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ÍNDICE DO CAPÍTULO 9

LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................ 9.2

LISTA DE QUADROS ...................................................................................................... 9.4

9 ESCOAMENTO SUPERFICIAL ............................................................................... 9.5

9.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 9.5

9.2 FÍSICA DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL ........................................................................................... 9.5

9.3 ESCOAMENTO EM CANAIS COM SUPERFÍCIE LIVRE.................................................................... 9.8


9.3.1 Equações do movimento .......................................................................................................................... 9.8
9.3.2 Linhas características ............................................................................................................................ 9.12
9.3.3 Resolução numérica .............................................................................................................................. 9.14
9.3.4 Relação de vazão numa secção de um curso de água ............................................................................. 9.21
9.3.5 Simplificações das equações do escoamento. Ondas difusiva e cinemática .......................................... 9.27
9.3.6 Métodos do Muskingum e de Muskingum-Cunge ................................................................................ 9.32
9.3.7 Aplicabilidade dos modelos de escoamento em canais.......................................................................... 9.35

9.4 ESCOAMENTO SOBRE UM PLANO INCLINADO ............................................................................. 9.36

9.5 ESCOAMENTO SUPERFICIAL PARA UM COLETOR ...................................................................... 9.42

9.6 ESCOAMENTO SUPERFICIAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS .................................................... 9.48

9.7 MEDIÇÃO DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL ................................................................................... 9.54


9.7.1 Introdução ............................................................................................................................................. 9.54
9.7.2 Medição do caudal ................................................................................................................................ 9.55
9.7.3 Medição da altura hidrométrica ............................................................................................................. 9.69
9.7.4 Estabelecimento de curvas de vazão ...................................................................................................... 9.71
9.7.5 Obtenção do escoamento em determinado intervalo de tempo .............................................................. 9.73

9.8 DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DO ESCOAMENTO ............................................................................. 9.73

9.9 CURVAS DE DURAÇÃO ANUAL DO CAUDAL MÉDIO DIÁRIO ..................................................... 9.77

9.10 DISTRIBUIÇÃO DO ESCOAMENTO ANUAL.................................................................................. 9.80

EXERCÍCIOS ........................................................................................................................................................ 9.83

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................... 9.86


Escoamento Superficial

Lista de Figuras
Figura 9.1 – Ilustração do volume de controlo 9.5
Figura 9.2 – Escoamento num canal com fundo fixo 9.8
Figura 9.3 – Zonas de dependência (traçado horizontal) e de influência (traçado vertical).
Escoamento no sentido do eixo dos x (u > 0): a) regime lento; b) regime rápido. 9.13
Figura 9.4 – Célula de cálculo do método implícito de quatro pontos 9.15
Figura 9.5 – Perspetiva de resultados. Superfície do caudal 9.19
Figura 9.6 – Hidrogramas do caudal nas secções S1, S7 e S15 9.20
Figura 9.7 – Distribuição do caudal ao longo do canal nos instantes 1 h, 2 h, 3 h e 4 h. 9.20
Figura 9.8 – Relações de vazão na fronteira de montante (S1): A – regimes permanentes, B –
regime variável. 9.21
Figura 9.9 – Capacidade de transporte em secção composta 9.22
Figura 9.10 – Análise do escoamento no rio Sado em Alcácer do Sal (adaptada de Santos, 2004)
9.24
Figura 9.11 – Comparação entre o caudal simulado e o caudal estimado por (9.53) e (9.54) 9.26
Figura 9.12 – Propagação da onda cinemática. Perfil do caudal em dois instantes separados t
9.29
Figura 9.13 – Região admissível de C e X (a cinzento) para que Ci ≥ 0 9.31
Figura 9.14 – Hidrogramas de caudal à entrada (I) e à saída (O) de um trecho modelado com a
equação (9.64) e C = 1 9.31
Figura 9.15 – Volume armazenado num trecho de um curso de água (adaptada de Henderson,
1966) 9.32
Figura 9.16 – Resultados do método do Muskingum com um passo 9.34
Figura 9.17 – Resultado do método do Muskingum com 20 passos 9.34
Figura 9.18 – Ilustração do plano inclinado 9.37
Figura 9.19 – Linhas características no plano x’,t’: a) precipitação com duração indefinida; b)
precipitação com duração igual a 0,6 tc. 9.39
Figura 9.20 – Hidrogramas na secção terminal do plano para precipitações com intensidade
constante e durações de 0,6 tc, 1,0 tc e 1,4 tc: a) altura do escoamento; b) caudal por unidade de
largura. 9.41
Figura 9.21 – Canal coletor das águas de um (a) ou de dois planos (b) 9.42
Figura 9.22 – Canal coletor entre confluências de uma rede 9.44
Figura 9.23 – Caudal na secção final do coletor 9.46
Figura 9.24 – Representações discretas da bacia hidrográfica: a) malha quadrangular regular, b)
malha triangular irregular (adaptada de Hipólito e Portela, 1995) 9.48
Figura 9.25 – Célula de cálculo em torno do elemento i e sentido do escoamento proveniente do
elemento central 9.48
Figura 9.26 – Sentidos do escoamento superficial numa bacia hidrográfica 9.49
Figura 9.27 – Ilustração para o esquema de discretização numérica (adaptada de Hipólito e Simões,
2002) 9.51
Figura 9.28 – Preenchimento das secções transversais: a) modelo cinemático, b) modelo difusivo
(adaptada de Hipólito e Simões, 2002) 9.53
Figura 9.29 – Hidrogramas na secção de referência em resultado de precipitação com intensidade
constante: a) modelo cinemático, b) modelo difusivo (adaptada de Hipólito e Simões, 2002) 9.54
Figura 9.30 – Ilustração da distribuição de velocidades na secção transversal de um curso de água
9.55
Figura 9.31 – Grelha para o cálculo numérico do caudal 9.56
Figura 9.32 – Ilustração do cálculo da velocidade média numa vertical 9.57
Figura 9.33 – Razão  entre a velocidade média na vertical e a velocidade medida à superfície em
função do quociente entre a profundidade na vertical e o comprimento de rugosidade 9.58

9.2
Escoamento Superficial

Figura 9.34 – Erro relativo entre a velocidade média estimada por cada um dos métodos e a
velocidade média do perfil logarítmico 9.58
Figura 9.35 – Ilustração de variáveis para o cálculo do caudal 9.59
Figura 9.36 – Molinetes hidráulicos: a) molinete de eixo vertical do tipo Price, com cabo de
suspensão, leme direcional e contrapeso; b) molinetes de eixo horizontal do tipo Ott. 9.60
Figura 9.37 – Medição a vau com molinete eletromagnético (OTT) 9.60
Figura 9.38 – Disposição do cabo de suspensão por ação da corrente 9.61
Figura 9.39 – Fator de correção a utilizar no cálculo da profundidade e ângulos no ar do cabo de
suspensão com a vertical, em função desse ângulo com o contrapeso no fundo 9.62
Figura 9.40 – Descarregadores de parede delgada: a) descarregador retangular; b) descarregador
triangular; c) corte normal às arestas do entalhe. 9.62
Figura 9.41 – Coeficiente de vazão e parcela k b num descarregador retangular de parede delgada
9.64
Figura 9.42 – Coeficiente de vazão e parcela kh num descarregador triangular de parede delgada
9.65
Figura 9.43 – Esquema de um canal Parshall para medição do caudal em escoamentos com
superfície livre 9.67
Figura 9.44 – Ilustração do trecho de um rio para utilização de traçadores 9.67
Figura 9.45 – Escalas hidrométricas: a) pormenor; b) instalada no pilar de uma ponte; c) instalada
em pilaretes; d) instalada no talude de um canal 9.70
Figura 9.46 – Limnígrafos: a) instalação em torre; b) instalação em poço; c) limnígrafo mecânico
com acessórios de transição; d) limnígrafo digital com sensor de pressão 9.71
Figura 9.47 – Ilustração da curva de vazão de um curso de água em determinada secção transversal
9.72
Figura 9.48 – Precipitação diária sobre a bacia do rio Paiva e hidrograma do caudal médio diário no
rio Paiva em Castro Daire (1954/55) 9.74
Figura 9.49 – Hidrograma do caudal médio diário em gráfico semilogarítmico 9.75
Figura 9.50 – Escoamento mensal no rio Mondego na ponte de Santa Clara (1939/40 a 1979/80)
9.76
Figura 9.51 – Escoamento mensal no rio Incomáti em Ressano Garcia (1953/54 a 1982/83) 9.76
Figura 9.52 – Curvas de duração do caudal médio diário no rio Mondego na ponte de Santa Clara
(1955/56 a 1979/80) 9.77
Figura 9.53 – Curvas de duração do caudal médio diário no rio Incomáti em Ressano Garcia
(1953/54 a 1982/83) 9.78
Figura 9.54 – Curvas de duração média anual do caudal médio diário em vários rios portugueses
(adaptada de Quintela, 1967) 9.79
Figura 9.55 – Exemplo de utilização da curva de duração média anual 9.80
Figura 9.56 – Distribuição do escoamento anual médio em Portugal continental 9.81

9.3
Escoamento Superficial

Lista de Quadros
Quadro 9.1 - Valores do coeficiente de Strickler 9.12
Quadro 9.2 – Valores de a e de a ' em função de b/B 9.63
Quadro 9.3 – Valores de kb em função de b/B 9.64
Quadro 9.4 – Condicionamentos específicos de descarregadores de parede delgada 9.66
Quadro 9.5 – Fator K para o cálculo de L0 9.68

9.4
Escoamento Superficial

9 ESCOAMENTO SUPERFICIAL

9.1 INTRODUÇÃO

A água proveniente da precipitação que excede a retenção superficial, a infiltração e a


evaporação fica disponível para o escoamento superficial. Junto às linhas de cabeceira das bacias
hidrográficas, o escoamento superficial encontra-se ainda pouco concentrado, podendo ser
considerado uma escorrência sobre as encostas, que se caracteriza por uma altura de escoamento
que, em relação à área superficial envolvida, é pequena. Este tipo de escoamento apresenta uma
duração que pouco ultrapassa a da precipitação que lhe dá origem. Longe das cabeceiras, o
escoamento ocorre concentrado no fundo de vales mais ou menos profundos constituindo os cursos
de água. Este tipo de escoamento persiste por vezes muito tempo depois da ocorrência de qualquer
precipitação e tem origem na água que se encontra ainda em trânsito à superfície e na que, tendo-se
infiltrado, vai sendo drenada ao longo do tempo.

Neste capítulo descrevem-se e caracterizam-se os escoamentos que ocorrem à superfície das


bacias hidrográficas e apresentam-se as leis que os regem.

9.2 FÍSICA DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL

O estudo do movimento da água à superfície das bacias hidrográficas pode ser feito, como o
de outros movimentos, utilizando as leis da física que exprimem os princípios da conservação da
massa e da quantidade de movimento.

Considere-se que uma parcela de fluido identificável no seio de um escoamento ocupa num
instante t0 o espaço que se indica na Figura 9.1 por I e II.

t0+ t

III

t0 II
I

Figura 9.1 – Ilustração do volume de controlo

Considere-se também que num instante seguinte, t0+t, a referida parcela ocupa o espaço
sombreado que se indica por II e III.

9.5
Escoamento Superficial

Designando o espaço ocupado pela parcela no instante t0 por volume de controlo, que se
considera fixo em relação a um referencial de inércia, é óbvio que o espaço que ela ocupa no
instante seguinte, t0+t, é igual ao volume de controlo (I+II) menos o espaço ocupado pelo fluido
que entrou no volume de controlo (I) mais o espaço ocupado pela porção da parcela que saiu do
volume de controlo (III).

Para a parcela de fluido identificada no instante t0, o princípio de conservação da massa,


quando t tender para zero, pode exprimir-se por

dm   
 
dt t VC
 dV    V  dA (9.1)
SC

onde
m representa a massa da parcela,
t, o tempo,
dV , um elemento de volume,
, a massa volúmica do fluido,
VC, o volume de controlo,
SC, a superfície que limita o volume de controlo, superfície de controlo,

dA , um elemento de área na superfície de controlo orientada para o seu interior, e

V , a velocidade do fluido que atravessa esse elemento de área.
 
O produto interno V  dA representa o volume de fluido que atravessa o elemento de área na
unidade de tempo, caudal elementar, e é positivo, se entra no volume de controlo, e negativo, se sai
do volume de controlo.

dm
Sendo a massa da parcela constante, então  0 e (9.1) escreve-se:
dt

  

t VC
 dV    dA  0
 V (9.2)
SC

ou, considerando o fluido praticamente incompressível, = constante, como acontece nos líquidos e
em particular na água,

d  

dt VC
dV    dA
V (9.3)
SC

onde se promoveu a derivada parcial a derivada total, porque tanto a função a integrar como os
limites de integração são constantes, podendo escrever-se:

dV
 Qe  Qs (9.4)
dt

onde
V  dV representa o volume de fluido incompressível armazenado no volume de controlo
VC
e

9.6
Escoamento Superficial

 
Qe  Qs    dA , a diferença entre o caudal que entra no volume de controlo, Qe, e o
V
SC
caudal que sai do volume de controlo, Qs.

Aplicando a segunda lei de Newton à parcela de fluido anteriormente identificada no


instante t0 (Figura 9.1) pode escrever-se:

 dM
 F  dt (9.5)

onde

F representa a resultante das forças de superfície e de massa aplicadas à parcela de
fluido, e

dM
, a derivada temporal da quantidade de movimento da parcela.
dt

A resultante das forças aplicadas à parcela de fluido em t0 pode decompor-se na resultante



das forças de pressão normais à superfície de controlo, N , na resultante das forças de atrito

tangentes à superfície de controlo,  , e na resultante das forças gravitacionais aplicadas às massas
elementares da parcela de fluido, escrevendo-se:
   
F  N  T  G (9.6)

A derivada temporal da quantidade de movimento da parcela de fluido em t 0, utilizando a


metodologia do volume de controlo, pode escrever-se:

dM     
dt
 
t VC
VdV   VV  dA (9.7)
SC

 
O simétrico da primeira parcela do lado direito de (9.7),   VdV , representa a inércia
t VC
  
local da parcela de fluido, e o simétrico da segunda parcela do lado direito de (9.7),  VV  dA ,
SC
representa o fluxo de quantidade de movimento através da superfície de controlo. Estas grandezas,
quando expressas por unidade de massa num ponto, representam respetivamente a aceleração local e

a aceleração convectiva. O fluxo elementar de quantidade de movimento que atravessa dA tem o

sentido da velocidade V , se entra no volume de controlo, e tem o sentido contrário ao da velocidade

V , se sai do volume de controlo.

A equação (9.5) pode então escrever-se:


     
NTG I   0 (9.8)

com
  
I  VdV
t VC

9.7
Escoamento Superficial

   
  V  dA
V
SC

9.3 ESCOAMENTO EM CANAIS COM SUPERFÍCIE LIVRE

9.3.1 Equações do movimento

z z

1 2

zs

q
zf

x y

Figura 9.2 – Escoamento num canal com fundo fixo

Os princípios de conservação da massa e da quantidade de movimento que conduziram às


equações (9.2) e (9.8), quando aplicados ao escoamento de água com superfície livre em canais com
fundo fixo e impermeável (Figura 9.2), onde se possa admitir que

– o escoamento ocorre essencialmente na direção longitudinal,


– a velocidade do escoamento na secção transversal tem uma distribuição uniforme,
– a superfície livre na secção transversal é horizontal,
– a curvatura das linhas de corrente é pequena,
– a aceleração na direção vertical é desprezável,
– a distribuição da pressão é hidrostática,
– o declive do fundo do canal é pequeno ( tg θ  sen θ, e cos θ  1 ),
– o atrito com as paredes do canal pode ser representado pelas fórmulas de resistência do
regime permanente, estudadas na hidráulica,

conduz às seguintes equações:

A Q
  Bp (9.9)
t x

Q   Q 2 
  g E1    g A Sf  g E 2 (9.10)
t x  A 

onde
A  A(x, t ) representa a área da secção transversal do escoamento (m2),
Q  Q (x, t ) , o caudal que atravessa a secção transversal (m3 s-1),
p  p (x, t ) , a intensidade da precipitação sobre a superfície livre (m s-1),
B  B (x, t ) , a largura superficial da secção transversal (m),

9.8
Escoamento Superficial

E1 = E1(x,t), o momento estático da secção transversal em relação à superfície livre (m3),


E2 = E2(x,t), a derivada parcial do momento estático E1 em relação a x, com zs e zf
constantes em relação a x (m2),
zs = zs(x,t), a cota da superfície livre (m),
zf = zf(x), a cota do fundo (m),
Sf  Sf (x, t ) , a perda de carga unitária (-),
g, a aceleração da gravidade (m s-2),
x, a abcissa horizontal (m),
t, o tempo (s).

Nos casos em que o canal não é impermeável e ocorre uma infiltração de intensidade f por
unidade de área superficial, e em que o canal é alimentado lateralmente por um caudal por unidade
de percurso q e em que ocorre uma evaporação significativa de intensidade e por unidade de área
superficial, pode considerar-se que p representa o balanço da alimentação do canal por unidade de
área superficial:

q
p  rf  e (9.11)
B

onde agora se representa por r a intensidade da precipitação sobre a superfície livre.

Na obtenção da equação (9.9) consideraram-se as secções 1 e 2 do volume de controlo


afastadas dx e

d A
– 
dt VC
dV 
t
dx (9.12)

  Q
–  V  dA   x dx  B p dx (9.13)
SC

O momento estático da secção transversal do escoamento em relação à superfície livre é


definido por

b( x, z) z s ( x, t )  zdz
zs ( x , t )
E1   (9.14)
zf ( x )

onde b(x,z) representa a largura da secção transversal do canal na abcissa x e à cota z. Por aplicação
da regra de Leibniz:

E1 z s ( x, t )
 bx, z s ( x, t )z s ( x, t )  z s ( x, t ) 
x x
z ( x )
 bx, z f ( x, t )z s ( x, t )  z f ( x, t ) f 
x
zs ( x , t ) 

z f ( x ) x
b(x, z)z s (x, t )  z dz

e quando a largura da secção transversal for nula no fundo ou quando se puder desprezar a parcela
onde figura na equação anterior:

9.9
Escoamento Superficial

E1 z s ( x, t ) zs ( x , t ) 
b(x, z)z s (x, t )  z dz 
zs ( x , t )
x
  z (x)
f
b( x , z )
x
dz  
z f ( x ) x
z s ( x, t )
 A  E2
x

com


b(x, z) z s (x, t )  zdz
zs ( x , t )
E2   (9.15)
zf ( x ) x

Faz-se notar que E 2 é também a resultante na direção x das pressões na parede lateral do
canal, por unidade de comprimento deste na mesma direção.

