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SÉRIE TRADUÇÃO

05

O CICLO DE DESENVOLVIMENTO DO GRUPO DOMÉSTICO1

MEYER FORTES
Brasília, 2011

Universidade de Brasília
Departamento de Antropologia
Brasília
2011
1
T radução, por Al ci da Ri ta Ramos , da I ntrodução a The Developmental Cycle
in Domestic G roups, organi z ado por J ack Go ody, Cambri dge Papers i n Soci al
Anthropol ogy, n. 1, Cambri dge U ni vers i ty Pres s , 1958, pp - 1-14.

Originalmente publicado nos Cadernos de Antropologia da Editora UnB com a permi s s ão da


Cambri dge U ni vers i ty Pres s .
Série Tradução é editada pelo Departamento de Antropologia
da Universidade de Brasília com o objetivo de divulgar textos
traduzidos para o português por docentes e discentes no campo
da Antropologia Social.

1. Antropologia 2. Tradução. Departamento de Antropologia da


Universidade de Brasília

Solicita-se permuta.

Série Tradução Vol. 01, Brasília: DAN/UnB, 2011.


Universidade de Brasília

Reitor: José Geraldo de Souza Jr.


Diretor do Instituto de Ciências Sociais: Gustavo Lins Ribeiro
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Conselho Editorial:
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Comissão Editorial:
Andréa de Souza Lobo
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Editoração Impressa e Eletrônica:


Cristiane Costa Romão
EDITORIAL

A Série Tradução é uma iniciativa do Departamento de Antropologia da


Universidade de Brasília apoiada pelo Decanato de Extensão desta Universidade
via Edital DEX 1/2010. Como atividade de extensão, o objetivo desta Série é
reunir e disponibilizar a um público mais amplo traduções em formato digital e
com acesso livre por intermédio do sítio do Departamento de Antropologia. Tais
traduções vêm sendo realizadas, há alguns anos, no âmbito do Departamento
de Antropologia. Até então, estes materiais, em sua maioria, estiveram
circulando de forma artesanal e informal, como documentos eletrônicos e/ou
cópias xerográficas ou mimeografadas.

Os textos foram traduzidos por docentes e discentes do Departamento


de Antropologia, geralmente para fins didáticos. São materiais referenciais para
o corpus teórico da disciplina e sua ampla demanda e utilização justificam que
versões em português sejam produzidas, sobretudo para o público graduando,
nem sempre versado em uma segunda língua.

Cada número da Série é dedicado a um só artigo, ensaio ou material


traduzido. Novas traduções serão sempre bem vindas e, sendo acolhidas e
aprovadas pelo Conselho Editorial bem como garantidas pelo direito autoral da
publicação de origem, poderão ser publicados em nossa Série Tradução.

Conselho Editorial
O CICLO DE DESENVOLVIMENTO DO GRUPO DOMÉSTICO

Dentre as recentes pesqu isas sobre as estruturas sociais d e


sociedad es h omogên eas, o av anço mais promissor tem sido o
esforço d e isolar e conceituar o f ator t empo. Não me re f iro àquela
matéria amorfa que é geralmente rot ulada de "mudança cultural"
ou "mudan ça social". O que tenho em ment e são os problemas
mais difíceis e fundamentais env olv idos no truísmo segundo o qual
a idéia d e sociedade, as noções sobre um sist ema social ou u ma
estrutura social, implicam n ecessariamente uma ext ensão através
de um período de tempo. Por def inição, um sist ema social tem uma
vida. Ele é um sistema social, aqu ele sistema social específico,
apenas enquant o seu s elementos e componentes forem mant idos e
substitu ídos; e o proce sso de substitu ição é o ponto crucial, pois o
tempo de v ida do org anismo hu mano é limitado. A manuten ção e
substitu ição são fenômen os temporais e o que nos int eressa
quando estudamos o f ator tempo na estrutura social são
justamente os processos que garante m a sua ef etiv ação.

Esses processos tem d eterminant es b iológ icos. Um deles é a


duração da v ida de um ind ivíduo; o outro é a reposição f ísica d e
cada geração pela subsequ ente, n a su cessão de morte e v ida. Mas
deixamos à genét ica, à fisiolog ia e à demograf ia o estudo destes
determinantes. Basta que nos lembremos d e que um sistema social
não perdurará, se o tempo de vida média dos seu s membros for
demasiado curt o para eles terem filhos e os criarem até que est es,
por su a v ez, alcan cem a idad e de ter filhos; em termos
demográf icos, se o equilíbrio de nasciment os e mortes não
produzir um índice d e reprodução igual ou superior a um. Do p onto
de vista antrop ológ ico, o important e é que o crescimento e
desenv olv imento físicos do ind ivídu o estão incorp orados no sistema
social, através da educação na cu lt ura de sua sociedad e e a
sucessão de gerações, atrav és de su a incorporação na estrutura
social. A contin uidad e e subst ituição físicas ficam, por tanto,
convert idas em processo de reprodução social.

Estes prin cíp ios gerais podem ser express ados de outra
forma: p ara que u m sist ema social se mantenh a, seus d ois
recursos v itais d evem ser mant idos n um nível ad equado, atrav és
de uso e rep osição contínuos. Est es d ois recu rsos são o seu capital
humano e o seu capit al social, sen do que o últ imo é qu e vai
interessar part icu larmente ao ant ropólogo. Ele con siste a) do
corpo tot al d e con hecimentos n os costumes e inst ituições de u ma
sociedad e e b) das ut ilidades que estão dispon íveis para su stentar
a vida dos seus membros at rav és d a aplicação d o equ ipamen t o
cultural aos recursos n aturais. Em termos gerais, o processo d e
reprodução social inclu i t odos os mecanismos inst itucionais, bem
como ativ idad es e normas ditad as pelo costume (costumarias), que
serv em para manter, suprir e tran smitir o capital social de g eração
a geração.

