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Dennis Werner
Federal University of Santa Catarina
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All content following this page was uploaded by Dennis Werner on 08 January 2017.
Prefácio......................................................................................................iii
Referências Citadas.................................................................................151
Prefácio
O Star, the fairest one in sight,
We grant your loftiness the right
To some obscurity of cloud.
It will not do to say of night,
Since dark is what brings out your light.
[O Estrela, a mais bela em vista./ Devido a sua altura lhe concedemos o direito/ a uma obscuridade de nuvens./ Não se pode culpar a noite,/
uma vez que é a noite que realça a sua luz./ Um pouco de mistério convêm aos orgulhosos./ Mas ficar completamente silencioso/ Na sua
circunspecção não se permite./ Diga algo. E ela diz "eu ardo". / Mas diga com que grau de calor./ Fale Fahrenheit, Fale Centigrados./ Use
uma linguagem que possamos compreender./ Diga quais os elementos que amalga./ Estranhamente, nos ajuda pouco,/ mas diz alguma coisa
no final./ E firme como o eremito de Keats,/ sem se curvar da sua esfera,/ ela pede alguma coisa de nos aquí./ Ela pede uma certa altura,/ para
que quando a multidão é levado/ a elogiar ou
iv
xingar demais,/ nos podemos ter algo como uma estrela/ para nos guiar, e manter o equilíbrio.']
Este poema de Robert Frost é o único que decorei em toda a minha vida. Em parte lembro do poema porque, como adolescente,
cantei num coral um arranjo deste poema composto por Randall Thompson. Mas em parte lembro do poema por causa do consolo que me
davam as linhas "so when at times the mob is swayed to carry praise or blame too far, we may choose something like a star to stay our minds
on and be staid." Quando criança e adolescente, fui muito alvo de elogios e insultos extremos -- elogios porque sempre era o melhor aluno da
turma; insultos porque era afeminado. Para me avaliar precisava buscar outro critério, além das opiniões frágeis e fúteis da multidão. A minha
formação religiosa (luterana liberal) garantiu que a busca deste outro critério (a estrela de Frost) teria que ser interna e individual -- anos de
escola dominical em que fomos treinados a resolver dilemas morais, caso a caso e sem regras, e depois uma cataquese pesada imbuída das
idéias de Kierkegaard e Bonhoffer, e que provocou crises existenciais em muitas crianças. Não se podia confiar em regras morais, nem nas
opiniões de outros. Ouvimos muitos exemplos de uma sociedade inteira (a Alemanha nazista) que estava em consenso (pelo menos era esse o
que escutamos) sobre idéias horrosas. Era preciso voltar sempre para as bases do raciocínio, questionar a existência de Deus, questionar
ideais como "liberdade" ou "democracia" (e a propaganda da guerra do Vietnã), questionar o próprio sentido do universo e da vida.
Com algumas leituras de Emerson e Thoreau passei por um breve período no qual conseguí acreditar na primazia de conceitos como
"beleza" ou "bondade", e andava colecionando na memória pequenas citações como "A foolish consistency is the hobgoblin of little minds"
[uma consistência burra, é a superstição de uma mente pequena] para guiar o pensamento. Mas logo perdí a confiança nestes princípios e no
uso de aforismos como "estrela guia".
Depois de terminar o segundo grau com 18 anos, saí para estudar em Nova York onde me formei em letras francesas e filosofia,
passando o penúltimo ano de universidade em Paris. Os elogios e os insultos foram mais moderados nas grandes cidades do que na área rural
onde fui criado, e cheguei a gostar de ser considerado uma pessoa mais normal. Quanto a critérios que poderiam servir como guias estrelas,
não tinha grande coisa. Talvez tenha acatado um pouco mais as opiniões dos outros, mas em geral ficava simplesmente numa crise existencial
prolongada. Fiz o último ano de graduação sem muita convicção, mas gostei de uma disciplina de lingüística histórica. Parecia fornecer
critérios mais objetivos que iam além das opiniões
v
soltas dos professores para avaliar trabalhos. Resolví tentar um mestrado em lingüística.
Embora tivesse me matriculado num mestrado em lingüística, nunca cheguei a fazer disciplinas na área. No dia da matrícula
conversei com um dos professores que me informou que precisaria aprender logo latim e sanskrit. Se eu preferisse aprender idiomas vivos
como navajo ou basco, ele sugeriu que seria melhor estudar antropologia. Me matriculei então em disciplinas de antropologia, e acabei
fazendo mestrado e doutorado nesta área.
Embora tivesse feito disciplinas de antropologia e sociologia na graduação, foi só nas primeiras disciplinas de pós-graduação que fui
realmente exposto ao que para mim foi uma nova forma de pensar -- que depois descobrí ter o nome (dado pelos críticos, é claro) de
"positivismo." Fiquei encantado. No decorrer do mestrado, cercado por professores e alunos que seguiam linhas teóricas parecidas, me sentí
bem em casa. Depois, ao fazer doutorado com professores mais "típicos" de antropologia, passei a fazer parte da "oposição", e até hoje sinto
que mantenho esta posição.
O trabalho que apresento aquí vem responder a uma necessidade que sinto de me explicar, justificar, e defender. No decorrer dos
meus anos como doutorando e professor, tenho pouco a pouco me dado conta de que as diferenças que separam o meu pensamento do dos
colegas são profundas. As curtas discussões em congressos ou nas exposições metodológicas de artigos, simplesmente não bastam para
esclarecer estas diferenças. Espero que este trabalho pelo menos consiga deslocar a discussão sobre estas diferenças teóricas a um outro
plano, mais rico que aquele até agora discutido.
O trabalho não pretende, então, fornecer uma revisão da literatura sobre filosofia da ciência, etologia cognitiva, psicologia cognitiva,
e outras literaturas consultadas. Eu nem seria capaz de fazer tal revisão. O que pretendo fazer é "apenas" esclarecer a minha posição sobre a
antropologia (e outras ciências humanas) e os seus papéis na sociedade e na academia. Em particular, quero defender a idéia de que é
possível, sim, "descontextualizar" certos aspectos de uma cultura, para poder compará-los a aspectos parecidos de outras culturas. Ao fazer
isto precisei contrastar a minha posição com outras posições, tal como eu as percebo. Isto implica em colocar claramente as minhas próprias
interpretações falsas dos outros autores. Aliás, acho impossível ser "justo" para com as idéias dos outros. Para tal acabaria acreditando nas
mesmas coisas que eles, e as nossas identidades se fundiriam. Trata-se sempre, então, de uma interpretação das idéias dos outros, e não de
uma representação exata.
O leitor certamente reconhecerá algumas limitações gerais nestas más-interpretações. Faço distinções mais finas entre "linhas
teóricas" mais próximas da minha e tenho uma tendência a agrupar em grupos mais gerais
vi
as linhas teóricas mais distantes. Talvez seja isto uma tendência humana geral. Por exemplo, os pobres costumam fazer muitas distinções finas
entre diferentes categorias de "pobres" ("vagabundos", "biscateiros", "trabalhador com carteira assinada", etc.) e agrupar numa única
categoria todos os "ricos". Os ricos tem uma tendência a fazer distinções mais finos entre categorias de ricos, e a agrupar numa categoria só
todos os "pobres". É uma limitação humana geral, que talvez não seja tão prejudicial. Mas no caso dos trabalhos intelectuais esta limitação
deixa sempre presente o perigo de construir "homens de palha", que não correspondem a ninguém em particular, para derrubar. No fundo, a
minha intenção é falar em idéias e não em pessoas, e peço desculpas se não entendí direito as idéias ou as posições de outro colega, vivo ou
morto.
A versão original deste trabalho foi escrito no verão de 1993-1994 como trabalho para um concurso na Universidade Federal de
Santa Catarina. Agradeço os membros da banca por suas reflexões e sugestões, e a universidade e a área de antropologia por ter me dado este
incentivo para finalmente expressar as minhas idéias a respeito da antropologia e da academia,. Depois recebí uma bolsa generosa do CNPq
(no. 200940/94-5(NV)) para realizar um pós-doutorado no Institut für Humanbiologie na Universistät Hamburg. Aproveitei parte do tempo
deste pós-doutorado para fazer reformulações no trabalho. Agradeço o pessoal do Institut e especialmente professores Gunther Bräuer e
Rainer Knußmann pelas discussões estimulantes sobre as teorias de evolução o e seu apoio prático durante este período.
Formas de Encarar a Realidade
How can I swear to tell the truth? I can only say what I know. How can
I know if this is the truth? [Como posso jurar dizer a verdade? Só posso dizer o que sei. Como posso saber se isto é a verdade?"]
-- Indio Cree ao fazer juramento num processo judicial sobre
uma barragem no seu territorio (Richardson 1975).
Talvez haja indivíduos em todas as culturas humanas que se param para pensar nas relações entre a verdade e o saber, entre a
realidade e a mente, o empírico e a razão, a indução e a dedução, o objeto e o sujeito. A filosofia e as ciências ocidentais tem dedicado muito
esforço na tentativa de esclarecer estas questões. Este capítulo tem como finalidade esboçar quatro formas diferentes de encarar estas
relações, e de discorrer um pouco sobre algumas das suas implicações, especialmente para a teoria antropológica. Acredito que muitas das
diferenças entre antropólogos decorrem justamente da adoção de diferentes posturas quanto a estas questões básicas. Sem entender estas
diferentes maneiras de encarar a realidade não será possível um diálogo inteligível.
Idealismo
Particular natural facts are symbols of particular spiritual facts. Nature is the symbol of spirit. [Fatos naturais específicos são símbolos de
fatos espirituais específicos. A natureza é o símbolo do espírito... Cada aparência da natureza corresponde a algum estado da mente.]
-- Ralph Waldo Emerson (1983)
Uma resposta para as dúvidas quanto à realidade é de tirar o "real" do mundo "de fora," e colocá-lo na mente "de dentro". Como
argumentavam Platão (apud Malefijt 1983: 18), se na vida particular somos confrontados com uma grande diversidade de casas, rosas ou
cachorros, ainda conseguimos formar uma imagem de uma "casa", "rosa" ou "cachorro" ideal. Esta imagem corresponde a algo que nunca foi
visto, mas que combina todas as qualidades essenciais para formar o conceito. As "coisas" lá fora são apenas sombras imperfeitas do ideal
que já possuimos dentro da mente. Para conhecer o mundo, então, é preciso primeiro conhecer a si mesmo. Para Platão, saber consistia
simplesmente em "se lembrar", em se tornar consciente.
Aristóteles compartilhava com Platão a crença na primazia das idéias, mas se interessava mais na natureza. Para ele, as coisas do
mundo nunca conseguiam realizar a perfeição dos ideiais. Ficavam sempre no "potencial," embora algumas coisas fossem mais perfeitas e
mais belas que outras, justamente porque chegavam mais próximas aos ideais, às "essências" das espécies. Nos seus estudos, Aristóteles se
dedicava a descobrir como uma coisa que é apenas potencial conseguia se realizar. Com esta finalidade, levou a cabo uma experiência
sugerida anteriormente por Hipócrates. Aristóteles quis saber se já havia no embrião da galinha todas as partes em miniatura que existiriam
depois no adulto (a teoria de pre-formação) ou se o embrião se tornava galinha em etapas sucessivas nas quais as diferentes partes seriam
diferenciadas uma após outra (a teoria de epigênese). Abriu 20 ovos de galinha em dias sucessivos desde o dia em que foram postos até o dia
de chocar, e descreveu minuciosamente o desenvolvimento da galinha (experiência descrita em Harré, 1981).
Para Aristóteles, a explicação de um fenômeno consistia em entender esta realização do potencial. Como aponta Harré (1989), as
famosas quatro "causas" de Aristóteles precisam ser vistas nesta luz. Seria possível organizar estas "causas"(talvez melhor descritas como
"explicações") de acordo com a figura em baixo:
Figura 1.1
Losee (1979) ilustra estas "causas" usando o exemplo da mudança de côr de um cameleão. A explicação formal (segundo Losee)
seriam as condições gerais que definem a côr. A explicação material seria a substância na pele do animal que é responsável pela côr. A
explicação eficiente seria a mudança de uma folha para um galho. A explicação final seria a necessidade de se esconder de predadores. No
caso de fenômenos sociais poderiamos tentar explicar a guerra entre dois países. A explicação formal esclareceria o que os pesquisadores ou
os pesquisados entendem por guerra, em termos de regras, estruturas, ou lógistica. A explicação material -- o inventário de soldados, armas,
etc. -- esclareceria porque o "ideal" da guerra não se realiza completamente neste caso particular. A explicação eficiente seria o insulto
sofrido pelo rei de um dos países na ocasião de uma visita oficial. A explicação final esclareceria a existência de guerra em termos gerais (a
sua finalidade nos olhos de Deus, na natureza humana, ou na adaptação biológica, por exemplo).
Na ótica do idealista, as questões morais e estéticas estão muito ligadas à questão da Verdade. Tudo se realiza no encontro com a
perfeição. Nas palavras de Emerson (1983: 36) "the true philosopher and the true poet are one, and a beauty, which is truth, and a truth, which
is beauty, is the aim of both". "Sensible objects conform to the premonitions of reason and reflect the conscience. All things are moral...every
animal function from the sponge up to Hercules, shall hint or thunder to man the laws of right and wrong, and echo the Ten Commandments.
Therefore is nature ever the ally of Religion: lends all her pomp and riches to the religious sentiment". [O filósofo de verdade, e o poeta de
verdade são um só, e uma beleza, que é verdade, e uma verdade que é beleza é a meta de ambos. ... Os objetos sensíveis se conformam às
premonições da Razão e refletem a consciência. Todas as coisas são morais...cada função animal desde a esponja até Hercules dará pistas ou
gritará ao homem como o trovão as leis de certo e errado, e fará ecoar os Dez mandamentos. Assim a natureza é sempre o aliado da religião:
empresta toda a sua pompa e riqueza ao sentimento religioso.]
O idealismo dominou a filosofia durante séculos. Na área de biologia, por exemplo, a ênfase na realização do potencial e do
aperfeiçoamento, continuavam praticamente sem questionamentos até Darwin. A "Escala da Natureza" de Tomás de Aquino organizava o
mundo vivo numa hierarquia que ia do mais imperfeito até o mais perfeito, das plantas e animais simples até os macacos, o ser humano, os
anjos e finalmente Deus. O Systema Naturae de Lineu aperfeiçoou esta classificação original, e os primeiros evolucionistas como Lamarck
continuavam nesta tradição, vendo a história da vida na terra como um movimento contínuo em direção à perfeição. Na sua ótica, a
"adaptação" biológica era vista como uma realização cada vez mais aperfeiçoada do potencial dos diferentes animais. Todas as partes do
animal ou da planta teriam uma função na vida. Mesmo para as coisas não vivas, há uma preocupação em achar um sentido e uma finalidade.
Por exemplo, Bachelard (1977) cita o argumento de Votteux de que as cometas servem para dar humedade às plantas. O mesmo ocorreu com
relação a muitas histórias da humanidade (descritas em Malefijt 1983) como aquelas de Juan Vives (1492-1540), ou de Turgot (1727-1781)
em que se tentava mostrar o progresso contínuo da humanidade. Os antropólogos conhecidos como "evolucionsitas" como Maine, Tyler,
Morgan e Engels continuavam nesta velha tradição.
Até hoje se vê as marcas deste idealismo em muitas áreas acadêmicas. Alguns psicólogos, por exemplo, insistem em exortar as
pessoas a realizarem todo o seu potencial. Odum (1963) fala do "climax" numa sere ecológica, a etapa mais realizada de um sistema
ecológica, e comenta sobre a força da natureza em se re-estabelecer após uma perturbação (ver Reichholf 1992 para uma crítica desta idéia).
Na medicina é comum se falar de corpos mais perfeitos ou saudáveis que não sofreram perturbações genéticas, acidentes ou doenças
infecciosas.
Fenomenalismo
...que toda la vida es sueño, y los sueños, sueños son. [que a vida toda e sonho, e os sonhos, sonhos são]
-- Lope de Vega
Embora concordassem que as coisas sejam um produto da nossa mente, muitos pensadores não compartilhavam da confiança dos
idealistas nas formas ideais. O que temos na mente também pode ser apenas uma sombra, pura ilusão, puro sonho. Na Grecia antiga os
sofistas já rejeitavam a pretensão de poder se chegar a qualquer conclusão a respeito de uma Verdade universal. Em sua declaração de que "o
homem é a medida de todas as coisas," Protágoras enfatizou que o ser humano vive apenas sob as leis da própria cultura. Não haviam poderes
maiores. Isto implicava que as leis, valores e normas morais eram apenas convenções culturais, podendo variar de um lugar para outro. Como
aponta Malefijt (1983:16), isto é a doutrina de relativismo cultural aceita por muitos, senão a maioria dos antropólogos atuais.
Para os fenomenalistas, o mundo material também carece de significado maior. O aforismo de Heraclito de que o "homem nunca
pisa duas vezes no mesmo rio" é muitas vezes citado para ilustrar a fugacidade dos fenômenos, e, presumivelmente, a fragilidade de conceitos
a respeito destes fenômenos. Como podemos falar de um "rio" se em momentos diferentes a água é outra, o reflexo solar é outro e o
observador também é outro. Como ousariamos dizer, então, que existe uma coisa chamada "rio" que continuaria igual. Podemos apenas sentir
os fenômenos fugazes. A "essência" da realidade, se é que há uma "essência", consiste simplesmente naquela sensação passageira que nunca
se repete. Qualquer tentativa de juntar fenômenos dísparos num único conceito (como "rio") acaba sendo arbitrária, e, no fundo, sem
justificativa maior.
"Fenomenalistas" reagem de formas diferentes a estas reflexões sobre a arbitrariedade e falta de sentido maior na realidade. Para
alguns sofistas, estas reflexões desembocaram num nihilismo social. Calicles concluiu que, já que não haviam virtudes sociais, também não
haveriam nem normas nem moral. As leis seriam invenções de pobres e fracos para tirar o poder dos ricos. Socrates e Platão se horrizavam
com estas conclusões em prol da desconsideração do moral social (Malefijt 1983: 17). Outros adeptos desta linha de pensar, como os
epicúreos, decidiam que, já que o homem só existia no aquií e agora, o melhor que se podia fazer era aproveitar o que a vida tinha para
oferecer e evitar o sofrimento.
Neste século, existencialistas como Sartre, Camus, e as personagens dos filmes de Ingmar Bergmann, reagiram com angústia a esta
falta de sentido para a vida. O "absurdo" da vida se tornou a sua preocupação principal. Em L'Étranger de Camus, por exemplo, a
personagem principal se angustia porque não consegue sentir nada na ocasião da morte da mãe. Ele mata, sem razão, uma pessoa numa praia,
e passa por um processo judicial com procedimentos absurdos que não tem nada a ver com a questão do crime. Outros como Genêt, se
mergulham no absurdo e conseguem tirar uma êxtase mística ao contemplar a sua própria insignificância, especialmente quando esta
insignificância é provocada pela humilhação, a única maneira convincente de se tornar humilde.
Uma vez que para os fenomenalistas a realidade é produto de um pensar sem sentido maior, as explicações para a realidade se
concentram principalmente na consciência em si. Cupani (1985:32) observa que para Husserl "o mundo está constituído por sentidos ou
significações que dependem da consciência". Isto levou, nos seguidores de Husserl, a uma concentração na pesquisa sobre a "função
'constituinte' da consciência, num estudo da consciência 'pura' ou 'transcendental'". Tudo é "sujeito", até o "objeto". Alguns entendem por isto
que o único que nos podemos conhecer da realidade (além da experiência mística pessoal do fenômeno único e passageiro) é o que nos
construimos nas nossas mentes. Outros fenomenalistas mais extremados diriam que não há nada (nem o fenômeno único passageiro) que não
seja uma construção da nossa mente.
Esta ênfase na consciência também se encontra na visão de alguns físicos. A partir de uma interpretação do significado das equações
para ondas de Schroedinger, o físico Fred Wolf (1981) argumenta que o simples fato de observar um fenômeno é suficiente para mudá-lo. Ele
sugere que a realidade é realmente um produto da nossa mente, e que as diferentes possibilidades de pensar correspondem a diferentes
universos paralelos que aparecem nos momentos da consciência.
As posições de fenomalistas com respeito a questões estéticas e éticas refletem esta falta de sentido universal para a vida. Invertem
as noções de beleza típicas da sociedade, achando beleza onde os outros acham feiura, e vice-versa. Inferências quanto à moral variam. Para
alguns, a falta de verdades ou normas universais implica que cada um pode "ficar na sua" e fazer o que quer. Mas para a antropóloga-poeta,
Ruth Benedict, que se mergulhou na obra de Nietsche, e foi uma das primeiras antropólogas a levar muito a sério as idéias fenomenalistas, o
imperativo moral era muito claro -- mais tolerância e respeito para quem é diferente. Cada povo inventa a sua própria moral, e nós, que temos
idéias diferentes, precisamos respeitar isto.
Darwinismo
Geschrieben steht, am Anfang war das Wort.
Hier stock ich schon. Wer hilft mir weiter fort?...
Der Geist mir hilft. Auf einmal seh' ich Rat
Und schreibe getrost: Am Anfang war die Tat
[Está escrito: no início era o Verbo/ Aquí eu fico na dúvida. Quem pode me ajudar?/ O Espírito me ajuda. Pelo menos esta vez, sigo o seu
conselho/ e escrevo consolado: No início era o ato.]
-- o Fausto de Goethe ao traduzir a Bíblia
O Milagre não é que o mundo tenha leis, mas que nós possamos entendê-las.
-- Albert Einstein
No realismo ingênuo a realidade existe, independentemente das nossas mentes, e se reflete pouco sobre como nos chegamos a
conhecer esta realidade. No idealismo os "fatos" naturais são símbolos de "fatos" espirituais, de forma que há uma perfeita correspondência
entre o mundo natural e o mundo espiritual. No fenomenalismo a realidade é uma construção das nossas mentes. No darwinismo, admite-se a
existência de uma realidade externa, e se pressupõe que há uma certa relação entre as nossas mentes e esta realidade. mas à diferença do
idealismo, não há uma correspondência perfeita entre "fatos naturais" e "fatos espirituais". Como no caso de fenomenalismo, o darwinismo
pressupõe que a realidade tal como nos a percebemos é, com efeito, uma construção das nossas mentes. Mas à diferença de uma visão
fenomenalista mais extremada, esta construção não é de todo arbitrária. Isto, porque nossa mente é vista como um produto da evolução via
seleção natural.
A chave da visão darwinista está no conceito de seleção natural. (Se existisse um adjetivo -- como "selecionista" ou algo parecido --
para expressar esta idéia, teria usado este adjetivo em vez da palavra "darwinista" para esta linha de pensamento). Embora a expressão
"seleção natural" faça parte do vocabulário da maioria dos estudiosos de todas as áreas acadêmicas, esta noção é muito mal compreendida.
"Cem anos sem Darwin" lamentou Muller na ocasião do centenário da Origem das Espécies (apud Gould 1977b) para expressar a sua
frustração quanto a estes malentendidos.
Como Gould (1977b) não para de nos lembrar, a grande contribuição de Darwin não consistia na elaboração das idéias de evolução
ou de adaptação (que já estavam sendo discutidas um século antes), nem o seu cuidado em juntar informações para demonstrar a idéia de
evolução. A grande criatividade de Darwin se devia à junção de várias idéias e observações da sua época para formular a idéia de seleção
natural. Primeiro, de Malthus, Darwin obteve a idéia de que o prole todo de diferentes animais não deveria nunca ter sobrevivido. Por tempos
imemoriais alguns devem sempre ter morrido antes de se reproduzirem, senão o mundo estaria transbordando de seres vivos, o que
obviamente não é o caso. Da análise de Spencer sobre empresas capitalistas, Darwin emprestou a frase "sobrevivência do mais apto"
(Ellegård 1990). (Harris (1968) sugere que seria historicamente mais correto chamar as idéias de Darwin de "spencerismo biológico" do que
as idéias de Spencer de "darwinismo social".) Esta idéia explicaria quais indivíduos sobreviveriam. Da seleção artificial praticada por
agropecuaristas e por cavalheiros ingleses que gostavam de reproduzir pássaros exóticos como esporte, Darwin observou como se poderia
modificar os descendentes de um animal de uma geração para outra. Juntando estas tres idéias, Darwin podia explicar o mecanismo da
evolução de diferentes espécies. A natureza agiria sobre o excesso de prole, selecionando aqueles indivíduos mais aptos, o que no decorrer
das gerações levaria a mudanças nas suas características. Diferentes espécies se originariam quando diferentes ambientes, como diferentes
criadores de pássaros) tivessem criado animais tão diferentes que eles não poderiam mais se cruzar na reprodução.
O elemento radical na teoria de seleção natural era o seu profundo ateismo, no sentido de não exigir um Deus para explicar as coisas
ou lhes dar um sentido. (Como Darwin simplesmente achava impossível saber da existência de um Deus, talvez fosse mais exato usar a
palavra, "agnóstico" inventada por seu maior defensor na época., Thomas Huxley (Ellegård 1990).) Enquanto Lamarck, como Lineu e São
Tomás antes dele, podiam acreditar no aperfeiçoamento contínuo dos seres vivos, e ver nisto um plano divino, ou pelo menos alguns
princípios idealistas, Darwin forneceu um mecanismo de evolução absolutamente amoral. Não havia nenhuma "finalidade" na evolução, nem
seres superiores e inferiores (Darwin escrevia lembretes no seu caderno para nunca usar as palavras "higher" ou "lower" -- Gould 1977).
Tratava-se apenas do fato de algumas coisas sobreviverem e continuarem no futuro e outras não. Um ambiente facilitaria algumas
características. Outro ambiente favoreceria outras características -- fim de papo.
Para Darwin, o que se aplicava às características físicas dos diferentes animais, também se aplicava às características mentais. E o
que se aplicava aos animais também se aplicava ao ser humano. Gould (1977) argumenta que foi a extensão da teoria de seleção natural à
mente humana que incomodou/assustou Darwin e fez com que demorasse 20 anos para publicar as suas idéias. Wallace, que chegou
independentemente à idéia de seleção natural, hesitou em aplicar esta idéia à mente humana, e não teve problemas em apresentar a sua teoria.
A ausência de um sentido maior para a vida aproxima a visão de Darwin à visão dos fenomenalistas. Ambos vêem o "sentido da
vida" como uma ilusão ou sonho. Mas há uma diferença básica. Enquanto os fenomenalistas vêem a mente como relativamente independente
da realidade, ou até como construtora única dela, o darwinismo coloca limites no distanciamento que a mente pode ter da realidade. Se a
nossa mente fosse totalmente desconexa da realidade externa, nunca chegaríamos a sobreviver o processo de seleção natural. Mas cuidado!
Isto não quer dizer que a mente precisa ser perfeitamente adaptada à realidade, como pensavam os idealistas. A seleção natural é pragmática,
não perfeita.
Como observa Gould (1977b) foi importante para Darwin mostrar que a adaptação não é perfeita. Os Lamarckianos e idealistas em
geral acreditavam na perfeita adaptação. Até hoje os Testemunhas de Jeová (1985) usam o argumento da perfeita adaptação ao meio ambiente
para derrubar a teoria de seleção natural. Para apoiar a sua teoria contra estas outras visões, Darwin precisou mostrar elementos não-
adaptativos em diferentes plantas ou animais. Estes elementos podiam ser explicados às vezes pela história evolutiva do animal -- uma
sobrevivência, agora sem sentido, de algo que em algum antepassado foi talvez útil -- pêlos no corpo de um homem, por exemplo. Ou estas
características podiam existir simplesmente porque não haveria nenhuma razão para que desaparecessem. Por exemplo, Salzano (1988)
observa que apenas 5% do nosso DNA codifica proteínas, e se pergunta porque teríamos tanto DNA não-codificadora? Uma possibilidade é
simplesmente que este DNA não-codificadora não causa problemas. A sua continuação teria mais a ver com um processo de seleção natural
ao nível molecular. A independência do DNA para com o organismo talvez remeta à origem da vida. O ecólogo, Reichholf (1992), sugere que
as primeiras células se originaram da "simbiose" de moléculas de DNA com sistemas de circulação de elementos.
Esta noção de adaptação pragmática, não perfeita, se aplica também a nossa mente. Do ponto de vista da seleção natural, o que
importa é que nosso pensamento nos deixa sobreviver e reproduzir. Mas não há nenhuma garantia que este pensamento possa chegar a
qualquer "verdade". Méro (1990) ilustra esta idéia com uma piada sobre uma mulher que ganhou na loteria. Quando perguntada por um
pornalista como é que conseguiu acertar o número ganhador, a mulher respondeu: "Bem, sonhei na noite anterior com o número 249. Aí
pensei, 2 vezes 4 dá 8. 8 vezes 9 dá 63. Aí apostei no 63". O jornalista, perplexo, informou a mulher que 8 vezes 9 dava 72, não 63. Ao
escutar esta "correção, " a mulher olhou para o jornalista com desdém e deu a resposta que o jornalista não podia refutar: "Fui eu que ganhei
na lotto, não foi?"
Com efeito, se o raciocínio desta mulher ajudasse ela a sobreviver e reproduzir, é este raciocínio que seria selecionado pela seleção
natural, e não o de um matemático por mais gênio que fosse. Para resumir, o nosso raciocínio é também um produto da seleção natural.
Talvez tenha um valor adaptativo. Talvez seja simplesmente um efeito secundário de outra coisa que tenha valor adaptativo (como a
evolutção do queixo humano se explica como efeito secundário da diminuição dos dentes -- Riesenfeld 1969). Talvez nem isto seja. De
qualquer forma, não há nenhuma garantia que este raciocínio possa representar qualquer verdade última.
Em termos de estética e ética, os darwinistas se assemelham aos fenomenalistas na medida em que rejeitam a idéia de um "belo"
transcendental ou de um "certo e errado" absoluto. No entanto, diferem dos fenomenalistas na medida em que reconhecem certos limites no
que o ser humano poderia considerar como "belo" ou "certo". Isto, porque as nossas noções de "belo" e "certo" também poderiam ser, pelo
menos em parte, um produto da seleção natural. Alexander (1987), por exemplo, sugere que as nossas noções de moralidade tenham evoluído
em função de "sistemas de reciprocidade," especialmente "reciprocidade indireta". Reciprocidade indireta ocorre quando eu observo como
alguem interage com uma terceira pessoa, e depois tiro conclusões a respeito da probabilidade deste indivíduo interagir de forma favorável ou
não comigo. Como Alexander e outros (e.g. Rachels 1990) apontam, não podemos concluir que características que são adaptativas (inclusive
as nossas noções de moralidade), também sejam morais. Isto seria uma tentativa de concluir do que é para o que deve ser, o que os filosófos
tem mostrado ser impossível. Mas o estudo de como se evoluiram as nossas idéias de moralidade pode ser útil na medida em que nos alerta
para viéses e estratégias típicas de trapaço. Assim, podemos melhor vigiar contra estes trapaços para garantir a justiça.
Ao elaborar estas quatro formas de encarar a realidade, eu tive um forte impulso a acreditar que se tratava de uma questão de etapas
de raciocínio, ou de níveis de consciência, sendo, é claro, a linha de pensamento darwinista o último e "mais maduro" nível. No meu caso
pessoal, posso distingüir claramente as épocas de minha vida em que fui dominado por uma ou outra maneira de olhar a realidade. Até a
adolescencia regeu o realismo ingênuo; até o último ano do segundo grau, o idealismo; até o primeiro ano de pós-graduação, o
fenomenalismo, e até agora o darwinismo. Mas eu sei que isto seria muita pretensão, e que não corresponderia ao pensamento dos outros, nem
aos desenvolvimentos históricos destas linhas de pensar. É possível refletir um pouco dentro de uma forma de pensamento e logo sair. Por
exemplo, Emerson (1983), um dos mais puros idealistas, refletiu um pouco sobre a possibilidade de tudo ser apenas sonho, mas logo concluiu
que "Whether nature enjoy a substantial existence without, or is only in the apocalypse of the mind, it is alike useful and alike venerable to
me". [Que a natureza goze de uma existência substancial lá fora, ou exista apenas no apocalipse da mente, é igualmente útil e venerável para
mim.] Da mesma maneira, alguem poderia começar a questionar se tudo não é sonho. Poderia questionar até se a própria idéia de estar em
vias de pensar também não seja sonho. Mas no final, poderia concluir que sempre que se pensa que se está pensando, tem outro "eu" por tras
que inventa a idéia de que eu penso que estou pensando. Este "eu" "por tras" continua recursivamente ad infinitum e nunca desaparece. Logo,
este "eu pensante" deve existir. Talvez seja, inclusive, a única coisa em cuja existência se pode confiar. Foi a partir da "certeza" deste "eu
pensante" que Descartes concluiu que existe um mundo lá fora, e que "cada idéia claramente e distintamente presente na mente deve ser
verdadeira" (Losee 1979,83).
Algumas pessoas podem também refletir um pouco sobre o darwinismo e depois concluir que toda a idéia de seleção natural é mais
uma construção arbitrária da mente humana, e que também é puro sonho, voltando a uma posição fenomenalista. Talvez alguns biólogos
passem por uma visão darwinista sem nunca ter passado por visões idealistas ou fenomenalistas. Imagino que seria possível ter muitos "vais e
vens" entre as diferentes formas de encarar a realidade, mas acredito que a maioria das pessoas se estabiliza, depois de um tempo, numa ou
outra forma de pensar. O ponto desta exposição não é tanto concluir que uma visão é mais correta que outra (embora eu prefira o
darwinismo), mas de discorrer sobre as implicações de cada. No fundo, o próprio darwinismo me deixa pragmático o suficiente para acreditar
que será a utilidade demonstrada de uma linha de pensar que, no final das análises, determinará qual linha de pensar se deve seguir.
Mente e Matéria
Já examinamos um pouco como as diferentes formas de encarar a realidade lidam com a relação entre a mente e a matéria. O que
pretendo fazer nesta seção é examinar para cada linha de pensamento as implicações, primeiro quanto à natureza da mente, e segundo, quanto
à natureza da matéria.
A Mente. As reflexões sobre a mente feitas por proponentes das diferentes formas de encarar a realidade estão diretamente relacionadas a
algumas reflexões dentro da antropologia sobre a "unidade psíquica" da humanidade. No seu sentido mais restrito, o termo se refere
simplesmente à idéia de que todos os seres humanos nascem com a mesma estrutura física no cérebro. Quanto a esta conclusão haveria pouca
discordância dentro da antropologia. Mas a questão do nível onde deveriamos colocar esta "unidade psíquica," é mais debatível. Quais formas
de pensamento, sentimentos, atitudes, etc. são universais? Quais são variáveis?
No realismo ingênuo há pouca reflexão sobre a estrutura da mente humana. Pode-se pensar em vieses, ou interesses pessoais por tras
de uma inferência ou conclusão, e estes vieses podem chegar a "cegar" as pessoas quanto à realidade, mas o real é visto como algo
independente do nosso pensamento. No idealismo a correspondência perfeita entre mente e matéria, implica numa teoria de idéias inatas. Para
Platão, estas idéias inatas são muito específicas -- a idéia de um cachorro, por exemplo, ou de "vermelho".
Os fenomenalistas olham com desdém a noção de idéias inatas assim como colocadas por Platão, ou até por Emerson. Para eles, os
conceitos são construções nossas a partir de experiências com fenômenos. Os conceitos podem variar de indivíduo para indivíduo e de
sociedade para sociedade. Uma expressão de Locke serve para ilustrar esta idéia levado ao extremo. Locke argumentou que o ser humano
nasce como uma folha de papel em branco. Embora Locke reconhecesse que teria que haver algo mais (como a noção de causa) para explicar
como os conceitos se constroem, ele ignorou esta questão e enfatizou que são as percepções escritas pela experiência que constroem os
diferentes conceitos de um povo. Malefijt (1983, 64) salienta que esta ênfase na maleabilidade da mente humana é muito próxima do ponto de
vista da maioria dos antropólogos atuais.
Mas a idéia de uma folha de papel em branco tem os seus problemas. Como podemos explicar como a criança absorve e organiza as
informações vindas do mundo de fora? Me lembro de uma discussão em sala de aula com um aluno com formação psicológica. O aluno
insistia que a idéia de Locke era correta. As crianças aprendiam sempre a partir da sua experiência prévia. Citou o exemplo de uma criança
que colocava a mão numa chama, sentia dôr, e assim aprendia a nunca mais fazer isto. Quando perguntei como é que a criança reconhecia a
sensação de dôr, o aluno concedia que a sensação de dôr poderia, sim, talvez ser inata. Depois, perguntei como a criança conseguia relacionar
uma chama num momento com outra chama em outro momento. O aluno tentou algumas explicações sobre como seria feita esta associação, e
a construção do conceito de "fogo," mas no final desistiu, e admitiu que a criança deveria ter já, de forma inata, algum mecanismo para fazer
isto.
Outros filósofos também se sentiam incomodados com a negligência de Locke quanto aos mecanismos para construir conceitos.
