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Rudolf Steiner

A educação da CRIANÇA
segundo a Ciência Espiritual

Tradução de
Rudolf Lanz

O conteúdo destas considerações foi apresentado por mim sob forma de palestra
proferida em vários lugares da Alemanha. Tendo-se expressado de muitos lados o desejo
de vê-lo publicado, apresento-o aqui refundido como trabalho escrito.

Rudolf Steiner
1907

1
A
vida atual coloca em questão muito do que o homem herdou de seus
antepassados. É por isso que surgem tantos ‘problemas modernos’ e ‘exigências
da época’. Que tipo de ‘problemas’ perturbam o mundo hoje? A questão social, a
questão do feminismo, problemas educacionais e escolares, problemas relacionados ao
direito, à saúde, etc. Pelos mais diversos meios procuram-se soluções para estes
problemas, sendo incalculável o número dos que afirmam terem esta ou aquela ‘fórmula’
para resolver este ou aquele ou, pelo menos, contribuir com algo para sua solução. E
nessa situação fazem-se valer todos os matizes possíveis do comportamento humano: o
radicalismo, que toma ares revolucionários; as tendências moderadas, com respeito pelo
existente, querendo desenvolver o novo; e o conservadorismo, que logo se agita quando
se toca em antigas instituições ou tradições. E ao lado dessas atitudes principais existem
inúmeras intermediárias.
Quem analisar mais profundamente a situação não poderá abster-se, perante todos
esses fenômenos, do sentimento de que nossa época possuí apenas meios inadequados
para enfrentar as exigências feitas ao homem moderno. Muitos querem reformar a vida
sem conhecer realmente seus princípios básicos. Quem quiser fazer sugestões para que
algo aconteça no futuro não poderá dar-se por satisfeito com um conhecimento
superficial da vida; deverá, antes, pesquisá-la em profundidade.
A existência toda é como uma planta, não abrangendo apenas o que se apresenta à
vista, mas contendo em seu âmago um estado futuro. Quem vê uma planta
apresentando apenas folhas sabe perfeitamente que ela terá, dentro de algum tempo,
flores e frutos; contudo, a planta já possui, de maneira invisível, a disposição para essas
flores e frutos. Mas como poderia opinar sobre o aspecto desses órgão alguém que se
limitasse a estudar na planta apenas o que ela apresenta ao olhar do observador no
momento presente? Só poderá fazê-lo quem conhece sua natureza íntima.
De maneira análoga, a vida humana inteira contém as disposições para seu futuro.
Contudo, para se poder dizer algo a respeito desse futuro é preciso penetrar na natureza
oculta do ser humano. Nossa época carece da inclinação correta para isso, pois se dedica
antes ao que se manifesta na superfície, acreditando vir a entrar em âmbito incerto se
avançar até o que se furta à observação exterior. E verdade que a coisa é mais fácil no
caso da planta, pois todos sabem que esta já muitas vezes teve frutos. A vida humana só
existe uma vez, e suas flores futuras nunca tiveram existência anterior. Não obstante,
estas preexistem no homem como disposição, como é o caso das flores numa planta que
momentaneamente só carrega folhas.
Existe uma possibilidade de se saber algo acerca desse futuro, desde que o
observador atravesse a superfície do ser humano e chegue ao seu cerne. As inúmeras
idéias reformistas do presente só se tornarão práticas e fecundas quando baseadas em
tal análise mais profunda da vida humana.
Por sua própria natureza, a Ciência Espiritual deve ter por tarefa oferecer uma
cosmovisão prática, que abranja a essência da vida humana. Não se trata de determinar
se existe justificativa para muitos movimentos que hoje em dia levam essa
denominação. Trata-se da essência da Ciência Espiritual e do que esta pode ser segundo
essa essência. Ela não deve ser uma teoria indefinida destinada a satisfazer a mera
curiosidade cognitiva, nem um meio reservado a uns poucos que, egoisticamente,
almejem para si próprios um grau superior de evolução. A Ciência Espiritual pode
contribuir para a solução das mais importantes tarefas da humanidade atual e para o
desenvolvimento de seu bem-estar.1
Contudo, ao assumir tal missão a Ciência Espiritual deverá contar com o fato de vir a
sofrer muitas críticas e dúvidas por parte de radicais, moderados e conservadores em
todos os domínios da vida social. Com efeito, não poderá dar satisfação a qualquer
partido, pois suas premissas transcendem qualquer partidarismo.
Essas premissas são exclusivamente baseadas num autêntico conhecimento da vida.
Quem conhece a vida só se proporá tarefas que nasçam dela. Não estabelecerá
programas arbitrários, pois sabe que as leis fundamentais da vida não serão, no futuro,
diferentes destas do presente. A pesquisa espiritual não deixará, portanto, de respeitar o
que existe. Seja qual for a necessidade de reformas, procurará encontrar, no que
atualmente existe, os germes para o futuro. Mas sabe também que todo vir-a-ser contém
um crescimento e uma evolução. Por isso se lhe manifestarão, no que existe atualmente,
os germes para uma transformação, para um crescimento. A Ciência Espiritual não
inventa programas, mas os deduz do que existe. Porém as conclusões assim resultantes
constituem, em certo sentido, um programa em si, pois contêm a natureza da evolução.

2
E justamente por este motivo que o aprofundamento científico-espiritual na natureza
do homem deve fortalecer os mais frutíferos e práticos meios para a solução das
questões existenciais prementes da atualidade.
Isto será demonstrado aqui quanto à questão educacional. Não serão formuladas
exigências nem programas - será simplesmente descrita a natureza da criança. Da
natureza do homem em desenvolvimento surgirão, como que por si mesmos, os
princípios para a educação.
Quem quiser conhecer a essência do homem em desenvolvimento deverá partir de
uma observação da natureza oculta do ser humano em geral.
O que a observação sensória descobre no homem, e a concepção materialista
considera o único aspecto válido em sua natureza, constitui para a pesquisa espiritual
apenas uma parte, um membro da entidade humana, ou seja, seu corpo físico. Este está
sujeito às mesmas leis da vida física, compondo-se das mesmas substâncias e forças que
formam o resto do mundo chamado inorgânico. A Ciência Espiritual diz, portanto: o
homem possui esse corpo físico em comum com todo o chamado reino mineral; e
denomina corpo físico no homem apenas o que produz a mistura, a combinação, a estru-
tura e a dissolução das mesmas substâncias, segundo as mesmas leis atuantes no
mundo mineral.
Acima desse corpo físico, a Ciência Espiritual reconhece ainda uma segunda entidade
no homem: o corpo vital ou etérico. Que os físicos não estranhem a denominação ‘corpo
etérico’. ‘Éter’ significa aqui algo diferente do éter hipotético da Física. Tome-se o termo
simplesmente como denominação para o que será descrito a seguir.
Falar em tal ‘corpo etérico’ foi considerado, há algum tempo, indício de uma
mentalidade altamente desprovida de espírito científico. Entretanto, isso não ocorria no
fim do século XVIII e na primeira metade do século XIX. Nessa época se dizia não ser
possível que as substâncias e forças atuantes num mineral pudessem transformá-lo
espontaneamente num ser vivo. Este deveria conter uma ‘força’ especial chamada ‘força
vital’. Era opinião corrente que tal força atua na planta, no animal e no corpo do homem,
provocando as manifestações da vida da mesma forma como a força magnética provoca
a atração no ímã. A época subseqüente, a do materialismo, afastou tais idéias. Os
cientistas passaram a dizer que um ser vivo se estrutura exatamente como o faz um ser
dito inanimado; que as forças reinantes no organismo são as mesmas que atuam no
mineral - apenas de maneira mais complicada, pois formam uma estrutura complexa.
Atualmente, só os materialistas mais obstinados persistem na negação desta ‘força
vital’. Os fatos ensinaram a muitos cientistas que se deve admitir algo como uma força
ou princípio vital.
A ciência moderna aproxima-se, assim, do que a Ciência Espiritual afirma a respeito
do corpo vital. Contudo, há entre ambas uma considerável diferença. A ciência atual
chega a postular uma espécie de força vital mediante um raciocínio baseado em fatos
constatados pela observação sensorial. Este, porém, não é o caminho para uma genuína
pesquisa, ponto de partida da Ciência Espiritual e origem dos resultados que esta
divulga.
Nunca se insistirá o bastante sobre essa diferença entre a Ciência Espiritual e a
ciência corrente em nossa época. Esta última considera a experiência sensorial como
base de todo conhecimento, julgando incognoscível tudo o que não se fundamente em
tal base. Ela tira suas conclusões e deduções das impressões sensoriais, declinando tudo
o que estas transcendem, sob a alegação de que ultrapassaria os limites do
conhecimento humano. Para a Ciência Espiritual, semelhante atitude se iguala à de um
cego que só quisesse admitir o que pudesse ser apalpado ou deduzido logicamente de
sensações táteis, rejeitando como transcendentes à capacidade cognitiva humana os
relatos de um indivíduo dotado de visão. Com efeito, a Ciência Espiritual mostra que o
homem é suscetível de evoluir e adquirir o conhecimento de novos mundos pelo
desenvolvimento de novos órgãos. Assim como o cego, embora se encontre no meio de
cores e de luz, não as pode perceber por falta de um órgão adequado, a Ciência
Espiritual ensina que existem muitos mundos ao redor do homem, e que este poderá
percebê-los se, para tal, desenvolver os órgãos necessários. Tal como o cego vislumbra
um novo mundo depois de operado, o homem pode conhecer, pelo desenvolvimento de
órgãos superiores, mundos bem diferentes do que lhe revelam os sentidos comuns. É da
condição dos órgãos de um cego que depende a possibilidade de uma operação; porém
os órgãos que permitem ao homem penetrar em mundos superiores existem de forma
rudimentar em qualquer ser humano. Poderá desenvolvê-los toda pessoa que possua pa-
ciência, perseverança e energia para aplicar em si mesma os métodos descritos em
meus artigos da série O conhecimento dos mundos superiores (A iniciação). 2 Assim, a

