método, por exemplo, que consista em procurar o menor dos
termos, depois, o termo menor entre os restante, etc. É neste nível igualmente que o raciocínio
(A < B) + (B < C) = (A < C) torna-se possível, ao passo que nos níveis intuitivos o indivíduo se
recusa a tirar de duas desigualdades constatadas perceptivamente, A < B e B < C a previsão, A <
C. (Piaget, 1958, p. 174-175)
24. Em seu início, a projeção de relações virtuais é regulada pelo pensamento simbólico e
intuitivo da criança pré-operatória. Como este é um período em que a criança apresenta
uma rica imaginação, muitas vezes desequilibrada em relação à realidade objetiva, a
projeção de relações é canalizada para o terreno da assimilação exagerada dos objetos. A
imaginação supera a realidade objetiva (Piaget, 1990). Somente no período operatório
concreto a projeção de relações virtuais adquire novo estatuto passando a ser reversível e
regulada pela seriação, pela classificação e pela análise do todo. Essa condição confere-lhe
uma substância objetiva e lógica frente aos objetos do mundo.
25. Segundo Piaget e Inhelder (1988), somente no período operatório concreto a criança
consegue construir imagens mentais espaciais proporcionais e precisas frente aos objetos da
realidade. Piaget (1990) oferece a mesma contribuição quanto ao estudo da evolução das
representações gráficas. Piaget e Inhelder (1988) determinam três fases para o
desenvolvimento do desenho na criança:
1. A primeira é a fase do rabisco, em que o ato é basicamente motor.
A transitividade, isto é, a composição reversível que caracteriza esta última, não é senão a
liberdade de passagem de uma relação a outra, assegurada pela descentração que se tornou
completa: liberando o espírito das centrações perceptivas em proveito da mobilidade completa
das transposições possíveis, ela substitui, assim, o equilíbrio estático e limitado da intuição pelo
equilíbrio móvel e ilimitado da inteligência dedutiva. (Piaget, s.d., p. 182)
91
5
Sistemas Aplicativos de Feuerstein
Cientistas das chamadas ciências exatas freqüentemente se riem dos seus companheiros das ciências
humanas e chegam mesmo a perguntar se tais ciências são mesmo ciências. A questão, entretanto,
está mal colocada. O rigor das ciências da natureza não se deve, em absoluto, a que elas sejam mais
rigorosas e seus métodos mais precisos. Acontece que o bicho com que elas lidam é muito
doméstico, manso, destituído de imaginação... (Alves, 1986, p. 97)
O LPAD é um método de avaliação cognitiva, criado por Reuven Feuerstein, que se difere
dos demais métodos tradicionais. O LPAD busca avaliar o potencial cognitivo do indivíduo e
não simplesmente a capacidade cognitiva manifesta e já madura. É composto por uma bateria
de testes específicos que visam a identificar a capacidade para aprender e determinar em que
condições e modalidades o potencial de aprendizagem pode ser acessado, a partir da
aprendizagem mediada.
Como já foi dito, Feuerstein iniciou seu trabalho com crianças e adolescentes,
provenientes de várias partes do mundo, que se preparavam para imigrar para o recente Estado
de Israel, na década de 50, incluindo crianças e adolescentes vítimas do holocausto. O maior
objetivo era entender – para modificar – essa imensa população que se apresentava em más
condições de aprendizagem e, ao mesmo tempo, demonstrava baixos resultados em diversos
testes de inteligência. Mesmos os testes mais progressistas prognosticavam um futuro muito
limitado para esses indivíduos, tanto em termos educacionais quanto sociais e adaptativos
(Feuerstein et al.,1980).
Entre 1950 e 1954 foram realizadas avaliações cognitivas no sul da França e em Marrocos.
Os testes foram aplicados em nível individual e coletivo, avaliando questões cognitivas e
socioafetivas. Foram utilizados testes de conteúdo específico, culture-free (não há necessidade
de conhecimento prévio importante), testes de desenvolvimento e tarefas piagetianas, além dos
testes psicométricos usuais. Os resultados apresentados pelas crianças foram bastante baixos.
De um teste para outro havia, mais ou menos, a mesma conclusão quanto à condição dos
testados, sendo que o Q.I. dessa população variava entre 50 e 70, tendo um desempenho de três
a seis anos a menos que a média (Feuerstein et al., 1980). O baixo nível cognitivo demonstrado
na ampla gama de testes e tarefas cognitivas requeria uma atenção técnica e ética na promoção
dessa população. Ou se acreditava que essas crianças eram realmente incapazes, já que os
testes assim o mostravam, ou se acreditava que os testes, apesar de medirem eficientemente o
93
nível demonstrado no presente, não eram capazes de avaliar o potencial futuro dessas crianças,
isto é, não mediam o que elas poderiam alcançar. Feuerstein escolheu a segunda opção:
A Guerra acabou e dediquei-me às crianças sobreviventes do holocausto. Elas foram para Israel
depois de passarem três, quatro anos em campos de concentração. Seus pais haviam morrido em
câmaras de gás. Algumas chegaram em Israel como esqueletos. Eram totalmente analfabetas aos
oito, nove anos de idade. Eu não podia aceitar que fossem retardadas ou idiotas. (...) Não
conseguiam organizar o pensamento, nem suas ações (...) hoje essas crianças tornaram-se homens e
mulheres inteligentes e dignos (Feuerstein, entrevista concedida a Vitória, 1994, p. 6).
através de estratégias, ela responde de forma significativamente melhor do que se fosse deixada
sozinha”. (Vygotsky, 1991)
Metodologia
Enquanto método para “fazer acessar” o potencial cognitivo, o LPAD exige a presença de
algumas etapas processuais, norteando o “como fazer”:
É oportuno ressaltar que o LPAD, mais do que delimitar “quantidades”, tem uma função
clínica bem determinada, que é a de conhecer o perfil de modificabilidade e estabelecer
diretrizes para o tratamento cognitivo e psicoeducativo. Nesse sentido, o perfil não é um rótulo
categórico, mas uma bússola de orientação no caminho de uma intervenção para a
modificabilidade:
O LPAD não tem a finalidade de classificar ninguém em determinado perfil estático. Quando se fala
em perfil de modificabilidade cognitiva, fala-se em determinadas características do funcionamento
cognitivo daquela pessoa, que evidentemente se pensa que são modificáveis ao longo do processo de
tratamento cognitivo pelo PEI. O perfil de modificabilidade estabelecido pelo LPAD tem o simples
objetivo de reconhecer a situação atual para modificá -la, para estabelecer estratégias de mudança.
Jamais o LPAD tem um valor classificatório, classificando os sujeitos em educáveis “fáceis” e em
educáveis “difíceis”. Essa não é a pretensão do LPAD quando define o perfil cognitivo. (Feuerstein et
al., 1993, p. 19)
Ao lado do LPAD, existem propostas de vanguarda que remetem para três fatores
fundamentais da avaliação cognitiva moderna. Podemos relatar que os testes vanguardistas:
(...) as crianças sentam-se diante de uma tela de computador e são solicitadas a observar o
movimento de formas coloridas, geométricas. Com base em suas observações, as crianças são então
solicitadas a predizer onde, na tela, as formas vão terminar. Elas indicam o ponto de término usando
um joystick para colocar uma cruz sobre a tela.
A exatidão das predições das crianças foi de apenas 22% depois de 750 tentativas.
No isomorfo dessa tarefa, as mesmas regras foram usadas para dirigir um jogo de vídeo. Entretanto,
o contexto para o problema foi modificado. As formas geométricas foram substituídas por uma
borboleta, uma mamangava e um pássaro. Além disso, as crianças foram instruídas para mover o
joystick para “capturar a presa” com uma “rede de borboletas”, em vez de marcar a tela com uma
cruz. Após 750 tentativas, o índice de exatidão das crianças foi de aproximadamente 90% (Ceci,
1990) (veja a Figura 7.8).
Através desse e de outros exemplos, Ceci ilustra que um determinado indivíduo ou população podem
parecer não possuir algumas capacidades mentais, como a capacidade de abstrair regras. Entretanto,
dado um contexto mais interessante e motivador, o mesmo indivíduo ou população podem
apresentar um desempenho de alto nível. (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998, p. 249-250)
1. organização de pontos;
2. orientação espacial I;
3. comparações;
4. classificações;
5. ilustrações;
6. percepção analítica;
7. orientação espacial II.
No nível II, são trabalhados os demais instrumentos, assim descritos:
8. instruções;
9. relações familiares;
10. relações temporais;
11. progressões numéricas;
12. relações transitivas;
13. silogismos;
14. desenho de padrões.
Para sua efetivação, os programas psicoeducativos são confeccionados por materiais que
possibilitem uma melhora na condição cognitiva dos indivíduos. Do ponto de vista de seu
conteúdo, os programas podem ser classificados como formados por:
Com relação aos instrumentos do programa de Feuerstein, podemos dizer que eles são
constituídos a partir de conteúdos neutros, que não têm nenhum valor em si mesmos, senão
propiciar uma intervenção cognitiva centrada no processo mental geral, nas funções
cognitivas por excelência, sem a influência direta de conteúdos específicos ou áreas de estudo
acadêmico: o conteúdo perde lugar para o processo geral de pensamento.
97
A teoria de Feuerstein é baseada na noção de funções cognitivas, definidas como pré-requisitos para
cada processo do pensamento que fornece qualidade para o ato mental. A função cognitiva é dividida
em três estágios de fases: entrada, elaboração e saída. As funções cognitivas são livres de conteúdo e
relacionadas com cada processo que, por sua natureza, lida com conteúdo. Por exemplo, a percepção
nublada e confusa durante a fase de entrada pode ser relevante à coleta de informação necessária
para resolver um problema de matemática, mas a mesma função é relevante, por exemplo, para
dirigir um carro. O mesmo é verdadeiro para a função cognitiva deficiente relativa à percepção e a
busca de conexões internas entre diferentes partes são necessárias em todos os conteúdos temáticos
independentemente de seus conteúdos específicos. (Rafi Feuerstein, 1997, p. 32)
Após essa série de comentários sobre a ênfase no conteúdo neutro, podemos perguntar
sobre a importância de determinados conteúdos específicos para o desenvolvimento de certas
funções cognitivas. Por exemplo, é notório que a geografia pode desenvolver a orientação
espacial, a decodificação e a codificação de elementos simbólico-formais. Já a matemática
impulsiona o raciocínio lógico, o pensamento hipotético-inferencial, quando bem-ensinada.
Entretanto, não devemos perder de vista que Feuerstein e sua equipe têm como preocupação
maior mediar pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem, sejam estas de âmbito
geral ou específicas. Nesse caso, Feuerstein e sua equipe preferem atuar primeiro no processo
cognitivo através de conteúdos neutros para poderem ativar as funções cognitivas diretamente.
Depois disso, ou até mesmo paralelamente, também são trabalhados com os mediados
conteúdos específicos, os quais desenvolvem ainda mais o raciocínio e enfatizam algumas
funções cognitivas. Há uma série de vantagens em trabalhar primeiramente com conteúdos
neutros. Veremos três aspectos:
do PEI e, aos poucos, iniciar programas com conteúdos específicos, visando a atacar
diretamente os pontos em que se apresentam as dificuldades.
2. O segundo aspecto é a resistência inerente de diversos educadores aos
fenômenos cognitivos que levam à aprendizagem. O enfoque educativo, em geral, é
centralizado em questões conteudistas. Na maioria das vezes, os educadores ignoram o
processo cognitivo para a aquisição do conhecimento. A ausência de um programa
baseado em conteúdos específicos propicia um educar voltado plenamente para o
processo do pensamento, centrado no aprender a pensar.