Na obtenção da equação (9.10) consideraram-se as seguintes componentes na direção x dos


vetores que intervêm em (9.8):

 E  z
– N x     1  E 2  dx    A s dx (9.16)
 x  x

– Tx   A Sf dx (9.17)

– Gx  0 (9.18)

Q
– Ix   dx (9.19)
t

  Q 2 
– x   dx (9.20)
x  A 

onde    g representa o peso volúmico da água e se admitiu que a precipitação entra verticalmente
no volume de controlo, não introduzindo quantidade de movimento na direção x.

Em termos do caudal, Q, e da cota da superfície livre, zs, as equações (9.9) e (9.10) tendo
em consideração (9.16) e que

A z
B s
t t

onde B  b(x, z s ) representa a largura superficial da secção, escrevem-se

z s 1 Q
 p (9.21)
t B x

Q   Q 2  z
  gA s  gAS f  0 (9.22)
t x  A  x

Em termos do caudal, Q, e da altura do escoamento, h  z s  z f , escrevem-se:

9.10
Escoamento Superficial

h 1 Q
 p (9.23)
t B x

Q   Q 2  h
  gA  gA Sf  S0   0 (9.24)
t x  A  x

z f
onde S0    tgq representa o declive do fundo do canal.
x

Q
Em termos da velocidade do escoamento, u  , e da altura do escoamento, h, escrevem-
A
-se:

h A u h u A
 u  p (9.25)
t B x x B x h cte

u u h
 gSf  S0    u p
B
u g (9.26)
t x x A

Para a determinação da perda de carga unitária, Sf, utilizam-se frequentemente fórmulas


empíricas como a de Manning-Strickler ou a de Chézy:

QQ
Sf  (9.27)
K2

onde o caudal é considerado positivo, se ocorrer no sentido do eixo dos x, e K é a capacidade de


transporte da secção transversal.

Para a fórmula de Manning-Strickler é

2 2
1
K  KS AR 3  AR 3 (9.28)
n

1
onde KS representa o coeficiente de Strickler, e n  , o coeficiente de Manning.
KS

Para a fórmula de Chézy é

1
K CAR 2 (9.29)

onde C representa o coeficiente de Chézy.

Em ambas as formulações, R representa o raio hidráulico:

A
R (9.30)
P

onde P é o perímetro molhado da secção transversal. Da igualdade entre (9.28) e (9.29) obtém-se

9.11
Escoamento Superficial

1
C  KS R6 (9.31)

Chow (1959) apresenta para o escoamento em canais com superfície livre uma lista
descritiva, ilustrada e muito completa de valores do coeficiente de Manning, n. Na Internet
encontram-se também várias páginas com ilustrações referentes ao coeficiente de Manning
(Manning roughness coefficient). No Quadro 9.1, para indicação da ordem de grandeza, referem-se
alguns valores do coeficiente de Strickler em função da natureza das paredes do canal.

Quadro 9.1 – Valores do coeficiente de Strickler


(adaptado de Quintela, 1981)

Natureza do leito KS
1
(m 3 s 1 )

Betão liso 75

Terra muito regular 60

Terra irregular 45

Terra irregular com vegetação, cursos de água regulares 35


em leitos rochosos

Terra em más condições, rios sobre calhaus 30

Terra em completo abandono, rios com muito transporte 20


sólido

9.3.2 Linhas características

As equações do movimento, por exemplo na forma (9.25) e (9.26), apresentam duas famílias
de linhas características definidas pelas seguintes equações:

+ dx A
Família C : u g (9.32)
dt B

– dx A
Família C : u g (9.33)
dt B

ao longo das quais se verifica respetivamente:

+ B B
Família C : du  g dh  g f1 dt  f 2 dt  0 (9.34)
A A

– B B
Família C : du  g dh  g f1 dt  f 2 dt  0 (9.35)
A A

com

9.12
Escoamento Superficial

u A
f1  p 
B x h cte

f 2  g S0  Sf  
B
up
A
+
As linhas características C apresentam uma derivada temporal positiva quando u > 0, isto

é, quando o escoamento ocorre no sentido positivo do eixo dos x. As linhas características C
A
apresentam uma derivada temporal positiva ou negativa, com u > 0, consoante u  g ou
B
A
u g . No primeiro caso diz-se que o regime do escoamento é rápido e, no segundo caso, diz-se
B
A
que o regime do escoamento é lento. No caso da igualdade, u  g , diz-se que o regime do
B
escoamento é crítico.

Como se sabe, a razão Fr entre a velocidade do escoamento, u, e a celeridade relativa das


A
linhas características, g , designa-se por número de Froude:
B

u
Fr  (9.36)
A
g
B

As linhas características permitem a definição da zona de dependência e da zona de


influência das características do escoamento, valores das variáveis dependentes u e h, em
determinado instante numa secção de um canal (Figura 9.3).

a) b)

– + –
C C C
tP P +
C
tP P
+ – +
tQ C C Q tQ C – Q
C

xP xQ xP xQ

Figura 9.3 – Zonas de dependência (traçado horizontal) e de influência (traçado vertical).


Escoamento no sentido do eixo dos x (u > 0): a) regime lento; b) regime rápido.

Efetivamente, a zona do plano x,t de que dependem os valores das variáveis dependentes u e
+
h numa secção do escoamento de abcissa xP no instante tP é limitada pelas linhas características C

e C que provindo de instantes anteriores se intersectam no ponto P. A zona de influência dos
valores das variáveis dependentes u e h numa secção do escoamento de abcissa xQ no instante tQ é
+ –
limitada pelas linhas características C e C que divergem do ponto Q nos instantes posteriores.

9.13
Escoamento Superficial

A existência desta zona de dependência limita o intervalo de tempo t , que se pode utilizar
em métodos numéricos explícitos de diferenças finitas. Esta limitação, conhecida por condição de
estabilidade de Courant-Friedrich-Lewy, é expressa por

x
t  (9.37)
A
u g
B

onde x e t são os espaçamentos espacial e temporal da grelha de cálculo utilizada no método


numérico explícito.

A existência da zona de influência condiciona as condições de fronteira a definir a montante,


no início do canal em estudo, e a jusante, no fim do canal em estudo.

Em regime lento chegam do interior do canal linhas características à fronteira de montante


– +
(linhas C ) e à fronteira de jusante (linhas C ) que transportam informação sobre a relação que
nessas fronteiras deve existir entre u e h (equações (9.35) e (9.34), respetivamente). Assim, em cada
uma das fronteiras, é necessário conhecer apenas mais uma condição em cada instante de cálculo,
por exemplo, o valor de u nessa fronteira ou o valor de h ou uma relação que exista nessa fronteira
entre u e h.

Em regime rápido, com o escoamento a ocorrer no sentido do eixo dos x, do interior do canal
não chega à fronteira de montante qualquer linha característica, e à fronteira de jusante chegam
linhas das duas famílias. Assim, na fronteira de montante são necessárias duas condições que
permitam a definição de u e de h em cada instante de cálculo, e na fronteira de jusante não são
necessárias quaisquer condições.

9.3.3 Resolução numérica

Na bibliografia da especialidade encontram-se vários esquemas numéricos, implícitos e


explícitos, para resolução das equações do escoamento em canais em regime variável. O método
implícito de diferenças finitas, com uma célula de cálculo com quatro pontos, também conhecido
por método de Preissmann, é um dos mais utilizados e mais robustos quando a variação das
características do escoamento é gradual no espaço e no tempo, e é aquele que aqui se adota para
descrição da resolução numérica das equações (9.21) e (9.22).
A discretização das equações é feita, considerando secções transversais ao longo do canal
com abcissas xj e instantes de tempo tn onde se pretende conhecer a solução (

Figura 9.4). Cada trecho elementar do canal fica definido entre duas secções sucessivas, com
abcissas xj e xj+1 e afastadas xj. O intervalo de tempo entre dois instantes sucessivos, tn e tn+1, é
representado por tn.

9.14
Escoamento Superficial

 x j
f jn 1 f jn11
t n+1

f
t n
q t n

tn
f jn f jn1

x j

xj x j+1 x

Figura 9.4 – Célula de cálculo do método implícito de quatro pontos

Considere-se, então, uma função f(x,t) cujo valor e derivadas parciais, que se supõe
1
existirem, deverão estimar-se no ponto x  x j   x j ( ψ  ), t  t n  q t n (0  θ  1) a partir
2
de valores conhecidos no instante tn nas secções xj e xj+1, e de valores ainda por determinar no
instante tn+1 nas mesmas secções. Seja f jn  f ( x j , t n ) e admita-se que

f
2

q n 1
f j  f jn11  
1 q n
2
f j  f jn1  
f  f jn11  f jn 1   f jn1  f jn 
q   1  q  
x  x j   x j 
   

f 1  f j  f j   f jn11  f jn1 


n 1 n
   
t 2  t n   t n 
   

Com f j  f jn , f  f j  ½ (f j  f j1 ) e considerando que

f jn 1  f j  f j (9.38)

obtém-se

f
q
2

f j  f j1  f  (9.39)

9.15
Escoamento Superficial

f

q
x x j

f j1  f j 
1
x j
 
f j1  f j  (9.40)

f

1
t 2 t n

f j  f j1  (9.41)

Substituindo as expressões anteriores nas equações da continuidade (9.21) e da dinâmica


(9.22) e desprezando produtos de diferenças nas variáveis dependentes, obtém-se respetivamente

Fj1 z s, j  Fj2 Q j  Fj3 z s, j1  Fj4 Q j1  Fj0 (9.42)

Fj1 z s, j  Fj2 Q j  Fj3 z s, j1  Fj4 Q j1  Fj0 (9.43)

com

B j
Fj1  B j  q t n p j
z s, j

q t n
Fj2  2
x j

B j1
Fj3  B j1  q t n p j1
z s, j1

q t n
Fj4  2
x j

Fj0 2
t n
x j
     
Q j1  Q j  t n B j q p j  p j  B j1 q p j1  p j1 

q t n  B Q2  Q2 
Fj1 
x j 
 BQ
 
 Q j1  Q j j j  A j1  A j j j  B j  
 A2 

A 2j A 3j  

Qj Qj  A K j 
g
  g
 z s, j1  z s, j B j  g A  x j Bj  2 j 
2 2 K 2j  K j z s, j 

1 q t n  Qj 
Fj2  
2 x j 

 Q j1  Q j
1 Q
 Qj

 2    A j1  A j 2  g x j A j 2  

Aj A Aj K j 

9.16
Escoamento Superficial

q t n  B j1Q 2j1  Q2 
Fj3 
x j 
 
B Q
 Q j1  Q j j1 j1  A j1  A j   B j1  2  
A 
A 2j1 A 3j1  

 K j1 
 
Q j1 Q j1 A
g g
 z s, j1  z s, j B j1  g A  x j  B j1  2 j1 
2 2 K 2j1  K z 
s, j1 
 j1 

1 q t n  Q j1 
Fj4  
2 x j 
 
Q j1  Q j
1
Q

Q j1

 2    A j1  A j 2  g x j A j1 2 

A j1 A A j1 K j1 

 
t n
     Q 2   g z s, j1  z s, j  A  g t n A Sf
2
 2 Q j1  Q j    A j1  A j
Q
Fj0 
x j  A A  
 

As equações lineares (9.42) e (9.43), quando aplicadas a um canal discretizado em N


secções transversais, ou seja em N-1 trechos elementares, constituem um conjunto de 2N–2
equações para 2N incógnitas, zs,i e Qi em cada secção transversal. Faltam, assim, duas equações
para que o sistema seja resolúvel em cada t quando se conhecem os valores das variáveis no
instante inicial desse intervalo t. Essas duas equações são definidas através das condições de
fronteira do canal. Se o regime do escoamento for lento, como em geral ocorre no escoamento em
rios de fraco declive, considera-se uma condição a montante e uma outra a jusante; se o regime do
escoamento for rápido, consideram-se duas condições a montante.

As condições de fronteira mais utilizadas correspondem ao conhecimento dos hidrogramas


do caudal ou da cota da superfície livre ou ainda ao conhecimento da relação entre o caudal e a cota
da superfície livre, ou seja, da curva de vazão.

Quando se conhece ou se especifica o caudal na secção de montante, Q1  Q1 (t ) , então, a


equação que representa a condição de fronteira a montante, no intervalo tn, será

Q1  Q1 (t n 1 )  Q1 (t n ) (9.44)

Quando se conhece ou se especifica a altura do escoamento na secção de jusante,


hN  h N (t ) , então, a equação que representa a condição de fronteira a jusante, no intervalo tn,
será

  
z s,N  h N (t n 1 )  z f ,N  h N (t n )  z f ,N 
ou seja:

z s,N  h N (t n 1 )  h N (t n ) (9.45)

Quando se conhece ou se especifica a relação entre o caudal e a cota da superfície livre a


jusante, por exemplo na forma

Q N  a z s, N  z 0 b

então, a equação que representa a condição de fronteira a jusante, no intervalo tn, será

9.17
Escoamento Superficial

Q N  a b z s, N  z 0 b1 z s, N (9.46)

Como se referiu, é necessário conhecer os valores das variáveis zs,j e Qj no início do


intervalo de tempo, tn, para passar a solução para o instante seguinte, tn+1. Em particular, é
necessário conhecer esses valores em t0, isto é, conhecer ou especificar as condições iniciais. Com
muita frequência, as condições iniciais correspondem ao regime permanente, no qual zs,j = 0, Qj
= 0, Q = constante e p = 0. Nestas condições, a equação (9.43) transforma-se em

Fj0  0

ou seja

z s, j1  z s, j  
Q2  1 
  
 A j1  A j  Sf x j  0
g  A3 
(9.47)

onde as duas barras « » significam a média pesada com a área:

A j f j  A j1 f j1
f
A j  A j1

A equação (9.47) permite o cálculo do regime permanente de modo compatível com as


equações do regime variável, o que representa outra das vantagens do método de Preissmann.

O sistema de equações lineares que se obtém com o método de Preissmann apresenta uma
matriz dos coeficientes das incógnitas que é muito esparsa devendo selecionar-se para a sua
resolução sem desperdício de memória de computador e de tempo de processador um método
computacionalmente eficiente.

Na Figura 9.5 apresenta-se uma perspetiva da superfície do caudal resultante da aplicação


do método de Preissmann a um trecho de um canal prismático com um declive do fundo de 0,0005,
com 35 km de comprimento, discretizado em 15 secções transversais espaçadas de 2,5 km e com um
intervalo de tempo de cálculo t = 0,1 h. Como condição inicial utilizou-se o regime permanente
correspondente a um caudal constante de 1000 m3/s. Como condição de fronteira a montante
especificou-se um hidrograma do caudal que, partindo do valor de 1000 m3/s, aumenta até 3000
m3/s voltando depois a reduzir-se até ao valor inicial (Figura 9.6, S1). Tanto a subida como a
descida do caudal ocorrem linearmente durante 1 h. Como condição de fronteira a jusante utilizou-
-se uma curva de vazão baseada na análise do regime permanente.

9.18
Escoamento Superficial

Caudal (m3/s)
3000
2500
2000
1500
1000
S1 1
S4 11
21
S7
31
Secção S10 41 t = 0,1 h
S13 51
61

Figura 9.5 – Perspetiva de resultados. Superfície do caudal

Na Figura 9.6 apresentam-se os hidrogramas do caudal em três secções do canal, S1, S7 e


S15. Estes hidrogramas são cortes na superfície do caudal feitos pelas abcissas correspondentes às
referidas secções.

Verifica-se uma forte diminuição no valor do caudal de ponta das secções de montante para
as secções de jusante. Efetivamente, nas secções S1, S7 e S15 os caudais de ponta são
respetivamente 3000 m3/s, 1911 m3/s e 1480 m3/s. Assim, a atenuação ou amortecimento da ponta
dos hidrogramas da secção S1 para a secção S7, afastadas 15 km, é 1089 m3/s; da secção S7 para a
secção S15, afastadas 20 km, é 431 m3/s. Observa-se também que a curvatura dos hidrogramas na
ponta vai diminuindo de montante para jusante, da secção S1 para a secção S15, e que os declives
dos ramos ascendente e descendente do hidrograma se vão reduzindo em valor absoluto, parecendo
ocorrer um fenómeno de difusão do caudal ao longo do canal, à medida que a onda se vai
propagando.

9.19
Escoamento Superficial

3500

3000
S1

2500
Caudal (m 3/s)

2000
S7
S15
1500

1000

500

0
0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0
Tempo (h)

Figura 9.6 – Hidrogramas do caudal nas secções S1, S7 e S15

Na Figura 9.7 apresenta-se a distribuição do caudal ao longo do canal nos instantes 1 h, 2 h,


3 h e 4 h. Estes perfis da distribuição do caudal ao longo do canal são cortes na superfície do caudal
feitos pelas ordenadas correspondentes aos referidos instantes.

Verifica-se que ao longo do tempo, à medida que a onda se propaga no canal, vai ocorrendo
também uma atenuação ou amortecimento da referida onda e tanto mais quanto maior é a curvatura
do perfil.

3000

2500 t=1h

t=2h

2000

t=3h
Caudal (m /s)
3

t=4h
1500

1000

500

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Secção

Figura 9.7 – Distribuição do caudal ao longo do canal nos instantes 1 h, 2 h, 3 h e 4 h.

9.20
Escoamento Superficial

Na Figura 9.8 apresentam-se as relações entre o caudal e a cota da superfície livre, relações
de vazão, que se verificam na secção S1 em regime permanente (A) e em regime variável (B).
Verifica-se que, para cada cota da superfície livre, o caudal em regime variável é maior quando a
cota está a subir, e menor quando a cota está a descer. De modo aproximado, parece, ainda, que a
relação de vazão em regime variável envolve num laço a relação de vazão em regime permanente.
Designa-se tal fenómeno por histerese na relação de vazão. Durante a passagem de uma onda de
cheia em determinada secção transversal de um curso de água, a histerese na relação de vazão
determina o desfasamento temporal entre os máximos do caudal e da altura do escoamento.
Efetivamente, a ocorrência do máximo caudal antecede a ocorrência da máxima altura do
escoamento.

