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O texto de Edgar Morin, Os sete saberes necessários à educação do futuro

(2000), pretende expor problemas fundamentais que permanecem ignorados e que


são necessários para se ensinar no próximo século.
Segundo este autor, há sete saberes fundamentais que a educação do futuro
deveria tratar em toda sociedade e culturas, segundo modelos e regras próprias.
Seu texto se apoia no saber científico para situar a condição humana. Um
saber não provisório que desemboca em profundos mistérios sobre o Universo, a
Vida, o nascimento do Ser Humano. Se opções filosóficas e crenças religiosas de
civilizações e culturas (2000, p. 13).
Morin diz que a educação que transmite conhecimentos é cega quanto ao que
o conhecimento humano tem de enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à
ilusão (2000, p. 13-14).
Desse modo, o autor alerta que o conhecimento não pode ser utilizado sem
que se examine a sua natureza. Ele diz que o conhecimento do conhecimento deve
ser uma necessidade de preparação para enfrentar os riscos de erro e de ilusão.
Com isso, Morin considera a necessidade de introduzir na educação o estudo
das características cerebrais, mentais e culturais do conhecimento humano, seus
processos e modalidades, disposições psíquicas e culturais que conduzem ao erro e
a ilusão.
Prosseguindo, Morin diz que existe um problema capital que é a necessidade
de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais
e neles inserir os conhecimentos parciais e locais.
O autor explicar o que o conhecimento fragmentado em disciplinas impede
operar o vínculo entre as partes e a totalidade. Isso deve ser substituído por um
modo de conhecimento que apreenda os objetos em seus contextos, complexidade
e conjunto.
Ademais, o autor fala de desenvolver a aptidão natural do espírito humano que
situa todas essas informações em um contexto e conjunto. O ensino, então, deve ser
de métodos que permitam estabelecer relações mútuas e influências recíprocas
entre as partes e o todo em um mundo complexo (2000, p. 14).
Assim, Morin fala do ser humano que a um só tempo é físico, biológico,
psíquico, cultural, social e histórico. Esta unidade complexa é desintegrada na
educação por meio das disciplinas o que torna impossível apreender o que significa
ser humano. É preciso restaurá-la para que cada um tome conhecimento e
consciência de sua identidade complexa comum a todos os outros humanos.
Sendo assim, o ensino deveria ter como objeto essencial a condição humana.
Com base nas disciplinas atuais, é possível conhecer a unidade e a complexidade,
reunir conhecimentos dispersos das ciências da natureza, ciências humanas,
literatura, filosofia que colocam o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade.
Nesse caminho, Morin fala do destino planetário do gênero humano, que
segundo ele, é outra realidade ignorada pela educação. Assim, o autor adverte que
o conhecimento dos desenvolvimentos da era planetária e o reconhecimento da
identidade terrena serão indispensáveis a cada um e a todos.
Para Morin, a história da era planetária se inicia com o estabelecimento da
comunicação entre todos os continentes no século XVI. Ele diz que todas as partes
do mundo se tornaram solidárias, mas sem ocultar as opressões e dominações
(2000, p. 15).
Aqui, continua o autor, o complexo da crise planetária mostra que todos os
seres humanos são confrontados com os mesmo problemas de vida e de morte.
Além disso, fala Morin das ciências que permitiram muitas certezas e,
igualmente, muitas incertezas. Para ele, a educação deveria incluir o ensino das
incertezas. Isso permitiria ensinar estratégias para enfrentar imprevistos, o
inesperado e a incerteza. Permitiria também modificar o desenvolvimento com base
em informações adquiridas ao longo do tempo.
Os grandes acontecimentos e desastres, todos inesperados, devem preparar
as mentas para enfrentar as incertezas. A educação que se ocupar disso estará na
vanguarda dos nossos tempos (2000, p. 16).
Dando prosseguimento, o autor explica que a compreensão, sendo meio e fim
da comunicação humana, na educação o seu ensino está ausente. Para Morin, o
planeta necessita de compreensão mútua. Mas, para o seu desenvolvimento, é
preciso uma reforma das mentalidades, obra para a educação do futuro (2000, p. 16-
17).
Compreensão mútua para que as relações humanas saiam do seu estado
bárbaro de incompreensão. Disso vem à necessidade de estudar a incompreensão a
partir de suas raízes, modalidades e efeitos. Este estudo enfocaria as causas do
racismo, xenofobia, desprezo. Constituiria bases seguras para a educação da paz,
nossa essência e vocação.
Para finalizar, de acordo com Morin, a educação deve conduzir a “antropo-
ética”, com caráter ternário da condição humana, indivíduo/sociedade/espécie. E
ética indivíduo/espécie precisa do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do
indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia. A ética indivíduo/espécie convoca
a cidadania terrestre.
Com isso, Morin fala que a ética deve forma-se nas mentes com base na
consciência de que o humano é indivíduo, parte da sociedade e parte da espécie.
Assim, todo desenvolvimento humano deve compreender o desenvolvimento
conjunto das autonomias individuais, as participações comunitárias e a consciência
de pertencer à espécie humana.

