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C . S I LV A S A N T O S & F.

A R I S T I D E S C A S T R O

S E B E N TA D E M E C Â N I C A
DOS FLUIDOS

D E PA R TA M E N T O D E E N G E N H A R I A M E C Â N I C A
INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DO PORTO
E S T E D O C U M E N TO S E G U E A E S T RU T U R A E C O N T E Ú D O DA S AU L A S T E Ó R I C A S DA U N I DA D E C U R R I C U L A R

" M E F L U , M E C Â N I C A D O S F L U I D O S " D A L I C E N C I AT U R A D E E N G E N H A R I A M E C Â N I C A D O I N S T I T U T O S U P E -

RIOR DE ENGENHARIA DO PORTO.

D E V E S E R V I S T O C O M O U M C O M P L E M E N T O , E N Ã O S U B S T I T U T O , D O L I V R O R E C O M E N D A D O PA R A A D I S -

CIPLINA: FRANK M WHITE, "MECÂNICA DOS FLUIDOS".

A O L O N G O D O T E X T O , À M A R G E M D O S T Í T U L O S D A S S E C Ç Õ E S R E L E VA N T E S , S Ã O R E C O M E N D A D O S E X E R -

C Í C I O S PA R A C A D A PA R T E D A M AT É R I A . E S T E S E X E R C Í C I O S P O D E M S E R E N C O N T R A D O S N O F I N A L D E

C A D A C A P Í T U L O E S E R Ã O O S E X E R C Í C I O S U S A D O S N A S A U L A S T E Ó R I C O - P R ÁT I C A S , P E L O Q U E D E V E -

R ÃO T E R E S T E D O C U M E N TO C O N VO S C O D U R A N T E A S AU L A S.
Copyright © 2023 C. Silva Santos & F. Aristides Castro

departamento de engenharia mecânica


instituto superior de engenharia do porto

www.isep.ipp.pt

Este documento foi preparado com o sistema de processamento de texto open-source TEX e LATEX, de Donald
Knuth, a quem os autores prestam o seu agradecimento. O documento segue o estilo gráfico de Edward R
Tufte, através do software Tufte-LaTeX.

Esta edição data de Agosto 2023


Índice

Lista de Figuras 7

Lista de Tabelas 9

Lista de Símbolos 11

Lista de versões do documento 15

1 Introdução à Mecânica dos Fluidos 17

2 Hidrostática 29

3 Relações Integrais para Volumes de Controlo 51

4 Análise Dimensional e Semelhança 71

5 Escoamentos em Condutas 83

6 Escoamentos Externos 117

Lista de Referências 146


Lista de Figuras

1.1 Exemplo de um estudo CFD: escoamento em torno de um Hennessey Venom GT 17


1.2 a) Deflexão estática de um sólido; b) Líquido em equilíbrio forma uma superfície livre; c) Gás expande-
se até encontrar uma parede sólida 18
1.3 a) Fluido como um meio contínuo, variação contínua da massa volúmica; b) Incerteza microscópica para
volumes comparáveis com o espaçamento molecular e incerteza macroscópica associada a variações
suaves da massa volúmica em volumes de maior dimensão 18
1.4 Deformação de uma parcela de fluido sob uma tensão de corte 21
1.5 Taxa de deformação em função da altura 21
1.6 Taxa de deformação 21
1.7 Comportamento de fluidos não-Newtonianos: a) taxa de deformação vs tensão de corte; b) tensão de
corte vs tempo, para uma taxa de deformação constante 23
1.8 Forças moleculares junto à superfície dão origem à tensão superficial 23
1.9 Diferentes ângulos de contacto entre uma gota de água e várias superfícies sólidas 24
1.10 Altura capilar sustentada pela tensão superficial 24
1.11 Pressão no interior de uma gota de líquido em equilíbrio com a tensão superficial 24

2.1 Forças gravíticas—peso P —e de pressão sobre uma parcela de fluido 29


2.2 Tensões de corte e tensões normais devido a gradientes de velocidade 29
2.3 Variação da pressão p em z 30
2.4 Barril de Pascal 31
2.5 Construção de um barómetro 32
2.6 Manómetro para medição da pressão relativa 32
2.7 Manómetro para medição da diferença de pressão entre 2 pontos 33
2.8 Tubo de Bourdon 33
2.9 Transdutor de pressão capacitivo 33
2.10 Placa plana submersa com forma e inclinação arbitrárias 34
2.11 Momentos e produtos de inércia, e centróides de áreas comuns 36
2.12 Diagrama de corpo livre de um fluido sobre uma superfície curva 37
2.13 Volume de fluido por cima de uma superfície curva convexa 37
2.14 Linha de ação da componente vertical sobre uma superfície curva 38
2.15 Determinação do centro de pressão duma superfície curva 38
2.17 Estabilidade de um corpo flutuante 39
2.16 Força de impulsão sobre um corpo submerso arbitrário 39
8

2.18 Fluido em movimento de translação como corpo rígido sob aceleração linear uniforme ⃗a 40
2.19 Pressão num fluido em translação como corpo rígido 40
2.20 Movimento de uma parcela num sistema de coordenadas não-inercial 41
2.21 Fluido em movimento de rotação como corpo rígido 41
2.22 Pressão num fluido em rotação como corpo rígido 42
2.23 Fluido em rotação como corpo rígido com excentricidade 43
2.24 Fluido em rotação como corpo rígido sem excentricidade 43

3.1 Conduta de secção variável 54


3.2 Generalização para um volume de controlo e campo de velocidade arbitrários 55
3.3 Perfis de velocidade numa conduta de secção circular para regime laminar e turbulento 57
3.4 Ilustração da equação de Bernoulli para um escoamento sem fricção 62

4.1 Estrada de von Kármán na esteira do escoamento em torno de um cilindro 74


4.2 Número de Strouhal versus número de Reynolds para escoamento em torno de um cilindro 75
4.3 Semelhança geométrica 76
4.4 Semelhança cinemática 77
4.5 Semelhança dinâmica 78
4.6 Extrapolação do número de Reynolds quando similaridade total não pode ser respeitada 79

5.1 Experiência de Reynolds para visualização dos regimes de escoamento 83


5.2 Regimes laminar (a), transição (b) e turbulento (c) observados por Reynolds 83
5.3 Escoamento laminar de água a sair de uma torneira 84
5.4 Escoamento turbulento de água a sair de uma torneira 84
5.5 Comprimento de entrada e desenvolvimento da camada limite de um escoamento laminar numa con-
duta 85
5.6 Estrutura do escoamento junto a uma parede sólida: a) variação da velocidade e tensão de corte; b)
perfil de velocidade em unidades de parede 88
5.7 Balanço de forças numa parcela de fluido numa conduta horizontal 90
5.8 Variação da tensão de corte dentro de uma conduta em regime laminar 90
5.9 Balanço de forças numa parcela de fluido numa conduta inclinada 91
5.10 Dependência de f com o valor de Re e a rugosidade relativa ε/D segundo Nikuradse 92
5.11 Diagrama de Moody 94
5.12 Conduta de secção anelar 97
5.13 Condutas de secção retangular e triangular isósceles 98
5.14 Coeficientes de perda localizada para várias geometrias de entradas submersas 100
5.15 Três condutas em série 101
5.16 Três condutas em paralelo 101
5.17 Gráfico da perda de carga entre reservatórios: a) turbinagem 102
5.18 Gráfico da perda de carga entre reservatórios: b) bombagem 102
5.19 Instrumentos rotativos de medição da velocidade 103
5.20 Tubo de Pitot para medição da pressão estática e pressão de estagnação 104
5.21 Anemómetros de fio e filme quente 104
5.22 Anemómetro laser-Doppler 104
5.23 Rotâmetro comercial 105
9

5.24 Medidor ultrassónico de caudal 105


5.25 Medição do caudal por teoria de obstrução de Bernoulli 106
5.26 Medidor por obstrução de Bernoulli: placa-orifício 106
5.27 Coeficiente de descarga de placa-orifício 106
5.28 Medidor por obstrução de Bernoulli: bocal 108
5.29 Coeficiente de descarga de bocal de raio longo 108
5.30 Coeficiente de descarga de tubo de Venturi 108
5.31 Medidor por obstrução de Bernoulli: tubo de Venturi 109
5.32 Coeficientes de perda localizada para placas-orifício, bocais e tubos de Venturi 109

6.1 Camadas limite de baixo Re vs. elevado Re 118


6.2 Desenvolvimento de uma camada limite 119
6.3 Efeito simulado da espessura de deslocamento δ∗ 121
6.4 Perfis de velocidade sobre uma placa plana 123
6.5 Perfil v(η) vs η 124
6.6 Perfil de velocidade para diferentes gradientes de pressão 126
6.7 Escoamento num difusor 127
6.8 Forças e momentos aplicados a corpo submerso em escoamento 128
6.9 Arrasto de objeto fuselado bi-dimensional configurável 129
6.10 Escoamento em torno de um cilindro 130
6.11 Escoamento em torno de uma esfera 130
6.12 Coeficientes de arrasto baseados na área frontal para prisma retangular 131
6.13 Coeficientes de arrasto em escoamentos sub-sónicos sobre (a) geometrias bi-dimensionais e (b) tri-
dimensionais 132
6.14 Coeficientes de arrasto para geometrias bi-dimensionais para Re ≥ 104 133
6.15 Coeficientes de arrasto para geometrias tri-dimensionais para Re ≥ 104 134
6.16 Coeficiente de arrasto em veículos automóveis: (a) evolução histórica, (b) arrasto e sustentação negativa
(’downforce’) para forma genérica de automóveis modernos 135
6.17 Redução de arrasto por placa defletora em camião 136
6.18 Dimensões de um perfil alar 137
6.19 Coeficientes de sustentação e arrasto para uma asa simétrica NACA0009 com largura infinita (bi-
dimensional) com e sem o efeito de flap deflector 138
6.20 Perfil de asa com escoamento de elevado ângulo de ataque 138
Lista de Tabelas

1.1 Dimensões primárias nos sistemas internacional (SI) e imperial (BG) 19


1.2 Dimensões secundárias e respetiva combinação de dimensões primárias 19
1.3 Múltiplos e submúltiplos do sistema internacional (SI). 19
1.4 Propriedades principais de fluidos comuns a 20°C 23

2.1 Atmosfera padrão 31

3.1 Fatores de correção da quantidade de movimento para perfil laminar e para perfis turbulentos com
diferentes valores de m 57
3.2 Fatores de correção da energia cinética para perfil laminar e para perfis turbulentos com diferentes
valores de m 61
3.3 Sumário das equações de conservação para um volume de controlo fixo 61