3
Ciência Espiritual não fala de limites cognitivos impostos ao homem por sua constituição;
diz, antes, que para o ser humano existem aqueles mundos para cuja percepção ele
possui os órgãos apropriados.
Portanto, é essa a sua atitude também em relação à investigação do corpo vital ou
etérico, e de tudo o que ainda será exposto neste livro a respeito de membros superiores
da natureza humana. A Ciência Espiritual reconhece que a pesquisa feita pelos sentidos
físicos só pode alcançar o corpo físico, e que tal pesquisa pode, no máximo, admitir a
existência de outro, superior, por meio de conclusões. Mas informa como abrir acesso a
um mundo em que os membros superiores da entidade humana se manifestam da
mesma forma como as cores e a luminosidade dos objetos ao cego nato recém-operado.
Para os que desenvolveram seus órgãos superiores de percepção, o corpo etérico ou
vital é um objeto de observação, e não apenas de raciocínio e conclusão.
Esse corpo etérico ou vital o homem tem em comum com as plantas e os animais.
Graças à sua atuação, as substâncias e forças do corpo físico redundam nos fenômenos
do crescimento, da reprodução, do fluxo dos humores, etc. O corpo etérico é, pois,
construtor e piasmador do corpo físico, é seu habitante e arquiteto. Por isso é lícito
considerar o corpo físico uma imagem ou expressão do corpo vital. Ambos apresentam,
no homem, tamanho e forma aproximados — nunca exatamente iguais —, enquanto nos
animais e, mais ainda, nas plantas, o corpo etérico se diferencia consideravelmente do
físico quanto a forma e dimensão.
O terceiro membro da entidade humana é o chamado corpo das sensações ou astral:
é o portador de dores e prazeres, instintos, apetites, paixões, etc. Um ser composto só
dos corpos físico e etérico não possui essas manifestações psíquicas que poderíamos
reunir sob o termo ‘sensibilidade’. A planta não a possui. Se, do fato de certas plantas
responderem por movimentos ou de outra maneira a impulsos exteriores, alguns
cientistas concluíssem que as plantas possuem uma certa capacidade sensível, isso
apenas revelaria sua ignorância quanto à essência da sensação. O que importa não é a
resposta dada a uma excitação exterior, e sim sua reflexão por meio de um processo
interior, como alegria ou dor, instinto, cobiça, etc. Não fora assim, poder-se-ia dizer, com
razão, que o papel de tornassol azul teria uma sensibilidade para certas substâncias,
motivo pelo qual sua cor passa a vermelho em contato com elas.3
O corpo das sensações, veículo da vida sentimental, o homem a compartilha apenas
com os animais.
Não se deve incorrer no erro de certos círculos teosóficos, imaginando serem os
corpos etérico e astral compostos meramente por substâncias mais sutis do que as
existentes no corpo físico. Isso significaria materializar esses membros superiores da
natureza humana. O corpo etérico é uma estrutura energética composta de forças
atuantes, e não de matéria; o corpo astral ou das sensações é uma formação constituída
por imagens dinâmicas, coloridas e luminosas.4
Diferente do corpo físico pela forma e pelo tamanho, o corpo astral apresenta no
homem a forma de um ovo alongado, contendo os corpos físico e etérico e ul-
trapassando-os, de todos os lados, como uma formação luminosa.
O homem possui ainda um quarto membro de sua entidade, o qual ele não
compartilha com qualquer ser terrestre. Trata-se do portador do ‘eu’ humano. A pala-
vrinha ‘eu’, tal como é usada na língua alemã*, é um nome diferente de todos os outros.
Quem se põe a refletir de maneira correta sobre esse nome abre a via de acesso à
natureza humana. Qualquer outro nome pode ser empregado por todos os homens para
designar o objeto que lhe corresponde. Qualquer indivíduo pode chamar a mesa de
‘mesa’, a cadeira de ‘cadeira’. Tal não é o caso do nome ‘eu’. Ninguém pode usá-lo para
designar outrem. Cada um pode chamar ‘eu’ somente a si mesmo. Nunca a palavra ‘eu’
pode chegar ao meu ouvido para designar a mim. Ao designar-se como eu o homem dá,
em seu íntimo, um nome a si próprio. Um ente capaz de dizer ‘eu’ de si próprio constitui
um mundo por si. Isso foi sempre sentido pelas religiões baseadas na Ciência Espiritual.
Por isso elas diziam o seguinte: com o ‘eu’, a divindade que se manifesta em seres
inferiores, nos fenômenos do mundo exterior, começa a falar no âmago do homem. O
veículo dessa qualidade é o corpo do eua, o quarto membro da entidade humana.5

a Designado normalmente pelo Autor como eu. (N.T.)

4
Esse ‘corpo do eu’ é o portador da alma humana superior. Graças a ele, o homem é o
coroamento da Criação terrestre. Contudo, no homem atual o eu não é, de maneira
alguma, uma entidade simples. Pode-se reconhecer sua natureza comparando indivíduos
que se encontrem em vários níveis de desenvolvimento. Basta considerar um selvagem
inculto e um cidadão médio europeu, comparando este, por sua vez, com um idealista
muito evoluído. Todos eles têm capacidade para dizer ‘eu’ de si próprios, já que o ‘corpo
do eu’ existe em todos. Mas o selvagem segue suas paixões, seus desejos e instintos
quase como um animal; o homem mais evoluído decide, diante de determinadas
inclinações e cobiças, ceder a algumas, recalcando e reprimindo outras. O idealista
acrescentou às paixões e inclinações originais outras mais elevadas. Tudo isso se deu
por uma atuação do eu sobre os demais membros da entidade humana. Com efeito, a
tarefa do eu é purificar e aperfeiçoar esses outros membros.
Assim, na pessoa que se elevou acima do estado onde o mundo exterior a colocou, os
membros inferiores são, sob a influência do eu, ora mais, ora menos transformados. No
momento em que o homem se eleva pela primeira vez acima do estado animal graças à
primeira manifestação do eu, ele ainda se assemelha ao animal quanto aos membros
inferiores. Seu corpo etérico ou vital é apenas o instrumento das forças formadoras vi-
tais, do crescimento e da reprodução. Seu corpo astral limita-se a exprimir os impulsos,
apetites e paixões solicitados pela natureza exterior. Enquanto o homem, a partir desse
nível evolutivo, atravessa as vidas ou encarnações consecutivas ascendendo a um
desenvolvimento sempre mais elevado, o eu transforma os demais membros. O corpo
das sensações passa a ser o veículo de sentimentos sutis de prazer e desprazer, de de-
sejos e apetites mais refinados. Também o corpo etérico ou vital se transforma,
tornando-se suporte dos hábitos, das inclinações duradouras, do temperamento e da
memória. Um indivíduo cujo eu ainda não chegou a plasmar seu corpo vital não tem
lembrança alguma das experiências que fez. Dá livre curso à sua vitalidade tal como a
natureza a implantou nele.
Toda evolução da cultura exprime-se em tal efeito do eu humano sobre os membros
inferiores. Essa atuação atinge até o corpo físico: sob a influência do eu transformam-se
a fisionomia, os gestos e movimentos — enfim, todo o aspecto do corpo físico.
Pode-se também distinguir como os diversos meios de cultura e educação atuam
diferentemente sobre os membros da entidade humana. Os fatores culturais comuns
atuam sobre o corpo das sensações, trazendo-lhe tipos de prazer e desprazer, de
impulsos, etc. diferentes dos que ele inicialmente possuía. A contemplação de obras de
arte atua sobre o corpo etérico, pois o homem o transforma quando se lhe revela, por
intermédio da obra de arte, algo superior e mais nobre do que o proporcionado pelo
ambiente sensório. Outro meio potente para purificar e aperfeiçoar o corpo etérico é a
religião, cujos impulsos têm, portanto, uma missão grandiosa na evolução da
humanidade.
O que se denomina consciência a nada mais é senão o resultado da atuação do eu
sobre o corpo etérico através de uma série de encarnações. A consciência nasce quando
o homem se convence de não dever cometer este ou aquele ato, recebendo desse
entendimento uma impressão tão forte que a transmite até ao corpo etérico.
Essa atuação do eu sobre os membros inferiores pode ser ou mais própria de todo o
gênero humano ou totalmente individual, constituindo um desempenho do eu particular
sobre si próprio. Toda a espécie humana colabora, de certa forma, numa transformação
do primeiro tipo, enquanto a segunda repousa na atividade individual do eu. Quando o
eu adquire bastante força para, apenas por seu próprio vigor, transformar o corpo das
sensações ou astral, o resultado dessa atuação é chamado ‘personalidade espiritual’ (ou,
na terminologia oriental, manas). Tal transformação consiste essencialmente num
aprendizado, num enriquecimento da alma com idéias e conceitos mais elevados.
Em sua atuação íntima sobe a natureza humana, o eu pode atingir um grau ainda
mais elevado. Isso se dá quando a transformação não atinge apenas o corpo astral. Em
sua vida, o homem aprende muitas coisas; e em qualquer ocasião em que contemplar
sua vida passada, saberá que aprendeu muito; mas só em escala muito menor poderá
falar de uma transformação do temperamento, do caráter, de um aperfeiçoamento ou de
uma deterioração da memória, ocorridos durante sua vida. Aprender é uma faculdade do
corpo astral; as transformações ora mencionadas, porém, referem-se ao corpo etérico ou
vital. Usando uma imagem assaz persuasiva podemos, pois, comparar as transformações
do corpo astral durante uma vida humana com o andamento do ponteiro grande de um
relógio, enquanto as do corpo etérico corresponderiam ao movimento do ponteiro