Dessa maneira, Morin chega a duas grandes finalidades ético-políticas do novo


milênio: estabelecer uma relação de controle mútuo entre sociedade e indivíduo pela
democracia e conceber a humanidade como uma comunidade planetária. A
educação deve contribuir para a tomada de consciência de nossa Terra-Pátria e
permitir que essa consciência se faça em vontade de realizar a cidadania terrena.

AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: O ERRO E A ILUSÃO


Para Edgar Morin, todo conhecimento corre o risco do erro e da ilusão.
Segundo ele, a educação do futuro deverá enfrentar esse problema, pois o erro e a
ilusão parasitam a mente humana. Quando se considera o passado, mesmo o
recente, se percebe que foi dominado por inúmeros erros e ilusões.
Desse modo, a educação do futuro deverá mostrar que não há conhecimento
que não esteja ameaçado pelo erro e pela ilusão (2000, p.19). Para Morin, o
conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo. Ele diz que todas as
percepções são traduções e reconstruções cerebrais com bases em estímulos
codificados pelos sentidos. Dessas percepções podem resultar os erros e ilusões.
Além do mais, Morin acrescenta o erro intelectual em que o conhecimento, seja
em forma de palavra, ideia ou teoria, é fruto de tradução/reconstrução por meio da
linguagem e do pensamento e, por isso, está sujeito ao erro e a ilusão. Também
este conhecimento, que comporta interpretação, introduz o risco do erro na
subjetividade do conhecedor.
Sem falar, continua o autor, das projeções de nossos desejos ou medos e as
perturbações mentais trazidas pelas emoções que multiplicam os riscos do erro.
Sendo assim, Morin reflete que se poderia pensar na possibilidade de eliminar
o risco de erro, mas para isso teria que recalcar toda afetividade. Sobre isso o autor
alerta que no mundo mamífero, sobretudo no humano, o desenvolvimento da
inteligência é inseparável do mundo da afetividade que se expressa na curiosidade e
na paixão, que por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica e científica.
Além do mais, entre inteligência e afetividade há estreita relação. A faculdade
de racionar pode ser diminuída pelo déficit de emoção e o enfraquecimento
emocional pode está na raiz de comportamentos irracionais. Assim, para Morin, a
razão não é superior à emoção, pois o que existe na verdade é um eixo
intelecto/afeto, o que torna as emoções indispensáveis aos comportamentos
racionais (2000, p. 20-21).
O desenvolvimento do conhecimento científico pode detectar erros e ilusões.
Mas os paradigmas que controlam a ciência podem gerar ilusões, pois nenhuma
teoria científica é imune ao erro. Sem falar que o conhecimento não pode sozinho
tratar dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos. Sendo assim, a educação
deve dedicar-se à identificação da origem do erro, ilusão e cegueiras.
Ademais, continua Morin, nenhum dispositivo cerebral distingue a alucinação
da percepção, o sonho da vigília, o imaginário do real, o subjetivo do objetivo. Isso,
de acordo com o autor, explica a importância da fantasia e do imaginário no ser
humano. Segundo ele, as vias de entrada e saída do sistema neurocerebral, que
colocam o organismo em conexão com o mundo exterior, representam 2% do
conjunto, os outros 98% se referem ao funcionamento interno, um mundo psíquico
relativamente independente de necessidades, sonhos, desejos, ideias, imagens e
fantasias. Este mundo influencia a nossa visão ou percepção do mundo exterior.
Morin fala também que cada mente pode mentir para si próprio, o que configura
uma fonte permanente de erro e ilusão. O egocentrismo, a autojustificativa, colocar
sobre o outro as causas do mal, são coisas que fazem que cada um minta pra si
mesmo sem perceber esta mentira.
A memória também é fonte de erro e ilusão. Ela pode degradar-se, como
também pela rememoração pode embelezar ou desfigurar uma memória (2000, p.
21-22). Morin diz que nossa mente seleciona as lembranças que convêm e recalca
ou apagas as desfavoráveis. Assim também pode ter lembranças que julga ter vivido
e recordações recalcados que acredita jamais ter vivido. Por isso a memória está
sujeito ao erro e a ilusão.
Os sistemas de ideias (teorias, doutrinas e ideologias) estão sujeitos ao erro e
protegem os erros e ilusões neles contidos. A lógica organizadora de um sistema de