65,0
A

64,0

B
Cota da superfície (m)

63,0

62,0
t

61,0

60,0

59,0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500
3
Caudal (m /s)

Figura 9.8 – Relações de vazão na fronteira de montante (S1):


A – regimes permanentes, B – regime variável.

9.3.4 Relação de vazão numa secção de um curso de água

A relação entre o caudal que atravessa determinada secção transversal de um curso de água
e a altura hidrométrica, cota da superfície da água medida nessa secção em relação a uma dada
referência, é designada por curva de vazão. Por vezes, por força de um maior rigor pretendido, não
será suficiente a medição de apenas uma altura, sendo necessário medir pelo menos mais uma altura
hidrométrica noutra secção transversal vizinha. Nestas condições, parece ser mais abrangente o
termo relação de vazão.

Admitidas as restrições referidas na Secção 9.3.1 do texto e, ainda, desprezando a


precipitação que ocorra na superfície livre do escoamento, p = 0, substituindo na equação da
u
dinâmica (9.26) , tal como se obtém da equação da continuidade (9.25) e explicitando Sf,
x
obtém-se

 hx  Fru h Fr 2 A 1 u
2
Sf  S0  1  Fr 2   (9.48)
t B x h cte g t

9.21
Escoamento Superficial

Nas condições admitidas na sua dedução, as equações (9.48) e (9.27) definem a relação de
vazão numa secção transversal de um curso de água:

Q  Sinal (Sf ) K Sf (9.49)

com

Sf
Sinal (Sf )  , Sf  0
Sf

 0 , Sf  0

Faz-se notar que a capacidade de transporte, K, é uma função da geometria da secção


transversal do canal e da respetiva rugosidade.

Em secções simples, secções abertas, com a mesma rugosidade em todo o perímetro molhado
e com o perímetro molhado crescendo monótona e continuamente com a altura do escoamento, a
capacidade de transporte é calculável como se indicou em (9.28) e (9.29).

Em secções mistas, que diferem das secções simples por apresentarem rugosidade não
uniforme ao longo do perímetro molhado, o coeficiente de Strickler é frequentemente avaliado pela
fórmula de Einstein:
2
 3
 
 P 
KS    (9.50)
 Pj 
 
 K S, j 3 2 
 

onde os coeficientes de Strickler KS,j se referem à porção de perímetro molhado, Pj, com a
rugosidade correspondente. Evidentemente, será P   Pj .

Em secções compostas, com leito de estiagem e leito de cheias bem diferenciados, a


capacidade de transporte é frequentemente considerada igual à soma das capacidades de transporte
definíveis em subsecções de limites verticais (Figura 9.9).

K = ΣKi

K1 K2 K4
K5
K3

Figura 9.9 – Capacidade de transporte em secção composta

As parcelas que figuram no lado direito da equação (9.48) têm valores muito diversos, sendo
usual desprezar algumas dessas parcelas em situações particulares, com a consequente diminuição
de rigor. Assim, quando as variações temporais das variáveis dependentes forem pequenas, podem

9.22
Escoamento Superficial

Fr 2 h 1 u
desprezar-se as derivadas temporais, ou seja, as parcelas   ; quando o trecho do
u t g t
canal onde se insere a secção transversal for aproximadamente prismático, pode desprezar-se a
derivada espacial da área da secção transversal com altura constante, ou seja, a parcela
Fr 2 A
 ; quando o número de Froude for pequeno, podem desprezar-se as parcelas onde
B x h cte
h Fr 2 h Fr 2 A
intervém, que são  Fr 2   ; quando a altura do escoamento variar pouco
x u t B x h cte
com o percurso, pode desprezar-se a derivada espacial da altura do escoamento, isto é, as parcelas
 
 1  Fr 2
h
x
.

Henderson (1966) indica os seguintes valores típicos para parcelas como as que figuram em
(9.48) num curso de água em região aluvionar com pendentes elevadas

S0 h u u 1 u
x g x g t

(m/km) (m/km) (m/km) (m/km)

5 0,1 0,02 – 0,01


0,05

Santos (2004) estudou um trecho do rio Sado com o comprimento de 24 km e o declive do


fundo de cerca de 0,1 m/km, imediatamente a montante de Alcácer do Sal, cidade que se situa a
cerca de 65 km a SE de Lisboa. O trecho foi dividido em 13 secções transversais, distanciadas cerca
de 2 km e numeradas sequencialmente, e designou-se por P1 a secção mais a montante, e por P13, a
mais a jusante, na estação hidrométrica de Alcácer do Sal.

Apresentam-se na Figura 9.10 alguns dos resultados obtidos por simulação numérica, com o
3
caudal constante de 3000 m /s na secção P1, e com a maré a controlar a altura do escoamento na
secção P13.

9.23
Escoamento Superficial

Figura 9.10 – Análise do escoamento no rio Sado em Alcácer do Sal (adaptada de Santos, 2004)

Como se ilustra com a superfície do caudal na Figura 9.10, a), a influência da maré faz-se
sentir significativamente até cerca de 10 km para montante de Alcácer do Sal. Em Alcácer do Sal
(P13), nas condições de fronteira referidas, o caudal varia ao longo dos ciclos da maré entre cerca de
3 3
800 m /s e 4600 m /s e a altura do escoamento entre cerca de 3 m e 6 m. Observa-se que, para
caudais mais pequenos provenientes de montante, o caudal nas secções terminais do trecho em
análise poderá ser negativo, ou seja, o escoamento poderá ocorrer de jusante para montante nessas
secções.

Na Figura 9.10, b), ilustra-se o desfasamento entre os ciclos da altura do escoamento e os


ciclos do caudal, ambos na secção P13. Verifica-se que os máximos do caudal ocorrem durante as
descidas com maior rapidez da altura do escoamento e que os mínimos do caudal ocorrem durante
as subidas com maior rapidez da altura do escoamento, ou seja, verifica-se que os extremos do
caudal ocorrem nos pontos de inflexão das alturas do escoamento. Observa-se que o aumento do
caudal ocorre mais rapidamente do que a diminuição. Nota-se a existência de uma correspondência
temporal entre os patamares de águas baixas e uma relativa constância do caudal em valor próximo
do caudal que entra a montante, e, ainda, um aumento do desfasamento temporal entre os dois
ciclos, quando a altura do escoamento diminui, e uma diminuição desse desfasamento, quando a
altura do escoamento aumenta.

Na Figura 9.10, c), ilustra-se a relação entre a altura do escoamento e o caudal que passa na
secção P13. O sentido em que o tempo decorre é indicado pelo vetor t representado na figura.
Verifica-se a existência de um ciclo histerético onde é notável a grande diferença nos caudais que
3
correspondem à altura do escoamento de 5 m, quando a altura está a descer (cerca de 4600 m /s) e

9.24
Escoamento Superficial

3
quando a altura está a subir (cerca de 800 m /s). Nota-se, ainda, que o aumento do caudal na
simulação realizada se processa de modo mais irregular do que a diminuição do caudal.

Na Figura 9.10, d), ilustra-se a dimensão das parcelas que compõem a perda de carga (9.48)
divididas pelo declive do fundo, S0. Verifica-se a grande importância que têm o próprio declive do
fundo, S0, e a parcela  h / x . Efetivamente, nesta simulação, todas as outras parcelas têm valores
muito próximos de zero, mesmo divididas por S0 = 0,0001.

Tendo por objetivo o estabelecimento de uma expressão que permita estimar explicitamente
o caudal, num trecho de canal aproximadamente prismático, podem então considerar-se
desprezáveis as duas últimas parcelas de (9.48) e admitir que

h h
Sf  S0    (9.51)
x t

com

  1  Fr 2
Fr 2

u

Admitindo, ainda, que a capacidade de transporte no trecho em apreço pode exprimir-se


como uma função monómia da altura do escoamento:

K   hb (9.52)

resulta a seguinte expressão para a estimação do caudal em regime variável:

h h h h
Q  sinal (S0     )  hb S0    (9.53)
x t x t

onde os parâmetros , ,  e b podem ser estimados pelo método do mínimo dos quadrados, por
exemplo.

Quando o regime do escoamento for quase permanente, poderá ainda admitir-se que  = 1 e
 = 0, ou seja, poderá ainda admitir-se que a perda de carga unitária é igual ao declive da superfície
livre, Sw,

Q  sinal (S w )  h b Sw (9.54)

com

h
S w  S0 
x

Na Figura 9.11 apresenta-se a comparação entre os caudais simulados e estimados pelas


equações (9.53) e (9.54) para Alcácer do Sal, secção P13.

9.25
Escoamento Superficial

Figura 9.11 – Comparação entre o caudal simulado e o caudal estimado por (9.53) e (9.54)

Verifica-se que a equação (9.53) com os parâmetros determinados pelo método do mínimo
dos quadrados permite um ajustamento ao caudal simulado que se pode considerar de muito boa
qualidade e que a equação (9.54), embora sem ter em conta as derivadas temporais, permite ainda
um ajustamento razoável. Efetivamente, excetuando-se os valores extremos do caudal simulado, o
caudal estimado por (9.54) acompanha com bastante aproximação o referido caudal. Nos valores
extremos, que ocorrem quando a altura do escoamento varia mais rapidamente, o caudal estimado
por (9.54) resulta por defeito.
As derivadas que figuram em (9.53) e em (9.54) foram calculadas de acordo com o esquema
representado na

Figura 9.4 com  = 1 e q = 0,6, ou seja:

n 1
h h13  h13
n

t t
n 1 n 1
h h13  h12 n
h13  h12
n
 0,6  0,4
x x x

e o caudal estimado é atribuído ao instante

t  n  0,6 t

A prática mais comum para estabelecer nos rios secções onde se conhece a relação de vazão
consiste em selecionar secções transversais perto da região em que se está interessado – onde o curso
de água é aproximadamente prismático, sem grandes alargamentos, com o fundo estável e não
atingidas por regolfos. Nestas condições, a não consideração dos efeitos representados pelas
derivadas representadas na equação (9.48), que corresponde a considerar a perda de carga unitária
igual ao declive do fundo do canal, Sf = S0, introduz desvios na relação de vazão que são
considerados aleatórios e permite, quando se conhecem pares de valores de altura do escoamento e
de caudal, o ajustamento de funções como a seguinte:

Q  a hb (9.55)

onde a e b são parâmetros a determinar, em geral pelo método do mínimo dos quadrados.

Quando se admite que a capacidade de transporte pode ser expressa por uma função
monómia do tipo

9.26
Escoamento Superficial

K   hb

reconhece-se que será a   S0 .

9.3.5 Simplificações das equações do escoamento. Ondas difusiva e


cinemática

As equações da continuidade e da dinâmica com as quais se modela matematicamente o


escoamento superficial, na linha do que se descreveu na secção anterior do texto, têm sido utilizadas
com alguma frequência nas aplicações hidrológicas depois de simplificadas.

Assim, quando se considera que Sf  S w , que a precipitação sobre o canal é desprezável e


que a largura da secção transversal é constante, a manipulação das referidas equações da
continuidade e da dinâmica conduz à seguinte equação:

Q Q dK Q K 2  2Q
  (9.56)
t BK dh x 2B Q x 2

que é do tipo da clássica equação da convecção - difusão em Q(x,t), e representa um modelo que
frequentemente se designa por modelo da onda difusiva.

Ao longo de linhas definidas no plano x,t por

dx Q dK
 (9.57)
dt BK dh

observa-se que

K 2  2Q
dQ  dt (9.58)
2B Q x 2

 2Q
O sinal algébrico da segunda derivada em x, , é negativo junto à ponta do hidrograma
x 2
do caudal, como, por exemplo, se observa na Figura 9.7 no perfil do caudal ao longo do canal em t
= 2 h. Assim, a equação da convecção - difusão (9.56) implica também que, ao longo da linha
(9.57) que passa na ponta do perfil, ocorra uma atenuação ou amortecimento que é proporcional ao
K2  2Q
coeficiente de difusão, , ao valor absoluto da curvatura do perfil, , e ao intervalo de
2B Q x 2
tempo considerado, t:

K 2  2Q
Q  t
2B Q x 2

Faz-se notar que Q se refere à diferença entre o caudal de ponta a jusante e o caudal de
ponta a montante, sendo portanto negativo. A atenuação ou amortecimento é o simétrico de Q.

9.27
Escoamento Superficial

Quando se considera que Sf  S0 e que a precipitação sobre o canal é desprezável, então, o


caudal pode ser considerado uma função biunívoca da área da secção transversal, Q  Q(A) .Nestas
condições será

A dA Q

t dQ t

e a equação da continuidade transforma-se em

Q dQ Q
 0 (9.59)
t dA x

que é do tipo da clássica equação da convecção em Q(x,t), e representa um modelo que


frequentemente se designa por modelo da onda cinemática.

Faz-se notar que, quando o caudal for expressável por uma função monómia da área da
secção transversal, Q  A  , então:

dQ Q
   A 1     u (9.60)
dA A

Ao longo de linhas definidas no plano x,t por

dx dQ
 (9.61)
dt dA

observa-se que

dQ  0 (9.62)

Verifica-se, assim, que o modelo da convecção não representa analiticamente a atenuação


que ocorre na ponta do perfil do caudal. No entanto, alguns procedimentos numéricos de resolução
deste modelo introduzem tal atenuação através da discretização utilizada. Este fenómeno é
designado por difusão numérica.

Um outro aspeto assinalável diz respeito ao aumento de dQ/dA com o aumento do caudal
em secções abertas. Este facto traduz-se na maior celeridade absoluta de propagação ao longo do
canal dos maiores caudais, que, por sua vez, implica que o declive da face de jusante do perfil do
caudal se vai tornando mais acentuado ao longo do tempo, enquanto o declive da face de montante
se vai tornando menos acentuado (Figura 9.12).

9.28
Escoamento Superficial

Q
t t + t

Figura 9.12 – Propagação da onda cinemática. Perfil do caudal em dois instantes separados t

As equações (9.56) e (9.59), considerando (9.27), podem ser generalizadas na seguinte


forma:

Q Q  2Q
c  h (9.63)
t x x 2

com

dQ
c 
dA

Q
h 
, onda difusiva
2BSf
 0, onda cinemática
Utilizando a simbologia definida para o método de Preissmann (

Figura 9.4), a equação da onda cinemática pode ser discretizada do seguinte modo, com  = 1 – X e
q = 1/2,

  
X Q nj 1  Q nj  (1  X) Q nj11  Q nj1   c Q n
j1  
 Q nj  Q nj11  Q nj 1 0 (9.64)
t 2 x

onde X é um fator ponderador das diferenças temporais nas secções j e j + 1. Se X = 1 a derivada


temporal é discretizada na secção j, se X = 0 a derivada temporal é discretizada na secção j + 1. A
derivada espacial é expressa como sendo a média das discretizações nos instantes n e n + 1.

Desenvolvendo todos os caudais intervenientes em (9.64) em série de Taylor em torno de


Q nj e retendo os termos até à segunda derivada, obtém-se

Q Q  2Q
c  n (9.65)
t x x 2

onde  n representa o coeficiente de difusão numérica e é definido por

9.29
Escoamento Superficial

1 
 n  c x   X  (9.66)
2 

por onde se reconhece que X deverá variar entre 0 e 0,5 para que o coeficiente de difusão numérica
seja positivo ou nulo. Se o coeficiente de difusão numérica fosse negativo, ocorreria ao longo da
propagação da onda uma ampliação em vez de uma atenuação.

Explicitando Q nj11 na equação (9.64), obtém-se

Q nj11  C 0 Q nj  C1Q nj 1  C 2 Q nj1 (9.67)

com

1
X C
C0  2
1  X   1 C
2
1
CX
C1  2
1  X   1 C
2
1  X   C
1
C2  2
1  X   C
1
2

c
C (9.68)
 x 
 
 t 

Designa-se o parâmetro C por número de Courant e deve procurar-se que o seu valor seja
aproximadamente unitário e, de qualquer modo, menor ou igual a 1.

Verifica-se que C0  C1  C 2  1 e que, para que não ocorram em algumas condições


caudais negativos na secção de saída do trecho elementar (j + 1), quando na secção de entrada (j) os
caudais forem positivos, os coeficientes Ci deverão ser não negativos. Representa-se na Figura 9.13
a região admissível neste contexto para os parâmetros C e X.

9.30
Escoamento Superficial

2,0

1,5

C(-) 1,0

0,5

0,0
0,0 0,5 1,0
X( - )

Figura 9.13 – Região admissível de C e X (a cinzento) para que Ci ≥ 0

Na Figura 9.14 apresenta-se o resultado da aplicação da equação (9.67) a um trecho de um


canal com declive acentuado, com 5000 m de comprimento e subdividido em 20 trechos
elementares. Considerou-se a celeridade c = 3,72 m/s, x = 250 m, C = 1 e vários valores de X.
Verifica-se que o tempo de percurso da ponta do hidrograma é independente de X e que a atenuação
do caudal de ponta é tanto maior quanto menor for o valor de X. O facto de se ter optado por uma
celeridade constante (e não função do caudal) provoca a manutenção da forma simétrica da onda
(em vez de adotar uma assimetria positiva, com subida rápida e descida lenta do caudal, na secção
de saída).

45
I O
40
X=0,5
35
X=0,3
30
X=0,0
Q (m /s)

25
3

20
15
10
5
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
t (h)

Figura 9.14 – Hidrogramas de caudal à entrada (I) e à saída (O) de um trecho


modelado com a equação (9.64) e C = 1

Quando se considera que a celeridade c é variável; utiliza-se frequentemente uma


discretização com  = 1 e q = 1 e com diferenças regressivas:

9.31
Escoamento Superficial

n 1 n 1
Q Q j1  Q j

x x

n 1
Q Q j1  Q j1
n

t t

n 1 n
dQ dQ

dA j dA j1
c
2

que é explícita em Q nj11 :

C 1
Q nj11  Q nj 1  Q nj1 (9.69)
1 C 1 C

onde C é o número de Courant (9.68).