a No sentido de escrúpulo. (N.T.)

5
pequeno, que indica horas.
Quando o homem se submete a um treino superior ou a uma educação denominada
oculta, cabe-lhe obter essa última transformação com as forças mais genuínas do eu. Ele
deve trabalhar nessa transformação de hábitos, temperamento, caráter, memória, etc.
com um esforço consciente e individual. A medida que remodela o corpo etérico ele o
transforma, segundo a terminologia da Ciência Espiritual, em ‘espírito vital’ (ou buddhi,
segundo a nomenclatura oriental).
Num nível ainda mais elevado, o homem consegue adquirir forças mediante as quais
pode atuar plasmadoramente em seu corpo físico (por exemplo, modificar a circulação
do sangue, do pulso). Chama-se ‘homem-espírito’ (na terminologia indiana, atma) o que,
do corpo físico, foi transformado dessa maneira.
As transformações que o homem realiza em seus membros inferiores mais no sentido
de toda a espécie humana ou de uma parte da mesma, como um povo, uma tribo ou
uma família têm, na Ciência Espiritual, as seguintes designações: o corpo astral
transformado pelo eu chama-se alma da sensação; o corpo etérico transformado, alma
do intelecto; e o corpo físico transformado, alma da consciência. Não se deve imaginar
que a transformação desses três membros se realize sucessivamente. A partir do
primeiro refulgir do eu, ela se efetua simultaneamente nos três corpos; e o homem não
pode observar nitidamente a atuação do eu antes que se tenha formado uma parte da
alma da consciência.
Do que precede, vê-se que é possível falar em quatro membros da entidade humana:
corpo físico, corpo etérico ou vital, corpo astral ou das sensações e corpo do eu. As almas
da sensação, do intelecto e da consciência e os membros ainda superiores da natureza
humana, isto é, a ‘personalidade espiritual’, o ‘espírito vital’ e o ‘homem-espírito’,
aparecem como resultado da transformação operada naqueles quatro membros. Com
efeito - quando se fala nos portadores das diversas qualidades do ser humano, só entram
em consideração aqueles membros.
Como educadores, atuamos sobre esses quatro membros do ente humano. Para
podermos agir com acerto, precisamos investigar a natureza dessas partes do homem.
Contudo, não devemos absolutamente imaginar que essas partes se desenvolvam de
forma a estarem igualmente aperfeiçoadas em qualquer fase da vida - por exemplo, no
momento do nascimento. Sua evolução apresenta-se, antes, de maneira diversificada
nas várias épocas da vida. E o conhecimento dessas leis evolutivas da natureza humana
constitui o fundamento apropriado para a educação e o ensino.
Antes do nascimento físico, o homem em formação está envolto, de todos os lados,
por um corpo físico estranho. Ele não tem contato direto com o mundo físico exterior. O
que o circunda é o corpo físico da mãe, e somente este atua sobre o ser humano em
amadurecimento, O nascimento físico consiste na liberação do ser humano pelo
envoltório físico materno e no fato de, por isso, o mundo físico ao redor poder atuar
diretamente sobre ele. Abrem-se os sentidos para o mundo exterior, e este exerce sobre
o homem a influência que inicialmente cabia ao envoltório materno.
Para uma concepção espiritual do mundo tal como a postula a pesquisa do espírito, o
que ocorreu foi o nascimento do corpo físico, mas ainda não o do corpo etérico ou vital.
Assim como até o momento do nascimento o homem possui um envoltório materno
físico, até a época da segunda dentição, isto é, até a idade dos sete anos
aproximadamente, ele está enlaçado por um envoltório etérico e um astral. E só na
época da troca da dentição que o envoltório etérico libera o corpo etérico. Subsiste ainda
um envoltório astral até a entrada da puberdade 6, época em que o corpo astral ou das
sensações se torna livre para todos os lados, tal como aconteceu com o corpo físico pelo
nascimento físico e com o corpo etérico na época da segunda dentição.
A Ciência Espiritual fala, portanto, em três nascimentos do ser humano. Até a troca
dos dentes, certos impulsos dirigidos ao corpo etérico podem atingi-lo tão pouco quanto
a luz e o ar do mundo físico podem chegar ao corpo físico enquanto ele ainda repousa no
ventre materno.
Antes da segunda dentição, o corpo etérico autônomo não atua no homem. Assim
como dentro do ventre materno o corpo físico recebe as forças que não são suas,
desenvolvendo paulatinamente, dentro desse envoltório, as forças próprias, o mesmo
acontece com as forças do crescimento até a troca dos dentes. Nesse ínterim, o corpo
etéríco desenvolve as forças próprias além daquelas estranhas que herdou. Durante esse
período de libertação gradativa do corpo etérico, o físico já possui autonomia. O corpo
etérico ainda está preparando o que mais tarde irá transmitir ao corpo físico. O ponto
final desse trabalho são os dentes definitivos, que substituem os herdados. Eles são a
incrustação mais sólida no corpo físico, e por isso aparecem em último lugar nessa época