Hume, que também enfatizava a experiência prévia como base para o conhecimento, já reconheceu o problema de explicar como se forma um
conceito, e se dizia interessado em descobrir os mecanismos que seriam usados para tirar inferências. Mas foi Kant quem mais se dedicou a
esta questão.
Kant concordou com Hume e Locke de que o conhecimento empírico surge das impressões dos sentidos. Estas impressões
formariam a matéria prima do conhecimento. Mas a organização desta matéria prima teria que preceder a experiência, vir de dentro, ser a
priori. Kant raciocinou que deveria haver noções inatas de tempo e espaço para poder perceber os fenômenos. A construção de conceitos e
"objetos" a partir destas percepções exigiria ainda outras noções a priori como a noção de que a substância fica permanente, mesmo quando
não a percebemos, e a noção de causalidade que especificaria condições que precederiam um evento de acordo com uma regra (Losee 1979).
Kant não especificou bem a orígem destas "categorias a priori de sensibilidade e de entendimento". Simplesmente raciocinou que
teriam que existir antes do ser humano poder formular conceitos e relacioná-los entre si. Um dos fundadores da antropologia, Émile
Durkheim (1915) atribuiu as orígens destas categorias básicas, como "tempo," "espaço" e "causalidade" às representações coletivas da
sociedade. Segundo Durkheim, os conceitos são expressos na linguagem, e a língua é um produto cultural. Os rituais e a religião marcam ou
simbolizam o grupo e dão força moral a estes conceitos. Oliveira (1988:41) argumenta que a crítica durkheimiana às categorias de Kant tem
se incorporado "definitivamente" ao pensamento antropológico.
Mas a solução de Durkheim quanto às orígens dos conceitos não satisfaz. Poderiamos aceitar que muitos conceitos são realmente de
origem societária, mas todos? Se todos os conceitos realmente vêm das representações coletivas, como podemos explicar como a criança
consegue incorporar as primeiras representações coletivas? Isto nos traz de volta para o problema original. Givon (1989:328) faz a mesma
observação com relação a Whorf que sugeriu que o conceito de tempo entre os Hopi era realmente diferente do nosso. Givon nota que a
análise feita por Whorf da gramática e do vocabulário Hopi era superficial e enganadora, uma vez que dependia de uma visão muito restrita
sobre o que constitue uma referência explícita ou implícita ao tempo.
Embora eu considere inadequada a solução durkheimiana quanto às orígens das categorias kantianas, acho a pergunta original muito
boa. De onde surgiram estas categorias a priori? O leitor um pouco atento saberá já a minha resposta -- devem ser produtos da seleção
natural. No decorrer de milhões de anos de evolução foram selecionados sistemas nervosos que tinham a capacidade de formular conceitos e
relacioná-los entre si. Talvez Kant estivesse errado sobre quais são estas categorias "primordiais". Mas não há dúvida de que possuimos de
antemão algumas capacidades inatas que nos permitem organizar as nossas experiências e agir de forma a garantir a nossa continuação nesta
terra.
Pesquisadores de muitas áreas diferentes procuram estas "categorias" fundamentais. Talvez o trabalho de Piaget (1974) seja o mais
conhecido, e o mais diretamente ligado às cateogrias de Kant. Mas outros pesquisadores de áreas tão diversas como a psico-lingüística (Givon
1989; Bowerman 1981; Pinker 1994), a etologia cognitiva (Ristau 1991), a neuro-etologia (Camhi 1984), e a inteligência artificial (Wagman
1991) todos procuram entender como os seres vivos conseguem organizar a sua experiência o suficiente para sobreviver e reproduzir. Uma
das finalidades deste trabalho será justamente a de examinar estas trabalhos para ver o que podemos tirar de importância para a teoria
antropológica.
De início já podemos fazer uma observação. As categorias de Kant, assim como trabalhados por Piaget, constituem "categorias
mínimas" a partir dos quais o ser humano poderia construir o seu pensamento. Talvez pela lógica fosse até possível construir tudo a partir
destes elementos básicos (embora Pinker-1994- duvide disso), mas a seleção natural não constuma ser tão "racional" assim. Não trabalha
como um engenheiro, analisando as maneiras mais eficientes, racionais e simples de produzir algo. A seleção natural normalmente age mais
como um 'bricoleur," juntando de forma oportunística diferentes peças para formar algo que "dá certo" no momento. O engenheiroconstroe a
casa a partir de uma planta. Mas o bricoleur aconstroe em módulos -- um quarto é adicionado, uma sala reformada, a cozinha muda de local,
um armário vira banheiro. Coisas construídas pela seleção natural, assim como as coisas construídas por um bricoleur, possuem uma história.
Não há nenhuma razão para pensar que seriam as mais racionais ou eficientes possíveis.
Para se ter uma idéia da relevância antropológica destas discussões podemos comparar tres grandes figuras da nossa área:
Malinowski, Benedict e Foucault. As suas noções da "unidade psíquica" são muito diferentes. É Malinowski quem vê as maiores semelhanças
entre os povos do mundo. Malinowski atribui aos nativos trobriandeses as mesmas motivações econômicas que tem os europeos. Os
indivíduos concorrem para adquirir bens econômicos e prestígio. As vezes podem começar com premissas lógicas um pouco diferentes das
nossas, mas o seu raciocínio é igual ao nosso. Isto é especialmente evidente na discussão sobre os conceitos trobriandeses quanto ao papel do
homem na concepção (Malinowski 1929). Além disso, Malinowski toma como dado que os Trobriandeses condenam a homossexualidade,
como todo mundo faria (pelo menos é isso a implicação) uma vez que este povo possui tantas oportunidades para sexo heterosseuxal
(Malinowski 1929: 472-473). Para Malinowski, as diferenças entre um povo e outro são muito superficiais -- uma economia um pouco
diferente, uma oporutnidade a mais ou a menos, algumas premissas lógicas diferentes -- mas nada para tornar a tradução de uma cultura para
outra impossível. Já Benedict vê as diferenças como mais profundas. Primeiro, os povos podem ter motivações muito diferentes. Alguns
podem se dar como sentido principal da vida a acumulação de bens e prestígio (como os Kwakiutl ou os Trobriandeses), mas outros podem
procurar a moderação (como os Zuni), ou se dar como sentido de vida achar o seu devido lugar numa hierarquia (Japão). Quanto à
homossexualidade, Benedict (1934) salienta que culturas diferentes possuem atitudes diferentes, alguns condenando, alguns atribuindo papéis
importantes aos homossexuais, etc. Foucault vê as diferenças como ainda mais profundas. Por exemplo, enquanto Benedict não tinha
dificuldade em identificar alguns índios navajos como "homossexuais", Foucault veria o próprio conceito de "homossexual" (e não só as
atitudes a respeito de "homossexuais") como uma construção social que poderia mudar muito de uma sociedade para outra, de tal forma que
nem haveria porque imaginar que o nadl navajo seria um pédé se fosse criado na França, ou uma bicha se criado no Brasil. As pessoas são
construídas socialmente dentro de uma cultura, e é impossível concebê-las fora deste contexto.
Pesquisas sobre o que é ou não universal na mente humana são importantes para poder guiar a teoria antropológica. A discussão de
cima deve deixar claro que é impossível pressupor que todos os nossos conceitos sejam construções sociais. Precisamos identificar melhor as
fronteiras entre o que é universal, e o que varia.
A Matéria. As diferentes formas de encarar a realidade também implicam em diferentes interpretações sobre algumas características do
mundo material. No realismo ingênuo, a matéria simplesmente "está alí". Não há problemas em falar de "fatos". No idealismo fala-se mais de
"verdades" ou da "Verdade" do que de fatos em si, embora não haja problemas em conceber "fatos" naturais e "fatos" espirituais. O idealismo
tem enfatizado a ordem e a harmonia da matéria. São as relações matemáticas que estão por traz, tanto da Verdade como do Belo (como nas
relações matemáticas que explicam as harmonias na música). De certa forma, tudo segue leis da natureza, que correspondem exatamente às
leis do espírito.
Para o fenomenalista não existem "fatos". Existem apenas "conceitos," pois a realidade é uma construção (arbitrária) diferente. Por
esta mesma razão, não há porque pensar que a realidade seria necessariamente ordenada. Podemos apenas tentar descrever como as coisas nos
aparentam acontecer. Neste sentido, para o fenomenalista não há como procurar os "porques" das coisas (Bunge 1979).
Na visão darwinista, existe uma realidade lá fora, e uma mente que tem uma certa, embora imperfeita, correspondência com esta
realidade. A realidade lá fora pode ter as suas próprias leis (adotamos a terminologia de Bunge e chamamos estas de leis 1). Nos também
podemos imaginar leis (chamaos estas de leis2). Podemos tentar averiguar se as nossas leis2 correspondem um pouco às leis1, e fazer uma
triagem para ficar com umas leis3 "científicas" que parecem corresponder melhor com as leis1. Estas leis3 podem ser apenas probabilísticas,
embora as leis1 que elas pretendem representar possam ser deterministas (cf. Bunge 1979: 249-332). É a confusão entre estas duas noções de
"lei" que está por trás da crítica de Kosko (1994) do "Deus da Probabilidade". Segundo Kosko, cientistas modernas, sem pensar muito,
acham que a realidade em si é probabilística quando de fato ela é apenas "difusa". Para resumir, então, com a visão darwinista, em vez de
trabalhar com "fatos" aos quais não teriamos acesso, podemos apenas trabalhar com "dados", que são conceitos nossos, mas que nos
permitem nos aproximar as nossas leis2 às leis1 da natureza.
Na visão idealista o mundo é totalmente determinado (no sentido de existirem relações necessárias). Em contraste, à primeira vista,
na posição fenomenalista o mundo parece ser totalmente indeterminado, uma vez que cada um pode construir este mundo de um jeito
diferente. No entanto, em outro sentido o mundo fenomenalista pode ser totalmente determinado, embora as determinações possam variar de
pessoa para pessoa. Isto se deve à maneira como os conceitos são construídos. Com base em algumas abordagens lingüísticas, muitos
fenomenalistas ressaltam que todos os conceitos são construídos só a partir das suas relações com outros conceitos. É a relação de um
conceito com outro que o dá o seu significado, da mesma forma que é a sua posição numa sinfonia que dá o significado a uma nota musical.
Isto implica que o mundo conceitual (que é a única realidade a qual temos acesso) forma um conjunto inseparável (um sistema), em que cada
conceito determina os outros conceitos. (Observe que não falei em "causas". Há muitas relações deterministas, como relações matemáticas ou
estruturais, que não são causais.) Para estes fenomenalistas, é impossível tirar um conceito do seu contexto. Qualquer descrição de uma
realidade precisa, então, trabalhar com o contexto inteiro, que é um sistema altamente determinado.
Na visão darwinista, não há, a priori, nenhuma razão para acreditar que a realidade seja totalmente determinada. Inclusive, como
aponta Bunge (1979), se o mundo fosse realmente totalmente determinado, não haveria nem como falar de um tipo de determinismo, que é a
causalidade. Não há nenhum impedimento lógico em imaginar que a realidade exista em módulos. Internamente, estes diferentes módulos da
realidade poderiam ser bastante determinados, mas podem ser relativamente independentes uns dos outros. A causalidade e outros tipos de
determinismo ocorreriam quando um módulo entra em contato com outro. Por isto, o darwinismo permite uma certa descontextualização de
diferentes aspectos da realidade, o que não se permite em muitas versões de fenomenalismo e de idealismo.
Para a teoria antropológica, as implicações destas distinções devem ser óbvias. Enquanto algumas escolas de antropologia insistem
que apenas o estudo do conjunto é válido (algumas versões do estruturalismo e do funcionalismo, por exemplo) outras escolas (chamadas
"culturalistas" pelos seus críticos) descontextualizam diferentes aspectos de uma cultura. Para o darwinista, a possibilidade de
descontextualizar ou não é uma questão empírica. Não se pode pressupor a priori que se trata de um conjunto inseparável, ou que os fatos
sociais sejam "totais" como queria Mauss. Possivelmente, alguns aspectos da realidade são de fato inseparáveis, mas não há razão para
acreditar que todos sejam assim.
Objetividade e Subjetividade
É comum em muitos círculos colocar a objetividade e a subjetividade como polos opostos de uma mesma dimensão. Considero
errada esta visão. Acho mais correto conceber estes termos como duas dimensões diferentes. O contrário do "subjetivo" seria "indiferente" ou
"desinteressado," enquanto o contrário do "objetivo" seria "ambíguo" ou "a-metódico". Um trabalho pode ser muito imbuído tanto de
subjetividade como de objetividade, ou carecer dos dois. A figura 1.2 em baixo ilustra este ponto.
Figura 1. 2
Objetividade. Para os realistas ingênuos os "fatos" do mundo real são bastante objetivos, mas a nossa subjetividade (na forma dos viéses
pessoais) pode interferir com esta objetividade, e nos "cegar" quanto à realidade. Para se chegar a uma maior objetividade, os realistas
ingênuos tentam "se livrar" dos seus preconceitos e viéses pessoais antes de olhar os "fatos".
Os idealistas não reconhecem nenhum conflito entre o subjetivo e o objetivo, uma vez que os dois acabam se juntando na hora de
descobrir as formas ideais por traz dos "fatos naturais" e "fatos espirituais". Para os idealistas tanto faz procurar estas ideais na natureza ou no
pensamento. Assim, por exemplo, Aristóteles podia, sem problema, induzir, a partir de fenômenos, alguns princípios explanatórios, e em
seguida deduzir, destes mesmos princípios explanatórios, outras informações a respeito dos fenômenos. Tratava-se de um vai-e-vem entre a
explicação "subjetiva" e os fenômenos "objetivos" (Losee 1979:15-25). A própria expressão "lei da natureza" reflete esta visão idealista numa
época em que se acreditava que ao olhar a natureza se descobriria o grande plano de Deus ou do Espírito (Gibbs e Lawson 1992).
Para os fenomenalistas os "conceitos" não são objetivos. A rigor a objetividade é simplesmente impossível. O máximo que se pode
fazer é examinar as subjetividades de diferentes pessoas e chegar a um certo "consenso" quanto ao assunto em pauta. Por exemplo, Zilman
(1979), inspirado na obra de Kuhn adota a postura de que a ciência é acima de tudo um produto social, e que ela poderia ser definida
basicamente como "o estudo das teses sobre as quais se conseguiu chegar a um acordo universal," embora no caso de Zilman a palavra
"universal" pudesse ser suavizada para "quase universal" (Zilman 1979:45-46). Segundo Habermas (apud Rocha 1990), este consenso, para
ter validade, teria que se realizar através de uma "fala ideal" na qual todos os participantes teriam como usar "todos os tipos de atos de fala".
Como esta "fala ideal" não ocorre na "fala empírica", é preciso colocar algumas garantias. Por exemplo, a realização de um consenso
verdadeiro, exige a inclusão na fala de todo tipo de interlocutor possível, e de argumentos "cojentos" e a exclusão da força, etc.
O problema de se atingir um consenso verdadeiro tem sido destacado por alguns "pós-modernistas" como Lyotard (apud Cardoso
1988:98-99). Por exemplo, preocupado com o poder de persuasão dos "meta-discursos" como os discursos de emancipação cristã, ou
marxista, Lyotard sugere que a fala se concentre nas pequenas narrativas, e não nas grandes. Cardoso vê este desenvolvimento como
representando "uma forte compulsão para a desordem (para um anarquismo epistemológico à-la-Feyerabend...)",. e lamenta o
desenvolvimento na antropologia interpretativa de "um sem número de 'experimentos' descomprometidos ('pequenas narrativas')" (Cardoso
1988:99). O que está em pauta para muitos pós-modernistas nem é bem o consenso (que seria falso), senão a questão de assegurar o diálogo,
ou "dar voz" aos diferentes interlocutores (Tedlock 1991). Para resumir, para os fenomenalistas, a objetividade consiste na intersubjetividade
que se realiza através do consenso, ou senão, pelo menos através da comunicação.
É interessante observar que os fenomenalistas se preocupam muito em não "coisificar" os seus conceitos, pois querem evitar que
estes conceitos tomem o ar de "verdadeiros". Isto leva a grandes discussões sobre "qual" conceito entre as várias definições de um fenômeno
é mais adequado. Dentro da antropologia são conceitos como "marginalidade," "índio", ou "camponês" etc. Ao meu ver, estas discussões, ao
darem tanta atenção ao conceito em si, acabam fazendo justamente o que queriam evitar -- um dos conceitos acaba prevalecendo como "o
correto".
Para os darwinistas os "dados" também são construções da mente e portanto não necessariamente ligados à realidade. A
objetividade de um "dado" (ou melhor de um conjunto de dados), se dá também pela sua intersubjetividade. No entanto esta
intersubjetividade adqüire um caráter mais concreto. Isto, porque os elementos comuns ou universais nas mentes humanas garantem que
haverão algumas convergências nas formas de pensar de diferentes pessoas. Podemos concordar sobre certos assuntos-- lógica, por exemplo,
ou uma dada percepção. O gourmet e etnógrafo de comidas Raymond Sokolov (1993) fornece uma demonstração deste fenômeno. Ao ser
convidado para provar queijos cheddar num concurso, Sokolov se encontrou com especialistas que usavam todo um vocabulário que parecia
"enrolação" para os não-iniciados. Mas depois de provar vários queijos e aprender qual palavra se aplicava a qual aspecto do sabor, Sokolov
descobriu que entendia o significado de cada vocábulo e que logo chegava a aplicar as mesmas palavras aos mesmos queijos que os
especialistas. Para demonstrar este fenômeno, Sokolov sugere que se faz uma experiência com diferentes marcas de cola (pepsi, coca, etc.) e
que se tente descrever cada. Depois de atribuir algumas palavras aos diferentes sabores as pessoas não tem mais dificuldades em discriminar
uma marca de outra, nem em aplicar os vocábulos a novas marcas ainda não provadas.
À diferença do "consenso" dos fenomenalistas, a intersubjetividade dos darwinistas implica na replicabilidade. Se atinge maior
objetividade na medida em que diferentes pessoas acabam aplicando (mais ou menos) os mesmos rótulos aos mesmos fenômenos. As idéias e
argumentações mais complexas se baseiam nestas replicações. Assim, não se precisa exigir um consenso ao nível das teorias. Todo o "jogo"
entre diferentes interlocutores está na tentativa de ligar as suas diferentes teorias a estas replicações. Quem ganha no jogo não é quem ganha o
consenso a respeito da teoria, mas quem consegue inventar a teoria mais compatível com os dados. Desta forma, o darwinista se afasta um
pouco das "modas" acadêmicas. Einstein entendia bem o problema do "consenso". Quando foi avisado por um amigo de uma publicação
entitulado Cem Contra Einstein, ele comentou simplesmente, "Bastaria um" (Calder 1979:142). O que decide se uma idéia vence ou não é a
sua aproximação aos dados, e não as opiniões das massas ou das autoridades.
Alguns críticos aceitariam o uso de dados replicáveis para as ciências naturais, mas negariam a possibildiade de tais replicações para
fenômenos sociais. De acordo com este argumento, os fenômenos humanos são únicos -- os contextos e os elementos sempre variam de
situação para situação. Assim, a replicação é impossível. No entanto, cabe lembrar que também na física os fenômenos são únicos. O
contexto, e até a composição de um átomo é diferente de outro (pressão, temperatura, ionização, etc.), e quando falamos de estrelas há muitas
diferenças. Não acredito que a questão da replicabilidade seja tão diferente entre as ciências naturais e humanas. O que precisa ser lembrado,
é que se trata da replicação de aspectos de um fenômeno, e não dos fenômenos em si. Assim, por exemplo, podemos "comparar maçãs e
laranjas" se lembramos que a nossa comparação se limite a aspectos destas frutas como quantidade de vitamina C, custo, suscetibilidade a um
parasita, etc.
De toda maneira, não há na linha darwinista nenhuma garantia de poder se chegar ao "real" ou à "verdade". Nem há razão para isso.
A seleção natural nos deixou com mentes que nosfornecem o suficiente para sobreviver e procriar.Não há razão nenhuma para a seleção
natural nos dar mentes que levam à "Verdade". Talvez fosse mais razoável admitir isto e desistir da idéia de poder chegar a esta verdade. O
que podemos fazer é aproveitar as nossas mentes para tomar decisões melhores sobre o que fazer. Esta capacidade, sim, deve ter sido
selecionado durante a evolução.
Nesta linha de pensamento é bom lembrar que Popper (1982; 1976) e Freire-Maia (1992) fazem analogias entre o método de
"falsificação" para eliminar idéias erradas e a seleção natural. Nos dois casos, só sobrevivem [as teorias, ou os organismos] mais aptos (mas
não necessariamente corretos). Popper argumenta que nunca podemos saber se uma teoria é certa, mas podemos saber se é errada, pois para
eliminá-la basta deduzir uma predição que não bate com os dados. Este método de falsificação tem sido muito criticado na medida em que os
dados (que também são construções teóricas) também não podem ser provados. Logo, nunca podemos ter certeza que os dados estão certos, e
conseqüentemente não podemos provar que uma teoria está errada. Mais concretamente, este problema se vê quando usamos estatisticas para
avaliar uma hipótese. A falta de uma correlação pode significar que as nossas medidas são falhas, não que a teoria seja errada (ver capítulo 4).
Givon (1989) observa que o método de "falsificação via dedução" de Popper acaba sendo o mesmo que o método de "verificação via
indução" de Peirce, para quem "...The operation of testing a hypothesis by experiment, which consists in remarking that, if it is true,
observations made under certain conditions ought to have certain results, and then causing those conditions to be fulfilled, and noting the
results, and, if they are favorable, extending a certain confidence to a hypothesis, I call induction..". (A operação de testar uma hipótese via
experimentação, que consiste em reparar que, se ela for verdade, então observações feitas sob certas condições deveriam dar certos
resultados, e depois efetivando estas condições e notando os resultados, e, se favoráveis, então dando uma certa confiança à hipótese, eu
chamo de indução) (citado em Givon (1989:281). O que se conclui desta metodologia é que nunca podemos ter certeza nem que as teorías
estão erradas, nem que estão certas. O que falta na visão dos dois filósofos é a observação de que para tomar uma decisão, tanto no caso de
um organismo qualquer, como no caso de um cientista, se precisa de alternativas. Ao contrário do que pensava Popper, a seleção natural
também não elimina o "errado"; só escolhe entre alternativas. O método que os dois filósofos sugerem poderia até servir para avaliar idéias
alternativas, da mesma maneira que a seleção natural. Não seria estranho imaginar que a seleção natural até nos deu uma capacidade mental
especialmente para avaliar alternativas, mas não uma capacidade para decidir se uma coisa é certa ou não. Simplesmente saber a verdade não
combina com o pragmatismo da seleção natural. De qualquer forma, como observam Gibbs e Lawson (1992) há um perigo muito grande em
fazer pesquisas com apenas uma hipótese ou teoria: a coleta de dados se degenera rapidamente numa procura para evidência para sustentar
aquela idéia. Para resumir numa frase, não fomos selecionados para comparar dados com hipóteses, mas para comparar hipóteses entre si.
Subjetividade. A sociologia da ciência tem fornecido inúmeros exemplos de como fatores sociais e pessoais influiram na elaboração,
averiguação e aceitação de idéias. De certa forma, acabamos de discutir o seu papel no contexto da averiguação ou aceitação -- o lado
"objetivo" da pesquisa. Cabe aquí examinar o seu papel no contexto da elaboração ou descoberta de novas idéias. Neste contexto não vejo
grandes discordâncias entre as diferentes formas de encarar a realidade. Talvez um realista ingênuo enfatizasse um pouco mais a observação,
mas para as outras linhas acho que as idéias seriam semelhantes.
A maioria de pensadores de todas as linhas elogia o uso de analogias e metáforas na ciência (como o uso da analogia de seleção
artificial para a idéia de seleção natural, a analogia de correntes de água para eletricidade, ou do computador para o cerébro). Também não
tem problemas com a extensão de idées fixes para muitas áreas (como a idéia de "solidariedade" que Durkheim usou para explicar a divisão
de trabalho, suicídio, religião, e o nosso raciocínio). Também é geralmente bem vinda a inspiração que decorre do manuseio de tecnologias
novas. Segundo Price (1984) geralmente entendemos o "porquê" do funcionamento destas tecnologias só depois de já tê-los usado um bom
tempo. Para vários autores, estas analogias são a base da abdução, que consiste em lançar uma idéia para depois averiguá-la (Harré 1989;
givon 1989; Gibbs e Lawson 1992; Freire-Maia 1992; Gould 1983). O uso de analogias parece natural para nós. Por exemplo, analisando a
aprendizagem da linguagem, Givon (1989) argumenta que a maior parte do nosso vocabulário se constroe, ou a partir de experiências
sensoriais primárias, ou a partir de analogias e metáforas com estas experiências.
Mas há discordâncias. Bachelard (1977:38) argumenta que as metáforas e analogias, longe de serem uma fonte da riqueza científica,
formam entraves: "Une science qui accepte les images est, plus que toute outre, victime des métaphores. Aussi l'esprit scientifique doit-il
sans cesse lutter contre les images, contre les analogies, contre les métaphores" (Uma ciência que aceita as imagens é, mais do que qualquer
outra coisa, vítima das metáforas. Assim, a mente científica deve lutar sem parar contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas.)
Para ilustrar a sua idéia, Bachelard oferece numerosos exemplos de extensões teóricas que ele acha indevidas -- por exemplo, a tentativa de
explicar com o conceito de "coágulos", fenômenos como o que acontece com o leite, o sangue, gorduras, e a água. Todos estes fenômenos
são explicados em termos do esfriamento como princípio básico do congelamento (Bachelard 1977:62-63). Para Bachelard, as metáforas, que
vêm do senso comum, servem apenas para nos cegar quanto às verdadeiras explicações para os fenômenos. Por exemplo, a confusão na física
quântica sobre se os elétrons são ondas ou corpúsculos se devia simplesmente ao uso indevido de conceitos como "onda" ou "partícula". O
que a ciência nos mostra na realidade são relações matemáticas bastante claras. O resto é confusão (Bachelard 1968:87-88).
O físico premiado nobel, Richard Feyman (1965:s.53-58) concorda em parte com a opinião de Bachelard. Para Feynman, o debate
sobre ondas e partículas era inútil, uma vez que se estava estudando algo diferente, que nem onda, nem partícula era. No entanto, Feynman
discorda quanto à eliminação de metáforas. Na sua visão (como na visão clássica de Wittgenstein) a matemática é uma grande tautologia. Os
físicos lidam com a matemática sempre transformando uma fórmula em outra -- sendo todas as fórmulas logicamente iguais. Quando um
fenômeno se conforma com uma fórmula e os seus equivalentes matemáticos, a escolha sobre qual fórmula se deve aceitar para a explicação é
indiferente. São todas igualmente "corretas". No entanto, quando se trata de adivinhar novas relações, as diferentes metáforas começam a se
mostrar importantes. É alí a importância das analogias, mesmo se depois os físicos acabam precisando largar estes modelos para ficarem com
as fórmulas puramente matemáticas.
Acredito que o problema de Bachelard quanto a metáforas decorre um pouco da sua posição quanto ao contexto de averiguação.
Como Bachelard não dá muito valor aos processos de averiguação, ele acaba precisando exercer um tipo de "censura" prévia, na hora das
abduções. Se tivesse aceito a idéia de sempre testar metáforas alternativas para um fenômeno, acredito que o grande perigo de se fixar em
idéias demasiadamente ridículas diminuiria. O pesquisador teria um controle sobre os seus "pecados" e poderia "pecar corajosamente" (para
usar a frase de Martin Luther).
A atitude de Gould a respeito de teorias "malucas" é muito mais respeitadora. Gould (1978) analisa o caso de um tal de Randolph
Kirkpatrick que descobriu uma vez alguns nummulites fossilizados em pedras volcânicas, Fascinado com a descoberta, Kirkpatrick extendeu
as suas pesquisas para outras áreas, e chegou a "achar" nummulites em tudo. Acabou concluindo que a terra inteira era composta destes
fósseis. Na opinião de Gould, a teoria de Kirkpatrick era uma teoria boa -- não era correta, mas era consistente. Se Kirkpatrick tivesse tido
razão, o teriamos considerado um grande cientista. Só porque a idéia não deu certo devemos condená-lo ao ridículo? É muito melhor liberar
as pessoas para examinarem o que vier na imaginação do que fazer uma pré-censura porque a metáfora ou a extensão teórica poderia estar
errada! O problema maior é impossibilitar a averiguação. Um exemplo é a teoria de Omphalos, que diz que Deus colocou os fósseis na terra
só para nos confundir e nos testar a fé. Não havia nenhuma evidência que pudesse abalar esta teoria. Quanto mais os fósseis combinassem
com as teorias de evolução, mais a teoria confirmava a sabedoria do teste de fé em Deus (Gould 1984).
O Racional e o Empírico
Quanto a esta última dicotomia, gostaria apenas de observar que, como no caso de subjetividade/objetividade, não se trata de dois
polos de uma única dimensão, como demonstra a figura 1.3 em baixo. É possível ser ao mesmo tempo, muito empírico, na medida em que se
examina sistematicamente os dados, e também muito racional, na medida em que se usa um sistema dedutivo de raciocínio. A física é o
exemplo clássico. É também possível ser muito empírico sem usar muita lógica dedutiva, como no caso da história natural ou jornalismo. A
poesia não exige nem lógica nem dados empíricos, e a matemática exige apenas a dedução. O pressuposto de que uma abordagem mais
"empirista" é por conseguinte menos "racional" simplesmente não prossegue.
Figura 1.3
A classificação das escolas de antropologia em "intelectualistas" e "empiristas" feita por Oliveira (1988) é um pouco enganadora,
pois dá de entender que há um conflito inerente entre o racional e o empírico. Esta idéia nos faz pensar que o grande "racionalista", Platão,
seria em completo desacordo com o grande "empirista", Aristóteles, quando os dois compartem a mesma visão básica do mundo.
Este capítulo descreve alguns aspectos da cognição em seres mais simples que o ser humano, e depois considera a evolução da
cognição humana. Em parte pretende mostrar a variedade de formas de cognição e as suas relações com questões de adaptação. Em parte
pretende mostrar tendências gerais que parecem ocorrer com a complexificação de quaisquer organismos biológicos. Mas a finalidade básica
é tentar entender os limites da cognição em qualquer organismo, e especialmente indicar alguns limites impostos pela seleção natural na
evolução do pensamento humano. Como deve ficar claro, a diferença entre a mente de um inseto e a mente de um chimpanzé é muito maior
que a diferença entre a mente de um chimpanzé e a mente do ser humano.
Orgões Sensoriais
Todos os organismos precisam interagir com o seu meio-ambiente. No mínimo o organismo precisa "saber" o que incorporar a seu
corpo e o que "rejeitar". Uma olhada nas diferentes maneiras usadas para isto é reveladora da diversidade de um aspecto da cognição animal.
Geralmente são interações químicas que determinam quais as substâncias que uma célula incorporará ou não, e provavelmente estas
reações representam as formas mais antigas na evolução da "comunicação" entre formas vivas e o meio-ambiente. Isto se aplica tanto aos
animais como às plantas e aos fungos. Por exemplo, Barron (1992) descreve várias espécies de fungos que "atacam" nematodas e bactérias.
Alguns fungos atraem as nematodas com substâncias quimícas, e depois as deixam presas para incorporar o seu nitrogênio. Outros fungos
"caçam" nematodas. Produzem zoospores que seguem os traços químicos deixados pelas nematodas, até encontrar as vítimas.
Mesmo nas formas de vida mais simples encontramos formas de "comunicação" com o ambiente. Gould (1979) dá o exemplo de
uma bactéria que possui uma ímã que a deixa sensível às linhas magnéticas da terra. Esta sensibilidade é importante para a bactéria, não
porque a diferença entre norte e sul seja crucial nas suas poucas horas de vida, mas porque, longe do equador, as linhas magnéticas também
orientam a bactéria quanto às direções "por cima" ou "por baixo". Isto porque perto dos polos norte e sul, as agulhas magnéticas tem um
componente vertical maior que o componente horizontal. É crucial que a bactéria possa se orientar para "baixo", o seu ambiente natural, onde
se encontram os sedimentos aquáticos anaeróbicos. Para um organismo tão pequeno como uma bactéria, a força de gravidade é insignificante,
e não serviria para esta orientação. É interessante observar que, confirmando este argumento, as bactérias parecidas no hemisfério sul tem a
orientação magnética no sentido contrário das bactérias do hemisfério norte, pois "para baixo" teria que se dar com o outro lado do ímã no
hemisfério sul (McFarland 1985).
Outros animais também possuem uma sensibilidade para as linhas magnéticas da terra. No caso das abelhas e dos pombos, esta
sensibilidade é útil para uma orientação horizontal norte-sul. A questão de "para cima" ou "para baixo" é resolvível com a gravidade. Alguns
pesquisadores sugerem que o ser humano também tenha uma sensibilidade para as linhas magnéticas, embora esta sensibilidade esteja ainda
em debate (McFarland 1985).
Outros fenômenos físicos também servem como fontes de comunicação com o mundo de fora. Vários peixes, como tubarões e o
peixe cachorro, são sensíveis à eletricidade. O peixe cachorro (scyliorhinus), mesmo enterrado na areia, sente distorções no campo magnético
da terra, e aproveita estas distorções para localizar comida. Outros peixes como gymnotidae e mormyridae) geram campos elétricos e são
sensíveis a mudanças elétricas no ambiente. Também o bico do ornitorrhino está cheio de neurônios sensíveis à eletricidade, que são usados
para localizar presas nos fundos dos rios turbulentos onde vive (McFarland 1985).
Os cascavéis são sensíveis a ainda outro fenômeno: emissões infravermelhos. Duas cavidades profundas de cada lado da cabeça e
que desembocam em baixo dos olhos são ricamente providas de nervos. As sensações recebidas destes órgãos interagem no cérebro com as
sensações recebidas dos olhos (Newman e Hartline 1982).
Mesmo no caso de fenômenos como luz ou som, aos quais nós também somos sensíveis, há muitas diferenças de uma espécie para
outro. Por exemplo, os sistemas de ecolocação dos mamíferos aquáticos e dos morcegos utilizam freqüências de sons que os seres humanos
não escutam (McFarland 1985). As mariposas que são muitas vezes vítimas destes morcegos são sensíveis às suas emissões para ecolocação,
mas não a outros sons que nos podemos escutar. Obviamente trata-se de uma capacidade importantíssima do ponto de vista da seleção natural.
As larvas destas mariposas não escutam estes sons do morcego (e não são vítimas), mas algumas larvas (como a larva da mariposa do
repolho) conseguem escutar o zuar das asas de seus predadores, as vespas de papel (Alcock 1984).
No caso de visão há também muita variação. Os olhos "compostos" dos insetos, por exemplo, tiram amostras de luz de uma forma
bem diferente dos nossos olhos. Os olhos de alguns animais, inclusive moscas, cigarras, alguns pássaros e coelhos, são mais sensíveis a
movimentos ao lado da cabeça do que na frente (Horridge 1977). Muitos animais, especialmente animais noturnos, não possuem visão a
cores. Mas a abelha percebe côres utravioletas que o ser humano não percebe (Gould 1979).
Não é difícil entender os valores adaptativos destas sensibilidades a diferentes fenômenos. Por exemplo, McFarland (1985) salienta
que a visão permite maior exatidão na localização de estímulos e no reconhecimento de padrões do que qualquer outra modalidade, mas a
visão tem a desvantagem de não funcionar bem onde há muitos obstáculos, na escuridão ou em águas turvas. Ele observa que animais
predadores como polvos, gaviões e gatos tem os aparelhos visuais mais desenvolvidos que outros moluscos, aves ou mamíferos não
caçadores. Mas em certas situações, como nos rios turvos dos ornitorrhinos ou nas imensidões dos mares dos mamíferos aquáticos, a visão
acaba sendo substituída por outros tipos de sensibilidade, mesmo para predadores.
Estas diferenças nos receptores sensoriais de vários animais servem para demonstrar como a realidade é filtrada de forma seletiva. A
questão de "interpretar" estes "inputs" demonstra ainda mais dramaticamente a seletividade das nossas "imagens" da realidade, e as diversas
maneiras como os animais "representam" o seu mundo.
Figura 2.1
O que parece acontecer é que o potencial de ação do neurônio sensorial da cauda ativa um neurônio "modular" que ao ser ativado
tem a propriedade de facilitar a transmissão de neurotransmissores (especialmente serotinina) do neurônio sensorial do sifão. Mas esta
"facilitação" só resulta na transferência de um neurotransmissor se o neurônio do sifão já estava ativada através de um toque leve. Por razões
químicas, a repetição desta interação resulta na transferência cada vez mais facilmente do neurotransmissor do neurônio do sifão para o
neurônio modular. Com o tempo, nem é mais necessário o estímulo forte na cauda para provocar um potencial de ação no neurônio modular.
Basta um toque leve no sifão para ativá-lo, e consequentemente para ativar também o neurônio muscular da guela.