3. O terceiro aspecto relaciona-se com a estrutura interna de cada conteúdo, a
qual exige uma grande quantidade e qualidade de operações mentais e funções
cognitivas concomitantes para sua compreensão. Além disso, por parte do estudante, é
necessária uma compreensão progressiva de seus conceitos. Muitas dificuldades em
conteúdos específicos são trabalhadas inicialmente através de conteúdos neutros. O
aluno, quando bem mediado, toma consciência de seu processo de raciocínio e começa
a perceber mudanças em sua forma de raciocinar. Posteriormente ou paralelamente a
esse processo, pode-se trabalhar com o conteúdo específico em que o aluno apresenta
dificuldade, garantindo-se de que o estudante já esteja em processo de enriquecimento
de um novo processo de pensar. A vantagem em se trabalhar com conteúdos neutros
está na possibilidade de a intervenção enfocar especificamente a capacidade geral de
aprendizagem, o aprender a aprender (Kozulin, 2000).
A sigla CASE será utilizada neste livro por ser amplamente utilizada, e existem duas
*
descrições em inglês, Creative and Socio Emotion Development (Skuy et al.) e Cognitive
Acceleration in Science Education (Shayer e Adey).
Se, por um lado, o material é padrão e uniforme, por outro, seu processo de utilização,
incluindo a intensidade e a freqüência de aplicação do mesmo, é específico e flexível, de âmbito
clínico. Logo, os materiais do PEI nada mais são do que um conjunto de estímulos que exigem
uma série de condutas cognitivas. Entretanto, esses estímulos só têm importância como
veículos-tarefas necessários para que as funções cognitivas possam ser movimentadas, “postas
em jogo”, estabelecendo espaço para o processo mediacional e a criação de princípios e
generalizações. A interação mediacional entre o mediador e o mediado é o foco central no PEI
e, por isso, mediação é a palavra metodológica fundamental para o programa (Skuy et al.,
1994):
Objetivos
Aqui nós temos os princípios descritos por Piaget como as reações circulares – primárias,
secundárias e terciárias – que são vários tipos de repetições, das mais simples às reproduções
altamente mais valiosas. O princípio que regula a atividade repetida, mais d o que a tarefa em si, é
enfatizada. O enriquecimento instrumental, que consiste de várias tarefas cognitivas, dirige os
aprendizes para as diversas funções cognitivas. (Feuerstein, Feuerstein, Schur, 1997, p. 16)
Ainda com relação à repetição, o mediador deve dirigir sua intervenção, frente ao(s) seu(s)
mediado(s), por meio de três fatores quantitativos, determinados pela qualidade do processo.
Consideramos a repetição em Feuerstein como um movimento rítmico de impulso à
modificabilidade, envolvendo a freqüência, a duração e a intensidade já comentadas.
A fala de Doman (1989) é extremamente interessante e serve como metáfora para
entendermos esses três fenômenos tão fundamentais para o estabelecimento de qualquer
mudança estrutural no padrão de funcionamento do sistema cognitivo. Doman utiliza um
exemplo bem-humorado:
Suponhamos que uma pressão sobre a pele do braço é a mensagem que desejamos transmitir ao
cérebro. Apertamos de leve o braço, e a mensagem não é recebida. Suponhamos, por exemplo, que
minha mulher me aperte o braço para fazer-me saber que é hora de irmos para casa, a fim de que os
nossos anfitriões possam ir para a cama. Eu, porém, estou profundamente interessado numa
conversa com outro visitante. Ela me aperta o braço de leve, mas a mensagem n ão chega e eu não
dou pela coisa. Sendo uma especialista em reabilitação, e de primeira classe, minha mulher sabe
exatamente como atingir meu cérebro. (Devo confessar que, como esposa, parece que “sempre” o
soube.)
Primeiro, ela tenta aumentar a frequência do estímulo. Em vez de apertar o braço de cinco em cinco
minutos, aperta-o dez vezes seguidas. Sabe que a freqüência facilita a transmissão.
Se isso não surte efeito, experimenta aumentar a duração. Além de apertar-me o braço, mantém-no
apertado. Sabe que a duração facilita a transmissão de mensagens tácteis ao cérebro.
Se isso tampouco obtém êxito, ela recorre à última forma de facilitar transmissões ao cérebro: eleva
a intensidade do estímulo. Em lugar de apertar-me o braço, belisca-o, e belisca-o cada vez com mais
força, até que, por mais empolgado que eu esteja pela conversa, apreendo a mensagem.
— Acha que já é tempo de irmos embora, meu bem?
Ela sorri com doçura. (Doman, 1989, p. 227-228)
Universo do conteúdo
Refere-se ao tema e à organização interna do conteúdo a ser transmitido e sua relação com
a aprendizagem do mediado. Por exemplo, a álgebra é uma parte da matemática; sendo um
universo de conteúdo, possui uma organização interna, uma rede hierarquizada de conceitos e
uma forma de representar seu conhecimento por meio de símbolos abstratos. A análise do
universo do conteúdo de um material implica que o mediador esteja consciente das
particularidades do conteúdo mediado e das suas exigências conceituais e lógicas, visando a
antecipar possíveis dificuldades de aprendizagem envolvidas na aquisição do conteúdo pelo
mediado.
Modalidades de linguagem
Operação mental
Nível de abstração
Nível de complexidade
Relaciona-se com o número de elementos que uma tarefa traz em si. Por exemplo,
podemos ter um problema que se apresenta desta forma: quanto é 2 + 3? Temos aqui três
elementos. É uma tarefa pouco complexa, porque apresenta poucos elementos. Uma tarefa
altamente complexa é aquela que possui muitos elementos a serem considerados e trabalhados.
Assim, por exemplo, analisar um objeto em suas propriedades, tais como forma, cor, tamanho,
direção, espessura, função, quantidade, pode ser uma atividade simples ou complexa,
dependendo do número de elementos.
Grau de eficiência
Ser eficiente é conseguir realizar a tarefa com o maior número de acertos e com a maior
rapidez possível. As tarefas elaboradas devem ser construídas de modo a possibilitar que o
mediado tenha um mínimo de eficiência e prossiga em busca de novos êxitos. Sem um mínimo
de êxitos, não pode haver interesse, motivação, acréscimo da auto-estima e confiança na
modificabilidade. Por isso, as tarefas elaboradas não podem estar muito distantes da
capacidade do mediado, sob pena de desistência diante de um fracasso persistente.
O mapa cognitivo é um recurso extremamente abrangente e um poderoso guia para o
pesquisador dos processos cognitivos e para o educador. Tendo em mãos esse recurso, pode-se,
por exemplo:
PEI: nível I
Organização de pontos
Esse instrumento foi originalmente construído por André Rey, professor e grande
colaborador da Escola Piagetiana de Genebra, e é, normalmente, o primeiro instrumento do
PEI a ser trabalhado. Compõe-se de 16 páginas, todas elas constituídas de tarefas na
modalidade figurativa. Cada folha possui um modelo no canto esquerdo superior e um
conjunto de quadros com pontos espalhados em seu interior. O mediado deve ligar os
pontos dentro de cada quadro e formar figuras idênticas às do modelo, em forma e em
tamanho (Figura 5.3). As tarefas mantêm um grau médio de abstração, mas gradativamente
aumentam seu grau de complexidade. É um instrumento que requer a operação mental de
projeção de relações virtuais, sendo bastante abrangente do ponto de vista das funções
cognitivas requeridas e/ou das funções cognitivas deficientes que aí podem ser corrigidas.
Considerações clínicas
Para que as tarefas sejam realizadas eficientemente, o mediador conduz o mediado a (1)
observar e (2) analisar as características, as qualidades ou atributos da(s) figura(s) que
compõe(m) o modelo, solicitando a ele que as (3) denomine, e construa e defina (4) estratégias
com as quais iniciará a busca de solução.
As pessoas portadoras de retardo mental apresentam dificuldade significativa em fazer as
tarefas desse instrumento, exatamente em razão de sua natureza analítica e do caráter virtual
das relações que devem ser projetadas. Entretanto, através da mediação de noções espaciais e
da busca por relações causais (ver, adiante, os instrumentos de Orientação Espacial I e
Ilustrações), elas se mostram paulatinamente capazes de realizar o instrumento, saindo de sua
relação imediata e concreta com a realidade.
Por ser um instrumento que pode trabalhar com quase todas (ou todas) as funções
cognitivas, mostra-se eficaz para mediar as pessoas que têm privações em todas as fases do ato
mental: seja na entrada, na elaboração ou na saída. Note-se que a entrada será focalizada,
especialmente pela análise das qualidades, dos atributos e das propriedades das figuras e
106
Percepção analítica
Considerações clínicas
108
Ilustrações
Suas páginas são constituídas por uma coleção de situações que depara o aprendiz com problemas
que devem ser percebidos, reconhecidos e resolvidos. Assim, representam uma oportunidade de
aplicar os pré-requisitos adquiridos do pensamento nas fases de entrada, elaboração e saída.
(Feuerstein et al., 1980, p. 230)
Dessa forma, as tarefas foram elaboradas com base na necessidade de produzir no aprendiz
a consciência da existência de um problema, conduzida através do rompimento do
equilíbrio cognitivo e da busca de solução lógica. A tomada de consciência somente é
possível através de pré-requisitos do pensamento, incluindo a percepção clara e precisa dos
detalhes, o comportamento comparativo e a percepção global das transformações que
ocorrem de um quadro a outro, as quais compõem a seqüência ordenada de uma situação
dada. Segundo Feuerstein e colaboradores (1980), há uma tendência nas pessoas com
dificuldades de aprendizagem a perceber os fatos e eventos de forma episódica, aleatória,
sem quaisquer relações e conexões.
Considerações clínicas
Orientação espacial I
A folha da Figura 5.13 demonstra um nível mais elevado de abstração, o que implica a
construção de representações espaciais de caráter formal.
111
Considerações clínicas
Comparações
Considerações clínicas
Segundo Luria (1990), encontrar diferenças é, na maioria das vezes, mais fácil que
encontrar semelhanças. Quando alguém compara dois meninos, imediatamente suas
diferenças sobressaem em nível perceptivo, como, por exemplo, se um deles tem cabelos
escuros e o outro cabelos claros. Entretanto, as semelhanças não são captadas no mesmo
sentido. Para que alguém descubra semelhanças, é necessário, mais que observar os elementos,
compreender que esses elementos estão contidos em uma mesma classe (conceitual). Assim,
quando um pessoa define que “os dois meninos são humanos” somente o diz porque conseguiu
abstrair a classe “humanos”, a partir do exemplo dos dois meninos concretos. Para qualquer
pessoa perceber e comparar diferenças não há necessidade do envolvimento de classes. Se um
113
deles tem cabelo claro e o outro escuro, isto é uma relação em nível concreto. Porém, os dois
são humanos, e sabemos dessa semelhança apenas porque estabelecemos uma classe
conceitual que extrapola os dois meninos concretos, estabelecendo uma situação abstrata.
Luria (1990) chama a atenção para o desenvolvimento do ato de comparar, demonstrando que
a descoberta das diferenças vem primeiro que a habilidade de encontrar semelhanças.
Um exemplo mais contundente demonstra a necessidade do plano conceitual para a
extração da semelhança entre elementos. O que faz a árvore e o cogumelo serem semelhantes?
O fato de serem vegetais. Note-se que vegetais não é retirado de uma percepção imediata, mas
de uma análise das propriedades de cada objeto e da construção de uma classe. Por não poder
ser encontrada no plano concreto, essa classe é altamente abstrata. A classe “vegetal” não existe
na realidade concreta, e sim no esquema mental dos indivíduos. Luria (1990) ressalta porém,
que essas operações mentais abstratas são fomentadas pelo fenômeno da escolarização, da
educação formal.