Naturalmente, g eneralizações desse tipo não são su scetív ei s


de observação e experimentação, n em se prestam a d iscu ssões
teóricas comp ensadoras. Elas são út eis somente como um passo n a
tarefa de se dar cont eúdo empírico ao estudo e ao at or tempo em
estrutura social. Elas nos lev am a perguntar quais são os
mecan ismos in stitu cion ais e as ativ idades costumarias de
reprodução social numa dada sociedade e como eles op eram. O
mecan ismo típico é bem conhecido: em todas as socied ades
humanas a fábrica, por assim dizer, da reprodução social é o grupo
domést ico. É este grupo que precisa perman ecer em ação por u m
período d e tempo suf icient ement e longo, para permit ir a criação
de filh os até o estág io de reprodução física e social, para qu e a
sociedad e se mantenh a. É um processo cíclico. O grupo domést ico
passa por um ciclo de desenv olv imento an álogo ao ciclo d e
crescimento de u m organ ismo viv o. O grupo, enqu anto un idade,
retêm a mesma forma, porém seu s membros e as at iv idades qu e os
unem passam por u ma seqüen cia regular d e mudan ças durant e o
ciclo qu e cu lmina com a dissolução d a unid ade orig inal e com a
sua sub stitu ição por uma ou mais un id ades do mesmo t ipo.

Mais adiante explicarei porque é ú til d ist inguir o grup o


doméstico da família , stricto sensu . No momento, estou
interessado numa outra distinção. Atu almente se con sidera pont o
pacíf ico, para f ins an alíticos, a necessidade de se dist inguir entre
o campo domést ico d as relações sociais, in stitu ições e at ivid ades
vistas de dentro, como um sist ema intern o e o campo ju ríd ico -
polít ico, considerado como um sistema externo. Uma característ ica
significativ a do ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico é
que ele é, ao mesmo tempo, um processo dentro do campo intern o
e um movimento govern ado pelas suas relaçõe s com o camp o
externo.

Para investigar este processo numa dada sociedade, devemos


primeiramente estab elecer o que rep resenta o grupo doméstico
naquela sociedad e. O mét odo etnográfico conv encion al consist e
em descrições g eneralizadas, prov indas da ob serv açã o de
exemplos selecion ados d e modo f ortuit o e expressos em termos d e
pessoas e in stitu ições estereotip adas. Isto se assemelha à
demograf ia amadora dos viajantes e colonizadores na época
anterior à introdução de métodos rigorosos de levant amento s
censitário s. Por exemp lo, para se ch egar ao taman ho médio de
uma família nu ma comunidad e primitiva, reun ia -se vinte ou trint a
mulheres ao acaso e formu lava -se perguntas sobre seus f ilh os;
dividia-se ent ão o número total de filhos v ivos registrados, pelo
número t o tal de mu lheres e, assim, se obtinh a uma "méd ia".
Dados como esses são hoje considerad os inúteis, dev ido, não só ao
método falho d e amostragem, mas, p rincipalmente, por n ão lev ar
em cont a as dif eren ças de idade entre as mulh eres qu est ionadas.
Igualment e, se nós desejamos det erminar de forma f iel a estrutura
e fronteiras do grupo domést ico nu ma dada socied ade, é essen cial
usar mos u ma amostra f ided igna e represent ativ a de grupo s
domést icos e, principalment e, lev ar em conta seus caract eres d e
idade específ icos, isto é, os estágios do ciclo de desen volv imento.
Um grupo domést ico composto somente de duas gerações
sucessivas está num est ágio d iferent e de um outro comp osto d e
trés g erações, como t ambém está um grupo domést ico cuja
geração dos f ilh os é inteirament e composta d e pré -adolescentes,
comparad o com out ro onde algun s ou todos os f ilhos est ão em
idade de casar. O f ator de desen volv imento é intrínseco à
organização domést ica e ignorá -lo é causar sérias dist orções n a
interpretação de fatos descrit ivos.

Os padrões de residên cia ilustram isto mu ito bem.


