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48 AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


A e ra ç ão em
A q u i cultur a:
Parte I
Luis Alejandro Vinatea Arana
Programa de Pós-Graduação em Aquicultura,
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Florianópolis – SC.
luis.vinatea@ufsc.br

E xistem diferenças fundamentais en-


tre os ambientes aquáticos naturais
damental assim? O alimento não deveria
vir primeiro, haja vista que sua ausência
e de cultivo. Enquanto nos primeiros os também pode ocasionar a perda total
espaços são grandes, a biodiversidade da produção? A resposta está no tempo.
enorme e a biomassa condicionada por Para destacar a centralidade do oxigênio
fatores naturais, nos segundos os espaços dissolvido fazemos a seguinte analogia:
são muito pequenos, a biodiversidade quantos dias um ser humano pode resistir
extremamente sem alimento,
simplificada e a água e ar?
biomassa exacer- Dentre os parâmetros Os humanos
bada pelo forneci- são capazes
mento de alimen- que regem a qualidade de suportar
to e o controle da água em várias se-
dos parâmetros manas sem
da qualidade aquicultura destacam-se, comida, al-
de água. Dentre por ordem de importância, o guns dias
os parâmetros sem água,
que regem a oxigênio dissolvido, a porém, pou-
qualidade da água temperatura, o nitrogênio cos minutos
em aquicultu- amoniacal (N NH 4 ),
- + s e m
ra destacam-se, oxigênio.
por ordem de o gás sulfídrico (H 2 S) e a Com os
importância, o matéria orgânica, organismos
oxigênio dissolvi- de cultivo
do, a temperatura, entre outros. esta analo-
o nitrogênio amo- gia é per-
niacal (N-NH4+), feitamente
o gás sulfídrico vá lid a:
(H2S) e a matéria orgânica, entre outros. quantos dias os nossos peixes, ca-
O oxigênio dissolvido figura em primeiro marões e moluscos podem viver sem
lugar devido a que sua ausência pode alimento? Quanto tempo sem oxigênio?
provocar a perda total da produção. Mas,
por que o oxigênio dissolvido é tão fun-

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Avanços tecnológicos na aeração/oxigenação da água

Quanto maior a biomassa, maior será a praticada nos cultivos de baixa densidade, é a tro-
demanda de oxigênio por parte da unidade de cul- ca de água. Por sua vez, o método mais sofisticado
tivo. Nos primórdios da aquicultura, quando se consiste na aplicação de oxigênio líquido ou em alta
praticavam densidades muito baixas e os alimentos pressão. No primeiro caso (oxigênio líquido) irão
balanceados ainda não tinham sido desenvolvidos, se precisar de equipamentos complementares tais
a capacidade de carga do sistema estava determina- como tanques criogênicos de estocagem (o oxigênio
da pela quantidade de oxigênio que o fitoplâncton líquido ferve a -182,96 oC), colunas de gasificação
era capaz de produzir durante o dia. Igualmente, e cones de saturação antes de difundir o oxigênio
o sucesso do cultivo dependia da intensidade da na coluna de água. No segundo caso (oxigênio em
queda do oxigênio durante a noite, queda ocasio- alta pressão), o oxigênio concentrado é diretamente
nada pela respiração do fitoplâncton e da matéria aplicado na água por meio de pedras de aeração. O
orgânica depositada no fundo. Entretanto, com o uso de oxigênio líquido ou de alta pressão é comum
passar dos anos, foram desenvolvidos os sistemas em cultivos com bioflocos microbianos (BFT) e em
intensivos, independentes da fotossíntese, onde sistemas de recirculação (RAS). Se a troca de água
o fornecimento do oxigênio passou a ser consid- é o método mais simples, e a aplicação de oxigênio
erado o fator sine qua non (sem o qual não pode puro o mais sofisticado, o mais estendido é, sem
ser). Há várias formas de se fornecer oxigênio numa dúvida alguma, a aeração mecânica.
unidade de cultivo. A mais simples de todas, ainda