Seria difícil caracterizar estas duas interações neuronais como envolvendo "conceitos". Seria até difícil falar em termos de
"perceptos". Alguma coisa realmente foi percebida? As ligações entre os neurônios são tão diretas e as reações tão rápidas, que falar em mais
do que "sensação" parece arriscado.
Consideramos um exemplo um pouco mais complicado -- as reações de um sapo a partir de estímulos visuais. Estas reações são
bastante estereotipadas. Um sapo reage com movimentos diferentes a objetos de diversos tamanhos e formas. Para objetos pequenos e com
movimentos parecidos com vermes, a reação é de se orientar em direção à presa, e depois de esticar a língua e capturá-la. Para objetos
maiores a reação é de fuga. Mas como é que o sapo "vê" estas diferenças? Camhi (1984) relata uma série de experiências que visavam traçar
os mecanismos neurológicos por trás da visão no sapo. Estas experiências mostraram que um conjunto de neurônios com características
diferentes era necessário para poder distinguir um tipo de estímulo visual de outro. Por exemplo, em alguns neurônios na retina há uma
diferenciação entre o centro e o seu contorno. A excitação do neurônio depende do contraste (derivado do contraste escuro/claro) entre estas
duas regiões. Estes neurônios são responsáveis pelo destaque dado aos contornos na interpretação visual. Ao mesmo tempo, outros neurônios
parecem registrar movimento. Os pesquisadores conseguiram "mapear" os efeitos de diferentes tipos de estímulos em neurônios diferentes no
cérebro do sapo, e identificar alguns neurônios cujo padrão de excitação estava correlacionado com o padrão de reações a diferentes
estímulos.
No caso do sapo nos sentimos com mais direito de falar em "perceptos". Além de sentir as diferenças de luminosidade, o sistema
neurológico do sapo também precisava interpretar estas diferenças. Estas interpretações envolviam um conjunto maior de neurônios do que a
"interpretação" quanto à velocidade e direção do vento na barata. Mas seria errado fazer uma distinção radical demais entre as "sensações" da
barata e as "percepções" visuais do sapo. Em ambos os casos trata-se da construção de padrões de excitação em neurônios diferentes.
E o cérebro humano? O nosso cérebro possui em torno de um bilhão de neurônios, com uma média para cada de 1000 sinápses (as
vezes até 5000 ou 6000). Isto dá um total de dez trilhões de interconexões. Para alguns, parece que tudo está ligado com tudo. Pensando
nesta complexidade, alguns cientistas tem ficado desesperados com a idéia de poder entender algo sobre o cérebro. Mas como aponta
Damasio (1994) não é verdade que tudo esteja ligado com tudo. Cada neurônio pode ter conexões com apenas 1000 neurônios entre os 10
bilhões do cérebro, ou seja apenas um milhãonézimo do total dos neurônios. Na realidade, a maioria dos sinápses ocorre com neurônios
vizinhos, de forma que o cérebro possui uma geografia muito específica, composta de "núcleos" (conglomerados de corpos celulares de
neurônios), "cortexes" (corpos celulares organizados em "camadas"), e circuitos locais, organizados hierarquicamento em sistemas maiores.
Como entender esta organização? Pesquisadores tem juntado uma série de técnicas diferentes para tentar desvendar os mistérios do
cérebro. Observações e testes cognitivos com pessoas que, devido a acidentes ou derrames, perderam uma parte do cérebro fornecem
informações sobre as funções de diferentes regiões do cérebro. Estudos dos efeitos de remédios químicos tem revelado informações a respeito
de neurotransmissores. Electronecefalogramas, e os "PET scan" tem revelado atividades em diferentes áreas do cérebro enquanto pessoas
realizavam diferentes tarefas cognitivas. Na hora de cirurgias cerebrais realizadas com pacientes acordados, pesquisadores tem usado
estímulos por eletrodos, e medições da atividade de neurônios específicos, para mapear os impactos neurológicos de diferentes experiências
cognitivas.
Para ilustrar a organização cerebral de uma função cognitiva, podemos examinar a visão. Os neurológos estão começando a entender
como o ser humano constroe as suas imagens. Aparentemente, diferentes aspectos dos estímulos de luz na retina são mandados para diferentes
regiões do cérebro. Uma área, chamada V1 contem um mapa (no sentido matemático) do campo visual inteiro da retina. Segundo Zeki (1992)
esta área serve como um "correio" que manda diferentes aspectos de uma sensação visual para outras áreas que processam separadamente
movimento, côr e forma. Lesões cerebrais nestas diferentes regiões causam problemas "bizarros" nos quais as pessoas só vêem coisas quando
em movimento, ou não vêem, nem se lembram de cores, ou não entendem formas. Lesões na área V1 fazem com que a pessoa se acha cega,
embora quando precisa adivinhar a direção de um movimento ou uma côr, consiga fazê-lo.
Quanto à questão de conceitos, Damasio e Damasio (1992) identificam tres regiões diferentes no cérebro. Numa primeira região são
processadas as interações não-lingüísticas entre o corpo e o ambiente. Estas interações são primeiro categorizadas de acordo com aspectos
como côr, movimento, forma, seqüência e estado emocional. Depois, num outro nível são processados os resultados destas primeiras
categorias. Níveis sucessivos de representação servem como base para a abstração e a metáfora. Uma segunda área, localizada mais no
hemisfério esquerdo, processa fonemas, sintaxe e linguagem em geral. Uma terceira área, também no hemisfério esquerdo, liga estas duas
áreas -- liga os conceitos com a linguagem. A importância desta interação se vê quando esta terceira área é lesada. Pacientes com anomia de
côres mantêm as suas experiências com cores -- em testes colocam placas verdes ao lado da grama, por exemplo. Também mantém as suas
capacidades lingüísticas -- conseguem falar sobre cores sem problema. Mas quando se trata de ligar o conceito de "verde" (uma placa verde,
por exemplo) a uma palavra, são incapazes de fazer a ligação. O nível de compartamentalização do cérebro se vê com derrames menores, que
matam regiões pequenas do cérebro. Estes derrames fazem com que as vítimas as vezes percam toda uma categoria de palavras, como os
nomes para flores (Gould e Marler 1991).
Damasio e Damasio acreditam que os conceitos são armazenados no cérebro na forma de registros das diferentes conexões sinápticas
que recriam os conjuntos de atividades que definem o evento ou objeto. Cada registro pode também estimular outros registros. Trata-se então
de uma re-ativação de uma série de neurônios. Eles ilustram esta idéia com uma simulação do que passa na cabeça quando se levanta uma
xícara de café. As áreas visuais respondem aos contornos da xícara e do seu conteúdo, à sua forma, e a sua posição. As áreas somatosensoriais
registram a forma que toma a mão ao segurar a xícara, o calor do café, e o prazer de tomar café. Concluem que "o cérebro não apenas
representa aspectos da realidade externa, como também registra como o corpo explora o mundo e reage a ele" (Damasio e Damasio 1992,
p.65). A lembrança deste evento consiste na re-ativação (parcial) destas diversas regiões.
Na ótica de Damasio e Damasio os conceitos mais abstratos e mais variados partem de percepções mais concretos e mais universais.
A classificação primária em termos de côres, formas, movimento ou estados emocionais pode ser universal no ser humano, enquanto que as
maneiras como estes elementos básicos do pensar são ligados para formular conceitos mais abstratos varia de indivíduo para indivíduo e de
cultura para cultura. Mas deve-se ter cuidado em avaliar os conceitos de uma cultura a partir do seu idioma! Não há garantia de uma
correspondência boa.
Destas reflexões sobre o lado "material" do pensamento, podemos tirar algumas conclusões provisórias. Primeiro, esta revisão deve
servir para complicar as categorias de Kant. Quando "conceitos" são vistos como registros de conexões sinápticas, torna-se difícil diferenciar
entre sensações, percepções e concepções, pois todos envolvem conexões sinápticas, embora organizadas em hierarquias de diferentes graus
de complexidade. A questão do acesso a estes registros de conexões sinápticas poderia ainda nos levar a questionar o que entendemos por
"consciência". Mas de toda maneira, continua a questão básica original: Quais são os elementos que nos permitem construir a nossa
cognição a partir da experiência, e como se faz esta construção? A neurologia dá algumas pistas quanto a atributos universalmente
codificados pelo cérebro (como movimento, forma e côr na visão, ou estados emocionais) mas ainda deixa muito em aberto. Precisamos
procurar em outros locais.
Os conceitos de "genético" e "inato" também dão muita confusão. O conceito de "inato" talvez seja um dos pior entendidos em todo
o mundo acadêmico. Na sua forma extremada, o conceito se refere a características com as quais um organismo nasce, e que são
independentes do ambiente. Mas como todos os organismos crescem, e para tal precisam interagir com o ambiente, não há nenhuma
característica totalmente inata neste sentido. Há sempre uma interação com o ambiente. Além disso, se um comportamento só aparece mais
tarde, como podemos saber se o animal já nasceu com esta característica ("adormecida") ou não? Dawkins (1989) distingue dois sentidos da
palavra "inato". O primeiro é a noção de "evolutivamente fixo" que quer dizer simplesmente que uma característica aparece em todos os
ambientes conhecidos de um organismo. Concluimos, então, que o ambiente não altera o seu aparecimento (ou pelo menos não foi encontrado
nenhum ambiente que a mude). O outro sentido foi proposto por Lorenz, que encara "inato" como se referindo a qualquer característica que
aparece sem a necessidade de aprender com informações vindas de fora. Para mostrar que um comportamento é inato, basta isolar o
organismo de informações externas e observar se o comportamento aparece. Por exemplo, o esgana-gata "sabe" que os machos rivais são
vermelhos por baixo, e "sabe" disto mesmo se foi criado sem nunca ter visto um rival. Reage imediatamente ao vermelho. O problema com
este conceito é que nem sempre fica claro o que constitui informação. Por exemplo, o debate entre Chomsky e Piaget descrito em cima
decorre um pouco das suas noções diferentes de "inato". Enquanto Chomsky cita a questão da universalidade, Piaget parece mais interessado
na obtenção de informações. Mas quais são então estas informações, e como são diferentes de outros aspectos do ambiente?
Embora faça sentido considerar que uma característica "inata" esteja condificada em algum lugar no nosso DNA, curiosamente, até
recentemente, os geneticistas não atribuiam tais características à genética. Isto, porque os geneticistas trabalhavam com variação, e só era
atribuído à "genética" algo que variava. Diferenças nas características entre indivíduos criados todos no mesmo ambiente eram atribuídas à
"genética". Pela mesma lógica, podiamos rotular de "adquiridas" as diferenças entre indivíduos geneticamente iguais, mas criados em
ambientes diferentes. Hoje, com o estudo da atuação dos proteínas produzidas por diferentes pedaços de DNA, é possível atribuir à genética,
também coisas que não variam.
De qualquer maneira, o que é inato muitas vezes é a capacidade de aprender uma coisa, não a coisa aprendida. J. Gould (1979)
observou que as abelhas de mel aprendem as côres de uma flor apenas nos últimos dois segundos antes de aterrissar, e fixam na memória as
saliências do terreno ao redor apenas ao partir voando. Uma abelha numa fonte de nectar, e depois transportada de volta até a colmeia, não
consegue achar o local de novo. As abelhas aprendem o local e a aparência da própria colmeia só na primeira saída de cada dia. Se a colmeia
é relocalizada depois desta primeira saída, a abelha que sai da colmeia relocalizada não consegue achá-la na volta. Como resume Gould
(1979, p.72) as abelhas "aprendem exatamente o que foram programadas a aprender".
O valor adaptativo de alguns destes mecanismos ficou claro para mim quando estacionei o meu carro num Shopping Center. Ao
procurar uma vaga, não prestava atenção ao local onde estava (a abelha quando procura uma flor não presta atenção ao local, pois o que
importa é achar uma flor com néctar), mas ao sair do carro estacionado precisei fixar o local onde o tinha colocado para reencontrá-lo na
volta (como a abelha fixa o lugar das flores produtivas ao sair). Que a abelha ainda procura ou não uma fonte de néctar possa talvez explicar
alguns dos achados contraditórios de Roitblatt e Ferson (1992) sobre esta questão.
Esta programação para aprender não precisa ser tão rígida como no caso das abelhas. Por exemplo, um rato pode aprender a associar
um choque elétrico a um cheiro, mas demora muito para isto; aprende depois de uma única experiência a associar um cheiro a uma sensação
de nausea. Por outro lado, o mesmo rato associa rapidamente um choque elétrico à forma de uma comida, mas não aprende facilmente a
associar a forma à nausea (Wilson 1980, p.79). Neste caso é fácil entender porque a seleção natural facilitou a aprendizagem de um tipo de
associação e dificultou outro. Há também outras diferenças com respeito à facilidade de aprender uma associação. Ratos associam mais
facilmente eventos súbitos com outros eventos súbitos, e eventos prolongados com outros eventos prolongados (Cheney e Seyfarth 1988,
p.265). No caso do caracol marinho aplysia, os pesquisadores verificaram este tipo de fenômeno ao nível neuronal. A aprendizagem de uma
associação também dependia do intervalo do tempo entre o estímulo sendo condicionado e o estímulo não-condicionado. Se o intervalo fosse
grande demais, ou se os estímulos fossem invertidos, não ocorreria a associação (Kandel e Hawkins 1992). Mesmo no caso da aprendizagem
indireta, via observação, há diferenças. Um macaco criado num laboratório que vê um video de macaco silvestre demonstrar mêdo de uma
cobra, acaba aprendendo a ficar com mêdo. Mas ao ver um video alterado mostrando o mesmo macaco silvestre mostrando o mesmo mêdo
em reação a uma flor, o macaco de laboratório não aprende a ficar com mêdo da flor, nem demonstra mêdo a cobras (Hinde 1991).
O importante desta discussão sobre o sentido de "inata" é que sempre estamos lidando com uma interação entre programas genéticas
e o meio-ambiente. Dizer que um traço se deve 80% a genética e 20% ao meio-ambiente não é muito interessante e chega a ser muito
enganador. Acho até enganadoras declarações estatísticas mais cuidadosas como "descobrimos que 20% da variação na característica X se
deve à genética". Na melhor das hipóteses estes números só se referem a uma correlação encontrada num dado ambiente limitado. Os
números não tem nada a ver com o que a maioria das pessoas imaginam. Podem servir como índices para comparar diferentes traços dentro de
uma população. Mas neste caso devem ser expressos simplesmente como índices, e não como percentagens que levam a malentendidos entre
o público e entre cientistas também.
Embora seja comum pensar que o "reflexo" seja "inato" e a representação "aprendida" isto não é necessariamente o caso. Pode haver
reflexos aprendidos (como no reflexo condicionado do caracol marinho), e pode haver representações relativamente "inatas" no sentido de
variarem pouco de um ambiente para outro. As representações visuais do sapo quanto a presas varia tão pouco, que o sapo morrerá de fome
antes de perceber os insetos mortos pendurados (mas sem movimento) ao seu redor (Gibson 1990). Mas comerá de bom grado bolinhos de
gude jogados na sua direção.
É também um pouco enganador imaginar que os reflexos sejam sempre simples. Um reflexo pode provocar outro de tal forma que a
seqüência de ações pareça mais complicada do que é. Knußmann (s.d.) descreve como viu uma vez um babuíno ficar com o pênis em ereção,
numa reação agressiva típica ao encontrar inimigos. Mas o que surpreendeu neste caso é que, quando uma fêmea passou por perto, o macho
aparentemente "esqueceu" que estava com raiva e interpretou o seu pênis ereto como uma conseqüência da receptividade sexual da fêmea.
Tentou montá-la. Todos temos experiências parecidas. Méro (1990) descreve o caso de um professor durante uma festa. No início da festa a
sua mulher o mandou trocar de gravata. O professor subiu para o quarto, tirou a gravata, e acabou indo dormir! -- a seqüência de tirar a
gravata e dormir era tão bem condicionada que esqueceu a finalidade do seu ato.
Representando o Meio-Ambiente. Gallistel (1989) observa que muitos animais precisam lidar de forma rotineira com tres abstrações básicas,
importantes tanto para filósofos, e cientistas como para os animais. São eles, "espaço", "tempo", e "número" ou "quantidade". Uma
comparação entre a formiga e a abelha mostra dois métodos bem diferentes de mapear o espaço. O mapa da formiga é mais ou menos
parecido com um "mapa" para tesouro nas estórias de aventura: "vá cem passos para a frente, vira para o oeste, anda 50 passos, vire para o
sul, etc". A formiga calcula onde está a cada momento. Depois de uma caminhada tortuosa a formiga consegue voltar numa linha reta para o
ninho. Tirando a sua direção pelo sol, a formiga já sabe onde está o ninho. Em experiências, formigas que estavam longes dos seus ninhos,
foram transportados para outro local. Na chegada no novo local as formigas fizeram uma caminhada direta para o local onde o ninho estaria
se a formiga não tivesse sido transportada. Objetos ou outras marcas salientes do ambeinte não são usados para a navegação. Ao voltar para o
local onde deveria estar o ninho, a formiga começa uma procura ao redor, continuando a procura em áreas cada vez mais distantes, mas
sempre mantendo o mesmo centro de procura.
As abelhas navegam usando "mapas" que marcam as saliências no meio ambiente, além de usarem a orientação do sol ou dos polos
magnéticos. Quando capturadas e transportadas para outra área dentro do seu território de forrageio, as abelhas conseguem voltar diretamente
para a colmeia, ou para uma fonte de água açucrada. Se as saliências são artificialmente alteradas, as abelhas fazem "cálculos" a partir das
novas marcadoras e julgam erradamente a localização do açucar. A sofisticação do "mapa" cognitivo das abelhas é ilustrada numa experiência
em que um pesquisador localizou uma fonte de açucar perto de um lago. As abelhas logo aprenderam esta localização e a comunicaram para
as outras abelhas da colmeia. Pouco a pouco os pesquisaodres afastaram a fonte de açucar, colocando-á dentro do lago. As abelhas que foram
transportadas para este local, e que depois voltaram para a colmeia, comunicaram o novo local do açucar para as outras abelhas, mas estas
aparentemente não "acreditavam" na estória, pois não reagiram. O pesquisador explica que normalmente não se acharia uma fonte de açucar
no meio de um lago. Esta experiência sugere que as abelhas possuem mapas cognitivas bastante sofisticadas, que permitem juntar vários tipos
de informação e tirar conclusões a respeito.
Em animais mais complexos as capacidades espaciais podem se tornar ainda mais sofisticadas. Shettleworth (1983) relata
experiências realizadas com o pássaro "marsh tit". Este pássaro esconde sementes nos galhos de árvores, e é capaz de se lembrar durante
meses de milhares de locais de sementes armazenadas. As sementes são localizadas usando uma memória para coordenados espaciais.
Quando os marcadores dos coordenados (pedras por exemplo) são deslocados, os pássaros procuram sementes nos lugares errados; procuram
onde as sementes estariam se tivessem sido deslocadas junto com as pedras. Shettleworth argumenta que deve existir uma correlação entre o
hábito num pássaro de guardar comidas e a sua capacidade de memória (embora ninguém tenha ainda dados a respeito).
De forma semelhante, Milton (1988) argumenta que a capacidade para se navegar e memorizar a localização de fontes de comida é
uma das principais razões pela expansão do cérebro. Comparações entre diferentes espécies de primatas mostram uma correlação entre maior
dependência em frutas, e um índice de peso cerebral (corregido pelo tamanho do animal e a família). Ela explica que uma maior dependência
em folhas não exige grandes deslocamentos, nem grande memória, mas a procura de frutas exige uma memória boa quanto à época e local da
frutificação de árvores, e exige uma capacidade espacial mais sofisticada devido aos maiores deslocamentos.
Quanto à questão do tempo, podemos observar que já na abelha existe a capacidade de fazer cálculos de intervalos de tempo muito
exatos. Numa experiência, abelhas aprenderam a acreditar na associação de açucar com um cheiro de gerânio apenas durante 15 minutos
durante cada hora. Apareciam a um copo com o cheiro de gerânio apenas entre 15 e 30 minutos depois da hora, durante um dia inteiro.
Durante o restante da hora forrageiavam em outro local (Gallistel 1989).
O conceito de número tem sido examinado em vários mamíferos e aves. Estas pesquisas mostraram que os animais podem distingüir
entre quantidades diferentes. Por exemplo, a pomba discrimina entre 40 bicadas e 50 bicadas com uma exatidão de 90%. Os animais podem
também reconhecer a idéia de número como uma propriedade de um conjunto. Um papagaio, por exemplo, distingüe entre conjuntos em
termos de números, côres e material. Acerta quando apresentado com tres conjuntos diferentes e perguntado qual que tem um número
diferente, mesmo se dentro de cada conjunto há objetos de côres ou materiais diferentes (Pepperberg 1991, e citado em Linden 1993). Uma
chimpanzé aprendeu não só a dar símbolos para diferentes números, mas a contar, e dar a soma de dois números de 0 até 3 representado pelos
números arábicos (Boysen e Berntson 1989). Gallistel (1989) observa que muitos animais conseguem ajustar as suas estratégias de forrageio
de acordo com as circunstâncias e de uma maneira que otimiza o retorno. Ele argumenta que isto implica que alguns cálculos que comparam
tempo e quantidade estão sendo feitos. Mas é preciso ainda esclarecer o nível de sofisticação mental exigida para um forrageio otimizante.
Algumas das pesquisas mais impressionantes quanto à cognição animal lidam com as maneiras como os animais solucionam novos
problemas. J. Gould (1979) confessa a sua incapacidade em entender como as abelhas conseguem resolver problemas que nunca poderiam ter
sido objeto da seleção natural. Ele notou que as abelhas de mel evitam tirar nectar das flores de alfalfa porque esta flor possui uma antera que
machuca as abelhas. No entanto, com a agricultura intensiva existem lugares onde não há escolha, e as abelhas precisam tirar o nectar destas
flores. Estas abelhas aprendem a fazer um buraco ao lado da flor sem entrar nela. Ou se trata de uma seleção natural muito recente, ou as
abelhas possuem capacidades para solucionar problemas muito mais sofisticados que se imaginava.
Outros animais também impressionam. Griffin (1992) cita o caso de um castor que tentou concertar uma barragem. Como os
materiais necessários não estavam disponíveis, o castor inovou com outros materiais. Como a primeira tentativa não deu certo, o castor
adotou outra estratégia. Finalmente, desistiu e voltou para o alojamento. No outro dia, ao sair pela primeira vez do alojamento, fez uma coisa
totalmente inédita. Tirou um pau do alojamento e o levou para a barragem para fazer o concerto. Segundo Griffin trata-se de experiências e
soluções totalmente novas na vida do castor. Seria difícil explicar este comportamento sem pensar em planos conscientes.
Experiências mais controladas também sugerem que alguns animais conseguem analisar situações inéditas e inventar soluções
inovadoras. Heinrich (1993) realizou experiências com duas espécies de corvídeos -- corvos e ravens, tanto silvestres como domésticos. Ele
amarrou um pedaço de carne numa corda e a pendourou de um pau. Os corvos primeiro voavam pela carne e tentavam pegá-lo sem sucesso.
Bicaram na corda perto de onde estava amarrado no pau, mas, dentro de 15 minutos desistiram. Mesmo repetindo com vários tipos de carne
durante 30 dias os corvos nunca tiveram sucesso, embora mostrassem interesse. Mas com os ravens a situação foi outra. Como descreve
Heinrich após as primeiras tentativas dos ravens de voar pela carne: "À diferença dos corvos, eles continuavam a olhar [a carne], como se
estivessem estudando a situação. Depois de umas seis horas um dos ravens pousou de novo no pau, se esticou para baixo para puxar um
pedaço da corda, pisou em cima, e continou a repetir toda a seqüência de puxar-pisar-soltar da boca-puxar-, até alcançar a carne. Fiquei
estarrecido; sabia que o pássaro não tinha treinado nada, porque tinha observado os ravens sem parar durante seis horas" (Heinrich 1993,
p.55). Numa outra experiência com a cabeça de uma ovelha pendurada, que seria pesada demais para puxar, os ravens não tentaram sequer
uma vez puxar a corda, embora gostassem da carne.
Várias experiências mostram que chimpanzés conseguem construir mentalmente uma seqüência de etapas para resolver um
problema. Por exemplo, Rensch e Dole (1967) colocaram um prêmio numa caixa fechada, e exigiram que o chimpanzé passasse por vários
procedimentos para abrí-la. Um bonobo (chimpanzé pigmeu) resolveu sem dificuldade um problema ainda mais complexo. Uma comida
preferida foi colocada dentro de uma caixa, cuja chave estava numa segunda caixa fechada com uma corda. Dentro da sua jaula o bonobo
tinha alguns pedaços de flint. Ao bater estas pedras no chão da jaula, o bonobo criou duas lascas afiadas. Com uma destas, conseguiu cortar a
corda, pegar a chave, e conseguir a comida (Linden 1993). Os chimpanzés são conhecidos pelo seu uso de ferramentas. Por exemplo, na
Costa de Marfim chimpanzés usam pedras de granite com pequenas cavidades para quebrar nozes, e um pesquisador observou uma mãe
ensinar aos seus filhos esta arte (Linden 1993).
Estas pesquisas tornam mais acreditável a idéia de que diferentes animais podem lançar hipóteses, no sentido de criar modelos
mentais a partir de analogias com experiências anteriores, para resolver novos problemas. Nesta luz, é tentador repensar uma pesquisa
realizada há muitos anos por Skinner (1948). Skinner queria ver o que aconteceria com pombos já acostumados a realizarem tarefas para
ganhar comida, quando o recebimento desta comida era completamente arbitrário, sem nenhuma relação com qualquer coisa que os pombos
pudessem fazer. Os resultados desta pesquisa surprenderam o pesquisaor e foram publicados num artigo curto com o título "Superstição no
Pombo". Quando o recebimento da comida se tornou completamente incontrolável, os aniamis passaram a fazer coisas estranhas como andar
em círculos, ou colocar a cabeça num cantinho da gaiola. Como estes animais já tinham passado por outras experiências behavioristas, não
seria estranho imaginar que estavam tentando achar algo que daria comida. Não tendo sucesso, acabaram simplesmente se fixando numa
estratégia que por casualidade estava a mão. No próximo capítulo voltarei para este estudo para falar da evolução da magia.
Representando o Meio Social. Como o sucesso em termos de reprodução é o critério chave para avaliar adaptação, alguns pesquisadores tem
sugerido que as capacidades mentais mais importantes para um animal seriam aquelas que ajudam um macho a convencer uma fêmea a
copular e que ajudam uma fêmea a avaliar um macho com boas qualidades. Esta capacidade seria importante para qualquer animal que se
reproduz via contatos sexuais (Fouts 1991). Para animais que vivem em sociedade, poderia ainda haver mais vantagens por tras de uma boa
capacidade para manipular a situação social.
Vários insetos, como diferentes espécies de abelhas, cupins e formigas, vivem em sociedades complexas. Uma das conseqüências
deste convívio social tem sido o desenvolvimento de formas sofisticadas de comunicação. As "danças" comunicativas das abelhas de mel são
especialmente impressionantes. Por exemplo, quando há discordâncias quanto à localização de uma nova colmeia, abelhas individuais visitam
os locais apontados pelos outros e voltam para contribuir a sua opinião à formação de um "consenso" do grupo (J. Gould 1979). Mas há uma
limitação muito grande na sociabilidade dos insetos. Como observa Wilson (1980), os insetos reconhecem diferentes castas, mas não
reconhecem indivíduos diferentes. Isto tem implicaões evolucionárias profundas, pois implica que as abelhas não tem como "manipular" de
forma maquiavélica os seus pares. Não se comunicam a respeito dos seus pares. Não desenvolvem mecanismos para enganar ou para detectar
enganos individuais. Não "fofocam".
As sociedades de mamíferos não demonstram o altruismo e a organização "perfeita" das sociedades de insetos. Mas, em
compensação, mostram uma atenção especial às diferenças individuais. Hierarquias de dominância levam em conta as características
individuais de cada, como força física, ligações com redes de parentesco, e capacidades de manipular os outros. Um indicativo da importância
destas relações sociais é a curiosidade que os animais têm a respeito dos seus pares. Numa pesquisa com macacos, Butler (1975) mostrou que
como prêmio, estes preferiam, mais do que uma comida benquista, a possibilidade de ver alguma coisa, especialmente outro macaco, ou pelo
menos um ser humano. Vários pesquisadores da cognição animal salientam que este interesse na vida social é mais importante para o
desenvolvimento da cognição do que qualquer necessidade de lidar com o ambiente físico. Humphrey (1988, p.24) por exemplo, argumenta
que a nossa herança primata nos deixou tão preocupados com o meio social que mesmo quando precisamos tratar com objetos, os tratamos
como se fossem outras pessoas: "Men expect to argue with probelmas rather than being limited to arguing about them" [Os homens
imaginam discutir com os problemas em vez de ficarem limitados a discutirem a respeito deles]. Jolly (1988, p.363) usa a mesma
argumentação para concluir que nós temos uma predisposição para acreditar que as coisas também têm vontades e intenções. Nas suas
palavras: "A mente humana é basicamente teleológica".
As pesquisas de Dasser (1988) com macacos "macaques de cauda comprida" e de Cheney e Seyfarth (1988) lembram a tentativa de
Durkheim (1915) de derivar princípios lógicos (como a contradição) de laços sociais. Usando slides de macacos conhecidos pelos sujeitos
das experiências, Dasser mostrou que os macacos podiam entender as "relações entre relações". Ou seja, os macacos conseguiam escolher
apenas relações de mãe/filha de um conjunto de outras relações sociais, como "irmão/irmã", ou "primo/primo". Cheney e Seyfarth (1990)
revisaram várias pesquisas que usavam técnicas parecidas para mostrar a capacidade de fazer analogias, como: indivíduo A (uma mãe) é a
indivíduo D (a sua filha), como a fêmea G, e a ? (escolhas entre irmã, prima, filha, e não-parente). Cheney e Seyfarth também citam
observações etológicas como exemplos de raciocínio lógico relativo à relações sociais. O reconhecimento dos detalhes de hierarquias de
dominância, mesmo sem ter tido observado contatos diretos entre todos os membros da hierarquia, sugere que diferentes animais entendem a
noção de transitividade (a idéia de que se A>B, e B>C, então A>C).
Se estas capacidades foram selecionadas para poder lidar com relações sociais ou com o meio ambiente ainda precisa ser
esclarecido. De toda maneira parece que há uma generalização destas capacidades. Usando objetos físicos, por exemplo, chimpanzés
conseguem fazer analogias complexas que dependem de critérios variados de classificação. Por exemplo, uma chimpanzé consegue resolver
problemas do tipo "faca é à maçã, como tesoura é a ? (resposta=papel) (Jolly 1988).
Uma das maiores preocupações de muitos etólogos cognitivos tem sido o esclarecimento da capacidade de diferentes animais em
entender as intenções dos outros. Em parte este interesse decorre de um interesse maior em entender a construção de modelos mentais a partir
de outros modelos mentais. Trata-se do problema de níveis de "consciência", ou de meta-níveis de abstração. A idéia básica é de saber até
que ponto um animal pode pensar recursivamente (por exemplo, imaginar relações entre relações de relações, ou pensar sobre o pensar sobre
o pensar, etc.). Os pesquisadores na área de inteligência artificial (Méro 1990; Wagman 1991; Hofstadter 1985) encaram esta questão como a
chave da inteligência. É o pensamento recursivo que está por tras do nosso pensamento formal, que permite, por exemplo, que passemos do
conceito de número, para os conceitos de adição e subtração, para os conceitos de "operações matemáticas", etc. No caso de relações sociais
isto se traduz em saber se um animal pode pensar coisas como: "Eu sei que você pensa que eu quero que você acredite que eu vou no mato".
Para muitos etólogos cognitivos, a recursividade fica mais a mostra no caso de táticas de engano. A natureza está cheia de exemplos
de coisas que não são o que aparentam ser. Até existem plantas que "fingem" ser outras coisas, ou que enganam insetos na polinização, ou
evitam predadores. No mundo animal há muitos exemplos de animais que "imitam" outros animais nocivos, como cobras venenosas ou
borboletas com gostos desagradáveis. A questão é saber até que ponto estes enganos envolvem intencionalidade da parte do animal que
engana.
Podemos perceber diferentes níveis de abstração nos diferentes tipos de engano. A borboleta que "imita" outra provavelmente nem
sabe que está imitando outra, e não percebe o efeito que isto tem sobre os predadores. No caso de uma cobra que finge estar morta, Burghardt
(1991) mostrou que a cobra presta atenção ao "predador", observando até o seu olhar. Os pássaros de praia, "plover" são muito atenciosos aos
movimentos de potenciais predadores perto dos seus ninhos, e utilizam diversas táticas para desviar a atenção destes para que se afastem do
ninho. Fazem distinções entre diferentes tipos de predadores, e observam os tipos de movimentos que fazem. Aprendem a distingüir entre
diferentes indivíduous da mesma espécie (seres humanos) a partir de comportamentos expressos por estes anteriormente, e ajustam as suas
táticas para desviar a atenção dos predadores de acordo com estas observações (Ristau 1991). Apesar da óbvia atenção dada aos "predadores"
nestes dois casos, ainda não fica claro se o animal reconhece apenas os efeitos que o seu comportamento tem sobre o outro, ou se possui uma
"teoria da mente" do outro. Cheney e Seyfarth (1990) fizeram outras observações com macacos vervet. Estes macacos às vezes fazem
chamadas "de alerta contra leopardos" que servem para enganar os outros, por exemplo quando estão numa batalha entre dois grupos. Neste
caso o alerta faz com que todos os macacos dos dois grupos corram para as árvores, efetivamente terminando a batalha. Os pesquisadores
observaram que o macaco que dá o alerta também corre para as árvores. Mas logo desce e anda como se não tivesse passado nada. Parece que
sabia do efeito que o seu alerta teria sobre os outros, mas não entendeu que a sua ação posterior logicamente desmentiria o blefe. E os outro
macacos também não percebem esta inconsistência lógica! Parece que o raciocínio não vai muito longe. A partir destas observações e
experiências mais sistemáticas, Seyfarth e Cheney (1992) concluiram que os macacos não conseguem reconhecer os estados mentais dos
outros.
O caso do chimpanzé é outro. Por exemplo, numa experiência, Menzel (1988) dava informação sobre a localização de comida para
uma chimpanzé baixa na hierarquia social. No início ela ia diretamente para a comida, mas quando percebeu que um macho dominador
sempre lhe roubava esta comida, ela começou a usar táticas para disfarçar. Andava longe da comida para atrair o macho dominador numa
direção errada e depois corria de volta. O macho dominador logo entendeu o jogo e não se deixava mais enganar. Então a fêmea atraia o
macho para o esconderijo de uma quantidade menor de comida, e esperava que o macho o descobrisse. Nesta hora ela corria para outro
esconderijo onde havia uma quantidade maior de comida. Mas o macho logo entendeu esta tática também. Havia uma longa seqüência de
disfarces cada vez mais complexas, e de descobertas destas disfarces.
Whiten e Byrne (1988) fizeram um levantamento de tipos de engano relatados por etólogos para espécies diferentes de primatas.
Classificaram as diferentes técnicas de enganar segundo o seu "meta-nível" e observaram exemplos de enganos "planejados". Entre os
macacos haviam muitos exemplos destes enganos, mas não havia evidência de que os animais entendiam o ponto de vista do outro. Apenas
entendiam as reações que provocariam. Os chimpanzés usavam estratégias que implicavam numa representação do ponto de vista do outro,
mas não usavam estratégias mais simples (talvez porque não funcionariam para enganar!). Mas mesmo entre os chimpanzés nem todos os
indivíduos demonstram a mesma capacidade de entender o ponto de vista do outro. Premack (1988) relata uma experiência na qual os
chimpanzés precisavam de um treinador para poder abrir uma caixa com comida. Quando o treinador chegava na área, os animais tentavam o
atrair para as caixas, andando na frente e olhando para trás para averiguar que ele estava os seguindo. Um dia o treinador ficou com os olhos
vendados, e não acompanhava os animais. Alguns animais, depois de tentar atrair o treinador com os gestos de sempre, voltaram e o puxavam
com a mão até as caixas, num processo que durou bastante tempo. Mas uma chimpanzé parece ter entendido o problema. Em vez de tentar
puxar o treinador, ela, sem hesitação, simplesmente tirou a venda dos seus olhos. (Será que sabia que estava só "brincando"?, ou acreditava
ela que ele realmente não podia tirar sozinho a venda dos olhos?)