9.3.6 Métodos do Muskingum e de Muskingum-Cunge

O volume de água armazenado num trecho de um curso de água, V , pode ser aproximado
por uma função do caudal que sai do trecho, O, e do caudal que entra no trecho, I, como se admite
no método utilizado para o rio Muskingum, no qual se considera

V  KO  KX(I  O) (9.70)

A expressão anterior resulta de se considerar o volume armazenado dividido em duas


parcelas que correspondem grosso modo a uma parte prismática e a uma parte em forma de cunha
(Figura 9.15). Quando o caudal que entra é igual ao caudal que sai, o volume armazenado é
aproximado por KO, com K igual ao tempo de propagação entre a secção de entrada e a secção de
saída. Quando o caudal que entra não é igual ao caudal que sai, considera-se uma parcela adicional
que é proporcional à diferença entre os dois caudais através do referido tempo de propagação e de
um fator X. Esta parcela será positiva quando I > O e negativa quando I < O. A parcela KO
corresponde ao armazenamento no prisma, e a parcela KX(I – O), ao armazenamento na cunha.

Cunha

I O
Prisma

Figura 9.15 – Volume armazenado num trecho de um curso de água


(adaptada de Henderson, 1966)

A equação (9.70) em conjunto com a seguinte discretização da equação da continuidade


(9.4):

9.32
Escoamento Superficial

V2  V1 I1  I 2 O1  O 2
  (9.71)
t 2 2

onde os índices de I e de O se referem ao instante inicial (1) e ao instante final (2) de um intervalo
de tempo t, conduz a

O 2  C0 I1  C1I 2  C 2 O1 (9.72)

com

1 t
X
C0  2K
1  X   1 t
2K
1 t
X
C1  2K
1  X   1 t
2K
1 t
1  X  
C2  2K
1  X   1 t
2K

que se designa por modelo do Muskingum.

A comparação entre (9.72) e (9.67), quando se considera que a secção de entrada é a secção
j e que a secção de saída é a secção j + 1, revela a identidade dos dois modelos numéricos quando

x
K (9.73)
c

No modelo de Muskingum-Cunge, além da equação (9.73), utiliza-se a analogia entre  h e


 n para determinar o valor de X:

1 Q 
X 1   (9.74)
2  BSf cx 

e adotam-se valores característicos ou de referência para as variáveis Q, B, Sf e c, por exemplo, os


valores associados a um caudal médio no hidrograma de entrada. Esta analogia deve utilizar-se com
prudência e tendo sempre presente que 0  X  0,5 .

Na Figura 9.16 ilustra-se o resultado que se obteve utilizando o método do Muskingum com
um só passo para aproximar o resultado da onda cinemática, com X = 0,3 (Figura 9.14).

Numa primeira análise fixou-se o valor de K em 1344 s, por leitura do intervalo de tempo
entre as pontas dos hidrogramas de entrada (I) e de saída (O). O valor de X = 0,0 obteve-se
minimizando em função de X, restringido a variar entre 0,0 e 0,5, a soma dos quadrados dos desvios
entre o hidrograma de saída estimado pela onda cinemática (O) e o hidrograma de saída estimado
pelo método do Muskingum (Figura 9.16). Na secção de saída verifica-se inicialmente a existência

9.33
Escoamento Superficial

de uma subida espúria do caudal, uma maior atenuação na ponta do hidrograma e um atraso igual
ao t utilizado, 67,2 s.

Numa segunda análise determinaram-se os valores K e X pelo método do mínimo dos


quadrados para ambos os parâmetros. Os valores obtidos coincidiram com os da primeira análise.

Em ambas as análises, o valor do número de Courant correspondente à aplicação do método


num só passo envolvendo todo o canal era C = 0,05, muito distante do valor unitário.

45
I
40
35 O (X=0,3)

30
K = 1344 s
Q (m /s)

25 X = 0,0
3

20
15
10
5
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
t (h)

Figura 9.16 – Resultados do método do Muskingum com um passo

Assim, subdividiu-se o canal num número de trechos de modo a aproximar o número de


Courant do valor unitário. Tal corresponde a aplicar o método em passos sucessivos, em cada um
dos quais, à exceção do passo inicial, o hidrograma de entrada é igual ao hidrograma de saída do
passo anterior. Para um canal de comprimento L, o número de passos a adotar pode ser estimado por
L/(c t). Como seria de esperar, o resultado é coincidente com o da onda cinemática (Figura 9.17), e
os parâmetros obtidos pelo método do mínimo dos quadrados mantêm o significado físico.
Efetivamente, os valores do parâmetro X são idênticos e o valor de K representa o tempo de
propagação em cada passo.

45
I
40
35
30
Q (m /s)

25 O (X=0,3)
3

K = 67,2 s
20 X = 0,3
15
10
5
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
t (h)

Figura 9.17 – Resultado do método do Muskingum com 20 passos

9.34
Escoamento Superficial

A equação (9.70) mostra que, quando X = 0, então o volume armazenado no trecho em


análise, tal como acontece num reservatório linear, é proporcional ao caudal que sai do trecho:

V  KO (9.75)

Admitindo que o volume armazenado pode ser aproximado por uma função do caudal,
linear ou não, esta pode ser especificada estudando o escoamento no trecho em regime permanente e
calculando para vários caudais o volume de água armazenado no trecho.

Então, a equação (9.71) pode escrever-se:

 V2 O 2   I1  I 2   V1 O1 
      (9.76)
 t 2   2   t 2 

sendo o membro do lado esquerdo da igualdade uma função do caudal saído do trecho (O), que,
conhecido o lado direito da igualdade, permite a determinação desse caudal (O2), por método
numérico ou gráfico, e portanto o avanço da solução. Designa-se este modelo por modelo
modificado de Puls.

9.3.7 Aplicabilidade dos modelos de escoamento em canais

Os modelos descritos nas secções anteriores do texto deste capítulo, em virtude das
simplificações introduzidas na sua dedução e no respetivo método de resolução, são aplicáveis em
situações específicas que dependem das características do escoamento e do domínio sobre o qual
este ocorre. No que diz respeito aos dados exigidos por cada modelo, existem também grandes
diferenças, que decorrem dessas simplificações.

Com efeito, se o escoamento sofre influências que provocam regolfos importantes para
montante, como acontece com barragens, pontes, aquedutos, contrações da secção transversal,
confluências com tributários importantes ou flutuações devidas à maré, apenas os modelos
hidráulicos completos podem reproduzi-lo, necessitando-se, então, de novos modelos que
reproduzam estas fronteiras internas ou externas.

Se o escoamento apresentar armazenamentos importantes no leito de cheias, então estes


deverão ser também explicitamente modelados.

Atenção especial deve ser dada às secções transversais e à sua eventual variabilidade.
Fenómenos de transporte sólido podem alterar significativamente as referidas secções. Por vezes
acontece também, em especial em rios meandrizados ou com grandes planícies de inundação, que a
direção do escoamento em estiagem é diferente da direção do escoamento em cheia.

Os modelos hidráulicos completos, como o de Preissmann, ou mais completos, deverão ser


utilizados quando o declive do canal for inferior a 0,0004, e

1
 g 2
T S0    30 (9.77)
 h0 

onde
T representa a duração ou tempo de base da onda de cheia,
S0, o declive do fundo do canal,
h0, a altura média do escoamento, e

9.35
Escoamento Superficial

g, a aceleração da gravidade.

Os modelos hidráulicos são os que requerem maior quantidade de dados para manterem a
coerência com a capacidade que têm de reproduzir as leis físicas em que se apoia a sua dedução.
São necessários dados para definição das várias secções transversais do escoamento, das condições
iniciais em todas essas secções e das condições de fronteira internas e externas ao longo do tempo.

Os modelos simplificados com capacidade para modelar a atenuação do caudal, como o da


onda difusiva, o da onda cinemática com difusão numérica ou o de Muskingum-Cunge, poderão ser
utilizados quando

1
 g 2
T S0    30 (9.78)
 h0 

Este tipo de modelos requer menor quantidade de dados, podendo estimar-se os seus
parâmetros a partir do declive do fundo, de uma curva de vazão e de uma secção transversal-tipo.
Essa estimativa pode ser otimizada, dispondo-se de hidrogramas do caudal na secção de entrada do
trecho em estudo e na secção de saída. Além dos dados anteriores, quando não existem fronteiras
internas que alterem significativamente as condições do escoamento, apenas é necessário conhecer a
variação do caudal na fronteira de montante.

Qualquer dos modelos descritos poderá ser utilizado quando o declive do fundo do canal for
superior a 0,002 e

T S0 u 0
 171 (9.79)
h0

onde u0 representa a velocidade média do escoamento durante a passagem da cheia, e as restantes


variáveis mantêm o significado anterior.

Os parâmetros do modelo do Muskingum podem ser determinados por ajustamento pelo


método do mínimo dos quadrados, por exemplo, a hidrogramas observados nas secções de entrada e
de saída do trecho em estudo. Como em todos os casos com essa natureza, os valores obtidos devem
ser criticados com base na física do processo subjacente e apenas extrapolados para outras situações
de cheia após análise e juízo baseado na melhor prática de engenharia.

9.4 ESCOAMENTO SOBRE UM PLANO INCLINADO

Considere-se um plano inclinado, de largura indefinida e impermeável, sobre o qual ocorre


uma precipitação com intensidade igual a p (Figura 9.18).

9.36
Escoamento Superficial

Figura 9.18 – Ilustração do plano inclinado

Admita-se que o caudal por unidade de largura, q (m2 s-1), é definido por

q   hm (9.80)

onde h representa a altura do escoamento e, quando se considere a fórmula de Manning-Strickler,

1
  K S S f2

5
m 
3

ou, quando se considere a fórmula de Chézy,

1
  C Sf2

3
m 
2

Embora o escoamento nas encostas naturais seja turbulento e muito tortuoso, para o
escoamento laminar sobre o plano inclinado, obter-se-ia


  S
2 f

m 3

onde  representa o peso volúmico da água, e , a sua viscosidade dinâmica. Verifica-se deste modo
que o expoente m, para o escoamento sobre um plano inclinado, deverá variar entre 1,5 e 3.

Então, admitindo, ainda, que a perda de carga unitária, Sf, é igual ao declive do fundo do
canal, S0, as equações da continuidade (9.23) e da dinâmica (9.24) podem escrever-se por unidade
de largura do plano inclinado:

h q
 p (9.81)
t x

9.37
Escoamento Superficial

Sf  S0 (9.82)

ou, substituindo q definido por (9.80) e (9.82),

h h
  m h m1 p (9.83)
t x

A equação (9.83) apresenta uma família de linhas características definida por

dx
  m h m1 (9.84)
dt

ao longo de cada uma das quais se observa que

dh
p (9.85)
dt

dh p
 (9.86)
dx  m h m1

Considerando que durante a duração da precipitação, de t = 0 a t = td, a respetiva


intensidade é constante, então as integrações de (9.85) e de (9.86) fornecem

h  p (t  t 0 )  h 0 (9.87)

x
 m
p
 
h  h 0m  x 0 (9.88)

e, substituindo h em (9.88),

x

p
 
pt  t 0   h 0 m  h 0m  x 0 (9.89)

onde
x0 e t0 representam um ponto do plano x,t que especifica uma linha característica,
h0, a altura do escoamento nesse ponto, e
h, a altura do escoamento ao longo dessa linha característica.

Designa-se por tempo de concentração, tc, o tempo que decorre desde o início de uma
precipitação com intensidade constante e duração indefinida, até que a linha característica que teve
início nesse instante em x = 0 atinja a secção terminal do plano, x = L. Designa-se essa linha
característica por característica-limite.

Fazendo em (9.89)

9.38
Escoamento Superficial

x0  0
t0  0
h0  0
x  L
t  tc

obtém-se

1
 L m
tc    (9.90)
  p m1 
 

ou

hL
tc  (9.91)
p

onde hL = h(L,tc) representa a altura máxima do escoamento na secção terminal do plano.

A equação anterior (9.90) mostra que o tempo de concentração para uma precipitação de
intensidade constante é tanto maior quanto maior for a rugosidade do plano (menores KS ou C),
quanto menor for o declive do plano, quanto maior for o comprimento do plano e quanto menor for
a intensidade da precipitação. Para uma dada altura do escoamento, os dois primeiros fatores
correspondem a uma menor velocidade média:

q
u   h m1 (9.92)
h

Depois da paragem da precipitação, t > td, será p = 0 e as equações (9.85) e (9.86) mostram
que, ao longo das características, a altura do escoamento permanecerá constante e, portanto, estas
passarão a ter no plano x,t uma derivada constante, de acordo com a equação (9.84).
a) b)

1,4 1,4

1,2 1,2

1,0 1,0

0,8 0,8
t' (-)

t' (-)

0,6 0,6

0,4 0,4

0,2 0,2

0,0 0,0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
x' (-) x' (-)

Figura 9.19 – Linhas características no plano x’,t’: a) precipitação com duração indefinida;
b) precipitação com duração igual a 0,6 tc.

9.39
Escoamento Superficial

Na Figura 9.19 ilustram-se algumas linhas características para duração indefinida da


precipitação (a)) e para duração da precipitação igual a 0,6 tc (b)). Na referida Figura 9.19 utilizam-
x t
se as coordenadas adimensionais x '  e t '  .
L tc

Para a precipitação com duração indefinida (Figura 9.19, a)), as linhas características que
atingem a secção terminal do plano inclinado têm a sua origem ou no eixo dos x ou no eixo dos t. As
linhas que se iniciam no eixo dos x, em t 0  0 , atingem a secção terminal do plano inclinado ao fim
de um tempo t  t c . As linhas que se iniciam no eixo dos t, em t  t 0 , atingem a secção terminal do
plano inclinado ao fim de um tempo t  t c  t 0 . Para umas e para outras é válida a equação (9.87).
Assim, enquanto durar a precipitação, t  t d , na secção terminal do plano inclinado será

h  pt , t  tc
(9.93)
h  p tc , t  tc

Após a paragem da precipitação, t  t d , como se referiu anteriormente, a altura do


escoamento ao longo de cada linha característica mantém-se constante e igual ao seu valor no
instante da paragem da precipitação. Assim, a partir desse instante, as linhas características passam
a ser retas, cada uma tangente à linha que lhe dá origem, como se ilustra na Figura 9.19, b).

Para precipitações com durações inferiores ao tempo de concentração, t d  t c , quando para


a precipitação a altura do escoamento nas linhas características que têm a sua origem no eixo dos x
e que ainda se encontram no interior do plano nesse instante, em t  t d e x  L , é h  p t d . Assim,
a altura do escoamento na secção terminal do plano inclinado só começa a diminuir depois de a
linha característica-limite atingir essa secção.

Para precipitações com durações iguais ou superiores ao tempo de concentração, t d  t c , a


diminuição da altura do escoamento na secção terminal do plano inclinado inicia-se com a paragem
da precipitação.

Na Figura 9.20 apresentam-se, para a secção terminal do plano, hidrogramas da altura do


escoamento e do caudal por unidade de largura do plano para precipitações com intensidade
constante e durações iguais a 0,6 tc, 1,0 tc e 1,4 tc. Na referida Figura 9.20 utilizam-se as ordenadas
h q t
adimensionais h '  , q'  e t '  , esta última já referida anteriormente. Como facilmente
p tc pL tc
se pode deduzir, será q'  (h ' ) m .

9.40
Escoamento Superficial

a) b)

1,2 1,2

1,0 1,0

0,8 0,8
h' (-)

q' (-)
0,6 0,6

0,4 0,4

0,2 0,2

0,0 0,0
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
t' (-) t' (-)

Figura 9.20 – Hidrogramas na secção terminal do plano para precipitações com intensidade
constante e durações de 0,6 tc, 1,0 tc e 1,4 tc: a) altura do escoamento;
b) caudal por unidade de largura.

Para a precipitação com duração igual a 0,6 tc, a altura do escoamento aumenta linearmente
ao longo do tempo enquanto dura a precipitação até ao valor máximo igual a 0,6 p t c . Depois,
mantém-se constante até ao instante t * , posterior ao tempo de concentração, em que a característica-
limite atinge a secção terminal:

 
 1  t
m
 
t  t d 1   c
*
  1  , t d  t c (9.94)
 m  t d  
  

passando depois a diminuir.

Para a precipitação com duração igual a 1,0 tc, a altura do escoamento aumenta linearmente
ao longo do tempo enquanto dura a precipitação, até ao valor máximo igual a p t c . Logo que cessa
a precipitação, a altura do escoamento começa a diminuir.

Para a precipitação com duração igual a 1,4 tc, a altura do escoamento aumenta linearmente
até ao tempo de concentração, instante em que atinge o valor máximo igual a p t c . A altura do
escoamento mantém-se nesse valor máximo até ao instante em que cessa a precipitação:

t*  t d , td  tc (9.95)

passando depois a diminuir.

A diminuição da altura do escoamento na secção terminal do plano inclinado é definida


implicitamente por

h  p t c  
m
t  td     1 , t  t * (9.96)
m p  h  

A altura do escoamento no plano inclinado, embora diminua rapidamente de início, apenas


se anula ao fim de um tempo infinito.

9.41
Escoamento Superficial

O hidrograma do caudal obtém-se do hidrograma da altura do escoamento por aplicação de


(9.80) e, com exceção da subida que é não linear, apresenta o mesmo tipo de andamento, em
particular no que diz respeito à ocorrência dos valores máximos.

O máximo caudal é atingido quando a duração da precipitação, com intensidade constante, é


pelo menos igual ao tempo de concentração, e o seu valor é

q max  p L (9.97)

Este valor poderia também ser obtido através do princípio da conservação da massa,
expresso pela equação (9.4). Efetivamente, com duração indefinida da precipitação com intensidade
constante, as alturas do escoamento no plano inclinado a partir do tempo de concentração são
constantes e, portanto, o volume de água em trânsito sobre o plano também é constante. Então,
dV
 0 e Q e  Q s . O caudal entrado por unidade de largura do plano inclinado é obviamente p L .
dt

Nessa situação de equilíbrio entre o caudal entrado e o caudal saído, o volume de água
armazenado num determinado instante sobre o plano inclinado por unidade de largura, que
evidentemente se encontra em trânsito para a secção terminal, é

m
V t c q max (9.98)
m 1

O volume de água em trânsito para a secção terminal, que se designa por detenção
superficial, em qualquer instante t anterior ou igual ao tempo de concentração é, por unidade de
largura do plano inclinado,
1
 1  t  
m
q m 
    L  1 
1 q
V  V( t )  pLt1   (9.99)
 m 1 tc       m  1 q max 
 

com q  q(t ) e t  t c .