Sabemos que eles fornecem u m índice básico das f ronteiras d a
estrutura int erna dos grupos domést icos. Porém, eles n ão são u m
fator primord ial da estrutura social da mesma ord em qu e o
parentesco, descend ên cia, casamento e cidad ania. As escolh as d e
residência são det erminadas por relações econômicas, af etiv as e
jurídicas que brotam desses fatores primários e é f also analisa -Ias
em termos de regras ou tipos osten sivament e discretos, que são
efet ivados com o casamento. Exist em inúmeros ex emplos n a
lit eratura descrit iva de parentesco, mas um art igo recente d e
Gooden ough é part icularmente oportun o e pertin ente.
Existem, como nota Gooden ou gh, várias qu estões distintas
envolvidas no assunto. Primeirame nte, ex ist e a questão da
composição residencial normal do gru po doméstico na socied ade.
Ele n os mostra como dois inv estigadores podem chegar a
conclu sões tot almente d iscrepant es sobre a in cid ência de
diferentes "tipos" de resid ência na mesma comunidad e, ap esar de
usarem o que parece ser o mesmo método do levant amento d e
censo. Na verdad e, a fonte d essas aparent es discrepâncias é o
fato de que amb os os inv est igadores ignoraram a dimensão do
desenv olv imento do grupo domést ico. Os doutores Stenning,
Freeman e Goody poderiam facilment e ter classificado em tipos os
grupos domést icos que encontraram. Em cada u ma d estas
comunid ades pod emos, se qu isermos, encontrar vários "t ipos": u m
tipo "família nuclear", um t ipo "p atrilocal (v irilocal? ) exten so" um
tipo "matrilocal (u xorilocal?) exten so"e assim por diant e, inclu ind o
talvez uma classe de tip os mistos que aumente a classificação. Mas
quando se reconhece qu e esses ch amados t ipos são, na realidade,
fases do ciclo d e desenvolv imento de uma única f orma g eral, qu e
ocorr e em cada sociedade, então a confusão desaparece. O s
padrões de resid ência são, num dado momento, a crist alização d o
processo de desenv olv imento.
Em segundo lugar, surge um problema diferente, quand o
consideramos as escolh as de residên cia do ponto de v ista de u ma
pessoa, em vez de o considerarmos do ponto de vista do grupo
domést ico, como uma un idade. Nest e caso, a an álise gen étic a
precisa ser sup lementada pelo isolamento est atístico e con ceituai
das v ariáveis estruturais e cu lturais envolvidas. O casamento é,
sem dúvid a, um elemento crucial na determinação da escolha d e
residência para, ou pela pessoa. Em termos de d esenvolvimento, a
razão disto é que o casamento leva a uma cisão real ou in cip ient e
de uma ou de ambas as famílias ou grupos domésticos origin a is
dos côn juges e que uma cisão n o grupo doméstico é sempre
traduzida em termos de representação espacial, através dos
arranjos residenciais. Em termos an alíticos, este momento n o
desenv olv imento é o ponto de partid a para uma redistribuição do
controle sob re os recu rsos produtivos e reprodutivos associados a
uma mudança de st atus jurídico dos cônjuges. Mant idas as d e mais
condições, uma mulh er resid irá com seu marido se ele, ou quem
quer que t enha autoridade juríd ica sobre ele, tiv er direitos t otais
sobre seu s serviços sexuais e econômicos, bem como sobre seu s
poderes reprodutiv os; e os f ilhos residirão com aqueles qu e
possu am poderes semelhantes sobre eles e que t enham para com
eles as responsabilid ades concomitantes. Somente u ma an ális e
estat íst ica pode mo strar qual será o "grau de liberdade", se é qu e
ele existe.
Esse ponto fica claro se comp ararmos a situação dos Iban
com a dos Fulan i ou dos L oDagab a. Uma esp osa Fulani n ão tem
opção. Ant es de ter f ilh os ela está sob a autorid ade jurídi ca d o
pai e resid e no acampamento dest e; quando tem filh os, ela fica
inteiramente sob a autoridade do marido e, con seqüentemente,
passa a residir com ele em reg ime perman ente. Entre os Iban , o
número de opções é aparent ement e maior. Poder -se-ia dizer que a
residência pós -mar ital é t anto v irilocal quanto uxorilocal, a
escolh er. Na realidade, o que ocorre é que o casamento precip i ta a
cisão e d ivisão econômica correspon dente, n o grupo domést ico
original de um dos cônjug es, o qual se af ast a do grupo. Qual dos
cônjuges é que se af ast a, depend erá do est ágio n o ciclo de
desenv olv imento a que ch egou o grup o doméstico, por ocasião do
casamento. Se ele for con stitu ído de pais e dois ou mais filhos,
sendo que o que casou é o mais velh o, ele ou ela, ind ependent e
mente d e sexo, sairá d a casa dos pais. Porém, se o qu e casou for
o últ imo filho que p erman eceu na família (bilek ),depois dos outros
haverem casado e se mudado para outro lugar, ele ou ela ficará
em casa na qu alidade de h erdeiro esperado de seu s pais e seu
cônjuge vem morar em sua casa. Para um casal, resid ir d e mo d o
"virilocal" ou "uxorilocal" não é, portanto, uma opção arbitrária,
pois d epende d e quais d eles est ão se separando do b ilek orig inal.
Isto tem correlação com o estág io d e desenvolvimento do b ilek;
porém, para se saber porqu e, é necessário ent ender as forças qu e
operam n a cisão do b ilek . Em últ ima análise, essas f orças não
passam de princípios jurídicos e requ isitos econômicos, qu e dão ao
laço con jugai prioridad e sobre o laço entre irmãos n a estrutura
social e in vest em o casal de autoridad e e poder sobre os recu rsos
produtivos e reprodut ivos.
Podemos estabelecer u m mod elo que distingu e três est ágio s
princip ais, ou fases, no ciclo de desenv olv imento do grupo
domést ico. Primeirament e, ex iste uma fase de expansão que va i
desde o casamento de du as pessoas até a completa f ormação d e
sua família de procriação. O fator biológico limitador, nest a fase, é
a duração do período f értil da esposa (ou esposas). Em termos
estruturais, ela corresponde ao período durante o qual t odos os
filh os do casal d ependem d ele econômica, afet iva e juridicamente.
Em segundo lugar e, às v ezes, sup erp ondo -se no tempo à primeira
fase (daí minh a pref erên cia pelo termo fase ao inv és de est ágio),
vem a fase de disp ersão ou cisão. Esta começa com o casament o
do filh o mais velho e cont inua até t odos os filhos se casarem.
Onde ex ist e o costume do f ilho mais jovem permanecer para tomar
a seu en cargo os negócios da família, isto marca o inicio da f ase
final. Esta é a fase de subst ituição, que cu lmin a com a morte d os
pais e a reposição, n a estrutura social, da sua família pela família
de seus f ilhos, ou , mais especif ica mente, pela família do f ilh o qu e
se torn ou o h erdeiro do pai. Voltando ao caso Iban, podemos v er
que, se o filho mais v elh o e o mais novo de um bilek forem ambos
do sexo masculino, o casamento do primeiro marca o início da fase
de dispersão e ele irá resid ir "uxorilocalment e", enquanto que o
casamento do mais no vo marca o fim do ciclo e su a esposa
residirá "v irilocalmente". Porém, essas opções superf icialmente
contradit órias represent am, na realidade, expressões "específ icas
de fases" qu e são altern ativ as dent ro do mesmo conju nto d e
fatores estruturais.

Mutatis mutand is , este paradigma pode ser ap licado a todo s


os sistemas sociais. O n ascimento d o pri meiro f ilh o de um casal,
tão freqüentemente marcado por ob servações rituais esp eciais e
que in icia a fase de expansão, e o casamento do f ilho mais v elh o,
que dá in ício à eventual dissolu ção e subst ituição do grup o
domést ico do casal, são sempre episódios c rít icos no ciclo d e
desenv olv imento. Mas, naturalmente, eles n ão são os únicos
pontos cruciais. A iniciação, saíd a ou morte de um membro d o
grupo pode ser igualmente import ante.