Embora a questão de tentativas de enganar tenha recebido mais atenção, Mitchell (1990) observa que as mesmas questões quanto a
meta-níveis de "consciência" se aplicam às "brincadeiras" de animais. Animais podem demonstrar diferentes capacidades para decifrar as
intenções dos seus pares nas suas brincadeiras. Ele argumenta, por exemplo, que as brincadeiras de "fingir" consistem numa simulação dos
padrões de comportamento de outro animal. Chimpanzés imitam humanos ao fingir lavar uma boneca. Golfinhos imitam humanos ao fingir
limpar o seu tanque. Mais importante, um macaco pode deixar claro para outro macaco que o seu comportamento (por exemplo de briga) é
apenas fingimento. (Pode um macaco só fingir que está fingindo?) Na brincadeira, como no engano, o animal aprende que os sinais emitidos
por outros animais são apenas sinais e podem ser manipulados, falsificados, amplificados, negados. etc. As nossas noções de "verdade" e
"falso" provavelmente decorrem destas atividades. Afinal são as proposições e ações -- coisas comunicadas pelos outros -- que são "verdade"
ou não. É este tipo de comportamento que também estaria por tras da evolução da recursividade e da "consciência".
Já vimos que diferentes animais conseguem formular conceitos, elaborar mapas cognitivos, solucionar problemas novos, e pensar de
forma recursiva, possibilitando abstrações maiores. Gould e Marler (1991) argumentam ainda que muitos animais conseguem aprender via um
processo de "tentativa e erro cognitivo". Isto requer a capacidade para lembrar e juntar pedaços de informações aprendidas, e de recombinar
estas informações para formular novas soluções comportamentais. Para ilustrar esta idéia, eles citam uma experiência com ratos. Os ratos
foram primeiro treinados a descobrir num labirinto dois caminhos -- um que acabava numa caixa preta, e outro que acabava numa caixa
branca. Os ratos escolhiam os dois caminhos com igual freqüência. Depois, em outra experiência, as caixas branca e preta foram colocadas
lado a lado, mas os ratos recebiam um choque elétrico ao entrar na caixa preta e um prêmio ao entrar na caixa branca. Depois de aprender a
desgostar da caixa preta, os ratos foram devolvidos para o labirinto. Sem hesitação, os ratos escolhiam sempre o caminho para a caixa branca.
Parece que haviam juntado espontaneamente duas informações aprendidas -- os caminhos diferentes, e o desgosto para a caixa preta. Os
pesquisadores argumentam que esta experiência é melhor explicada se pressupomos que os ratos possuem uma capacidade para fazer
"experiências de pensar" nas quais simulam mentalmente o seu comportamento antes de agir. Muito do que chamamos de inteligência poderia
se basear nesta capacidade.
Comunicação Animal. A questão da comunicação simbólica entre animais tem recebido muita atenção. Vários chimpanzés, bonobos,
gorilas, e cetáceos tem aprendido a usar sistemas artificiais de comunicação baseados no uso de símbolos arbitrários (placas de computador,
placas de plástico) ou os símbolos gestuais do ASL, um idioma de surdo-mudos humanos. Na maioria das vezes tem sido seres humanos que
ensinaram estes "idiomas", mas há também casos de chimpanzés que aprenderam de outros animais (Fouts e Fouts, s.d.; Greenfield e Savage-
Rumbaugh 1990). Os resultados destas pesquisas têm sido o objeto de muito debate. Savage-Rumbaugh e Brakke (1990) observam que as
críticas eram válidas na medida em que demonstravam que as experiências originais deixavam muita margem de interpretação quanto ao
comportamento "lingüístico" destes animais. Experiênciias posteriores eliminavam estes problemas e deixavam claro que chimpanzés podem
se comunicar com uma gramática generativa e simbólica. Por exemplo, o bonobo, Kanzi, aprendeu a "falar" de uma forma "natural", sem
condicionamentos behavioristas, e passando pelas mesmas etapas lingüísticas que uma criança humana. Kanzi usou esta linguagem de forma
espontânea para comunicar a respeito de coisas não presentes, juntando palavras para formar novos pensamentos. Kanzi "falava" coisas como
"sala matata" indicando que queria encontrar com a sua mãe na sala geral, e não na área dela (Savage-Rumbaugh e Brakke 1990). Também
demonstrava que possuia (e inventava) regras de síntax que não foram treinadas nem influenciadas pelas expectativas dos treinadores
(Greenfield e Savage-Rumbaugh 1990). Como Greenfield e Savage-Rumbaugh esclarecem, é possível ainda argumentar que estes animais
não possuem uma linguagem, mas isto implica também em admitir que crianças humanas de dois anos e meio de idade também carecem de
linguagem. Premack (1988) sugere como regra geral, que se uma criança de tres anos e meia não pode fazer algo, então um chimpanzé
também não pode. Mas Pinker (1994) enfatiza que as crianças humanas entre 2,5 e 3,5 anos passam por um salto lingüístico, o que marca a
grande distância entre o que os chimpanzés conseguem fazer e o que o ser humano faz.
A conclusão a respeito de se estes animais possuem ou não uma linguagem, será sempre arbitrária. Dependerá do conceito de
"linguagem" que cada possui. A questão maior é saber como teria evoluído a capacidade lingüística. Premack desafia os seus colegas a
imaginar qualquer cenário que pudesse dar conta da capacidade lingüística humana em termos de aptidão evolucionária (citado em Beer
1986). Não poderei resolver esta questão, mas posso fazer algumas considerações a respeito. Primeiro, é importante lembrar que no cérebro
humano há lugares diferentes para o processamento da linguagem e para o processamento de conceitos. Que os animais entendem diferentes
conceitos como "côr", "número", "material", etc. sem poder comunicar estes conceitos demonstra de forma clara a importância de distingüir
entre conceitos e palavras. Também é importante reconhecer que animais como golfinhos e bonobos (e o ser humano) compreendem muito
mais do que são capazes de comunicar. Herman e Samuels (1990) observam que os golfinhos compreendem muito bem questões de síntaxe.
Entendem, por exemplo, a diferença entre as frases "leve a prancha à pessoa",e "leve a pessoa à prancha". Mas estes mesmos golfinhos não
conseguem produzir frases com uma síntaxe correta. A sua boa compreensão é ainda ressaltada quando os golfinhos recebem órdens sem
sentido. Os animais ignoram as palavras sem sentido dentro do contexto e tentam "fazer sentido" das demais palavras. Estas observações
ressaltam a importância de distingüir entre o que se entende e o que se pode falar, e mais importante, entre a linguagem e o conceito. Esta
mesma distinção talvez ajude também a esclarecer as diferenças entre a "semiologia" de Saussurre e a "semiótica" de Peirce. Saussure se
concentra na estrutura, e na arbitrariedade do signo, o que corresponde a linguagem própria. Peirce se concentra na construção de conceitos
(ou "mentalês" para usar a expressão de Pinker 1994).
Possivelmente, a evolução dos aspectos estruturais da linguagem humana (sintaxe, morfologia, fonologia, etc.) ocorre por razões
diferentes da evolução de conceitos. Acho boa a sugestão de Richmann (1993) de que encontraremos a chave da evolução da linguagem
própria na estrutura dos cantos de primatas, que em algumas espécies rivalizam os cantos dos pássaros, exibindo complexidades estruturais
impressionantes. Como aponta Pinker (1994), as áreas neurológicas associadas à linguagem correspondem a áreas de controle motor,
especialmente da boca e garganta de animais. Além disso, as áreas associadas à linguagem são vizinhas no cérebro humano. As áreas
associadas a produção de palavras, por exemplo, estão conectadas com as áreas associadas a sintaxe.
A chave da evolução de conceitos talvez se encontre em outro lugar. Givón (1989, p. 122-125), como Lorenz (1973) argumenta que
a extensão de ícones (eu diria conceitos) mais concretos para conceitos mais abstratos ou abrangentes ocorre em muitas situações diferentes.
Há, por exemplo, um contínuou entre o ato e o gesto em muitas interações "rituais" entre animais. Em vez de atacar, um animal pode 1)
apenas fazer um movimento corporal na direção de um ataque, 2) apenas abrir a boca numa ameaça, 3) apenas abrir mais as pálpebras, e 4)
apenas olhar fixamente, ou 5) apenas olhar. Podemos ver esta extensão também nos gestos dos bonobos. Rumbaugh et alii (1977) mostraram
que este animal comunica detalhes durante os encontros sexuais usando gestos para indicar movimentos que se deve fazer. Há um contínuou
entre as ações "concretas" até os gestos abstratos "simbólicos". O bonobo pode segurar uma perna da parceira e força-lá a adotar outra
posição, pode apenas tocar levamente na perna, indicando que ela deve fazer estes movimentos, ou pode simplesmente fazer um gesto com o
braço que "representa" o movimento que ela deve fazer. Lorenz (1973) cita uma experiência com chimpanzés para ilustrar a sua idéia sobre a
evolução do "símbolo". Nesta experiência era necessário puxar os dois pontos de uma corda para conseguir um prêmio. Mas, devido à
distância dos pontos, um chimpanzé sozinho não conseguiria fazer isto. Um chimpanzé refletiu sobre a solução, e correu para o outro. Fez o
gesto de puxar a corda enquanto olhava o outro chimpanzé, e depois voltou para o seu lado da corda, e os dois puxando simultâneamente
conseguiram a comida. Para Givon, a própria linguagem humana segue seqüências parecidas do ícone mais concreto, mais próximo ao
sensível, para o "símbolo" mais abstrato, derivado do ícone.
Extensões conceituais diferentes podem resultar em diferenças no significado de diferentes gritos em grupos diferentes de uma
mesma espécie. Através de uma série de experiências realizadas em campo, Cheney e Seyfarth (1990) examinaram o significado de diferentes
gritos de macacos vervets. Eles notaram que estes gritos tem significados parecidos em diferentes grupos, mas com algumas diferenças
também. Por exemplo, o grito que significa apenas "leopardo" num grupo de macacos significa "qualquer predador terrestre" em outro grupo.
Provavelmente trata-se de limitações de conceitos originais, pois Gould e Marler (1991) observam que filhotes entre os vervets tipicamente
gritam para uma grande variedade de fenômenos, e, através da observação, aprendem a limitar o grito a fenômenos mais específicos. Por
exemplo, gritam por causa da queda de folhas, uma garça, ou um gavião, até aprenderem a limitar o grito ao caso dos gaviões. Entre os
vervets, há também maior semelhança de significado entre alguns gritos do que entre outros. Os pesquisadores notaram que dois gritos
foneticamente muito distintos tem significados parecidos. Animais habituados a ignorar um destes gritos quando feito por um indivíduo,
aprenderam também a ignorar o outro grito com significado parecido. Mas não ignoravam gritos com significados diferentes deste mesmo
indivíduo.
Estas experiências nos forçam a refletir um pouco sobre o que entendemos por "comunicação simbólica". É evidente nos casos da
comunicação animal que os diferentes gritos tem uma certa arbitrariedade na medida em que representam conceitos parcialmente aprendidos,
e que variam de grupo para grupo. Há também evidência que os animais conseguem pensar em coisas não presentes. Seria enganoso, então,
fazer uma grande distinção entre o "signo" (que teria uma relação totalmente arbitrária com o seu referente, às vezes ausente) da comunicação
humana, e o "ícone" (que teria uma relação não-arbitrária com o referente sempre presente) da comunicação animal. Provavelmente, estamos
lidando com dois fenômenos diferentes que existem até certo ponto, tanto nos animais como nos seres humanos. Tambem, no próximo
capítulo apresentarei evidência de que entre os seres humanos, os conceitos e as palavras possuem ambos, elementos não-arbitrários e
arbitrários.
Estas reflexões sobre linguagem nos remetem à questão da "cultura". Podemos falar em "culturas" em sociedades não-humanas? Se
não exigimos do conceito de cultura o uso de uma linguagem totalmente simbólica, diria que sim. Como sugerem Burghardt (1990) e Whiten
e Byrne (1989) animais de diferentes grupos podem ter diferentes "rules of thumb" (regras gerais) que organizam comportamentos rotineiros.
Num grupo de chimpanzés a rotina pode envolver uma tecnologia de paus para buscar cupins, outro grupo pode usar pedras para quebrar
nozes. Um grupo de animais pode ser completamente dominado por um líder tirânico, outro grupo pode ter uma rotina mais "igualitária", ou
"democrática". Exemplos de como animais aprendem estas rotinas via observação, ou ensinamentos diretos mostram a flexibilidde destas
rotinas e a sua transferência de geração para geração. Jolly (1990) relata casos de chimpanzés filhotes que observam as mães e imitam na
imaginação os seus gestos. Hauser (1988) descreve todo o processo de aprendizagem via observação entre macacos vervets. Ristau (1990)
relata casos de pássaros que aprendem a atacar certas fíguras ao observarem outros pássaros fazerem isto. Gould e Marler (1991) relatam um
caso de pássaros que aprenderam numa experiência de laboratório a atacar um pássaro inócuo. O hábito de atacar este pássaro inócuo foi
transmitido para as novas gerações quando os jovens observavam esta atividade por parte dos seus pais. Herman e Morrel-Samuels (1990)
acrescentam o caso de comportamentos aprendidos e compartilhados por diferentes grupos de baleias. Tratando-se de esquemas, ou roteiros
aprendidos e compartilhados por indivíduos de um grupo, não podemos falar em "cultura".
Para alguns autores (Visalberghi e Fragaszy 1990; Tomasello 1990) as noções de "imitação" e "aprendizagem social" são necessárias
para se ter um conceito de "cultura". Neste sentido, podemos questionar se os animais tem cultura. O que muitos etólogos tem chamado de
"imitação" consiste na realidade em "facilitação social", o que consiste em chamar atenção para um objeto ou técnica. Os animais que
observam este comportamento não "imitam", senão, simplesmente experimentam com a técnica ou o objeto até achar uma "solução" parecida
com aquela do animal observado.
O caso do tit (parus) ilustra esta idéia. Nos anos 30, alguns destes pássaros descobriram como abrir as tampas das garrafas de leite
entregues nas casas inglesas. O "costume" de abrir estas garrafas se espalhou pouco a pouco para toda a Inglaterra. Obviamente, tratava-se de
um costume aprendido, e depois transmitido de um animal para outro. Na época parecia que os tits aprendiam via a observação. Tinha-se a
impressão que qualquer comportamento poderia ser aprendido via observação direta. No entanto, experiências posteriores esclareceram esta
questão. Imitação teria ocorrido se os animais tivessem repetido todos os detalhes da seqüência observada para abrir as garrafas. Facilitação
social ocorreria se os animais adotassem a "idéia geral" via observação, mas resolvessem os detalhes via tentativa e erro. No caso dos tits
parece que foi a facilitação social que explicava o espalhamento do costume de abrir as garrafas. Ao observar um pássaro abrir uma garrafa,
outro se 'inspirava" a tentar. Mas os detalhes do procedimento variavam de um pássaro para outro. Interessante é que as diferentes maneiras
de abrir se baseiavam todas em técnicas diferentes usadas normalmente para adquirir comida. Os pássaros passavam pelo seu repertório
habitual de roteiros para adquirir comida até descobrir um que funcionava (Griffin 1992: 39-43). Pressupunha-se que muitos destes roteiros
habituais eram relativamente fixos. Como veremos no próximo capítulo, eu argumento que o ser humano também não "imita" senão também
aproveita a "facilitação social".
Most philosophers and logicians are convinced that truths of logic are 'analytic' and a priori; they do not like to think that such basic ideas
are grounded in mundane, arbitrary things like survival. They might admit that natural selection tends to favor good logic -- but they would
certainly hate the suggestion that natural selection defines good logic.
[A maioria dos filósofos e lógicos estão convictos de que as verdades da lógica são 'analíticas' e a priori; não gostam de pensar que idéias tão
básicas sejam baseadas em coisas mundanas e arbitrárias como a sobrevivência. Poderiam admitir que a seleção natural tende a favorecer
uma boa lógica -- mas com certeza odiariam a sugestão de que a seleção natural define a boa lógica.]
Douglas Hofstadter (apud Méro 1990, :211)
Não sei se a maioria dos filósofos hoje em dia concordaria com a caracterização de Hofstadter. Muitos tem participado ativamente
na explosão de pesquisas sobre cognição nas últimas décadas. Estas pesquisas tem modificado muito as nossas noções do pensamento
humano -- o seu desenvolvimento, a sua relação com linguagem, a importância de "roteiros sociais" (social scripts), o raciocínio dedutivo, e a
abdução. Este capítulo visa revisar um pouco estas pesquisas no intuito de angariar elementos que possam ajudar a entender as possibilidades
e limitações deste pensamento.
O Desenvolvimento Cognitivo
A continuidade entre a cognição animal e humana é especialmente evidente nos primeiros anos de vida. Vários pesquisadores têm
examinado a acquisição das etapas piagetianas de desenvolvimento sensorimotor em diferentes primatas. Na teoria piagetiana, as crianças
devem passar por uma série de etapas, cada uma caracterizada pelo primeiro aparecimento de uma capacidade cognitiva nova. Piaget divide o
primeiro nível de desenvolvimento -- o sensorimotor -- em seis etapas: Na primeira são desenvolvidas capacidades "reflexivas." O reflexo de
sugar, por exemplo, é aperfeiçoado na medida em que a criança reconhece o contato da bochecha com o mamilo e vira a cabeça para poder
sugar o mamilo. A criança aprende também a seguir com o olhar um objeto em movimento lento. Segundo Piaget, a criança nesta etapa não
reconhece "objetos" com substância ou permanência, mas vive num mundo de fenômenos, alguns dos quais a criança consegue provocar
(como aproximar a boca ao mamilo).
Numa segunda etapa a criança aprende a coordenar os esquemas adquiridos na primeira. Antes, a criança só sugava o polegar
quando este chegava, por casualidade, perto da boca. Pouco a pouco a criança aprende a aproximar a mão à boca. Também aprende a ligar o
visual com o tátil, olhando para um objeto colocado na sua mão, por exemplo. Com o tempo, só a vista de um objeto basta para que a criança
tente agarrá-lo.
Na terceira etapa (que dura de 4 a 9 meses de idade), a criança começa a repetir ações para produzir diferentes efeitos. Por exemplo,
bate repetidas vezes num brinquedo para vê-lo em movimento. Nesta etapa a criança parece ter metas -- querer produzir diferentes efeitos -- e
parece reconhecer "objetos" e não só fenômenos, pois pode voltar a bater num objeto depois de ter se deslocado. Segundo Piaget, isto sugere
uma certa permanência do "objeto." No entanto, a criança reconhece este "objeto" apenas em termos dos "esquematas" usados para invocá-lo.
Por exemplo, se um objeto é removido, a criança repete as suas ações (como extender a mão) numa tentativa de recuperá-lo. Mas não
procurará o objeto no espaço. Segundo Piaget, também não reconhece o objeto se virado em outra posição, e perde interesse se os objeto é
escondido atrás de um pano. Age como se o objeto tivesse desaparecido.
Na quarta etapa a criança aprende a perceber um objeto em diferentes posições e a explorar estas diferentes posições, olhando o
objeto por diferentes ângulos, por exemplo. Também a criança procura um objeto que se moveu. Ainda quando um objeto desejado é
parcialmente obstruído por outro, a criança aprende a deslocar a obstrução. Mas a criança tem dificuldade com níveis de abstração maiores.
Por exemplo, embora busque um objeto desejado escondido atrás de um travesseiro, ela não busca este mesmo objeto escondido depois em
outro local. Em vez disso, procura ainda atrás do travesseiro. Parece não ter entendido a noção de "esconder", mas volta a acionar o esquema
que recuperava o objeto da primeira vez.
Na quinta etapa a criança começa a realizar pequenos experimentos para ver o que o objeto pode fazer. Segundo Piaget, isto exige
outro nível de abstração, pois a criança começa a perceber o objeto como tendo propriedades próprias, e não apenas como sendo algo que
aparece quando a criança aciona algum esquema. A criança pode deixar um objeto cair repetidas vezes para observá-lo, ou pode colocá-lo em
posição para se rolar, etc. É nesta etapa que a criança também aprende a relação entre objetos. Por exemplo, aprende que um objeto pode não
passar pelas grades do seu berço porque o objeto (e não só a mão) é barrado pela grade. É também nesta etapa que a criança aprende a usar
um objeto para adquirir outro -- por exemplo, puxar uma toalha para obter o brinquedo que estava em cima.
É na sexta etapa que a criança aprende a simular eventos, isto é, imaginar seqüências de ações sem a necessidade de vê-las antes. A
criança consegue representar a direção da casa sem poder ver a casa. É o período em que começa a linguagem.
As passagens para os outros níveis de desenvolvimento (pre-operacional, operações concretas, e operações formais) que sucedem a
esta primeira fase envolvem os mesmos princípios: Com a experiência a criança aprende certas regularidades, abstrai em cima destas
regularidades, abstrai em cima destas regularidades já abstraídas, etc. Um exemplo seria a seqüência de reconhecer objetos, depois reconhecer
números de objetos, depois reconhecer relações entre números (como somar, subtrair), e depois reconhecer relações entre estas relações
(como a noção de operações matemáticas, por exemplo).
Esta seqüência de capacidades cognitivas tem sido examinada em muitas sociedades diferentes. Como observam Ember (1977) e
Dasen e Heron (1981), encontramos as mesmas seqüências no aparecimento destas capacidades nas mais diversas culturas, embora as idades
em que aparecem possam variar um pouco. Isto é o caso das etapas sensorimotoras, pre-operacionais, e de operações concretas. Mas não é o
caso da etapa de operações formais (que ocorre só na adolescência na nossa cultura, e não parece ocorrer em outras culturas). Há também
variações no que Piaget chamava de décalages horizontales dentro de um mesmo nível cognitivo. Por exemplo, pesquisas comparativas
mostraram que, na idade das operações concretas, crianças aborígenes da Austrália eram melhores em tarefas espaciais, enquanto crianças
europeias eram melhores em tarefas de conservação de líquidos. Dasen e Heron (1981) argumentam que os aborígenes davam mais
importância a relações espaciais (devido à necessidade de sempre se localizar no deserto), enquanto crianças europeias não tinham esta
necessidade.
Mais impressionante é que a mesma seqüência de etapas sensorimotoras também ocorre em vários primatas como macaques, cebus,
gorilas (Antinucci 1989) e chimpanzés (Spinozi 1993). Ainda os últimos níveis de desenvolvimento cognitivo atingidos por diferentes
famílias de primatas correspondem (com algumas excessões) a relações filogenéticas (Parker 1985). Lórises e lemures demonstram a
tendência a agarrar reflexivamente, característica das duas primeiras etapas de desenvolvimento sensorimotor, mas nunca demonstraram as
capacidades características da quarta ou quinta etapa de desenvolvimento sensorimotor (Box 1984, :195). Já os gorilas e cebus chegam aos
níveis 5 e 6 em algumas áreas de desenvolvimento sensorimotor. Outro contraste: os macaques e os cebus conseguem organizar conjuntos de
objetos baseados num único critério (que pode variar), mas não chegam a fazer classificações baseadas simultaneamente em dois critérios
diferentes. Os chimpanzés conseguem (Spinozi 1993).
As poucas diferenças entre primatas e seres humanos, quanto às seqüências piagetianas, são explicáveis não em termos de caminhos
de desenvolvimento cognitivo diferentes, mas em termos de diferenças no desenvolvimento físico. Os bebés humanos não conseguem agarrar
objetos até depois de poderem coordenar movimentos manuais com a visão, mas os gorilas (Spinozi e Natale 1989) e os cebus (Spinozi
1989) agarram objetos antes de poder coordenar a visão com os movimentos manuais. Isto porque estes animais agarram objetos com a boca.
O bebé humano, nesta mesma etapa, não possui a capacidade física para isto.
Piaget conseguiu achar tarefas que formam uma seqüência em termos de dificuldade para crianças no mundo inteiro, e até para
outros animais. Isto já é uma grande realização. Mas há discordância sobre a interpretação destes dados. Anderson (1990) questiona a
explicação piagetiana quanto à incapacidade da criança em achar objetos escondidos e depois transferidos na quarta etapa do nível
sensorimotor. Ele sugere que não se trata de uma incapacidade em reconhecer a substancialidade do objeto ou a sua permanência. Trata-se
apenas de limitações de memória. Isto se vê pelo fato da criança procurar o objeto com probabilidade igual atrás de qualquer pano (ou
travesseiro), mesmo um terceiro que nunca estava associado ao objeto. Da mesma maneira, a incapacidade em reconhecer a conservação de
matéria na etapa pré-operacional pode ser interpretada como resultado de uma confusão devido a estímulos estranhos (copos de formas e
tamanhos diferentes por exemplo). Além de pesquisas da nossa sociedade, pesquisas em outras culturas também apoiam esta posição.
Pessoas de diferentes culturas "passam" o teste de conservação da matéria quando são usados materiais conhecidos (como barro entre
oleiros), mas não "passam" estes testes quando são usados materiais diferentes (Cole e Scribner 1974). Possivelmente, o uso de materiais
familiares implica em menor desvio de atenção da tarefa. Assim, para Andersen, alguns destes desenvolvimentos cognitivos podem consistir
simplesmente em melhorias na memória ou na capacidade de processar mais informações ao mesmo tempo e não em mudanças conceituais.
Outro questionamento da teoria piagetiana vem de McKenzie (1990). Ele cita pesquisas que comparam o interesse (indicado pelo
tempo de olhar) de neo-natos. Os neo-natos reconhecem as diferenças entre trapezoides e quadrados mesmo quando apresentados em ângulos
diferentes. Isto sugere que já nascem com uma certa capacidade para construir "objetos." Assim, os objetos não seriam construídos só a partir
da experiência. Pinker (1994, :424) relata ainda outras pesquisas semelhantes que mostram que os neo-natos não apenas reconhecem objetos,
mas também entendem a interação entre dois objetos que se colidam, e distinguem entre a interação de objetos e de seres vivos (que não se
colidam).
Também questionando Piaget, Kagan (1972) mostra que crianças com nove meses de idade conseguem elaborar hipóteses simples,
no sentido de reconhecer padrões (neste caso padrões musicais), e criar expectativas a respeito do próximo elemento numa seqüência. Dentro
da visão piagetiana, isto só deveria ocorrer muito depois.
Para resumir, o desenvolvimento cognitivo de crianças humanas é parecido no mundo inteiro e tem muitos pontos em comum com o
desenvolvimento cognitivo de animais, e especialmente dos macacos grandes. As etapas de desenvolvimento elaboradas por Piaget têm sido
muito estudadas e recebem muito apoio. No entanto, há razões para duvidar se a construção do pensamento procede de acordo com a teoria
piagetiana. Algumas capacidades consideradas construídas via experiência por Piaget parecem ser inatas (como a capacidade para reconhecer
formas),. e outras capacidades (como para formular hipóteses) aparecem cedo demais. Talvez fosse mais adequado encarar o
desenvolvimento cognitivo como sendo uma "bricolagem", que junta algumas capacidades mais específicas pré-programadas, e outras
capacidades mais gerais que permitem maior diversidade na aprendizagem. À diferença da teoria sistemática e consistente de Piaget, a tal
bricolagem seria mais típico do oportunismo da seleção natural.
A Linguagem
Como aponta Pinker (1994) há centenas de universais lingüísticas -- alguns absolutos, outros mais uma questão de preferências. Um
exemplo de um universal absoluto é que aparentemente nenhum idioma coloca objeto--sujeito--verbo nesta órdem. Também, em todos os
idiomas os adjetivos ficam próximos aos substantivos que descrevem (Anderson 1990). Muitos universais tomam a forma de implicações. Por
exemplo, se um idioma possui fonemas nasais, possuirá também fonemas não-nasais. Outros "universais" tomam a forma de aparentes
preferências universais. Por exemplo, se a órdem básica num idioma é sujeito-verbo-objeto (p.ex. português ou inglês), então o idioma terá
preposições e geralmente colocará palavras para formar perguntas no início da frase. Se a órdem básica é sujeito--objeto--verbo (p.ex. japonês
ou caiapó), então o idioma terá pós-posições. Também, geralmente os tópicos (os contextos já conhecidos) precedem os comentários, e
informação antiga precede informação nova (Givon 1989, :222-223).
Slobin foi um dos primeiros a argumentar que o "aparelho de aquisição lingüística" consiste em procedimentos para aprendizagem
que dão preferência a algumas estruturas acima de outras. Partindo de análises de aprendizagem em uns quarenta idiomas diferentes, Slobin
sugeriu a existência de sete '"princípios" (universais) que orientam a aprendizagem.1) preste atenção particular ao final das palavras. Só se
não encontra o significado no final é que se deve procurar no início. Por isto os locativos húngaros (que ocorrem depois) são mais fáceis que
os locativos serbo-croatos (que ocorrem antes). Outros princípios universais incluem 2) preste atenção particular à órdem das palavras e
morfemas, 3) evite interrupção ou rearranjos de unidades lingüísticas, 4) marque claramente relações semânticas, 5) evite excessões, 6)
procure o sentido semântico nas marcas gramaticais, e 7) sente-se livre para modificar sistematicamente as formas fonológicas das palavras.
A existência de "preferências" universais fica também aparente no estudo dos "erros" feitos por crianças ao falar. Por exemplo, todos
tem observado o uso do princípio 5 (evite excessões) na fala de crianças -- "eu sabo". As preferências universais também ficam aparentes nos
idiomas "crioulos" de diferentes lugares do mundo. Estes idiomas se originam quando são juntadas pessoas de muitos grupos lingüísticos
diferentes (por exemplo na escravidão). Para se comunicar entre si, na primeira geração, os adultos desenvolvem um tipo de idioma
comhecido como "pidgin" que é limitado no tipo de mensagens que podem ser transmitidos. Geralmente os "pidgin" se baseiam no idioma
dos patrões. Mas as crianças nestas comunidades lingüísticas começam a desenvolver um idioma completo, que junta elementos dos
diferentes grupos lingüísticos. Como observa Bickerton (1985) todos os idiomas "crioulos" do mundo possuem algumas características em
comum, que correspondem justamente aos "erros" ou às primeiras formas de falar de crianças. Por exemplo, todos evitem excessões. Também
(de acordo com a regra 3 de Slobin), estes idiomas não modificam a órdem de palavras para transformar declarações em interrogações. Estas
transformações são feitas através da intonação. (Em inglês se transforma "he went to the store" para "did he go to the store?", mas as crianças
primeiro usam a intonação: "he went to the store?". Em português só existe a opção da intonação.) Além disso, todos usam duplo negativo
(em inglês considerado errado, mas comum na fala de crianças, mesmo aquelas que nunca escutarm algo como "I no want nothing.")
Estes princípios são apenas "preferências" (ou opções "default" para usar a terminologia de computação). Isto deixa muita margem
para diferenças culturais. Quando a opção default não dá conta do que a criança escuta, então são consideradas outras opções. Mesmo assim,
as formas mais simples podem continuar a serem mais rapidamente entendidas, mesmo por adultos. Talvez isto explique algo encontrado por
Bichakjian (1988) no seu estudo de mudanças nos idiomas Indo-Europeos nos últimos 5000 anos. Parece que todos estes idiomas estão se
mudando na mesma direção! Isto com relação a mudanças tanto fonológicas como morfológicas. Por exemplo, todos tem perdido declinações
(como existiam no latin e ainda existem no alemão). Nenhum destes idiomas tem acrescentado declinações durante a sua história. O mais
interessante é que as coisas que se perdem são justamente as coisas que as crianças têm mais dificuldade em aprender. Por exemplo, em russo
há declinações que as crianças só conseguem fazer depois de sete ou oito anos de idade. Bichakjian cita também evidência de que estas
mesmas mudanças tenham ocorrido na história do Sino-Tibetiano. Talvez estas mudanças se explicam pelas maiores necessidades de
comunicação em sociedades mais complexas. Precisamos cada vez mais nos comunicar rapidamente e claramente com pessoas cada vez mais
distantes. Não podemos mais ter o luxo de construções lingüísticas complicadas demais.
Comunicação Não-Lingüística
Universais na comunicação não-lingüística são mais conhecidos. Por exemplo, em todos as sociedades do mundo as pessoas
reconhecem as mesmas expressões faciais para as emoções de alegria, tristeza e raiva (Ekman 1982), e utilizam sinais parecidas para
momentos parecidos (como o levantamento dos sobrancelhos no reconhecimento de alguém) (Eibl-Eibesfeldt 1967). Algumas destas formas
de comunicação também se misturam com a linguagem. Por exemplo, Fónagy (1988) achou o que parecem ser universais nos "erros" na fala
dos adultos. Por exemplo, todos parecemos arredondar os lábios (como num beijo) ao falar de coisas com carinho, e a usar uma voz mais
tensa ao ficar com raiva. Muitas destas formas de comunicação aparecem muito cedo na vida -- até em neo-natos (Alexander 1987; Eibl-
Eibesfeldt 1967; Pinker 1994).
Conceitos
Não devemos confundir palavras e conceitos. No entanto, a presença em quase todos os idiomas da mesma órdem de aparecimento
de algumas palavras sugere uma universalidade no desenvolvimento dos conceitos por tras delas. Como aponta Macnamara (1978) quando
comparadas com adultos, as crianças usam os substantivos mais para se referir a objetos concretos do que a conceitos abstratos, e os seus
verbos se referem mais a ações. Além disso, os primeiros substantivos das crianças se referem a objetos estáveis, nunca a fenômenos instáveis
(como fumaça). Macnamara argumenta ainda que as crianças são muito sensíveis a algumas caraterísticas específicas dos objetos. Por
exemplo, prestam muita atenção à sua extensão em uma, duas ou tres dimensões (como cordão, papel ou bola, respectivamente), o que resulta
em marcadores especiais para estas características em muitos idiomas. Também as crianças são muito sensíveis à diferença entre objetos
quantificados por massa vs. número (p.ex. leite vs. biscoitos). As crianças logo aprendem pelo contexto a usar os marcadores corretos para
estas diferenças (um pouco de leite vs. alguns biscoitos por exemplo). (Resta averigüar com testes cognitivos se estas propriedades são
também as primeiras a serem elaboradas na distinção de objetos.)
Givon (1989: 125) também observa a tendência universal a construir um vocabulário a partir de palavras mais concretos, e
acrescenta que, comparados com outros idiomas, os idiomas "pidgin" possuem uma percentagem muito maior de vocábulos concretos. Esta
tendência de construir o abstrato a partir do concreto se vê também nas orígens de diferentes palavras. Givon (1989:150) descreve a
etimologia como o "rastro" da extensão de analogias na construção de abstrações a partir do concreto. Como ressalta Lorenz (1973) muitas
destas analogias lidam com orientação no espaço (estamos "a esquerda" politicamente, sub-desenvolvido, sobre-carregados, dentro dos
problemas, etc.). Até como adultos continamos a achar mais saliente a palavra concreta. Palavras concretas evocam mais imagens, e
avaliamos mais rapidamente e com menos erros, frases escritas ou faladas com palavras concretas. Talvez isto explique o efeito positivo de
imagens na publicidade (Percy e Rossiter 1983). Vale observar aquí que a visão de Lévi-Strauss (1962) a respeito do "pensamento selvagem"
-- que o abstrato se constroe a partir de uma bricolagem de coisas concretas -- também se aplica ao "pensamento civilizado". Se alguns
especialistas intelectuais (como engenheiros) pretendem construir os seus conceitos a partir do abstrato, isto é outra questão -- a ser discutida
no próximo capítulo.
Há outras tendências no desenvolvimento de conceitos. As primeiras falas de uma criança tem como finalidade realizar algum
objetivo ("dá", "colo", etc.). Só depois é que a criança começa a usar frases que indicam que entende a natureza de objetos não presentes, ou
as perspectivas de outras pessoas. Estudos comparativos sugerem que também é universal a seqüência de desenvolvimento no uso de formas
para juntar frases. Primeiro se junta frases via "e", depois vem "porquê" depois ligações com "antes", depois ligações com "depois". Da
mesma maneira, palavras para locativos são aprendidos na órdem da sua dificuldade cognitiva ("em" antes de "entre" por exemplo)
(Bowerman 1981).
Os psicólogos cognitivos e os publicitários (que têm um interesse muito prático no assunto) têm sugerido outras idéias a respeito de
quando e porque as pessoas aceitam os "prêt-a-pensers" e quando não. Vários autores acham que na maior parte do tempo o ser humano
simplesmente não pára para racioncinar sobre o que está fazendo. Simplesmente entra em algum roteiro e segue em diante. O que faz alguem
resolver dar um tempo para raciocinar? Hewstone (1989) revisou as pesquisas psicológicas sobre este tema. Estas pesquisas têm tomado
várias formas: 1) pesquisas de análise de conteúdo em jornais, nas quais se codifica momentos de fornecer explicações ou não e se tenta
correlacionar as explicações com eventos ocorridos, 2) observações de pessoas (como técnicos presidiários) em fase de tomar decisões, e 3)
experiências nas quais se cria situações diferentes (ou verbalmente ou via vídeos) e se pede que as pessoas analisem a situação. Nestes casos
são codificadas tentativas de buscar informações adicionais, ou atribuir causas, e estas tentativas são correlacionadas com os elementos sendo
analisados. Tres fatores se destacam especialmente nestas pesquisas.