9.5 ESCOAMENTO SUPERFICIAL PARA UM COLETOR

Considere-se um sistema impermeável constituído por um canal coletor das águas de um


plano inclinado ou de dois, um de cada lado do coletor (Figura 9.21).

a) b)

q q

Q Q
Figura 9.21 – Canal coletor das águas de um (a) ou de dois planos (b)

9.42
Escoamento Superficial

Admitindo que o caudal que se escoa em qualquer secção transversal do coletor é definível
por

Q   c A mc (9.100)

onde A representa a área da secção transversal do escoamento e c e mc são parâmetros a


determinar, e que a perda de carga unitária, Sf, é igual ao declive do fundo do canal, S0, as equações
da continuidade (9.23) e da dinâmica (9.24) podem escrever-se:

A Q
  Bp  q t (9.101)
t x

Sf  S0 (9.102)

onde p representa a intensidade da precipitação sobre o canal, em determinada secção transversal, B


representa a largura do canal nessa secção, e qt, o caudal total que alimenta lateralmente o canal,
por unidade de comprimento, e que resulta da precipitação sobre os planos.

Substituindo em (9.101) a área da secção transversal, A, que se obtém de (9.100), resulta

Q Q
c  cBp  q t  (9.103)
t x

com

1 mc 1
dQ
c   cmc m c Q mc
(9.104)
dA

As linhas características no plano x,t são definidas por

dx  c dt (9.105)

e, ao longo destas, será

dQ  Bp  q t  dx  c Bp  q t  dt (9.106)

Bp  q t
dA  dx  Bp  q t  dt (9.107)
c

Faz-se notar que sendo a velocidade média do escoamento, V, definida por

Q
V   c A mc 1 (9.108)
A

então, será também

c  mc V (9.109)

9.43
Escoamento Superficial

o que indica que a celeridade das características, ou a velocidade de propagação de acréscimos no


caudal ou na área da secção transversal, é maior do que a velocidade média do escoamento e tanto
maior quanto maior for o expoente mc

A integração de (9.106), admitindo que a intensidade de precipitação é constante e


uniformemente distribuída sobre os planos e sobre o canal coletor e considerando a linha
característica que tem origem no início do canal no instante em que a alimentação do canal passa a
ocorrer em regime permanente, ou seja, ao fim do maior dos tempos de concentração dos planos que
o canal drena,

Qmax 1 t c ( P C)
0 c
dQ  
t c ( P)
(Bp  q t )dt (9.110)

conduz a

1
 1
  mc
t  t c (P  C)  t c (P)  c mc
Q max (9.111)
Bp  q t

onde
t c (P  C) representa o tempo de concentração do conjunto plano ou planos e coletor,
t c (P) , o tempo de concentração do plano ou o maior dos tempos de concentração dos
planos,
t  , o acréscimo no tempo de concentração devido ao canal coletor, e
Q max , o caudal máximo que nas condições admitidas escoa na secção terminal do canal
coletor.

O princípio da conservação da massa indica que o caudal máximo que, nas condições
admitidas, escoa na secção terminal do canal coletor é igual ao produto da intensidade da
precipitação pela área total do sistema em planta:

Q max  pAt  p B L c  A P  (9.112)

onde At representa a área total do sistema, Lc representa o comprimento do coletor, e AP, a área dos
planos que para ele drenam diretamente.

Qd

Q0 QL

Lc

Figura 9.22 – Canal coletor entre confluências de uma rede

A equação (9.111) pode ser generalizada para um canal coletor entre confluências de uma
rede de coletores (Figura 9.22), a partir do instante em que toda a alimentação, Q 0 e Qd, passa a
ocorrer em regime permanente, do seguinte modo:

9.44
Escoamento Superficial

1

 1 1 
 L  mc
 mc mc 
t  c c  QL  Q0  (9.113)
Qd  
 

onde
+
t , representa o acréscimo de tempo de concentração devido ao coletor,
Q0, o caudal concentrado que entra na secção de montante do coletor,
QL, o caudal concentrado máximo que sai na secção de jusante do coletor,
Qd = QL – Q0, o caudal total distribuído uniformemente ao longo do coletor, e
Lc, o comprimento do coletor.

Faz-se notar que

1 1
1
1 mc 1
mc mc
QL  Q0
lim  Q (9.114)
Q d 0 QL  Q0 mc 0

e que (9.113) pode também escrever-se do seguinte modo:

AL  A0
t   Lc (9.115)
Qd

onde A0 e AL representam as áreas das secções transversais do escoamento nos extremos do coletor.

Na Figura 9.23 apresentam-se os hidrogramas de caudal que se obtiveram para a secção


final de um canal coletor drenando um plano (Figura 9.21,a)) e drenando dois planos (Figura
9.21,b)). Os três hidrogramas representados correspondem aos seguintes casos:
a1 – canal coletor drenando um plano sobre o qual a intensidade da precipitação é 100
mm/h;
a2 – canal coletor drenando um plano sobre o qual a intensidade de precipitação é 200
mm/h;
b1 – canal coletor drenando dois planos sobre os quais a intensidade de precipitação é 100
mm/h.

9.45
Escoamento Superficial

0,006

0,005

0,004
Caudal (m /s)
3

0,003

0,002

0,001

0
0 100 200 300 400 500 600
t (s)

a1 a2 b1

Figura 9.23 – Caudal na secção final do coletor

A precipitação uniformemente distribuída no espaço e no tempo tem a duração td = 300 s.


2 1/3 -1
Os planos têm em planta a dimensão de 10  10 m ,  = 1,936 m s , m = 1,667. Os coeficientes
1/3 -1
 e m dos planos correspondem a um coeficiente de Strickler de 50 m s e a um declive de
0,0015. O canal coletor é semicircular, com um diâmetro de 0,2 m, que corresponde à largura do
0,172 -1
topo, B = 0,2 m, tem um comprimento Lc = 10 m e c = 2,333 m s e mc = 1,414. Os
coeficientes c e mc do coletor, determinados pelo método do mínimo dos quadrados, correspondem
1/3 -1
a um coeficiente de Strickler de 60 m s e a um declive do fundo de 0,001. Nos cálculos utilizou-
se a discretização com diferenças regressivas, = 1 e q= 1, que se descreveu para a obtenção de
(9.69):

Q nj11 
1  c n 1 1 n

c  x
 
Q j  Q j1  c Bp  q t 
t
 (9.116)
1
 
t x

com x = 1 m e t = 10 s, e

f jn 1  f jn1
f
2

Embora o processo de cálculo introduza numericamente uma certa difusão, o resultado é


muito semelhante ao que se obteria analiticamente e permite realçar alguns aspetos relevantes.
Efetivamente, em qualquer dos hidrogramas, a subida do caudal tem a forma de um S italicizado até
ao valor máximo, que se mantém constante até terminar a precipitação. O instante em que se atinge

9.46
Escoamento Superficial

o caudal máximo corresponde ao tempo de concentração do sistema na secção final do coletor. A


partir do fim da precipitação, que dura mais do que o tempo de concentração, o caudal diminui, de
início rapidamente e depois mais lentamente. Note-se que a alimentação distribuída ao longo do
coletor continua depois da paragem da precipitação. Efetivamente, a água que se encontra sobre o
plano ou planos no fim da precipitação, água em trânsito para o coletor, não se esgota
imediatamente quando para a precipitação e continua o seu percurso para o coletor, cada vez mais
lentamente, até secagem completa. Teoricamente, como se viu, o esgotamento completo levaria um
tempo infinito. O mesmo ocorre no coletor.

A difusão numérica conduz a arredondamentos no andamento dos hidrogramas junto ao


patamar e atrasa os tempos de concentração. Efetivamente, para os casos a1, a2 e b1, os tempos de
concentração analíticos ((9.90) + (9.111)) são respetivamente 209 s, 160 s e 203 s, ligeiramente
inferiores aos que se obtêm numericamente e se podem ler na Figura 9.23. Os caudais máximos são,
no entanto, os que a teoria indica (9.112), na mesma ordem, 2,83 l/s, 5,67 l/s e 5,61 l/s.

Os tempos de concentração nos casos a1 e b1 são muito semelhantes, porque nos planos são
idênticos, e no coletor, bastante aproximados. No caso a1, o acréscimo de tempo de concentração
+ +
(t = 31 s) é apenas ligeiramente superior ao acréscimo que ocorre no caso b1 (t = 25 s). Já no que
diz respeito ao caudal máximo, embora a intensidade de precipitação seja a mesma (p = 100 mm/h),
2
a área na qual ocorre é, no caso b1 (202 m ), quase o dobro da área na qual ocorre no caso a1
2
(102 m ).

No caso a2, com o dobro da intensidade de precipitação (p = 200 mm/h), o tempo de


concentração no plano (tc = 135 s) é muito inferior ao dos casos anteriores (tc = 178 s) e, embora o
acréscimo no coletor seja praticamente igual ao do caso b1, o tempo de concentração no sistema é
inferior ao dos outros casos. O caudal máximo no caso a2 é ligeiramente superior ao do caso b1,
2
porque a precipitação é dupla da do caso b1, e a área na qual ocorre (102 m ) é ligeiramente
superior a metade da área na qual ocorre no caso b1.

A detenção superficial, volume de água que se encontra em trânsito à superfície do sistema


para a secção final do coletor, pode ser calculada pelo integral da diferença entre a água entrada no
sistema e a água saída do sistema até esse instante:

pAt  Q(L c , ) d


t
V( t )   (9.117)
0

Nos casos analisados, a detenção superficial até à paragem da precipitação diminui na


seguinte ordem: b1, a2 e a1, como se reconhece pelas áreas que na Figura 9.23 são limitadas
superiormente pela linha do caudal máximo no coletor (Q = pAt), à direita, pelo instante td = 300 s
em que cessa a precipitação, inferiormente, pela linha que representa a subida do caudal, e, à
esquerda, pelo eixo do caudal.

Após a paragem da precipitação, a descida do hidrograma é inicialmente tanto mais rápida,


dQ
maior, quanto mais rápida é a subida.
dt

9.47
Escoamento Superficial

9.6 ESCOAMENTO SUPERFICIAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

O desenvolvimento dos sistemas de informação geográfica, a disponibilidade crescente de


modelos digitais do terreno e de dados de precipitação com grande resolução espacial, como a que se
obtém de radares meteorológicos, têm conduzido à utilização crescente de modelos hidrológicos
distribuídos de escoamento superficial. Acompanhando os modelos digitais do terreno, estes
modelos hidrológicos podem basear-se em discretizações da superfície da bacia hidrográfica em
elementos regulares (malhas quadrangulares regulares) ou em elementos irregulares (malhas
triangulares irregulares). Os modelos que se descrevem nesta secção são baseados em malhas
quadrangulares regulares. Na Figura 9.24 ilustra-se com uma representação em perspetiva cada
uma das discretizações referidas.

a) b)

Figure 1. Restricted to the boundary Delaunay model. Perspective.

Figura 9.24 – Representações discretas da bacia hidrográfica:


a) malha quadrangular regular, b) malha triangular irregular
(adaptada de Hipólito e Portela, 1995)

Considere-se uma malha regular de elementos quadrangulares horizontais, com lados iguais
a L, sobreposta à planta da bacia hidrográfica. O domínio do escoamento é representado por todos
os elementos da malha cujo centro esteja dentro dos limites da bacia hidrográfica. Ao centro de cada
elemento i é atribuída a cota do ponto homólogo da bacia hidrográfica, zi.

Na Figura 9.25 apresenta-se a célula de 9 elementos que se utiliza nos cálculos e que é
constituída pelo elemento central, de índice i, e pelos seus 8 vizinhos, de índice genérico j. A seta
representa a direção do escoamento proveniente do elemento central.

Figura 9.25 – Célula de cálculo em torno do elemento i e sentido do escoamento proveniente do


elemento central

Na Figura 9.26 apresentam-se os sentidos que o escoamento toma quando se consideram


apenas os declives do terreno. A legenda indica que o sentido 1, pintado a vermelho, corresponde a

9.48
Escoamento Superficial

um escoamento do centro do elemento central, designado por 0 e representado no mapa com essa
cor, para o centro do elemento vizinho, designado por 1; ou seja, escoamento para SW. O sentido 2,
pintado a verde-escuro, corresponde a um escoamento do centro do elemento central, designado por
0 e representado no mapa com essa cor, para o centro do elemento vizinho, designado por 2, ou seja,
escoamento para S; e assim, sucessivamente. A amarelo no mapa figuram os elementos que não
drenam para nenhum dos seus vizinhos, por estarem a uma cota inferior à destes. Designam-se tais
elementos por elementos de acumulação e correspondem ao fundo das depressões do terreno.

Figura 9.26 – Sentidos do escoamento superficial numa bacia hidrográfica

A modelação baseia-se no princípio da conservação da massa expresso pela equação (9.4) e


na utilização de relações de vazão do tipo:

Qij  K i d ij h i5 / 3 S1fij/ 2 (9.118)

onde

Q ij representa o caudal escoado do elemento i para o elemento j,


K i , o coeficiente de Manning-Strickler para o elemento i,
d ij , a distância entre os centros dos elementos i e j (L ou 2 L ),
h i , a altura média de água no elemento i, e
Sfij , a perda de carga unitária entre os elementos i e j.

9.49
Escoamento Superficial

Admite-se, ainda, que cada elemento só drena para um dos seus vizinhos, o vizinho com o
qual a perda de carga unitária é máxima. Quando se considera um modelo do tipo da onda
cinemática, admite-se que a perda de carga unitária é igual ao declive do fundo do canal, Sfij  S0ij .
Quando se considera um modelo do tipo da onda difusiva, admite-se que a perda de carga unitária é
igual ao declive da superfície livre, Sfij  S wij . Será, no caso da onda cinemática:

zi  z j
Sfij  (9.119)
d ij

e no caso da onda difusiva:

z i  h i   z j  h j 
Sfij  (9.120)
d ij

Faz-se notar que no modelo do tipo da onda cinemática o sentido do escoamento é o mesmo
desde o início até ao final dos cálculos de simulação do escoamento. No modelo do tipo da onda
difusiva, dado que as alturas do escoamento em cada elemento vão variando ao longo do tempo, é
necessário recalcular os sentidos do escoamento em cada passo temporal de cálculo.

Tendo como objetivo a aplicação da equação (9.4) a cada elemento i, pode escrever-se:

dVi
 Q ei  Q si (9.121)
dt

com

Vi  A e h i (9.122)

Q ei  A e p i   Q ji (9.123)
j

Qsi  Qik (9.124)

onde o somatório da equação (9.123) se estende a todos os vizinhos do elemento i que para ele
drenam, e

Vi representa o volume armazenado no elemento i,


2
A e , a área do elemento i (L ),
Qei, o caudal que entra no elemento i,
Qsi, o caudal que sai do elemento i, e
pi, a precipitação sobre o elemento i.

Para a aplicação numérica adotou-se um esquema de discretização em torno de um ponto ,


que se ilustra na Figura 9.27.

9.50
Escoamento Superficial

f
n + 11 N+1
fi n

fiq
N
fin

n t (n + t t
1)
(n + q) t
Figura 9.27 – Ilustração para o esquema de discretização numérica
(adaptada de Hipólito e Simões, 2002)

Considere-se uma função fi(t) definida no elemento i e considere-se que

f in  f i (n t ) (9.125)

f iq  f i n  qt  (9.126)

onde 0  q  1.

Então, poder-se-á escrever que, com aproximação,

df i
f iq  f in  q t (9.127)
dt n

df i f in 1  f in f i
  (9.128)
dt q t t


e, para uma função g ij h i ( t ), h j ( t ) , 
g ij g ij
g ijq  g ijn  q h i  q h j (9.129)
h i n
h j n

Considerando o atrás exposto, para cada elemento i do interior da bacia hidrográfica dever-
se-á verificar a seguinte equação:

dVi
 A e p iq   Q qji  Q ik
q
(9.130)
dt q j

onde

9.51
Escoamento Superficial

i representa o índice do elemento central,


j, o índice de um vizinho que drena para o elemento i, e
k, o índice do vizinho para onde drena o elemento central.

Quando se utilizar a onda cinemática será, com aproximação,

 Ae dQ ik   dQ 
  q  h i    q ji  h j   A e p iq   Q nji  Q ik
n
(9.131)
 t   
 dh i n j  dh j n  j

com

n
dQ ij 5 Q ij
 (9.132)
dh i n
3 h in

sendo a derivada (9.132) considerada nula quando o caudal for nulo.

Quando se utilizar a onda difusiva será, também com aproximação,

A Q  Q ji   Q 
 q    h i   q ji  h j   q Q ik h 
 e  q ik
 t h i     h j  k
n j  h i n  j  n 
h k n
(9.133)
 A e p iq  Q nji  Q ik
n

com

Q ij  
5 11 1
 Q ijn    (9.134)
h i  3 h n 2 (z  h n )  (z  h n ) 
n  i i i j j 

Q ij  1 1 
 Q ijn   (9.135)
h j  2 (z i  h in )  (z j  h nj ) 
n  

sendo as derivadas (9.134) e (9.135) consideradas nulas quando o caudal for nulo.

No elemento que representa a secção de referência, quando não exista outro elemento a
jusante, é necessário definir uma relação de vazão que seja função da altura média de detenção
nesse elemento. Pode adotar-se uma relação do tipo (9.118) com perda de carga unitária fixada de
modo a que haja concordância com uma eventual curva de vazão nessa secção.

A aplicação da equação (9.130), a todos os elementos do domínio da bacia hidrográfica


resulta num sistema de equações lineares em  h i , com matriz dos coeficientes muito esparsa (em
cada linha há no máximo 9 coeficientes não nulos), que pode ser resolvido como se indica em Key
(1973).

Será

9.52
Escoamento Superficial

n 1 n
hi  h i  h i (9.136)

e o caudal em cada elemento, no fim do passo de cálculo, obtém-se substituindo em (9.118) h i por
n 1
hi .

O modelo cinemático representado pela equação (9.131), quando S0ij  0 , necessita de


adequação artificial do modelo digital das elevações do terreno na vizinhança dos elementos i e j, de
modo a tornar S0ij  0 .