4.1 Dimensões fundamentais do problema do arrasto sobre corpo fuselado. 73


4.2 Números adimensionais comuns 76

5.1 Comprimento de entrada para vários ReD turbulentos 86


5.2 Valores típicos de rugosidade para condutas comerciais 92
5.3 Diâmetro efetivo de condutas de secção anelar 97
5.4 Diâmetro efetivo de condutas de secção retangular 98
5.5 Diâmetro efetivo de condutas de secção triangular isósceles 98
5.6 Coeficientes de perda localizada para válvulas abertas, cotovelos e tês 99

6.1 Solução de Blasius para a camada limite laminar 123


Lista de Símbolos

Abreviaturas & Acrónimos


CG centro geométrico, centróide
CP centro de pressão
M metacentro
SC superfície de controlo
TTR teorema de transporte de Reynolds
VC volume de controlo
Eu número de Euler
Fr número de Froude
Re número de Reynolds
St número de Strouhal
We número de Weber

Símbolos Gregos
α fator de correção da energia cinética [adimensional]
β fator de correção da quantidade de movimento [adimensional]
β rácio entre o diâmetro da garganta e da conduta [adimensional]
δ espessura da camada limite [m]

δ espessura de deslocamento [m]
η coordenada da superfície livre [m]
ε rugosidade [m]
Ω velocidade angular [rad⋅s−1 ]
µ viscosidade dinâmica [kg⋅m−1 ⋅s−1 ]
ν viscosidade cinemática [m2 ⋅s−1 ]
ρ massa volúmica [kg⋅m−3 ]
τ tensão de corte [N⋅m−2 ]
θ ângulo [rad]

θ espessura de quantidade de movimento [m]
14

ξ coordenada auxiliar ao longo do plano de uma placa [m]


γ peso específico [N⋅m−3 ]
Υ tensão superficial [N⋅m−1 ]

Símbolos Latinos
⃗a vetor aceleração [m⋅s−2 ]
A área [m2 ]
B gradiente térmico vertical na troposfera [K⋅m−1 ]
B força de impulsão [N]
cp calor específico a pressão constante [J⋅kg−1 ⋅K−1 ]
C A , CD coeficiente de arrasto [adimensional]
Cd coeficiente de descarga [adimensional]
CS , CL coeficiente de sustentação [adimensional]
cv calor específico a volume constante [J⋅kg−1 ⋅K−1 ]
D diâmetro [m]
e energia total do fluido por unidade de massa [J⋅kg−1 ]
E energia [J]
f fator de fricção de Darcy [adimensional]
F⃗ vetor força [N]
Fx ,Fy ,Fz força sobre o fluido nas direções x,y,z [N]
fx , fy, fz força por unidade de volume sobre o fluido nas direções x,y,z [N⋅m−3 ]
FH ,FV ,FR força hidrostática horizontal, vertical e resultante [N]
g⃗, g vetor e magnitude da aceleração devido à gravidade [m⋅s−2 ]
G⃗ aceleração composta, g⃗ − ⃗a [m⋅s−2 ]
h distância vertical de um ponto à superfície [m]
hp perda de carga total em altura de coluna de fluido [m]
hf perda de carga por fricção (em linha) em altura de coluna de fluido [m]
hloc perda de carga localizada em altura de coluna de fluido [m]
ĥ entalpia específica [J⋅kg−1 ]
H⃗ vetor quantidade de movimento angular [N⋅m⋅s, kg⋅m2 ⋅s−1
H fator de forma da camada limite [adimensional]
Ixx segundo momento de inércia de uma área em ordem a x [m4 ]
Ixy produto de inércia de uma área [m4 ]
⃗ı, ⃗ȷ, ⃗k vetores unitários nas direções x,y,z
K coeficiente de perda de carga localizada [adimensional]
m massa [kg]
15

ṁ caudal mássico [kg⋅s−1 ]


m expoente do perfil de velocidade turbulento [adimensional]
M
⃗ vetor momento da quantidade de movimento linear [N⋅m]
n
⃗ vetor unitário normal
p pressão [Pa, N⋅m−2 ]
P potência [W]
P perímetro [m]
Q caudal volúmico [m3 s−1 ]
Q calor [J]
⃗r vetor posição [m]
R constante do gás [J⋅kg ⋅K−1 ]
−1

R, r raio [m]
R x ,Ry raios de curvatura da superfície livre [m]
t tempo [s]
T temperatura [K]
u,v,w componentes do vetor velocidade nas direções x,y,z [m⋅s−1 ]
û energia interna do fluido por unidade de massa [J⋅kg−1 ]
U velocidade [m⋅s−1 ]
U0 velocidade no centro da conduta [m⋅s−1 ]
U,V velocidade média [m⋅s−1 ]
V
⃗ vetor velocidade [m⋅s−1 ]
Vn componente normal do vetor velocidade [m⋅s−1 ]
Vr velocidade do fluido relativa ao VC [m⋅s−1 ]
V
– volume [m3 ]
x,y,z dimensões Cartesianas [m]
P,P
⃗ vetor e magnitude do peso [N]
W trabalho [J]

Subscritos
0 valor de referência
A,D arrasto (’drag’)
abs valor absoluto
atm valor atmosférico
b relativo a bombas
e externo
ef valor efetivo
16

ent valores à entrada do VC


h valor hidráulico
i interno
loc localizado
p projetado
rel valor relativo
S,L sustentação (’lift’
saí valores à saída do VC
t garganta, ’throat’
t relativo a turbinas
w valor na parede (’wall’)
Lista de versões do documento

Data da versão Lista de alterações


03.2018 • versão original
02.2019 • passagem dos exercícios das aulas teórico-práticas para este documento
• substituição do exercício 5.8 por um exercício de dimensionamento de conduta (tipo III)
• um total de 22 perguntas de exame adicionadas ao fim de cada capítulo
• adição de tabela de rugosidades típicas de condutas comerciais
• inclusão da determinação do nível de fluido em repouso para casos de rotação como
corpo rígido incluindo com excentricidade
• alteração da figura 2.22
• correção de pequenas gralhas
02.2020 • inclusão de respostas numéricas às perguntas de exame
• correção de pequenas gralhas
• adição dos valores de K no exercício 5.10.
06.2020 • correção da equação (5.48) onde faltava a área no termo à direita
• correção do produto vetorial na versão b) da equação para a quantidade de
movimento angular na tabela 3.3: onde se lia (V ⃗ × ⃗r) lê-se agora (⃗r × V)

• substituição de ’rácio do lado vertical sobre o horizontal’ por
’rácio do lado mais curto sobre o mais longo’ na legenda da tabela 5.4
• onde se lia re /ri na tabela 5.3, lê-se agora ri /re
• clarificação dos enunciados de alguns exercícios
• correção do resultado e clarificação do exercício de Exame de 20 de julho de 2010
de Escoamentos em Condutas
• correção de outras pequenas gralhas
04.2021 • reordenamento e clarificação de enunciados dos exercícios propostos do capítulo 3
• substituição do exercício 2.20
03.2022 • substituição dos exercícios 2.13 e 3.8
• adição do exercício 6.9
08.2023 • adição de lista de símbolos
1. Introdução à Mecânica dos Fluidos

Neste capítulo faz-se uma introdução geral à mecânica dos fluidos,


introduzindo conceitos básicos que serão posteriormente desenvolvi-
dos nos restantes capítulos. O conceito de fluido é apresentado, assim
como os conceitos de velocidade e aceleração de uma parcela de fluido.
As principais propriedades termodinâmicas de um fluido são defini-
das. São também abordadas as diferenças entre fluidos newtonianos e
não-newtonianos. O capítulo encerra com o tema da tensão superficial.
A mecânica de fluidos computacional,
ou CFD, constitui uma disciplina à
parte em que se recorrem a programas
de computador que fazem uso da
análise numérica para resolver as
A mecânica dos fluidos é o estudo dos fluidos em movimento equações da mecânica dos fluidos. Esta
(dinâmica dos fluidos) ou em repouso (hidrostática). Consiste na aplica- área do conhecimento é abordada na
disciplina MECFC do DEM, ISEP.
ção dos princípios fundamentais da mecânica geral a líquidos e gases,
na forma de equações de conservação de massa, quantidade de mo-
vimento (leis do movimento de Newton) e energia. A mecânica dos
fluidos é um dos pilares da engenharia com aplicações em numerosas
áreas: desde a biomecânica (ex. circulação sanguínea), à aerodinâmica
(carros, aviões, mísseis), passando pelo estudo de bombas, turbinas,
ventilação e ar condicionado.

Figura 1.1: Exemplo de um estudo CFD:


escoamento em torno de um Hennessey
Venom GT [1]
Duas dificuldades principais complicam o estudo teórico da me-
cânica dos fluidos: geometrias complexas e turbulência. Estes dois
aspetos levam a que, em muitos casos, as equações fundamentais não
possam ser resolvidas analiticamente, devido ao facto de se tratarem
de equações diferenciais não-lineares de derivadas parciais. Nes- O estudo de escoamentos turbulentos
tes casos, recorre-se frequentemente a técnicas numéricas para solu- permanece um dos grandes problemas
da física moderna, sendo um dos 7
ção deste problema, desaguando-se numa disciplina de estudo com- ’Problemas do Milénio’, estabelecidos
plementar chamada Mecânica dos Fluidos Computacional. Ainda assim, pelo Clay Mathematics Institute, [2]
nem sempre uma solução numérica de qualidade é possível para al-
guns casos, devido à dificuldade de simular diretamente escoamentos
turbulentos.
20 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 1.2: a) Deflexão estática de um sólido; b) Líquido em equilíbrio forma uma


superfície livre; c) Gás expande-se até encontrar uma parede sólida

Características de um Fluido
Para um sólido, a tensão de corte
Um fluido é definido como uma substância que se deforma continua- pode provocar algum movimento
mente quando sujeita a uma força tangencial à área sobre a qual atua. entre as camadas do sólido, mas o
sólido consegue atingir uma posição de
A esta força chama-se de força de corte, ou cisalhamento, e quando equilíbrio sem entrar em movimento
dividida pela área designa-se por tensão de corte. Logo, quando um indefinidamente
fluido se encontra em repouso, não há tensões de corte. Um sólido,
por outro lado, pode deformar-se estaticamente quando sujeito a uma
tensão de corte.

Há 2 tipos genéricos de fluido: líquidos e gases. Os líquidos têm


forças inter-moleculares maiores de que os gases e, quando coloca-
dos num reservatório de maior volume, formam um interface, ou su-
perfície, com qualquer outro gás presente. Por outro lado, um gás
expande-se até preencher totalmente o reservatório onde se encontra.
Uma outra característica definidora de um fluido é que a sua forma é
determinada pelo reservatório que o contém. Por outras palavras, um
líquido ganha a forma do reservatório que o contém, enquanto um gás
ganha a forma e volume do reservatório fechado que o contém.