Primeiro, as pessoas raciocinam quando uma situação é inesperada. Normalmente, em situações mais corriqueiras as pessoas
simplesmente descrevem os eventos com o uso de um roteiro conhecido, sem tentativas de explicação. Isto faz sentido em termos de
economia de esforço cognitivo. Givon (1989:293) salienta que perguntas do tipo "porquê" são adequadas apenas se os ítens questionados são
surpreendentes, e a surpresa depende dos nossos esquemas pre-existentes. Parece que o algoritmo adotado é: primeiro busque um roteiro
conhecido. Se funciona, fica nisso. Mas se a situação quebra as expectativas, então neste segundo momento vale a pena tentar uma
explicação. Isto faz sentido em termos da teoria de informática. O processamento automático é mais rápido e mais eficiente quando as
informações são previzíveis, certas e consistentes (Givon 1989: 251). As explicações levantadas servem justamente para explicar o que foge
do normal. A maneira como as pessoas encaram estes eventos inesperados é revelada numa experiência na qual indivíduos, ao olharem um
vídeo, foram instruídos a apertar um botão sempre que houve uma nova ação significativa. As pessoas apertavam pouco o botão ao olhar
cenas corriqueiras, mas ao olhar seqüências menos familiares, apertavam muito. Nestes casos os sujeitos da experiência não podiam resumir
estas seqüências com rótulos "prêt-a-penser".
O segundo fator que despertava tentativas de explicação foi o insucesso. As pessoas têm uma maior probabilidade de explicar
porque fracassaram numa tarefa do que explicar porque conseguiram. Em parte isto pode se explicar como uma tentativa de resgatar a auto-
estima, ao "justificar" o insucesso. Mas pesquisas adicionais sugerem outro fator talvez mais importante: que o ser humano tem uma
necessidade (inata?) de se sentir "em contrôle" da situação. Como observa O'Connor (1991), a perda de contrôle deixa as pessoas mais
estressadas e mais deprimidas. Por outro lado, a sensação de contrôle sobre uma situação deixa as pessoas alegres. O'Connor sugere que isto
ajuda a explicar o prazer que sentimos em resolver quebra-cabeças ou outros problemas práticos. O brincar, de forma geral, dá prazer em
grande parte porque ao brincar aprendemos a controlar cada vez mais as situações. Tudo isto faz sentido em termos de seleção natural. O
animal que sentisse prazer em resolver problemas teria mais chances de resolvê-los e conseqüêntemente mais chance de passar prôle para o
futuro. O animal infeliz com o insucesso teria mais motivação para parar e tentar contornar a situação. Compatível com esta visão é o achado
que também o mal humor está associado a maiores tentativas de raciocinar. Indivíduos de bom humor usam mais "heurísticos" ("prêt-a-
pensers"), raciocinam de forma menos sistemática, e reduzem a complexidade dos seus julgamentos ou decisões, tornando-os rápidos e
simples (Hewstone 1989; O'Connor 1991). Apoiando o mesmo argumento, Percy e Rossiter (1983) descobriram que pessoas de bom humor
avaliam mais positivamente os produtos que aparecem em propagandas, e fazem julgamentos mais otimistas quanto a eventos, usando mais
"heurísticos" e menos raciocínio a respeito.
O terceiro fator que parece estimular o raciocínio é a importância da situação para quem a analisa. Ao olhar seqüências de ações
num vídeo, as pessoas fornecem mais explicações para uma ação 1) se encaram esta ação como tendo resultados sérios, 2) se antecipam fazer
futuramente um contato pessoal com os atores do vídeo, e 3) se sentem mais empatia para estes autores (Hewstone 1989:44). Em experiências
com diferentes tipos de publicidade, Petty e Cacioppo (1983) mostraram que as pessoas prestam mais atenção à qualidade dos argumentos
fornecidos quando o assunto da publicidade é visto (via manipulação experimental) como afetando pessoalmente e de forma mais importante
o comprador potencial. Mas quando o assunto é visto como tendo menos importância pessoal, são as características mais "periféricas" da
publicidade (como a autoridade ou beleza física de quem fala) que recebem mais atenção e que mais afetam a intenção de compra.
Há ainda um quarto fator que afeta, não a tendência inicial a buscar uma explicação, mas a tendência a continuar buscando uma
explicação quando tentativas anteriores de explicação fracassaram. Trata-se do fenômeno conhecido como "congelamento" de crenças. Nas
experiências de Kruglanski (citado em Hewstone 1989) as pessoas "congelavam" ou "descongelavam" as suas explicações ou crenças
dependendo da sua capacidade e motivação. A capacidade dependia muito da quantidade de conhecimentos específicos sobre o assunto que a
pessoa tinha, e do número de idéias que tinha na cabeça. Quanto maior a capacidade, maior a tendência a continuar buscando explicações. A
motivação dependia de 1) a "necessidade para estrutura" (o desejo de ter algum conhecimento), 2) o desejo de se chegar a uma conclusão
específica (o que pode fazer com que se pára de pensar quando se acha um argumento que fornece uma conclusão desejada), e 3) a
necessidade para validade (se o custo de uma explicação errada é alta, tem-se uma incentiva para continuar buscando explicações boas).
Quem tem familiaridade com a literatura antropológica reconhecerá nestes achados dos psicólogos cognitivos e publicitários uma
velha teoria antropológica. Trata-se da teoria de Malinowski a respeito da magia. Em outro trabalho (Werner 1992) revisei algumas pesquisas
baseadas nesta teoria. Para resumir, Malinowski argumentou que as pessoas usam magia em situações que são imprevisíveis, incontroláveis e
importantes -- exatamente as situações que evocam tentativas de explicação. Antropólogos posteriores tem confirmado esta teoria em muitas
situações diferentes, incluindo fenômenos como doença (são as doenças mais imprevisíveis que recebem mais tratamentos mágicos), esporte
(são nos jogos mais importantes e entre os jogadores nas posições mais imprevisíveis que se encontra mais magia), o uso de forquilhas para
buscar água (usadas principalmente nas regiões onde a geologia deixou os lençois freáticos mais imprevisíveis), e até para fenômenos como
os "cultos de carga fantasma" (que surgem justamente nas sociedades onde o recebimento de bens ocidentais é mais imprevisível). A reflexão
de Mary Douglas sobre o status especial de coisas que vão contra as nossas expectativas também poderia ser relacionada à tendência natural a
buscar explicações para o inesperado. Que estes fenômenos têm uma base na seleção natural também é sugerido pelas experiências citadas no
capítulo anterior, nas quais Skinner criou pombos "supersticiosos" ao tornar o recebimento de comida arbitrária. Parece que tanto o ser
humano, como o pombo, tenta buscar explicações nestas situações importantes, imprevisíveis e incontroláveis, mas se não consegue achar
nenhuma explicação válida, então em algum momento "congela" as suas crenças. Até o congelamento faz sentido adaptativo na medida em
que a busca de explicações também envolve um custo.
Raciocínio Verbal
No capítulo anterior examinamos algumas formas de raciocínio animal e argumentos a respeito do valor adaptativo destas formas de
raciocínio. Vimos, por exemplo, que macacos conseguem raciocinar em termos de analogias -- fotografia A é a fotografia B (uma mãe e a sua
filha) como fotografia C (uma fêmea) é a ? (escolha de várias fotografias representando irmã, mãe, filha, etc.). Vimos também como
diferentes animais entendem a noção de transitividade -- se A>B (dois animais comparados em termos do nível de dominância) e B>C, então
A>C. Finalmente, vimos como animais resolvem problemas envolvendo inferências (como usar uma pedra para cortar uma corda para abrir
uma caixa para pegar uma banana), e envolvendo planejamento (o caso dos ravens obtendo carne pendurada numa corda). Em todos estes
casos foi possível entender o valor adaptativo deste raciocínio -- ou em termos de convivência social, ou em termos de obtenção de alimentos
ou evitação de predadores.
Não há porque acreditar que o ser humano não possua também estas formas de raciocínio. Mas o pensamento humano vai mais
longe, pois o ser humano pode se servir da linguagem simbólica. Para muitos pensadores, a linguagem permite uma liberação das formas mais
concretas de pensar dos animais. Podemos raciocinar em cima de abstrações, não apenas a partir de fenômenos mais concretos. Piaget encara
o pensamento formal abstrato, realizado com o uso de símbolos arbitrários e abstratos, como a última etapa do desenvolvimento cognitivo
humano. Mas até que ponto a linguagem realmente nos liberou do raciocínio mais concreto? Podemos examinar esta questão tanto ao nível do
pensamento dedutivo, lógico e formal como ao nível da abdução.
Lógica Formal
Recentemente vários pesquisadores têm criado um interesse todo especial num pequeno teste de raciocínio lógico desenvolvido em
1972 por Wason e Johnson-Laird (citado em Méro 1990). O teste consiste em mostrar quatro cartas como na figura 3.1
Figura 3.1
Sabemos que todas as cartas tem uma letra na frente e um número no verso. A finalidade da brincadeira é decidir se a declaração
seguinte se aplica a estas cartas: Se uma carta tem um vogal de um lado, então terá um número par do outro lado. O truque é saber quais são
as cartas que precisam ser viradas para avaliar esta declaração. Deve-se virar o mínimo possível de cartas para fazer a avaliação.
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Seria bom que leitor parasse neste momento para fazer este jogo.
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Uma longa série de pesquisas tem comparado os resultados deste mesmo teste usando conteúdos um pouco diferentes. Eis outro
exemplo na figura 3.2:
Figura 3.2
Você trabalha num banco no setor da compensação de cheques. Você tem como tarefa averiguar que todos os cheques acima de
R$100 tenham uma assinatura no verso. Como todo mundo, você é muito ocupado e não tem tempo para olhar tudo, e assim não quer ficar
averiguando coisas desnecessárias. Aquí estão 4 cheques espalhados em cima da sua mesa, dois de frente, e dois com o lado de verso para
cima. Quais os cheques que você precisa virar para averiguar que realmente todos os cheques acima de R$100 tenham uma assinatura?
Se você respondeu com as cartas "A" e "7" no primeiro teste, e o cheque para R$150 e o cheque sem assinatura no verso, você
conseguiu dara a resposta exigida pelos lógicos. Estes encarariam estes dois problemas como variações da mesma inferência: p --> q (p
implica q). Esta inferência quer dizer que se p existe, então q também existe. Ora, se p não existe, isto não implica que q não existe; q poderia
muito bem existir sem o :Um cheque poderia ter uma assinatura sem ter o valor acima de R$100. Uma carta poderia ter um número par sem
ter uma letra vogal no verso. Agora se q não existe, então p também não pode existir. Um cheque sem assinatura não pode ser acima de
R$100, e uma carta com um número ímpar não pode ter um vogal do outro lado. No jargão dos lógicos, isto é escrito como: ~q --> ~p (não q
implica em não p). Sempre que se tem uma inferência da forma p --> q, isto implica automaticamente numa outra inferência: ~q --> ~p. Então
a resposta certa a qualquer problema lógico deste tipo é "p" e "~q". Não interessa nem ~p, nem q, pois estas possibilidades não implicam em
nada. Não precisamos virar estes cartas/cheques.
Se você é como a maioria das pessoas, achou a primeira tarefa bem mais difícil que a segunda. Na pesquisa original de Wason e
Johnson-Laird feita com alunos universitários, apenas 4% deram a resposta certa (p e ~q) na primeira tarefa, mas muito mais acertaram na
segunda (citado em Méro 1990).
De onde vem esta diferença na dificuldade de problemas logicamente equivalentes? Uma explicação é que a segunda tarefa envolve
uma situação mais conhecida e mais concreta. Assim, por exemplo, ao analisar a resolução de silogismos entre os Kpelle da Africa ocidental,
Cole et alii (1971) concluiram que é a familiaridade com o conteúdo dos silogismos que explica quando este povo pensa de forma lógica. No
entanto, pesquisas mais recentes sugerem que o problema não é esse. Lawson (1991) usou diferentes variações do teste de Wason e Johnson-
Laird para comparar os efeitos de diferentes tipos de conteúdo, todos conhecidos. Por exemplo: "Se um carro está funcionando, então há
gasolina no tanque," "Se uma pessoa possui uma carteira de motorista, então aquela pessoa pode legalmente dirigir um carro." Estas duas
inferências são da mesma forma p --> q, e as duas representam situações bem conhecidas. No entanto, quase 60% deram as respostas corretas
(p e ~q) no caso da gasolina do carro, mas menos de 5% acertaram a questão da carteira de motorista. Porquê a diferença? Lawson sugere que
os alunos reinterpretaram as inferências a partir dos seus conhecimentos anteriores e converteram a inferência a respeito da carteira de
motorista numa inferência bicondicional no qual p -->q e q -->p, ou seja "pode-se dirigir, se, e apenas se, se tem uma carteira de motorista".
Com esta interpretação é preciso virar todas as cartas, e é isso o que fez quase 80% dos alunos.
A idéia de que a familiariedade com o problema seja importante é também questionada numa pesquisa de Gigerenzer e Hug (1992).
Estes pesquisadores acharam conteúdos familiares que resultavam em muito mais erros que conteúdos fantasiosos. Olhando apenas
inferências que não seriam interpretadadas como bicondicionais, eles acharam muito mais apoio para outro argumento -- o "contrato social".
Eles sugerem que o ser humano tem um algoritmo para detectar "trapaços" nos contratos sociais. Uma das primeiras coisas que alguem faz ao
avaliar um contrato qualquer é verificar que não está sendo "passado por trás". Um exemplo tirado de outra pesquisa parecida (Politzer e
Nguyen-Xuan 1992) ilustra este fenômeno. Os pesquisadores começaram com a inferência: "se uma compra é maior que 10.000 francos,
então o vendedor precisa colocar um voucher para um presente (um relógio de ouro) no recibo". Mas neste caso os sujeitos da experiência
receberam diferentes introduções ao problema. Alguns foram avisados que representavam a associação de consumidores e que precisavam
averiguar se a regra estava sendo cumprida. Outros foram avisados que eram o gerente e que precisavam averiguar a regra. Do ponto de vista
do consumidor, o que interessa é averiguar que sempre que se compra acima de 10.000 francos, se recebe o presente, e que ninguem deixou
de receber um presente se gastou 10.000 francos. Como era previsto, quem recebeu estas instruções tinha maior probabilidade de escolher a
resposta certa: p (recibo para mais de 10.000 francos) e ~q (recibos sem vouchers). Mas do ponto de vista do gerente o problema é outro. O
gerente não quer dar presentes a toa. O que interessa para ele é averiguar que uma pessoa recebe um presente apenas se gastou mais de
10.000 francos. O gerente tem uma tendência a interpretar a regra como "para receber um presente, é preciso gastar 10.000 francos", o que
logicamente seria escrito como q --> p. O gerente se interessa apenas em averiguar o q (recibos com vouchers) é ~p (recibos por menos de
10.000 francos). Quem recebeu as instruções do ponto de vista do gerente, com efeito tinha maior probabilidade de escolher esta resposta do
que a resposta logicamente "certa" que seria p e ~q.
Gigerenzer e Hug analisaram mais a fundo esta questão, escolhendo situações diferentes. Por exemplo, numa inferência apenas um
dos lados do "contrato" tinha algo a ganhar com um trapaço: "Se alguem quer comprar bebida alcoólica, então precisa ter 18 anos". O garção
que serve a mesa não tem nada a ganhar em burlar a regra. Os resultados do uso destas inferências nos testes de Wason e Johnson-Laird
também combinavam com a idéia da existência de um "algoritmo darwiniano" que especifica que as pessoas tendem a interpretar inferências
no sentido de evitar trapaços nos contratos sociais. O conflito entre este algoritmo (natural?) e a lógica formal analítica ficou evidente nas
respostas de alguns sujeitos que aplicavam sistematicamente as regras da lógica formal para estes problemas (e sempre "acertavam"). Em
entrevistas posteriores estes alunos (quase todos da área da matemática ou das ciências naturais) expressavam o seu constrangimento. Um
comentou que "às vezes, na realidade, outra resposta teria tido mais sentido".
Estes resultados apoiam a teoria de "inteligência maquiavélica" proposta pelos etológos cognitivos (Whiten e Byrne 1988a, 1988b).
Também resgatam a teoria durkheimiana a respeito das orígens sociais por trás da lógica. Mas enquanto Durkheim enfatizava que a
solidariedade social criava um sentimento de mal estar com a idéia de contradizer os pares (Durkheim 1915), estes dados apresentam uma
visão algo mais cínica da natureza humana.
A importância das emoções no raciocínio fica especialmente clara no caso de pessoas que, devido a danos cerebrais, perderam a
capacidade para sentimentos. Como mostra Damasio (1994) estas pessoas conseguem resolver muito bem problemas abstratos estritamente
"lógicos", mas são totalmente incapazes de tomarem decisões. Não conseguem saber para onde querem ir. Dificilmente mantêm empregos ou
laços sociais. Na realidade, o seu "raciocínio" é totalmente incapacitado.
Mas há também outros fatores por trás do raciocínio "lógico" das pessoas. Markovits e Savary (1992) sugeriram que o fato de ter ou
não "modelos múltiplos" na cabeça seria importante. Quando os sujeitos das experiências recebem introduções que apontam para a existência
de várias soluções possíveis, eles acertam mais no teste de Wason e Johnson-Laird. Isto poderia também explicar o achado de Lawson
descrito acima. Se os sujeitos dão a resposta certa à inferência "se um carro anda, então tem gasolina" é porque se lembram imediatamente
que há muitas coisas além da falta de gasolina que podem fazer um carro parar. Por outro lado, na inferência "se uma pessoa possui uma
carteira de motorista, então aquela pessoa pode dirigir" as pessoas têm mais dificuldade em imaginar outras razões legais (além da falta de
uma carteira) que impediriam uma pessoa a dirigir. O problema de modelos mentais fica especialmente evidente em silogismos baseados em
quantificadores como "alguns a são b, nenhum b é c". Destas premissas podemos concluir que alguns a não são c. Ou o silogismo "nenhum a
é b, alguns c são b". Disto podemos concluir que alguns c não são a. Para resolver estes silogismos precisamos construir modelos. Os
diagramas Booleanos são muito úteis, mas às vezes admitem mais de um desenho para um conjunto de premissas. Por exemplo: "nenhum a é
b, alguns c são b". Os diferentes diagramas na figura 3.3 em baixo são todos compatíveis com estas premissas:
Figura 3.3
Destas premissas podemos concluir que alguns c não são a. Mas há muitos
modelos possíveis. Numa série de experiências com estes tipos de silogismos Newstead et alii (1992) mostraram que as pessoas tentam
construir modelos múltiplos. No entanto, se encontram uma solução acreditável no início, deixam de examinar as outras possibilidades. Por
exemplo, se o siligismo acima é colocado como: "Nenhum pombo é um pardal. Alguns pássaros são pardais", as pessoas poderiam construir o
modelo mental do meio e concluir erroneamente desta inferência que todos os pombos são pássaros. Esta tendência a parar quando se acha
uma resposta que satisfaz pode resultar do mesmo "algoritmo" que explica a tendência a "congelar" a procura para uma explicação quando se
acha com sucesso.
É nesta luz que precisamos analisar o uso da lógica formal em sociedades não ocidentais. Por exemplo, a evitação de conclusões
lógicas via silogismos entre os Kpelle foi atribuída à falta de familiaridade com os instrumentos psicológicos. Mas temos belos exemplos do
uso espontâneo de um raciocínio lógico entre povos ditos "primitivos" que desmentem esta idéia. Malinowski (1929) mostrou como os
trobriandeses justificavam de forma muito lógica as suas teorias a respeito do papel desnecessário do homem na concepção, e Goodenough
(1990) mostrou como um navegador da micronésia justificou com muita lógica a sua crença a respeito de como o sol gira em torno da terra.
Em ambos os casos tratava-se de momentos de contrastar argumentos alternativos (um argumento ocidental e um argumento nativo) a respeito
de um fenômeno. Nota-se que são argumentos novos, elaborados a partir da discordância. O que pode ter faltado nas pesquisas de Cole et alii
é justamente o despertar de modelos mentais múltiplos.
Ao analisar os seus resultados a respeito de diferentes fenômenos cognitivos Gigerenzer e Hug (1992) sugerem que não há porque
considerar as soluções da lógica formal como mais "corretas". A seleção natural nos deu a capacidade de usar algoritmos adequados para
diferentes tarefas, e a separação entre o conteúdo de um problema e a sua estrutura é artificial. Tirar o conteúdo e analisar apenas a estrutura
implica na perda de informações, e em conclusões inadequadas para o contexto (por exemplo, um gerente que avalia uma inferência do
mesmo ponto de vista que um freguês). Isto não quer dizer que a lógica formal esteja errada. Implica apenas que as formas "corretas" de
pensar dependem do contexto. Este contexto pode ser mais ou menos abstrato ou concreto. Os resultados das pesquisas de Cummins (1992)
ilustram como as pessoas de fato raciocinam desta maneira. Cummins pediu que alunos analisassem diferentes problemas lógico-matemáticos
e que os agrupassem em categorias "parecidas". Ela avisou um grupo para prestar muita atenção à estrutura das questões. Não falou nada
para o outro grupo. O grupo que recebeu o aviso organisou os problemas de acordo com as fórmulas matemáticas que seriam necessárias para
a sua solução. O outro grupo os organizou de acordo com os assuntos concretos em pauta. Os alunos "concretos" tiveram mais dificuldade em
resolver os problemas, mas podemos concluir que fizeram uma análise errada?
Para resumir, podemos relembrar a piada sobre a mulher que ganhou na loteria e desprezou o repórter que "corrigiu" a sua lógica. As
pesquisas recentes sobre o raciocínio lógico sugerem que o ser humano adota diferentes algoritmos ou heurísticos para o seu raciocínio
dependendo da situação. Nesta ótica, não é irrazoável conceber os algorítmos lógicos como parecidos com outros "prêt-a-pensers" usados
para organizar o nosso comportamento. Talvez trata-se de um continuum de níveis de abstração, e não de uma divisão rígida entre
pensamento "enlatado", relativamente concreto, e raciocínio lógico formal relativamente abstrato. No fundo, tudo é abdução.
Abdução
Vimos que mesmo o raciocínio aparentemente dedutivo envolve a análise de conteúdos, e do contexto, não apenas da estrutura.
Parece que mesmo quando resolvemos problemas "puramente" lógicos, agimos na realidade como se estivéssemos analisando informações. A
abdução consiste na conjectura (adivinhação ou lançamento de hipóteses) a respeito de um fenômeno. Se chega a estas conjecturas nem via
dedução, nem via indução. Trata-se de "chutes" de certa forma "cegas" a respeito de algo. São maneiras de explicar ou "dar conta" de
fenômenos que nos interessam. Vimos acima que a procura para uma explicação ocorre em situações que são imprevisíveis, incontroláveis e
importantes, e que faz sentido em termos de adaptação, que um organismo tente controlar ou pelo menos prever situações importantes. Givon
(1989) vê a "explicação" como consistindo no reconhecimento de que um problema faz parte de um contexto maior. Este contexto pode
consistir 1) num roteiro pré-estabelecido (num "prêt-a-penser"), 2) numa estrutura funcional o semântica da qual o problema faz parte, ou 3)
numa relação mais direta entre poucas variáveis e na qual uma coisa "causa" outra. De qualquer forma, trata-se de uma tentativa de comparar
um modelo a algo "lá-fora".
Já consideramos o uso de "prêt-a-pensers", e, ao analisar a aprendizagem da linguagem e as narrativas, consideramos também limites
quanto à elaboração de estruturas mentais. Cabe agora considerar o terceiro tipo de "explicação" ou "contextualização": a noção de
causalidade. Filósofos tem discutido há séculos o sentido da palavra "causa", sem, no entanto chegar a um acordo sobre o que se entende.
Acho que o problema decorre justamente da possibilidade da nossa noção de "causa" ser um conceito "primordial" que é mais básico, mais
"concreto" na nossa mente do que os conceitos pelos quais poderiamos definí-lo. Em todos os idiomas humanos as crianças aprendem a
perguntar "porquê?" bem cedo na vida. Para entender melhor o conceito, precisamos sair da filosofia e passar para a psicologia.
O quê, no senso comum, é considerado uma causa? Ainda precisamos de maiores pesquisas para distingüir o papel de noções como
"necessário/suficiente", "tempo", "mudança", "covariação", ou "contingüidade" na formulação da nossa noção de "causa", mas algumas
pesquisas psicológicas já ajudam a esclarecer algumas questões a respeito da "causalidade". Hewstone (1989:45) argumenta que atribuições
causais são geralmente vistas como "condições que 'fazem a diferença' entre um evento normal e tal e tal evento". O problema é definir o que
determina que um evento seja "normal" ou não. Cheng e Novick (1991) fizeram experiências para distingüir cinco argumentos diferentes a
respeito de causas. Todos os argumentos pressupõem que causas se referem ao que "faz a diferença". O primeiro enfatiza que é a necessidade
de fornecer informações "que faltam" que define a "causa" (por exemplo, para explicar o crescimento de plantas no jardim você informa à
mãe, que você adquiriu um interesse em plantas depois de ler um livro; você informa ao vizinho que comprou sementes numa loja
agropecuária). O segundo argumento, também "informativo" sugere que é a relevância que define a causa (se explica que regar todo dia é
essencial, mesmo sabendo que o vizinho já viu você regando as plantas). Um terceiro argumento pressupõe que "causa" é o que não é normal,
no sentido de "normas" ou regras ("rego as plantas apesar da seca, porque não acredito que isto gaste muita água"). Um quarto enfatiza o que
não é normal, no sentido estatística ("as plantas se dão bem porque sou o único aquí que vêm do campo"). O último argumento sugere que é a
covariação dentro de um contexto que define a causa ("as minhas plantas se dão melhor que as dos outros porque eles não as regam todos os
dias, e não compram sementes boas, e eu sim"). As experiências apoiaram o último argumento. As pessoas forneciam mais explicações para
covariação, e aceitavam mais explicações baseadas na covariação. Mas a covariação era sempre vista dentro de um contexto. Factores que
não variavam dentro de um contexto eram vistos como "condições necessárias", mas não como "causas". Mas quando outros contextos faziam
estes fatores variarem, então entravam como "causas". Cheng e Novick atribuem à falta de conhecimento do contexto muitas das perguntas
"profundas" ou "científicas" feitas por crianças -- como "porque as coisas caem?" ou "porque o céu é azul?"
Mas se a covariação é uma "definidora" da causalidade, isto não quer dizer que as pessoas são especialmente boas em reconhecer
esta covariação. Hewstone (1989) cita experiências que mostram que as pessoas não são especialmente adeptas em reconhecer esta
covariação. Em vez de buscar evidências que pudessem distingüir entre diferentes hipóteses a respeito de uma variação, as pessoas tendem a
procurar informações para confirmar a hipótese que preferem. Pressuposições a respeito de causas fazem com que as pessoas vêem
covariação onde inexiste, e a ignorar covariação existente. Talvez isto se explique em termos informáticos. Ao nível de modelos de
processamento de informações, parece que desconfirmações exigem operações de processamento além daquelas exigidas para a confirmação
(Hewstone 1989:23-29; 86-90).
No entanto, existem diferenças entre as pessoas quanto a atribuições causais. Primeiro, há diferenças por idade. As crianças muito
pequenas mostram pouco interesse em relações de causa e efeito. Crianças maiores tendem a se restringir a uma causa para cada efeito.
Adolescentes têm maior probabilidade de inventar possíveis causas múltiplas (Lawson 1992). Também pode haver diferenças quanto à
tendência a explicar atos humanos em termos de "disposições" versus "causas". Hewstone (1989:30) descreve uma atribuição disposicional
como consistindo em propôr um rótulo que caracteriza alguém -- por exemplo, "explicar" que alguém roubou porque é "ladrão". Estas
atribuições são mais espontâneas e requerem menos pensamento e esforço que atribuições propriamente "causais".
Algumas pessoas também parecem ser mais criativas do que outras. Há uma literatura enorme sobre as razões por trás desta
criatividade, mas aquí citarei apenas um fator que talvez tenha implicações transculturais. Houtz et alii (1989; 1979) notaram diferenças entre
indivíduos psicologicamente dirigidos "para fora" e indivíduos dirigidos "para dentro". Os individuos dirigidos para fora dependem muito da
avaliação dos outros para se auto-avaliarem, enquanto individuos dirigidos para dentro se auto avaliam dependendo de progressos ou
retrocessos pessoais que os outros podem nem conhecer. Há diferenças nos tipos de criatividade destas duas categorias. Quando apresentados
com um problema típico (como "Imagine diferentes coisas que se pode fazer para um viciado em drogas") os "dirigidos para fora" conseguem
imaginar mais ítens que os "dirigidos para dentro". Mas os ítens elaborados pelos "dirigidos para dentro" são mais originais. Além disso, os
"dirigidos para dentro" são mais criativos quando se trata de questões puramente fantasiosas (como "imagine o que se poderia fazer se as
mãos tivessem seis dedos"). Os autores sugerem que os dirigidos para fora teriam mais capacidade para trabalhos administrativos, pois
anticipariam os argumentos, objeções, etc. dos outros. Mas os "dirigidos para dentro" seriam mais criativos em outras esferas. Talvez este
fenômeno explique em parte o caso dos xamãs em diferentes sociedades. Shweder (1972) testou a criatividade de xamãs e leigos entre os
índios zinacantecos do México. Ele descobriu que os xamãs estavam mais dispostos a oferecerem explicações e descrições para fotografias
fora de foco. Além disto, ofereciam explicações mais originais. Talvez o que é às vezes visto como "desviante" num xamã em algumas
sociedades é simplesmente um reflexo de uma orientação "para dentro" na qual as pressões sociais para conformidade tem menos efeito.
Independentemente da nossa criatividade ou idade, parece que temos alguns viéses gerais quanto a fatores que consideramos como
"causas". Primeiro, quando consideramos causas para um fenômeno raro, geralmente pressupomos que a junção de várias causas é necessário
(Só quando A e B ocorrem juntos é que dá o efeito C). Mas quando um fenômeno é mais comum pressupomos que as múltiplas causas são
independentes e suficientes para causar o efeito (Ou A ou B bastam para causar C). Por exemplo, o sucesso numa tarefa fácil ou o fracasso
numa tarefa difícil são atribuídos a uma causa só, enquanto o sucesso numa tarefa difícil e o fracasso numa tarefa fácil são atribuídos à junção
de várias causas (Hewstone 1989:25-26). Talvez devido à nossa "inteligência maquiavélica", também temos uma tendência a atribuir coisas a
intenções humanas em vez de atribuí-las a fenômenos casuísticos, físicos ou situacionais (Hewstone 1989; Humphrey 1988:24). Esta
tendência é tão forte que mesmo quando sabemos que é a situação que influenciou uma ação (por exemplo, quando sabemos que o
pesquisador pediu para que as pessoas defendessem uma ou outra posição), ainda temos uma tendência a atribuir a ação a características
pessoais e não à situação (Hewstone 1989:18). Temos também uma tendência a ver dois eventos como relacionados se ambos são mais
distintivos de que os outros eventos, ou se começamos com uma idéia que os relaciona. Ignoramos informações abstratas e estatísticas, e
dependemos mais de exemplos concretos e vívidos para inspirar idéias. Também temos viéses quanto à saliência de fatores no tempo, ou
órdem de apresentação (Hewstone 1989: 94-96; Michel 1991). Outro viés, que os antropólogos conhecem das teorias sobre magia "simpática"
é a tendência para buscar causas que têm características semelhantes ao fenômeno que se quer explicar (Hewstone 1989:95).
A aceitação ou averiguação de causas também envolve viéses gerais. Os viéses citados na elaboração de hipóteses continuam a afetar
a sua averiguação. Mas ainda há outros. Temos uma tendência a adotar posições mais firmes com relação a assuntos que nos afetam mais
diretamente (Hewstone 1989:18). Talvez isto se explique por um maior cuidado em chegar a conclusões que nos afetam mais diretamente. Em
experiências em que acreditam que serão diretamente afetados por um assunto, alunos prestam mais atenção à qualidade dos argumentos
oferecidos. Mas quando os assuntos são vistos como tendo menos relevância pessoal, tendem a dar mais valor a quantidade de argumentos em
vez da qualidade (Sherman et alii 1989). Outro fator muito importante na aceitação ou não de uma explicação é a pressão social. Por
exemplo, em experiências, até um terço de alunos universitários acabam concordando que algo é outra coisa do que eles claramente viram
(uma caneta vermelho em vez de verde, por exemplo), simplesmente porque os outros da turma afirmaram isto (Worchel e Shebilske 1989). A
tendência a acreditar em autoridades é também bem documentada tanto na psicologia cognitiva como na publicidade (Miolgram 1971;
Hewstone 1989; Petty 1983). Muitas vezes a simples postura corporal, expressão facial, e tonalidade de voz bastam para dar confiança ou
desconfiança nos argumentos de quem os propõe (DePaulo 1992).
A existência destes viéses gerais não implica, no entanto, na ausência de uma atitude "científica" de averiguação. Provavelmente em
todas as sociedades humanas há indivíduos e momentos de maior atenção à concordância entre conjecturas e "inputs" do mundo exterior. Por
exemplo, Werner (1984) observou um índio Caiapó realizar um experimento controlado parecido com os experimentos realizados por
agrônomos da nossa sociedade. Não sabendo como plantar feijão, o índio plantou um pouco no centro da roça (onde receberia muito sol) e
um pouco na periferia, e repetiu a experiência em épocas diferentes do ano.
Figura 3.4
Vários autores (Langdon 1992; Kracke 1992; Winkelman 1990) têm destacado
a capacidade excepcional dos xamãs para entrar em transe, e controlar os sonhos. Como há muitas relações entre o sonho e o transe, e
especialmente a alucinação, estamos talvez em condições melhores de entender o papel do xamã na sociedade. O xamã, além de lidar com
doenças específicas, também lida com problemas gerais da comunidade. A utilização do sonho e do transe ajude talvez a reorganizar o
pensamento -- especialmente aquelas formas de pensamento mais próximas aos roteiros sociais ou "prêt-a-pensers". Na nossa sociedade há
pessoas (chamadas sonhadores "lúcidos") que conseguem controlar os seus sonhos, e há evidência dos laboratórios do sono que esta
capacidade pode ser treinada. Os relatos etnográficos indicam que os xamãs conseguem controlar até certo ponto o conteúdo dos seus transes
e dos seus sonhos. Seria talvez interessante averiguar estas capacidades usando as técnicas de treinamento xamânica para controle dos transes.
De toda maneira, é possível que a maior originalidade dos xamãs em elaborar "explicações" para fenômenos ambíguos tenha algo a ver com
esta capacidade. O fato do xamanismo ser praticamente universal e sem dúvida a primeira "especialização" tanto intelectual como não
intelectual, ressalta a importância do desenvolvimento deste lado da cognição humana.
Conclusões
Neste capítulo vimos muitas continuidades entre a cognição humana e a cognição de diferentes animais, e observamos muitos limites
quanto ao pensamento humano. As etapas de desenvolvimento psicológico humano têm os seus paralelos entre diferentes primatas. O
desenvolvimento de conceitos entre o ser humano parece preceder o desenvolvimento da linguagem, deixando claro que até no ser humano a
linguagem não determina o pensamento. A aprendizagem da linguagem em si é em parte "pré-programada" na medida em que há preferências
lingüísticas universais em termos de fonologia, sintaxe e semântica. Há também muitos universais nas formas não-lingüísticas de comunicação
humana e na formação de conceitos básicos.
Estudos de cognição humana sugerem a existência de diferentes "modalidades" de pensar. Rotinas mais estereotipadas e repetitivas
podem ser pensadas em termos de roteiros que exigem pouca reflexão. Estes roteiros, mesmo os mais divorciados de implicações práticas
imediatas (como as narrativas), também exibem algumas preferências aparentemente universais. Quando assuntos são mais importantes,
imprevisíveis e incontroláveis, o ser humano tende a usar mais raciocínio. O raciocínio lógico em sí já parece depender do contexto e do
conteúdo dos problemas a serem solucionados, e não apenas da estrutura destes problemas. Viéses na análise de questões lógicas (como a
tendência a procurar "trapaceiros") podem ter os seus valores adaptativos, como também os viéses que aparecem na hora de elaborar ou
avaliar abduções.
A existência de viéses "naturais" na cognição humana pode ter o seu valor adaptativo em muitas situações, mas também pode ser
prejudicial. Isto por duas razoes. Primeiro, estes viéses podem nos cegar, dificultando a solução de alguns problemas que não se enquadram
nestes viéses. Segundo, os viéses podem ser utilizados por indivíduos mais capacitados para manipular os outros. Bousefield e Davis (1980)
sugerem que o uso de argumentos falsos para manipulação social, como o uso de qualquer outra forma de raciocínio, é universal. Nas suas
palavaras "é inconcebível que uma sociedade que possui racionalidade, também não possua sofistria." No próximo capítulo examinaremos
algumas implicações destas limitações do pensamento humano para os especialistas em pensar da nossa sociedade.
Formas Intelectuais de Pensar
Cartão de Formatura visto uma vez em Nova York (mais ou menos lembrado):
capa:
Agora que você está para se formar, lamento informá-lo que precisa ainda passar por mais uma prova.
dentro:
O sentido da vida é:
a. a segunda lei de termodinâmica
b. a seleção natural
c. a lei de oferta e procura
d. o materialismo dialético
e. o complexo de Édipo
f. O Ser e o Nada
g. A Arte da Fuga
As formas de pensar acadêmicas são tão variadas que é difícil imaginar alguma coisa que pudesse as unir. Estas visões do mundo
dominam tanto o pensamento que a comunicação se torna difícil, e até dolorosa, entre professores e pesquisadores de diferentes áreas, ou até
dentro do mesmo departamento. Como lidar então com esta diversidade?