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da vida.
Após esse período, o próprio corpo etérico cuida sozinho do crescimento, não se
achando ainda sob influência do corpo astral envolto. No momento em que se libera
também o corpo astral, o corpo etérico chega ao término de um período, fenômeno que
se manifesta pela puberdade. Os órgãos de reprodução tornam-se independentes porque
o corpo astral, liberto, não atua mais para dentro, e sim enfrenta o mundo exterior dire -
tamente, sem necessidade de qualquer envoltório.
Assim como antes do nascimento não se pode expor a criança às influências do
mundo ambiente físico, não convém deixar que antes da segunda dentição atuem sobre
o corpo etérico as forças que, para este, são como as impressões do meio ambiente para
o corpo físico. E só a partir da puberdade se deveria dar lugar às influências
correspondentes ao corpo astral.
Lugares-comuns como o ‘equilíbrio harmônico de todas as forças e disposições’ e
similares não podem ser a base para uma genuína arte da educação: esta só pode ser
construída sobre um verdadeiro conhecimento do ser humano. Com isso não queremos
afirmar que esses lugares-comuns sejam errôneos, mas tão-somente que não têm
utilidade prática alguma; seria como se alguém dissesse que para o bom funcionamento
de uma máquina bastaria fazer suas partes pôr-se em funcionamento de maneira
harmoniosa. Só pode manobrar a máquina quem a manipula com autênticos
conhecimentos de seu funcionamento, e não apenas com frases gerais. Da mesma forma
é preciso, para dominar a arte da educação, que se conheçam a fundo os membros da
entidade humana e sua evolução em detalhes... E preciso saber sobre que parte do ser
humano é lícito exercer determinada influência em dada época da vida, e como tal in-
fluência deve ser exercida de forma adequada. Não há dúvida quanto a ser necessário
muito tempo para que uma adequada arte da educação, tal como aqui se esboça,
encontre aceitação geral. Isso decorre da mentalidade de nossa época, que ainda por
muito tempo considerará os fatos concretos do mundo espiritual como excesso de
fantasia doentia, enquanto lugares-comuns, tão banais quanto irreais, lhe parecerão
resultado de um pensamento realista. O que fica exposto sem reservas neste livro será
considerado óbvio no futuro, embora muitos possam, hoje em dia, julgar ser apenas um
quadro fantástico.
Com o nascimento físico, o corpo físico passa a ser exposto ao ambiente físico do
mundo exterior, enquanto antes estava protegido pelo envoltório materno. A ação das
forças e humores deste último deve ser substituída palas forças e elementos do mundo
físico exterior. Até os sete anos, idade da troca dos dentes, o corpo humano deve realizar
em si mesmo uma tarefa totalmente diferente das tarefas de todas as outras épocas da
vida. Durante esse período, os órgãos físicos devem assumir formas definidas; sua
estrutura recebe certas tendências e rumos. O fenômeno do crescimento ainda existe
mais tarde, mas sempre se produz de acordo com as formas elaboradas durante o
período aludido. Se as estruturas foram elaboradas corretamente, o crescimento condu-
zirá a formas apropriadas; caso contrário, haverá deformações. Não é possível reparar
mais tarde o que o educador negligenciou fazer durante o primeiro setênio. Assim como
a própria natureza preparou o ambiente adequado para o corpo físico antes do
nascimento, o educador deve fazê-lo depois, já que só um ambiente físico apropriado
atua sobre a criança de maneira a plasmar-lhe corretamente os órgãos.
Duas palavras mágicas caracterizam a maneira como a criança se relaciona com o
mundo: imitação e exemplo. O filósofo grego Aristóteles denominou o homem como o
animal mais propenso a imitar; essa verdade vale para a idade infantil, até os sete anos,
mais do que para qualquer outra. O que acontece no ambiente físico a criança imita, e
essa imitação confere aos órgãos físicos suas formas definitivas. Devemos considerar o
ambiente físico em sua acepção mais ampla, incluindo nele não apenas o que se passa
materialmente ao redor da criança, mas tudo o que ocorre, o que seus sentidos
percebem - o que, a partir do espaço físico, é suscetível de agir sobre as forças
espirituais. Isso inclui todas as ações morais e imorais, inteligentes e tolas que a crian ça
possa perceber.
Não são, pois, as sentenças morais nem os ensinamentos da razão que atuam nesse
sentido sobre a criança, mas apenas o que os adultos fazem em sua redondeza de
maneira visível. Preceitos desse tipo têm efeito plasmador, não sobre o corpo físico, mas
sobre o etérico; porém este, até a idade dos sete anos, tem o envoltório etérico protetor
da mãe exatamente como, fisicamente falando, o corpo físico é protegido antes do nas-
cimento pelo envoltório materno, O que deve desenvolver~se nesse corpo etérico antes
do sétimo ano, quanto a representações, hábitos, memória, etc. deve fazê-lo ‘es-
pontaneamente’, tal como o fazem os olhos e as orelhas no ventre da mãe sem que haja

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intervenção da luz exterior... Não há duvida sobre o acerto do que se pode ler em
Levana ou Erziehlehre [Teoria educacional] de Jean Paul a, excelente livro pedagógico: um
viajante aprende mais de sua ama durante o primeiro ano de vida do que em todas as
viagens ao redor do mundo. Só que a criança não aprende por instrução, mas por
imitação. E seus órgãos físicos adquirem forma pela influência do ambiente físico. A
visão se desenvolve sadiamente quando existem no ambiente da criança fenômenos
apropriados de luz e cor; no cérebro e na circulação sangüínea se formam as disposições
para um sentido moral sadio, desde que a criança perceba em seu ambiente fatos
morais. Se antes da idade de sete anos a criança vê ao seu redor apenas atitudes tolas,
o cérebro adquire formas tais que a capacitam apenas para tolices na vida posterior.
Assim como os músculos da mão se tornam fortes e vigorosos quando exercem
atividades apropriadas, o cérebro e os demais órgãos do corpo humano seguem o rumo
certo quando recebem do ambiente os impulsos adequados. Um exemplo ilustrará
melhor o que queremos dizer. Pode-se fazer para uma criança uma boneca com um
guardanapo dobrado: duas pontas serão os braços, as outras duas as pernas, um nó
servirá para a cabeça - onde algumas manchas de tinta indicam os olhos, o nariz e a
boca. Também se pode comprar uma ‘linda’ boneca, com cabelos genuínos e bochechas
pintadas, e dá-la à criança. Nem queremos insistir no aspecto horrível desta boneca,
perfeitamente capaz de estragar para sempre o sentido estético sadio. Com efeito, o
problema educacional mais importante é outro. Tendo à sua frente o guardanapo
dobrado, a criança deve, por meio de sua fantasia, acrescentar algo que o transforme em
figura humana. Essa atividade da fantasia tem efeito plasmador sobre as formas do
cérebro. Este se ‘abre’ da mesma maneira como os músculos da mão se deixam permear
por uma atividade conveniente. Se a criança ganha a chamada ‘linda boneca’, nada resta
ao cérebro para fazer, e ele se atrofia e resseca em vez de desabrochar. Se os homens
pudessem olhar, como pode fazê-lo o pesquisador espiritual, para dentro do cérebro
empenhado em estruturar suas próprias formas, com toda a certeza só dariam a seus
filhos brinquedos suscetíveis de avivar as forças plasmadoras do cérebro. Todos os
brinquedos que possuem apenas formas mortas e matemáticas ressecam e destroem as
forças plasmadoras da criança, enquanto tudo o que suscita a idéia da vida atua de
maneira sadia. Nossa época materialista produz poucos bons brinquedos. Veja-se como é
saudável aquele brinquedo que, mediante dois pedaços de madeira deslocáveis, mostra
dois ferreiros virados um contra o outro, martelando um objeto. Ainda se podem comprar
tais artigos no campo. Otimos, também, são os livros ilustrados com figuras móveis:
puxando os fios fixados nessas figuras, a criança transforma a ilustração morta em
imagem animada de ações. Tudo isso provoca a atividade íntima dos órgãos, a partir da
qual se constroem as formas corretas para eles.
A tais assuntos só se pode aqui, naturalmente, fazer breve alusão, mas futuramente
a Ciência Espiritual será chamada a detalhar todas as informações necessárias. Para isso
ela está perfeitamente preparada, pois não consiste numa abstração vazia, e sim na
soma de fatos cheios de vida, aptos a fornecer uma orientação para a realidade.
Seja-nos permitido acrescentar apenas mais alguns exemplos. De acordo com a
Ciência Espiritual, uma criança nervosa e irrequieta e outra letárgica e fleumática devem
receber tratamentos diferentes, a começar pelo ambiente em que vivem. A esse respeito
tudo éimportante, desde as cores do quarto e dos objetos que normalmente rodeiam a
criança até as cores das roupas com as quais ela é vestida. Quando não se segue a
orientação da Ciência Espiritual, freqüentemente se faz o contrário, pois os conceitos
materialistas conduzem, em muitos casos, a soluções incorretas. Uma criança excitada
deve ser rodeada e vestida de cores amarelas e vermelhas; no caso de uma criança
impassível, convém recorrer a tonalidades azuis e esverdeadas. O que importa é a cor
complementar produzida interiormente. No caso do vermelho, será a cor verde; no do
azul, a alaranjada como facilmente constatamos ao olhar durante algum tempo para

uma superfície colorida nessas cores e depois fixar o olhar rapidamente numa superfície
branca. Essa cor complementar é produzida pelos órgãos físicos da criança e provoca as
estruturas orgânicas correspondentes, de acordo com suas necessidades. Se a criança
irrequieta tem ao seu redor uma cor vermelha, esta produz intimamente a imagem
complementar verde. A produção dessa cor verde tem efeito calmante, e os órgãos
adquirem tendência à calma.
Convém levar em conta que o próprio corpo físico determina, nessa idade, o que lhe
convém. Ele faz isso desenvolvendo adequadamente os apetites. De maneira geral,
pode-se dizer que o corpo físico sadio requer o que lhe faz bem. Enquanto se tratar do

a Pseudônimo do escritor alemão Johann Paul Friedrich Richter (1763— 1825). (N.E.)