Em resumo, entendo por variáv eis culturais e estruturais


envolvidas no ciclo d e desenvolvimen to todas as forças geradas
pela estrutura social e todos os cost umes e in stitu ições, através
dos quais estas forças são man ifestadas, como também o são os
valores que essas forças ref let em. Leis biológicas asseguram qu e
inexoravelmente a cri ança cresce, se não morrer. O crescimento
requer u m espaço de t empo mín imo de, pelo menos, qu inze an os
para se obter maturidade f isiológ ica e, muit as vezes, ainda mais
tempo, para se at ingir maturidade social. A t aref a fundamental e
complexa de criar filho s, que é imposta ao grupo domést ico, gera
forças crít icas para seu ciclo de desen volv imento.
A mais imp ortante dessas forças é a oposição entre gerações
sucessivas, focalizad a nos t abus d e incesto. Ist o n ão é uma
condição estát ica. A oposição se int ensific a e pod e mudar suas
formas costumarias de expressão, d urante o tempo em que os
filh os est ão crescendo. Esse é um f ator na separação parcial ou
completa dos f ilhos, na ép oca do casamento, pois o essencial é o
direito qu e cada g eração dev e ter para usar e d i spor dos re cursos
produtivos e reprodutivos quando alcança a maturid ade. Entre os
Fulan i, vê-se claramente como o cresciment o de um menin o é
projetado n a estrutura social, através da inten sificação de su as
habilidad es e respon sabilidades em relação à cria ção d e gado e à
correspondent e exten são de seus direitos de posse de gado, qu e
culmina, depois de seu casament o e pat ernid ade, com a
expropriação e expulsão v irtual de seu pai da organ ização
produtiva e reprodutiv a do grupo doméstico. Em geral, a alocação
de direitos sobre propriedad e, pessoas e cargos, por um lado, e
por outro, d e direitos sobre a f ert ilid ade femin ina, qu e se dá por
meio de present es, prestações de serviços, herança e sucessão,
const itui um dos f atores prin cipais, se não o mais import ante, n o
ciclo de desenvolv iment o do grupo domést ico.

A oposição entre g erações sucessiv as opera, principalment e,


dentro da estrutura intern a do grupo domést ico, mas é legit imad a
e controlada pela socied ade como um todo, através de expressão
costumaria sob formas aprov adas pela socied ade. O casament o, a
herança, a sucessão et c. são eventos do sist ema in tern o, ou, mais
especif icamente, estão no d omín io d o grupo doméstico; porém,
pertencem ao mesmo t empo ao domínio externo, pelo qual o grup o
domést ico está integrado dentro da estrutura social total, por seu s
aspect os políticos, juríd icos e rituais. Os int eresses env olv idos são
pertinentes à sociedade como um t odo, assim como ao grupo
domést ico per se. Isto é demon strado de mu itas formas
costumarias; por ex emplo, na conjun ção de regras d e exogamia
com regras de incesto, n a regulamentação do casamento, n a
participação obrigatória dos parent es extra -domést icos e das
autorid ades políticas em cerimônias fu nerárias e em decisões sobre
herança e sucessão, em cerimônias de iniciação, etc. Em outras
palavras, os interesse s do sist ema social total inf luen ciam os
interesses esp ecíf icos do domínio domést ico, aos quais estão em
oposição; isto se dá atrav és de in stit uições e costu mes de ordem
polít ica, jurídica e ritu al que, por su a vez, ex traem su a força da
sociedad e em geral. Uma grand e variedade de in stitu ições e
organizações, at ravés das quais se ex erce a cidadan ia (como, por
exemplo, inst ituições de parentesco classif icatório, corporações d e
descendência u nilin ear, classes de idade) con stitu em os elos
estruturais entre os dois domín ios. J á possu ímos um número de
excelent es estudos mostrando como o grupo domést ico e o grup o
de descendência un ilinear estão interligados. O primeiro é a font e
que constant ement e alimenta o segundo. Não se trat a
simp lesment e de recrutamento físic o. Existe um pro cesso d e
abastecimento p elo qual a dif erenciação d as p essoas no domínio
domést ico, por geração, f iliação e descend ência, é projetad a
dentro da estrutura do grupo de d escendência u nilin ear, para
gerar os modos de colocação e seg mentação tão caract erísticos
dos sistemas de linhag em. E um processo cont ínuo que persiste
enquanto ex ist ir uma linh agem.