Acho que teremos mais chance de dar conta desta diversidade se encaramos os membros da comunidade acadêmica como se
especializando em diferentes áreas de cognição que já existem, e que já existiram fora da academia em todas as comunidades humanas. No
capítulo anterior examinamos algumas destas formas de pensar, incluindo o uso de roteiros "prêt-a-pensers", conjecturas mais originais a
respeito de fenômenos, e raciocínio mais formal, abstrato. Vimos também que estas formas de cognição são usadas em diferentes tipos de
situação (situações estereotipadas versus situações inéditas, por exemplo), e para diferentes finalidades (lidar com pessoas, vs. lidar com
objectos, por exemplo).
Ajudaria para entender a relação entre diferentes finalidades e diferentes formas de pensar se fizéssemos algumas distinções entre as
noções de compreensão, persuasão, interpretação, e explicação. Todas estas formas de pensar têm as suas orígens em formas de pensar de
outros animais, e se encontram misturadas na vida cotidiana. Mas os intelectuais as vezes se concentram numa ou outra maneira de pensar.
A compreensão consiste na tentativa de entender o ponto de vista de outro. Consiste em descobrir os "prêt-a-pensers", regras,
esquemas, roteiros, etc. e as suas interrelações numa pessoa específica, além dos momentos em que a pessoa usa um raciocínio mais abstrato.
Esta compreensão é útil para várias finalidades. Primeiro se comprendemos melhor alguem, podemos manipulá-lo melhor (para o seu próprio
bem, ou para o bem de quem faz a manipulação). Também podemos aproveitar a compreensão para esclarecer o comportamento de alguém
para uma terceira pessoa. Por exemplo, podemos identificar os roteiros, etc. usados por alguem para solucionar um crime. Sherlock Holmes
era perito em fazer conjecturas detalhados a respeito destes roteiros (Sebeok e Umiker-Sebeok 1987). Terceiro, podemos aproveitar uma
melhor compreensão do outro para descobrir novos roteiros, etc. que se mostram úteis e que poderiam ser adotados por nós ou por outros. Por
exemplo, posso ver como um mestre constroe uma casa e tentar imitá-lo. Ao analisar a literatura sobre cognição animal vimos que os animais
diferem muito quanto à sua capacidade para compreender o ponto de vista do outro. Estas diferenças de capacidade explicam algumas
diferenças quanto ao uso de técnicas de enganar, e quanto a tipos de ajuda que um animal pode prestar a outro. Também poderia ajudar na
"imitação" na medida em que isto existe. Mas como a compreensão exige uma "teoria da mente", é provável que não seja muito comum em
outros animais. De toda maneira o seu valor adaptativo não é difícil de imaginar.
A persuasão consiste em tentar influenciar o comportamento ou a cognição do outro. Por exemplo, posso querer persuadir alguem
para comprar um produto, liberar um réu, deixar de beber, ajudar com as crianças, ou simplesmente fazer acreditar que minha visão do mundo
é correto. Uma melhor compreensão do outro poderia ser muito útil para persuadir na medida em que identifica os pontos chaves ("fortes" ou
"fracos") no pensamento do outro. Mas também poderia ser problemático na medida em que se pode deixar seduzir pela argumentação do
outro -- um fenômeno muito comum para quem lida com alcoólatras por exemplo. Os animais não-humanos passam muito tempo com a
persuasão -- seja isto na forma de ameaças agressivas, sedução de parceiros sexuais, ou tentantivas de engano. Não é preciso ter uma "teoria
da mente" dos outros para poder persuadir. Basta observar os efeitos das suas ações.
A interpretação consiste na tentativa de adaptar para novas finalidades os roteiros, "prêt-a-pensers", etc. dos outros. Por exemplo,
posso fazer uma interpretação da música de Bach para inspirar novas idéias para compôr ou para tocar o órgão; posso interpretar o
pensamento de um criminoso famoso para obter idéias para um crime que pretendo cometer; posso interpretar a visão de um cientista quanto
ao fluxo de líquidos para adaptá-la à situação da eletricidade; ou posso interpretar uma visão indígena do mundo para descobrir novas
maneiras de lidar com a ecologia, ou com as ansiedades da vida moderna. Até certo ponto uma melhor compreensão poderia também facilitar
na interpretação, mas também esta compreensão poderia nos deixar presos à visão do outro a tal ponto que não conseguimos fazer inovações.
O que é chamado de "facilitação social" nos animais não-humanos, poderia ser encarado como uma forma de "interpretação". Os animais
observam outro animal fazer algo, e são inspirados a experimentar com o objeto ou a técnica.
A explicação consiste na tentativa de situar um fenômeno dentro de um contexto maior. É uma tentativa de generalização. Enquanto
a compreensão se situa próximo ao polo dos roteiros, e "prêt-a-pensers" detalhados e específicos, a explicação se situa mais próximo do polo
do raciocínio formal, e consiste numa abstração maior do fenômeno, ou mais precisamente, de aspectos específicos do fenômeno. Por
exemplo, podemos tentar generalizar fatores que levam ao crime, ou buscar generalizações quanto às características de criminosos. Neste
sentido, uma equipe do FBI conseguiu achar correlações entre características específicas de assassinos seriais e evidências que deixam no
local do crime, o que ajuda os policiais a concentrarem os seus esforços na investigação de pessoas com maior probabilidade de cometer estes
crimes (Porter 1983; Douglas et alii 1986). Outros exemplos: Podemos também descobrir os fatores que fazem com que as pessoas gostem de
certos tipos de música e não outros. Ou podemos averiguar que certas estruturas musicais implicam quase sempre em outras -- o contraponto
muito desenvolvido implica no uso de ritmos mais regulares, por exemplo. Ou podemos tentar descobrir porque alguns índios, mais que
outros, exibem uma atitude conservacionista quanto ao meio-ambiente. A utilidade da explicação consiste no seu uso no futuro para guiar o
comportamento. Se queremos incentivar uma visão conservacionista, por exemplo, podemos tentar manipular os fatores que aparentam levar
a esta atitude, em vez de tentar manipular diretamente a atitude em sí. Ou podemos obter uma idéia das características de música que
diferentes tipos de pessoas iriam gostar, e guiar as nossas composições nesta direção. Nos animais, a explicação corresponde ao uso de
"tentativas e erros" para tomar decisões. As "hipóteses" podem resultar diretamente de condicionamentos de associações, ou de
"experimentos mentais" nos quais as "tentativas e erros" são realizadas apenas na mente, e não na ação.
O físico experimental, W. Peter Trower (1992) coloca como meta da ciência a previsibilidade (à qual eu acrescenteria o contrôle que
a previsibilidade pode facilitar). A explicação leva a previsões na medida em que as suas generalizações ligam diferentes aspectos de
fenômenos. Se se sabe uma coisa, pode-se prever outra relacionada a ela. A compreensão leva a previsões na medida em que o esclarecimento
dos "prêt-a-pensers" ou dos momentos de raciocínio de uma pessoa permite prever, a partir do início de um "prêt-a-penser", o seu final, mas a
persuasão e interpretação não lidam com a previsibilidade.
Se aceitamos esta concepção de ciência, então precisamos reconhecer que os intelectuais precisam ter outras metas além da ciência
em sí. Afinal, que seria do mundo se não tivéssemos intelectuais capacitados para achar criminosos, escrever música, elaborar propostas
políticas, diagnosticar doenças, ou desenhar motores? Algumas previsões da ciência poderiam até ser úteis para estas diferentes tarefas, mas
nunca bastariam. Precisamos também trabalhar com o particular, o não replicável, e refletir bastante a respeito.
Meu problema com a academia não é a sua falta de ciência. Reconheço como muito valiosas, linhas acadêmicas que têm mais a ver
com o particular do que com a generalização. Os estudos de caso que enchem os currículos de quem estuda áreas como administração, direito,
psicologia clínica, serviço social, arquitectura, literatura ou música são extremamente valiosos. A compreensão e interpretação destes casos
particulares serve para despertar a atenção para soluções diferentes que poderiam ser aplicadas depois. Neste sentido, o treinamento é muito
prático. Só é lamentável que este treinamento nem sempre se mistura com a prática direta. Quem estuda a história de arte, não pinta; quem
estuda teoria musical, não compõe; e quem estuda literatura não escreve os nossos romances ou roteiros para filmes. Infelizmente, quem
muitas vezes acaba fazendo os quadros, as músicas e as novelas, desconhece a grande variedade de soluções encontradas por outros artistas,
compositores e escritores de outras épocas, outras culturas e outras etnias. Os benefícios da compreensão e da interpretação então se perdem.
Em vez de ser um problema, considero a diversidade de metas e métodos na academia como valiosa. O problema é não reconhecer o
valor destas diferentes tarefas, ou de confundí-las a tal ponto que nem se sabe para que serve o trabalho do outro, ou pior, o próprio trabalho.
Como fomos selecionados para poder utilizar todos estes tipos de raciocínio, acho que temos uma tendência também muito forte a querer
aplicá-los todos no nosso trabalho, mesmo quando não se aplicam. Isto, porque a especialização intelectual é algo "desnatural" para nós. Não
haviam pressões seletivas para separar tão nitidamente estas tarefas. Assim, por exemplo, confundimos muito tentativas de persuasão com
tentativas de explicação. Por exemplo, nós nos imaginamos como "cientistas" quando agimos apenas como cidadãos comuns a favor ou contra
uma dada política. Ou imaginamos que estamos explicando, quando estamos interpretando, como quando conseguimos produzir variações
num tema para desenhos de casas. Ou imaginamos que estamos compreendendo quando na realidade estamos explicando, como quando
encontramos um adolescente problemático e atribuimos os seus problemas a uma família desorganizada.
A tendência a misturar estas metas faz sentido em termos de seleção natural. Por exemplo, aproveitamos generalizações para explicar
um pedaço de um roteiro na compreensão de alguma coisa. É também "natural" tentar convencer os outros das nossas idéias, usando qualquer
"munição" cognitiva à nossa disposição. O problema para os intelectuais é que dentro da academia estamos numa posição um pouco
"desnatural" e precisamos ter muito cuidado com estes viéses naturias.
Viéses Sociais
Guy de Maupassant gostava de satirizar pretensões sociais e os pequenos rituais para marcar o status. No conto "le gâteu", ele relata
o ritual de uma dama que reunia intelectuais e artistas periodicamente, deixando o seu marido numa sala menor aparte com "os agrônomos,"
amigos dele. O grande marcador de status nestas reuniões foi o privilégio de poder cortar um brioche na hora de servir a comida, uma honra
concedida pela grande dama. Como se pode imaginar, na estória de Maupassant o status desta dama se baseiava em critérios os mais
superficiais, mas teve um impacto tremendo. Só que ao envelhecer a dama perdeu o seu status e o que era uma honra acabou sendo um
vexâme, a tal ponto que a nossa heroína precisava cortar o bolo ela mesma.
Quem já frequentou alguma vez um congresso de intelectuais não terá dificuldades em fazer a conexão com esta pequena estória. As
pessoas demonstram uma verdadeira mania em querer ficar próximos aos grandes nomes, tanto nas mesas redondas ou grupos de trabalho,
como nas conversas informais ou até no hotel. E evitam contatos com os indivíduos mais baixos na hierarquia. Esta mania tem os seus
paralelos diretos em sociedades de primatas. Há uma grande competição entre os animais subordinados para poder se aproximar aos
dominantes. Por exemplo, Cheney e Seyfarth (1990) mostraram que macacos vervets mais altos na hierarquia de dominância são mais alvos
de tentativas de "grooming" (tirando piolhos), e que macacos não dominantes, mas ainda altos na hierarquia, tem mais chances de cuidar de
um macaco dominante do que um macaco mais baixo, que é muitas vezes deslocado desta atividade.
A questão que se coloca aquí é como este, e outros comportamentos sociais, afetam a argumentação intelectual. A hierarquia social
vem a tona nos argumentos ad verecundiam (a estratégia no. XXX de Schopenhauer) que apelam para a autoridade, e nos argumentos ad
personem (nl. XXXVIII) que chamam a atenção para características pessoais não desejadas no adversário. Num argumento ad verecundiam
geralmente tenta-se mostrar a afinidade do argumento que se quer demonstrar com uma idéia de alguma autoridade. Isto se faz atribuindo o
seu argumento diretamente à autoridade como no uso de frases do tipo "Como Jesus [ou Marx ou Darwin] mesmo falou", ou usando técnicas
mais indiretas, como informando à plateia (ou ao leitor) que se falou diretamente com aquela autoridade (mesmo sobre outro assunto), ou no
uso de citações das autoridades -- especialmente se são feitas numa lingua estrangeira (como no meu uso aquí dos termos em latim, que nem
eu entendo). Como sugere Schopenhauer, este tipo de argumentação funciona melhor com platéias menos informadas, pois quanto mais
instruída a plateia, menos confiança terá na autoridade em pauta.
O argumento ad personem tenta desprestigiar a pessoa do adversário em vez de atacar as suas idéias. Esta estratégia funciona na
medida em que há uma tendência para manter distância de pessoas baixas na hierarquia de dominância. Por exemplo, pode-se chamar alguém
de "burgués" ou "neurótico" ou "hipócrito". Um pouco (mas não muito) mais sutil é atacar a formação acadêmica de alguem -- "Mas ele não
é médico!" Me lembro de uma troca de insultos anos atrás entre Darcy Ribeiro e Roberto da Matta. Os dois insultavam um ao outro por sua
formação em escolas mais "francesas" ou "americanas". Como avisa Schopenhauer na sua estratégia XXIX, argumentos ad personem são
muito comuns. Basta que duas pessoas comecem a brigar e as acusações mútuas sobre tudo quanto é coisa vêm à tona. Mas esta estratégia é
muito perigosa, pois os dois lados podem se destruir mutuamente, fornecendo munição para um terceiro que derruba os dois.
O apelo ao consenso é também muito útil. Evitamos a rejeição do nosso grupo, e não gostamos de o contrariar. Uma estratégia para
apoiar um argumento é simplesmente declarar que há consenso sobre um assunto, mesmo se não há. Por exemplo, é possível simplesmente
declarar que "os antropólogos reconhecem que o tabú de incesto resulta da necessidade de estabelecer relações de parentesco com outros
grupos". Esta tática só funciona se os leitores ou a plateia não estão ao par dos argumentos alternativos em debate. Uma tática mais sutil é de
misturar estas idéias no meio de uma outra discussão, onde não cabe debate (no. IV de Schopenhauer). Por exemplo, pode-se colocar estas
afirmações entre parênteses espalhados no texto: "As duas personagens desta história foram alvo de suspeita na comunidade (e sabemos que o
repúdio ao incesto resulta da recusa de formar laços entre grupos). Isto provocou uma briga". Críticas e insultos são especialmente eficazes se
colocados entre parênteses en passant. Esta tática coloca como "dada" (ou consensual) a afirmação, e ao mesmo tempo torna inapropriado o
seu debate, pois o que está entre parênteses é periférico ao argumento central. Um exemplo: "Numa mensagem pronunciada perante a
sociedade da indústria química de Nova York (existe garantia maior de Positivismo que a aproximação destas três qualidades: industria,
química, americano?), Millikan dá como causa dos raios cósmicos o processo..." (Bachelard 1968). Com estas táticas, cria-se a imagem de
consenso, sem a necessidade de colocar estas idéias em discussão.
Outras estratégias se baseiam na dinâmica social do próprio debate. As vezes pode ser vantajoso deixar o adversário com raiva, pois
assim não pensará direito (estratégia no. VIII). Uma estratégia (no. XIV) depende muito da teatralidade do debate:
This which is an impudent trick, is played as follows: When your opponent has answered several of your questions
without the answers turning out favourable to the conclusion at which you are aiming, advance the desired conclusion --
although it does not in the least follow -- as though it had been proved, and proclaim it in a tone of triumph. If your opponent
is shy or stupid, and you yourself possess a great deal of impudence and a good voice, the trick may easily succeed. It is akin
to the fallacy non causae ut causae. [Isto, que é um truque muito audacioso, se faz da seguinte maneira: Quando o adversário
responde a várias das suas perguntas sem que as respostas fiquem favoráveis à conclusão a que se quer chegar, simplesmente
adianta a conclusão desejada, embora não tenha nada a ver, como se tivesse sido provada, e a proclame num tom de triunfo. Se
o seu adversário é tímido ou estúpido, e se você possui muita insolência e uma boa voz, o truque pode muito bem dar certo.]
Outro truque conta com o desejo (muito adaptativo) de manter a paz, mesmo se isto implica em sacrificar a verdade (Schopenhauer -
conclusão). Isto consiste em demonstrar que você está muito disposto a brigar com quem discordar. Uma versão mais sutil disto é fazer
declarações extremadas. Por exemplo, uma declaração como "Achei muito interessante a ligação que tal e tal fez entre A e B..." convida ao
debate. Mas uma declaração do tipo "O trabalho brilhante de tal e tal" força quem discordar da avaliação do trabalho a brigar. Como a
maioria prefere não brigar, fecha-se o assunto.
Finalmente, como vimos no último capítulo sobre o raciocínio a partir dos "contratos sociais", as pessoas evitam tirar conclusões que
vão contra os seus próprios interesses. Um truque, então, é tentar tirar uma conclusão que vai contra os interesses de quem propõe o
argumento (estratégia no.XXXV). Assim, por exemplo, numa discussão com um antropólogo, se você consegue mostrar que o seu argumento
implicaria na inutilidade da antropologia, é bem provável que ele mude de idéia.
(Em outro local Schopenhauer criou coragem para apontar um dos seus contemporâneos: "There were many passages in them [os trabalhos de
Hegel] where the author wrote the words, and it was left to the reader to find a meaning for them."[haviam muitos trechos neles onde o autor
escreveu as palavras, e ficou para o leitor a tarefa de encontrar algum sentindo.]
Os viéses para associação formam a base para outros truques. Por exemplo, uma possibilidade consiste em reforçar um argumento
com um caso muito concreto e saliente, de preferência com imagens. As pessoas tenderão a se lembrar e a prestar muito mais atenção a este
caso vívido, do que a um trabalho mais sistemático, mas sem as imagens concretas. A imprensa marrom aproveita muito deste truque para
avançar as suas idéias a respeito de crime e moral. Mas a escolha de "depoimentos" mais vívidos para apresentação nas ciências sociais
também aproveita este viés.
A repetição também ajuda a formar uma associação. O truque das críticas entre parênteses citado em cima depende em parte deste
fenômeno cognitivo. Se repete muito os insultos, em passant, sem dar abertura para debate. O sucesso de "panelinhas" acadêmicas também
depende em parte da repetição de idéias -- e mais importante, de citações mútuas -- para criar uma noção de "consenso".
Muitos truques dependem de associações de técnicas, pessoas, e idéias com eventos vívidos do passado. Mais clássica é a evocação
do nazismo para desvalorizar argumentos biológicos com respeito ao ser humano. Da mesma maneira, a evocação da manipulação de técnicas
quantitativas para fins políticas serve para desprestigiar todo uso destas técnicas para qualquer finalidade.
Uma maneira de criar associações desagradáveis é a aplicação de um rótulo. Schopenhauer (no. XII e no. XXXII) argumenta que
isto é uma forma de petitio principii, ou seja, o que se quer mostrar (a crítica), já está embutido no rótulo. Bourdieu (1987: 169), reagindo ao
rótulo de "funcionalista" atribuído a ele por Peter Burger, argumenta que "l'étiquetage, qui est l'équivalent "savant" de l'insulte, est aussi une
stratégie commune, et d'autant plus puissant que l'étiquette, comme ici, est à la fois plus stigmatisante e plus vague, donc irréfutable." [A
rotulação, que é o equivalente "sábio" do insulto, é também uma estratégia comum, e quanto mais estigmatisante e vaga (então irrefutável) ela
é, mais poderosa ela se torna.] Outros rótulos "desprestigiados" e também vagos, muito populares nas ciências sociais incluem "reducionista",
"determinista", "simplista", "positivista", "tecnicista", "empiricista", "culturalista", "obscurantista", e "cientificista". Como argumenta
Schopenhauer (no. XXXII) o uso destes rótulos pressupõe duas coisas. Primeiro, que "a asserção em questão é idêntica ao, ou pelo menos
incluída, no rótulo citado -- isto é, você grita 'O, Já aprendí isto antes'," e segundo "que o sistema referido têm sido totalmente refutado, e não
contem nada de verdade". Traduzindo para os meus termos, eu encararia estes rótulos como pequenos "prêt-a-pensers" que já ganharam a
autoridade do "consenso", e que permitem fechar um pensamento. Nem todos os rótulos são negativos. Há alguns que aumentam o prestígio,
por exemplo: "complexo", ou "dialético". Muitos autores tentam aplicar estes rótulos a se mesmos, embora aproveitem diferentes sentidos das
palavras para fazê-lo. Por exemplo, a palavra "dialética" tem sido usado para significiar idéias tão diferentes como 1) conflitos de interesse
(especialmente de classe), 2) causação mútua (na linguagem da teoria de sistemas, "retroalimentação aumentativa") e 3) uma análise que parte
de diferentes ângulos, ou contextos (incluindo "intuições" junto com raciocínio mais formal, por exemplo). Para aplicar um rótulo a alguém,
basta achar uma semelhança entre apenas uma das várias idéias sendo propostas e apenas um dos sentidos do rótulo. As associações com os
outros sentidos seguirão automaticamente, pois, como vimos no capítulo anterior, os nossos conceitos naturalmente são construídos a partir de
associações.
Apresentei estes "truques" de argumentação para ilustrar o quanto a vida acadêmica está impregnada dos viéses do senso comum.
Posso ter dado a impressão de ser excessivamente cínico. Mas a intenção não era condenar a academia. Acho difícil negar os progressos que
têm ocorrido nas ciências nos últimos séculos, apesar, ou talvez em parte por causa destes viéses. No fundo, acho impossível e até indesejável
eliminá-los. Como tentei argumentar já no primeiro capítulo, sem pré-conceitos, sem alguma coisa prévia na nossa cabeça, nem podemos
pensar. O segundo e o terceiro capítulos se dedicavam basicamente a mostrar quais seriam estes pré-conceitos. Não acho nada viável então a
idéia de alguns realistas ingênuos de tentar se livrar dos preconceitos antes de partir para o campo. Isto é simplesmente impossível, não
porque o nosso espírito é fraco, mas porque sem os pré-conceitos, nem temos espírito. A minha proposta é de entender os nossos viéses e
talvez controlá-los para um melhor proveito.
Sociologia do Conhecimento
A sociologia e a psicologia do conhecimento tem revelado muitos fatores que aparentam afetar não só como as pessoas geram as
idéias, mas também como as verificam. Idéias acadêmicas têm sido ligadas à políticas nacionais, a questões práticas de financiamento de
pesquisas, e a broncas pessoais. Por exemplo, Wilk (1985) descobriu uma correlação entre os fatores citados como responsáveis pela queda
de civilizações antigas pela arqueologia, e fatores que chamavam atenção na política norteamericana de diferentes épocas. Assim, por
exemplo, durante a guerra de Vietnã, os arqueólogos prestavam muita atenção à guerra como fator de desintegração de uma civilização. O
movimento ecológico posterior levou a dar mais atenção a fatores ecológicos, e alguns movimentos religiosos inspiraram teorias que ligavam
a religião à queda de civilizações. Kuper (1973) chama atenção para o nível de política acadêmica na hora de distribuição de bolsas de
estudo, e vê ligações entre as finalidades destes órgãos (alguns controlados pelos próprios acadêmicos) e os tipos de pesquisa mais
valorizados dentro da antropologia. Kardiner e Preble (1964) salientam a influência de aspectos da vida pessoal na obra de estudiosos como
Durkheim (que valorizava muito as suas amizades) e Boas (que sofreu discriminação pela sua orígem judaica, mas que tinha um modelo na
mãe de como lutar politicamente). As influências não só partem de diferentes níveis (política nacional, política acadêmcia, política
doméstica), mas também envolvem diferentes tipos de influência. As idéias podem se inspirar num desejo para justificar uma política
nacional, ou para se defender pessoalmente, podem vir de uma exigência para facilitar uma atuação política nacional, ou resultar de um desejo
para descobrir algo que ajude na vida pessoal e prática. Também as idéias podem simplesmente refletir as metáforas ou os "prêt-a-pensers"
típicos de uma cultura, de uma sub-cultura, ou da vida pessoal.
O reconhecimento destas influências ajuda a entender a orígem de diferentes idéias. Isto talvez nos ajude a descobrir meios de
estimular a produção de idéias novas. -- Não seria interessante, por exemplo, assegurar que a academia misture pessoas de diferentes orígens
para garantir uma maior troca de idéias?
Mas as vezes os estudos sobre as orígens sociais de idéias acabam sendo usados em argumentos ad personem, um uso que acho
lamentável. Encaro a sociologia de ciência como lidando com o contexto da descoberta de idéias, enquanto argumentos ad personem lidam
com o contexto de averiguação. Acho ótimo descobrir ligações entre idéias e orígens ou interesses pessoais. Acho péssimo usar estas orígens
ou interesses para avaliar se uma idéia está certa ou não. Mas eu sei que outras pessoas têm idéias diferentes. O meu próprio interesse em
distingüir entre estes dois contextos (de descoberta vs. de averiguação) já vêm da minha formação e cultura (ianque imperialista), que alguns
condenariam. Então gostaria de fazer um pouco de sociologia de conhecimento a respeito de diferentes posturas epistemológicas.
Quando comecei a dar aulas sobre a história da antropologia, fiquei impressionado com as diferentes ênfases nos textos de história
de antropologia dadas por autores de diferentes nacionalidades. Em particular, os franceses (Descola et alii 1988; e Schulte-Tenckhoff 1985)
falavam muito do que eu classificaria como o contexto da descoberta -- a orígem e estrutura das idéias de diferentes antropólogos. Em
contrapartido, os americanos (Kaplan e Manners 1975: Harris 1980) enfatizavam muito mais o contexto da averiguação. Recentemente, lí o
comentário de um filósofo inglês que distingüiu entre os ingleses e americanos. Reconhecia que os dois se interessavam na averiguação de
idéias, mas argumentou que as idéias dos ingleses eram derivadas muito mais de teorias maiores, enquanto os americanos inventavam
hipóteses mais "concretas" sem se preocuparem tanto na ligação entre estas hipóteses e as teorias maiores.
O que me chamou atenção é que este contraste é muito parecido com um contraste feito por Swanson (s.d.) sobre outro assunto -- a
Reforma Protestante. Elaborando sobre algumas idéias de Durkheim, Swanson argumenta, de forma geral, que os sobrenaturais representam
grupos políticos numa sociedade. Por isto, as relações que as pessoas mantém com os seus deuses têm paralelos diretos com as relações que
têm com os poderes políticos. Discutí mais a fundo estas idéias em Werner (1992). O que me chamou atenção aquí é como Swanson explica a
relação entre a teologia da Reforma e a política. Swanson encarava o debate teológico a respeito de como a graça de Deus chega ao ser
humano como representando um debate político. Nos países católicos os poderes centrais (que estes fossem reis ou conselhos) nomeavam
representantes que foram mandados e instalados diretamente em regiões mais distantes. As decisões tomadas nos centros foram
implementadas diretamente. Esta prática seria representada na Santa Comunhão, por exemplo, pela idéia de que o pão e o vinho se tornam o
corpo e o sangue de Cristo, independentemente do que pensam as pessoas que recebem a comunhão. A graça de Deus vêm diretamente ao
homem. No caso da Inglaterra e de muitas principalidades da Alemanha, a situação política era outra. Enrique VIII e os príncipes alemães
nomeavam os seus representantes, mas o povo local precisava avaliá-los, e tinha o direito de vetá-los. Paralelamente, na Santa Comunhão
anglicana e luterana o pão e o vinho viram corpo e sangue, mas apenas se o comungante aceita. Existe o poder de veto quanto à graça de
Deus. Nas regiões calvinistas, como Escocia e algumas regiões da Suiça, o povo selecionava os seus próprios representantes. Qualquer um
poderia, em teoria, ser eleito. Paralelamente na religião calvinista, o povo se considera como "eleito" por Deus. Na Santa Comunhão, o pão e
o vinho apenas "representam" o corpo e o sangue de Cristo.
Será que as nossas ênfases epistemológicas não têm os seus paralelos nas formas políticas de diferentes países? O "federalismo" do
sistema norteamericano favorece uma certa independência entre os níveis mais locais e os níveis nacionais. Leis são elaboradas ao nível local
para finalidades locais. O governo inglês é mais centralizado. Os americanos e os ingleses avaliam localmente muitas propostas vindas dos
centros, e estas avaliações não são apenas pro forma, ou homologações rotineiras de decisões que já foram tomadas. No caso dos franceses
esta avaliação posterior à elaboração das leis é menos importante (por exemplo, a organização das escolas). Há paralelos então entre os
rumos que tomam as decisões políticas, as idéias dos intelectuais, e a graça de Deus. Parece que os "prêt-a-pensers" (ou "habitus" se quiser
usar um conceito parecido de Bourdieu -- 1987) destes diferentes povos consistem em noções gerais quanto ao valor dado à hierarquia de
idéias e a importância de diferentes momentos da sua avaliação.
Coloco estas reflexões apenas como indicativo de uma maneira de encarar relações entre a sociedade e as idéias -- neste caso, a
própria epistemologia. A análise da subjetividade por trás das idéias epistemológicas possa talvez ajudar a entender os nossos "vícios" e
"virtudes" ao refletir. Não sei qual sistema é melhor, ou se é possível fazer um tal julgamento. Talvez os americanos sacrifiquem uma
consistência interna quanto a leis, idéias intelectuais e a graça divina, para dar mais "oportunidade" para indivíduos se expressarem e para
averiguar o funcionamento de políticas ao nível local (o que não evita conflitos e competição forte entre um local/grupo e outro), enquanto os
franceses sacrificam a eficacia local para formar um conjunto mais coerente e consistente. Talvez fosse interessante avaliar paralelos entre os
rumos que tomam as decisões políticas, a graça divina, e as idéias acadêmicas nos Brasil. Fry (1982) já analisou paralelos entre o sistema
política personalista do Brasil e o Candomblé, mas falta conectar estas idéias com a epistemologia brasileira.
Técnicas Quantitativas
Há tres tipos de mentira: mentiras, mentiras desgraçadas, e estatísticas.
-- Disraeli
Muitas pessoas concordam com a opinião de Disraeli a respeito de técnicas quantitativas. Vemos exemplos grosseiros da
manipulação de números para finalidades políticas ou publicitárias. Alguém no governo muda o cálculo do índice de inflação e depois declara
que a inflação baixou (embora esteja comparando índices diferentes). Um psicanalista diz que fez terapia em dezenas de homossexuais e que
todos eram neuróticos (embora não diz quantos dos seus pacientes heterossexuais eram neuróticos, nem o que entende por "neurótico"). Uma
publicidade declara que 90% de uma população entrevistada preferiu a sua marca de cerveja (não diz qual a população, nem as escolhas que
foram oferecidas, nem como foi feita a pesquisa). Muitos anos atrás Huff (1954) satirizou estas manipulações na forma de dicas sobre como
"mentir com estatísticas". Cita exemplos como a manipulação do desenho de gráficos para que diferenças apareçam maiores ou menores, e
transformações de índices como os seguintes, que poderiam todos se referir à mesma coisa: um retorno de 1% nas vendas, um retorno de 15%
num investimento, um lucro de $10.000.000, um aumento de lucos de 40% (com relação à média dos últimos cinco anos), ou uma diminuição
de lucro de 60% (com relação ao ano anterior). As impressões que se cria mudam muito de acordo com o índice escolhido.
Juntando estas desconfianças com uma aversão geral para números, muitos, senão a grande maioria, dos estudiosos das áreas
humanas prefere simplesmente evitar qualquer contato com técnicas quantitativas, que se trate de ler artigos com números ou de usar números
na própria pesquisa. Com efeito, há exemplos de manipulações grosseiras de números, e até falsificação de dados quantitativos para tentar
fazer os números apoiar uma idéia. Gould (1981) documentou a história infâme das tentativas de medir "inteligência". Esta história incluiu o
uso de "truques" como medições manipuladas do volume de um crânio, mudanças de critérios para índices cranianos e a manipulação do
conteúdo de testes de "inteligência".
Além destas manipulações, na medida em que as pessoas se sentem inseguras com a matemática, esta se torna uma arma muito útil
para efetivar a "enrolação" da estratégia XXXVI de Schopenhauer. Existem pesquisadores que adoram apresentar equações matemáticas
complicadas, e tabelas incompreensíveis como sustento para as suas conclusões, embora as equações e os números não tenham nenhuma
relação com o argumento. Um exemplo fácil de se perceber vem da análise feita por Lévi-Strauss (1976) do "mito de Asdiwal" dos índios do
litoral noroeste norteamericano. Nesta análise, Lévi-Strauss tenta mostrar que o significado de diferentes elementos de um mito (como o
significado de palavras num idioma) só pode ser dado tendo em vista a relação que um elemento narrativo tem em contraste com os outros
elementos. Assim, Lévi-Strauss tenta estabelecer os contrastes entre estes elementos para poder revelar o seu significado. Num dado momento
começa a colocar estes contrastes em termos de equações lógico-matemáticas, que permitem a sua transformação em outras equações. Por
exemplo, uma equação (1) céu:terra::terra:água ("céu é para a terra como a terra é para a água") se transforma em outra: (2)
1
céu:água::terra:terra (Lévi-Strauss 1976: 180). A equação (c ): [(~carne):(~peixe)]::[dx(carne+peixe):dx(alimento vegeta l)] é algo mais
complicada. O "derivado" de carne+peixe na análise de Lévi-Strauss consiste na ova de peixe (p.190). (Para não assustar os não-antropólogos
que lêem este texto, devo esclarecer que os antropólogos geralmente interpretam estas interpretações de Lévi-Strauss como "poesia"
(espero)).
Acho que temos que encarar estes usos "deshonestos" de técnicas quantitativas da mesma forma que encaramos as outras estratégias
de Schopenhauer. Com efeito, se baseiam nos mesmos viéses. O truque dos gráficos se baseia na idéia de saliência; as outras manipulações
descritas por Gould se baseiam nos viéses sociais; e o truque de "enrolação" se baseia nas nossas limitações cognitivas quanto à abstração.
Mas apesar destes problemas, técnicas quantitativas podem ser muito úteis. Não são todo-poderosos, não provam nada. Aliás, não há nada
que prove coisa alguma, nem na compreensão, nem na interpretação nem na persuasão, nem na ciência. Precisamos ficar bem claros quanto a
isto. Só porque alguma tabela estatística ou uma simulação de computador ou uma programação linear é compatível com algum argumento,
isto não quer dizer que o argumento está certo. Não existe esta certeza. Como apontam Gould (1981) e Feynmann (1965), falando sobre o uso
da quantificação na psicologia e na física respectivamente, é sempre possível que alguem ache outra fórmula matemática, ou simulação de
computador que dá conta igualmente bem dos dados. Com ou sem técnicas quantitativas, temos que desistir de qualquer pretensão a chegar à
Verdade. O máximo que podemos fazer é comparar diferentes argumentos/teorias/ explicações/ "prêt-a-pensers" para averiguar quais batem
melhor com dados.
Acho que muitos dos malentendidos de estatísticos e matemáticos profissionais decorrem justamente desta questão epistemológica
básica. Me lembro como me sentí, quando aluno de pós-graduação, ao ler o manual SPSS para análises estatísticas. Estava considerando a
possibilidade de usar uma análise de trajetória para trabalhar alguns dados, mas quando lí o texto do estatístico que escreveu a respeito desta
técnica, vi a afirmação de que eu teria que já saber quais eram as ligações causais entre as diferentes variáveis. No início me assustei com
esta afirmação. Eu não poderia de forma alguma saber quais eram as ligações causais. Aliás era justamente isto o que eu queria descobrir.
Precisava refletir muito para me dar conta que ninguem poderia saber das causas de coisa alguma. Então, ou a técnica era inútil para qualquer
um, ou o seu uso tinha que ser repensado. Só me dei conta depois, que a técnica era útil, sim. Simplesmente tinha que reconhecer, como aliás
sempre é o caso, que se tratava de um modelo, e que este modelo (como qualquer outra explicação) só poderia ser aceito ou não em
comparação com modelos alternativos para o mesmo fenômeno. Evidentemente, mesmo sendo melhor que as alternativas, o modelo seria
sempre provisório, pois outro pesquisador poderia eventualmente achar um modelo melhor.