Voltando ao instrumento de Comparação, é importante destacar que toda a explanação de
Luria ganha maior relevância e pertinência quando nos referimos à mediação do processo de
comparar. De fato, observa-se uma facilidade muito maior, sobretudo nas pessoas com maior
dificuldade cognitiva, para estabelecer diferenças perceptíveis do que para estabelecer
semelhanças através da construção de classes. Sair do plano concreto e estabelecer
semelhanças conceituais é “doloroso” para indivíduos com dificuldades cognitivas sérias, e o
instrumento de Comparação viabiliza efetivamente o desenvolvimento nessa área. Outro
aspecto que vale a pena ser comentado é que esse instrumento promove o desenvolvimento do
processo de classificação, preparando o mediado para o instrumento de classificação.
Orientação espacial II
Considerações clínicas
Esse instrumento complementa a Orientação Espacial I. A representação mental é bem
mais exigida, porque as tarefas envolvem a necessidade de construção virtual de dois sistemas
de referência conceituais espaciais, de naturezas diferentes, mas em um mesmo plano. A
complexidade é visivelmente maior, pois ocorre um aumento no número de elementos de
orientação espacial. Há a necessidade de que as referências subjetivas (esqu erda, direita,
frente, atrás) articulem-se em um mesmo plano representacional às referências objetivas
(norte, sul, leste, oeste) na construção de imagens mentais cada vez mais complexas e
reversíveis. Portanto, esse instrumento exige o uso e a observação de várias fontes de
informação ao mesmo tempo, o que implica, por sua vez, uma crescente amplitude do campo
mental.
Trabalhando com pessoas que sofreram lesão cerebral e apresentavam dificuldades de
percepção e memória, esse instrumento apresentou-se bastante difícil, principalmente pela
necessidade da construção de imagens mentais complexas. Outro aspecto relevante é a
crescente abstração presente na Orientação Espacial II por meio da articulação de elementos
representados em quadros, tabelas, gráficos que, por sua vez, devem ser interpretados,
codificados e decodificados para que a tarefa seja solucionada.
Classificação
Considerações clínicas
PEI: nível II
Instruções
Este é um dos instrumentos do PEI que mais prioriza a modalidade verbal e figurativa. As
tarefas requerem como operação mental a codificação e a decodificação. A linguagem
verbal é enfatizada nesse instrumento como um sistema útil tanto para a codificação quanto
para a decodificação processual de níveis variados.
Considerações clínicas
Relações familiares
Progressões numéricas
(...) é o treinamento da criança provada culturalmente pela educação, na busca de regras e leis, que
constitui a base das relações que existem entre certos eventos experienciados. A ordem e o ritmo na
aparência dessas relações são formuladas como regras com as quais se pode construir ou predizer a
seqüência mais adiante de eventos. (Feuerstein et al., 1980, p. 211).
Considerações clínicas
Por ser um instrumento que trabalha com números, muitos mediados apresentam uma
dificuldade extra, seja por uma barreira emocional, seja por dificuldades mínimas de soma. No
entanto, as principais dificuldades apresentadas nesse instrumento tem como causa a
formalização que a modalidade numérica traz para as relações lógicas. Os números
transformam os exercícios em tarefas formais, livres de conteúdo concreto, mas com um
seqüência lógico-formal. Nesse sentido, a progressão numérica amplia significativamente a
descoberta de regras e o uso de analogias de um ponto de vista formal. Tal como no
instrumento de Relações Familiares, a Progressão Numérica também busca desenvolver o
pensamento lógico-formal; porém, enquanto o primeiro formaliza o pensamento através de
enunciados verbais, o último o faz através de símbolos matemáticos.
Relações temporais
Considerações clínicas
ampla gama de operações e funções cognitivas, assim como uma complexa rede de conceitos.
Por exemplo, a noção de tempo:
As Relações Temporais são um instrumento bastante rico para mediar relações lógicas de
causa e efeito, relações lógicas de quantidade, fomentar a construção de conceitos de
referência (espaço-temporais) e estimular a produção quantitativa/métrica da realidade.
Esse instrumento é utilizado com o objetivo fundamental de desenvolver no mediado a
interiorização e o uso de conceitos temporais para que ele possa organizar, ordenar e dar
significados às suas experiências pessoais (e às dos outros, respectivamente), bem como se
localizar, enquanto sujeito, no tempo-espaço subjetivo e objetivo.
Relações transitivas
O instrumento de Relações Transitivas, assim como o Silogismo, é constituído por tarefas
que requerem e promovem o pensamento lógico formal através de enunciados verbais.
Segundo Feuerstein e colaboradores (1986), ambos os instrumentos apresentam um alto nível
de complexidade lógico-formal e de pensamento abstrato, baseando-se em funções cognitivas
desenvolvidas e internalizadas através dos instrumentos anteriores, tais como:
Esse instrumento contém tarefas que exigem a organização dos elementos por meio da
compreensão de relações assimétricas, as quais podem ser descritas em termos de “maior que”,
“menor que”, “igual a”. Enfoca basicamente o pensamento transitivo. Por exemplo, se A > B (A
é maior que B) e B > C (B é maior que C), então qual é a relação entre A e C? O termo médio B,
comum às duas proposições, possibilita concluir que A>C (A é maior que C). Conforme
Sanchéz:
(...) o instrumento pretende ensinar o sujeito a estabelecer e tirar conclusões sobre as relações, o que
se consegue por meio da transferência da relação que existe entre dois itens e um terceiro, para o
qual não foi dada nenhuma relação. Todavia, é mais importante a possibilidade que oferece de
aprender a verificar as afirmações de transitividade, já que sem essa habilidade seríamos às vezes
incapazes de validar as conclusões. Portanto, implica superar o concreto e utilizar processos de
123
Considerações clínicas
Silogismo
Considerações clínicas
Desenho de padrões
O Desenho de Padrões é o último instrumento do PEI e a resolução de suas tarefas implica
o uso dos pré-requisitos cognitivos funcionais e operacionais aprendidos em todos os
instrumentos que compõem o programa de Feuerstein.
O Desenho de Padrões possui, além das folhas de exercício, uma folha de referência. Esta
primeira folha é composta por uma série de figuras geométricas que servem de referência ao
mediado. Já nas folhas de exercício, há uma série de figuras complexas, determinadas a partir
da superposição das figuras geométricas da folha de referência. Assim, o mediado deve
escrever, abaixo de cada uma das figuras complexas, quais foram as figuras geométricas que,
superpostas, formaram a figura complexa. No entanto, não basta dizer quais são as figuras
geométricas envolvidas; o mediado deve demostrar a seqüência correta que define a
superposição.
As tarefas exigem que o mediado construa mentalmente (não através de manipulação
motora!) um desenho que seja idêntico à figura complexa do exercício, analisando
características como cor, tamanho e forma, para poder escolher as figuras geométricas corretas
e estabelecer a seqüência adequada para a formação da figura complexa do exercício. Todas as
figuras geométricas da folha de referência possuem o centro vazio, sem cor. A interposição de
uma figura sobre a outra vai formando uma figura complexa, e as cores entre as figuras não se
misturam. Por exemplo, uma figura amarela, quando se junta a uma azul, não forma uma
tonalidade verde. Apesar da dificuldade, as unidades do instrumento preparam o indivíduo a
fim de que ele possa descobrir como determinadas figuras complexas foram formadas a partir
da combinação de certas figuras simples. Ao mesmo tempo, o instrumento oferece ao mediado
a possibilidade de construir virtualmente uma série de combinações entre figuras simples para
ir formando a seqüência lógica da figura complexa.
Esse instrumento foi desenvolvido a partir das tarefas do teste (RSDT – Representational
Stencil Design), elaborado por Grace Arthur e datado de 1930. A grande mudança feita por
Feuerstein incide sobre o uso exclusivo dos processos mentais, ficando terminantemente
proibido qualquer uso de manipulação motora, como proposto na versão original, que
apresentava uma série de cartões sobre uma mesa, em uma ordem específica em cuja figura-
padrão deveria ser reconstruída através da sobreposição dos cartões. Eliminando-se a
manipulação motora, a versão de Feuerstein estimula o uso de processos cognitivos internos
superiores do pensamento humano e não permite manipulações mecânicas dos cartões.
126
Considerações clínicas
Um aspecto a ser destacado é que ninguém passa a exercer a função de mediador formal
só porque conhece teoricamente os instrumentos do PEI ou os conteúdos acadêmicos e os
critérios mediacionais. O que torna alguém mediador formal é sua capacidade para conduzir
estrategicamente o processo de aprendizagem mediada, de interrogar o mediado, de modo a
impulsionar conflitos cognitivos e mobilizar as funções cognitivas, viabilizando, assim, uma
intervenção transformadora que garanta o aumento do nível de modificabilidade e flexibilidade
mental do indivíduo envolvido no processo de aprender a pensar.
Uma das questões centrais do PEI é alterar o nível das funções cognitivas deficientes do
mediado, que foi construído especialmente para retificar funções deficientes, as quais impedem
o funcionamento cognitivo adequado e criam obstáculos relativos aos processos de
aprendizagem. Porém, “como” alcançar tais objetivos e metas? Em Feuerstein, o “como”
norteia-se através da intervenção pela EAM. Nesse caso, cabem outras perguntas:
O entendimento e a apreciação da meta básica do PEI, a qual é ensinar aos indivíduos a pensar mais
eficientemente, determinar a qualidade do estilo de interrogação do professor. Portanto, um
128
professor de PEI se interessará e fará perguntas que acentuem o processo de aprendizagem e não o
seu produto. (Feuerstein et al., 1986, p. 20)
• Onde está desenhado o triângulo de que você me falou? No canto esquerdo ou direito?
• Como você fez para chegar à resposta? Não entendi muito bem, explique melhor.
O mediador do PEI pode ficar insatisfeito com determinadas respostas de seu mediado se
este não formulou um argumento razoável para dar sustentação à resposta escolhida, assim
como se a resposta estiver incorreta ou imprecisa. Por essa razão, o mediador deve intervir:
• Por quê?
• Explique com mais clareza a sua resposta.
• Não está muito claro o que você disse, tente esclarecer.
Quando o mediado dá uma resposta incorreta, o mediador pede que ele explique melhor,
pense melhor, dando-lhe chance de refletir sobre sua resposta, perceber os erros e aprender a
corrigi-los espontaneamente. Enfim, tenta-se fazer com que o aluno tome consciência de seus
processos de raciocínio (metacognição) e seja capaz de comunicar seus pensamentos de forma
organizada, claramente argumentada e com significado.
130
• Dê exemplos de comparação que você usou para trabalhar essa tarefa do instrumento
Comparação. Em que outras situações da vida ou em tarefas escolares é necessário
saber usar a comparação?
• Fale das estratégias que você usou para resolver a tarefa. Agora, dê outros exemplos de
situações de vida em que poderíamos usar as mesmas estratégias.
As perguntas que conduzem à generalização pretendem fazer com que o aluno transcenda
a tarefa em si e tome consciência dos processos envolvidos, transferindo-os para outros
contextos.
• Como e o que fazer para reduzir o número de vezes em que usa a borracha?
a) Aclaratória:
• O que disse antes sobre...?
• O que quer dizer por...?
• Pode expressar-se de outra maneira?
131
Campione, Brown e Bryant (1992) relatam pesquisas importantes que comparam grupos
de indivíduos com retardo e sem retardo, demonstrando que o ensino de estratégias pode
melhorar significativamente o rendimento cognitivo de pessoas com dificuldades de
aprendizagem. Mayer (1992) descreve pesquisas experimentais em que um grupo de
estudantes recebeu uma série de estratégias sobre como solucionar problemas matemáticos e
outro grupo não recebeu nenhuma ajuda. Segundo o pesquisador, a diferença entre os dois
grupos foi bastante significativa, demonstrando uma grande vantagem para o grupo que havia
recebido estratégias. É uma tendência da psicologia cognitiva atual considerar a intervenção
cognitiva através da construção de estratégias como um poderoso fator que, ao mobilizar o
processo metacognitivo, mobiliza todo o aparato cognitivo.