Neste modelo, as secções transversais ao escoamento não são totalmente preenchidas (Figura
9.28), ocorrendo escoamento na direção de maior declive do fundo, mesmo que a altura de água a
jusante seja muito maior do que a montante.

No que diz respeito a áreas inundadas e volumes de água armazenada à superfície da bacia
hidrográfica, o modelo cinemático com a adequação artificial do modelo digital das elevações
apresenta reduzidas áreas com alturas significativas de água, ou seja, reduzidas áreas inundadas e,
consequentemente, reduzido volume armazenado. Pelo contrário, no modelo difusivo é necessário
que as depressões do terreno estejam preenchidas por água para que o escoamento prossiga para
jusante. Este facto e a natureza da topografia do terreno podem conduzir à inundação de vastas áreas
e ao atraso da descida da água para jusante. Assim, o tempo de concentração do escoamento na
secção de referência é maior no modelo difusivo do que no modelo cinemático.

Em resultado de precipitações com intensidade constante, o hidrograma do caudal na secção


de referência de bacias hidrográficas com depressões pode apresentar patamares de valor constante
no modelo difusivo enquanto as depressões enchem. Nessa situação, a solução do modelo difusivo
tem tendência a oscilar, obrigando por esse motivo à utilização de um intervalo de tempo de cálculo
pequeno.

a) b)

Figura 9.28 – Preenchimento das secções transversais:


a) modelo cinemático, b) modelo difusivo
(adaptada de Hipólito e Simões, 2002)

Na Figura 9.29 apresentam-se os hidrogramas dos dois modelos com o caudal


adimensionalizado por divisão pela área da bacia, A, e pela intensidade da precipitação, p. Faz-se
notar que no modelo difusivo, ao fim de 100 h, ainda não tinha sido atingido o caudal de equilíbrio,

9.53
Escoamento Superficial

por haver depressões do terreno ainda em fase de enchimento. Estas depressões, enquanto não
transbordam, bloqueiam o escoamento proveniente da área de bacia que para elas drena.

a) b)

Figura 9.29 – Hidrogramas na secção de referência em resultado de precipitação com intensidade


constante: a) modelo cinemático, b) modelo difusivo
(adaptada de Hipólito e Simões, 2002)

9.7 MEDIÇÃO DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL

9.7.1 Introdução

Em recursos hídricos designa-se o volume de água que atravessa determinada secção


transversal de um curso de água num dado intervalo de tempo por escoamento nessa secção durante
o referido intervalo de tempo. Assim, o volume de água que se escoa num dia, num mês ou num ano
em determinada secção refere-se respetivamente por escoamento diário, escoamento mensal ou
escoamento anual. Frequentemente, o volume de água é dividido pela área da bacia hidrográfica
donde provém, passando a exprimir-se como uma altura de água uniformemente distribuída na
bacia. Deste modo, pode comparar-se ou relacionar-se com outras grandezas, como a precipitação
ou a evaporação no mesmo intervalo de tempo, que também se exprimam em altura.

Designa-se por caudal médio em determinado intervalo de tempo o resultado da divisão do


escoamento expresso em volume pelo intervalo de tempo durante o qual ocorreu, obtendo-se em
correspondência com o escoamento diário, mensal ou anual o caudal médio diário, mensal ou anual.

O escoamento superficial em determinado intervalo de tempo, H, é formalmente definido


pelo integral do caudal, Q, ao longo desse intervalo de tempo, t,

9.54
Escoamento Superficial

H   Qt  dt (9.137)
t

e o caudal pelo integral ao longo da área da secção transversal ocupada pela água, A, da
componente da velocidade do escoamento que lhe é normal:
 
Q   V  dA (9.138)
A

A medição do caudal em cursos de água com discretização adequada ao longo do tempo


pode ser impraticável. Tradicionalmente, estabelecem-se entre o caudal e a altura da superfície livre
a partir de determinada cota de referência relações matemáticas, que se designam por curvas de
vazão e que permitem a determinação dos caudais a partir dessas alturas, cujo registo contínuo é
mais acessível.

Nas secções seguintes do texto descrevem-se métodos utilizáveis para a medição do caudal,
para o registo da altura hidrométrica, para o estabelecimento de curvas de vazão e para o cálculo do
escoamento a partir destes elementos.

9.7.2 Medição do caudal

Como mostra a equação (9.138), para se conhecer o caudal e o escoamento é formalmente


necessário conhecer a distribuição da velocidade do escoamento ao longo da secção transversal.

A título de exemplo, apresenta-se na Figura 9.30 a distribuição da velocidade do escoamento


numa secção transversal de um rio. O valor das isotáquias foi adimensionalizado por divisão da
velocidade em cada linha pela velocidade média do escoamento. Ilustra-se a diminuição da
velocidade da zona central da secção para as fronteiras sólidas e, ainda, o facto conhecido de que a
velocidade máxima ocorre numa zona central da secção, mas um pouco abaixo da superfície livre.

1,55 0,50 0,25

1,50 V
1,00 V
1,25

Figura 9.30 – Ilustração da distribuição de velocidades na secção transversal de um curso de água

A referida equação (9.138) pode ser discretizada, para cálculo numérico, do seguinte modo:

Q   Vij A ij (9.139)

9.55
Escoamento Superficial

onde Vij representa a componente da velocidade normal ao elemento de área A ij , e o somatório


estende-se a todos os nós da grelha no interior da secção molhada (Figura 9.31).

Figura 9.31 – Grelha para o cálculo numérico do caudal

A medição da velocidade do escoamento em todos os pontos da grelha pode ser um processo


moroso, durante o qual se alteram de um modo geral as condições do escoamento no curso de água.
O processo de medição das velocidades pode ser acelerado quando se admitem condições de
aproximação à velocidade média ao longo de linhas verticais da secção transversal. Efetivamente,
admitindo que, ao longo de cada vertical, a distribuição das velocidades segue uma lei logarítmica
do tipo da referida em (6.15), então, o cálculo da velocidade média na vertical pode ser feito como
se indica na Figura 9.32, onde se representa a distribuição da velocidade ao longo de uma vertical, i,
da secção transversal. Na referida figura, yi representa a profundidade na vertical i, e Vf representa a
velocidade à distância f yi da superfície livre. Como se indica, a média das velocidades ao longo da
vertical pode ser estimada como sendo 85 a 90 por cento da velocidade medida à superfície ou como
sendo igual à velocidade medida a 60 por cento da profundidade ou como sendo a média das
velocidades medidas a 20 e a 80 por cento da profundidade ou, ainda, como sendo uma média
ponderada das velocidades medidas a 20, a 60 e a 80 por cento da profundidade (USGS, 1982).

9.56
Escoamento Superficial

f yi
Vf V i  (0,85 a 0,90) V0
V i  V0,6
yi
V i  0,5 ( V0,2  V0,8 )
V i  0,25(V0,2  2V0,6  V0,8 )

V
Figura 9.32 – Ilustração do cálculo da velocidade média numa vertical

Na Figura 9.33 apresenta-se a razão  obtida analiticamente entre a velocidade média na


vertical, Vi , e a velocidade medida à superfície nessa vertical, V0, em função do quociente entre a
profundidade na vertical, yi, e o comprimento de rugosidade, z0. Verifica-se que, para pequenas
profundidades, o valor de  poderá ser muito inferior a 0,85 e que, para grandes profundidades, o
valor de  tende para 1.

Na Figura 9.34 apresenta-se o erro relativo calculado entre a velocidade média estimada por
medição superficial da velocidade (= 0,85) por utilização de um ponto de medição (f = 0,6) e por
utilização de dois pontos de medição (f = 0,2 e f = 0,8) e a velocidade média obtida analiticamente.
Verifica-se que qualquer dos métodos pode apresentar erros elevados com pequenas alturas de água
– por excesso, quando a velocidade é medida à superfície, e por defeito, quando a velocidade é
medida num ponto ou em dois pontos abaixo da superfície. Verifica-se, ainda, que a estimativa da
velocidade média do perfil logarítmico feita por um ponto ou por dois pontos, à profundidade
indicada, é idêntica. No entanto, como o perfil da velocidade num curso de água pode afastar-se do
perfil logarítmico, é preferível a utilização dos métodos com dois pontos ou mesmo com três pontos,
quando a altura for elevada.

9.57
Escoamento Superficial

1,0

0,9

0,8

0,7

0,6
 (-)

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0,0
1 10 100 1000 10000

yi/z0 (-)

Figura 9.33 – Razão  entre a velocidade média na vertical e a velocidade medida à superfície em
função do quociente entre a profundidade na vertical e o comprimento de rugosidade

250

200

150

100
Erro relativo (%)

50
Superfície
(=0,85)
(a=0,85)
0 2 pontos

-50 1 ponto

-100

-150

-200

-250
1 10 100 1000 10000

yi/z0 (-)
Figura 9.34 – Erro relativo entre a velocidade média estimada por cada um dos métodos e a
velocidade média do perfil logarítmico

Admitindo que a vertical i se encontra à distância bi de uma referência na margem do curso


de água (Figura 9.35), então o caudal que atravessa a secção transversal poderá na prática ser
calculado por um dos seguintes métodos:

Vi y i  Vi1 y i1
Q   b i  b i1  (9.140)
2

ou

9.58
Escoamento Superficial

y i1  y i V i1  V i
Q   (b i1  b i ) (9.141)
2 2

ou

b i1  b i1
Q   Vi y i (9.142)
2

com preferência para o primeiro (Hipólito e Loureiro, 1988).

bi

b0

yi

Figura 9.35 – Ilustração de variáveis para o cálculo do caudal

Os somatórios anteriores estendem-se de uma a outra margem e devem compreender um


número de verticais da ordem de 25 a 30, quando a largura superficial for elevada, para que entre
cada duas verticais sucessivas não se escoe mais do que cerca de 5 por cento do caudal total e, em
caso algum, mais do que 10 por cento do caudal.

Tradicionalmente, a medição da velocidade em cada ponto da secção transversal do


escoamento é feita com recurso a molinetes hidráulicos como os que se apresentam na Figura 9.36.
Mais recentemente, têm tido grande desenvolvimento molinetes eletromagnéticos (Figura 9.37),
com recurso ao princípio da indução de Faraday, e acústicos, com recurso ao efeito de Doppler. Os
molinetes eletromagnéticos, sem partes móveis e de menores dimensões, têm sido utilizados em
águas pouco profundas e pouco límpidas ou com vegetação, com ou sem inversão do escoamento,
como sucede nos rios sujeitos ao efeito da maré. Nestes casos e em estuários têm sido também
utilizados com sucesso os medidores acústicos, que têm a capacidade para levantar numa dada
direção o perfil completo da velocidade do escoamento, à exceção das zonas superficiais e junto ao
fundo do canal.

9.59
Escoamento Superficial

Figura 9.36 – Molinetes hidráulicos: a) molinete de eixo vertical do tipo Price, com cabo de
suspensão, leme direcional e contrapeso; b) molinetes de eixo horizontal do tipo Ott.

Figura 9.37 – Medição a vau com molinete eletromagnético (OTT)

Quando a altura do escoamento é pequena, as medições podem ser feitas a vau, com o
molinete suportado numa haste rígida apoiada no fundo do curso de água. Quando a altura do
escoamento é mais elevada, as medições são feitas com o molinete suspenso de um cabo, a partir de
uma embarcação ou de uma ponte ou viaduto, ou, ainda, com o molinete suspenso de um teleférico.
Se a corrente for forte, para que o equipamento de medição não seja arrastado muito para jusante, é
usual utilizar-se um contrapeso com forma hidrodinâmica de reduzido atrito (Figura 9.36, a);
Figura 9.38).

9.60
Escoamento Superficial

f = 0,0 C
B

0,2

yi

0,6

0,8

1,0 D

Figura 9.38 – Disposição do cabo de suspensão por ação da corrente

Nessa situação de arrastamento para jusante do cabo de suspensão, o erro em considerar-se


que a profundidade na vertical é AD  AB pode ser importante. Assim, designando por qf o ângulo
que o cabo faz com a vertical junto ao ponto de suspensão (A) ou na intersecção com a superfície da
água (C), quando o molinete está à profundidade f y i , pode estimar-se a profundidade na vertical i,
yi, por

 ΑΒ 
y i   ΑD 

1  1,0  (9.143)
 cos(θ1,0 ) 

onde 1,0 é um fator de correção, cujo complemento para um projeta na direção vertical o
comprimento imerso do cabo e se apresenta na Figura 9.39, em função de q1,0.

No estabelecimento da equação (9.143) considerou-se desprezável o efeito do vento, o peso


próprio do cabo de suspensão e a força exercida pela água no equipamento suspenso. Considerou-se
ainda um valor elevado para a relação y i / z 0 e que a distribuição de velocidades na vertical segue
a lei do tipo logarítmico já referida (6.15). Estas condições foram também admitidas para o cálculo
dos gráficos que se apresentam na Figura 9.39.

9.61
Escoamento Superficial

12 40
11
35
10
9 1,0 30
q0,8
8 q0,6
25
7
0,8
 (%)

q (º)
6 20
5 0,6 15
4
3 10 q0,2
2
5
1 0,2

0 0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
q1,0 (º) q1,0 (º)

Figura 9.39 – Fator de correção a utilizar no cálculo da profundidade e ângulos no ar do cabo de


suspensão com a vertical, em função desse ângulo com o contrapeso no fundo

O comprimento de cabo, Lf, desde o ponto de suspensão (A) até ao molinete hidráulico,
quando se pretende que este fique à profundidade f yi, é aproximadamente dado por

AB f yi
Lf   (9.144)
cos(q f ) 1   f

Faz-se notar também que a força total no cabo, F, quando o peso do equipamento for G, é
determinável por

G
F (9.145)
cos(q f )

Em canais de pequena dimensão, como os que se utilizam na rega e drenagem de campos


agrícolas, ou em pequenos cursos de água, o caudal mede-se com alguma frequência com recurso a
descarregadores de parede delgada, retangulares e triangulares, como os que se ilustram na Figura
9.40.

b) c) 1 a 2 mm
a) b

≥ 45º
h q h

p
p

B B
Figura 9.40 – Descarregadores de parede delgada: a) descarregador retangular; b) descarregador
triangular; c) corte normal às arestas do entalhe.

A equação de vazão de um descarregador retangular de parede delgada, em funcionamento


livre, com o arejamento da veia líquida garantido em todo o contorno, segundo Kindsvater e Carter
(ISO, 2008), é

3
2g b  k b h  k h  2
2
QC (9.146)
3

9.62
Escoamento Superficial

onde
3
Q representa o caudal que atravessa em regime permanente o descarregador (m /s),
C, o coeficente de vazão do descarregador (-),
2
g, a aceleração da gravidade (m/s ),
b, a largura do entalhe retangular (m),
h, a carga sobre a crista do descarregador (m), e
kb (m) e kh (m), parâmetros para compensação de efeitos da viscosidade e da tensão
superficial.

Designam-se os fatores b + kb e h + kh por largura efetiva e por carga efetiva,


respetivamente.

O coeficiente de vazão, C, que é uma função de b/B e de h/p, onde B é a largura do canal
retangular a montante do descarregador, e p é a altura da parede delgada desde o fundo do canal até
à base do entalhe, é definido por

b b h
C  a   a '   (9.147)
 B  B p

onde a e a ' são funções de b/B determinadas experimentalmente, como aliás o próprio coeficiente de
vazão, C. No Quadro 9.2 apresentam-se os valores de a e a ' .

Quadro 9.2 – Valores de a e de a ' em função de b/B

b/B (-) a (-) a ' (-)

1,0 0,602 0,075

0,9 0,598 0,064

0,8 0,596 0,045

0,7 0,594 0,030

0,6 0,593 0,018

0,5 0,592 0,010

0,4 0,591 0,005 8

0,2 0,589 -0,001 8

0,0 0,587 -0,002 3

Para valores de b/B diferentes dos apresentados no Quadro 9.2 determinam-se os


correspondentes valores de a e de a ' por interpolação. Alternativamente, podem ser utilizadas as
seguintes expressões polinomiais, que resultaram de ajustamento aos valores do referido Quadro
9.2:

4 3 2
b b b b
a  0,0367    0,0507    0,0218    0,0072    0,587 (9.148)
 B  B  B  B

9.63
Escoamento Superficial

4 3 2
b b b b
a '  0,2252    0,4608    0,18888    0,03196    0,0026 (9.149)
 B  B  B  B

No Quadro 9.3 apresentam-se os valores de kb em função de b/B (ISO, 2008).

Quadro 9.3 – Valores de kb em função de b/B

b/B (-) kb (mm)

1,0 -0,9

0,8 4,2

0,6 3,6

0,4 2,7

0,2 2,4

0,0 2,4

Para valores de b/B diferentes dos apresentados no Quadro 9.3, determinam-se os


correspondentes valores de kb por interpolação. Alternativamente, pode ser utilizada a seguinte
expressão polinomial que resultou de ajustamento aos valores do referido Quadro 9.3:
5 4 3
b b b
k b  85,938    140,63    76,563   
 B  B  B
(9.150)
2
b b
 20,625    2,05    2,4
 B  B

de onde resulta kb em mm.

De acordo com os resultados experimentais, kh tem o valor constante de 0,001 m.

Na Figura 9.41 ilustram-se graficamente os valores do coeficiente de vazão, C, e da parcela


kb para a largura efetiva num descarregador retangular de parede delgada.

0,80 5,0

4,0
0,75
b/B=0,0
b/B=0,2 3,0
b/B=0,4
0,70
kb (mm)

b/B=0,5
C (-)

b/B=0,6 2,0
b/B=0,7
0,65
b/B=0,8
1,0
b/B=0,9
b/B=1,0
0,60 0,0

0,55 -1,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

h/p (-) b/B (-)

Figura 9.41 – Coeficiente de vazão e parcela kb num descarregador retangular de parede delgada

9.64
Escoamento Superficial

A equação de vazão de um descarregador triangular de parede delgada, em funcionamento


livre, com o arejamento da veia líquida garantido em todo o contorno, segundo Kindsvater e Shen
(ISO, 2008), é

8 q 5
QC tg  2g h  k h  2 (9.151)
15  2 

onde as variáveis comuns têm o significado já referido para o descarregador retangular, e q é o


ângulo que os lados do triângulo fazem entre si (Figura 9.40, b)).