Como vimos no capítulo anterior, temos limites na nossa capacidade de reconhecer co-variação. A grande vantagem das análises
estatísticas é o seu esclarecimento desta covariação. Em algumas áreas (como a física) a covariação é mais fácil de ver. Podemos construir um
laboratório que controla os fatores que não nos interessam -- como temperatura, pressão atmosférica, fricção, etc.). Neste ambiente controlado
podemos ver mais facilmente as relações entre as variáveis que realmente nos interessam (como massa e velocidade, por exemplo). Em outras
áreas é mais difícil fazer este tipo de controle. Passa-se então a fazer outros tipos de estudo. Na biologia é comum o uso de "grupos de
controle". Para testar o efeito de uma química sobre o comportamento de um animal, por exemplo, pode-se dividir ratos (de preferência
geneticamente muito parecidos) aleatoriamente em dois grupos. Um grupo receberá a química na sua comida e outro grupo receberá comida
sem esta química. Depois observa-se se deu uma diferença. Embora até certo ponto estes métodos para controlar variáveis também possam ser
usados em pesquisas sociais (ver Brim e Spain 1974 para exemplos), geralmente precisamos recorrer a contrôles estatísticos.
No caso dos "grupos de controle" a divisão aleatório dos animais (ou plantas, ou pedras ou pessoas, etc.) em dois grupos garante
(mais ou menos) que estes grupos serão diferentes apenas naquelas variáveis que nos manipulamos. No caso de contrôles estatísticas nas
pesquisas sociais não temos esta garantia. Por exemplo, descobrimos que as pessoas que frequentam a universidade pensam de uma forma
diferente daquelas que não frequentam a universidade. Podemos achar que a universidade ensina as pessoas a pensarem de outra forma. Mas
existem outras possibilidades. Talvez quem vai para a universidade já pensa de forma diferente antes de entrar. Diferenças econômicas,
étnicas, de idade, etc. poderiam também explicar estas diferenças. Enfim, nunca podemos saber se é a universidade mesma que fez a
diferença.
Isto abala o uso de estatísticas nas ciências sociais? Acho que não. Vale observar que o uso de "grupos de controle" como na
biologia também não garante que os nossos modelos sejam corretos. Por exemplo, numa experiência famosa (relatado por Landauer e
Whiting 1964) ratos foram divididos em um grupo que recebia "carinho" periodicamente e outro que não recebia este "carinho". Notou-se
que os ratos acariciados cresciam mais e exploravam mais os seu espaço, e concluiu-se que carinho era bom para o crescimento e para tirar o
medo de descobrir coisas novas. No entanto, posteriormente, descobriu-se que o "carinho" deve ter sido estressante do ponto de vista do rato.
Aliás, qualquer estímulo, estressante ou não, produzia estes efeitos. Assim, nenhum dos métodos para controlar variáveis garante que o nosso
argumento seja correto. Preciso repetir? Podemos apenas comparar argumentos alternativos. Por isto "quem tem apenas uma solução, não tem
nenhuma".
A busca de covariação nas áreas humanas permite comparar diferentes argumentos e às vezes esclarecer novas relações entre eles.
Para ilustrar, considerarei o estudo de Ember e Ember (1983) sobre as formas "patrilocais" e "matrilocais" de residência pós-marital. A
decisão sobre onde o casal deve morar depois de se casar é comum a todas as sociedades humanas. Na maioria das sociedades no registro
antropológico existe uma regra que define que o casal deve morar, ou com os pais do noivo (chamada patrilocal, ou talvez melhor, virilocal),
ou com os pais da noiva (chamada matrilocal, ou talvez melhor uxorilocal). Porquê uma cultura optaria pela patrilocalidade e outra pela
matrilocalidade? Ember e Ember distinguem várias explicações. Uma explicação sugere que o que determina a regra é a contribuição para a
subsistência dada pelos homens ou pelas mulheres. Onde os homens trazem a comida, eles ganhariam mais poder, e a decisão sobre onde
morar ficaria com eles. Naturalmente o noivo optaria para ficar com os seus pais. No caso das mulheres contribuirem mais, seria a noiva que
teria o poder para optar para sua casa natal. Ao comparar diferentes culturas indígenas da América do Norte, os Embers acharam uma
correlação para apoiar este argumento (ver Tabela 4.1).
Table 4.1
Como se vê na tabela 4.1, das 21 sociedades onde a mulher contribui mais para
a subsistência, a maioria (12) era matrilocal, enquanto nas 43 sociedades onde os homens contribuem mais para a subsistência a grande
maioria (37) não era matrilocal.
Esta tabela apoia o argumento da contribuição à subsistência. Mas quando os Embers examinaram uma amostra composta por
sociedades no mundo inteiro, a correlação desapareceu. Para esclarecer isto os Embers então examinaram um segundo argumento.
Raciocinaram que mais importante que a contribuição à subsistência seria a guerra -- principalmente se se faz guerra com comunidades do
mesmo grupo lingüístico, e especialmente se às vezes se dá guerra entre as comunidades natais de um marido e da sua esposa. Os Embers
chamavam este tipo de guerra de "guerra interna". No caso de haver guerra interna há um problema muito sério. O jovem que veio de fora
para morar com os seus sogros está em território inimigo! Os Embers raciocinaram que isto seria especialmente problemático para um
homem, uma vez que são os homens que guerreiam. Se estivesse morando com o seu sogro um homem teria que optar pelo lado do seu pai ou
do seu sogro nas batalhas. No caso de patrilocalidade seria a mulher que se encontraria em território inimigo. Mas segundo o raciocínio dos
Ember, haveria menos dificuldade, pois a mulher, ao não brigar, poderia evitar de optar por um dos lados. (Isto não quer dizer que não
haveria problemas. Por exemplo, em muitas regiões da Nova Guiné os homens reclamam que "casam com os seus inimigos" e precisam
manter uma certa distância das próprias esposas para evitar espionagem.) O problema de guerra é muito mais imediato e sério que a questão
da contribuição para subsistência. Então a presença de guerra interna deve dar preferência para patrilocalidade mesmo quando as mulheres
contribuem mais para a subsistência. É isto o que os Embers acharam. (ver tabela 4.2).
Tabela 4.2
Crítica: Mas há muitas excessões para acreditar que tem algo aí.
Resposta: Isto é a pior crítica de todas. As técnicas estatísticas existem justamente para averiguar que o número de excessões é pequena. No
entanto, vale a pena tentar explicar as excessões. Há várias explicações possíveis. Primeiro, as excessões podem ser "espúrias", na medida em
que se trata simplesmente de problemas na medição de uma variável. Se as medições fossem corretas não haveriam excessões. Outra
possibilidade é que as excessões se devem a outros fatores não examinados, mas que também são importantes. A maioria dos fenômenos
variam de acordo com vários parâmetros, não apenas uma "causa" ou uma "condição". Vale a pena então perguntar quais seriam estes outros
fatores. Finalmente, é possível que a realidade mesma tenha um elmento "estocástico" que faz com que nunca possamos fazer previsões
exatas. Mas o fato de termos achado uma correlação estatisticamente significativa indica que há alguma coisa aí que não é casual.
Crítica: Não se pode usar técnicas quantitativas sem ter uma amostra representativa.
Resposta: Representativa de quê? As disciplinas de estatística oferecidas nas universidades geralmente começam com uma longa discussão
sobre amostragem. O aluno é avisado que a primeira tarefa que tem que resolver é decidir qual o seu universo, para depois poder tirar uma
amostra representativa. Para alguns tipos de pesquisa, este conselho é válido. Por exemplo, se estamos interessados em abrir uma loja de
calçados numa comunidade, poderiamos bem querer saber quantas pessoas neste local usam sapatos de diferentes tamanhos. Com as técnicas
de amostragem inventadas pelos estatísticos poderiamos colher informações de poucas pessoas e tirar conclusões maravilhosas do tipo:
Temos 95% de certeza de que entre 25% e 28% da população masculina aquí usa sapatos tamanho 36. Mas mesmo nestas situações a
utilidade deste tipo de informação é limitada. Não sabemos se a probabilidade de comprar é igual para todos os tamanhos. Possivelmente os
mais ricos que compram mais sapatos também usam sapatos maiores. Por outro lado, é possível que os ricos, que tem maior probabilidade de
ter carros, não façam as suas compras no local. Assim não deveriamos estocar a loja com as mesmas proporções de tamanhos que há na
comunidade. Precisamos mais informações a respeito.
Mesmo em situações onde a escolha da pessoa não interfere na questão, há ainda problemas. Todo mundo precisa votar. Não vale a
pena, então, fazer pesquisas de intenção de voto para saber como vão as coisas? Podemos perguntar às pessoas em quem pensam votar e tirar
a conclusão de que o nosso candidato está na frente. Isto pode ser útil para fins de propaganda, na medida em que as pessoas preferem votar
em quem vai ganhar. Mas acho que não ajuda muito para descobrir como organizar uma campanha. Até para prever uma eleição é preciso
saber mais. Mais interessante seria descobrir quais os elementos da nossa plataforma que são vistos como mais importantes e desejados. As
pessoas dão mais atenção a nossa promessa de investir no carnaval, ou a nossa promessa de expandir o número de ônibus? Qual assunto é
mais importante para qual categoria de pessoa?
Também é bom ficar um pouco cético quanto à intenção de voto ou qualquer outro assunto que aparece numa pesquisa de opinião
pública. As pessoas mentem, tentam agradar o entrevistador, se calam, etc. Várias pesquisas têm mostrado como a própria situação da
pesquisa afeta os resultados de um inquérito de opinião pública. Por exemplo, Huff (1954) citou uma pesquisa realizada durante a segunda
guerra mundial entre 500 negros de uma cidade sulista norteamericana. Foram feitas apenas tres perguntas. Uma pergunta era "Você acha que
os negros seriam tratados melhor ou pior aquí se os japoneses conquistassem os Estados Unidos?" Quando indagados por brancos, apenas 2%
responderam "melhor", mas quando indagados por negros, isto subiu para 9%. Quando perguntados se era mais importante conquistar o Eixo
ou melhorar a democracia nos Estados Unidos, 62% daqueles entrevistados por brancos responderam "conquistar o Eixo," enquanto apenas
39% deram esta resposta para entrevistadores negros. Os outros ítens num questionário ou entrevista também afetam muito as respostas. Por
exemplo, Winkel e Vru (1990) descobriram que as pessoas expressavam mais medo de crime se já tinham respondido a outras perguntas que
ressaltavam 1) crimes cometidos anteriormente no local, e 2) crimes cometidos contra pessoas parecidas com o entrevistado. Para resumir, os
problemas de viéses nas respostas são enormes, e nenhum cuidado especial com as amostras resolverá estes problemas.
Para algumas pessoas, basta saber destes problemas para invalidar tudo e qualquer tipo de análise estatística. Afinal, se nem
podemos ter confiança nas respostas simples de enquêtes deste tipo, que envolvem tantos viéses, como podemos trabalhar com covariação
onde as questões teóricas são maiores?
Acho que a questão é enganosa. Como salientei antes, não podemos eliminar viéses. Eliminando viéses nem temos como pensar. A
questão não é eliminar os viéses, senão controlá-los. Se a mesma pesquisa de opinião pública é feita em momentos diferentes, pelas mesmas
pessoas, com os mesmos entrevistados, com os mesmos instrumentos, sob condições iguais, e se, mesmo assim, encontramos diferenças entre
um momento e outro, é raoázvel pressupor que houve uma mudança de opinião neste intervalo de tempo. Se repetimos um ano depois a
pesquisa descrita acima e descobrimos que 82% dos negros entrevistados responderam "conquistar o Eixo" para os entrevistadores brancos e
56% responderam assim para os entrevistadores negros, podemos tirar a conclusão razoável que houve uma mudança de opinião, havendo
mais interesse em conquistar o Eixo. Quais percentagens são as "certas" é irrelevante. O que interessa é que houve uma mudança significativa.
Da mesma maneira, podemos ter mais confiança nas diferenças que encontramos na intenção de voto em comunidades diferentes, épocas
diferentes, camadas sociais diferentes, etc. do que nas percentagens em sí.
Nas áreas humanas, a maioria das nossas indagações tem a ver com covariação. Não estamos interessados em saber os números
exatos de pessoas em diferentes situações. Estamos interessados em argumentos/explicações. Estas explicações também não se limitam a um
só local. Geralmente pretendem, em teoria, ser aplicáveis a toda a humanidade. Queremos saber porque as pessoas exploram umas às outras,
porque dissolvem casamentos, porque sentem tesão, porque às vezes ficam agressivas, etc. Além disso, na grande maioria das vezes não
estamos interessados em saber apenas porque as pessoas desta comunidade particular se casam ou se separam. Nem tem graça concluir que
esta correlação ocorre apenas nas comunidades X,Y,Z. Se, por acaso, descobrimos que a correlação não ocorre em todos os lugares
pesquisados, queremos saber porquê. Isto implica em mudar os nomes das comunidades para nomes de variáveis. A pesquisa dos Embers, por
exemplo, achou uma correlação que ocorria apenas entre sociedades indígenas norte-americanas, mas os Embers foram mais longe para
descobrir porquê, e acharam uma variável que explicasse isto. Assim, imagino que o caso excepcional dos caiapós possa ser explicado pela
endogamia. O fato de se casar com pessoas da mesma aldeia faz com que as guerras internas dos caiapós não implicam em casar com o
inimigo.
Como estamos interessados em relações entre variáveis, a questão da amostragem se torna secundária. O que precisamos é de
variação. Precisamos de sociedades com patrilocalidade e com matrilocalidade para compará-las. Não importa se esta comparação se faz
entre comunidades de um mesmo grupo indígena, ou entre sociedades do mundo inteiro. Se descobrimos algo num nível é razoável extender a
idéia para outros níveis. Claro que as idéias devem ser averiguadas, mas não é errado fazer esta extensão. Digo isto porque existe uma
expressão de sociologuês meio esquisita -- "o erro ecológico" -- que não é sequer "erro" nem "ecológico". Consiste em lançar uma hipótese
para um nível a partir dos resultados de uma pesquisa realizada em outro nível. Por exemplo, é possível extender um achado de uma pesquisa
experimental realizado com alunos, à sociedade como um todo. Ou os resultados de uma pesquisa trans-cultural como aquela dos Embers, são
extendidos a uma situação local. Considero que estas extensões são bases boas para abdução, então não são necessariamente "erradas".
Apenas precisam ser testadas.
Há outra questão que mostra o absurdo da insistência em amostras representativas. Na antropologia esta questão chegou a ser
conhecida como o "problema de Galton" (Naroll 1970). Galton ficou fascinado ao considerar as primeiras comparações trans-culturais, mas
logo achou o que ele imaginava ser uma falha fatal -- As culturas não têm peles. Não há como dizer onde começa uma sociedade e termina
outra. Consideramos os índios caiapós. Estes índios vivem em várias aldeias com pouco contato entre uma e outra, mas todas tem orígens
comuns -- algumas aldeias se separaram recentemente, outras separações são bem antigas. Quanto mais antiga a separação, maior a diferença
entre os seus dialetos. Os Apinajé geralmente são classificados como outro grupo, mas os caiapós conseguem entendê-los. Então quantas
culturas temos aquí? uma só? apenas duas? ou várias? Isto têm implicações para os nossos testes estatísticas. Podemos contar vários grupos
na nossa tabela ou apenas um? Inflamos os nossos números e temos mais chances de achar uma correlação significativa se contamos várias
vezes os caiapós, mas isto não pode ser justo -- é como contar uma única pessoa duas ou tres vezes.
Um pouco de reflexão mostra que este problema não se restringe à comparação de culturas. Ocorre também quando lidamos com
pessoas. Considere o caso de analisar histórias de gravidez. Cada gravidez é um caso para as nossas tabelas, ou a mãe é um caso só? Mas
mesmo em pesquisas normais, há problemas. Considere a possibilidade de tirar uma amostra "representativa" de todo mundo na face da terra.
Podemos construir muitas tabelas e achar bastante correlações, mas como devemos interpretá-las? Os chineses constituem um quarto da
população na terra. Para todas as características em que os chineses diferem das outras populações terrestres acharemos correlações. Os
chineses ficarão num canto das nossas tabelas e o resto do mundo no canto oposto. Como no problema de Galton, contamos várias vezes a
mesma coisa!
Acho que a "solução" deste dilema é simplesmente lembrar que a nossa finalidade é identificar covariação para poder comparar
diferentes argumentos. No caso da tabela com os chineses, uma explicação que surgiu para explicar os nossos resultados é que a correlação se
deve a coisas que diferenciam a cultura chinesa de outras culturas. Precisamos, então, imaginar outro teste que controle este fator -- por
exemplo, tentar ver, com outras medidas mais finas, se a mesma correlação existe com uma população só de chineses. Voltarei na crítica
sobre "correlação e causalidade" a examinar esta proposta.
Crítica: Mas os testes estatísticos presupõem amostras representativas, e alguns exigem distribuições normais dos dados, etc.
Resposta: Não necessariamente. No caso de tabelas de contingência como aquelas elaboradas pelos Embers, podemos averiguar que não
precisamos pressupor nada a respeito da orígem dos dados fazendo simulações de computador. Simulações são muito mais fáceis de entender
do que argumentos matemáticos. Vamos aí. Imagine que fez uma pesquisa que comparou 50 sociedades, e que descobriu que as sociedades
que tinham a característica A geralmente tinham também a característica B, e vice-versa: sociedades sem A também ficavam sem B. Mas
haviam 17 excessões que cairam nos cantos "errados" da tabela. Estas excessões são muitas ou poucas? Qual a probabilidade de ocorrer só
este número de excessões (ou menos) se fosse tudo casual? Podemos simular esta situação. Deixamos que o computador jogue aleatoriamente
50 "casos" em cantos diferentes. A primeira tabela dada pelo computador é a tabela 4.3.
Tabela 4.3
11 14
3 22
Posso resumir esta tabela de várias maneiras. Posso, por exemplo, simplesmente contar quantas excessões tinha -- neste caso 17 (pois
a minha hipótese é que as sociedades devem cair nos cantos de esquerda em cima e do direito em baixo). Então os 3 casos no esquerdo
inferior e os 14 casos no direito superior são excessões. Posso fazer isto uma segunda vez. Pronto. Deu 22 excessões. Vamos fazer este
exercício 100 vezes. Pronto, já fiz. Agora podemos contar quantas tabelas deram apenas 17 excessões ou menos. Apenas uma tabela deu 17
excessões. Nenhuma tabela deu menos de 17 excessões. Então, a probabilidade de dar apenas 17 excessões é muito pequena. Posso concluir,
então, que a correlação que encontrei na minha tabela original dificilmente é um resultado casual. Tem algo aí.
No caso das tabelas de contingência a aplicação das fórmulas dos matemáticos é mais fácil que a simulação, mas muitas vezes é mais
fácil fazer a simulação. Depois de ter usado esta técnica várias vezes, descobrí que tem um nome muito apropriado: o método Monte Carlo.
Note que ao fazer a simulação, não pressupus absolutamente nada a respeito dos dados. Poderiam ter vindo de qualquer lugar e representado
qualquer coisa. Eu poderia também ter usado outra fórmula para resumir a tabela -- por exemplo, poderia ter comparado o número de
excessões com o número de acertos. Ou poderia ter usado um índice usado pelos estatísticos -- o phi (que é o equivalente do r de Pearson com
dados dicotômicos como estes). A lógica da simulação continuaria exatamente igual. Para concluir, não preciso pressupor nada a respeito da
amostra para examinar a probabilidade da minha tabela ser um resultado aleatório.
Mas geralmente usamos os testes estatísticos elaborados pelos matemáticos. Como fica então? Esta é uma crítica perigosa, pois
parece jogar tudo no campo dos matemáticos.Como podemos responder a algo que depende de equações matemáticas complicadas que não
conseguimos acompanhar? Aquí posso apenas observar que entre os diferentes estudos dos matemáticos, a probabilidade e a estatística são
dos mais odiados. O problema é justamente o que está em pauta aquí. A análise de estatísticas implica em reflexões mais filosóficas que
envolvem noções de realidade. Por exemplo, quando se diz que é preciso pressupor que os nossos dados têm uma distribuição normal, é de se
perguntar se são os dados da nossa amostra que precisam ter esta distribuição, ou o "universo" do qual foram tirados? E se é o universo, que
universo é esse? o que podemos ver e medir, ou algo mais teórico? Vários pesquisadores têm analisado estas questões e a aplicação de testes
que "pressupõem" distribuições normais etc. para dados que, em sí não possuem estas distribuições (Borgatta e Bohrnstedt 1972; Labovitz
1972; O'Brian 1979; Kim 1975; Bollen e Barb 1981). Estes estudos, que incluem a análise de dados artificiais não distribuídos normalmente,
chegaram à conclusão que, para as finalidades para as quais são usadas nas ciências sociais (contrastar argumentos), é melhor ficar com o r de
Pearson apesar deste coeficiente supostamente exigir distribuições normais. É mais fácil comparar argumentos se todos usam o mesmo índice
(em vez de coeficientes não-paramétricos variados), e é mais fácil fazer os controles estatísticos necessários usando o r de Pearson. Com
efeito é isto o que têm ocorrido entre os cientistas sociais, o que pode ser verificado olhando os artigos publicados nas principais revistas de
sociologia quantitativa como American Sociological Review, ou American Journal of Sociology.
Para resumir, o argumento de que as próprias fórmulas estatísticas pressupõem coisas a respeito dos dados precisa ser analisado com
um certo cuidado. Quando em dúvida, pode-se sempre usar uma simulação, dando ao computador informações que têm mais a ver com a sua
própria lógica.
Crítica: Mas a amostra é muito pequena.
Resposta: O tamanho da amostra depende do que se quer fazer. Não há um tamanho certo. Com amostras muito grandes, correlações muito
pequenas são estatisticamente significativas; isto é, têm probabilidades muito pequenas de serem casuais. Por exemplo, estudos de milhões de
registros de nascimentos nos Estados Unidos mostraram uma probabilidade maior de nascer machos em junho (51.4% de todos os
nascimentos) e uma menor probabilidade de nascer machos em fevereiro (51.16% de todos os nascimentos) (James 1987). A diferença é
muito significativa estatisticamente. Mas que podemos fazer com este tipo de informação? Como ressalta James (1987: 724), uma variação
tão pequena não dá pista nenhuma quanto às causas da variação na proporção de machos vs. fêmas nos neo-natos. A diferença também não
tem nenhuma implicação quanto a políticas públicas. Ou seja, amostras grandes podem dar correlações significativas estatisticamente, mas
sem importância prática. O anúncio de que se achou uma correlação significativa numa pesquisa com uma amostra nacional muito grande, dá
a falsa impressão de que algo muito importante fora descoberta. Mas uma pesquisa deste tamanho não pode nem fazer muitas perguntas
importantes ou analisar muitas variáveis, pois se tornaria cara demais. As pesquisas ficam suspeitas simplesmente porque não consideram
muitas questões.
Por outro lado, com amostras menores uma correlação precisa ser bem maior para chegar a ser significativa estatísticamente
(concluir que não se deve ao acaso). Com tais pesquisas é possível fazer mais perguntas, e muitas vezes descobrir correlações mais fortes. Por
exemplo, James (1987:734) observa que uma das variáveis que melhor predizem o nascimento de machos em vez de fêmeas é o fato do pai
ter tomado hCG para aumentar a sua fertilidade. De 53 nascimentos das esposas de homens que usavam este remédio, 44 eram de machos, e
apenas 9 de fêmeas -- uma relação muito significativa estatísticamente e muito mais reveladora das causas de nasicmento de machos ou
fêmeas.
Crítica: A maneira como mediu as variávieis ou classificou os casos é muito falha. A correlação talvez se deva a isto.
Resposta: Em geral problemas na medição diminuem correlações, não as aumentam. Para ilustrar isto, imagine que a realidade é o que está na
tabela 4.4. Imagine também que mal classificamos muitos casos. Em um quinto dos casos, erradamente não atribuímos a característica A
quando na realidade estes casos tinham A. Então os nossos dados teriam aparecido como na tabela 4.5. Imagine que também erramos na
metade dos casos ao classificá-los como tendo B, quando na realidade não o tinham. Então a nossa pesquisa teria acusado o que está na tabela
4.6. Em todas as tabelas a correlação continua 0. Erros de medição, se são aleatórios, simplesmente não dão correlações quando não havia
nada para começar. O único tipo de erro que daria correlações seria um erro viesado. Isto é, teriamos que ter feito erros sistemáticos no
sentido de geralmente "ver" A onde "vimos" B, e não ver" A onde "não vimos" B. Este ponto é importante quando alguém argumenta, por
exemplo, que as correlações dos Embers não prestam porque mediram mal "matrilocalidade" e "patrilocalidade". Ora a pesquisa dos Embers
acusou alguma coisa. Se não estão medindo o que entendemos por "patrilocalidade" e "matrilocalidade", estão medindo alguma coisa. Cabe
ao crítico propor uma hipótese alternativa para explicar a correlação, e não simplesmente descartá-la.
Por outro lado, erros na medição podem fazer desaparecer correlações que na realidade existem. Pressupomos que a realidade é o
que está na tabela 4.7. Realmente há uma tendência para os casos que têm A para ter também B. Mas imagine que erramos nas nossas
medidas, e que classificamos erradamente 20% dos casos como não tendo A, quando na realidade tinham. Os nossos dados então apareceriam
como na tabela 4.8. Imagine que também classificamos erradamente a metade dos casos como tendo B, quando na realidade não o tinham. A
nossa tabela teria acabado aparecendo como a tabela 4.9. Reduzimos a correlação verdadeira de r = 0,60 na tabela 4.7 para uma correlação de
r = 0,49 na tabela 4.8, para apenas r = 0,28 na tabela 4.9. Medições ruins destroem correlações verdadeiras.
.
Criítica: Mas você mostrou apenas uma correlação. Isto não é uma causa.
Resposta: Correto. Nem imaginava que podia provar que uma coisa causa outra. Aliás as técnicas não-quantitativas tampouco podem mostrar
causas. Uma análise histórica, por exemplo, mostra que uma coisa precedeu outra, mas nem por isto precisamos acreditar que a "causou". Há
muitas outras coisas que precederam o que quero explicar. Porque deveria acreditar nos fatores que você está citando? Como argumentei em
cima, a finalidade destes exercícios todos não é provar um argumento, mas simplesmente contrastar o valor de um argumento com as
alternativas.
O problema verdadeiro que está embutido nesta crítica é a possibilidade de existir outras explicações para a correlação. Algumas
explicações alternativas para uma correlação são "técnicas". Nestes casos os sociólogos costumam usar a expressão infeliz de "correlação
espúria". A expressão é infeliz porque não é a correlação que é espúria. A correlação existe. O que é espúria é a sua interpretação. Por
exemplo, podemos achar uma correlação entre delinqüência e ordem de nascimento. Quem nasce primeiro tem menos probabilidade de
cometer crimes do que quem nasce depois. Podemos interpretar que isto tem algo a ver com o carinho dado ao primeiro, etc...No entanto, se
olhamos mais de perto, podemos perceber que esta correlação se deve ao fato dos filhos únicos, e dos filhos que vêm de famílias pequenas
terem maior probabilidade de serem entre os primeiros a nascer. Quem nasce numa família grande tem maior probabilidade de nascer depois.
A correlação talvez se explica pelo tamanho da família, e não pela ordem de nascimento.
Outra questão técnica que se deve ter em mente ao analisar uma correlação é a possibilidade de medições enviesadas. Por exemplo,
Bieber (1962) achou uma correlação entre "homossexualidade" e "vir de famílias com mães dominadoras e pais hostis e distantes". Ele usou
esta correlação para argumentar que a homossexualidade é uma patologia. Mas quando examinamos melhor as medições de Bieber, a
possibilidade de viéses fica evidente. Bieber mandou questionários para os seus colegas psicanalistas, e pediu para eles preencherem
informações a respeito dos seus clientes. Os psicanalistas usavam os critérios que imaginavam melhores para decidir se o paciente era
homossexual ou não, e também para decidir como era o clima familiar destes pacientes quando crianças. Ora, como todos estes psicanalistas
vinham de uma formação que previa esta correlação, não seria estranho imaginar que "achavam" dados para confirmar as suas hipóteses.
(Lembre que nós todos temos uma tendência a buscar dados para confirmar as nossas hipóteses.) As correlações de Bieber, então, poderiam
ser explicadas como o resultado deste viés sistemático na medição. Com efeito, outros pesquisadores (Green 1987; Siegelman 1974;
Greenstein 1966) que usavam medições mais claras, e mais específicas, e que buscavam avaliações independentes da vida familiar e da
homossexualidade de diferentes pessoas, não apoiavam o argumento de Bieber.
Finalmente, é sempre possível que alguem ache outro argumento maior, do qual o meu argumento faz parte (como no estudo dos
Embers sobre contribuição a subsistência e patrilocalidade). É também possível elaborar outros argumentos que esclarecem cadeias causais
alternativas, e até questões de relações estruturais. Debates em que os pesquisadores tentam achar explicações alternativas para um resultado
quantitativo, podem ser extremamente férteis. Quem nunca fez um exercício deste tipo não sabe o que está perdendo. É uma fonte de muitas
abduções originais e estimulantes que levam a pesquisas novas para esclarecer as diferentes posições.
Conclusões
Neste capítulo tentei relacionar o pensamento intelectual ao "senso comum", distinguindo diferentes finalidades do pensar, e
mostrando os impactos de viéses básicos na academia. No caso de persuasão e interpretação, a finalidade não é chegar a uma verdade, senão
influenciar a opinião (defender um réu, propor um programa político, etc.), ou elaborar soluções para coisas muito específicas (como produzir
um quadro, construir um motor, ajudar uma comunidade, gerenciar uma empresa, etc.). Em outros casos (como na ciência, ou na investigação
policial) a finalidade é tentar descobrir o que é o caso. Embora existam viéses em todas estas formas de pensar, não fica claro se estes viéses
devem ser controlados no caso de persuasão e interpretação, mas no caso da ciência há boas razões para pensar que um controle sobre os
viéses é importante. Digo "controle sobre" e não "eliminação de" viéses porque os viéses são necessários para o pensar. O que interessa é
poder canalizar estes viéses para torná-los mais produtivos.
Alguns viéses, baseados em limites nas nossas capacidades para processamento de informações podem ser melhor controlados com a
adoção de algumas técnicas, incluindo o simples conselho de "sempre ter mais de uma solução", e de manter a clareza. Viéses sociais
("maquiavélicos") podem ser melhor controlados garantindo diversidade na academia, o que estimula a geração de idéias diferentes, e
submetendo estas idéias a testes claros. Embora técnicas quantitativas também estejam sujeitas aos nossos viéses, elas podem ser muito úteis
na inspiração e avaliação de idéias.
A sociologia da ciência pode ajudar no controle de alguns viéses sociais, mas acho muito problemático confundir a sociologia da
ciência com argumentos ad personem. Também acho improdutivo simplesmente adotar a atitude "cínica" de que é a política (macro ou micro)
que determina a "verdade". Há outras maneiras de controlar os nossos viéses, maneiras menos "viciados" que dependem menos dos
"consensos" que se estabelecem nas multidões (acadêmicas ou populares).
Quanto aos viéses da antropologia ... Isto é o assunto do próximo capítulo.
Formas Antropológicas de Pensar
A Antropologia Cultural consiste no estudo da cultura
A cultura é um sistema ordenado de significados e símbolos...nos termos dos quais os indivíduos definem seu mundo, expressam seus
sentimentos e fazem seus julgamentos.
Clifford Geertz (1978:81)
A definição de Geertz, se realmente aceita, implicaria num ultimato, uma espécie de "ame-a ou deixe-a" que, sem colocar em
discussão os méritos de diferentes formas de pensar antropológicas, simplesmente as definiria como outra coisa, e assim se livraria delas sem
muito esforço. A antropologia cultural se limitaria ao estudo da "razão simbólica ou significativa". Qualquer outro enfoque se classificaria
como sociologia, biologia, psicologia, etc. e possuiria uma relevância apenas tangencial para os estudiosos da cultura.
Mas nem todos os professores lotados em departamentos de antropologia cultural concordam com este silogismo. Há ainda os que
preferem um enfoque mais utilitarista, ou mais biológico, ou mais psicológico. No entanto, como aponta Feldman-Bianco (1987:8-9) as
perspectivas metodológicas da antropologia brasileira atual tendem predominantemente para a "análise de representações".
Nos capítulos anteriories oferecí outra definição de "cultural" que considero mais abrangente. Sugerí que a cultura consiste em
"qualquer atividade física ou mental aprendida e compartilhada por diferentes membros de um grupo". Que a aprendizagem se dá através da
comunicação simbólica, experiências pessoais, tentativas e erro, "facilitação social" ou outro mecanismo não importa.
O debate por trás destas diferentes definições é a possibilidade de estudar algo além dos "sistemas de representações" (Oliveira
1988). Os fenomenalistas mais extremados na antropologia partem do pressuposto de que a realidade é uma construção da nossa mente, logo
podemos apenas estudar a consciência -- as representações -- e não alguma "realidade" lá fora. Além disso, estas representações são vistas
como sendo construídas apenas a partir de "sistemas", isto é, o significado de uma representação só se dá em relação ao sistema do qual faz
parte, da mesma maneira que o significado de uma nota musical só pode ser dado sabendo da sua relação com as outras notas numa sinfonia.
Há, então, duas questões em debate. Primeiro: É possível falar de uma realidade além da nossa consciência? Segundo: Precisamos
lidar com as nossas representações em termos de um sistema? Quanto à primeira questão, acho impossível argüir, para quem não acredita
nisso, que há uma realidade externa. Posso apenas observar que mesmo se recusamos a acreditar nesta realidade, agimos como se ela
existisse. Fazemos uma distinção entre o que pensamos, que vêm de dentro, e o que está "lá fora". No final das contas se acreditamos ou não
numa realidade externa acaba dando no mesmo. O que tentei fazer neste trabalho é colocar uma visão, baseada na idéia de seleção natural, de
como poderiamos encarar tal realidade, e os nossos limites em conhecê-la.
A segunda questão é mais suscetível de uma averiguação empírica. Estudos de cognição animal e humano permitem formular uma
idéia melhor da relação entre diferentes formas de pensar ou perceber o mundo e o contexto geral da nossa cognição. Embora hajam
interrelações entre alguns aspectos da nossa cognição, há também boa evidência de uma certa independência entre muitos aspectos da
cognição. Gould (1992) usa o exemplo de Mozart para ilustrar como a mente humana é construída em "módulos" relativamente
independentes. Com oito anos de idade Mozart demonstrava tantos talentos musicais que um intelectual inglês, chamado Barrington, se sentiu
obrigado a verificar a sua data de nascimento nos registros de Salzburg para assegurar que não se tratava de um trapaço. Mas o que mais
impressionava Barrington era que, fora a música, Mozart era uma criança absolutamente típica de oito anos. Barrington só pôde concluir que
a mente humana está organizada em "módulos" relativamente independentes uns dos outros. Senão, como explicar o descompasso tão grande
entre a compreensão musical de Mozart e os outros aspectos da sua mente. Ao caso de Mozart poderiamos também acrescentar os casos que
vimos no segundo capítulo. São "idiotas sábios" e outras pessoas com danos cerebrais que os deixam incapacitados para alguns tipos de
raciocínio, linguagem ou sentimentos, mas que são normais em termos de outras capacidades (Damasio 1994).
Gould observa que a idéia de módulos é mais compatível com os processos de seleção natural. Seria difícil imaginar a seleção
natural agindo sobre sistemas inteiros. O problema é que não haveria como mudar todo um sistema de uma hora para outro. A seleção natural
não seleciona uma característica porque em gerações futuras fará parte de um sistema coerente. A seleção natural seleciona para o momento.
Como mudar, então, um sistema inteiro? É mais provável que a seleção aja sobre "módulos" menores. Trata-se do processo de "bricolagem"
na construção da mente.
Também, no terceiro capítulo vimos que muitos aspectos da nossa cognição são "pré-programados" e universais. Isto implica que
temos conceitos básicos relativamente independente uns dos outros, e independente das construções simbólicas que adquirimos durnate a
vida.
Se precisamos resumir estes achados em termos das posições filosóficas colocadas no primeiro capítulo, diria que a noção de mente
que está emergindo se situa em algum lugar entre a visão de Kant-Piaget, e a visão de Platão. os nossos conceitos inatos não são tão
específicos como imaginava Platão, mas há alguns conceitos ou procedimentos de pensar que são bem mais específicos do que pensavam
Kant ou Piaget.
Quais as implicações destes achados empíricos a respeito da idéia de "sistemas simbólicos" ou de "sistemas de representação"? Acho
que a implicação principal é que há uma certa independência entre diferentes coisas que chegamos a aprender ou a conceber. Os contextos
cognitivos podem ser os mais diversos. Por exemplo, podemos ser matemáticos extremamente "abstratos" ou "desligados", ou podemos ser
guerreiros muito atentos ao nosso ambiente imediato. Podemos ser muito ágeis no nosso raciocínio, ou muito lerdos, tendendo a ficar com os
"prêt-a-pensers". Pouco importa. Todos acabamos identificando a mesma côr como "o vermelho verdadeiro".