ideias é resistir à informação que não lhe convém ou que não pode assimilar. As
teorias resistem às teorias inimigas. Mesmo as científicas que aceitam serem
refutadas, tendem a manifestar resistência. As doutrinas são fechadas e
invulneráveis a qualquer crítica.
Mais além, Morin explica que a distinção entre vigília e sonho, imaginário e
real, subjetivo e objetivo, se dá pela atividade racional da mente que apela para o
controle do ambiente, da prática, da cultura, do próximo... Portanto, a racionalidade
que é corretiva (2000, p. 22).
A racionalidade protege contra o erro e a ilusão. Mas existe a racionalidade
construtiva, aquela que elabora teorias coerentes, com caráter lógico de organização
teórica, compatibilidade de ideias, concordância entre suas asserções e os dados
empíricos: esta racionalidade deve permanecer aberta aos contestadores para não
se tornar uma doutrina e se converter em racionalização. E há a racionalidade crítica
exercida sobre o erro e as ilusões de crenças, doutrinas e teorias. A racionalidade
também possui erro e ilusão quando se converte em racionalização. A
racionalização se crer racional, constitui um sistema lógico perfeito, pela indução ou
dedução funda-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se a contestação de
argumentos e a verificação empírica. É uma doutrina que obedece a um modelo
tecnicista e determinista para considerar o mundo, e por isso não é racional, mas
racionalizadora.
A verdadeira racionalidade, aberta, dialoga com o real. Para Morin, a
racionalidade deve reconhecer a parte de afeto, amor e arrependimento. A
verdadeira racionalidade conhece os limites da lógica, do determinismo e do
mecanicismo; sabe que a mente humana não pode ser onisciente, que a realidade
comporta mistério. Negocia com a irracionalidade, o obscuro, o irracionalizável. A
racionalidade além de crítica, é autocrítica, tem a capacidade de identificar suas
insuficiências (2000, p. 23).
Morin explica que o ocidente europeu julgava qualquer cultura sob a medida de
seu desempenho tecnológico. Mas, em qualquer sociedade há racionalidade, seja
na elaboração de ferramentas, nas estratégias de caça, no conhecimento de
plantas, dos animais e do solo. Daí decorre a necessidade da educação do futuro
reconhecer o princípio de incerteza racional. Por isso a racionalidade precisa sempre
manter uma autocrítica vigilante, para ser teórica, crítica e autocrítica.
Ademais, continua Morin, o jogo da verdade e do erro não se joga apenas na
verificação empírica e na coerência lógica das teorias, se joga também na zona
invisível dos paradigmas. A definição de um paradigma pode ser:
 Promoção/seleção de conceitos-mestres da inteligibilidade. Ordem /
determinista; matéria / materialista; espirito / espiritualista; estrutura /
estruturalistas. Conceitos-mestres, excluem ou subordinam os conceitos
que lhe são antinômicos. Este é o nível paradigmático do princípio de
seleção das ideias que estão integradas no discurso ou na teoria.
 Determinação das operações lógicas-mestras. O paradigma está oculto
sob a lógica e seleciona as operações lógicas preponderantes,
pertinentes. Privilegia determinadas operações lógicas em detrimento de
outras, atribui validade e universalidade à lógica que elegeu.
O paradigma efetua a seleção e a determinação da conceptualização e das
operações lógicas. Designa as categorias fundamentais da inteligibilidade e opera o
controle de seu emprego. Os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo
paradigmas inscritos culturalmente neles.
Há dois paradigmas opostos acerca da relação homem/natureza. O primeiro
inclui o homem na natureza. O segundo prescreve a disjunção, determina o que há
de específico no ser humano para excluí-lo da ideia de natureza (2000, p. 25). Um e
outro impedem que se conceba unidualidade (natural/cultural, cerebral/psíquica) da
realidade humana. Também impedem que se conceba a relação de implicação e
separação entre o homem e a natureza. Somente o paradigma complexo de
implicação/distinção/conjunção permitirá tal concepção.
Com isso, Morin fala que o paradigma é subterrâneo e soberano em qualquer
teoria, doutrina ou ideologia. É inconsciente, mas irriga o pensamento consciente,
controla-o e é supraconsciente.