Mas há uma caract erística d esse processo que pod e


facilmente passar d esperceb ida. É v erdade que p odemos encarar a
cisão no grupo domést ico como o modelo e o ponto inicial d e
segment ação da linh agem, se est iv ermos preocupados com os
pontos de cresciment o int erno d a linhagem, como um sistema
temporal. Porém, se observarmos os sistemas de lin hagem d o
ponto de vista de seu lugar no domín io domést ico por esse ângulo,
podemos v er que a diferenciação e cisão no grupo domést ico são
determinadas reciprocamente por n ormas e regras origin adas n o
domínio extern o. O exemplo clássico são as regras de
descendência.
O trabalho do Dr. Goody demonst ra muito b em o que t enh o
em mente. Ele tem nos LoDag aba e n os LoWiili uma situ ação ideal
de comparação. Essas duas comu n idades possuem o mesmo
sistema agrícola e o mesmo padrão d e economia domést ica. Seu s
conceitos e valores rituais e juríd icos são os mesmos. A única
diferença signif icat iva n a estrutura social está n as suas regras d e
descendência. Numa, os direitos sobre recursos produt ivos e
reprodutiv os são retidos e tran smit idos de acordo com normas
patrilin eares; na outra, a maioria d esses direitos está sujeita a
normas matrilineares. O autor mostra como essa altern ativa cria
diferenças no modo e direção que toma a cisão dentro do grup o
domést ico, sendo que o f ator crít ico são as regras de herança e
sucessão, p elas quais os d ireitos de propriedade são alocados
entre g eraç ões consecutiv as. Cont rastand o com essas du as
comunid ades, entre os Iban, que não possuem conceit os d e
descendência un ilin ear, é a prioridade do elo matrimon ial sobre os
elos de filiação e irmandade que orientam o processo de cisão do
bilek , e o seu acompanh ament o material, que é a div isão dos ben s
do bilek .
Os sist emas de parentesco classificatório não coincidem com
os sistemas de descend ência unilin ear, como demonstram os dados
sobre os Iban. Surgem n ovos problemas, qu ando con sid eramos a
maneira como eles serv em para lig ar o domín io domést ico com o
polít ico -jurídico. É aí que está o int eresse especial d a ap licação
que faz o D r. L each do esquema de análise d e desenvolv iment o,
em sua reinterpretação d o sistema de parentesco Trobriand. O
ponto crucial, me p ar ece, é a con exão, postu lad a por ele, entre a
nomenclatura de parentesco, as mudanças de formações
residenciais e as modif icações nos st atus jurídicos dos homens e
das mu lheres durante o seu ciclo de vid a. Com isso, ficam
resolv idos muitos aspectos ob scuros nos relatos d e Malinowsk i
sobre os costumes e in stitu ições do parentesco Trobriand.
A análise do Dr. L each é ap licáv el a outras sociedades ond e
há descendência matrilin ear. De acordo com essa regra, u m
menin o tem um status jurídico, enquanto filho d e seu p ai, e outro
status, d iferente, na qualid ade de sob rinho do irmão de su a mãe.
Este segundo statu s é distingu ido pelo fato de que só ele conf ere
direitos de h eran ça e su cessão com relação a propriedade, cargos
públicos e autoridade ritual. Nas ilhas Trobria nd, um menin o mora
com os p ais na su a família e grupo d omést i co natais durante su a
infância ju ríd ica. Esta persist e até que sua id ade seja ju lgad a
adequada para que ele assuma as reiv indicações e direitos aos
quais a descendência matrilin ear o ex igem: são incluíd os direit os
de herança e su cessão e de cidadan ia na sua comu nidad e clânica.
Essa mudança de statu s jurídico é tornada legitima quando ele sai
da casa dos pais para residir com o irmão de su a mãe.
Naturalmente, ele n ão pode exercer a posse desses be n s
hered itários antes da morte do t io, mas su as reiv indicações são
assim p ostas em evidên cia para que a socied ade as v eja e aprov e.
Dessa man eira, o menin o passa seus anos de formação aos
cuidados de seu pai e é deste que ele recebe trei namento nos
ofício s, crenças e v alores da sociedade. Qu ando ele está em
condições de tomar um lugar de responsabilid ade n essa sociedad e,
ele muda, f ísica e juridicamente, para a órb ita social onde seu
status de adu lto é efet ivo. Para as menin as, h á uma mudança
semelh ante d e status e resid ência qu ando ela deixa o lar de su a
infância, onde estão os pais e onde ela foi f ilha e irmã, p ara segu ir
seu marido, na qualidad e de esposa e futura mãe de seus filhos.
Uma vez que a mu lher d eve morar com o marido depois do
casamento, ela n ão pode part ilh ar da resid ência de seu s irmãos,
pois, p elas regras d e exogamia de clã, ela n ão pode casar com u m
membro de seu próprio clã. As regras de evit ação entre irmãos de
sexos opostos se aju stam a esse arranjo e, como a comunidad e
local pode est ar dividid a em localidades clân icas, ela não pode,
depois d e se casar, viv er na mesma localidade qu e seu s irmãos,
mesmo que seja a área do seu próprio clã. O ciclo de
desenv olv imento do grupo doméstico está, d essa maneira, ligado à
organização local e clânica , através de uma divisão de funções
relacionada com a tran sição da inf ância jurídica à id ade adult a
jurídica n a geração dos f ilh os. A classif icação t erminológica d e