Alguns autores negam, ou pelo menos diminuem a importância de universais cognitivos. Por exemplo, Ariès (1987; 1981) e Foucault
(1966) chegam ao ponto de negar a existência respectivamente dos conceitos de "infância", de "homossexual", e até do "homem" antes dos
últimos séculos. Para eles estes conceitos e as realidades que constroem, fazem parte de um sistema de representações que só surgiu
recentemente na história europeia. Outros estudiosos têm prestado mais atenção aos universais no nosso pensamento, mas têm ignorado ou
rejeitado a possibilidade de módulos. Lévi-Strauss (1962), por exemplo, enfatiza universais na estrutura do pensamento humano. E todo o
esquema de desenvolvimento cognitivo de Piaget (1974) se baseia na universalidade do processo de construção do pensamento.
Ao ignorar a possibilidade de módulos (e as vezes universais), estes autores acabam encarando a cognição como um sistema
relativamente coerente, com a possível excessão de períodos de mudanças de sistemas. Como aponta Bourdieu (1987) a coerência cognitiva
do estruturalismo também parece deixar pouco espaço para variações individuais. Os indivíduos são colocados como sendo construções da
sua cultura sem muitas chances para inovação pessoal ou cultural.
Esta visão "sistêmica" da mente humana também afeta o tipo de comparações que podemos fazer entre diferentes culturas. Se
permitimos que apenas o sistema de representações dê o significado a diferentes aspectos do nosso pensar, não podemos nos afastar muito
deste sistema sem alterar totalmente o sentido do que queremos comparar. As únicas comparações possíveis, então, consistem em apontar
diferenças (como no trabalho de Benedict), ou observar que os casos em pauta constituem variações sobre um mesmo tema geral. Assim, por
exemplo, podemos mostrar como as diferentes culturas humanas expressam uma mesma estrutura cognitiva universal (como nos estudos de
Lévi-Strauss). Ou, se temos dúvidas quanto a universais, podemos ser mais modestos. Podemos estudar um conjunto de culturas
historicamente relacionadas (por exemplo, as culturas dos índios Gê (ver Cunha 1993) ou diferentes períodos históricos de França), e tentar
mostrar como as diferenças consistem em variações sobre um mesmo tema geral.
As implicações são outras se admitimos a possibildiade de "módulos" cognitivos -- se admitimos que alguns aspectos do pensar
são relativamente independentes do sistema cognitivo construído cultural ou individualmente. Neste caso, se torna viável a idéia de que
pessoas de diferentes sociedades e tradições culturais possam chegar, independentemente, a soluções parecidas para problemas parecidos. No
terceiro capítulo citei evidência da psicologia cognitiva que sustenta esta posição. As pessoas podem ficar nos seus "prêt-a-pensers" um bom
tempo sem encontrar problemas. Mas quando as situações se tornam imprevisíveis, incontroláveis e importantes, há uma tendência a sair
destas formas de "cognição enlatadas" e tentar raciocinar um pouco mais. Não é estranho, então, imaginar que pessoas de diferentes tradições
culturais raciocinam sobre problemas parecidos, e assim chegam a soluções parecidas. Esta noção de "módulos" torna também viável a idéia
de que pessoas de diferentes tradições culturais possam desenvolver personalidades ou até formas de pensar parecidas devido à sua relação
com algum fator externo, e não apenas devido a sua relação com o "sistema cognitivo construído". Para resumir, não há porque negar a
possibilidade de "descontextualizar" aspectos de uma cultura.
Poderiamos dizer o mesmo a respeito de debates dentro da psicologia. A psicanálise e outras linhas teóricas mais "compreensivas"
salientam as construções individuais e relacionam toda a personalidade e cognição a esta construção. Outras linhas teóricas ressaltam a
possibilidade de "descontextualizar" certos comportamentos, sentimentos, atitudes, etc.
O reconhecimento da possibilidade de alguniídos aspectos da mente serem relativamente independentes de outros não implica que há
sempre esta separação. Se realizamos uma pesquisa, como aquela citada no último capítulo sobre matrilocalidade e patrilocalidade, e se não
encontramos nenhuma correlação, isto talvez possa ser atribuído a uma tentativa de descontextualizar algo que não é "descontextualizável".
Mas a possibilidade de uma descontextualização não deve ser descartada de antemão simplesmente porque "achamos" que esta
descontextualização não pode ser feita. A pesquisa revelará se a tentativa valeu ou não. Este ponto é importante para salientar que nem
sempre se precisa fazer uma pesquisa "compreensiva" (que analisa os significados da cultura) antes de fazer uma pesquisa "explicativa" (que
visa contextualizar um fenômeno cultural numa generalização maior que permite a comparação). Proibir a tentativa de explicação até
completar um estudo compreensivo efetivamente mataria a possibilidade de explicação na medida em que nunca se pode chegar a
compreender completamente um fenômeno. Aliás, como vimos na revisão da cognição animal, a compreensão é mais difícil que a explicação.
Para compreender, um animal precisa ter uma "teoria da mente" de outro animal. Para explicar, precisa apenas poder prever o comportamento
do outro. Para resumir a minha reação à proibição de explicar, citarei mais uma expressão da minha infância: "Can't died in the poor house."
(O não-pode, morreu no asilo de pobres.)
Estas reflexões não implicam que as pessoas raciocinam com a mesma freqüência em todas as sociedades humanas. Acho provável
que culturas diferem na própria tendência a raciocinar versus adotar "prêt-a-pensers". Tirando algumas implicações das pesquisas cognitivas
sobre quando raciocinamos, poderiamos abduzir que as pessoas raciocinariam mais em sociedades submetidas a maiores mudanças, e em
sociedades onde há maior mobilidade social, geográfica, e profissional de indivíduos. Talvez a nossa sociedade seja especialmente
incentivadora de raciocínio. Nos não podemos simplesmente seguir os passos dos nossos pais ou dos nossos colegas. A vida da geração
passada era muito diferente da nossa, e a escolha de uma outra profissão tem implicações tremendas sobre a nossa maneira de viver. Em
outras culturas ou outros tempos as possibilidades e necessidades de escolha provavelmente foram menores. Nestes casos os "prêt-a-pensers"
funcionariam melhor. Mas em qualquer sociedade há alguns momentos em que se precisa parar para refletir sobre uma decisão.
Métodos na Explicação
As implicações de uma visão "modular" da mente humana são ainda mais importantes quando consideramos a possibilidade de
explicar fenômenos culturais. Muitos antropólogos admitiriam a possibilidade de se buscar explicações, mas insistiriam na necessidade de
primeiro adquirir uma compreensão. Mas parece que esta insistência se deve à noção de que o significado das coisas só pode ser dado pelo
sistema de representações, e que só uma tentativa de compreensão poderia revelar este significado. Sem primeiro saber o que as coisas
significam dentro do sistema, não temos nem como avaliar fatores "externos" que pudessem explicá-las, pois nem saberiamos o que estamos
explicando. Como o leitor já deve ter percebido, eu discordo desta posição. Acho errado decidir a priori que um fenômeno só faz sentido
dentro de um sistema de significados. Muitas vezes é melhor fazer uma abdução a respeito do que se imagina ser o significado de um
fenômeno, e depois fazer uma pesquisa para averiguar se o argumento "dá conta" dos dados. Se não consegue dar conta, então talvez valha a
pena voltar a repensar os conceitos usados. Pressupor de antemão que o significado só pode ser dado pelo sistema efetivamente mata a
possibildiade de examinar qualquer argumento ao contrário. Acaba funcionando como uma pré-censura. Alguns exemplos ilustram este ponto:
Paralelos Culturais. Rhoades (1979) dá um exemplo de uma explicação que não se preocupa muito com a estrutura de um sistema de
representações. Rhoades comparou áreas montanhosas da Suiça e do Nepal, e observou muitas semelhanças -- na arte, na arquitetura, na
religião, na guerra, e na política. Rhoades explica estas semelhanças como decorrentes dos limites impostos pela ecologia das montanhas.
Primeiro, o sistema de subsistência nos dois locais é muito parecido. As famílias residem nas terras mais baixas no inverno, e sobem as
montanhas com os rebanhos no verão. Cada família possui vários terrenos espalhados em altitudes diferentes. Na primavera se planta primeiro
nos terrenos mais baixos, para depois subir plantando alimentos que amadurecem mais rapidamente nas altitudes mais altas. No outono a
coheita se faz no sentido contrário. As áreas de pastagem no alto das montanhas (e que não servem para agricultura) ficam como terrenos
comunitários. Nem valeria a pena ter um terreno particular alí. Para gerenciar estas terras comunitárias, cada primavera, antes de começar a
subida, há nos dois grupos uma grande reunião da comunidade inteira para eleger os líderes. No inverno quando há menos trabalho para os
homens, muitos descem para procurar emprego fora, tradicionalmente como soldados mercenários (tanto os suiços como os gurkas de nepal
tinham fama mundial como bons soldados). É vantajosa para os pais terem muitos filhos que pastoreiam os animais com muita eficiência, mas
falta terra na hora de um casamento. A solução têm sido a dedicação de muitas pessoas à vida religiosa num mosteiro. A arquitetura também
mostra semelhanças. As casas de inverno abrigam animais no andar de baixo, e a família mora em cima. Aproveita-se assim o calor dos
animais, e não se precisa sair no frio matinal para tirar leite. Na primavera as pessoas colocam muitas flores nas janelas. Quanto à música, nos
dois lugares usam-se instrumentos de sopro muito cumpridos (de vários metros), e que emitem tons graves que passam de montanha para
montanha.
Alguns antropólogos protestariam aquí. Como podemos comparar o cristianismo suiço com o budismo nepalês? São sistemas
simbólicos muito diferentes com visões totalmente diferentes da realidade! Como podemos juntar a política de tradição democrática suiça
com a política "feudal" nepalês? Como podemos comparar tradições artísticas tão diferentes? Como podemos comparar o capitalismo e a
riqueza suiços com a agricultura de subsistência e a pobreza nepalêses? Estamos lidando com duas realidades e dois sistemas de
representação muito diferentes!
O ponto é justamente este. Se apesar destas grandes diferenças nos seus sistemas simbólicos, ainda achamos semelhanças gritantes
entre algumas coisas, seria difícil atribuir estas semelhanças aos sistemas de representação. Seria muito mais fácil encará-las como soluções
parecidas para problemas parecidos. Steward (ver Werner 1992) explicava casos como este como exemplos de uma "evolução paralela".
Talvez seria melhor simplesmente falar de "adaptação paralela". Para ser mais sistemático poderiamos examinar mais sociedades
montanhosas e averiguar se encontramos as mesmas semelhanças. E, claro, precisariamos averiguar que estes fenômenos são peculiares de
áreas montanhosas e não de outras sociedades. Estas pesquisas talvez esclareçam algumas questões. Por exemplo, algumas adaptações (como
os estilos das casas) provavelmente tem mais a ver com o frio, enquanto outros aspectos destas sociedades (como as mudanças sazonais e as
terras comunitárias) em toda probabilidade têm mais a ver com o pastoreio. Se tivéssemos recusado a fazer estas comparações com a alegação
de que os sistemas de representação são muito diferentes, nunca teriamos achado paralelos, mas também (e isto é importante) tampouco
saberiamos porque as pessoas dão os significados que dão às coisas. Acabariamos simplesmente pressupondo que são os sistemas de
representação que dão estes significados, e nem se consideraria a possibilidade de outra orígem. Isto dificulta também a explicação de
mudanças culturais. Porquê os sistemas de representações mudam? É só a difusão -- o contato entre sistemas de representações diferentes --
que é responsável para estas mudanças? ou há mudanças que tem a ver com a resolução de novos problemas?
Tipologias. A preocupação com a maneira como fenômenos sociais se encaixam dentro de sistemas de representação é responsável por uma
fonte de debates intermináveis dentro das ciências sociais -- as discussões sobre quais "conceitos" ou quais "tipologias" se deve usar no nosso
discurso. A história das ciências sociais está cheia de longos debates sobre o uso de conceitos como "camponês", "cidade", "marginalidade",
"matrifocalidade", "classes sociais", "sociedade dual", etc. Acho que a ansiedade que as pessoas sentem para chegar a um conceito
"adequado" se deve ao hábito de se fazer comparações do estilo "tema e variações" e não do estilo "buscar paralelos". As pessoas querem
comparar culturas no sentido de mostrar que são todas variações sobre um mesmo tema (p.ex. Cunha 1993). Ou tentam encarar o seu caso
particular coma uma variação de uma categoria, ou de uma estrutura maior. Assim, podem questionar esta categoria maior ao observar que no
seu caso particular alguns dos aspectos típicos da categoria geral não se aplicam, e assim se sugere uma reformulação. Colocado desta forma,
o debate me parece algo estéril. A nossa finalidade como pesquisadores não é poder encaixar pessoas ou culturas em categorias, senão
compreendê-las ou explicá-las.
No entanto, embutidos nestes debates sobre tipologias geralmente há algumas questões muito pertinentes. Muitas vezes o que está
realmente em discussão são as possíveis relações causais ou estruturais entre os diferentes "aspectos" da categoria em pauta. A análise de
"matrifocalidade" feita por Fonseca (1987) ilustra estas questões. Como observa Fonseca, o conceito de matrifocalidade tem incluído vários
fenômenos distintos: mães solteiras, casamentos instáveis, ênfase nos consangüíneos e não nos afins, relações sociais baseadas em elos
femininos, um poder relativamente maior da mulher, etc. Ao examinar o "conceito" da matrifocalidade, o que os cientistas sociais realmente
estão fazendo é examinar as razões pelas supostas ligações. A observação de uma pequena diferença no padrão geral nos faz perguntar a
respeito da causa desta diferença. Se, por exemplo, nas favelas do nordeste brasileiro todos estes fatores se encontram associados, em Porto
Alegre vemos algumas diferenças. As mulheres não ficam como mães solteiras, por exemplo. Preferem recasar.
Ao desmembrar um "conceito" desta maneira acabamos falando de correlações entre muitas variáveis diferentes, e as explicações
para estas correlações. Isto leva a novas perguntas: O que leva a casamentos estáveis ou instáveis? Porque mulheres em alguns lugares
resolvem recasar enquanto em outros lugares preferem ficar sem marido? Casamentos instáveis realmente implicam em maiores relações com
consangüíneos do que com afins? Além disso, podemos ainda reanalisar fatores como desemprego, pobreza, "experiências de escravidão" ou
a "tradição africana" que às vezes são citados como causas de "matrifocalidade". Mas em vez de ligar estes fatores diretamente a uma noção
vaga de "matrifocalidade" podemos ligá-los a variáveis mais específicas. Podemos ver se o desemprego leva a casamentos instáveis. Ou se
uma renda relativamente maior do homem com relação à mulher explica uma tendência maior para recasar. Em resumo, acabamos nos
deslocando da questão do "conceito correto" ou "errado" para questões a respeito de relações entre variáveis mais específicas. Comparações
de diferentes famílias, diferentes bairros, diferentes regiões, diferentes culturas, ou diferentes épocas históricas podem todas ser usadas para
avaliar estas explicações mais específicas. Podemos averiguar, por exemplo, se há uma correlação entre taxas de desemprego e instabilidade
de casamento, ou se a percentagem de mães solteiras é maior onde os homens ganham menos que as mulheres. Assim, acabamos convertendo
em projetos de pesquisa empírica, o que eram apenas argumentos sobre conceitos teóricos. E acabamos convertendo comparações do tipo
"tema e variações" em comparações do tipo "buscar paralelos."
Sistemas Simbólicos vs. Causa e Efeito. Gostaria de oferecer mais um exemplo de como uma análise de um sistema simbólico poderia ser
repensada em termos de modelos de causa e efeito. Tais modelos permitem a averiguação via comparações culturais que bucam "paralelos".
Em várias obras Da Matta (1987; 1979) tem elaborado idéias a respeito do sistema de representações dos brasileiros. Ele caracteriza este
sistema como incluindo uma identidade como "malandro", um gosto pela "ambigüidade" e uma ênfase nas "relações sociais" acima de
critérios universais. Ao falar da cidadania, por exemplo, Da Matta enfatiza a ambigüidade entre um discurso "universalizante" a respeito de
leis, e uma prática baseada numa ênfase nas relações pessoais, e que é responsável pelo "jeitinho" e as "malandragens" que permeiam o
sistema político-legal brasileiro. Uma análise de sistemas de representações acaba enfatizando a particularidade do caso brasileiro. Isto
porque em nenhum outro lugar, a "malandragem", a "ambigüidade", etc. teriam os mesmos significados. Cada sistema de representações é
único.
Alguns autores têm protestado contra esta caracterização da cultura brasileira. Soares (1990), por exemplo, questiona se a
"malandragem" também não caracterizava outras sociedades em diferentes momentos históricos, e faz algumas reflexões sobre os aspectos de
uma sociedade que levariam a esta "malandragem". Inspirado nas idéias propostas por Da Matta 1987) no seu ensaio sobre "Cidadenia" eu
gostaria de oferecer uma explicação alternativa para algumas ligações "simbólicas" enfatizadas no seu trabalho. Resumí esta explicação na
figura 5., onde as setas indicam relações causais:
Neste diagrama tudo converge na variável "todo mundo ilegal/irregular", que podemos encarar como a chave da análise. Vêmos duas
causas básicas destas situação: a elaboração de leis por parte de um elite que desconhece a realidade e as necessidades das massas, e a falta de
integração regional que também cria ignorância quanto a problemas locais. Estes dois fatores, característicos da história brasileira, seriam
responsáveis pela elaboração de leis não só "injustas" mas também "irrealistas". A falta de realismo torna as leis incumpríveis. Exemplos
seriam leis que exigem que lanchonetes sirvam café em xícaras esterilizadas; que professores universitários recebam a assinatura do
Presidente do país para poder apresentar um trabalho num congresso em Buenos Aires; que dinheiro de bolsas não possa ser aplicado; que
imóveis em São Paulo tenham uma parede entre a sala e a cozinha; e que não se possa construir em "terra da marinha" que até recentemente
incluia toda a capital de Santa Catarina (onde a construção de qualquer edifício era ilegal, pois as ilhas, como é o caso de Florianópolis,
pertencem à marinha). O leitor, certamente terá outros exemplos.
As conseqüências destas "leis irrealistas e incumpríveis" e do fato de todo mundo ser "ilegal/irregular" incluem o incentivo ao
suborno, a falta de fiscalização por parte do cidadão (que temeria represália), o clientelismo político, e algumas características psicológicas,
incluindo a "malandragem", mas também as sensações de culpa, e de estar sendo logrado. Uma "retro-alimentação causal" ocorre na medida
em que as vantagens políticas para a classe política (e os especialistas em leis -- os advogados) faria com que estas leis irrealistas
continuassem.
Qual a vantagem de repensar a análise de Da Matta em termos de causas e efeitos em vez de em
termos de um "sistema de representações"? Primeiro, um modelo causal como este pode ser testado via comparações com outras culturas.
Podemos comparar diferentes países para averiguar se as diferentes setas causais realmente dão correlações: Países mais integrados
regionalmente têm leis mais realistas? Sociedades com leis mais realistas tem menos problemas com subornos? Países com leis mais
irrealistas tem maior probabilidade de ter sistemas políticos clientelísticos?, etc. Se o modelo se confirma, podemos então começar a pensar
em como mudar o sistema (se é
que se quer mudá-lo), focalizando nas variáveis mais chaves, ou mais amenas a uma intervenção. Por exemplo, para evitar a corrupção talvez
fosse mais eficaz eliminar as "oportunidades que fazem o ladrão" -- as leis irrealistas que incentivam à corrupção -- do que tentar aumentar as
punições para corrupção. Talvez isto desse resultados mais práticos.
Para resumir esta discussão sobre explicações, acho possível admitir uma certa independência entre a compreensão e a explicação.
Podemos muito bem compreender alguém, no sentido de poder "ver" do seu ponto de vista, e entender os seus "prêt-a-penser", sem poder
explicar as razões por trás dos seus pensamentos ou sentimentos. Podemos também explicar alguns aspectos dos pensamentos ou dos
sentimentos das pessoas, no sentido de entender as suas causas, sem, no entanto, poder compreendê-los. Explicação e compreensão são
diferentes. Mas, de qualquer forma os dois tipos de análise são beneficiados se admitimos que a cognição humana não consiste num sistema
de representações totalmente determinado (onde o significado de um conceito se dá exclusivamente pela relação que mantém com os outros
conceitos construídos). Os significados de alguns elementos da nossa cognição podem ser dados por outros elementos, mas existem formas de
pensar que são relativamente independentes. É esta independência que permite a descontextualização e a procura de soluções parecidas para
problemas parecidos.
A Utilidade da Antropologia
Periodicamente os antropólogos param para repensar a sua missão. Para que servem as tentativas antropológicas de compreensão,
interpretação, persuasão e explicação? Esta utilidade pode ser encarada em diferentes níveis. Imagino que os meus colegas encarariam a
missão mais geral da antropologia como sendo algo como o fornecimento de uma compreensão de diferentes povos do mundo para poder
criar mais tolerância e respeito para a diversidade humana. Esta compreensão se daria principalmente via monografias, filmes, e gravações
que relatariam a vida destes diferentes povos, e que permitiriam até certo ponto olhar e sentir o mundo de outra forma. Era esta a missão dos
primeiros relativistas culturais e de muitos dos seus sucessores. Hall (1966) vê ainda outra utilidade mais específica da compreensão. Ele
chegou a orientar um serviço de treinamento para diplomatas e negociantes que precisavam aprender os roteiros de diferentes culturas para
poderem navegar nestas culturas. Assim, os alunos aprendem o significado de distâncias corporais, gestos, e noções de tempo, em diferentes
culturas, e algumas "dicas" quanto ao significado de diferentes roteiros maiores -- como procedimentos para negociação, etc.
Outros antropólogos vêem ainda um valor muito grande na interpretação de diferentes culturas, no sentido de aproveitar "a lição"
dos seus sistemas de representações ou as suas práticas para adaptar estas representações e práticas para a nossa sociedade. Assim, por
exemplo, as descrições de Mead sobre a vida sexual em Samoa e os papéis sexuais em várias sociedades da Nova Guiné serviam como
"modelos" de como se poderia mudar a vida norte-americana. Hoje, interpretações quanto às maneiras indígenas de lidar com o meio-
ambiente, saúde e doença também estão sendo considerados, e de certa forma aplicadas à nossa sociedade (Posey 1985). Também, elementos
da cosmologia de diferentes grupos no mundo estão sendo incorporados em novas religiões e novas visões do mundo na nossa sociedade
(Langdon 1992). Há muitos anos artistas (como Picasso) interpretavam a arte de sociedades "primitivas" para inspirar novas formas de pintar,
esculpir ou fazer música. A antropologia sempre foi, e provavelmente continuará sendo, uma boa fonte de inspiração para os criadores dos
nossos "prêt-a-penser" culturais.
A antropologia também tem desempenhado um papel importante na persuasão, principalmente na criação de novas identidades.
Cardoso (1988) observa que especialmente no terceiro mundo a antropologia teve um papel central na criação de identidades nacionais. Hoje
vêmos antropólogos ajudando a formular "conceitos" como "índio", "povos da floresta", "sem tetos", "negros", "operários", "crianças de rua",
"homossexuais", etc. Nestes casos a mão do antropólogo têm sido importante na formulação de leis, políticas administrativas, direitos
específicos, e até movimentos políticos para os grupos cuja identidade está em formação. Os antropólogos agem na persuasão não apenas dos
governantes, e do público geral, mas também dos próprios interessados -- estabelecem a existência ou não destas diferentes identidades, e as
suas caracterizações. Identificam as fronteiras. Uma personagem famosa e respeitada do passado é identificado ao grupo em questão, ou esta
identidade é negada (Leonardo da Vinci, por exemplo, não era homossexual, pois a homossexualidade só se construiu muito depois).
Confesso que tive muita dificuldade em entender a importância deste papel de persuasão ao chegar aquí no Brasil. Não entendí a
ansiedade que os antropólogos brasileiros sentiam para definir "corretamente" termos como "índio", e não entendia a reação tão forte contra
conceitos como "aculturação". Para mim tratava-se de meros conceitos para os quais damos os sentidos que queremos dar, dependendo da
pesquisa que nos interessa. Por exemplo, para uma pesquisa genética, "índio" poderia se definir a partir da geneologia. Para uma pesquisa
lingüística, seria a partir do idioma, etc. "Aculturação" para mim, simplesmente se referia à adoção de alguns traços de uma cultura poderosa
por uma cultura menos poderosa, mesmo havendo modificações para incorporar estes traços dentro do sistema local. Não havia porque ter
reações tão fortes com estes conceitos. No entanto, uma melhor compreensão da lei brasileira eslareceu estas questões. Direitos à terra e a
outras coisas dependem diretamente dos conceitos usados na antropologia. Quem deixa de ser índio perde o direito a terra, etc. A persuasão
também é importante para afetar a opinião pública. Uma visão de "bom selvagem" por exemplo, pode ajudar a criar simpatia e uma
mobilização a favor ou contra uma política indigenista.
Para a explicação há também utilidades mais abstratas e concretas. Ao nível mais abstrato a explicação dá generalizações sobre as
relações entre diferentes fenômenos que podemos usar para ordenar o mundo ou para inspirar idéias mais concretas. Por exemplo, se temos
uma explicação geral que vê uma correspondência entre sobrenaturais e sistemas políticos, podemos examinar casos concretos nesta luz
(como fiz no capítulo anterior ao falar dos rumos que tomam decisões políticas, a graça de Deus, e idéias na academia). Isto nos ajuda a
diagnosticar casos concretos. Ao nível mais concreto podemos usar explicações para tomar decisões sobre quais programas políticas
queremos apoiar, ou quais táticas devemos usar para aumentar a produtividade, e a qualidade de vida, ou a felicidade. Em outro trabalho
(Werner 1992) fiz uma revisão de trabalhos antropológicos que se concentram em explicações.
Ética Antropológica
Os antropólogos parecem viver em constantes crises éticas. Se perguntam se estão sendo justos com as pessoas que estudam, ou com
as pessoas mais necessitadas do mundo. Se perguntam se estão sendo justos com as pessoas que pagam os seus salários. Se perguntam se
estão sendo justos com os seus alunos. Todos os seus tipos de análise são alvos de críticas éticas. Qualquer estudo muito teórico, sem
implicações práticas diretas, pode ser criticado por ser divorciado das necessidades urgentes do momento, de refletir uma atitude de "torre de
marfim", um desejo para uma "doce vida acadêmica" alienada.
Trabalhos com implicações mais práticas recebem críticas mais específicas. A explicação de fenômenos práticos leva a acusações de
"engenharia social", que soa manipuladora, e que parece tratar as pessoas como meros objetos. Tentativas de compreensão são zombadas
como pretensiosas, especialmente se o antropólogo tenta passar pelo "teste de Turing" antropológico: se fazer passar por um nativo (ver
Tedlock 1991 para um exemplo de um "antropólogo virado nativo" ridicularizado). Quem quer evitar a pretensão de realmente
"compreender" uma cultura, se limita a "interpretar". Mas as interpretações também são alvas de críticas. Se não visam algo prático são vistas
como diletantismo intelectual. Se tentam ser mais práticas recebem outras críticas. De um lado os antropólogos são acusados de explorarem as
culturas indígenas para sugar os seus conhecimentos -- como no caso de descobrir o seu uso de plantas medicinais, ou os seus segredos
xamânicos. Por outro lado podem ser acusados de quererem introduzir na nossa sociedade roteiros culturais que não cabem -- como Mead foi
acusada nos anos 80 de ter introduzido na sociedade americana atitudes excessivamente "liberais" com respeito à criação de filhos. As
tentativas de persuasão soam arrogantes, principalmente quando se tenta persuadir os próprios pesquisados de alguma coisa. Quem somos nós
para imaginar que podemos "conscientizar" os nativos? E se tentamos usar as nossas capacidades de persuasão para defender os nossos
pesquisados, também há questionamentos. Quem somos nós para imaginar que sabemos mais que os nossos pesquisados? Hoje em dia muitos
sabem muito melhor que nós como lidar com a imprensa, com advogados e com movimentos políticos. Não devemos ser tão importantes
como imaginamos se estamos sendo expulsos das próprias comunidades que estudamos, mesmo se estas expulsões têm a ver com
manipulações políticas por outros grupos.
Muitos anos atrás os antropólogos inventavam recomendações próprias sobre como lidar com as populações que estudavam, e
passavam estas recomendações para terceiros. Outros descreviam a vida em diferentes culturas, usando termos que não seriam usados pelos
indígenas e que provavelmente não seriam do seu agrado (como "megalomaníacos" ou "agressivos", p. ex. Benedict 1934; Mead 1935). Isto
dava muita autoridade ao antropólogo, e soava arrogante, mesmo se os antropólogos tinham a intenção de ajudar. De toda maneira a
"autoridade" destes relatos ficou muito questionada (p.ex. Freeman 1983). Críticas a estas atitudes "autoritárias" levaram alguns antropólogos
a adotarem um papel mais humilde -- o de "dar voz" às pessoas que não tinham como se expressar para o grande público. O antropólogo
servia como "tradutor" e mensageiro das ansiedades e dos desejos dos povos que estudava. Mas hoje, muitos dos povos que estudamos
conseguem se expressar muito bem sozinhos. Fazem os seus próprios contatos com as autoridades, gravam os seus próprios vídeos, e
elaboram as suas próprias reivindicações, e as suas próprias identidades (Marcus 1990). Os antropólogos se angustiam sobre como contribuir
com algo de útil nisto tudo. As reflexões pós-modernas lidam muito com estas ansiedades. O "diálogo" com o outro é visto como
politicamente mais correto que a monografia sobre o outro (Tedlock 1991), Mas é difícil esclarecer o que se entende por este "diálogo"
(Crapanzano 1991). Este problema é especialmente difícil quando se reconhece que os intelectuais têm mais prática, mais tempo, e mais
incentivo para escrever do que as pessoas com quem se está "dialogando". Então na realidade, não se escreve livros "a quatro mãos". O
"diálogo" corre o perigo de se tornar uma simples convenção literária, e não uma interação verdadeira entre mundos simbólicos e práticos
diferentes.
Não tenho soluções para estas questões éticas e políticas. Mas gostaria de fazer uma observação. A maioria dos problemas decorre
do papel do antropólogo com intermediário entre os pesquisados e o mundo maior. Mas este não é o único papel que o antropólogo precisa
desempenhar. É também possível realizar pesquisas a pedido do grupo pesquisado. Como exemplo, posso citar uma pesquisa que iniciei em
Nova York. Trata-se de um grupo organizado por e para idosos, e que queria garantir o melhor uso dos seus recursos, que incluiam recursos
humanos na forma de voluntários mais jovens que poderiam fazer visitas, ajudar com compras, levar para hospital, etc. Muitos velhos
moravam sozinhos espalhados pela cidade. Alguns muito pobres, outros "bem de vida". O grupo tinha organizado várias atividades, e queria
expandir em diferentes direções, mas não sabia onde. As decisões envolviam questões como: "Em geral as pessoas ficam mais contentes
recebendo um telefonema todo dia? ou é melhor organizar uma visita pessoal uma vez por semana? As pessoas se sentem melhores se ficam
sempre em contato com as mesmas pessoas, ou com pessoas diferentes? Qual a importância de organizar atividades para um grupo maior? Em
quais momentos é mais importante ter atividades (natal?, cada final de semana? quando acontece algo especial com alguém?). Estas e outras
questões estavam sendo debatidas pelo grupo, que finalmente decidiu "encomendar" uma pesquisa para ajudar na tomada de decisões. Nota-
se que esta pesquisa visava analisar algumas "explicações" diferentes para bem estar na velhice. Mas em vez da pesquisa servir para informar
terceiros sobre como agir, a pesquisa servia para os próprios pesquisados. Neste caso o papel do pesquisador era mais claro. Não havia a
pretensão de compreender, e o pesquisador não possuia mais autoridade que os outros (inclusive porque alguns dos velhos tinham currículos
muito mais impressionantes que os pobres pesquisadores). No entanto, havia a expectativa de que o pesquisador conheceria métodos e
técnicas para avaliar estas questões. O pesquisador era visto como um especialista como o encanador, ou o padeiro.
A concepção desta pesquisa talvez seja inusitada. Quem encomendou a pesquisa tinha dúvidas próprias que queria resolver. Nota-se
que não se esperava aquí uma "pesquisa de opinião pública" na qual simplesmente se pediria às pessoas quais as coisas que mais queriam da
organização. O sentimento geral era de que as pessoas não sabiam direito o que dava "bem estar". Não bastaria, então, se limitar a pedir
opiniões. Os idosos não tinham como responder a esta pergunta. O que se buscava na pesquisa eram correlações entre diferentes aspectos da
vida social e a sensação de "bem estar". Este ponto é importante, pois muitas vezes parecemos pressupor que os nossos pesquisados são
oniscientes -- ou pelo menos que sabem exatamente o que querem, e o que acontece na vida deles. Acho que esta idéia do informante
onisciente vem de uma visão da cultura como um "sistema de representações" determinado no qual os indivíduos simplesmente adotam os
"prêt-a-penser" da cultura e refletem pouco. Mas nós mesmos mal sabemos o que nós queremos na vida, e não há nenhuma razão para
pressupor que os outros tenham descoberto estes segredos. A idéia de simplesmente perguntar para as pessoas o que querem pode ser
importante para iniciar um trablho, mas não é suficiente.
As vezes o pesquisador tenta refletir junto com um informante a respeito de uma decisão, mas sem uma pesquisa específica, esta
reflexão mútua acaba se tornando mais uma opinião entre outros. Por exemplo, Silva (1993) trabalhou com travestis que se questionavam se
deviam ou não fazer uma operação para mudar de sexo. Ele mostrou um filme a respeito desta operação e relatou as opiniões de diferentes
travestis a respeito de outros travestis que tinham feito a cirurgia. mas não havia como fornecer mais do que isto. Uma pesquisa mais
sistemática que tivesse comparado a sensação de bem estar de travestis que fizeram a cirurgia com a sensação de bem estar de travestis que
não o fizeram teria sido talvez mais útil para quem estava em dúvida. Enfim, o pesquisador pode às vezes oferecer informação crucial para
decisões importantes na vida dos seus pesquisados -- informações que vão além do que estes informantes já sabem. O comentário de um índio
Cree ao ser questionado sobre pesquisas de impactos sociais de uma barragem no seu território resume esta idéia: "Perguntaram para nós o
que iria acontecer depois da barragem. Nós não sabiamos. Como poderiamos saber o que iria acontecer?" (Waldrum 1980).
Neste último tipo de pesquisa as questões éticas se tornam menos conflituosas, uma vez que é o próprio pesquisado que solicita a
pesquisa e que usufrui dela. Acredito que veremos mais pesquisas desta natureza na medida em que as pessoas conseguem esclarecer os seus
problemas e as alternativas para as soluções. Os antropólogos (inclusive aqueles com apenas a graduação) poderiam bem aproveitar destas
oportunidades.
Como imagino acontecer com todos os antropólogos, eu me preocupo com a utilidade do meu trabalho e da minha profissão. Neste
ensaio coloquei algumas das minhas dúvidas quanto aos rumos que a disciplina parece estar tomando, e tentei oferecer algumas sugestões
alternativas. Reconheço a utilidade de muitas maneiras diferentes de fazer antropologia, mas também reconheço alguns limites. Por isso, não
acho saudável se limitar a uma única forma de pensar. Absorvidos pela correria da vida universitária e pelas demandas políticas e sociais em
cima de nós, temos uma tendência a nos fixar num estilo único de trabalho que "dá certo" para nós (os nossos prêt-a-penser), e a ignorar
outras maneiras de pensar. Sem tempo para refletir, as vezes corremos atrás da "moda" sem saber porquê, ou simplesmente desistimos de
tentar juntar os pedaços do nosso pensamento. Neste ensaio tentei despertar algumas reflexões mais gerais sobre o pensamento antropológico.
Espero ter deixado claras algumas bases das nossas opções intelectuais, para que não chegamos no final das nossas carreiras com os lamentos
famosos de Faust na abertura do drama de Goethe. Como Mefistófeles o apontaria depois, nestas alturas Faust já tinha vendido a sua alma:
[Filosofia, Direito e Medicina/ e infelizmente também teologia;/Tenho tudo estudado a duras penas./ E agora fico aí, um idiota coitado!/ e sou
tão esperto como antes;/ sou chamado realmente de Mestre, Doutor,/ e na última década puxo os alunos em baixo do nariz / pra cá, prá lá, a
torto e direito/ -- / e vejo que não podemos saber nada!/ Isto me doi o coração/ É verdade que sou mais esperto que os bonitões,/ os doutores,
os professores, os escritores e os pastores;/ Fico sem escrúpulos e dúvidas,/ não temo nem o inferno, nem o diabo --/ Por isso foi me
arrancado toda alegria./ Não imagine que saiba de justiça/ Não imagine que posso ensinar/ as pessoas a se melhorarem, a se corrigirem./
Tampouco tenho bens nem dinheiro/ nem respeito nem honras do mundo./ Assim nem um cachorro gostaria de viver mais.]
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