O coeficiente de vazão, C, que de um modo geral seria uma função de h/p, p/B e q, é
também apresentado, muitas vezes graficamente, apenas em função de q para 20º ≤ q ≤ 100º. Os
valores correspondentes de kh são também apresentados na mesma forma. Aos valores lidos nessas
representações gráficas ajustaram-se as seguintes funções polinomiais:

C  2,0833x10 8 q3  10 5 q 2  1,0917x10 3 q  0,611 (9.152)

k h  4,1667x10 6 q3  1,1964x10 3 q 2  1,1940x10 1 q  4,84 (9.153)

onde kh resulta em mm.

Na Figura 9.42 apresentam-se os valores de C e de kh em função de q, com a recurso às


expressões (9.152) e (9.153).

0,594 3,5

0,592
3,0
0,590
0,588 2,5

0,586
kh (mm)
2,0
C (-)

0,584
1,5
0,582
Kh
0,580 1,0
C
0,578
0,5
0,576
0,574 0,0
20 30 40 50 60 70 80 90 100
q (º)

Figura 9.42 – Coeficiente de vazão e parcela kh num descarregador triangular de parede delgada

Nas condições experimentais que serviram de base ao estabelecimento das relações que
definem a vazão dos dois tipos de descarregadores, estes devem estar instalados em canais
retangulares e horizontais onde o escoamento ocorra em regime permanente e aproximadamente
uniforme; o comprimento do canal para montante do descarregador deve ser da ordem de cinco

9.65
Escoamento Superficial

vezes a dimensão máxima da veia líquida sobre o descarregador; o entalhe deve estar centrado na
largura do canal, e a mediatriz à crista do descarregador retangular ou a bissetriz ao ângulo do
descarregador triangular devem ser verticais; a parede delgada deve estar vertical e perpendicular à
direção do escoamento no canal de montante; não se deve deixar que ocorra acumulação de
sedimentos a montante; a medição da carga sobre a crista do descarregador deve ser feita fora da
zona deprimida da superfície livre, cerca de duas a quatro vezes a carga máxima prevista (2 a 4
hmax) para montante da secção onde o descarregador estiver instalado. No Quadro 9.4 apresentam-
se outros condicionamentos específicos de cada um dos tipos de descarregador.

Quadro 9.4 – Condicionamentos específicos de descarregadores de parede delgada

Descarregador Descarregador
retangular triangular

b ≥ 0,15 m 20º ≤ q ≤ 100º

h/p ≤ 2,5 h/p ≤ 0,35

h ≥ 0,03 m h ≥ 0,06 m

p ≥ 0,10 m p ≥0,09 m

(B-b)/2 = 0 ou (B-b)/2 ≥ 0,10 m -

Descarregadores de parede delgada como os descritos são em geral pouco dispendiosos e


fáceis de instalar. No entanto, apenas podem ser utilizados em locais onde o escoamento no canal de
montante seja lento, com números de Froude de um modo geral menores do que cerca de 0,75, e
onde seja pequeno o transporte de sedimentos que poderiam ficar retidos a montante.

Em situações onde seja impraticável garantir estas condições, têm sido utilizados pequenos
trechos de canal revestido para não sofrerem erosões e nos quais se provoca uma contração no
escoamento de modo a que este passe pelo regime crítico, reconhecível pela ocorrência de um
ressalto hidráulico a jusante. São deste tipo as caleiras Venturi e os canais Parshall (Figura 9.43)
que se encontram descritos na maior parte das referências bibliográficas de hidráulica. As dimensões
destes canais são função da gama de caudais que se pretendem medir (USBR, 2001; ISO, 1992;
USGS, 1982).

9.66
Escoamento Superficial

Planta

Corte pela linha central

Figura 9.43 – Esquema de um canal Parshall para medição do caudal em escoamentos com
superfície livre

Quando os locais de medição não aconselham a utilização de qualquer outro método, porque
as alturas de escoamento são muito baixas, ou porque a velocidade ou a turbulência do escoamento
são muito elevadas, têm sido utilizados traçadores químicos para a estimação do caudal em
determinada secção de um curso de água. Neste método, injeta-se numa secção de montante uma
solução com concentração do soluto conhecida e monitoriza-se numa secção de amostragem a
jusante a evolução da concentração desse soluto (Figura 9.44).

Secção de
injecção

L0
Secção de
amostragem

Figura 9.44 – Ilustração do trecho de um rio para utilização de traçadores

9.67
Escoamento Superficial

A injeção pode ser feita de súbito ou uniformemente distribuída ao longo de um período de


tempo e apenas num ponto, central ou marginal, ou no centro de partições iguais da largura da
secção de injeção.

A monitorização da concentração do soluto deve ser feita numa secção suficientemente


afastada da injeção, para que o soluto esteja já completamente diluído nessa secção transversal. Para
o confirmar podem monitorizar-se três ou mais pontos da secção de amostragem.

A distância L0 entre as duas secções, que no mínimo garanta a dissolução completa do


soluto, pode ser estimada por (Dingman, 1994):

C B2
L0  K (9.154)
gy

onde
C representa o coeficiente de Chézy ( C  K S R 1/ 6 , m1/ 2 s 1 ),
B , a largura média do trecho (m),
y , a profundidade média no trecho (m),
-2
g, a aceleração da gravidade (m s ), e
K, um fator que depende do número de pontos e locais de injeção na secção de montante
(Quadro 9.5).

Quadro 9.5 – Fator K para o cálculo de L0

Número de pontos e locais de injeção K (-)

1 ponto no centro da secção 0,50


0

2 pontos, um no centro de cada metade da 0,12


largura 5

3 pontos, um no centro de cada terço da largura 0,05


5

1 ponto na margem da secção 2,00

A substância utilizada como traçador deve ser facilmente solúvel, ter nula ou baixa
concentração no escoamento no trecho em análise, não ser quimicamente reativa ou fisicamente
absorvível pelas substâncias orgânicas ou minerais existentes no trecho, ser facilmente detetável
mesmo em concentrações reduzidas, ser inofensiva para o observador e para a vida aquática e ter
um custo baixo. Uma das substâncias mais utilizadas tem sido o sal comum (Na Cl), que pode ser
facilmente detetável por calibração com a condutividade elétrica da água.

Admitindo que a concentração do traçador no escoamento antes da secção de injeção é Cb,


concentração de base, e que se injeta de modo permanente um caudal total Qt onde a concentração
do traçador ou soluto é Ct, quando na secção de amostragem a concentração de equilíbrio for C e,
então, o caudal na secção de amostragem, Q, será

9.68
Escoamento Superficial

C t  Ce
Q  Qt (9.155)
Ce  Cb

ou, quando se injeta de modo súbito um volume total de solução Vt onde a concentração do traçador
ou soluto é Ct e na secção de amostragem se obtém ao longo do tempo a concentração C(t), então, o
caudal na secção de amostragem será

(C t  C b ) Vt
Q 
(9.156)
0 (C( t )  C b ) dt

como se obtém aplicando o princípio da conservação da massa ao traçador.

9.7.3 Medição da altura hidrométrica

A altura medida na vertical entre a superfície livre do escoamento e uma referência fixa em
determinada secção transversal designa-se por altura hidrométrica nessa secção. A altura
hidrométrica coincide com a altura do escoamento apenas quando a referência coincide nessa secção
transversal com a cota do respetivo talvegue. A cota topográfica da referência que se adota para a
altura hidrométrica é um dos elementos indispensáveis para se conhecer a cota da superfície livre.

Uma régua do tipo das que se utilizam para nivelamentos tipográficos onde se leia a altura
hidrométrica em determinada secção transversal de um curso de água ou num lago designa-se por
escala hidrométrica (Figura 9.45). A escala hidrométrica pode ser colocada em pilares de pontes, em
pilaretes especialmente construídos para o efeito, ou apoiada no talude de um canal ou no talude
marginal de um curso de água. Deverá ser sempre conhecida a cota do zero da escala e, no caso em
que a escala esteja inclinada, o ângulo que faz com a horizontal ou com a vertical.

Quando não se justificar maior discretização temporal, a leitura da escala pode ser feita uma
vez por dia e registada manualmente em caderneta própria. Em Portugal, as escalas eram lidas e as
leituras, registadas, todos os dias às 9 horas da manhã. Em Moçambique, as escalas são lidas duas a
três vezes por dia.

9.69
Escoamento Superficial

a) b)

c) d)

Figura 9.45 – Escalas hidrométricas: a) pormenor; b) instalada no pilar de uma ponte;


c) instalada em pilaretes; d) instalada no talude de um canal

Para o registo automático da altura hidrométrica, utilizam-se limnígrafos mecânicos ou


digitais (Figura 9.46). Os limnígrafos podem ser de flutuador (Figura 9.46, a) ,b) e c)), pneumáticos
(Figura 9.45, d)) ou utilizar sensores de pressão (Figura 9.46, d)).

9.70
Escoamento Superficial

a) b)

c) d)

Figura 9.46 – Limnígrafos: a) instalação em torre; b) instalação em poço; c) limnígrafo mecânico


com acessórios de transição; d) limnígrafo digital com sensor de pressão

Atualmente, parece haver uma tendência generalizada para a instalação de limnígrafos


digitais com sensor de pressão, telefonia celular e alimentados com energia solar. Estes têm ainda a
vantagem de poder ser ligados simultaneamente a outros sensores de grandezas atmosféricas ou de
qualidade da água. São então designados por estações automáticas hidroclimatológicas.

9.7.4 Estabelecimento de curvas de vazão

Dispondo-se de séries de pares de valores da altura hidrométrica (hi) e do caudal que lhe
correspondeu durante a respetiva medição (Qi), podem ajustar-se a esses pares de valores funções
matemáticas, fisicamente baseadas (ver Secção 9.3.4) ou empíricas. Designam-se tais funções, que
relacionam o caudal com a altura hidrométrica que lhe corresponde, por curvas de vazão.

9.71
Escoamento Superficial

Em Portugal e em Moçambique, a função mais utilizada para o estabelecimento de curvas


de vazão é do tipo:

Q  a h  h 0 b (9.157)

onde
h representa a altura hidrométrica,
h0, a altura hidrométrica para a qual o caudal se anula,
a e b são parâmetros, e
Q é o caudal que corresponde a h.

De um modo geral, a, b e h0 são determinados pelo método do mínimo dos quadrados, com
base nos pares observados de altura hidrométrica e de caudal (Figura 9.47).

1,0

0,9

0,8

0,7
h (m)

C. vazão
0,6
Medição

0,5
Q  17 , 08 h  0 ,39 1, 6824
0,4 r 2  0 ,987
0,3

0,2
0 1 2 3 4 5 6 7 8
3
Q (m /s)

Figura 9.47 – Ilustração da curva de vazão de um curso de água em determinada secção transversal

Como acontece em geral e também se observa na figura, a densidade dos pares de pontos
resultantes das medições do caudal é mais frequente quando o caudal é baixo e menos frequente
quando o caudal é elevado. Na secção onde se aplica a curva de vazão da figura, o caudal com o
3
período de retorno de 100 a é da ordem de 400 m /s. Assim, embora o coeficiente de determinação
2 3 3
seja elevado (r = 0,987), toda a gama de caudais entre 7 m /s e 400 m /s obteníveis por
extrapolação da curva de vazão padece de grande incerteza e, eventualmente, de pouca
fidedignidade. Extrapolações desta natureza devem ser feitas sempre com grande cautela e de
preferência com apoio na hidráulica do escoamento. Por outro lado, deve fazer-se o possível por ir
medindo caudais que apoiem a curva de vazão em todo o domínio de utilização.

Quando a secção transversal do curso de água for do tipo composto, com leito de estiagem e
leitos de cheia, adotam-se curvas de vazão por trechos de altura hidrométrica, mantendo-se a forma
da função (9.157). Por exemplo, para o leito de estiagem adota-se a função (9.157) e, quando a
altura hidrométrica ultrapassa a que corresponde ao leito de estiagem cheio, adota-se uma outra
função com os parâmetros a1, b1 e h1:

Q  a1 h  h1 b1 (9.158)

9.72
Escoamento Superficial

válida para alturas hidrométricas superiores à intersecção dos dois trechos. Esta intersecção ocorre
obviamente a uma altura hidrométrica superior a h0 e a h1.

9.7.5 Obtenção do escoamento em determinado intervalo de tempo

Como se referiu, o escoamento superficial em determinado intervalo de tempo, H, é


formalmente definido pelo integral do caudal, Q, ao longo desse intervalo de tempo. Na prática,
dispondo-se do hidrograma da altura hidrométrica do escoamento, isto é, da evolução da altura
hidrométrica ao longo do tempo, utiliza-se a curva de vazão para passar das alturas para os caudais
e integra-se numericamente o caudal. Eventualmente, será necessário interpolar o caudal para obter
o respetivo valor no início e no fim desse intervalo de tempo. Assim, a equação (9.137) é
aproximada por

Q i  Q i1
H t i (9.159)
2

quando se adota a regra dos trapézios e se utilizam os caudais obtidos por transformação, através da
curva de vazão, das alturas hidrométricas registadas, e os caudais interpolados para o início e o fim
do intervalo de tempo considerado.

9.8 DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DO ESCOAMENTO

O escoamento numa secção transversal de um curso de água é variável ao longo do tempo,


podendo ser muito elevado, após precipitações intensas precedidas de períodos chuvosos de tempo, e
podendo ser muito baixo ou nulo, após períodos prolongados sem precipitação ou com precipitação
reduzida. A título de exemplo, apresenta-se na Figura 9.48 o hidrograma do caudal médio diário no
rio Paiva em Castro Daire no ano hidrológico de 1954/55 e a precipitação diária que lhe deu
origem. Faz-se notar que não parece haver uma relação simples entre os caudais de ponta de cheia,
caudais máximos locais, e a precipitação que lhes dá origem. Efetivamente, à precipitação elevada
de maio não corresponde um caudal tão elevado como o que corresponde à precipitação que ocorreu
em dezembro, e à precipitação mais elevada de janeiro corresponde um caudal de ponta que é mais
do que o triplo do caudal de ponta de março, embora a relação entre as precipitações nesses dias seja
bastante inferior. A precipitação máxima em dezembro é inferior ao dobro da precipitação máxima
em março.

O decrescimento do caudal depois da ocorrência das pontas de cheia parece porém seguir
um padrão. Esse padrão pode evidenciar-se, desenhando o hidrograma dos caudais em gráfico
semilogarítmico, como se ilustra na Figura 9.49. Na figura, as linhas vermelhas evidenciam que,
neste tipo de gráfico, o decrescimento do caudal segue um andamento aproximadamente linear e, de
modo aproximado, com um declive pouco distinto de decrescimento para decrescimento. Este facto
verifica-se quer se trate de caudal médio diário, como se ilustrou, quer se trate de caudal
instantâneo.

9.73
Escoamento Superficial

Bacia do Paiva - 1954/55


Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set
0

20

Precipitação Diária (mm)


40

60

200
80

100
150
Caudal Médio Diário (m 3/s)

100

50

0
Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set
Paiva em Castro Daire - 1954/55
Figura 9.48 – Precipitação diária sobre a bacia do rio Paiva e hidrograma do caudal médio diário no
rio Paiva em Castro Daire (1954/55)

Este tipo de decrescimento pode ser expresso por uma função do tipo exponencial negativo
como a seguinte:

Q  Q 0 e k t  t 0  (9.160)

onde
Q  Q(t ) representa o caudal no instante t,
Q0, o caudal no instante t0 adotado como origem do decrescimento, e
k é a constante de decrescimento.

9.74
Escoamento Superficial

1000
800
600
400
300
200

100
80
Caudal Médio Diário (m3/s) 60
40
30
20

10
8
6
4
3
2

1
0,8
0,6
0,4
0,3
0,2

0,1
Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set

Paiva em Castro Daire - 1954/55

Figura 9.49 – Hidrograma do caudal médio diário em gráfico semilogarítmico

Admitindo que a partir de t0 não ocorria qualquer precipitação e que a lei de decrescimento
se manteria, então, o volume de água que se escoaria pela secção transversal seria

  Q0
V0   Q dt   Q e k ( t t 0 ) dt 
t0 t0 0 k

e, a partir de qualquer instante t no decrescimento,

Q
V (9.161)
k

A equação (9.161) representa também o comportamento de um tipo de reservatório onde o


caudal que dele se escoa é proporcional ao volume de água que armazena, e que se designa por
reservatório linear.

Os caudais de ponta de cheia, embora dependam da precipitação que os origina, podem


considerar-se estatisticamente independentes entre si. O mesmo já não se pode admitir em relação
aos caudais que vão decrescendo mais ou menos rapidamente durante períodos de tempo
relativamente longos sem precipitação.

Na Figura 9.50 e na Figura 9.51 apresenta-se na forma de diagramas de Tukey, já utilizados


para descrever a precipitação mensal, o escoamento mensal no rio Mondego na ponte de Santa
2
Clara, com uma área de bacia hidrográfica de 4915 km , e no rio Incomáti em Ressano Garcia, com
2
uma área de bacia hidrográfica de 21 544 km . Para a série de valores de escoamento registados em
cada mês, representam-se por traços horizontais o mínimo, o primeiro quartil, a mediana, o terceiro
quartil e o máximo e, por uma marca cheia, a média.

Em termos de volume escoado, é evidente a semelhança do escoamento mensal nos dois rios.
O escoamento aumenta de outubro até fevereiro e diminui daí em diante. Efetivamente, a
precipitação ocorre nos mesmos meses nas duas bacias hidrográficas e gera o aumento do
escoamento de modo muito semelhante. No entanto, no rio Mondego ocorre no inverno e no rio
Incomáti ocorre no verão. Assim, na bacia do rio Incomáti a oportunidade para a evaporação nos
meses de verão é muito maior do que aquela que existe na bacia do rio Mondego. Este é um dos

9.75
Escoamento Superficial

fatores que poderá explicar que na bacia hidrográfica do Incomáti, cerca de quatro vezes maior, o
escoamento em volume seja tão semelhante ao que ocorre no Mondego.