consangüíneos e afin s se encaix a nesse esqu ema. Aparentes
anomalias n os dados etnográf icos ficam resolv idas, se se relacion a
a nomenclatura de parent esco com os padrões de distribu ição local
que resu ltam do ciclo de desenvolv imento do grupo domést ico.
Poder-se-ia pen sar que as hipóteses que iniciaram a an ális e
do Dr. Leach tanto podem decorrer d a noção conv encional do ciclo
de vida do ind ivídu o, como do n osso con ceito de ciclo de
desenv olv imento do grupo domést ico. Eu tenho dúvidas e tenta rei
explicar porqu e.
Voltemos à distinção entre o domín io d as relações domést ica s
e o domínio das relações p olítico -juríd icas. Nas sociedades
primit ivas o domín io das relações domést icas está g eral, ment e
organizado em torn o de um núcleo formado por mãe e filhos. Ond e
as relações conjugais e a patri -filiação são jurídica e ritualment e
efet ivas no estabelecimento do status jurídico dos filhos, o marido -
pai passa a ser um elo crítico entre a célu la ma terna e o domín io
domést ico como um todo. Nest e caso, a família element ar pod e ser
considerada como sendo o núcleo: é o núcleo reprodut ivo d o
domínio domést ico. Con si ste em duas, e somente duas, g erações
sucessivas ligadas pela d ependência fundamental que a crian ça
tem dos pais, para seu su stent o e afeto e qu e os pais tem da
crian ça, como o elo entre eles e o cumprimento de su a taref a
reprodutora. Por outro lad o, o gru po domést ico inclui geralment e
três gerações sucessiv as, assim como membros ligados ao núcleo
do grupo por colateralidade ou por ou tras formas. Neste domín io,
entram n a const ituição do grupo, parentesco, descend ência e
outros laços juríd icos e afet ivos (po r exemplo, laços de adoção ou
de escrav idão), enquanto qu e o núcleo formado soment e por laços
diretos de casamento, filiação ou irmandade. O grupo doméstico é
essencialment e uma unid ade que possui e mantém a casa e est á
organizada para prover os recursos m at eriais e cu lturais
necessários para su stentar e criar seus membros. Essa dist inção,
como já foi d ito, é analít ica. A composição real da família nuclear
e do grupo doméstico pode ser idênt ica, como o é, geralmente, em
nossa própria sociedade; mas as funçõ es estritament e
reprodutiv as, segundo o conceito d e reprodução social por nós
apresentado, são distingu íveis das ativ idades ref erent es à
produção d e alimentos e abrigo e d os meios n ão materiais qu e
asseguram continu idade à sociedade em geral. Poder -se-ia dizer
que o domín io domést ico é o sistema de relações sociais, através
do qual o núcleo reprodutiv o é int egrado ao meio -amb ient e e a
estrutura da socied ade como um todo.
Se con sid erarmos o ciclo de v ida d e u ma pessoa no context o
do grupo domést ico e seu d es envolviment o, podemos distingu ir
quatro fases princip ais no p eríodo que vai do n ascimento à
maioridad e ju ríd ica. Primeirament e, ela está totalment e
compreendida dentro da célu la mat ern a; est á v irtualment e un ida à
mãe, n ão sendo mais do qu e um apênd ice desta, tanto do ponto d e
vista social e afet ivo, como fisiológico. É somente através dela que
a criança está relacionada com a sociedade global. Esta fase
poderá durar apen as os poucos d ias da reclu são que se segue ao
parto, podendo ser termin ada ritualmente, ou pod e fundir -se de
modo imp erceptível com a segunda fase. Nesta, a criança é aceit a
dentro da família nuclear patricênt rica e seu pai assume a
respon sab ilidade sobre ela, em relação à sociedade e aos pod eres
espirituais; ou melhor, o marido-pai assume a resp onsabilidad e
pela un idade mãe-f ilho. Dent ro em p ouco, nos casos modelos, a
crian ça entra na t erceira f ase, depois da desmama e quando já
pode andar. Muda-se, então para o domín io do grupo doméstico.
Espacialment e, esta fase est á correlacionad a com o fato de que a
crian ça não est á mais conf inada aos aposentos da mãe, tend o
liberdade d e ação n a casa int eira. Passa agora aos cuid ados
jurídicos e rituais do cab eça do grupo domést ico, que pode ou não
ser um de seus pais. Esta é a fase da infância propriamente d it a,
que pode durar v ários anos. Durante toda esta f ase, a crian ça n ão
tem direit os autônomos d e propriedad e, ou de recursos produtiv os,
nem mesmo sobre os seus próprios t alentos, que es tão se
desenv olv endo; n ão t em acesso independente a in st itu ições
rituais, n em posições políticas ou jurídicas próprias. Fin almente, a
pessoa é admit ida no domínio polít ico -jurídico. I sto lhe conf ere
autonomia real ou p otencial n o controle de alguns recu rsos
produtivos, que são os elementos de independência jurí d ica,
direitos de acesso a inst ituições e pod eres rituais e algun s direitos
e deveres de cidadan ia, como em casos de guerra ou v endet a. Esta
fase é comumente legit imada por meio de ritos de passag em,
tendo geralment e um correlato esp acial, como ocor re com os
menin os de Trobriand, que passam a residir com o t io matern o. A
quarta fase culmin a com o casamento e a cisão real ou in cip ient e
do grupo domést ico nat al.