Então, o paradigma constitui axiomas, conceitos, discursos ou teorias. Como
exemplo, o “grande paradigma do Ocidente”. Descartes, o paradigma cartesiano
separa o sujeito e o objeto: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e
a pesquisa objetiva, do outro (2000, p. 26).
Este paradigma tem uma dupla visão do mundo: de um lado os objetos
submetidos a observações, experimentações, manipulações; de outro, sujeitos que
se questionam sobre os problemas da existência, comunicação, consciência,
destino. Sobre isso tudo, associa-se também o determinismo de convicções e
crenças que impõem em todos a força imperativa do sagrado, do dogma e do tabu.
Essa força traz a evidência aos convencidos, tem uma força coercitiva.
Morin diz que o poder imperativo e proibitivo conjunto dos paradigmas
determina os estereótipos cognitivos, faz reinar os conformismo cognitivos e
intelectuais (2000, p. 27).
Sob o conformismo cognitivo há o imprinting cultural que inscreve o
conformismo a fundo e a normalização que elimina o que poderia contestá-lo. O
imprinting pode ser entendido como as primeiras experiências de um animal recém-
nascido. Assim, o imprinting cultural marca os humanos, primeiro com a cultura
familiar, escolar, universidade, vida profissional.
Ademais, continua Morin, as crenças e as ideias são seres mentais que têm
vida e poder, podem possuir-nos. A noosfera, esfera das coisas do espírito, se refere
a mitos, deuses, seres espirituais que arrastou o Homo sapiens a delírios,
massacres, crueldades, adorações e êxtases. É uma selva de mitos que enriquecem
as culturas (2000, p. 28).
Para Mori, a noosfera é produto de nossa alma e mente. Os mitos tomaram
forma com base em nossas fantasias, sonhos e imaginação. As ideias tomam forma
com base em símbolos e pensamentos da inteligência. Com isso, o autor fala que os
mitos e ideias voltaram-se sobre nós, invadiram-nos, deram-nos emoção, amor,
raiva, êxtase, fúria.
Desse modo, Morin entende que as ideias existem pelo homem e para ele, mas
os homens existem também pelas ideias e para elas. Somente podemos usá-las
apropriadamente se soubermos também servi-las. Uma ideia ou teoria deveria ser
relativizada e domesticada (2000, p. 29).
Além do mais, o autor fala que o mito e a ideologia destroem e devoram os
fatos. As ideias, por sua vez, permitem conceber as carências e perigos das ideias.
Disso resulta um paradoxo: “devemos manter uma luta crucial contras as ideias, mas
somente podemos fazê-lo com a ajuda de ideias”.
O inesperado surpreende-nos, o novo brota sem parar. Devemos esperar sua
chegada, esperar o inesperado. É preciso ser capaz de rever nossas teorias e ideias
(2000, p. 30).
Então, Morin diz que é preciso destacar as grandes interrogações sobre nossas
possibilidades de conhecer. Para ele, a incerteza é o desintoxicante do
conhecimento complexo. Sendo assim, de qualquer jeito, o conhecimento continua
sendo uma aventura para a qual a educação deve fornecer o apoio indispensável.
O conhecimento do conhecimento comporta integração do conhecedor em seu
conhecimento. Na busca da verdade, as atividade auto-conhecedoras, devem ser
inseparáveis das atividades observadoras, as autocríticas inseparáveis da crítica, os
processos reflexivos, inseparáveis dos processos de objetivação.
Com isso, para Morin, a procura da verdade pede a busca e elaboração de
metapontos de vistas, reflexividade, integração observador-conceptualizador na
observação-concepção e a “ecologização” da observação-concepção no contexto
mental e cultural que é seu (2000, p. 31).
Para esse autor, devemos nos deixar possuir pelas ideias de crítica, autocrítica,
abertura, complexidade. Para ele existe um problema-chave: instaurar a
convivialidade de nossas ideias com nossos mitos. Necessitamos, ele diz, estar
atentos para evitar idealismo e racionalização. Alertas para detectar a mentira em si
mesmo. Civilizar as teorias, desenvolver nova geração de teorias abertas, racionais,
críticas, reflexivas, autocríticas, aptas a se auto-reformar.
Ademais, fala Morin, da necessidade de encontrar os metapontos de vista
sobre a noosfera com a ajuda das ideias complexas, em cooperação com as
mentes. Metapontos de vista para auto-observar-se e conceber-se. Para o autor,
necessitamos que se cristalize e se enraíze um paradigma que permita o
conhecimento complexo (2000, p. 32).