Propor elementos metacognitivos é um aspecto básico das intervenções voltadas para o
desenvolvimento do processo cognitivo interno e o tratamento das dificuldades de
aprendizagem. Como fazer isso é uma questão que requer uma teoria tanto sobre o processo de
aprendizagem quanto sobre o desenvolvimento cognitivo. Analisamos, neste livro, a proposta
cognitiva de Feuerstein e sua teoria.
(...) ah! Quantas ilusões nos projetos pedagógicos modernizadores... De quantas novidades falam,
quanta mesmice propagam... Será que existe alguma outra instância da vida social, pergunto, que
seja tão afeta a propostas de mudanças e tão desafeta a mudanças de fato? O pior é que existe sim. A
escola é apenas um exemplo; reles exemplo de uma sociedade moderna em que tudo precisa mudar,
para que tudo se mantenha inalterado... (Kramer, 1993, p. 51)
A citação de Kramer não foi escolhida para provocar frenesi, e sim para problematizar a
questão dos programas inovadores. Sob a análise rigorosa dos pressupostos teóricos, podemos
constatar que algumas propostas não têm consistência para o que prometem. E, o pior,
remetem às instituições educativas novas “embalagens”, novos “produtos” de um novo “sabor”
e uma nova “face”, que trazem embutidos em si antigos axiomas e proposições conceituais.
Muda-se a “cor da fruta”, mas mantém-se a semente antiga.
E quanto ao PEI? Ele é inovador e, em determinadas situações, pude verificar em várias
pessoas um sentimento quase “místico” em relação ao PEI, como se fosse resolver todos os
problemas da educação. Em algumas experiências vividas no Centro de Potencialização de
Aprendizagem (CENPA),4 pude verificar a intenção de implantação do PEI como a solução para
todas as dificuldades. Evidentemente, essas experiências estavam fadadas ao insucesso. O PEI
é um programa cognitivo sério, possui uma proposta abrangente, mas tem sua especificidade,
seu objeto de ação, seus limites de alcance, não devendo ser confundido com uma fórmula
milagrosa.
Buscando uma coerência ética e teórica com a proposta de Feuerstein e colaboradores, há
uma série de Centros Autorizados de Formação espalhados pelo mundo todo, inclusive no
Brasil. Os Centros Autorizados são responsáveis pela propagação da teoria de Reuven
Feuerstein, uma vez que assumem um imperativo ético quanto à difusão da técnica e da
formação de pessoal habilitado. É nesse sentido que enfatizamos a preocupação com a
formação e a supervisão dos futuros mediadores, profissionais habilitados e autorizados a
aplicar o PEI. Os Centros Autorizados interpõem-se entre os futuros aplicadores do programa
cognitivo de Feuerstein e o Centro Internacional de Israel (ICELP) para garantir que, em
hipótese alguma, o PEI venha a ser tornar um método mágico, de caráter imediatista e/ou
apenas comportamental.
Para Feuerstein e colaboradores (1980), o treinamento e a supervisão de profissionais
mediadores passa pela consideração de quatro fatores básicos:
A teoria é um aspecto central na prática do PEI. Por isso, a formação de aplicadores não
pode ser “ingênua”, mas levar em conta todos os conceitos sobre o processo de
modificabilidade, sobre a EAM e as funções cognitivas. Sem essa referência de pressupostos, o
aplicador do PEI, inadvertidamente, pode incorrer no risco de utilizar os instrumentos de um
modo superficial. Também é importante contextualizar as crenças dos profissionais sobre a
aprendizagem, o desenvolvimento cognitivo e a possibilidade de modificabilidade. Muitos
pressupostos inatistas ou comportamentistas são encontrados no cotidiano da prática
educacional e no senso comum; por essa razão, é necessário desbravar esses conceitos e
compará-los à luz da concepção da teoria de Reuven Feuerstein. Analisar a práxis da mediação
é promover o questionamento epistemológico, ético e técnico da prática.
É importante que o futuro mediador tenha contato direto com o PEI, faça suas tarefas e
conheça seus objetivos. Assim, ele deve experienciar os instrumentos, sentir suas facilidades e
dificuldades e construir uma impressão pessoal do material. Muitas tarefas são difíceis até
mesmo para os profissionais que realizarão o trabalho mediacional e, somado a isso, nenhum
processo de mediação jamais é um processo de mão unilateral, sendo que tanto o mediado
como o mediador sofrem o efeito do processo mediacional. Também o mediador tem suas
funções cognitivas desenvolvidas com a aplicação do PEI! Um bom mediador está sempre
trabalhando com o seu próprio potencial e vivendo aprendizagens mediadas. Destaca-se que,
da mesma forma que um bom psicanalista viveu sua própria análise e lida constantemente com
o ato analítico, pressupõe-se, ao menos idealmente, que um bom mediador é aquele que tenha
sofrido a intervenção do PEI e experimentado a EAM.
A didática relaciona-se com o planejamento e a análise dos materiais para que haja uma
situação propícia para a EAM. Essa não é uma questão fácil, embora o PEI seja organizado
dentro de uma seqüência sistematizada e coerente voltada para isso. O planejamento de uma
seção do PEI deve levar em conta a especificidade do(s) mediado(s), e o mediador deve saber
formar estratégias flexíveis, de acordo com o andamento do processo mediacional. Assim, se
um sujeito apresenta grande dificuldade em comparar, pode-se trabalhar comparação através
de várias modalidades de linguagem, oferecendo um jogo de baixa complexidade, por exemplo,
mas que exige o ato de comparar, preparando-o cognitivamente para “vôos” mais complexos
dentro do próprio PEI.
É no procedimento didático que o profissional faz uma análise cognitiva do material,
através do mapa cognitivo, selecionando materiais que enfatizam especificamente determinada
função cognitiva que se encontra mais deficiente no mediado.
Um modelo didático que serve de referencial para os futuros mediadores são os critérios
do ICELP, adaptados pela prof a . Dra. Rosa Maria Assis (ICELP s.d.a). Seguem-se os seguintes
aspectos ou cuidados que o mediador deve levar em conta na preparação de uma tarefa:
134
1. A observação precisa.
2. A análise das qualidades, dos atributos ou das propriedades dos objetos de
conhecimento.
3. Uma denominação que englobe a utilização de conceitos definidores do objeto.
4. A definição de estratégias de planejamento contínuo para a solução da
tarefa/do problema.
135
Para concluir, a formação dos aplicadores do PEI deve ser conduzida somente por pessoal
habilitado (trainers de nível II, capacitados pelo ICELP – Jerusalém, Israel), e através de um
centro autorizado local, que tem a função de intermediar a formação de pessoal perante o
centro israelense de Reuven Feuerstein, (o ICELP), garantindo a qualidade da formação.
NOTAS
1. É interessante observar que as idéias de Vygotsky não eram conhecidas por Feuerstein e sua
equipe na época da elaboração do LPAD, segundo expõe o próprio Feuerstein (Feuerstein,
Rand e Hoffman, 1979) e retifica Kozulin (2000).
2. Não nos deteremos na discussão sobre as teorias a respeito da inteligência. Em Gardner,
Kornhaber e Wake (1998), há uma discussão detalhada sobre as correntes mais importantes.
3. O conflito cognitivo deve ser entendido como o conceito piagetiano que remete a qualquer
dificuldade ou necessidade que promova no indivíduo a mobilização de sua estrutura
cognitiva, em que as representações prévias sobre o objeto entram em choque com novas
evidências.
4. Centro autorizado pelo ICELP/Israel e situado em Minas Gerais, no Brasil.
137
Parte III
INTERVENÇÃO EDUCATIVA:
NOVOS PARADIGMAS DE AÇÃO
138
6
Paradigmas Cognitivos
na Educação
Pode-se pensar no educador terapeuta? A educação busca proporcionar à pessoa uma estrutura que
a permita “expor-se diretamente aos estímulos” (Feuerstein) e extrair deles seu significado
existencial. Falamos de estímulos de conhecimento, de experiências, de compreensão do mundo; o
que a educação pode oferecer é a forma, a construção, as estratégias para do minar os significados.
Uma vez conseguido isso, o indivíduo possuirá a dotação necessária para permanecer em um mundo
como dono de significados e inclusive como criador de outros novos. (Beltràn, 1994, p. 16)
Para Feuerstein, a educação é muito mais que a transmissão de conteúdos, é algo muito
maior que a preocupação com o produto final. A aquisição do conhecimento é um caminho que
envolve o processo cognitivo na promoção tanto de operações mentais quanto de conceitos
específicos que proporcionem uma nova relação do indivíduo com o mundo. Quando uma
pessoa aprende um sistema de referências espaciais objetivas, como norte, sul, leste e oeste, e
passa a utilizá-lo cotidianamente, sua relação com o ambiente modifica-se. Afinal, aprender
não é modificar-se, estabelecer novos padrões de interação com o mundo? Ou aprender
significa seguir os mesmos caminhos prévios do passado, os mesmos padrões repetitivamente?
Eis uma questão teórica e ética:
O principal objetivo da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não
simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram. (Piaget, 1970, p. 53, citado em Pascual, 1999)
Após dez minutos de uma discussão inútil, um professor exasperado voltou-se para o visitante e
disse: “Nós fazemos dessa maneira há tanto tempo que sabemos que está certa” (Gardner, 1989).
Precisamos considerar a possibilidade de algumas práticas escolares serem mantidas apenas por
hábito, e não por serem necessariamente a melhor maneira de instruir os alunos hoje em dia.
(Gardner, Kornhaber e Wake, 1998, p. 264)
Nesses dois casos, os quais mantêm o status quo, a situação do aluno, especialmente com
dificuldades de aprendizagem, continua a mesma. As escolas de visão inatista postulam que
essas pessoas ainda não têm maturidade para aprender. As escolas com ênfase no produto
acabam produzindo uma massificação da “cola”, da “decoreba” e da absorção passiva do
conteúdo. Não há aprendizagem significativa, como preconiza César Coll, em um ambiente
educacional que priorize o produto (Coll, 1994). Nessas escolas, são ministradas aulas e mais
aulas de recuperação para que o aluno, via repetição mecânica, absorva o conteúdo. O processo
de aquisição do conhecimento é visto como uma condição passiva de entrada de informações
por meio da repetição, e o processo de construção do conhecimento é ignorado. Entretanto, já
há escolas marcadas por uma nova postura pedagógica, alicerçadas em teorias interacionistas,
baseadas na bastante conhecida proposta piagetiana.
Tendo como referência e base teórico-prática a concepção de Reuven Feuerstein,
evidentemente a abordagem deste livro contemplará as questões da modificabilidade e da
mobilização da inteligência pela via da aprendizagem. Porém, apresentaremos brevemente
outras posições teóricas importantes com o objetivo de comparar e ilustrar a proposta de
Feuerstein.
A humanidade passa por um momento de transformação radical. A globalização, as
necessidades cada vez maiores de especialização e as transformações rápidas e penetrantes
marcam uma era nova. E a educação é uma das áreas que mais sofrem com essas mudanças.
Velhos paradigmas estão sendo transformados com base na necessidade imediata, urgente e
imperativa. Afinal, os indivíduos devem adquirir somente conteúdos específicos ou devem
140
adquirir, além dos conteúdos, sobretudo flexibilidade, adaptabilidade e senso crítico? Essa é
uma pergunta mundial que a globalização está promovendo nos sistemas educacionais e, como
as tecnologias se modificam rapidamente, o perito não é mais visto como aquele técnico
competente em determinado conteúdo específico, mas, inversamente, como alguém que avalia
as mudanças de sua área, filtra as possibilidades apresentadas e sintetiza novos conhecimentos,
viabilizando-os no contexto de seu trabalho.