Meio Contínuo

Na maioria das aplicações de engenharia, apenas interessa


considerar valores médios das propriedades do fluido ou escoamento
(velocidade, pressão, massa volúmica, temperatura, etc.). Portanto,
em vez de considerarmos o conjunto discreto de moléculas de um
Figura 1.3: a) Fluido (gás) como um
fluido, cujas propriedades podem variar para volumes muito peque-
meio contínuo, variação contínua da
– < 10−9 mm−3 , para líquidos ou gases a pressão atmosférica),
nos (δV massa volúmica; b) Incerteza micros-
o fluido é visto como um meio contínuo em que a massa do fluido é cópica para volumes comparáveis com
o espaçamento molecular e incerteza
distribuída uniformemente sem espaço entre as moléculas. Esta su- macroscópica associada a variações
posição não é válida para volumes muito pequenos ou para gases a suaves da massa volúmica em volumes
de maior dimensão
pressões muito baixas em que o espaçamento entre as moléculas pode
aumentar consideravelmente.
introdução à mecânica dos fluidos 21

Dimensões

Há apenas 4 dimensões primárias * em mecânica dos fluidos, *as 3 restantes dimensões primárias
a partir das quais todas as outras dimensões podem ser derivadas: são da física são corrente ou carga
elétrica —ampère ou coulomb—,
elas massa {M}, comprimento {L}, tempo {T} e temperatura {Θ}. Os sis- intensidade luminosa —candela—, e
temas de unidades a usar são arbitrários e precisam de ser convencio- quantidade de massa—mol.
nados. Na Tabela 1.1 estão listadas as dimensões e unidades primárias
nos sistemas internacional (SI) e sistema imperial (BG), assim como o
fator de conversão entre os dois sistemas. Nestas notas, serão usadas
as unidades SI.

Dimensão Primária Unidade SI Unidade BG Fator de Conversão


Massa M kilograma (kg) slug 1 slug = 14.5939 kg
Comprimento L metro (m) pé, foot (ft) 1 ft = 0.3048 m
Tempo T segundo (s) segundo (s) 1s=1s
Temperatura Θ kelvin (K) rankine (°R) 1 K = 1.8 °R
Tabela 1.1: Dimensões primárias nos sistemas internacional (SI) e imperial (BG)

Todas as outras quantidades na mecânica de fluidos podem ser ex-


pressas em termos das 4 dimensões primárias {M}, {L}, {T}, {Θ}. Por
exemplo, a aceleração tem dimensões {MT−2 }. A Tabela 1.2 lista algu-
mas das dimensões secundárias que têm a sua própria unidade do SI,
mas que pode ser expressa usando apenas as dimensões primárias.

Dimensão Secundária Unidade Símbolo Dimensões Primárias


Força newton N kg⋅m⋅s−2
Pressão e Tensão pascal Pa N⋅m−2 (ou kg⋅m−1 ⋅s−2 )
Trabalho, Energia, Calor joule J N⋅m (ou kg⋅m−2 ⋅s−2 )
Potência watt W J⋅s−1 (ou kg⋅m−2 ⋅s−3 )
Frequência hertz Hz s−1
Tabela 1.2: Dimensões secundárias e respetiva combinação de dimensões primárias

Para evitar a inconveniência de números muito grandes ou muito


pequenos, usam-se múltiplos e sub-múltiplos, especialmente usando
fatores da ordem de 103n , em que n é um inteiro positivo ou negativo.
Os múltiplos e símbolos do SI estão listados na Tabela 1.3. Fator Prefixo Símbolo
1012 tera T
Unidades que não fazem parte do SI, mas que são usadas fre- 109 giga G
106 mega M
quentemente, incluem o bar que é equivalente a 105 Pa, utilizado sobre- 103 kilo k
tudo para representar a pressão atmosférica. O volume de um fluido 102 hecto h
101 deka da
é também frequentemente representado usando o litro, ℓ. Um litro é
10−1 deci d
equivalente a 10−3 m3 . 10−2 centi c
10−3 mili m
10−6 micro ν
É fortemente recomendado converter todas as unidades de um 10−9 nano n
determinado problema em unidades do SI, substituindo os múltiplos 10−12 pico p
ou sub-múltiplos pelas potências de 10 listadas na Tabela 1.3. Isto 10−15 femto f
10−18 atto a
porque todas as equações da mecânica dos fluidos têm de ser não só Tabela 1.3: Múltiplos e submúltiplos do
sistema internacional (SI).
22 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

dimensionalmente homogéneas (todos os termos têm de ter a mesma


combinação de {M}, {L}, {T} e {Θ}), como todos os termos têm de estar
nas mesmas unidades.

Os ângulos no sistema internacional são representados por


radianos. Um radiano, contudo, é uma unidade adimensional já que é
definido usando o rácio de 2 comprimentos, 1 rad = P/2πr, em que P
é o perímetro de uma circunferência de raio r. A velocidade angular
no SI é, portanto, definida em rad⋅s−1 e tem dimensões {T−1 }.

Propriedades Termodinâmicas dos Fluidos Exs. 1.3., 1.4., 1.5., 1.6.

A massa volúmica de um fluido é definida como o rácio entre a Massa volúmica


massa de uma determinada quantidade de fluido e o volume que esta
ocupa. Para líquidos, a massa volúmica é praticamente constante e
estes fluidos são considerados incompressíveis. O símbolo usado para
a massa volúmica é ρ (letra grega ró) e as unidades são as da massa
sobre um volume, ou seja, kg⋅m−3 .

A gravidade específica é uma outra forma de representar a massa Gravidade específica


volúmica de um fluido, comparando-a com a de um fluido de refe- ou massa volúmica relativa
rência. Pode portanto ser entendida como uma massa volúmica relativa.
No caso de líquidos, o fluido de referência é a água e a gravidade es-
pecífica é definida como SGlíq = ρlíq /ρágua . No caso dos gases, usa-se
a massa volúmica do ar ao nível do mar para uma atmosfera padrão,
SGgás = ρgás /ρar . Pela definição da gravidade específica percebe-se que
é uma quantidade adimensional. A abreviatura SG é frequentemente
usada para denotar a gravidade específica.

O peso específico é definido como o peso da massa de uma deter- Peso específico
minada quantidade de fluido sobre o volume que esta ocupa. Relaciona-
se com a massa volúmica através de γ = ρg em que g é a aceleração
gravitacional, g = 9.81 m⋅s−2 . O peso específico é representado pelo
símbolo γ (letra grega gama) e tem unidades N⋅m−3 .

A pressão é a tensão de compressão que atua sobre qualquer ponto Pressão


de um fluido. É uma força por unidade de área e, como tal, tem unida-
des Pa=N⋅m−2 . Usa-se o símbolo p (letra p minúscula) para designar
a pressão. Numa parcela de um fluido em repouso a pressão atua em
todas as direções com a mesma magnitude, enquanto que em super-
fícies sólidas atua na perpendicular à superfície. São muitas vezes os
gradientes de pressão que provocam escoamentos de um fluido de zo-
nas de alta pressão para zonas de baixa pressão. Estamos muitas vezes
mais interessados em diferenças de pressão e não necessariamente em
introdução à mecânica dos fluidos 23

valores absolutos. Uma diferença de pressão frequentemente usada


é a diferença entre a pressão total (ou absoluta) e a pressão atmosfé-
rica. A esta pressão chamamos de pressão relativa, que é definida como
prel = pabs − patm . Uma pressão relativa negativa é chamada de pressão Pressão relativa vacuométrica
vacuométrica e é portanto uma pressão inferior à pressão atmosférica. e pressão relativa manométrica

Por contraste, uma pressão relativa positiva é designada por pressão


manométrica e é uma pressão superior à pressão atmosférica.

A pressão de vapor é a pressão para a qual um líquido passa ao Pressão de vapor


estado gasoso e está em equilíbrio com o seu próprio vapor. Se a pres-
são do líquido for maior do que a pressão do vapor, a única troca de
moléculas através da superfície é por evaporação. Se, por outro lado,
a pressão do líquido for inferior à pressão do vapor, bolhas de vapor
começam a formar-se no líquido, num processo designado por cavita-
ção. Este fenómeno pode ter graves consequências no funcionamento Cavitação
de máquinas de fluxo.

Equações de estado descrevem a forma como as propriedades ter-


modinâmicas de um fluido se relacionam. Apesar de gases comuns
(por exemplo, o ar) não serem estritamente gases perfeitos, a utilização
da equação de estado de um gás perfeito é uma excelente aproximação
para a grande maioria dos gases em engenharia, Equação de um gás perfeito

p = ρRT , (1.1)

em que R = c p − cv é uma constante específica para cada gás (por exem-


plo, para o ar, R = 287 J/kg⋅K), e p e T são a pressão (em Pa) e tempe-
ratura (em K) absolutas, respetivamente.

Figura 1.4: Deformação de uma parcela


A viscosidade de um fluido é a propriedade responsável pela resis-
de fluido sob uma tensão de corte [3]
tência que este oferece a uma tensão de corte. Considere o fluido em
movimento da figura 1.4 em que as camadas superiores do fluido têm
uma velocidade superior às camadas inferiores. Após um pequeno in-
tervalo de tempo, δt, a parcela retangular inicial PQRS move-se para
a direita mas sofre uma deformação ganhando a forma do trapézio
P′ Q′ R′ S′ . Note-se que o grau de deformação da parcela não depende
apenas do deslocamento de P′ Q′ em relação a S′ R′ (devido à diferença
de velocidade das duas camadas, δu), mas também da distância verti-
cal entre elas (figura 1.5). Por outras palavras, o parâmetro relevante é
Figura 1.5: A parcela da esquerda
o gradiente da velocidade na direção transversal ao escoamento, ∂u/∂y,
está sujeita a uma taxa de deformação
considerando y como a direção vertical neste caso (figura 1.6). Esta superior [3]
quantidade é chamada taxa de deformação. Taxa de deformação

Newton (1642-1727) postulou que a tensão de corte, τ (letra grega tau,


unidades N⋅m−2 ), entre 2 camadas de fluido paralelas é proporcional

Figura 1.6: Taxa de deformação [3]


24 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

ao gradiente de velocidade na direção perpendicular a essas camadas,


através de uma constante de proporcionalidade, µ,

∂u
τ=µ , (1.2)
∂y
em que µ (letra grega mu) é uma constante para um determinado
fluido e temperatura (e, em menor medida, pressão), designada de
viscosidade dinâmica. As unidades da viscosidade dinâmica são geral- Viscosidade dinâmica
mente expressas em kg⋅m−1 ⋅s−1 . Em muitos problemas da mecânica
dos fluidos envolvendo viscosidade, é importante estabelecer a rela-
ção entre as forças viscosas e as forças de inércia. Como as primeiras
são proporcionais à viscosidade dinâmica, µ, e a inércia é proporcio-
nal à massa volúmica, ρ, o rácio ν = µ/ρ é frequentemente usado. Esta
quantidade é chamada de viscosidade cinemática, tem como símbolo ν Viscosidade cinemática
(letra grega nu), e unidades m2 ⋅s−1 ,

µ
ν= . (1.3)
ρ

A viscosidade de um fluido varia bastante pouco com a pressão


do fluido (por exemplo, o valor de µ para o ar aumenta apenas 10%
para uma pressão 50 vezes superior à atmosférica). A temperatura,
contudo, tem um impacto muito mais dramático no valor da viscosi-
dade. Um aumento da temperatura do fluido leva a um aumento da
viscosidade de gases. Duas aproximações frequentemente usadas para
calcular a viscosidade de um gás em função da temperatura são a lei de
potência e a lei de Sutherland, Variação da viscosidade de um gás com a
temperatura
⎧ T n
µ ⎪ ⎪( ) ,
⎪ lei de potência,
≈ ⎨ T0 3/2 (1.4)
µ0 ⎪ (T/T0 ) (T0 +S)


⎩ T+S , lei de Sutherland,

onde n, T0 , µ0 e S são constantes para o gás em questão. Em com-


paração, um aumento da temperatura leva a uma diminuição da visco-
sidade de um líquido. Uma aproximação possível é o polinómio, Variação da viscosidade de um líquido com a
temperatura

µ T T 2
ln ≈ a+b( 0)+c( 0) , (1.5)
µ0 T T
em que a, b, c, T0 e µ0 são constantes para o líquido em questão.