Quero chamar a at enção neste mod elo para a mud ança da s


relações estruturais que const ituem o quadr o de ref erência d o
ciclo de vida de uma pessoa. Os estágios de maturação fisiológica
que acompanham este desenv olv imento são de importância
secundária; eles são relevantes na medida em qu e assinalam
quando o indivíduo está pronto para mudar de uma f ase para
outra. Isto porque cad a fase tem suas normas e at ivid ades
apropriadas, ligadas às capacidades e n ecessidad es
psicossomát icas básicas. Na primeira fase, a crian ça é tot alment e
dependente do seio ma terno para se aliment ar e d e seus braços
para prot eção e amor. Na fase segu inte, ela g eralmente come com
a mãe, dorme em seu quarto e apren de com ela as habilid ades e
valores fundamentais de auto -orient ação envolvidos na capacidad e
de falar, andar, alimentação e hig ien e; é consid erada sexualmente
neutra e moralment e irresp onsável. Este padrão perdura por tod a
a segunda f ase. Na terceira f ase, a divisão sexual de pap éis e
ativ idades t orna -se ef etiv a. Os meninos se unem aos pais e as
menin as às mães. O men ino g eralmente come com seu pai ou com
seus irmãos mais velhos, dorme com eles e aprende com eles as
habilidad e e valores sociais e econ ômicos que são orientados a fin s
lucrat ivos. De amb os os sexos se ex ig e respon sab ilidade moraI de
aprender a controlar suas atividad es af etivas de modo a se adaptar
às normas costumarias de conduta, e, princip almente, eles passam
a ficar sujeitos aos tabus de incest o. Na fase seguint e, men inos e
menin as comem e dormem com seu s companh eiros de sexo e
idade. Espera-se qu e tomem part e, d e man eira respon sáv el, nos
deveres econômicos, militares, ju ríd icos e ritu ais para o ben eficio
da sociedad e como um todo. Em maior ou menor grau, eles se
tornam responsáveis por su a má conduta moral ou jurídica e,
sobretudo, já podem est abelecer relações que envolvem
sexualidade adulta, para fin s de p rocriação, em oposição à
sexualidade infant il, com f ins d e mero prazer. Estão sujeitos, não
soment e às regras de incesto, q ue pert encem ao domín io
domést ico, mas também às regu lamentações do casamento, qu e
eman em do domín io p olítico-ju rídico. Geralment e, o s ritos d e
passagem ser vem para dramatizar est e fato.
Ainda que est as fases não coin cidam invariavelmente com os
estág ios de crescimento f isiológ ico, em sistemas sociais
relativ ament e homogêneos h á um p aralelismo b astant e próx imo
entre eles. Ist o porque, em tais socied ades, as taref as
educacion ais básicas necessárias para se produzir u ma pessoa
adulta, capaz de mant er e tran smit ir o capital social, parecem
completar se ao mesmo tempo em que se ating e a maturidad e
física e sexual; com isso, vem a capacid ade p ara subst ituir a
geração dos pais n as at ividad es d e produção e reprodução. Porém,
o que eu qu ero enfat izar especialmente é que a matu ração d o
indiv íduo e sua passag em adequ ada pelo ciclo de vid a são do
máximo int eresse para a sociedad e em geral. Isto é evid enciad o
pela ex ist ência, b astant e d ifundida, de procedimentos especiais
inst itucionaliza dos, que legit imam cada passo desse ciclo,
princip almente o que marca o f im do período d e inf ância jurídica,
quer ele termin e na adolescência, ou se prolongue at é o estág io d e
maturidad e física. As cerimônias de iniciação, puberdad e e
nubilidade são os exemp los mais dramát icos de tais
procedimentos. Nestas cerimônias, f ica terminada a t aref a d e
reprodução social do grupo doméstico; depois de hav er
aliment ado, criado e educado a criança, ele passa o produto
acabado à sociedade global. É a tran sação pela qual se afirma a
autorid ade da ordem polít ico juríd ica, que é o árbitro fin al sobre o
capital human o e social. É uma situação n a qual os interesses
distint os d o grupo doméstico e os d a sociedade total pod em se
chocar. Como cidadãos, os pais d esejam qu e seus f ilhos sejam
admitid os no d omín io juríd i co-político e que os d ireitos de
maioridad e ju ríd ica lh es sejam conferidos. Porém, como p ais, eles
podem temer e se ressent ir de t er q ue deix ar seus filhos sob a
tutela superior e impessoal da socied ade em geral. A resistência
dos pais poderá se int ensi f icar por saberem qu e a iniciação é o
lado af iado da cunha que irá div idir a família. Os f ilh os, por su a
vez, por mais maduros que sejam e por maior o valor qu e atribuam
à su a admissão na idade adult a, pod em hesitar em sair do círcu lo
protetor do lar. Pod e ser d ifícil de se renun ciar aos laços d e
dependência matern a, que remontam à primeira fase do ciclo vital.
Se houv er uma div isão marcad a entre o domín io domést ico e o
polít ico -jurídico, estas resist ências pod em ser inst itucionalizadas e,
portanto, mais d ifíceis de ser sup eradas. Por isso, a sociedad e
pode ter de usar de ritos bruscos e severos p ara remover o nov o
cidadão de sua família nat al e reiv indicar seu s direitos de
incorporá-lo como adult o. O novo membro pode precisar de uma
drástica re orient ação de valores morais e d e papéis sociais e
econômicos. Táticas de choqu e podem ser o meio mais ef icaz de
consegui-lo. Além d isso, o selo da leg itimidad e dev e ser posto, d e
maneira púb lica e incontrov ertid a, sobre os n ovos direitos e
deveres que lhe são conf erid os por cidadan ia. Dentre esses
direitos, est ão notad ament e aqueles relat ivos à auton omia jurídica
e à sexualid ade reprodut iva; dentre os deveres, aqueles que se
referem à d efesa da ordem social contra perigos intern os, como
crimes, e contra perigos ext ernos, como guerras e vend etas.

Não est ou preocupado aqui com a t eoria das cerimônias d e


iniciação e maiores discu ssões sobre elas estariam fora de lugar.
Eu me referi a elas somente p ara ilu strar o que quero dizer com
movimento ou transação entre os dois domínios da est rutura social
que estamos analisando. Existem muitas sociedades onde o
movimento não é leg itimado por meio de in iciação ou qual quer
outra cerimôn ia; pod e ser qu e, analiticament e f alando, os d ois
domínios n ão estejam separados por uma divisão d efin itiv a. D e
qualquer man eira, o mov imento ocorre. Há uma fase no ciclo vita l
em que a inf ância ju ríd ica t ermina e se in icia a maturidad e
jurídica. Pode ser iniciad a, como já su gerimos, pelo casamento ou
pelo nascimento do primeiro f ilh o de um casal. Num sentid o
restrito, as cerimôn ias de in iciação são, muitas vezes,
consideradas como um prelúd io ao casamento, caso n ão termin em
diretamente em casamento. Geralmente, o que f az termin ar a
infância jurídica é o su rgimento do n úcleo familiar do n ovo grup o
do mestiço que est á destin ado a substituir o dos pais. Por vezes,
as cerimôn ias d e in iciação p erduram p or meses ou anos; seu s ritos
prelimin ares servem, por assim dizer, para trein ar o novo membro
no domín io polít ico-jurídico e os ú ltimos ritos, para libertá -lo
daquele domínio, quando ele for merecedor. De man eira an áloga,
inst ituições como a mudança de resid ência de u m adolescente, d a
casa do p ai para a casa do tio matern o, podem ser v istas como o
primeiro passo de um longo processo de eman cipação juríd ica, qu e
termin a com o casament o.
Uma consideração que não se dev e perder de vista é a
relação de reciprocidad e entre os dois domín ios. Cada membro de
uma sociedad e é simult aneamente uma pessoa no domín io
domést ico e no domínio político -juríd ico. S eu st atus n o primeiro é
defin i do e san cionado pelo ú ltimo. A infância juríd ica está
estruturalmente localizada no domínio domést ico, porém seu
carát er é def in ido por normas aprovadas no domín io p olítico -
jurídico. Tomemos o caso extremo de uma criança Ashant i, que é
defin ida co mo um ser não -hu mano, is to é, não é um membro
potencial da socied ade, se morrer antes da cerimônia de
nomin ação, qu e ocorre oito dias após o nascimento. Este statu s
jurídico vem do domín io político -ju ríd ico. Os pais são obrigados a
aceitar essa def inição, quaisquer que sejam suas emoções.