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Aeração e saturação do oxigênio dissolvido

A aeração mecânica define-se como a trans- de O2/L, o 50% de saturação seria 3,5 mg/L, con-
ferência do oxigênio atmosférico para a coluna de centração que deve ser mantida como mínimo, sob
água através da interface líquido-ar potencializada risco de submeter os animais a longos períodos de
pelo aumento da turbulência na superfície. É bom estresse, com a consequente perda de crescimento e
destacar que, ao contrário do que acontece com o aumento da conversão alimentar. É verdade que
a fotossíntese e o uso de oxigênio puro, a aeração os organismos são perfeitamente capazes de supor-
mecânica nunca será capaz de supersaturar a água tar concentrações de oxigênio muito baixas (1 a 2
de oxigênio. Na maioria dos casos, os aeradores mg/L); mas, também é verdade que nestas concen-
mecânicos são ligados à noite para garantir que a trações os indivíduos sofrem uma queda dramática
saturação não caia abaixo de 50%, garantindo as- da sua capacidade imunológica, o que pode provo-
sim o bom desempenho dos animais que estão car a aparição de doenças infecciosas e, inclusive,
sendo cultivados. Por exemplo, se de acordo com epizootias em larga escala.
a temperatura e a salinidade da água temos 7 mg
SOTR e SAE: mais do que siglas, importantes
É verdade que os organismos
conceitos! são perfeitamente capazes
de suportar concentrações de
Nos viveiros onde são usados aeradores oxigênio muito baixas (1 a 2
mecânicos, o número de aparelhos está determina- mg/L); mas, também é verdade que
do por duas grandezas: a demanda total de oxigê- nestas concentrações os indivíduos
nio (DTO) e a eficiência do aerador. A DTO vem a sofrem uma queda dramática da sua
ser a somatória da respiração da água, do fundo e
dos animais. A eficiência dos aeradores consiste na capacidade imunológica, o que pode
quantidade de quilogramas de oxigênio que os apa- provocar a aparição de doenças in-
relhos são capazes de transferir numa hora de fun- fecciosas e, inclusive,
cionamento (kg O2/h), também conhecido como epizootias em larga escala.
SOTR (Standard Oxygen Transference Rate). Di-
vidindo o SOTR pelo consumo de energia obtemos
o SAE (Standard Aerator Efficiency), o qual é ex- eficiência), automaticamente o custo do kg de O2
presso em termos de kg O2/kwh. A partir do preço será maior (calcule você mesmo o custo do quilo-
de cada kwh de energia elétrica é possível calcular o grama de oxigênio considerando R$ 0,20 por kwh
custo de cada quilograma de oxigênio dividindo o e um SAE de 1,2 kg/kwh). Na seguinte tabela pode
preço desta energia pelo SAE do aerador. Por exem- ser constatado o número de aeradores por hectare e
plo, se o preço do kwh de energia for de R$ 0,20 e o o custo do kg de O2 de vários aeradores em função
SAE 2,3 kg/kwh, o custo do kg de O2 seria R$ 0,086. do SAE.
Entretanto, se o SAE for menor (aerador de baixa
Tabela 1. Número de aparelhos e de HP por hectare para cinco tipos de aeradores considerando uma salinidade de 35 ‰, uma demanda total de
oxigênio de 12,5 kg/h e um preço do kwh de R$ 0,20.

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Conforme pode ser observado, os aeradores mais efici-
Como regra, pode-se entes são o "E" e o "B", por possuírem o menor custo por quilo-
afirmar que quanto maior grama de oxigênio transferido. É importante destacar que a
quantidade de HP por hectare não representa adequadamente
for o SAE, maior será a a capacidade instalada da aeração, pois a mesma depende di-
eficiência energética do retamente do SAE do aparelho. Como regra, pode-se afirmar
aparelho e, por tanto, menor a que quanto maior for o SAE, maior será a eficiência energética
conta de luz no final de do aparelho e, por tanto, menor a conta de luz no final de mês,
mês. conforme pode ser verificado na Tabela 2.