Sobre isso tudo, o problema cognitivo é de importância antropológica, política,


social e histórica. O dever principal da educação é de armar cada um para o
combate vital para a lucidez.

OS PRINCÍPIOS DO CONHECIMENTO PERTINENTE


O conhecimento dos problemas-chave do mundo deve ser tentado quando o
contexto atual de qualquer conhecimento político, econômico, antropológico,
ecológico... é o próprio mundo. A era planetária necessita situar tudo no contexto e
no complexo planetário. O conhecimento do mundo como mundo é necessidade
intelectual e vital. Então, como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter
a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber o Contexto, o Global
(partes/todo), o Multidimensional, o Complexo? Para isso, diz Mori, é necessária a
reforma do pensamento. É uma reforma paradigmática, questão fundamental da
educação, pois se referem à organização do conhecimento (2000, p. 35).
O problema universal de inadequação ampla, profunda e grave entre os
saberes desunidos, divididos, compartimentados e as realidades e problemas cada
vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais
e planetários, confronta a educação do futuro.
Nessa inadequação se torna invisível o contexto, o global, o multidimensional,
o complexo. Para que o conhecimento seja pertinente, é preciso torna-los evidentes.
Dessa maneira, Morin considera que o conhecimento das informações ou
dados isolados é insuficiente. Para que as informações e os dados adquirem sentido
é preciso situá-los em seus contextos. A evolução cognitiva caminha para a sua
contextualização. Determina as condições de inserção e limites. Com isso, a
contextualização é condição essencial de eficácia (2000, p. 36-37).
O global é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo
ou organizacional. Uma sociedade é o todo organizador de que fazemos parte. O
planeta Terra é o todo ao mesmo tempo organizador e desorganizador de que
fazemos parte. É preciso efetivamente recompor o todo para conhecer as partes.
Assim, seria impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco
conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.
Nos seres vivos existe a presença do todo no interior das partes: cada célula
contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo policelular. Com isso, a
sociedade está presente em cada indivíduo, em sua linguagem, em seu saber, em
suas obrigações e normas. Cada célula singular, cada indivíduo contém o todo do
qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele (2000, p. 37-38).
Unidades complexas, ser humano, sociedade, são multidimensionais. O ser
humano é biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A sociedade é histórica,
econômica, sociológica, religiosa... O conhecimento pertinente deve reconhecer
esse caráter multidimensional. Não isolar uma parte do todo, nem as partes umas
das outras. A dimensão econômica está em inter-retroação com todas as dimensões
humanas. Sendo assim, a economia carrega necessidades, desejos e paixões
humanas.
Morin explica que há complexidade quando elementos diferentes são
inseparáveis constitutivos do todo. Para ele, há um tecido interdependente, interativo
e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo,
o todo e as partes, as partes entre si. Sendo assim, a complexidade é a união entre
a unidade e a multiplicidade. A nossa era planetária nos confronta com os desafios
da complexidade (2000, p. 38).
Desse modo, Morin diz que a educação deve promover a “inteligência geral”
apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da
concepção global.
O autor elucida que o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite
melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto
mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas
especiais.
Ademais, para Morin, o conhecimento deve mobilizar o que o conhecedor sabe
do mundo. O autor explica que a compreensão dos enunciados é um processo de
interpretação que mobiliza a inteligência geral e faz apela ao conhecimento do
mundo.
Com isso, Morin defende que a educação deve favorecer a aptidão natural da
mente em formular e resolver problemas essenciais. Deve estimular também o uso
total da inteligência geral em livre exercício da curiosidade.
Portanto, o autor entende que para isso a educação do futuro precisa utilizar os
conhecimentos existentes, superar as antinomias do progresso nos conhecimentos
especializados e identificar a falsa racionalidade (2000, p. 39-40).
Além do mais, estes progressos estão dispersos, desunidos, devido à
especialização que fragmenta os contextos, as globalidades e as complexidades. As