Isto tem relação direta com a estru tura intern a do grupo


domést ico. As dif eren ças enco nt radas nessa estrutura são, em
parte, inerentes à relação de procriação e advém das ex igências da
criação d os f ilh os. Mas seu caráter também é decisivament e
regulad o por normas político -juríd icas. A distância entre as
gerações sucessiv as p ode ser grande o u pequen a, v ariando com o
tipo e grau de aut orid ade e poder retidos pela geração patern a;
pode-se enf atizar mais a solidariedade do que a rivalidad e n o
grupo de irmãos, como ocorre no sistema de linh agem, ou vice
versa, como entre os Iban. Estas são d ifere nças de magnitud e e d e
precedên cia, relacionadas com o equ ilíbrio em que se acha u m
sistema social part icular, entre as v ariáv eis que se combin am n a
organização do domínio domést ico. Elas est ão expressas em
costumes, cren ças e inst ituições, que representam a propriedad e
coletiv a de toda a sociedad e, e não a cultura part icu lar de cad a
grupo doméstico. A ilustração clássica d isto é o contraste nas
relações de pais e filhos em sist emas de descendência patrilin eares
e matrilin eares. É d evido ao fato de que o pa i não retém
autorid ade jurídica sobre seu filho e que este não tem direito de
herdar propriedade, nem de suceder à posição e cargos daquele,
que pais e f ilhos matrilin eares tem u m relacion ament o afet ivo e
não compet itiv o. Inversamente, é porque os tios mat ern os têm
direi tos jurid icamente sancionados sobre seu s sobrinhos e estes
tem reivind icações juridicament e sancionadas em relação aos tios,
que existe t ensão em seu relacionamento. E o padrão em sistemas
patrilin eares é o inverso, porqu e o f oco dos direit os e
reiv indicações é juridicament e inv erso. A paternidad e matrilinear é
defin ida prin cip almente como uma relação doméstica com uma
função mínima no domín io jurídico -p olít ico. Por esta razão, seu
objetiv o é criar e educar os filhos, e os pais precisam dev a ler -se
de sanções morais e afet ivas para cumpri -la. Em ú ltimo caso, a
sociedad e os apoiará, como med ida de prot eção de suas
prerrogat ivas, mas não lh es dará apoio p ara fazer v aler su a
vontade sobre os filhos. Podemos contrast ar isto com o apoio
jurídico qu e a sociedade dá ao marido matrilin ear em fazer
respeitar seus direit os sobre os serviços sexu ais d e sua mulh er.
Por outro lado, um pai patrilinear não tem apen as os papéis
domést icos e paternos de provedor e educador; ele também tem
direitos assegurados por sanções ju rídicas sobre os filhos e p ara
com os filhos, e est es têm reiv indicações correspondent es frent e
ao pai. Ele representa o poder da sociedad e como uma força
dentro do grupo domést ico, o que não acont ece com o pai
matrilin ear.

Esta análise pod er ia ser lev ada mais adiante, se tomássemo s


em con sideração um terceiro domínio da estrutura social, o da s
inst ituições rituais. Fiz alu sões a est e domín io, porém ele não é
diretamente relevant e para o n osso propósit o imediat o.

Esta formulação nos deixa v er porqu e são essenciais dad os


numéricos para a an álise do ciclo de desenvolv imento do grup o
domést ico. Cad a f ase do ciclo pode ser tomada como o resultad o
de um conjunto d e "puxões" e "empurrões", antecedentes e
contemporâneos. Eles prov êm, em parte, do domí n io d oméstico e,
em parte, da estrutura extern a da sociedade. D ados est atísticos
fornecem um meio de se med ir o poder relat ivo dessas forças e de
descrever su a con figuração numa dad a fase. Tomemos o caso da
sociedad e Tallensi, com seu rigoroso sist ema de d escend ência
patrilin ear. Durante a f ase de expan são do grupo doméstico, to
das as f orças converg em em apoio à supremacia do pai no domín io
domést ico. Ele controla todos os recursos de produt ividad e
necessários p ara mant er sua mu lh er e filhos e está inv est i do d e
autorid ade jurídica sobre; eles. Nem a mulh er, nem os f ilh os tem
status juríd ico, direit os econ ômicos, ou posição ritual, a não ser
através do acordo com isto, espera -se que a mulher e os filhos,
durante a infância jurídica destes, v ivam com o h omem. Dad os
estat íst icos mostram qu e isso acont ece inv ariav elmente. Na f ase
de dispersão, entretanto, os direitos do filho de t er uma cert a
Independência jurídica, econômica e ritual tornam se operantes e
ele poderá estab elecer seu próprio grupo residencial. Po rém, sair
do lar paterno para v iver sua p rópria v ida, ou continu ar
residencialmente ligado à casa do pai, dependerá d e f atores
intern os do grupo domést ico. S e ele f or o ú nico f ilh o homem, su a
sald a do grupo será menos prov ável do que se ele tiv er irmãos; s e
for o mais v elh o, é mais prováv el que saia do que se for um f ilh o
mais moço. Além disso, a mudança pode se dar por est ágios, e não
se comp letar até que ele tenha seus próprios filhos. É essen cial
haver dados numéricos para se ch egar ao peso relat ivo dest es
fatores; e já se torn ou uma prática estab elecida entre os
antropólogos sociais o u so d esses dados na an álise da estrutura
social; exemp los importantes são os estudos do Dr. Raymond T.
Smith, do Professor J. Clyde Mitchelle do falecido Dr. David Tait .
Eles são especialmente relev antes no present e contexto, pois
todos utilizam o ciclo de desenvolvimento do grupo domést ico
como esquema de análise.
A lista completa dos títulos publicados pela Série
Tradução pode ser solicitada pelos interessados à
Secretaria do:
Departamento de Antropologia
Instituto de Ciências Sociais
Universidade de Brasília
70910-900 – Brasília, DF
Fone: (61) 3107-7299
Fone/Fax: (61) 3107-7300
E-mail: dan@unb.br
A Série Tradução encontra-se disponibilizada em
arquivo pdf no link: www.unb.br/ics/dan

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