1800
350
1600
300
1400

Escoamento mensal (mm)


Escoamento mensal (hm )
3

1200 250

1000 200

800
150
600
100
400
50
200

0 0
OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET

Figura 9.50 – Escoamento mensal no rio Mondego na ponte de Santa Clara


(1939/40 a 1979/80)

1600
70
1400
60
1200

Escoamento mensal (mm)


Escoamento mensal (hm )
3

50
1000

40
800

30
600

400 20

200 10

0 0
OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET

Figura 9.51 – Escoamento mensal no rio Incomáti em Ressano Garcia


(1953/54 a 1982/83)

Já no que diz respeito ao escoamento expresso em altura, é bem visível a diferença entre os
escoamentos nos dois rios, o que está de acordo com a semelhança entre os volumes escoados em
bacias de dimensões tão diferentes.

9.76
Escoamento Superficial

9.9 CURVAS DE DURAÇÃO ANUAL DO CAUDAL MÉDIO DIÁRIO

A curva que se obtém marcando em ordenadas o caudal médio diário e em abcissas o


número de dias do ano hidrológico, ou a percentagem em dias do ano, em que esse caudal é
igualado ou excedido designa-se por curva de duração do caudal médio diário. Dispondo-se do
registo do caudal médio diário ao longo do ano, uma das formas de a obter consiste na ordenação
decrescente desses caudais médios diários e no respetivo desenho em função do número de ordem.
Na Figura 9.52 e na Figura 9.53 apresentam-se as curvas de duração do caudal médio diário na
ponte de Santa Clara no rio Mondego e em Ressano Garcia no rio Incomáti.
2000
3
Duração média (%) Caudal (m /s)
1800 Max. Obs. 1876 (em 17/3/1969)
10 240
1600 20 131
2
30 85 Área = 4915 km
1400 40 57
3
Caudal Médio Diário (m3/s)

50 34 Qmod = 91,1 m /s
1200 60 17
3
70 8 Q50 = 71,9 m /s
1000
80 3
90 1
800
100 0

600

400 Duração média

200

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Ponte S.ta Clara (Coimbra) - 12G/04 - Duração anual (%)

Figura 9.52 – Curvas de duração do caudal médio diário no rio Mondego na ponte de Santa Clara
(1955/56 a 1979/80)

Admitindo que em cada ano i de registo a duração de determinado caudal é Di, igual ao
número de ordem do caudal nesse ano, então, a duração média desse caudal no conjunto dos N anos
de observação obviamente será

D
 Di (9.162)
N

Evidentemente, o somatório do numerador da equação anterior indica também o número de


ordem do referido caudal na série ordenada de todos os valores observados durante os N anos.
Então, a curva de duração média pode ser obtida ordenando todos os valores observados e dividindo
o número de ordem pelo número de anos de observação, e, caso se expressem em percentagem,
dividindo também pelo número médio de dias por ano de registo. Deste modo foi obtida a curva de
duração média do caudal médio diário que se apresenta a vermelho na Figura 9.52 e na Figura 9.53
e se descreve nos quadros que elas contêm.

9.77
Escoamento Superficial

2000
3
Duração média (%) Caudal (m /s)

1800 Max. Obs. 1602 (em 20/3/1972)

10 157
1600 20 88
2
30 61 Área = 21544 km
1400
40 44
Caudal Médio Diário (m 3/s)

3
50 33 Qmod = 64,2 m /s
1200
60 23
3
70 14 Q50 = 55,4 m /s
1000
80 8
800 90 1

100 0
600

400 Duração média

200

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Ressano Garcia - E23 - Duração anual (%)

Figura 9.53 – Curvas de duração do caudal médio diário no rio Incomáti em Ressano Garcia
(1953/54 a 1982/83)

Observa-se nas figuras uma grande dispersão das durações de cada caudal ao longo dos
anos. Essa dispersão é pequena para os caudais elevados e aumenta quando se consideram caudais
sucessivamente mais pequenos.

O caudal médio em determinado ano e o caudal médio da série de anos de registo são quase
sempre designados por módulo anual e por módulo (Qmod), respetivamente. O caudal mediano em
determinado ano e o caudal mediano da série de anos de registo (Q 50) são muitas vezes designados
por caudal semipermanente anual e por caudal semipermanente, respetivamente. Verifica-se que o
módulo é sempre superior ao caudal mediano e que a duração do módulo é menor do que a duração
do caudal mediano.

Na Figura 9.54 apresentam-se as curvas de duração média do caudal médio diário para
vários rios portugueses (Quintela, 1967). Os rios e as secções (e as áreas de bacia hidrográfica) às
2
quais se referem as curvas de duração são o Homem, em Covas (118 km ), o Paiva, em Castro
2 2
Daire (286 km ), o Mondego, em Ponte de Tábua (1552 km ), o Alva, em Ponte da Mucela (665
2 2 2
km ), o Ponsul, em Cabeço Monteiro (359 km ), o Ocreza, em Almourão (965 km ), o Raia, em
2 2 2
Cabeção (3276 km ), o Degebe, em Amieira (1454 km ), o Pena, em Vale da Ursa (79 km ), o
2 2
Odivelas, em Odivelas (431 km ), o Sado, em Moinho da Gamitinha (2721 km ), e o Arade, em
2
Casa Queimada (214 km ). O eixo das ordenadas foi adimensionalizado por divisão do caudal pelo
módulo. A relação entre o módulo e o escoamento médio anual expresso em altura ( H ) é

HA
Q mod  (9.163)
365x 24x3,6

onde
3
Qmod representa o módulo (m /s)

9.78
Escoamento Superficial

H , o escoamento médio anual expresso em altura (mm), e


2
A, a área da bacia hidrográfica (km ).

Figura 9.54 – Curvas de duração média anual do caudal médio diário em vários rios portugueses
(adaptada de Quintela, 1967)

Quintela (1967) refere que, para além do facto de existirem formações geológicas que
permitem a constituição de reservas subterrâneas que se esgotam para o rio com certa lentidão nos
períodos sem precipitação, se pode concluir que a regularidade da distribuição do caudal médio
diário cresce com o aumento do escoamento anual médio expresso em altura de água sobre a bacia,
e que a mesma conclusão tem lugar em relação à regularidade da distribuição do escoamento à
escala do mês e à escala do ano.

Na Figura 9.55 apresenta-se um exemplo de utilização da curva de duração média anual de


um curso de água em determinada secção transversal. Considere-se que nessa secção se instala uma
3
capacidade de aproveitamento ou de derivação de um caudal máximo de 200 m /s. Então, o volume
de água que, em média, se poderá utilizar corresponde à área tracejada a vermelho no gráfico do
lado esquerdo da figura que representa a curva de duração média anual. O caudal médio utilizável

9.79
Escoamento Superficial

corresponderá, assim, à divisão desse volume pelo número de segundos de um ano e encontra-se
assinalado a vermelho no gráfico do lado direito da figura. Repetindo o procedimento para vários
caudais, obtém-se a curva representada no lado direito, que relaciona o caudal médio utilizável com
o caudal máximo derivável. Verifica-se que o caudal médio utilizável é sempre inferior ao caudal
máximo derivável e que será necessário que o caudal máximo derivável seja igual ou superior ao
caudal máximo para que em média se possa utilizar o módulo. Por outro lado, a curva do lado
direito permite determinar qual deverá ser o caudal máximo derivável quando se pretender utilizar
determinado caudal médio.

450

400

350

300
Caudal (m /s)
3

250

150
200
Caudal médio utilizável Módulo

150
Módulo 100
(m /s)
3

100
Caudal Mediano
50
50

0 0
0 50 100 150 200 250 300 350 0 100 200 300 400 500
Duração (d) 3
Caudal máximo derivável (m /s)

Figura 9.55 – Exemplo de utilização da curva de duração média anual

9.10 DISTRIBUIÇÃO DO ESCOAMENTO ANUAL

A distribuição espacial do escoamento anual médio em Portugal continental foi analisada


por Quintela em 1967. Como informação de base utilizou os registos de caudal em 33 estações
2 2
hidrométricas, com áreas variando entre 59 km (Ribeira de Algalé, em São Domingos) e 3950 km
(Rio Zêzere, em Castelo de Bode). Como informação complementar utilizou uma transformação em
valores do escoamento dos valores da precipitação da carta da precipitação anual média. Essa
transformação foi realizada por meio das relações médias entre valores anuais do escoamento e da
precipitação, conhecidas por relações regionais de Quintela, que entram em linha de conta com a
classe da temperatura média anual e com o tipo de solos, e que se descrevem no capítulo 10. Desta
forma ficam excluídos os escoamentos nos grandes rios internacionais e apenas se representam as
bacias dos rios nacionais, afluentes ou não daqueles.

Na Figura 9.56 apresenta-se a distribuição espacial do escoamento anual médio expresso em


altura em Portugal continental. Observa-se uma distribuição muito semelhante à da precipitação
anual média, com os maiores valores a ocorrerem a Norte do rio Tejo, e os mais baixos a ocorrerem
a Sul do rio Tejo, com máximos locais na vizinhança das grandes elevações do terreno (Peneda-
Gerês, Estrela-Montejunto, Monchique e Caldeirão).

9.80
Escoamento Superficial

Figura 9.56 – Distribuição do escoamento anual médio em Portugal continental

Ainda em relação a Portugal continental, Quintela (1967) estabeleceu a seguinte relação


entre o desvio-padrão do escoamento anual (sH) e o escoamento anual médio ( H ), ambos expressos
em altura:

9.81
Escoamento Superficial

0,73
s H  2,74 H (9.164)

e refere também que o coeficiente de assimetria do escoamento anual, no conjunto de estimativas


dos coeficientes de assimetria dos escoamentos anuais analisados, apresenta um valor central de 0,7.

Assim, dispondo-se de informação sobre a média, o desvio-padrão e o coeficiente de


assimetria, pode estimar-se o valor do escoamento anual, com a probabilidade de ocorrência que se
pretender.

9.82
Escoamento Superficial

EXERCÍCIOS

9.1 Um canal prismático com uma secção transversal retangular de 20 m de largura e um


comprimento de 1000 m apresenta um declive de 0,001 e uma rugosidade das paredes a que
corresponde um KS = 50 m1/3 s-1. Na secção de jusante do canal estabeleceu-se a seguinte
curva de vazão:
Q  26,05 h  0,151,593
O caudal de 100 m3 s-1 que o canal transportava em regime permanente foi num dado
instante aumentado na secção de montante para 200 m3 s-1 e reduzido novamente para 100
m3 s-1, de acordo com os valores do seguinte quadro:

t (min) 0 3 13 23 60
I (m3 s- 10 10 20 10 10
1
) 0 0 0 0 0

Utilizando o método implícito de 4 pontos de Preissmann, com t = 60 s, x = 250 m e


q = 0,66, determine o caudal O que durante essa hora se escoou na secção terminal do canal.

9.2 Sabendo que o exercício anterior forneceu os seguintes valores de minuto a minuto para o
caudal que se escoou na secção terminal do canal desde o instante inicial

100,0 100,0 100,0 100,0 100,1 101,0 104,2 110,4 118,1 126,2 134,8 143,9
153,2 162,7 172,0 178,3 178,7 174,4 169,0 163,2 156,8 150,0 142,6 135,0
127,1 119,9 114,7 111,7 109,7 107,9 106,5 105,2 104,2 103,3 102,6 102,1

a) estime os parâmetros K e X do método do Muskingum, aplicado num só passo;


b) compare o caudal saído do canal obtido com o método de Preissmann com o obtido pelo
método do Muskingum.

9.3 Sobre determinado plano inclinado, com um declive de 0,05, um desenvolvimento segundo
as linhas de maior declive de 20 m e um coeficiente de Strickler de 45 m1/3 s-1, ocorre uma
precipitação com intensidade constante de 40 mm/h. Determine o tempo de concentração do
plano para essa precipitação e o caudal máximo que dele se escoa por unidade de largura.

9.4 Estime o caudal máximo e o incremento de tempo de concentração que resultará da


implantação de uma caleira coletora com 20 m de comprimento no fundo do plano inclinado
do exercício anterior. Admita que a largura superficial do escoamento na caleira é 0,2 m e
que a vazão da caleira é expressável por
Q  16 A1,67
onde A representa a área molhada na secção transversal da caleira.

9.5 Determinada bacia hidrográfica impermeável apresenta a configuração e as 1 1 1


cotas que a figura junta ilustra. Sabendo que os elementos de área são 2 0 2
quadrados com um lado de 30 m e um coeficiente de Strickler de 35 m1/3 s-1, 9 7 9
determine o hidrograma que resultará na secção de referência da bacia de 5
uma precipitação constante de 100 mm/h.

9.6 Na sondagem da profundidade de um curso de água, utilizando um cabo e um peso


suspensos de um viaduto, verificou-se que a distância do ponto de suspensão do cabo à
superfície da água era de 3,20 m e que, quando o peso tocava no fundo da secção, o

9.83
Escoamento Superficial

comprimento do cabo entre o referido ponto de suspensão e o fundo do peso era de 6,55 m.
Sabendo que, com o peso no fundo da secção, o ângulo que o cabo no ar fazia com a vertical
era de 20º, estime a profundidade do curso de água nessa vertical. Estime também qual seria
o comprimento do cabo, desde o ponto de suspensão até ao fundo do peso, para o colocar a
60 por cento da profundidade.

9.7 Em determinada secção transversal de um curso de água obtiveram-se os valores que se


apresentam no quadro seguinte durante uma operação para medição do caudal. Calcule o
caudal que o curso de água escoava nessa secção.

Vertical i bi (m) yi (m) Vi


(m/s)
0 2,3 0 0
1 2,8 0,12 0,144
2 3,1 0,12 0,199
3 3,4 0,14 0,285
4 3,7 0,13 0,321
5 4,0 0,13 0,472
6 4,3 0,13 0,523
7 4,6 0,15 0,543
8 4,9 0,16 0,574
9 5,2 0,15 0,498
10 5,5 0,15 0,452
11 5,8 0,12 0,452
12 6,1 0,12 0,397
13 6,4 0,1 0,351
14 6,7 0 0

9.8 Para medir o caudal num canal de rega, instalou-se um descarregador retangular de parede
delgada, com B = 0,5 m, b = 0,3 m e p = 0,5 m. Sabendo que a carga sobre a crista do
descarregador era de 0,35 m, determine o caudal que o canal transportava.

9.9 Em determinado trecho de um rio, com uma largura média de 4 m, uma profundidade média
de 0,15 m e um coeficiente de Chézy de 22 m1/2 s-1, utilizou-se a diluição de sal (NaCl) para
estimar o caudal no trecho. A concentração inicial ou de base de sal no rio era de 0,1 g/l, a
concentração de sal na solução injetada a meio da secção de modo contínuo era de 200 g/l, e
a concentração medida na secção de amostragem era de 2 g/l. Sabendo que o caudal injetado
era de 5 l/s, estime o caudal no trecho e a quantidade de sal necessária para efetuar a
medição. Comente.

9.10 Numa estação hidrométrica obtiveram-se os seguintes pares de valores para a altura
hidrométrica e para o caudal que lhe corresponde

Data Altura Caudal Data Altura Caudal Data Altura Caudal


(AAMMDD) (m) (m3/s) (AAMMDD) (m) (m3/s) (AAMMDD) (m) (m3/s)
791011 0,735 3,743 810513 0,420 0,132 840321 0,760 3,062
791011 0,805 4,680 811231 0,835 4,732 840330 0,590 1,006
791016 0,552 0,223 820115 0,520 0,610 840502 0,530 0,625
791123 0,450 0,286 820205 0,480 0,343 840605 0,500 0,353
791226 0,435 0,264 820331 0,495 0,302 840720 0,450 0,061
800116 0,495 0,631 820723 0,390 0,014 841107 0,450 0,123
800222 0,512 0,840 821210 0,395 0,030 841119 0,490 0,313
800416 0,485 0,564 830117 0,430 0,037 850121 1,300 19,00

9.84
Escoamento Superficial

800506 0,520 0,908 830221 0,415 0,036 850121 0,880 5,160


800609 0,410 0,095 830325 0,390 0,016 850121 1,180 14,20
810123 0,412 0,025 830422 0,400 0,035 850123 0,805 4,270
810216 0,415 0,029 831115 0,477 0,375 850129 0,675 2,020
810326 0,415 0,050 840105 0,547 0,759 850208 0,985 7,010
810402 0,530 0,702 840213 0,530 0,670 850212 0,707 2,480

Admitindo que a curva de vazão pode ser representada por uma função do tipo
Q  a h  h 0 b , determine os parâmetros a, b e h0 que minimizam a soma dos quadrados
dos desvios entre o caudal medido e o caudal estimado e o coeficiente de correlação linear
entre o caudal medido e o caudal estimado. Represente graficamente os pontos amostrais e a
função que lhes foi ajustada.

9.11 Em determinada secção transversal de um curso de água observaram-se as seguintes alturas


hidrométricas:

Data Hora Altura


(AAMMDD) (HH:MM) (m)
991109 9:07 0,80
991110 9:32 0,70
991111 9:19 1,10
991111 12:37 1,50
991112 9:05 1,25
991113 9:42 0,50
991114 8:57 0,43

Sabendo que na referida secção a curva de vazão é definida por

Q  18,966 h  0,3032,2575

com Q em m3/s e h em m, estime pelo método dos trapézios o escoamento na secção entre as
0 horas do dia 10 e as 24 horas do dia 13 (m3). Estime também o caudal médio no referido
período (m3/s).

9.12 Em determinada bacia hidrográfica, com 290 km2, em períodos prolongados sem
precipitação, o caudal na secção de referência segue com bastante aproximação uma lei de
esgotamento do tipo
Q  Q0 e k ( t  t 0 )
Sabendo que nessa bacia hidrográfica, às 9 horas de 4 de Março e de 13 de Março o caudal
era respetivamente de 10,9 e 7,3 m3/s e admitindo que não ocorreu precipitação, estime o
volume de água que passou na secção de referência desde a última data até ao total
esgotamento da bacia. Exprima esse volume em altura de água uniformemente distribuída
sobre a bacia.

9.13 Em determinada bacia hidrográfica portuguesa, com uma área de 431 km2, o escoamento
anual médio é 162 mm. Calcule o respetivo caudal modular e estime o caudal mediano.

9.14 Em determinada bacia hidrográfica portuguesa, com uma área de 100 km2, o caudal
modular é 2,0 m3/s. Estime o escoamento anual (dam3) que é excedido em 80 por cento dos
anos nessa bacia.

9.85
Escoamento Superficial

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9.87

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