Um fluido Newtoniano é um fluido para o qual a equação 1.2 é Fluido Newtoniano


linear, ou seja, em que a viscosidade não depende da taxa de deforma-
ção ∂u/∂y, variando somente em função da temperatura (e pressão) do
fluido. Essa suposição é válida para a maioria dos fluidos, incluindo
água, óleo, glicerina, mercúrio e todos os gases comuns.
introdução à mecânica dos fluidos 25

Um fluido não-Newtoniano é um fluido cuja viscosidade depende Fluido não-Newtoniano


também da taxa de deformação que o fluido sofre, ou seja,

∂u
µ= f( ) (1.6)
∂y
tornando a equação 1.2 não-linear. Há um número grande de flui-
dos não-Newtonianos, com diferentes comportamentos. Fluidos cuja
viscosidade diminui com o aumento da taxa de deformação, são cha-
mados de pseudo-plásticos. Exemplos incluem leite, sangue ou barro.
Fluidos com o comportamento oposto, isto é cuja viscosidade aumenta
com a taxa de deformação, são designados de dilatantes. Soluções con-
centradas de amido em água são geralmente fluidos dilatantes.
Um outro tipo de comportamento não-Newtoniano é a variação da
viscosidade do fluido, não com a magnitude da taxa de deformação,
mas com o tempo de aplicação desta. Assim, fluidos cuja viscosi-
dade efetiva diminui com o tempo para a mesma taxa de deformação
são fluidos tixotrópicos enquanto que fluidos cuja viscosidade aparenta
aumentar são denominados de fluidos reopéticos. O estudo do com-
portamento de fluidos não-Newtonianos é abordado na disciplina de
reologia.

Propriedades de Fluidos Comuns


Figura 1.7: Comportamento de fluidos
não-Newtonianos: a) taxa de defor-
Para facilidade de referência, a tabela 1.4 contém uma série de pro- mação vs tensão de corte; b) tensão
priedades de fluidos comuns, a 20°C, com relevância neste texto. Para de corte vs tempo, para uma taxa de
deformação constante [4]
uma lista muito mais exaustiva de fluidos e para propriedades a outras
temperaturas. consultar [4] ou [3], entre muitos outros.

Fluido ρ µ ν
[kg⋅m−3 ] [kg⋅m−1 ⋅s−1 ] [m2 ⋅s−1 ]
Ar 1.2 1.8×10−5 1.51×10−5
Gasolina 680.0 2.9×10−4 4.22×10−7
Água 998.0 1.0×10−3 1.01×10−6
Alcóol etílico 789.0 1.2×10−3 1.52×10−6
Mercúrio 13580.0 1.5×10−3 1.16×10−7
Óleo SAE30 891.0 0.29 3.25×10−4
Glicerina 1264.0 1.50 1.18×10−3
Tabela 1.4: Propriedades principais de fluidos comuns a 20°C

Tensão Superficial Exs. 1.7., 1.8.

A tensão superficial resulta das forças entre as moléculas de um


líquido e as forças (de diferente magnitude) entre as moléculas do
líquido e de outra substância em contacto com o líquido. O símbolo
Figura 1.8: Forças moleculares junto à
que representa a tensão superficial é o Υ (letra grega upsílon) e as superfície dão origem à tensão superfi-
cial [5]
26 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

suas unidades são N⋅m−1 (ou kg⋅s−2 ). Note-se que, apesar de ser uma
tensão, a tensão superficial é uma força por unidade de comprimento,
e não por unidade de área, como é normal para uma tensão. Um
aumento de temperatura faz reduzir a tensão superficial de todos os
líquidos porque diminui as forças de coesão entre as moléculas do
líquido. A adição de outras substâncias a um líquido pode também
fazer baixar radicalmente a sua tensão superficial, como é o caso de
uma gota de detergente num reservatório de água.
Um líquido em contacto com um sólido leva à formação de forças
de aderência entre as moléculas do líquido e as do sólido. Se essas
forças de aderência forem superiores às forças de coesão, a área de
contacto entre fluido e sólido aumenta, e diz-se que o líquido molha Figura 1.9: Diferentes ângulos de
o sólido. Por exemplo, a água molha uma parede de vidro limpo, contacto entre uma gota de água e
várias superfícies sólidas [6]
mas o mercúrio não, porque as suas forças de coesão são superiores às
forças de aderência. O ângulo de contacto entre a superfície do fluido e Ângulo de contacto
a parede do sólido depende da relação entre estas forças moleculares.
É devido à tensão superficial que se formam alturas capilares. Note-
se que as alturas capilares podem ser estar acima ou abaixo do nível
inicial do fluido, dependendo se a superfície tem uma curvatura con-
vexa ou côncava quando encontra a parede do sólido. A força da
tensão superficial atua sempre na direção do lado côncavo. Numa si-
tuação de equilíbrio, a força devido à tensão superficial será igual ao
peso do líquido deslocado, como ilustrado na figura 1.10. É também
devido à tensão superficial que as gotas dos líquidos têm uma forma
esférica na ausência de outras forças. Nessa situação, a tensão super-
ficial está em equilíbrio com a pressão dentro da gota, pgota , que terá
de ser superior à pressão externa de forma a estar em equilíbrio com
a tensão superficial (ver figura 1.10).

Características do Campo de Velocidade Exs. 1.1., 1.2., 1.3.

Por escoamento designamos o movimento do fluido. Assim, quan-


tidades como caudal, rotação ou vorticidade são propriedades do es-
coamento, enquanto que temperatura, viscosidade ou massa volúmica
são propriedades do fluido. Figura 1.10: Altura capilar, h, sus-
tentada pela tensão superficial:
A velocidade (assim como as restantes quantidades) pode variar
Υ cos θ ⋅ πd = ρg ⋅ h ⋅ πd2 /4 (i.e.
não só no espaço como no tempo. Usando coordenadas Cartesianas, o h = 4Υ cos θ/ρgd))
campo vetorial de velocidade pode ser definido como, Campo vetorial da velocidade

⃗ y, z, t) = u(x, y, z, t)⃗ı + v(x, y, z, t)⃗ȷ + w(x, y, z, t)⃗k,


V(x, (1.7)

em que u, v e w são as componentes do vetor velocidade nas direções


horizontais x, y e vertical z, respetivamente, também elas funções de
(x, y, z, t).

Figura 1.11: Pressão no interior de uma


gota de líquido em equilíbrio com a
tensão superficial: pgota ⋅ πr2 = Υ ⋅ 2πr
introdução à mecânica dos fluidos 27

A aceleração do escoamento é dada pela derivada material (ou subs-


tancial) do campo de velocidade, ou seja a derivada tomada ao longo
do percurso das parcelas de fluido:

dV
⃗ du dv dw ⃗
⃗a = = ⃗ı + ⃗ȷ + k. (1.8)
dt dt dt dt
Como cada componente escalar (u,v,w) também depende do tempo
e espaço, temos, usando u como exemplo,

du ∂u ∂u ∂x ∂u ∂y ∂u ∂z
= + + + =
dt ∂t ∂x ∂t ∂y ∂t ∂z ∂t
(1.9)
∂u ∂u ∂u ∂u
= +u +v +w .
∂t ∂x ∂y ∂z

Tomando a derivada material também para as componentes v e w e


substituindo na equação 1.8, resulta em,

∂V ∂V ⃗ ∂V
⃗ ∂V ⃗ ∂V
⃗a = + (u +v +w ) ou ⃗a = + (V
⃗ ⋅ ∇) V
⃗. (1.10)
∂t ∂x ∂y ∂z ∂t
° ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
local convectiva

O primeiro termo do lado direito da equação 1.10, diz respeito a vari-


ações temporais do campo de velocidade, isto é, representa a variação
no tempo da velocidade num determinado ponto do escoamento e,
como tal, é designado de aceleração local. O segundo conjunto de ter- Aceleração local
mos representa a aceleração que a parcela de fluido sofre devido ao
seu movimento para uma zona de velocidade diferente do ponto onde
se encontrava. Esta é chamada de aceleração convectiva. Aceleração convectiva

Há 2 estratégias distintas no estudo de um escoamento. Na pri-


meira, o padrão do escoamento é estudado, sendo a análise focada no
que se passa em determinadas áreas do escoamento, em vez do que
se passa com parcelas individuais do fluido. Esta é chamada de des-
crição Euleriana. Por contraste, a estratégia alternativa tenta descrever Descrição Euleriana
o movimento de parcelas individuais de fluido, obtendo assim uma
descrição do escoamento no seu todo quando os resultados para cada
parcela forem agrupados. Designa-se esta estratégia por descrição La-
grangeana. O trânsito numa autoestrada é muitas vezes usado como Descrição Lagrangeana
um exemplo de cada uma: numa estratégia Euleriana, são medidas as
velocidades médias do trânsito em vários pontos da autoestrada, igno-
rando as velocidades de veículos específicos; numa descrição Lagran-
geana, as velocidades de cada carro são registradas ao longo de todo
o percurso e, se se quiser, a velocidade média do trânsito em determi-
nado troço pode ser calculada a partir das velocidades individuais de
cada carro. ∎
28 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

1.1. Um fluido escoa através de uma secção em contracção de um tubo, conforme a figura. Uma sonda
de velocidade inserida na secção (1) mede um valor permanente u1 =1 m/s, enquanto uma sonda
semelhante na secção (2) regista u2 =3 m/s permanente. Calcule a aceleração do fluido, sendo ∆x= 10
cm. R: a ≈ 40 m⋅s−2 .
1.2. Um campo de velocidade é dado por V = Kxti − Kytj + 0k, onde K é uma constante positiva. Avalie (a)
∇ ⋅ V e (b) ∇ × V. R: (a) 0 (b) 0
1.3. De acordo com a teoria de escoamento potencial, à medida que um escoamento uniforme se aproxima
de um cilindro de raio R ao longo da linha de simetria AB na figura, a velocidade tem somente um
componente:
R2
u = U∞ (1 − 2 ) para − ∞ < x ≤ −R (1.11)
x
onde U∞ é a velocidade do escoamento longe do cilindro. Usando os conceitos do exercício 1 encontre,
(a) A localização do ponto da máxima desaceleração ao longo de AB, R: x = −1.291R
2
(b) e o seu valor. R: −0.372U∞ /R

exercício 1.1. exercício 1.3.