realidades globais e complexas fragmentam-se, o humano é deslocado, sua
dimensão biológica está nos departamentos de biologia, as dimensões psíquica,
social, religiosa e econômica está nos departamentos de ciências humanas, seus
caracteres subjetivos, existências, poéticos estão na literatura e na poesia. A
filosofia, reflexão sobre qualquer problema humano, tornou-se um campo fechado
sobre si mesmo.
Morin reflete que as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões
naturais para contextualizar os saberes, para integrá-los em seus conjuntos naturais.
Desse modo, ele diz: o enfraquecimento da percepção do global conduz ao
enfraquecimento da responsabilidade, enfraquecimento da solidariedade (2000,
p.40-41).
Sobre isso, ele continua dizendo que hiperespecialização impede a concepção
do global, fragmenta em parcelas, dissolve o essencial. Todavia, os problemas
essenciais nunca são dissolvidos e os problemas globais são cada vez mais
essenciais. O recorte das disciplinas impossibilita apreender o que está tecido junto.
A especialização abs-trai, extrai um objeto de seu contexto, seu conjunto,
rejeita os laços e as intercomunicações. Introduz o objeto no conceptual abstrato,
disciplina compartimentada. Conduz a abstração matemática, privilegia o calculável
e passível de ser formalizado.
A economia, ciência social matematicamente mais avançada, é a ciência mais
atrasada, se abstraiu das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas,
ecológicas, inseparáveis das atividades econômicas.
O princípio de redução limita o conhecimento do todo ao conhecimento de suas
partes, restringe o complexo ao simples. Aplica às complexidades a lógica
mecânica. Pode cegar e excluir tudo o que não for quantificável e mensurável,
eliminando do elemento humano paixões, emoções, dores e alegrias. O princípio de
redução oculta o imprevisto, o novo e a invenção.
A educação ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os
conhecimentos, o conjunto deles constitui um quebra-cabeça ininteligível. Com isso,
os grandes problemas humanos desaparecem em benefício dos problemas técnicos
particulares. Isso conduz a atrofia da disposição mental natural de contextualizar e
globalizar (2000, p. 42-43).
Desse modo, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior é
a incapacidade de pensar de pensar sua multidimensionalidade. Quanto mais se
tornam planetários, mais se tornam impensáveis. Incapaz de considerar o contexto e
o complexo planetário, a inteligência cega se torna inconsciente e irresponsável.
A falsa racionalidade, a racionalização abstrata e unidimensional, triunfa sobre
a terra. Soluções presumivelmente racionais, trabalhadas pela razão e para o
progresso, empobreceram e destruíram. O desmatamento que contribui para o
desiquilíbrio hídrico e a desertificação das terras. Fontes tropicais do Nilo e do
Amazonas, secos. Grandes monoculturas eliminaram pequenas policulturas de
subsistência, escassez, êxodo rural e favelização urbana (2000, p. 44).
Morin mostra que tudo isso resulta em catástrofes humanas cujas vítimas e
consequências não são reconhecidas, contabilizadas, do mesmo modo das vítimas
de catástrofes naturais. Assim, se desconhece os princípios maiores do
conhecimento pertinente. O parcelamento e a compartimentação dos saberes
impedem apreender o que está tecido junto (2000, p. 45). É preciso conjugá-las.
A educação do futuro, ensino primeiro e universal, centrado na condição
humana. Estamos na era planetária, devemos reconhecer a nossa humanidade
comum e a diversidade cultural de tudo o que é humano.
Conhecer o humano, situá-lo no universo. Todo conhecimento deve
contextualizar o seu objeto para ser pertinente. Quem somos? Onde estamos?
Interrogar a nossa condição humana é questionar a nossa posição no mundo (2000,
p. 47).
Um problema epistemológico: é impossível conceber a unidade complexa do
ser humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe a nossa humanidade de
maneira insular, fora do cosmos, da matéria física, do espírito do qual somos
constituídos. Pelo pensamento redutor, restringe a unidade humana a um substrato
bio-anatômico. As ciências humanas são fragmentadas e compartimentadas. Assim,
a complexidade humana torna-se invisível.
A educação do futuro promove o remembramento dos conhecimentos das
ciências naturais, o que situa a condição humana no mundo, e o conhecimento das
ciências humanas evidencia a multidimensionalidade e complexidades humanas.
Integra as humanidades como a filosofia e a história, a literatura, a poesia e as artes.

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