Educar para quê? é uma pergunta que reflete o momento da nova era de transformação,
até mesmo nos parâmetros escolares oficiais. Além disso, ela vem canalizando cada vez mais a
abertura e o incentivo a pesquisas sobre os processos cognitivos, a experimentos sobre o
desenvolvimento da mente humana e o fomento de práticas educativas que promovam
mudanças significativas no patamar da aprendizagem das grandes massas. Feuerstein, Gardner
e outros estudiosos são alguns dos nomes que se encaixam no perfil dos teóricos eminentes que
pensam a educação através do processo mental (de Acedo, 1997). E quanto a Piaget?
O “NOVO” CONSTRUTIVISMO
Os conteúdos escolares – com seus conceitos, princípios e procedimentos próprios – necessitam ser
ensinados levando-se em conta – indissociavelmente – as noções e operações da criança, no nível
em que ela pode formulá-las. (Macedo, 1996, p. 8)
Piaget tem um valor fundamental, porque ele abre as discussões para o processo interno e
leva as questões cognitivas para dentro da prática pedagógica. Entretanto, há certas ressalvas: o
professor deve instruir seu aluno de acordo com as capacidades manifestas e, nesse aspecto, a
instrução depende do desenvolvimento, vindo em segundo plano a aprendizagem.
Sobre a postura mais tradicional quanto às fases maturacionais, é interessante notar que,
quando certos construtivistas falam do processo de aquisição do conhecimento e analisam a
interação professor-aluno, a impressão que temos é de que quase formulam, em nível intuitivo,
141
De fato, a aprendizagem significativa é o caminho pelo qual as pessoas assimilam a cultura que as
envolve (Ausubel, 1973), uma idéia fortemente vygotskiana que faz da teoria de Ausubel um
complemento instrucional adequado ao marco teórico geral de Vygotsky. Apesar do caráter
intrapessoal dos significados psicológicos, estes são adquiridos geralmente em contextos
interpessoais de instrução, que geram nesses significados uma notável homogeneidade intracultural.
(Pozo, 1998, p. 214)
Observamos que essa nova corrente a que chamamos de “novo construtivismo” apresenta
diferenças significativas em relação ao construtivismo tradicional em termos de práticas
pedagógicas, pois rompe com um dos principais problemas do construtivismo piagetiano, que é
a dependência da aprendizagem e da instrução pedagógica aos fatores biológicos e
maturacionais do desenvolvimento e sua ênfase na exposição direta ao objeto, pela via do
interacionismo sujeito-objeto. Nesse caso, o valor da instrução é redimensionado, assim como
o papel da interação social e da mediação proporcionada pelo professor adquirem um estatuto
central para o desenvolvimento do aluno. É o que enfoca César Coll, representante importante
do novo enfoque:
E isso acontece dessa forma porque essa ajuda situa-se na zona de desenvolvimento proximal do
aluno, entre o nível de desenvolvimento efetivo e o nível de desenvolvimento potencial, zona em que
a ação educativa pode alcançar sua máxima incidência. (Sole e Coll, 1999, p. 23)
O educador, então, deixa de atender aos produtos do ensinar-aprender para centrar-se nos
processos de aquisição do conhecimento. Essa conseqüência, ap esar de ser geral, dá origem a uma
nova mudança nas propostas teóricas e nos sistemas de ensino. (Beltràn, 1994, p. 14-15)
na luta com outras sociedades em que a educação é mais verdadeiramente universal (Kearns e
Doyle, 1988).
A segunda diferença refere-se à profundidade. Atualmente se reconhece que, embora as escolas
tenham feito um trabalho razoável na transmissão de conteúdos aos alunos, fazendo-os memorizar e
subseqüentemente regurgitar esse conteúdo, as escolas no mundo todo não produzir am uma
população capaz de pensar bem e profundamente. Em geral, essas lacunas são referidas como a
necessidade de inculcar pensamento crítico e criativo e planejar uma educação que produza
entendimento. (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998, p. 269)
Tanto a democracia do ensino quanto sua profundidade requerem uma política pública
que assuma responsabilidades. Como propõe Arroyo (1986), o processo de democratização do
ensino não se caracteriza por ser linear e neutro, e sim por demarcar um campo de conflitos e
conquistas, no qual várias injustiças sociais são notórias. Podemos nortear alguns exemplos de
lutas e conflitos no âmbito da prática educativa:
• Santos (1996), por exemplo, propõe uma pedagogia do conflito na qual o educador deve
buscar uma educação crítica, de modo que o aluno possa construir e estabelecer
significados sobre os conteúdos das matérias curriculares e, além disso, estabelecer
uma análise crítica sobre sua relação com o ambiente.
• Duarte Júnior (1981, p. 54) enfatiza que “Educar-se é, primeiramente, adquirir a ‘visão
de mundo’ da cultura a que se pertence; educar-se diz respeito ao aprendizado dos
valores e dos sentimentos que estruturam a comunidade na qual vivemos”. Assim,
“Quando a educação se fundamenta na realidade existencial dos educandos, a
aprendizagem significativa tem maior possibilidade de ocorrência” (p. 56).
Existe uma relação muito próxima entre as propostas pedagógicas inovadoras, repletas
de uma política libertadora, e a concepção de educação através da EAM. Quando os autores
falam de uma produção verdadeira de significados, de educadores atentos à transmissão
cultural e fomentadores da construção de uma análise crítica da realidade, isso nos remete aos
princípios que Feuerstein postula para que haja experiência de aprendizagem mediada.
Relembrando os critérios fundamentais da EAM, temos a intencionalidade, a produção de
significados e a transcendência, ou generalização dos significados para outros contextos.
A partir de todas essas considerações, podemos depreender que educar não é prover (dar o
necessário), mas promover necessidades. E qual o sentido em se promover necessidades? Deve
haver uma distância entre a realidade e o ser humano. O homem é parte do real, mas também
foge dele à medida que transforma de forma radical, através da descentração em relação a ele
mesmo e ao seu ambiente. A ordem do humano é marcada por essa distância. Tal capacidade,
porém, deve ser aprendida pela interação humana e por uma aprendizagem sistematizada,
chamada educação formal. Desse modo, promover necessidades pode ser pensado como o ato
de criar no ser humano uma necessidade de descentração do aqui e agora, aprendendo a
analisar, refletir, descobrir e projetar relações. Entre o estímulo e a resposta, deve haver um
momento de distância no qual a pessoa possa fundamentar um significado sobre a sua
existência e sua posição no mundo – deve haver lugar para o processo cognitivo e o
pensamento crítico. A maior necessidade incutida pela escola deveria ser a propensão ao parar
para pensar. Dar ao indivíduo a chance de se relacionar com o real de uma nova maneira
proporciona a criação de novas necessidades e estabelece a motivação para o aprender, para
interpretar diferentemente a vida e a si mesmo. Nessa perspectiva, educar não é dar o
necessário, não é transmitir conteúdos básicos que visem a preencher a falta humana, mas sim
produzir novas necessidades sempre maiores, sempre mais complexas, que conduzam o ser
humano ao que ele deve ser: um ser pensante, ético e comprometido com a busca pela sua
própria verdade.
O VALOR DA ESCOLA
alfabetização, por exemplo, bem mais cedo que as crianças que não viveram esse processo
formal, o que é um fator positivo para o valor da instrução.
No mundo todo, as crianças iniciam a escola no momento em que iniciam porque foi observado que
a criança média de 7 anos de idade – mas não a criança média de 3 anos – está pronta para dominar
o alfabeto e os símbolos numéricos; e que a criança de 10 anos de idade, mas não a de 5, está pronta
para falar sobre entidades que não podem ser facilmente vistas, escutadas ou sentidas (White, 1965).
(Gardner, Kornhaber e Wake, 1998, p. 263)
Os indivíduos que se saem bem na escola são aqueles que conseguem pensar sobre ações, eventos e
fenômenos mesmo quando essas entidades não são acessíveis à percepção e ao contato direto – isto
é, eles pensam bem na ausência das deixas contextuais comuns. (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998,
p. 263)
Para Luria (1990), não se pode falar em desenvolvimento cognitivo das sociedades
contemporâneas industriais sem pensar no fator mobilizador e canalizador da educação formal
(principalmente a escola) no processo de maturação da estrutura cognitiva do homem
moderno. A educação formal proporciona a maior parte dos instrumentos psicológicos
necessários ao pensamento formal:
A instrução formal, que altera radicalmente a natureza da atividade cognitiva, facilita enormemente
a transição das operações práticas para as operações teóricas. (Luria, 1990, p. 132)
Aliás, Ceci (1990, citado em Gardner, Kornhaber e Wake, 1998) tentou comprovar a
importância da educação formal no desenvolvimento da inteligência e desmistificar a elevada
importância atribuída a um fator genético e biológico concebido de forma estática.
Comparando populações escolarizadas e populações de comunidades iletradas, Ceci
documentou várias pesquisas que apontavam um rendimento igual no teste de QI entre
crianças de comunidades escolarizadas e crianças de comunidades iletradas. No entanto, essas
pesquisas chamavam a sua atenção porque, quando as mesmas crianças das comunidades
iletradas chegavam à adolescência, notava-se um decréscimo significativo no QI em
146
(...) para sublinhar a simbiose dos potenciais cognitivos com o meio ambiente, Ceci (1990) se vale de
uns trinta estudos de pesquisa. Estes lhe permitem afirmar que, se a pessoa tem poucas
oportunidade de freqüentar a escola ou se abandona a escola, o tipo de inteligência acadêmica
associado aos escores de QI não vai se desenvolver tanto como se a pessoa freqüentasse a escola.
Portanto, essa ausência de desenvolvimento não reflete primariamente a biologia como alguns
psicólogos afirmaram (Jensen, 1969, 1980; Terman, 1916).
Por exemplo, Ceci relata estudos realizados nas décadas de 20 e 30 na Inglaterra e nos Estados
Unidos, com crianças que tiveram pouco ou nenhum acesso à escolarização. Na Inglaterra, os
investigadores descobriram que em famílias de ciganos e pilotos de chatas, * que passavam a maior
parte do tempo viajando, os QIs das crianças tinham uma relação inversa com sua idade. Crianças de
jardim de infância tinham QIs de aproximadamente 90, enquanto os QIs dos adolescentes
apresentavam um média de 60. Conclusões semelhantes foram tiradas em 1932, num estudo de
comunidades na área das montanhas Blue Ridge, nos Estados Unidos (Sherman e Key, 1932,
relatado em Ceci, 1990). Os pesquisadores descobriram que as crianças criadas na comunidade mais
remota (em que as escolas normalmente estavam fechadas e os adultos não eram alfabetizados)
tinham QIs mais baixos do que as crianças criadas em comunidades menos remotas. Como no
estudo britânico, os QIs ficavam na média para a maioria das crianças, mas os adolescentes eram
avaliados como retardados. A falta de acesso à escolarização e a oportunidades relacionadas foi
novamente citado para explicar esse declínio nos escores com a idade. (Gardner, Kornhaber e Wake,
1998, p. 247)
N. de R. Embarcação de estrutura resistente, com proa e popa iguais, fundo chato e pequeno
*
calado, em geral sem propulsão própria, para transporte de carga pesada (NovoDicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, 2. ed. rev. e aum., p. 392).
Como ocorre com muitas outras funções cognitivas, a capacidade de esquematização espontânea da
criança deveria ser incorporada ao novo sistema de esquematização convencional e deliberada e ser
transformada por ele (...). O papel da esquematização no processo de aprendizagem é fundamental
porque estimula a abstração e a identificação dos aspectos essenciais de problemas e relações.