1.4. Ar a 1 atm e 20ºC tem uma energia interna de aproximadamente 2.100E5 J⋅kg−1 . Se esse ar se move
a 150 m/s a uma altitude de z=8 m, qual é a sua energia total, relativa ao nível de referência z=0?
Alguma dessas contribuições é desprezável? R: e = 221.3 kJ⋅kg−1
1.5. Um bloco de peso P desliza para baixo num plano inclinado enquanto é lubrificado por um filme de
óleo, como mostra a figura. A área de contacto do filme é A e a sua espessura é h. Considerando uma
distribuição linear de velocidade no filme, deduza uma expressão para a velocidade "terminal"V do
bloco (com aceleração igual a zero). R: V = hPµA
sen θ

1.6. A correia da figura move-se a uma velocidade constante V e desliza no topo de um tanque com óleo
SAE 30W (óleo a 20ºC com µ = 0.29 kg⋅m−1 ⋅s−1 ). Considerando uma distribuição linear do perfil de
velocidade no óleo, desenvolva uma expressão para a potência necessária para o accionamento da
correia – P(h, L, V, b, µ) – e obtenha o valor dessa potência para a situação em que V = 2.5 m⋅s−1 , L = 2
m, b= 60 cm e h= 3 cm. R: P = 73 W
1.7. Deduza uma expressão para a variação da altura capilar h para um fluido de tensão superficial Υ e
ângulo de contacto θ entre duas placas verticais paralelas separadas por uma distância W, como na
figura (considere que a dimensão das placas na direcção perpendicular ao papel é b). Qual será o valor
de h para água a 20ºC se W = 0.5 mm? R: h = 2Υ cos θ/(ρgW), h = 30 mm
introdução à mecânica dos fluidos 29

exercício 1.5. exercício 1.6.

1.8. Um anel de arame fino, com 3 cm de diâmetro, é erguido da superfície da água a 20 o C. Desprezando-
se o peso do arame, qual é a força necessária para erguer o anel? Esta é uma boa maneira de medir a
tensão superficial? O arame deveria ser feito de algum material particular? R: F = 0.014 N

exercício 1.7.
2. Hidrostática

A hidrostática é o ramo da mecânica dos fluidos que lida com os casos


em que não há movimento relativo entre as parcelas do fluido. Neste
capítulo, a equação geral da hidrostática é apresentada e usada para
determinar a distribuição da pressão num fluido em repouso. Esse
conhecimento é depois usado para determinar as forças exercidas por
um fluido em repouso sobre superfícies sólidas, assim como forças de
impulsão e a estabilidade de corpos flutuantes. A equação geral da
@p
hidrostática é a seguir aplicada a fluidos em movimento como corpo p+ dz
@z
rígido, fechando-se o capítulo com uma descrição de tipos de instru-
mentos para medição da pressão.
p

Equação Geral da Hidrostática Exs. 2.2., 2.3., 2.4.


@p
p z p+ dy
Tomando primeiro o caso genérico de uma parcela de fluido com @y
dz P
massa volúmica ρ, em movimento com aceleração ⃗a, sujeita a três ti- x
y

dx
pos de forças: a) forças de pressão a atuar na superfície da parcela de @p
p+ dx
@x dy
fluido; b) forças gravíticas, i.e. o peso da parcela de fluido; e c) for-
ças viscosas associadas à variação de velocidade dentro da parcela de
p
fluido. Graficamente, as forças gravíticas e de pressão estão represen-
tadas na figura 2.1 enquanto que as forças viscosas estão ilustradas na Figura 2.1: Forças gravíticas, peso P, e
de pressão sobre uma parcela de fluido
figura 2.2, sob a forma de tensões de corte paralelas e tensões normais
perpendiculares às faces da parcela cúbica de fluido. ⌧zz
Sem derivar cada um dos termos, a soma das forças a atuar sobre a
parcela de fluido é dada por: ⌧zy
⌧zx
∑ F⃗ = ρ ⃗a = ⃗
−∇p + µ∇2 u⃗ + ρ g⃗ . (2.1) ⌧yz
± ² ¯ ⌧xz
forças de pressão forças viscosas forças gravíticas
z ⌧yy
Considere as forças em x a atuar na parcela de fluido da figura 2.1. ⌧xy ⌧yx
y
A força devido à variação de pressão ao longo da direção x é igual a, ⌧xx x
∂p ∂p
Fx = p ⋅ dy dz − (p + dx) ⋅ dy dz = − dx dy dz . (2.2)
∂x ∂x ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
volume Figura 2.2: Tensões de corte e tensões
normais devido a gradientes de veloci-
A força por unidade de volume, f x = Fx /(dx dy dz), é portanto igual ao dade. Componentes simétricas nas faces
gradiente de pressão em x mas com sinal contrário, indicando que a opostas não estão representadas.
32 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

força atua no sentido em que a pressão diminui. Para y e z a análise é


idêntica pelo que,
⎡f ⎤ ⎡∂p/∂x⎤
⎢ x⎥ ⎢ ⎥
⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⃗ ,
⎢ f y ⎥ = − ⎢∂p/∂y⎥ = −∇p (2.3)
⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢ fz ⎥ ⎢ ∂p/∂z ⎥
⎣ ⎦ ⎣ ⎦
em que o operador ∇p
⃗ é o vetor gradiente de pressão.. Gradiente da pressão

No caso de um fluido em repouso, a sua velocidade e aceleração Note-se que o peso da parcela é igual
são zero. Logo, pela 2ª lei de Newton, o somatório das forças a atuar a ρ ⋅ dx dy dz ⋅g, pelo que o peso por
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
massa
na parcela é também igual a zero. Contudo, para além de forças de unidade de volume é apenas ρ ⋅ g = γ,
pressão, a única outra força a atuar na parcela da figura 2.1 é o peso ou seja, o peso específico.
que atua para baixo em z, pelo que
⎡∂p/∂x⎤ ⎡ 0 ⎤
⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢∂p/∂y⎥ = ⎢ 0 ⎥ Ô⇒ ∂p = −ρg . (2.4)
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ∂z
⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢ ∂p/∂z ⎥ ⎢−ρg⎥
⎣ ⎦ ⎣ ⎦
Esta é a equação fundamental da hidrostática, também escrita como
∇p = ρ g⃗. Para se determinar a pressão do fluido em qualquer ponto é
⃗ Equação fundamental da hidrostática
preciso integrar a equação 2.4,

p = ∫ −ρg dz . (2.5)

Para um fluido incompressível, ρ é uma constante, logo o integral 2.5 Distribuição da pressão num fluido incom-
é igual a, pressível

p + ρgz = constante , (2.6)


em que o valor da constante é uma pressão conhecida para um deter-
minado valor de z. Por exemplo, no caso de um líquido, para um valor
de z na superfície do líquido, a constante será a pressão atmosférica,
p a . A equação 2.6 afirma que quando se sobe em altura num fluido Pressão atmosférica
(i.e. z aumenta), a pressão baixa de forma à soma p + ρgz se manter
contante. No sentido oposto, um aumento de profundidade (diminui-
ção de z) leva a um aumento da pressão p. Também se pode inferir da
equação que, se ρ for constante a pressão não varia no plano horizontal.

Mais comummente, é utilizada a distância vertical entre dois pontos,


∆z = h, atribuindo-se o sinal positivo ou negativo a h consoante se
desce ou sobe em profundidade, respetivamente. Usando uma qual-
quer pressão conhecida, p1 , como o valor da constante, a equação 2.6
transforma-se então em,
Figura 2.3: Variação da pressão p em
z: p2 = p a , p1 = p a + ρg(h1 + h2 ),
p2 = p1 ± ρgh . (2.7) p3 = p1 − ρgh2 = p2 + ρgh1
A pressão atmosférica é por vezes
A pressão varia pois linearmente com a profundidade para um
dada em termos da altura da coluna
fluido incompressível e pode ser expressa em termos de uma altura de mercúrio (ρHg ≈ 13600 kg⋅m−3 ),
p a ≈ 101325 Pa ≡ 760 mmHg
hidrostática 33

de coluna do fluido, h = p/ρg. Esta forma de representar a pressão


será frequentemente usada neste documento. Altura de coluna de fluido

Esta relação entre a altura de um fluido e a pressão é ilustrada pelo


barril de Pascal. Nesta experiência, atribuída (talvez apocrifamente) a
Blaise Pascal (1623-1662), um tubo de 10 m é inserido num barril cheio
de água. Com o enchimento desse tubo, a pressão no barril aumenta
em ∆p = ρgh ≈ 105 Pa≈ 1 atmosfera, levando ao rebentamento do barril.

Distribuição da Pressão na Atmosfera Ex. 2.1.