Tipos de aeradores, salinidade e eficiência

O mercado dispõe de marcas de aeradores dois metros, e quando se pretende provocar uma cir-
para todos os gostos e necessidades. Entretanto, os culação tangencial no fundo do viveiro a fim de con-
aeradores podem ser classificados em dois tipos: os centrar sedimentos num ponto específico (em viveiros
que injetam ar na água e os que lançam água no ar. revestidos com geomembrana). É conhecido também
No primeiro tipo encontramos os sopradores acop- que os aeradores, independentemente de como trans-
lados a difusores, os injetores de ar tipo Venturi e as ferem oxigênio na água, são mais eficientes em agua
turbinas injetoras (propeller-aspirator-pump). No se- salgada do que em água doce, alcançando a sua máxi-
gundo tipo temos os aeradores de pás (paddle-weels) ma eficiência em 30 ‰ (Tabela 2). Isto tem explicação
e os circuladores verticais (chafariz). Por causa da na tensão superficial, a qual é mais elevada quanto
pressão hidrostática, que dificulta a difusão do oxigê- mais alta for a salinidade, fazendo com que as gotas de
nio para dentro da água, os aeradores que injetam ar água ou borbulhas de ar sejam muito pequenas, dan-
na água são ligeiramente menos eficientes daqueles do como resultado uma área de intercâmbio gasoso
que lançam água no ar. Entretanto isto não signifi- consideravelmente maior. Não é de se estranhar que
ca que os aeradores do primeiro tipo não devam ser os cultivos realizados em água doce demandem mais
usados. Estes aeradores são altamente recomendáveis aeradores do que os cultivos praticados em água salga-
em viveiros que possuem profundidades superiores a da.

Figura 1. Aerador circulador vertical (chafariz). Figura 2. Aerador tipo “turbina injetora”.

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Tabela 2. SOTR e SAE de um aerador hipotético de 2 HP (1,48 kw) operando em diferentes salinidades (5 a 50 ‰), custo do kg de O2, número de
aeradores por hectare e preço da energia elétrica por hectare/mês de um viveiro com demanda total de oxigênio de 12,5 kg/h, considerando 8 horas
de funcionamento por noite e um preço de R$ 0,20 do kwh de energia elétrica.

A pressão atmosférica também possui a capacidade de afetar a eficiência dos aeradores. No nível do
mar, com uma pressão de 760 mmHg (101,3 kPa), os aeradores terão seu máximo desempenho devido à maior
solubilidade do oxigênio atmosférico. A medida que altitude aumenta, a solubilidade do oxigênio diminui e os
aeradores se tornam menos eficientes. Em testes realizados a 2.000 m.s.n.m, com pressões de aproximadamente
598 mmHg (79,7 kPa), foi observado que os aeradores perdem quase 50% da sua eficiência quando comparados
com testes realizados em nível do mar.

Conclusões

Em resumo, o critério que deve nortear a


escolha de um aerador, seja este de superfície ou de
injeção, é o SAE (kg O2/kwh). Quanto maior o SAE,
menor será o número de aeradores por hectare e, con-
sequentemente, menor o gasto com energia elétrica. O
melhor cenário para tirar o máximo proveito de um
aerador seria no nível do mar e com salinidades entre
25 a 35 ‰. Já que o fitoplâncton e a matéria orgânica
depositada no fundo são responsáveis por mais de 90%
da demanda total de oxigênio durante a noite, e já que
quanto mais alta for a respiração maior será o número
de aeradores, transparências de agua entre 30 e 40 cm,
assim como o uso de rações com alta digestibilidade,
podem resultar numa economia de energia elétrica
significativa.

Figura 3. Aerador de pás.


Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos
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