Quando a função de esquematização está interiorizada, permite que o aluno unicamente trabalhe,
em um plano cognitivo, com os elementos essenciais da tarefa, deixando de lado os elementos
circunstanciais ou não essenciais. (Kozulin, 2000, p. 141)
Para finalizar, parecem ser a aprendizagem significativa, preconizada por Ausubel (citado
em Pozo, 1998), e a aprendizagem mediada, defendida por Feuerstein, o caminho da escola do
futuro. Além de Coll, Feuerstein, Perkins e vários outros, também Gardner, eminente
pesquisador das inteligências múltiplas, coloca-se nesse mesmo eixo:
O aprendiz, assim como o professor, precisa ser envolvido muito mais ativamente nas seguintes
decisões: o que aprender, como isso será aprendido e se a aprendizagem está realmente ocorrendo.
Deve ser dada mais atenção à atividade metacognitiva, com os alunos refletindo sobre aquilo que
aprenderam (e não aprenderam) e sobre a própria abordagem à aprendizagem. Uma vez que os
professores também precisam exibir e corporificar essas formas de pensamento e entendimento, são
indicadas novas formas de educação do professor e de desenvolvimento da equipe. (Gardner,
Kornhaber e Wake, 1998, p. 272)
A modificabilidade cognitiva (...) não deveria ser somente considerada como o principal objetivo da
educação nos estágios iniciais do organismo, e sim deveria ser implantada ali onde está presente ou
incrementada, quando a necessidade de mudar ou modificar-se se vê exacerbada pela condição
existencial do indivíduo. (Feuerstein, s.d., p. 50)
E mais:
148
Ao contrário do que dizia Piaget, as crianças podem ser conduzidas a aumentar o potencial de
inteligência, mesmo que não tenham atingido o nível de desenvolvimento ideal. Piaget considerava a
inteligência como um produto da maturidade biológica do ser humano combinada com a sua
interação com o ambiente. Em minha teoria, o mais importante é o processo de aprendizagem
mediado por um educador (...) É a figura do mediador, aquele que intervirá, que induzirá a análise, a
dedução e a percepção. O educador é peça-chave. Ele transmitirá valores, motivações e estratégias.
Ajudará a interpretar a vida. Nós, educadores, estamos mais em jogo do que as crianças e os jovens.
Se não formos capazes de ensinar, será impossível aprender. (Feuerstein, entrevista concedida à
Vitória, 1994)
A educação especial tem seu lugar neste livro por dois motivos. Primeiro, a proposta de
intervenção cognitiva de Reuven Feuerstein também atende ao propósito de fomentar e abrir
possibilidades ao campo da educação especial. Segundo, é um campo que hoje vem tendo
vários paradigmas modificados, abrindo portas a um número cada vez maior de intervenções
que visam à modificabilidade cognitiva. Desde os anos 70, uma série de transformações vem
modificando o perfil da educação especial no ocidente, propiciando a instauração do seguinte
paradigma (Jiménez, 1997a): a educação especial deve ser pensada como necessidades
educativas especiais.
Ao longo de sua história, a educação especial sempre foi pensada à margem da educação
regular. As pessoas que necessitam dela eram vistas, tanto no campo acadêmico quanto no
senso comum, como incapazes e merecedoras de um cuidado assistencial e protecionista, o que
promoveu, além de intervenções importantes e especializadas, uma distância dessas pessoas
que vivenciavam tal educação em relação ao mundo “normal”, já que na maioria das vezes a
educação especial não educava para o mundo (Jiménez, 1997b). No seio desse sistema, uma
pergunta abria uma problemática que alastrava novas oportunidades para se pensar o
atendimento a essas pessoas: o que fazer para diminuir a distância da educação especial em
relação à educação para o mundo e possibilitar aos indivíduos uma inserção progressiva,
abrangendo novas possibilidades?
O princípio fundamental dessa pergunta baseava-se na problemática da necessidade de
integração e inserção do aluno “especial” na realidade social mais ampla. Embora tal questão
fosse um aspecto antigo, um novo conceito tornava possível o redirecionamento e a canalização
dessa problemática: o conceito de normalização. Ele surgiu na Dinamarca, em 1959, e passou a
ser incorporado de forma contundente na América do Norte e na Europa a partir da década de
70.
Basicamente, a normalização significa que as práticas e os serviços educacionais devem
possibilitar ao indivíduo com necessidades especiais atuar no mundo da forma mais normal
possível. Ela é uma ação educativa em direção à normalidade, através do respeito às
deficiências do indivíduo e, ao mesmo tempo, da busca de alternativas para o seu
desenvolvimento. Todos os seres humanos devem ter o direito de exercer seus direitos como
cidadãos, e as instituições educacionais devem responsabilizar-se por oferecer condições para
tal objetivo tão abrangente. É o que enfatiza Jiménez:
(...) normalizar não significa pretender converter em normal uma pessoa deficiente, mas aceitá-la tal
como é, com as suas deficiências, reconhecendo-lhe os mesmo direitos que aos outros e oferecendo-
lhe os serviços pertinentes para que possa desenvolver ao máximo as suas possibilidades e viver uma
vida tão normal quanto possível. (Jiménez, 1997b, p. 29)
A educação especial já não é concebida como a educação de um tipo de alunos, mas sim como o
conjunto de recursos humanos e materiais postos à disposição do sistema educativo para que este
possa responder adequadamente às necessidades que, de forma transitória ou permanente, possam
apresentar alguns dos alunos. (Jiménez, 1997a, p. 10-11)
Se a educação especial era vista como uma intervenção específica e própria ao indivíduo
especial, as necessidades educativas especiais mostram que ela deve ser vista como um cuidado
geral e generalizado para todos, o que diminui a barreira entre os indivíduos considerados
normais e os indivíduos considerados deficientes. Assim, todo aluno que encontra dificuldades
no processo de aprendizagem, sejam elas momentâneas ou não, será considerado um aluno
com necessidades educativas especiais e tais dificuldades deverão ser entendidas a partir dos
seguintes aspectos:
No guia para a elaboração do Projecto Curricular de Escola, editado pela Consejeria de Educación y
Ciencia de la Junta de Andaluzia (Sevilha, 1992), refere-se que a atenção a dar aos alunos com
Necessidades Educativas Especiais deve estar presente no conjunto do Projecto Curricular da
Escola, de acordo com os seguintes princípios gerais:
Os objetivos educativos para os alunos com necessidades educativas especiais são os mesmo que
para os restantes alunos.
O currículo normal, com as necessárias adaptações, é o instrumento adequado para responder às
necessidades educativas especiais.
A escola regular constitui o espaço educativo mais adequado, no qual todos os alunos deverão
encontrar uma resposta às suas necessidades educativas. (Jiménez, 1997a, p. 17)
Embora o DSM III não seja o critério mais recente de diagnóstico, possui bases sólidas
como parâmetro de análise dos comportamentos sintomáticos.
De forma geral, os teóricos consideram que a criança hiperativa apresenta:
sociopolítico. Se, por um lado, a produção de uma cultura da pobreza, pela injustiça social,
ultrapassa puramente as questões educativas, por outro lado, há propostas que buscam formar
intervenções no campo educativo, visando a alterar em pontos importantes esse problema de
ordem evidentemente macroestrutural.
Diaz e Resa (1997) sustentam algumas condições básicas para que a instituição escolar
possa intervir eficientemente nesse contexto específico: motivação e satisfação dos professores;
tamanho reduzido das salas; construção de ambientes institucionais flexíveis; elaboração de
corpos organizadores visando a medidas educativas pertinentes para as dificuldades
encontradas; expectativas de mudanças.
Os autores salientam que se trata de avaliar o indivíduo, a própria instituição escolar e os
processos de ensino-aprendizagem. Além disso, propõem intervenções cognitivas que ofereçam
aos indivíduos socioculturalmente desfavorecidos instrumentos que promovam seu
desenvolvimento, argumentando que esses indivíduos já apresentam um resultado inferior no
QI e nas funções cognitivas gerais antes dos seis anos de idade, o que demonstra, a meu ver, um
fator de privação cultural dentro da própria comunidade em que vivem. Os autores também
apontam o Programa de Enriquecimento Instrumental, de Reuven Feuerstein, como uma das
principais medidas psicoeducativas para esse fomento, relacionando-o a uma medida que deve
ser implantada e seguida cotidianamente na escola regular a fim de atender às necessidades
especiais dos alunos.
Portanto, a inserção progressiva da educação especial na escola regular vai em direção à
inserção da proposta de Feuerstein na escola regular. Não somente de seu programa cognitivo,
mas principalmente da filosofia da mediação, ou seja, da aplicabilidade da EAM na estrutura
do processo de ensino-aprendizagem.
Todas essas afirmações foram resultado de estudos feitos em “amostras” em que não existira
qualquer tipo de intervenção precoce e o desenvolvimento cognitivo fora espontâneo; ignora-se
assim qual teria sido o verdadeiro desenvolvimento destes indivíduos se tivessem sido submetidos
desde as primeiras idades a programas intensivos de estimulação e treino cognitivo. (Sampedro,
Blasco e Hernández, 1997, p. 231)
153
No que se refere ao retardo mental, a teoria de Feuerstein tem um lugar especial, já que
para ele todo indivíduo que apresenta retardo mental pode ter sua inteligência modificada – o
retardo mental não é próprio da estrutura cognitiva do indivíduo nem uma qualidade
irreversível. Deve-se eliminar a condição de retardo, ou pelo menos diminuí-la, bem como
diminuir as limitações que o retardo cria através de uma aprendizagem mediada. Essa postura
modifica a educação: da educação do “retardado mental” para uma educação à normalidade.
A postura de Feuersteinen enquadra-se no paradigma das necessidades educativas especiais.
Em seu livro Don´t accept me as I am (1997), Feuerstein relata suas experiências e seus
trabalhos com meninos portadores de síndromes, como a síndrome de Down, e ressalta a
necessidade de não aceitarmos passivamente esses indivíduos como são, e sim assumirmos
uma postura ativa e sistemática na crença de que eles podem modificar-se e desenvolver-se.
Entretanto, Feuerstein não acredita em mudanças sem uma metodologia bastante específica,
precisa e eficiente, capaz de dar conta das diversas dificuldades. Certa vez interpelado por uma
mãe, ela lhe disse que o amor era o aspecto mais importante para o trabalho com seu filho,
portador de uma síndrome, sendo o fundamento de tudo. Feuerstein respondeu-lhe que o amor
era importante, mas que a metodologia mostraria o caminho ao amor. Amor e método são os
dois lados da “moeda da mudança”. Também podemos dizer, pela experiência clínica, que o
amor sem um caminho se cansa e se perde na frustração e na desesperança.
Relacionando o modelo de Feuerstein e o modelo educacional progressista, que concebe a
educação especial como necessidades educativas especiais, vemos a correlação entre ambos. O
modelo de Feuerstein defende a idéia de que o ser humano é modificável e mostra caminhos
teóricos, metodológicos e operacionais. O modelo das necessidades educativas especiais
preconiza o término da dicotomia entre educação especial e educação regular e defende que
todos podem usufruir das necessidades educativas especiais. Conforme Feuerstein e
colaboradores (1980), quando nos referimos ao termo atrasado mental, referimo-nos ao nível
manifesto e jamais ao potencial, o que enfraquece o estatuto de rótulo ou de possibilidade
inferior do sujeito. A proposta educativa das necessidades educativas especiais também elimina
o rótulo a respeito das dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos indivíduos e fomenta a
idéia de modificabilidade e normalização.
Outras crenças também são questionadas pelo modelo de Feuerstein. Por exemplo, a
crença de que o velho é um indivíduo que chegou no seu limite, apresentando padrões de
comportamento cognitivo rígidos e inflexíveis, é abalada. Lifshitz (1997) acredita amplamente
nisso, contrastando em seu artigo as posturas passivas, de aceitação do limite do idoso, e a
postura ativa de Feuerstein, segundo a qual sempre existe um potencial significativo a ser
atingido e ultrapassado, mesmo nesses indivíduos de mente já tão madura biologicamente. A
postura otimista e ativa de crença no indivíduo é fundamental para uma intervenção
impulsionadora e potencializadora da inteligência.