Para gases, a massa volúmica ρ pode variar em z como no caso da


atmosfera terrestre. Nesse caso, para se determinar o integral da equa-
ção 2.5 tem de se conhecer a variação de ρ em altura. Considerando Figura 2.4: Barril de Pascal [7]
que o ar se comporta como um gás perfeito, das equações 1.1 e 2.4
resulta que, Note-se que como já determinámos
que p só varia com z, a derivada dp/dz
dp pg dp g dz deixou de ser uma derivada parcial
= −ρg = − ⇐⇒ =− . (2.8) como na equação 2.4
dz RT p R T

Se se considerar que a temperatura é constante, a variação da pres-


são numa atmosfera isotérmica é dada pela integração da equação 2.8 Variação da pressão em altura para uma
com T = const., atmosfera isotérmica
p
= e−gz/RT , (2.9)
p0
em que p0 é a pressão (absoluta) ao nível do mar (z = 0), igual a 101350
Pa na atmosfera padrão.
Na realidade, contudo, a temperatura na atmosfera decresce com
a altitude até cerca de 11 km (topo da troposfera), com um gradiente
térmico vertical, B = 0.0065 K⋅m−1 . Ou seja, a temperatura varia em Variação da temperatura na troposfera
z, segundo T = T0 − Bz, em que T0 é a temperatura ao nível do mar,
z [m] T [K] p [Pa] ρ [kg⋅m−3 ]
T0 = 15 °C= 288.15 K na atmosfera padrão. Substituindo esta relação na
-500 291.41 107508 1.2854
equação 2.8 e integrando obtém-se a variação da pressão na atmosfera, 0 288.16 101350 1.2255
500 284.91 95480 1.1677
1000 281.66 89889 1.1120
p Bz g/RB 1500 278.41 84565 1.0583
( ) = (1 − ) . (2.10) 2000 275.16 79500 1.0067
p0 T0 2500 271.91 74684 0.9570
3000 268.66 70107 0.9092
3500 265.41 65759 0.8633
4000 262.16 61633 0.8191
4500 258.91 57718 0.7768
Medição da Pressão Ex. 2.6. 5000 255.66 54008 0.7361
5500 252.41 50493 0.6970
6000 249.16 47166 0.6596
Os instrumentos de medição de pressão podem dividir-se em 4 tipos 6500 245.91 44018 0.6237
7000 242.66 41043 0.5893
de instrumentos, consoante o seu princípio de funcionamento. Note-se 7500 239.41 38233 0.5564
8000 236.16 35581 0.5250
que nenhum instrumento mede a pressão absoluta, mas sempre uma 8500 232.91 33080 0.4949
9000 229.66 30723 0.4661
diferença de pressões. 9500 226.41 28504 0.4387
10000 223.16 26416 0.4125
10500 219.91 24455 0.3875
11000 216.66 22612 0.3637
Tabela 2.1: Atmosfera padrão
34 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Instrumentos que usam gravidade


Este tipo de instrumentos faz uso da relação entre a pressão e uma
altura de coluna de fluido. O exemplo mais simples é o barómetro, in-
ventado por Evangelista Torrricelli (1608-1647), cuja construção é mos-
trada na figura 2.5. Um tubo de diâmetro suficientemente grande para
minimizar o impacto da tensão superficial é enchido com mercúrio
e posteriormente invertido e colocado num reservatório de mercúrio,
sem tocar no fundo do reservatório.
Neste processo, o mercúrio desce uma pequena altura, na parte su-
perior do tubo, em que a pressão não é um vácuo absoluto mas em
vez disso, é igual à pressão de vapor do mercúrio (≈ 0.16 Pa a 20 °C).
Como a pressão não varia no plano horizontal, a pressão na superfí-
cie do reservatório, igual à pressão atmosférica que se quer medir, é Figura 2.5: Construção de um baróme-
tro [8]
igual à altura de coluna de mercúrio, patm = ρHg gh mais a insignifi- Infelizmente, uma outra propriedade
cante pressão de vapor do mercúrio acima da coluna, que se despreza. do mercúrio, a sua toxicidade, levou a
UE a banir o fabrico de barómetros de
Daqui se deduz as vantagens da utilização de mercúrio puro em baró-
mercúrio em 2007
metros: a altura h é relativamente pequena (uma gama de alturas entre
740 mmHg e 800 mmHg, cobre toda a gama de pressões atmosféricas),
e a sua pressão de vapor é muito baixa, permitindo a formação de
um quase-vácuo no topo do tubo. Note-se portanto, que o barómetro
não mede estritamente a pressão atmosférica, mas a diferença entre a
pressão atmosférica e a pressão do quase-vácuo.

Manómetros são instrumentos que medem a diferença de pressão


entre um determinado ponto e a atmosfera ou, alternativamente, entre
dois pontos. A figura 2.6 mostra um manómetro medindo 2 pressões
diferentes do reservatório. Como há uma massa contínua do mesmo
fluido B entre os pontos P e Q, a pressão nestes 2 pontos é igual, p P =
pQ (já que não varia na horizontal para um fluido com massa volúmica
constante). Como o tubo do manómetro está aberto à atmosfera, a
pressão relativa no reservatório pode ser calculada à custa das alturas
dos fluidos:

pres + ρ A gy = patm + ρ B gx, figura 2.6 (cima)


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
pP pQ

pres + ρ A gy + ρ B gx = patm , figura 2.6 (baixo) .


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ±
pP pQ

No caso de se pretender medir uma diferença de pressão entre dois Figura 2.6: Manómetro para medição da
pressão relativa [3]
pontos é preferível usar um manómetro com duas tomadas de pres-
são, como ilustrado na figura 2.7, ao invés de medir a pressão em cada
ponto separadamente. É importante assegurar que: a) o eixo dos tu-
bos do manómetro sejam perpendiculares à direção do escoamento; b)
as ligações do manómetro à conduta sejam lisas e sem rebarbas que
hidrostática 35

afetem a medição; c) se tirem várias medidas de pressão à volta da


mesma secção da conduta para da média destas se retirar um valor
mais preciso da pressão na secção. No caso da figura 2.7, a diferença
entre pressões é calculada igualando mais uma vez p P = pQ , ou seja,

p1 + ρ A g(x + y) = p2 + ρ A gy + ρ B gx ∴p1 − p2 = (ρ B − ρ A )gx


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
pP pQ

Instrumentos baseados em deformação elástica

Um outro tipo de instrumentos de medição de pressão faz uso da de- Figura 2.7: Manómetro para medição da
diferença de pressão entre 2 pontos [3]
formação elástica de um sólido. Note-se que a precisão deste tipo
de instrumentos não é a melhor. Um exemplo deste tipo de instru-
mentos foi criado por Eugène Bourdon (1808-1884) em que um tubo
de secção elíptica é fixo a uma conduta na parte aberta inferior (ver
figura 2.8). Uma pressão alta leva ao preenchimento do tubo pelo
fluido, tornando a sua secção circular e provocando um ’desenrolar’
do tubo no sentido horário. Essa deformação pode ser usada, através
de engrenagens, para movimentar um ponteiro que indique o valor
da pressão num mostrador. Mais uma vez, este instrumento mede a
diferença entre a pressão do fluido e a que está atuar externamente ao
tubo de Bourdon, tipicamente, patm . Se a pressão do fluido exceder o
limite de deformação elástica do tubo, o desempenho do instrumento
fica comprometido.

Instrumentos elétricos de medição

Para pressões muito altas, pode fazer-se uso da alteração do comporta-


P Figura 2.8: Tubo de Bourdon [3]
mento elétrico de certos materiais sólidos sob pressão para a medir. É
o caso de certos piezómetros que medem a diferença de potencial em
cristais de quartzo, ou o aumento da resistência elétrica de certos me-
tais. Um outro exemplo, são transdutores de pressão capacitivos, em
que os movimentos de um diafragma sujeito a uma diferença de pres-
são provocam uma mudança na sua capacitância que pode ser medida
e convertida numa medição de pressão. (ver figura 2.9)

Figura 2.9: Transdutor de pressão


Instrumentos baseados em comportamento de gases capacitivo [4]

Os instrumentos baseados na medição das propriedades térmicas de


um gás, alteradas pela pressão a que o gás está sujeito, são tipicamente
usadas em aplicações laboratoriais e não serão discutidos aqui.
36 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 2.10: Placa plana submersa com forma e inclinação arbitrárias. Vista lateral e
vista perpendicular à placa [3]

Superfícies planas submersas Exs. 2.8., 2.9., 2.10.

Uma superfície sólida submersa, ou parcialmente submersa, num fluido


sofre forças de pressão em toda a parte da superfície em contacto com
o fluido. A magnitude da pressão em cada ponto é calculada através
da equação geral da hidrostática 2.4 ou das suas variantes para um
fluido incompressível 2.6 ou 2.7. Frequentemente, é importante deter-
minar a magnitude da força resultante da soma dessas pressões assim
como o seu ponto de aplicação e direção.
O caso de um placa plana horizontal é o caso mais simples já que
a pressão não varia ao longo da placa, logo a força é simplesmente
o valor da pressão vezes a área da placa. Como todas as pressões
são perpendiculares à placa (verticais neste caso), também a força re-
sultante será vertical (para baixo na superfície superior, para cima na
superfície inferior). O ponto de aplicação de ambas as forças neste caso
coincidirá com o centroide (centro geométrico) da placa, já que se trata
de uma força uniformemente distribuída. Quando a placa plana faz
um ângulo com a superfície do fluido, há uma variação da pressão ao
longo da placa e o cálculo da magnitude e posição da força resultante
requer mais alguns cálculos.
hidrostática 37

Magnitude da força hidrostática

Considere a superfície plana de forma arbitrária da figura 2.10, que


faz com o plano da superfície um ângulo θ. O centro geométrico da
placa é designado de ponto CG e representado pelo símbolo , e tem
coordenadas (xCG = x, yCG = y), isto é o valor médio de x e y em toda
a placa. A profundidade do centro geométrico é também a profundi-
dade média da placa, hCG = h.

Na análise seguinte, vai ser utilizado o sistema de eixos mostrado


na figura, em que o eixo dos xx é perpendicular ao papel, passando
pelo centróide, enquanto que o eixo dos yy é definido ao longo do
plano da placa, positivo na direção da superfície. Definimos também
uma coordenada adicional, ξ (letra grega ksi), medida ao longo do
plano da placa, a partir da superfície. A força hidrostática a atuar num
dos lados da placa é dada pelo integral das pressões a atuar na placa,

F = ∫ ρg ξ sen θ dA = ρg sen θ ∫ ξ dA . (2.11)


A ´¹¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹¶ A
h

Mas, por definição do centróide, qualquer coordenada x, y ou, neste


caso ξ, da placa integrada ao longo da área, obedece à relação ξ CG A =
∫ A ξ dA. Por conseguinte, a força hidrostática é igual a, Força hidrostática relativa

F = ρg ξ CG sen θ A = ρghCG A . (2.12)


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¶
hCG pCG

Pela equação 2.12 pode-se constatar que a magnitude da força hidros-


tática não é mais do que a pressão média da placa, i.e. a pressão no
centro geométrico, vezes a área.