8
corpo físico da criança, convém observar quais são os desejos do apetite sadio e da
alegria. A alegria e o prazer são as forças que melhor plasmam as formas físicas dos
órgãos.
Podemos incorrer em graves erros a esse respeito, deixando de proporcionar um
entrosamento perfeito da criança com seu ambiente físico. Isso pode acontecer em
particular com os instintos relativos à alimentação. Podemos abarrotar a criança com
certos alimentos, a ponto de fazê-la perder totalmente os instintos sadios relativos à
comida; por meio de uma alimentação correta, esses instintos podem ser mantidos de tal
maneira que a criança só solicite o que lhe for conveniente (isso se aplica até a um
simples copo d’água), enquanto recusa o que pode prejudicá-la. A esse respeito a
Ciência Espiritual poderá fornecer todas as informações, inclusive no que se refere aos
diversos alimentos, desde que seja solicitada a elaborar uma arte da educação - pois ela
é um assunto realista para a vida, e não uma teoria empoeirada, embora hoje, após as
aberrações de alguns teósofos, possa parecer tal coisa.
Entre os impulsos que têm efeito plasmador sobre os órgãos físicos encontramos,
pois, a alegria provocada pelo ambiente e, dentro deste, os rostos alegres dos
educadores, como um amor antes de tudo sincero, nunca simulado. Tal amor permeando
calorosamente todo o ambiente incuba, no verdadeiro sentido da palavra, as formas dos
órgãos físicos.
Quando a criança pode imitar tais exemplos sadios numa atmosfera de amor, ela se
encontra em seu elemento adequado. Deve-se observar rigorosamente que ao seu redor
nada ocorra que ela não deva imitar. Ninguém deveria praticar qualquer ação dizendo-
lhe “Isso você não pode fazer”. Quando se vê a criança rabiscar letras muito antes de
compreender seu sentido, constata-se que ela procura, nessa idade, apenas imitar. Aliás,
é bom que ela primeiro imite estes signos e somente mais tarde entenda seu significado.
Com efeito, a tendência a imitar pertence à época em que se desenvolve o corpo físico,
enquanto a interpretação do sentido diz respeito ao corpo etérico. É conveniente atuar
sobre este último só depois da troca dos dentes, quando já se desprendeu o envoltório
etérico. Todo aprendizado deveria ocorrer, nessa época, especialmente pela imitação. É
ouvindo que a criança melhor aprende a falar. Quaisquer regras e qualquer instrução
artificial nada podem trazer de bom.
Nesses primeiros anos da infância, meios educativos tais como, por exemplo,
canções infantis devem impressionar os sentidos por seu belo ritmo. O que importa não é
tanto o conteúdo, mas a beleza sonora. Quanto mais algo vivifica a visão e o ouvido,
tanto melhor. Nunca se deveria subestimar a força plasmadora de movimentos de dança
acompanhando o ritmo de urna música.
Com a segunda dentição, o corpo etérico se liberta de seu envoltório etérico; começa
então a época em que se pode exercer sobre ele uma influência pedagógica externa.
Convém ter em mente quais fatores atuam de fora sobre o corpo etérico. Sua
transformação e seu desenvolvimento caminham a par com uma transformação e uma
mudança das inclinações, dos hábitos, da consciência, do caráter, da memória e dos
temperamentos. O que atua sobre o corpo etérico são imagens, exemplos e uma
orientação disciplinada da fantasia. Assim como até os sete anos de idade a criança deve
ter exemplos físicos para serem imitados, entre a troca de dentes e a puberdade seu
ambiente deve conter tudo o que possa orientá-la por seu valor intrínseco e seu sentido.
Isso ocorre com tudo o que atua através de imagem e por analogia. O corpo etérico
desenvolve sua força quando uma fantasia bem orientada pode seguir, como modelos e
ideais, as imagens e impressões extraídas da vida ou recebidas pelo ensino. O que atua
harmoniosamente sobre o corpo etérico em desenvolvimento não são conceitos
abstratos, mas o elemento plástico - não o sensorial, mas o espiritualmente visível. A
observação espiritual é o meio educativo mais apropriado para esses anos. Daí a
importância, para o jovem, de ter à sua volta mestres, personalidades cuja maneira de
ver e julgar o mundo possa despertar nele as forças intelectuais e morais desejáveis.
Assim como imitação e exemplo eram as palavras mágicas para a educação dos
primeiros anos, para os anos ora focalizados o são a aspiração a ideais e a autoridade. A
autoridade natural, não-imposta, deve constituir a evidência espiritual imediata para que
o jovem forme consciência, hábitos e inclinações e discipline seu temperamento, com
cujos olhos observa o mundo. Valem principalmente para essa idade as belas palavras do
Poeta: “Cada um deve escolher o herói a quem pretende imitar em sua ascensão ao
Olimpo”. Veneração e respeito são forças que devem fazer crescer o corpo etérico de
maneira sadia. Quem não tem, nessa idade, a chance de olhar para alguém com um
sentimento de ilimitada veneração, mais tarde terá de pagar por isso. Quando falta essa
veneração, as forças vivas do corpo etérico se atrofiam. Imaginemos a seguinte cena e o

9
efeito produzido por ela sobre um menino de, digamos , oito anos de idade: - Alguém lhe
conta algo a respeito de uma pessoa particularmente venerável. Tudo o que ele ouve lhe
incute um temor quase sagrado. Aproxima-se o dia em que ele deve ter o primeiro
encontro com essa pessoa. Ao pressionar a maçaneta da porta atrás da qual deverá
aparecer o ser venerável, um tremor de respeito o invade... Os belos sentimentos

gerados por semelhante experiência permanecerão entre as reminiscências mais


duradouras da vida. Feliz é o adolescente que pode elevar seu olhar para o mestre e
educador como autoridades naturais, e isso não apenas em alguns momentos
excepcionais, mas durante toda a juventude! Além dessas autoridades vivas, verdadeiras
encarnações da força moral e intelectual, deve haver as autoridades espiritualmente
aceitas. O rumo espiritual do jovem deve ser determinado pelas grandes figuras da
História, pela descrição de homens e mulheres modelares e não por princípios abstratos
de moral, que só atuarão efetivamente depois que o corpo astral se tiver despedido de
seu envoltório astral, na época da puberdade. Tais considerações devem nortear
sobretudo o ensino da História. Antes da troca dos dentes, todas as histórias, contos, etc.
terão como único fim trazer à criança um ambiente de alegria e riso; mais tarde as
histórias deverão conter, além disso, imagens vívídas que incitem nos adolescentes o
desejo de igualar os feitos descritos. Não se deve esquecer que maus hábitos podem ser
combatidos por meio de imagens repugnantes apropriadas. Quando existem tais maus
hábitos e inclinações, pouco adianta recorrer a admoestações. Contudo, muito pode ser
feito para erradicá-los por meio de imagens realistas de homens maus que possuam os
mesmos defeitos e sofram suas conseqüências negativas em sua vida posterior.
Convém ter em mente que não é de conceitos abstratos que o corpo etérico em
formação recebe impulsos profundos, mas sim de imagens vívidas em sua clareza
espiritual. E necessário, naturalmente, proceder com bastante tato para não provocar um
efeito contraproducente. O que importa é a maneira como se contam as histórias. Por
esse motivo, um conto bem narrado nunca pode ser substituído por uma leitura.
A representação espiritual e imaginativa - ou, como poderíamos também dizer, a
representação simbólica - ainda tem outro campo de aplicação durante esse período
entre a troca de dentes e a puberdade. E necessário que a criança acolha os segredos da
natureza e as leis da vida não por meio de conceitos racionais e áridos, mas de símbolos.
Analogias de relações espirituais deveriam ser apresentadas à alma de modo que os
grandes princípios da existência fossem, de preferência, adivinhados e sentidos por trás
da metáfora, em vez de vazados em conceitos intelectuais. “Tudo o que morre e passa é
símbolo, somente.”a * Essa sentença deveria constituir como que um lema para a
educação nessa idade. E de suma importância que os mistérios da vida sejam
apresentados ao adolescente sob forma de parábolas antes que ele os enfrente nas leis
da natureza. Vejamos um exemplo:
Desejamos falar a uma criança a respeito da imortalidade da alma, de seu
desprendimento do corpo. Convém recorrer, nesse caso, à analogia da borboleta que sai
da crisálida. Assim como esse inseto se desprende da pupa, depois da morte a alma se
separa de seu invólucro. Ninguém achará uma forma conceitual adequada a esse fato se
não o tiver previamente recebido sob forma de tal imagem. Com tal analogia não se fala
apenas ao intelecto, mas ao sentimento, às emoções, a toda a alma. O adolescente que
passou por essas etapas preparatórias terá uma atitude mental bem diferente quando,
mais tarde, abordar o fenômeno vazado em conceitos intelectuais. É muito prejudicial o
fato de alguém não ter a chance de abordar os enigmas da vida primeiramente com o
sentimento. E necessário, pois, que o educador tenha à sua disposição metáforas e
imagens para todas as leis da natureza e todos os mistérios do Universo.
Esse exemplo mostra muito bem como a Ciência Espiritual deve fecundar a vida
prática. Se alguém, imbuído de uma mentalidade materialista, fosse apresentar
analogias a adolescentes, com certeza lhes causaria pouca impressão, pois teria de usar
toda a sua esperteza para inventá-las. Mas tais analogias, fruto de um esforço
intelectual, não convencem quem as ouve. Quando falamos a alguém sob forma de
imagens, não é apenas o conteúdo da comunicação que atua sobre ele, pois de quem
narra flui uma fina corrente espiritual para o ouvinte. Se quem faz a comunicação não
tiver fé ardente na imagem usada, não chegará a impressionar o destinatário. Para se
obter o efeito adequado, é preciso crer em suas imagens como em realidades, mas isso
só é possível quando se tem uma atitude científico-espiritual e quando as próprias
metáforas emanam da Ciência Espiritual. O autêntico cientista espiritual não precisa
fazer um esforço específico para aceitar a metáfora da alma que se desliga do corpo,

a Frase pronunciada pelo Coro Místico no final da segunda parte do Fausto, de Goethe. (N.T.)