É importante destacar que a postura passiva ou ativa de uma determinada sociedade e
cultura influencia fortemente no modo como um povo desenvolve sua inteligência. Essa
concepção é adotada não apenas por Feuerstein, mas também por Howard Gardner (1995), que
descreve a postura altamente ativa do povo japonês através do incentivo ao desenvolvimento da
inteligência pela instrução, citando uma pesquisa de White (1987):
Dada nossa definição de inteligência como representando compromissos efetivos entre os indivíduos
e as sociedades em que vivem, talvez o Japão sirva como um exemplo particularmente instrutivo. No
Japão, o desenvolvimento da inteligência é estimulado por valores amplamente compartilhados,
que, por sua vez, são apoiados pelas instituições da sociedade. Entre esses valores, estão as
conquistas escolares e o estudo diligente. Os pais exigem escolas de alta qualidade e têm grandes
expectativas para seus filhos. Eles acreditam que as crianças podem satisfazer essas expectativas
trabalhando e comprometendo-se realmente, e não através da capacidade inata. Assim, as mães
ensinam ativamente aos filhos, e os professores são altamente considerados. Maximizar o potencial
da criança japonesa é adotado como uma responsabilidade social, não apenas no nível retórico, mas
na prática concreta (White, 1987). (Gardner, Kornhaber e Wake, 1998, p. 203)
154
DIMENSÃO ÉTICA
Embora a teoria de Feuerstein tenha como objeto central o aspecto cognitivo e sua
repercussão em todo o plano educativo, não podemos desconhecer que outros planos também
têm relação direta com o ato de educar. As dimensões sociais, políticas e econômicas reúnem
em si uma vasta gama de “raízes” históricas de um povo e determinam o modo como uma
Nação ou Estado concebe a educação e suas diretrizes. Além disso, é oportuno considerar que
as posturas psicoeducativas, os modelos e as propostas cognitivas são construídos através de
princípios históricos, em que aspectos sociais, políticos, econômicos, éticos, t écnicos e
paradigmáticos interagem entre si. Nesse sentido, a teoria de Feuerstein é o lugar da
contestação, da prática com vistas à liberdade e à libertação, aumentando a capacidade de
conscientização crítica e de posicionamento no mundo, na busca de seres criativos,
modificáveis e modificadores.
Vejo a concepção de Feuerstein como vanguardista, porque ampliar o aspecto cognitivo
não significa apenas dar ao indivíduo maior capacidade para lidar com os exercícios da escola,
como muitos poderiam pensar. A teoria de Feuerstein baseia-se no sistema de crenças de que
todo indivíduo é modificável, é capaz de ampliar seu potencial:
Educar é sempre uma aposta no outro. Ao contrário do ceticismo dos que querem “ver para crer”,
costuma-se dizer que o educador é aquele que buscará sempre “crer para ver”. De fato, quem não
apostar que existem nas crianças e nos jovens com quem trabalhamos qualidades que, muitas vezes,
não se fazem evidentes nos seus atos, não se presta, verdadeiramente, ao trabalho educativo. (da
Costa, 1990, p. 23)
Educar é sempre uma aposta no outro, pedra fundamental que movimenta o educador.
Como bem constata da Costa (1990), através de seu trabalho na unidade da FEBEM-MG, em
Ouro Preto, educador é todo aquele que tem função na transmissão cultural e na identidade de
um povo e, a cada geração, transmite aos mais novos os significados, as produções e os
conteúdos de uma dada condição histórica e social. A beleza da fala de da Costa (1990)
corrobora a concepção de Feuerstein sobre o que é um mediador enquanto ator social:
À medida que passava o tempo, ampliávamos nosso entendimento acerca da figura e do papel do
educador. Vimos, por exemplo, que na comunidade educativa havia apenas duas categorias de
pessoas: educandos e educadores. Todas as meninas eram educandas. Todos os adultos, sem
importar a sua posição funcional, eram educadores.
Assim, a equipe de educadores da escola era constituída pelas cozinheiras, motoristas, pessoal de
escritório, vigias noturnos, instrutores de formação profissional, mo nitores e Maria José, Airton e
eu, a equipe técnica. Todos participávamos das reuniões de trabalho e das jornadas pedagógicas na
condição de educadores. Estudávamos textos, debatíamos situações, fazíamos planos e avaliações,
assumíamos compromissos.
Era bonito ver uma funcionária semi-analfabeta iniciar sua intervenção num debate dizendo:
“Enquanto nós, educadores, não se unir, num pensamento mais ou menos do mesmo modo a
respeito dessas meninas e do que a gente deve ser na vida delas, vão continuar acontecendo
desencontros, disse-que-disse e incompreensões entre nós. E isto não é bom para ninguém: nem pra
nós nem pra elas”.
Cada educador era responsável, junto com um grupo de educandas, por um setor da vida escolar.
Para abordagem dos casos mais difíceis, procurávamos sempre aproveitar, para as intervenções mais
diretas e delicadas, o educador que tivesse a relação de melhor qualidade com aquela educanda,
independentemente da sua posição funcional. (da Costa, 1990, p. 81-82)
Vale a pena destacar que as pessoas que agem e interagem, enquanto atores sociais ou
cidadãos, atuam como educadores ou mediadores. Ser educador e mediador faz parte de nossa
natureza humana. Evidentemente, temos canais e instituições que se responsabilizam
formalmente pela educação, assim como profissionais dedicados a isso, como é o caso dos
professores, importantíssimos para a educação formal da população. Infelizmente, porém, a
155
realidade da prática educativa no Brasil demonstra que a prática do educador formal tem
seguido alguns rumos que o desapropriam desse caráter de mediador. Nas práticas cotidianas
da escola, ocorre uma fragmentação do conhecimento e do saber do professor. Segundo
Kramer (1993), a repercussão desse fenômeno é a desapropriação do professor de seu
fundamento maior, que é o seu lugar de transmissor e produtor-fomentador de saber.
Percorrendo os caminhos vários, deparo-me com a fragmentação do trabalho escolar, com a baixa
qualidade do ensino, com a precária qualificação de professores, com as péssimas condições de
trabalho. Mas me deparo também com algumas das conseqüências disso que historicamente lhes é
imposto: a perda gradativa do saber e do saber fazer. (Kramer, 1993, p. 12)
uma educação prospectiva é evidente. A educação prospectiva implica que os alunos devem ser
capazes de abordar problemas que não existem no momento da aprendizagem. Para adquirir essa
capacidade, os alunos devem orientar-se em direção a um conhecimento mais produtivo que
reprodutor. O conhecimento produtivo exige uma mudança ra dical: passar da aquisição da
informação a uma educação cognitiva. Nas etapas iniciais desse processo, a aquisição de
instrumento psicológicos básicos e sua mediação adequada é fundamental. Nas etapas mais
avançadas, a aquisição das “linguagens” mais complexas da ciência, da informática, da filosofia e do
discurso literário torna-se mais importante. (Kozulin, 2000, p. 21)
157
7
A Experiência de Aprendizagem
Mediada e o Plano Emocional
(...) não podemos esquecer os aspectos movitacionais afetivos, que desempenham um papel
essencial em qualquer adaptação bem-sucedida. Ao contrário, tem sido observado freqüentemente
158
que, uma vez que os indivíduos estejam bem-equipados com as ferramentas cognitivas e com os pré-
requisitos verbais necessários para a análise consciente de seu comportamento, suas atitudes,
sentimentos e emoções terminam manifestando uma abertura da mente muitas vezes inesperada e
uma surpreendente disposição para dirigir voluntariamente os fatores afetivos e outros não-
intelectivos implícitos em suas dificuldades. (Sasson, 1997, p. 179)
Um dos maiores problemas para quem trabalha na área das dificuldades de aprendizagem
é a falta de uma teoria que explique a mente humana, relacionando em um único e mesmo
modelo teórico o plano emocional e o plano cognitivo. Temos como eixo norteador o seguinte:
Um dos pontos altos nos estudos cognitivos atuais refere-se ao resgate do plano
emocional. Não há como se pensar em um ser inteligente sem se pensar no papel das emoções e
dos sentimentos. Como fazemos nossas escolhas, como decidimos agir? As emoções estão
ligadas à razão e ao pensamento crítico (Goleman, 1995). Como analisa Sacks (1995), um dos
neurologistas mais importantes da atualidade e importante pesquisador das patologias do
funcionamento mental, o ser humano não é apenas um processador de informações, mas uma
unidade, um self que transcende qualquer explicação teórica existente.
Pensar e aprender implica sentir (Damasio, 1996, 2000). Mas por quê? Pensemos em
nossas relações cotidianas. Como aprendemos a interagir? Como sabemos quando é a hora de
falar, de ouvir, de dar opinião, de pedir um favor? Quando aprendemos que uma situação é
difícil demais de suportar? Todas essas formas de aprendizagem acarretam a participação
decisiva do plano emocional. Medo, raiva, empatia, discrição e outros sentimentos são
mecanismos de que dispomos para nos relacionar com nosso ambiente e, principalmente, para
lidar com nós mesmos. Por sermos organismos frágeis, necessitamos de recursos que nos
ofereçam a possibilidade de estar em sintonia com nossas necessidades – as emoções e os
sentimentos cumprem essa função.
O estudo do plano emocional ganhou terreno justamente através de críticas à teoria do
processamento da informação, corrente da psicologia cognitiva dominante nos Estados Unidos,
que concebe a mente humana como um sistema computacional. Um dos maiores problemas
encontrados nessa teoria refere-se ao problema da consciência e da construção de significados
(Teixeira, 1998).
159
Os computadores executam funções, mas não têm consciência de sua produção nem têm
um conhecimento sobre seu estado interno, em termos de sentimentos e sensações. Para que
isso fosse possível, seria necessário que o conhecimento existente no computador tivesse
alguma relação contextual com o ambiente real (Thagard, 1998) e que esse conhecimento
implicasse a existência ou a sobrevivência do próprio computador. Segundo Damasio,
eminente neurologista da atualidade, nossa principal programação, como seres vivos, implica a
capacidade de transformarmos a informação proveniente do mundo em sinais que signifiquem
a nossa própria sobrevivência. Esses sinais são as emoções e os sentimentos, que nos oferecem
uma forma de resposta frente às exigências da realidade e de nosso próprio organismo.
Aprender para sobreviver é a grande questão dos organismos, o que não ocorre com os
computadores. Diferentemente dos computadores, os organismos são dotados da capacidade
de sentir as informações, sendo imperativo a todo organismo lutar pela vida, e sua principal
habilidade consiste em entender quais fatores do mundo podem tirar-lhe a vida (Damasio,
1996).
Como bem demonstra Maturana (1997), várias decisões lógicas são conduzidas por
respostas afetivas. O próprio sistema de crenças dos indivíduos é estruturado a partir da
conjugação racional-emocional. Quando uma pessoa pensa e escolhe algo, o que muitas vezes
parece ser uma ação puramente lógica tem em sua base escolhas afetivas. Não há lógica sem
emoção, e o reverso também é verdadeiro. Muitos sentimentos somente podem surgir através
da ação racional.
Estudar as influências do plano emocional sobre o plano cognitivo é uma das tarefas mais
complexas e difíceis. A ciência cognitiva ainda engatinha na tarefa de propor modelos teóricos
que consigam integrar os planos da cognição e da emoção. Sabemos já razoavelmente que cada
um deles possui uma dinâmica própria, apesar de atuarem conjuntamente no ser humano.
Freud (1987d), por exemplo, especificou uma série de processos próprios do plano emocional.