A força hidrostática acima determinada é devida apenas à pres-


são do fluido em que a placa está submersa, ou seja, a pressão relativa.
Se se pretender calcular a força absoluta, i.e. incluindo a pressão at-
mosférica, a contribuição desta tem que ser adicionada. Nesse caso, Força hidrostática absoluta

F = (patm + ρghCG ) A . (2.13)


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
pabs

Linha de ação da força hidrostática


Note-se que, como a pressão atmosfé-
Para além da magnitude da força hidrostática é frequentemente ne- rica não varia ao longo de toda a área
cessário determinar também a linha de ação dessa força. Ao ponto da placa, não produz momento pelo
que apenas é apenas considerada a
de interseção dessa força com o plano da superfície submersa chama- pressão relativa, i.e. a pressão devido
se centro de pressão, representado pelo subscrito CP. Como a pressão ao fluido no qual a placa está submersa.
38 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

aumenta com a profundidade, a soma dos momentos das pressões em


relação ao centro geométrico da placa será diferente de zero (com a ex-
cepção de uma placa horizontal em que a pressão é constante). Como
tal, a força resultante terá de produzir o mesmo momento do que o
campo de pressão. Matematicamente,

F ⋅ yCP = ∫ yp dA = ∫ y ρg ξ sen θ dA = ρg sen θ ∫ yξ dA . (2.14)


A A A

Substituindo ξ = ξ CG − y, obtém-se,

F ⋅ yCP = ρg sen θ (ξ CG ∫ y dA − ∫ y2 dA) . (2.15)


A A

O primeiro integral dentro do parênteses é igual a zero por defi-


nição do centróide. Logo, notando que ∫ A y2 dA = Ixx — o segundo
momento de inércia da área da placa em ordem a x— e substituindo a
expressão para a força F da equação 2.12, obtém-se,

ρg sen θ Ixx sen θ Ixx


yCP = − =− . (2.16)
F hCG A
Quanto à coordenada xCP do centro de pressão, ela será zero se a
placa for simétrica em relação ao eixo vertical. Nessas condições, os
momentos das forças de pressão do lado −x cancelam os momentos
do lado +x. Se, contudo a placa não for simétrica, como na figura 2.10, Figura 2.11: Momentos e produtos
a mesma análise dos momentos tem que ser feita para x e chega-se à de inércia, e centróides de áreas co-
expressão equivalente para xCP , muns [4]

ρg sen θ Ixy sen θ Ixy


xCP = − =− , (2.17)
F hCG A

em que Ixy é o produto de inércia da área da placa.

Note-se que, como a pressão é sempre maior do lado mais profundo


da placa, a força resultante tem de atuar também do lado mais pro-
fundo para provocar o mesmo momento com o braço ∣yCP ∣. Essa dire-
ção é indicada pelo sinal de yCP que é sempre negativo, já que o eixo
dos yy aponta sempre para a superfície. Já a posição xCP pode ser
positiva ou negativa de acordo com o sinal do produto de inércia, Ixy .

Das equações 2.16 e 2.17, conclui-se também que a posição do centro


de pressão é independente do fluido: note-se que nenhuma proprie-
dade do fluido está presente nas equações. Constata-se também que
quanto mais inclinada estiver a placa em relação à horizontal, maior a
variação de pressão ao longo da área, logo maior o braço da força re-
sultante, yCP para provocar o momento equivalente. Finalmente, pode
também observar-se que quanto mais profunda estiver a placa, maior
será o valor de hCG , e mais próximo do centróide estará o centro de
hidrostática 39

pressão. Isto porque um aumento de hCG faz aumentar linearmente


a força hidrostática F. Logo, para produzir o mesmo momento F é
deslocada por distâncias mais pequenas yCP e xCP .

Superfícies curvas submersas Exs. 2.11., 2.12., ??, 2.14., 2.15.

No caso de uma superfície curva, as forças de pressão têm diferentes


direções—já que são sempre perpendiculares à superfície curva—e,
como tal, não podem ser tão facilmente somadas. Nestas situações,
divide-se o problema em duas componentes: a força horizontal em x
e a força vertical em y.

Componente horizontal
Considere o diagrama de corpo livre da figura 2.12. Estando o fluido
em repouso, as forças têm de estar em equilíbrio pela 2ª lei de Newton.
Nesse caso, a força horizontal a atuar sobre a superfície curva ab tem
de ser igual à força horizontal a atuar na superfície vertical ac. Por
outras palavras, a força horizontal a atuar sobre uma superfície curva é igual
à força horizontal sobre a projeção dessa superfície curva no plano vertical. O Figura 2.12: Diagrama de corpo livre
de um fluido sobre uma superfície
cálculo dessa força reduz-se portanto ao cálculo da força hidrostática curva [4]
sobre uma superfície plana vertical. Por conseguinte, pode-se usar
as equações 2.16 (e 2.17, se necessário) tendo o cuidado de se usar a
área, momento de inércia e inclinação da placa projetada. Usando o
subscrito p, para indicar que se tratam de quantidades referentes à área
projetada, e subscrito H para indicar que se trata do centro de pressão
da componente horizontal (e não ainda da resultante) temos, Magnitude da componente horizontal

FH = ρghCG,p ⋅ Ap , (2.18)

Linha de ação da componente horizontal


sen θp Ixx,p sen θp Ixy,p
yCP,H = − e xCP,H = − . (2.19)
hCG,p Ap hCG,p Ap
b
Note-se que as quantidades θp , hCG,p , Ixx,p e Ap têm o seu normal
significado, tendo apenas de ser calculadas para a área projetada no Área, A
plano vertical. Por exemplo, o valor de θp é sempre 90° já que a área é h
projetada no plano vertical.

pressão, p
Componente vertical
raio, r
Pela análise do diagrama de corpo livre da figura 2.12, é aparente que Figura 2.13: Aqui a força vertical aponta
a componente vertical, FV , tem que ser igual ao(s) peso(s) do(s) fluido(s) para cima e é igual ao peso do fluido
que ocuparia o volume A ⋅ b
por cima da placa.
Magnitude da componente vertical

FV = P1 + P2 + Par = ρ ⋅ V
– 1 ⋅g + ρ ⋅ V
– 2 ⋅g + patm ⋅ As , (2.20)
40 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

em que V– 1 é o volume do fluido definido pelos pontos bcde (vezes a


dimensão perpendicular ao papel), V– 2 é o volume do fluido definido
pelos pontos acb e As é a área da superfície por cima da superfície
curva ab. Linha de ação da componente vertical

A linha de ação da componente vertical é obtida fazendo o balanço


de momentos das parcelas do lado direito da equação 2.20 acerca de
um ponto arbitrário. Usando o ponto ’a’ na figura 2.14, temos
−FV ⋅ rV = − (P1 ⋅ r1 + P2 ⋅ r2 + Par ⋅ r1 ) , (2.21)
a partir da qual rV pode ser calculado, desde que se saiba a posição
dos centróides das áreas bcde e acb.

Centro de pressão para superfícies curvas


Tendo-se calculado a magnitude das componentes horizontal e vertical Figura 2.14: Determinação da linha de
da força hidrostática, a magnitude e direção da força resultante são ação da componente vertical sobre uma
superfície curva
obtidas pela soma vetorial das duas componentes, Magnitude e orientação da força resultante
√ F
FR = FH 2 + F2
V ; α = tg −1 ( V ) (2.22)
FH
Uma vez que a força resultante, FR , resulta da soma vetorial das
componentes horizontal e vertical, a sua linha de ação tem de passar
pela interseção das linhas de ação de FH e FV , i.e. o ponto P da fi-
gura 2.15. Definida a orientação e um ponto, fica definida a reta da
força FR e as coordenadas do centro de pressão, CP, podem ser encon-
tradas.

Esta estratégia é genérica para encontrar o centro de pressão de


qualquer superfície curva, independente da sua forma. Contudo, Centro de pressão para cilindros ou partes
para o caso de superfícies com curvatura fixa (cilindros ou partes de de cilindro

cilindro), o problema é grandemente simplificado pois é facilmente


deduzível que a força resultante tem de passar pelo eixo do cilindro,
neste caso o ponto c. Nessa situação, o cálculo da posição do ponto P
é desnecessária e a determinação de CP pode ser feita à custa da mag-
nitude de FH (eq. 2.18), de FV (eq. 2.20), e posteriormente a magnitude
e orientação de FR (eq. 2.22). As coordenadas do centro de pressão
tomando aqui o ponto ’a’ como a origem são então,
xCP = r ⋅ cos α ; yCP = r − r ⋅ sen α , (2.23)
em que r é o raio do quarto de cilindro (isto é, distância ac = bc).

Impulsão e Estabilidade Exs. 2.16, 2.17

Uma vez que a pressão aumenta com a profundidade, um corpo sub-


merso está sujeito a uma força hidrostática resultante para cima a que
Figura 2.15: Determinação do centro de
pressão duma superfície curva
hidrostática 41

se chama força de impulsão (ou de empuxo), designada pela letra B. Força de impulsão
Considere o corpo submerso com forma arbitrária da figura 2.16.
Como a força vertical sobre uma superfície é igual ao peso do vo-
lume do fluido por cima dela, então a superfície PQR está sujeita a
uma força vertical descendente igual ao peso do fluido que ocupa o vo-
lume V– PMNRQ . Da mesma forma, na superfície inferior do corpo PSR
atua uma força vertical ascendente igual ao peso do volume de fluido
V
– PMNRS . O balanço entre as duas forças resulta num balanço de vo-
lumes, isto é, B = ρg(V
– PMNRS − V– PMNRQ ). Mas a diferença de volume Figura 2.16: Força de impulsão sobre
no parênteses é igual ao volume do próprio corpo. Ou seja, um corpo submerso arbitrário [3]

B = ρg V
– corpo . (2.24)

Por outras palavras, a força de impulsão é igual ao peso do fluido


deslocado pelo corpo. Este é o princípio de Arquimedes (287-212 AC). Arquimedes descobriu este princípio
A força de impulsão atua na vertical ao longo do centróide do corpo, físico ao tentar determinar se a coroa
do rei de Siracusa era de ouro puro ou
assumindo que o fluido tem massa volúmica constante. Nesse caso, o continha prata misturada.
centro de impulsão, também chamado B, coincidirá com o centróide
do corpo.
A um corpo apenas parcialmente submerso, mas em equilíbrio,
chama-se de corpo flutuante. A força de impulsão é calculada da
mesma forma, mas usando apenas o volume da parte submersa do
corpo.

Um corpo flutuante livre de se movimentar quando sujeito ao


efeito combinado do seu peso e da força de impulsão pode estar em
equilíbrio estável ou equilíbrio instável. Considere o caso da figura 2.17
em que o corpo está em equilíbrio em a) na situação em que o peso e
a força de impulsão estão alinhados. Na situação b), o corpo é pertur-
bado por um ângulo ∆θ, mas as forças provocam um momento restau-
rador que restituirá o corpo à sua posição original. No caso c), para
uma perturbação ∆θ maior, o momento já se torna desestabilizador e

Figura 2.17: Estabilidade de um corpo flutuante [4]


42 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

o corpo adornará. Pode demonstrar-se que o momento é restaurador Metacentro


se o ponto M (metacentro), resultante da interseção da linha de ação
da força de impulsão com o eixo de simetria do corpo. Se o ponto M
estiver acima do centro de gravidade G, o momento será restaurador
e a situação é dita estável. Se o ponto M passar para baixo do dentro
de gravidade, a situação é dita instável.