10
pois para ele isso constitui uma verdade: o abandono da crisálida pela borboleta
significa, num nível inferior da existência, o mesmo que a separação da alma e do corpo
em nível superior e sob forma evolutiva mais perfeita. Ele próprio acredita nisso com
toda a sua força. E essa crença se transmite, como num fluxo misterioso, de quem fala a
quem escuta, produzindo convicção. A vida flui diretamente do educador para seu
discípulo, e vice-versa. Mas para haver essa vida o educador deve haurir do manancial
da Ciência Espiritual, e sua palavra, assim como tudo que irradia dele, deve receber
sensibilidade, calor e sutilezas de sentimento mediante autêntica atitude científico-
espiritual. Dessa maneira se abre uma maravilhosa perspectiva para todo o ensino.
Deixando-se fecundar pelas forças vivas da Ciência Espiritual, este ficará repleto de vida
compreensiva, acabando com o tatear, tão comum nesse campo. Toda pedagogia, toda
arte da educação é árida e estéril quando não recebe de tal raiz o afluxo contínuo de
seivas revigorantes. Para todos os segredos do Universo a Ciência Espiritual possui as
imagens apropriadas, hauridas da essência das coisas - não inventadas pelo homem,
mas utilizadas pelas próprias forças cósmicas em sua atividade criadora. Por esse
motivo, a Ciência Espiritual constitui a base vívida para toda a arte pedagógica.
Uma força anímica que em nossa época merece ênfase especial é a memória. Seu
desenvolvimento está ligado à transformação do corpo etérico. Ora, como essa
transformação conduz a uma libertação do corpo etérico entre a troca dos dentes e a
puberdade, é esse o período em que se deve cuidar conscientemente do desen-
volvimento da memória. Negligenciando-se essa tarefa na referida idade, a memória terá
valor inferior ao que teria normalmente, pois não é possível recuperar mais tarde o que
então foi descuidado.
Uma mentalidade materialista e racionalista pode causar muitos erros nesse sentido.
Uma pedagogia baseada em tais critérios facilmente terá preconceitos contra uma
assimilação mnemônica, opondo-se até violentamente contra todo mero treino da
memória. Ela recorre aos métodos mais esdrúxulos para impedir que o jovem assimile
pela memória o que não entende. Ora, qual é a natureza desse entendimento? O
raciocínio puramente intelectual e materialista se compraz em acreditar que não se pode
penetrar no âmago das coisas senão por meio de conceitos abstratos; dificilmente
admitirá que, para esse fim, as outras forças anímicas sejam pelo menos tão necessárias
quanto o intelecto. Não se trata apenas de uma metáfora quando afirmamos ser possível
compreender algo tanto com o sentimento e as emoções quanto com o intelecto. Os
conceitos são apenas um dentre vários meios que conduzem à compreensao das coisas
deste mundo. E apenas à mentalidade materialista parecem ser os únicos existentes.
Existem, naturalmente, muitas pessoas que não se julgam materialistas e que, mesmo
assim, consideram a conceituação racional a única espécie de compreensão possível.
Tais indivíduos podem professar cosmovisões idealistas ou até mesmo espiritualistas,
mas no fundo da alma sua atitude é materialista, já que o intelecto não deixa de ser o
instrumento para compreender o âmbito material.
Um trecho do excelente livro pedagógico de Jean Paul, já mencionado, ilustrará
melhor a natureza mais profunda do ato de compreender. Essa obra, aliás, contém
excelentes idéias em matéria de pedagogia, e merece ser melhor conhecida, pois sua
importância para o educador ultrapassa a de muitos livros famosos. O trecho que nos
interessa aqui é o seguinte:

Não tenhais medo da incompreensibilidade, até de sentenças inteiras! Vossa fisionomia, a


entonação de vossa voz e o intuitivo desejo dos discípulos de compreender deixarão clara
uma metade, e o tempo fará com que acabem compreendendo a segunda. Em crianças,
como em chineses ou outros povos de outras línguas, a entonação já é a metade da fala;
lembrai-vos de que as crianças compreendem a língua antes de falá-la, como acontece
conosco em relação ao grego ou qualquer outra língua. Tende fé no papel do tempo e do
contexto. Uma criança de cinco anos entende as palavras ‘ora’, ‘com efeito’, ‘contudo’,
‘não obstante’, ‘decerto’; procurai dar uma explicação das mesmas não à criança, mas ao
pai dela. Já na palavra ‘ora’ reside um pequeno filósofo. Se um menino de oito anos, com
sua linguagem formada, é compreendido por outro de três anos, por que, em vossa
maneira de falar-lhe, quereis descer a um balbucio? Estejai sempre alguns anos à frente
ao falar (os gênios, quando nos falam em seus livros, se nos adiantam em séculos); falai
com a criança de um ano como se esta tivesse dois; e com esta como se tives se seis, pois
a diferença entre os graus de desenvolvimento decrescem na proporção inversa dos anos.
Lembre-se o educador (que tende a atribuir, em escala excessiva, o mérito do aprendizado
ao mestre) de que a criança já traz dentro de si a metade de seu mundo, ou seja, o
espiritual (por exemplo, as idéias morais e metafísicas), e de que a linguagem que opera
com imagens físicas não pode, com isso, fornecer as espirituais, mas apenas esclarecê-las.

11
A alegria ou firmeza com que falamos às crianças deveriam existir antes de sua própria
alegria ou firmeza. Podemos ensinar-lhes uma língua, mas também aprendemos deles
uma linguagem cheia de neologismos ousados e ao mesmo tempo corretos —como, por
exemplo, ouvir de crianças de três e quatro anos: o ‘cervejista’, o ‘cordista’, o ‘garrafista’
(o fabricante de barris, de cordas, de garrafas); o ‘rato voador’ (sem dúvida melhor do que
o nosso ‘morcego’); “a música toca violino”; “dar uma virada na luz” (por causa do facho
de luz); “eu sou o enxergador” (atrás do telescópio); “eu queria ser contratado como
comedor de broa ou broeiro”; “veja como já está no um” (no relógio), etc.

É verdade que este trecho se refere a um entendimento precedente à conceituação


intelectual, e isso num campo diferente do que aqui visamos. Mas, mesmo assim, as
considerações de Jean Paul sobre a linguagem aplicam-se ao nosso caso. Tal como a
criança acolhe em seu organismo anímico a estrutura da linguagem sem usar suas leis
lingüísticas de maneira racional, o jovem precisa aprender, para o cultivo de sua
memória, coisas que só mais tarde compreenderá intelectualmente. Aprende-se mais
facilmente a conceituar o que, nessa idade, foi assimilado apenas pela memória da
mesma forma como se aprende melhor as regras de uma língua que já se sabe falar. A
alegação de matéria decorada e incompreendida não passa de preconceito materialista.
Basta, por sinal, que o jovem aprenda as leis elementares da multiplicação mediante
alguns exemplos em que não é preciso usar máquina calculadora, e sim de preferência
os dedos; depois ele deve decorar ordenadamente as tabuadas. Se procedermos assim,
estaremos agindo de acordo com a natureza do ser humano em crescimento. Estaremos
pecando contra essa natureza se exigirmos demais do intelecto numa época em que o
que se deve cultivar é a memória. O intelecto éuma força anímica que nasce apenas com
a puberdade, e sobre a qual, por isso, não seria conveniente atuar antes dessa idade.
Antes da puberdade, o jovem deveria assimilar pela memória o acervo mental da
humanidade; mais tarde ele poderá conceituar o que primeiro gravou na memória. O
homem não deve apenas memorizar o que compreendeu, mas compreender o que
aprendeu, isto é, o que memorizou, da mesma forma como a criança se apossa da
língua. Isto é válido de um modo geral: primeiro vem a memorização de fatos históricos,
depois sua compreensão conceitual; primeiro a gravação de fatos geográficos, depois
seu inter-relacionamento, etc. Em certos aspectos, a conceituação deveria sempre haurir
do que se acha armazenado na memória. Quanto mais o adolescente aprende pela
memória antes de compreender conceitualmente, tanto melhor. Todavia, é oportuno
lembrar expressamente que tudo isso se aplica apenas à idade aqui focalizada, e não às
idades mais avançadas. Se mais tarde aprendemos algo por recuperação ou de outro
modo, o caminho a seguir pode ser o inverso, embora tudo dependa da configuração
intelectual do indivíduo. Contudo, no período que ora descrevemos o espírito não deve
ser ressecado por excesso de conceitos puramente intelectuais.
Mas também um ensino visual excessivo apenas por meio dos sentidos corresponde
a uma mentalidade materialista.a Nessa idade, toda observação sensorial deve ser
espiritualizada. Não devemos, por exemplo, limitar-nos a apresentar uma planta, uma
semente, uma flor à observação meramente sensória. Todo fenômeno deve ser encarado
como a manifestação de algo espiritual. Um grão de semente não se reduz ao que é
visível ao olho, pois abrange, de modo invisível, toda a planta futura. Devemos usar de
nossa sensibilidade, fantasia e sentimentos para compreender de forma vívida que tal
objeto ultrapassa o que os sentidos nos transmitem. E preciso termos como que um
pressentimento dos mistérios da existência. Não se objete que tal atitude turva a
natureza da contemplação sensorial: do contrário, a verdade ficaria prejudicada se nos
limitássemos exclusivamente à percepção sensorial, pois a realidade total de um objeto
é constituída tanto pela matéria quanto pelo espírito, e uma observação fiel não precisa
ser menos cuidadosa quando feita por todas as forças anímicas, e não apenas por meio
dos sentidos físicos. Se os homens pudessem ver, a exemplo do ocultista, o quan to um
ensino ministrado apenas por intermédio da observação sensorial faz atrofiar-se o corpo
e a alma, decerto insistiria menos em tal ensíno. b Qual será a utilidade de se mostrar ao
jovem minerais, plantas, animais e toda espécie de experiências físicas, se isto for apro -
veitado para fazer pressentir, nas metáforas, os mistérios espirituais? Certamente um
indivíduo dotado de um sentido materialista não saberá o que pensar de tudo o que aqui
se afirma; e isso, para o pesquisador espiritual, é muito compreensível. Mas este