Neste, há uma realidade psíquica que apresenta autonomia diante da realidade objetiva. O
mundo dos sonhos, das fantasias, dos atos falhos demonstra esse “mundo” próprio:
(...) o que determina a formação dos sintomas é a realidade, não da experiência, mas do
pensamento. Os neuróticos vivem num mundo à parte, onde, como já disse antes [1911b, perto do
final do artigo], somente a “moeda neurótica” é moeda corrente; isto é, eles são afetados apenas pelo
que é pensado com intensidade e imaginado com emoção, ao passo que a concordância com a
realidade externa não tem importância. O que os histéricos repetem em suas crises e fixam através
dos sintomas são experiências que ocorreram daquela forma apenas em sua imaginação – embora
seja verdade que, em última instância, essas experiências imaginadas remontem a acontecimentos
reais ou sejam neles baseadas. (Freud, 1987d, p. 109)
PROBLEMATIZANDO MODELOS
Apesar dessa lacuna, não podemos desconsiderar a estreita relação entre os planos
cognitivo e o emocional. Como explica Feuerstein:
160
Em cada comportamento, temos os dois lados de uma mesma moeda, o cognitivo e o emocional.
Acrescento que essa moeda é transparente, se você olha do lado da cognição, vê o reflexo do
emocional e vice-versa. (Feuerstein, entrevista concedida a Moraes, 1999, p. 64)
psíquica (seja cognitiva, seja emocional). A neurose, a psicose e a perversão são estruturas
psíquicas modeladas na relação com o outro.
Diante desse ponto de vista, temos uma relação comum entre Freud e Feuerstein: o papel
do outro no desenvolvimento dos processos psíquicos. Freud enfatiza a presença do outro na
formação do emocional, enquanto Feuerstein, na formação do cognitivo.
Analisando os problemas de aprendizagem por esse prisma, um dos primeiros aspectos a
serem levados em conta é a relação do indivíduo com os “outros” e o registro simbólico desses
“outros” que lhe fornecem o “alimento” emocional e cognitivo. Esse é o meu modo particular de
encarar o diagnóstico dos problemas de aprendizagem.
Propondo a questão da interação com o outro e seu registro simbólico como o elemento
estruturante e modificador do sujeito humano, um ponto que chama bastante atenção e merece
estudos é a penetração que a mediação promove no campo afetivo-emocional. Pesquisas
futuras deveriam dirigir seu foco na interação entre o mediador e mediado, analisando
profundamente os fatores emocionais envolvidos nessa relação e o impacto causado no
mediado e no próprio mediador. Penso que o processo mediacional, em seus critérios, é muito
mais profundo e complexo do que está exposto atualmente, e sua análise por outras vertentes
teóricas, que enfocam mais especificamente o campo afetivo, pode ser extremamente fecunda,
apesar dos riscos que isso envolve.
Detenhamo-nos no fato observável de que a EAM altera a condição cognitiva e o próprio
campo afetivo. Como aspecto clínico altamente relevante, tal fato deve ser pensado e analisado
profundamente nas suas mais variadas causas. Como pensa Tzuriel (1994), o “reino” cognitivo
e o “reino” afetivo confluem-se em um âmbito profundo, que deve ser levado em conta no
processo mediacional:
Uma característica comum em todos os exemplos anterior, assim como em muitos outros, é a
intrincada relação circular entre o domínio cognitivo e o motivacional -afetivo. Mais do que tentar
analisar a fonte da presente dificuldade, a proposta mediacional é trabalhar integradamente ambos
os níveis. Experiências com a maior parte dos indivíduos mostra que uma pequena modificabilidade
no campo cognitivo e também no campo motivacional-afetivo imediatamente afeta o outro campo
que, por sua vez, torna-se recíproco. (Tzuriel, 1994, p. 99-100)
Haywood (1997) também aborda o problema entre os planos afetivo e cognitivo. Ele
propõe a Psicoterapia de Desenvolvimento Cognitivo (CDPsy) *, mobilizando o processo
mediacional como um aspecto psicoterapêutico que desenvolve no indivíduo a capacidade para
estabelecer relações metacognitivas e reflexivas sobre si mesmo e sobre o mundo, enfatizando o
enriquecimento cognitivo e sua repercussão no comportamento geral do indivíduo. O mais
interessante na proposta de Haywood é sua tentativa de integração entre cognitivo e emocional,
não separando mecanicamente esses dois planos:
A idéia básica de CDPsy é ajudar os clientes, através da educação cognitiva, a adquirir processos
afetivos cognitivos, metacognitivos e hábitos; e simultaneamente a trabalhar com se us problemas
emocionais usando uma combinação afetivo-social. O fato de que a CDPsy ajude tanto nos
problemas de aprendizagem quanto nos estados emocionalmente doentes sublinha a relação
transacional das variáveis cognitivas e afetivas.
Como dado acrescentado, a CDPsy inclui especificamente pessoas de baixa habilidade, enquanto a
maioria das psicoterapias tradicionais não inclui tais pessoas. Quando se amplia sistematicamente
162
em casos clínicos, a CDPsy tipicamente conduz a mudanças positivas nos estados efetivos e estados
cognitivos (Haywood e Menal, 1992). (Haywood, 1997, p. 122)
Por exemplo, com uma criança circulando no quarto, nós podemos colocar obstáculos no caminho, a
ponto de que a criança tenha que modificar seu circuito para alcançá-los (ou o adulto). O fato de que
nós interrompemos ou forçamos a criança a modificar seu circuito é um exemplo de
intencionalidade de nossa parte. Nossos esforços para obstruir ou mesmo gentilmente frustrar a
criança poderiam resultar em protesto, nós interpretamos o protesto da criança como um
rudimentar sinal de reciprocidade – a criança, de forma complementar, respondeu-nos, apesar de
negativamente. Podemos tentar estabelecer o mais elementar senso de reciprocidade através da
colocação de objetos aleatório frente à criança. Com o cuidado frente ao significado, permanecemos
continuamente desafiados a tentar tomar os elementos do comportamento da criança e dar a ela o
contexto de significado. Por exemplo, a criança pode perseverar em desviar de objetos, nós podemos
tomar os mesmos ou outros objetos e participar dessa atividade, objetivando conduzir que essa
tarefa, de ritual aparentemente aleatório, possa ser interpretada e reestruturada de forma
significativa, isto é, como uma espécie de jogo (cf. trabalho sobre comunicação intencional de
crianças autistas, Yates, 1986). Até mesmo podemos sempre buscar construir um senso de retorno
(reciprocidade) dentro de tal comportamento. Temos encontrado mais dificuldade para aplicar a
noção de transcendência frente aos autistas, pois a evidência de que a aprendizagem pode ser
transferida para outros reinos é mais complicada de se verificar e apresentar-se freqüentemente
bastante lenta. A imaginação, a intuição e a tomada de decisões servem como instrumento de ajuda
no complicado processo de iniciação à construção de algumas bases para a mediaç ão com a criança
autista. (Levin, 1997, p. 188)
Enfim, diversos tópicos sobre a relação entre os planos cognitivo e emocional poderiam
ser abordados. Nesse caminho difícil, penso que devemos arriscar, propor referências e
pressupostos que mobilizem de forma consistente a problemática das dificuldades de
aprendizagem, na tentativa de envolver tanto o campo cognitivo quanto o campo afetivo-
emocional.
Como bem aponta Alves (1998), a ciência não traz conforto nem é morada para a alma.
Assim, se não acalenta, o conhecimento científico define um movimento em direção... E, para
quem não sabe de onde veio nem para onde vai, nem qual o melhor “caminho do mar”, talvez o
movimento com um sentido seja o mais importante, a morada das moradas.
O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não
há saber diante do qual o coração possa dizer: “Cheguei, finalmente, ao lar”. Saberes não são lar.
São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. (Alves, 1998, p. 11)
NOTA
1. Anna Freud (1982), por exemplo, tentou direcionar a intervenção educativa para uma
psicanálise pragmática, enfatizando o plano emocional sobre o plano cognitivo, posição
bastante criticada por Melannie Klein e outros psicanalistas (Mannoni, 1987).
163
Conclusão
Outros trabalhos voltam-se para a formação dos mediadores e para a divulgação da teoria
através de explicações didáticas sobre a aprendizagem mediada:
• De Celis e González (1997) citam bons resultados atingidos através da aplicação do PEI
em diferentes populações, tanto em pessoas com pequenas dificuldades de
aprendizagem quanto em pessoas com retardo mental leve.
• Gouzman (1997) trabalha com o PEI para cegos. Uma série de modificações, enfocando
bastante o tato, mantém a pertinência e a eficácia do instrumento.
• Perrilliat (1997) aborda a aplicação do PEI para pessoas surdas, trabalho que vem
sendo realizado desde de 1990.
• Lara (1997) descreve um programa de recuperação de drogaditos, utilizando o PEI
como recurso facilitador para a recuperação do indivíduo.
• Camusso (1997) analisa a importância do PEI na empresa, relatando os resultados
positivos de sua implementação entre os anos de 1989 a 1993.
Savell, Twohig e Rachford (1994), diferentemente dos demais autores, não publicaram os
efeitos da aplicação do PEI através da intervenção cognitivo-educativa, mas realizaram uma
pesquisa bibliográfica ampla sobre as pesquisas de intervenção do PEI, analisando-as. Nem
todas as pesquisas foram coletadas, pois havia alguns pré-requisitos, como todas as pesquisas
recolhidas deveriam ter apenas o PEI como intervenção e possuir grupos comparativos, ou seja,
pelo menos um grupo-controle (grupo sem intervenção) e um grupo experimental (grupo com
intervenção do PEI).
Assim, as pesquisas de Feuerstein e colaboradores (1980) e Ruiz e Castaneda (1983)
entraram na análise desses autores. Já as pesquisas de Skuy e colaboradores (1994) ou Mulcahy
(1994) não poderiam ser selecionadas, pelo fato de mesclarem o PEI com outros programas. Os
autores pontuaram algumas características importantes apresentadas nas pesquisas
verificadas.
Um fator de destaque foi a constatação de um padrão geral nos resultados de todas as
pesquisas analisadas. Primeiramente, os efeitos mais importantes de mudança no raciocínio
dos mediados foram observados nos testes de inteligência não-verbal, que estão diretamente
relacionados à inteligência geral e, em alguns casos, espacial. Assim, testes como o Raven, o
PMA, o Lorge-Thorndike, o Cattell, e outros de mesmo tipo, indicaram mudanças significativas
nos escores após intervenção do PEI. Outros fatores, como mudança no sentimento de
competência e aumento da auto-estima, mostraram-se variáveis, indicando que há fatores no
processo de aplicação do PEI, como a habilidade dos mediadores para uma interação efetiva,
que devem ser levados em conta para uma análise mais profunda.
A maior parte dessas pesquisas trabalhou com uma população entre 12 e 18 anos, do
ensino fundamental ou médio, em processo de escolarização. As pesquisas têm alguns fatores
em comum, a saber: treinamento de pelo menos uma semana para o mediador, aplicador do
PEI; no mínimo 80 horas de exposição do PEI junto ao grupo experimental, durante um
período de um a dois anos; intervenção em grupos, e não em nível individual.
A pesquisa bibliográfica de Savell, Twohig e Rachford (1994), apesar de excluir pesquisas
importantes, oferece um quadro bastante pertinente das pesquisas que têm sido feitas e dos
efeitos do PEI até agora conhecidos.
Também há relatos críticos sobre a implantação do PEI e da aprendizagem mediada em
instituições educativas:
Assim, é em função desses novos paradigmas que este livro se inscreveu. Na busca por
novos caminhos, Feuerstein oferece ao navegante um novo mapa, uma nova carta para os
mistérios da mente lembrando-nos que a origem de todo o caminho é a crença em um destino
melhor. E assim tudo começou... o trajeto foi trilhado e segue seu curso, na crença da
modificabilidade e na possibilidade da autonomia do sujeito...
167
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