a Comentário aplicável também ao moderno ensino audivisual, evidentemente desconhecido na


época da elaboração deste livro. (N.T.)
b Em acordo com a nota precedente, esta observação é aplicável a

todo ensino audiovisual. (N.T.)


b

12
tampouco ignora que uma arte pedagógica realmente prática nunca pode nascer de uma
mentalidade materialista. Por mais prática que se julgue, na realidade ela o é menos
quando se trata de ter uma compreensão viva da vida. Diante da verdadeira realidade, a
mentalidade materialista é tão cheia de fantasia e ilusão quanto lhe parece ser a Ciência
Espiritual com suas explicações objetivas. Não há dúvida de que muitos obstáculos ainda
devem ser superados até que os princípios da Ciência Espiritual, que são um fruto da
vida prática, penetrem na arte pedagógica. Isso, porém, é natural, pois no momento
atual essas verdades são, necessariamente, incomuns para muitos. Contudo, se
representam mesmo a verdade, serão incorporadas à vida cultural.
Somente por meio de uma clara consciência de como as várias medidas pedagógicas
atuam sobre o jovem éque o educador encontrará, com o tato necessário, a solução
correta em cada caso individual. É, pois, preciso saber qual o tratamento a ser
dispensado às várias forças anímicas, ou seja, ao pensar, ao sentir e ao querer, para que
seu desenvolvimento tenha, por sua vez, efeito retroativo sobre o corpo etérico,
enquanto este se for aperfeiçoando devido às influências exteriores recebidas entre a
época da segunda dentição e a puberdade.
Quando corretamente aplicados durante os primeiros sete anos de vida, os aludidos
princípios pedagógicos criam o fundamento de uma vontade sadia e vigorosa. Com
efeito, tal vontade deve ter um esteio na estrutura bem desenvolvida do corpo físico. A
partir da troca dos dentes, é o corpo etérico, ora em pleno desenvolvimento, que deve
proporcionar ao físico as forças capazes de tornar suas formas sólidas e firmes. Aquilo
que mais atua sobre o corpo etérico retroage com mais vigor sobre a firmeza do físico.
Os mais fortes impulsos que se exercem sobre o corpo etérico provêm das expe riências
religiosas, isto é, daquelas emoções e vivências que fazem o indivíduo sentir sua posição
em relação à origem do Universo. Nunca pode haver um desenvolvimento sadio da
vontade e, portanto, do caráter se o homem não recebe profundos impulsos religiosos
naquele período de sua vida. A organização volitiva unitária reflete a maneira como o
homem se sente integrado no Cosmo. Se o homem não se sentir unido a algo divino-
espiritual por meio de laços seguros, sua vontade e seu caráter permanecerão inseguros,
desintegrados e doentios.
A vida sentimental desenvolve-se acertadamente por meio das metáforas e símbolos
já descritos, em particular por meio de imagens de homens característicos, extraídos da
História ou de outras fontes. A vida dos sentimentos aperfeiçoa-se também quando o
jovem se aprofunda nos mistérios e nas belezas da natureza. O importante é cultivar o
sentido do belo e despertar a sensibilidade artística. O elemento musical comunicará ao
corpo etérico aquele ritmo que o capacitará a sentir o ritmo oculto em todas as coisas.
Muito faltará ao jovem, em toda a sua vida futura, se ficar privado, nessa época, do
cultivo tão benéfico de sua sensibilidade musical. Se esse sentido lhe faltasse
completamente, certos aspectos do Universo lhe ficariam totalmente ocultos. Isso não
significa que as outras artes devam ser negligenciadas. O despertar da sensibilidade
para formas estilísticas na arquitetura, para figuras plásticas, para o contorno, para o
desenho e a harmonia das cores - nada disso deveria faltar no plano de ensino. Tudo
poderia ser realizado de maneira muito simples, de acordo com as circunstâncias, mas
nunca se deveria objetar que as circunstâncias nada permitem nesse sentido. Muito pode
ser feito mesmo com os recursos mais limitados, desde que o educador tenha o sentido
correto a esse respeito. A alegria de viver, o amor pela existência, a força para o labor,
tudo isso nasce do sentido estético e artístico. Quanto esse sentido enobrece e embeleza
as relações entre os homens! O sentimento moral criado nesses anos pelas imagens da
vida e pelas autoridades exemplares adquire sua segurança quando, pelo sentido
estético, o bom é percebido como belo, o mau como feio.
O pensar, com sua estruturação própria, como vida interior dentro de conceitos
abstratos, ainda deve ficar, nessa época da vida, em segundo plano. Deve desenvolver-
se como que espontaneamente, sem estímulos externos, enquanto a alma assimila as
metáforas e imagens da vida e dos mistérios da natureza. É dessa maneira que o
intelecto deve desenvolver-se entre os sete anos de idade e a puberdade, em meio a
outras expenencias anímicas: o juízo deve amadurecer de modo que o indivíduo esteja
capaz de formar, depois da puberdade e com plena independência, sua opinião acerca
dos fatos da vida e da ciência. Quanto menor a influência prévia exercida sobre o juízo, e
quanto melhor exercida indiretamente pelo desenvolvimento de outras forças anímicas,
mais benéfica será sobre toda a vida posterior.
A Ciência Espiritual constitui uma base apropriada não somente para o lado espiritual
da educação, mas também para o físico. Mencionemos, a título de exemplo
característico, a ginástica e os jogos juvenis. Assim como o amor e a alegria devem

13
permear o ambiente dos primeiros anos de vida, o corpo etérico, ora em pleno
desenvolvimento, deve vivencíar em si próprio, pelos exercícios físicos, a sensação do
crescimento e de seu vigor sempre maior. Os exercícios de ginástica devem ser tais que
o adolescente sinta dentro de si, a cada movimento, a cada passo, uma força crescente.
Tal sensação deveria dominar a vida interior com um prazer sadio e um bem-estar. Para
se conceberem exercícios desse tipo, é preciso algo mais do que um conhecimento
anatômico, e fisiológico meramente intelectual do corpo humano. E necessário ter
consciência íntima e intuitiva de como certos movimentos e posições do corpo acarretam
uma sensação de bem-estar. Quem inventa tais exercícios deve ser capaz de vivenciar
pessoalmente a sensação de conforto e vigor que determinado movimento ou posição
dos membros lhe proporciona, enquanto outros lhe causam uma perda de força, etc.
Para poder cultivar, nesse sentido, a ginástica e os exercícios físicos, o educador deve
possuir o que somente a Ciência Espiritual e, sobretudo, uma mentalidade espiritual
podem proporcionar-lhe. Não que para isso seja necessária a própria visão dos mundos
espirituais; basta querer aplicar na vida o que decorre da Ciência Espiritual. Se os
resultados dessa ciência fossem aplicados em domínios práticos como a pedagogia, logo
cessariam as objeções fúteis segundo as quais tais resultados deveriam primeiro ser
comprovados. Quem os aplicar corretamente comprovará, pela própria vida, que eles o
tornarão saudável e forte. Sua verdade ficará comprovada e, por esse fato, melhor do
que por meio de todos os argumentos ‘lógicos’ e supostamente ‘científicos’. Re-
conhecem-se melhor as verdades espirituais por seus frutos, e não por uma prova
pretensamente científica que, na realidade, não passa de escaramuça lógica.
O corpo astral só nasce com a puberdade. Com seu livre desenvolvimento para o
exterior, pela primeira vez vem ao encontro do ser humano tudo o que aperfeiçoa as
representações abstratas, o juízo e o intelecto autônomo. Já dissemos que essas
faculdades anímicas devem desenvolver-se até então sem qualquer influência, dentro da
correta aplicação das demais medidas pedagógicas, da mesma maneira como os olhos e
os ouvidos devem desenvolver-se sem influência dentro do organismo materno. Com a
puberdade, chega o momento em que o homem também está maduro para formar
pessoalmente um juízo sobre o que aprendeu no passado. Não se pode causar a alguém
um prejuízo maior do que ao se lhe despertar prematuramente seu próprio juízo. Só se
pode julgar depois de ter acumulado matéria para juízo e comparação. Se, antes disso,
alguém forma juízos autônomos, estes carecem de fundamento. Erros pedagógicos
cometidos nesse sentido são a causa de toda a unilateralidade e de todos os ‘dogmas’
estéreis que, esteados em algumas migalhas da ciência, pretendem sobrepor-se às
experiências mentais da humanidade, corroboradas através de longos períodos. Para se
ter maturidade mental é preciso primeiro ter adquirido o respeito pelo que os outros já
pensaram. Não há pensar sadio que não tenha sido precedido por um senso de verdade
baseado no indiscutível respeito à autoridade. Se esse princípio pedagógico fosse
seguido, não se veriam jovens que muito cedo se consideram bastante maduros para
emitir juízos, tirando a oportunidade para que a vida atue multilateral e imparcialmente
sobre eles. Todo julgamento que não esteja alicerçado num fundamento anímico
apropriado joga pedras no caminho de quem o emite. Quem faz um juízo sobre qualquer
assunto é sempre influenciado por ele, sendo impedido de aceitar uma experiência da
forma como a teria aceito se não tivesse logo formado uma opinião a seu respeito. O
adolescente deve ter a tendência a primeiro aprender para depois julgar. O intelecto só
deveria opinar sobre qualquer assunto depois de terem falado todas as outras forças
anímicas; antes disso, ele deveria desempenhar apenas um papel mediador. O intelecto
só deveria servir para captar e assimilar livremente o que o indivíduo viu e sentiu, sem
que o juízo imaturo logo se apoderasse do assunto. Por esse motivo, seria indicado
poupar ao jovem todas as teorias antes da idade mencionada, ressaltando-se a
importância do fato de ele enfrentar as experiências da vida para acolhêlas em sua alma.
O adolescente pode, evidentemente, familiarizar-se com o que outros opinaram a
respeito disso ou daquilo, mas convém impedir que se engaje numa opinião por meio de
um juízo prematuro. Ele deveria aceitar tais opiniões com o sentimento e escutar o que
uni ou outro disse a respeito de algo, sem logo tomar partido. Para cultivar essa atitude,
mestres e educadores devem, naturalmente, dar prova de muito tato, mas é justamente
a mentalidade científico-espiritual que pode gerar esse tato.
Só podemos desenvolver aqui uns poucos critérios para uma educação segundo a
Ciência Espiritual. Nossa intenção era apenas apontar a tarefa cultural que essa ciência
tem para realizar. Sua capacidade de fazê-lo dependerá da compreensão que encontrar
em círculos sempre mais amplos. Para que isso possa acontecer, existem duas
condições: em primeiro lugar, é necessário que se abandonem os preconceitos

14
existentes em relação à Ciência Espiritual. Quem a estuda seriamente verá logo que não
se trata daquela coisa fantástica, como muitos ainda hoje a vêem. Não lhes será feita
aqui censura alguma, pois tudo o que serve aos meios culturais de nossa época deve
produzir, à primeira vista, a opinião de que os cientistas espirituais são fantasistas e
sonhadores. Uma observação superficial simplesmente não permite chegar a outro juízo,
pois parece reinar a discrepância mais absoluta entre a Antroposofia, que se manifesta
como Ciência Espiritual, e tudo o que a formação de nossa época proporciona ao homem
como base de urna concepção sadia da vida. Revela-se apenas, a urna observação mais
proftinda, quão cheias de contradições as opiniões atuais devem ficar enquanto carecem
do fundamento da Ciência Espiritual, e como essas teorias exigem esse fundamento, não
podendo prescindir dele.
O segundo ponto está relacionado com uma evolução sadia da própria Ciência
Espiritual. A Antroposofia encontrará uma aceitação compreensiva desde que os próprios
círculos antroposóficos se compenetrem da necessidade de tornar suas doutrinas
fecundas em todas as situações da vida, em vez de apenas emitir teorias a seu respeito.
Caso contrário, o mundo continuará a ver na Antroposofia uma espécie de sectarismo
religioso praticado por uns curiosos visionários. Mas se ela se dedicar a uma atividade
espiritual útil e positiva, não será negado por muito tempo, ao movimento antroposófico,
um consentimento compreensivo.

Notas complementares
1. Não se deve compreender essa frase no sentido de que a Ciência Espiritual pretenda
dedicar-se apenas aos problemas mais gerais da vida. A verdade é que ela se julga
capacitada a fornecer as bases das soluções desses problemas; mas também é
verdade que ela pode constituir para qualquer pessoa, seja qual for a posição que
ocupe na vida, a fonte em que ela pode encontrar respostas aos problemas mais
corriqueiros, consolo, força e confiança na vida e no trabalho. Ela pode constituir uma
ajuda não só para os grandes problemas da existência, mas também para as
necessidades mais imediatas do momento, nas situações aparentemente mais
insignificantes da vida cotidiana.

2. O leitor encontrará esses artigos em meu livro O conhecimento dos mundos


superiores (A iniciação). [Edição brasileira em tradução de Erika Reimann (3ª ed. São
Paulo, Antroposófica, 1991).]

3. Convém insistir nisso, pois reina atualmente grande confusão sobre esse assunto.
Muitas pessoas não compreendem a diferença entre a planta e um ser sensível,
porque lhes escapa o sentido exato da sensação. O fato de um ser ou um objeto
reagir a um impulso exterior ainda não justifica afirmar que ele seja capaz de sentir
esse impulso. Essa alegação estaria correta se tal ser vivenciasse o impulso dentro de
si; em outras palavras, se ocorresse uma espécie de reflexão interior, do impulso
exterior, Os grandes progressos da Ciência Natural, objeto de admiração por parte do
pesquisador esotérico, trouxeram alguma confusão quanto a certos conceitos mais
amplos. Alguns biólogos não sabem o que é realmente a sensibilidade, atribuindo-a a
seres que não a possuem. O que eles entendem por ‘sensação’ pode, com razão, ser
atribuído também a seres insensíveis; mas o que a Ciência Espiritual entende por
sensação é coisa totalmente diferente.

4. É preciso fazermos uma distinção entre a vivência do corpo das sensações dentro de
nós próprios e a percepção desse corpo pelo vidente treinado. Estamo-nos referindo
ao que se revela à visão espiritual deste último.

5. Que o leitor não esteja chocado pelo uso da palavra ‘corpo do eu’. Isso nada significa,
naturalmente, de material. É possível, porém, usar na Ciência Espiritual os termos da
linguagem comum. Como estes são normalmente usados para designar coisas
materiais, ao usá-los na Ciência Espiritual devemos primeiro transportá-los a esse
âmbito.

6. O exposto não estaria claramente compreendido se alguém objetasse que a criança


possui memória, etc. antes da segunda dentição, e as aptidões relacionadas com o

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corpo astral antes da puberdade. Lembremo-nos de que tanto o corpo etérico como o
astral existem desde o início, embora encobertos por um envoltório protetor. É
precisamente este último que permite ao corpo etérico aparentar as qualidades da
memória de um modo todo especial antes da troca dos dentes. Na realidade, os olhos
físicos existem também no embrião, sob o envoltório protetor da mãe. Assim como a
luz solar exterior não deve atuar sobre esses olhos protegidos, tampouco a pedagogia
exterior deveria atuar sobre a formação da memória antes da troca dos dentes.
Observamos, ao contrário, que a memória se desenvolve espontaneamente nessa
época, bastando, para tal, dar-lhe um alimento correto em vez de forçar seu de-
senvolvimento por meio de influências exteriores. O mesmo se dá, antes da
puberdade, com as forças vinculadas ao corpo astral. Estas devem ser alimentadas,
mas sempre devemos levar em conta que o corpo astral ainda se acha dentro de um
envoltório protetor. Uma coisa é atuar antes da puberdade sobre as disposições para
o futuro desenvolvimento, as quais já existem no corpo astral; outra é expor o corpo
astral, depois da puberdade, às influências do mundo exterior, as quais, nessa altura,
podem ser assimiladas sem que exista proteção. Essa diferença é, decerto, sutil; mas
sem dar-lhe ênfase não se pode compreender a essência da educação.

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