Movimento de corpo rígido

Em certas circunstâncias, as equações da hidrostática podem ser usa-


das para estudar fluidos em movimento. Quando o fluido se movi-
mento em bloco — i.e. como um corpo rígido — , todas as parcelas do
fluido têm a mesma velocidade e direção e não há movimento rela-
tivo entre elas. Nesse caso, não há tensões de corte e os princípios da
hidrostática permanecem válidos.

Translação Exs. 2.18, 2.20 Figura 2.18: Fluido em movimento


de translação como corpo rígido sob
O movimento de um fluido como corpo rígido pode ser produzido aceleração linear uniforme ⃗
a [4]
sujeitando-o a uma aceleração uniforme, ⃗a, ao longo de uma linha
reta. A orientação do vetor ⃗a é indiferente e apenas necessita de ser
constante. Pela 2ª Lei de Newton, essa aceleração tem de ser produzida
por uma força externa ao fluido, que, por unidade de volume, terá de
ser igual a f⃗e = ρ ⃗a, com componentes em x, y e/ou z, dependendo
da orientação do vetor aceleração, ⃗a. Como existe agora esta outra
força a atuar no fluido para além do peso, é necessário incorporá-la na
equação 2.4, o que resulta em, Gradiente de pressão para um fluido em
translação
ax
θ = tg −1 . (2.25)
az + g A’ superfície
original
B’ patm

~a

az
⎡∂p/∂x⎤ ⎡0⎤ ⎡a ⎤ ⎡ a ⎤ zA ax
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ x⎥ ⎢ x ⎥ h A zB
~a
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥
⎢∂p/∂y⎥ = ρ ⎢ 0 ⎥ − ρ ⎢ ay ⎥ = −ρ ⎢ ay ⎥
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ou ⃗ = ρ( g⃗ − ⃗a) (2.26)
∇p ✓
⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ⎢ ⎥ ~g
⎢ ∂p/∂z ⎥ ⎢−g⎥ ⎢ az ⎥ ⎢ a z + g⎥ A xA B ~
⎣ ⎦ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ G
´¹¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹¶ az
z
peso f e =ρ⃗
a
volume
g
=ρ⃗
ax x

A equação 2.26 afirma que a pressão varia ao longo do vetor ( g⃗ −


Figura 2.19: Pressão num fluido em
⃗a) — i.e. vetor G
⃗ na figura 2.18. Por conseguinte, as linhas de pressão
translação como corpo rígido. A partir
constante são perpendiculares a esse vetor. Como a superfície de um das equações 2.27 ou 2.26:
líquido está a pressão constante (tipicamente à pressão atmosférica), ⃗ A = p A′ + ρ(az + g)z A ,
p A = p B′ + ρ∣G∣h
também a superfície tem que ser perpendicular ao vetor G ⃗ e portanto,
p A = p B′ + ρ(az + g)z B +ρa x x A ,
faz um ângulo com a horizontal, ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
pB
No interior do fluido, as linhas de pressão constante são retas para- em que p B′ = patm .
lelas à superfície, com a pressão a aumentar de magnitude no sentido
hidrostática 43

do vetor G.
⃗ A pressão (relativa) em qualquer ponto do fluido pode ser
calculada, através de
⃗ ′ ,
p = ρ∣G∣h (2.27)

em que ∣G∣
⃗ é a magnitude de ( g⃗ − ⃗a) e h′ é a distância à superfície
medida na perpendicular.

Rotação Exs. 2.19, 2.21


Um fluido também pode estar em movimento como corpo rígido se es-
tiver sujeito a uma rotação com velocidade angular constante durante
suficiente tempo. Consideremos primeiro o caso genérico da acele-
ração de uma parcela num referencial não-inercial (i.e. num sistema
de coordenadas ele próprio em movimento de translação e rotação).
Para a parcela e referencial móvel (não-inercial) da figura 2.20, num Aceleração num referencial não-inercial
determinado instante, a posição da parcela com referência ao sistema
de coordenadas fixo (inercial), S⃗i , é igual a,

S⃗i = R
⃗ + ⃗r , (2.28)

ou seja, é igual à soma do vetor posição do referencial móvel, R


⃗ e
do vetor posição da parcela em relação a esse referencial móvel, ⃗r.
Derivando em ordem ao tempo, obtém-se a velocidade da parcela (em
relação ao referencial inercial),

⃗ + dR + Ω

V
⃗i = V ⃗ × ⃗r , (2.29)
dt
em que Ω
⃗ é a velocidade angular do sistema não-inercial. Derivando
uma segunda vez para se obter a aceleração, produz,
Figura 2.20: Movimento de uma parcela
⃗ d2 R dΩ num sistema de coordenadas não-
dV
⃗ai = + 2 + × ⃗r + 2Ω ⃗ ×V ⃗ +Ω
⃗ × (Ω ⃗ × ⃗r) , (2.30) inercial [4]
dt dt dt ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶
° ± ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ IV V
I II III

em que o termo I é a aceleração da parcela no sistema inercial, o termo


I I é a aceleração linear do próprio sistema inercial, o termo I I I é o
efeito da aceleração angular do sistema inercial, o termo IV é a ace-
leração de Coriolis e o termo V é a aceleração centrípeta da parcela. Aceleração de Coriolis
No caso do movimento de rotação como corpo rígido de um fluido, o
eixo de rotação está tipicamente fixo e a aceleração do fluido reduz-se
ao termo da aceleração centrípeta, que atua ao longo do eixo radial,

Ω ⃗ × ⃗r) = −rΩ2⃗ır ,
⃗ × (Ω (2.31)

em que r é a distância da parcela ao eixo de rotação e ⃗ır é o vetor


unitário na direção radial, a apontar para fora, como ilustrado na fi-
gura 2.21.

Figura 2.21: Fluido em movimento de


rotação como corpo rígido [4]
44 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Ou seja, o fluido está sujeito a uma aceleração ao longo da direção


radial, para além da aceleração gravítica no eixo vertical. Substituindo
as duas componentes na equação ∇p ⃗ = ρ( g⃗ − ⃗a), e usando um sistema
A’
de coordenadas (r,θ,z) obtém-se,
B’

⎛⎢⎢ 0 ⎥⎥ ⎢⎢−rΩ2 ⎥⎥⎞


⎡ ∂p/∂r ⎤ ⎡ ⎤ ⎡ ⎤
⎢ ⎥
⎢ ⎥ hA
⎢∂p/∂θ ⎥ = ρ ⎜⎢ 0 ⎥ − ⎢ 0 ⎥⎟ . (2.32) hB
⎢ ⎥ ⎜⎢ ⎥ ⎢ ⎥⎟
⎢ ⎥ ⎝⎢⎢−g⎥⎥ ⎢⎢ 0 ⎥⎥⎠
⎢∂p/∂z⎥ C
⎣ ⎦ ⎣ ⎦ ⎣ ⎦ rC
h’C
rA B
Num fluido em rotação como corpo rígido, a pressão varia portanto
de duas formas: aumenta em profundidade, como para um fluido em
repouso, mas aumenta também com a distância ao eixo de rotação Figura 2.22: Pressão num fluido em
(mas não há variação da pressão com o ângulo θ). Para estas duas rotação como corpo rígido. A partir da
equação 2.34, [4]:
direções, r e z, o gradiente da pressão é portanto,
p A = p A′ + ρgh A ,
∂p ∂p p B = p A − 21 ρr2A Ω2 = p B′ + ρgh B ,
= ρrΩ2 e = −ρg . (2.33)
pC = p B − ρgh′C + 21 ρrC2 Ω2 ,
∂r ∂z
Se for conhecida a pressão na superfície, tipicamente patm , a pressão em que p A′ = p B′ = patm
em qualquer ponto (r,θ,z)) do fluido pode ser conhecida através da
expressão,
1
p = p0 + ρr2 Ω2 − ρgz . (2.34)
2
Se a equação 2.34 for aplicada à pressão atmosférica na superfície, e
resolvida para z obtém-se a equação que define a forma da superfície,

r 2 Ω2
z= , (2.35)
2g

que é uma forma parabólica. Como a pressão varia linearmente em


z, todas as linhas isobáricas (i.e. de pressão constante) são também
parábolas paralelas à superfície.
Determinação do nível médio de fluido
A determinação do nível do fluido em repouso obtém-se por in-
tegração do volume abaixo da superfície definida pela equação 2.35.
Considere o caso genérico de um reservatório cilíndrico de raio R com
um volume inicial de fluido πR2 (H0 + hméd ), a rodar em torno de um
eixo descentrado do eixo do cilindro por uma excentricidade e, como
na figura 2.23. Tomando um ponto arbitrário P(x, y), na superfície, a
sua distância r ao eixo de rotação é dada por,

r= (r′ cos θ + e)2 + r′2 sen 2 θ
r2 = r′2 cos2 θ + e2 + 2r′ e cos θ + r′2 sen 2 θ
r2 = r′2 + e2 + 2r′ e cos θ

em que r′ é a distância do ponto P ao eixo do cilindro. O volume de


fluido é obtido por integração da equação 2.35 à qual se soma o volume
hidrostática 45

de fluido abaixo de z = 0,
R 2π Ω2 ′2 2 P(x,y)
πR2 (H0 + hméd ) = πR2 H0 + ∫ ∫ (r + e + 2r′ e cos θ)r′ dθdr′
0 0 2g r r’
! "
Ω 2 R
πR2 hméd = 2π ∫ (r′2 + e2 )r′ dr′ e
2g 0

ou seja,
Ω2 R2 !
hméd = ( + e2 ) (2.36)
2g 2
z=hmáx
A altura máxima da superfície ocorre para a maior distância ao eixo z P
z=hméd
de rotação, quando θ = 0 e r = R + e, r
z=0

Ω2
hmáx = (R + e)2 , (2.37) H0
2g
e
como se esperaria da equação 2.35.
Das duas equações anteriores conclui-se ainda que, para o caso mais
comum em que o eixo de rotação coincide com o eixo do cilindro, i.e. R

não há excentricidade, e = 0, então, Figura 2.23: Fluido em rotação como


corpo rígido com excentricidade
Ω2 R2 Ω2 R2 h
hméd = e hmáx = Ô⇒ hméd = máx (2.38) !
4g 2g 2

isto é, o nível médio do fluido (i.e. o nível em repouso) é equidis- z


z=hmax
hmax/2
z=hm
tante das cotas mínima e máxima da superfície que ocorrem, respeti- hmax/2
z=0
vamente, no eixo de rotação (r = 0) e nas paredes do cilindro (r = R) r
(ver figura 2.24). ∎
H0

R
Figura 2.24: Fluido em rotação como
corpo rígido sem excentricidade
46 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

2.1. A cidade americana de Atlanta, no estado da Geórgia, tem uma altitude média de 335 m. Num dia
padrão (Tabela A.6 do livro de Frank White), a pressão absoluta A numa experiência de laboratório
é de 93 kPa e a pressão absoluta B é de 105 kPa. Expresse essas leituras em pressão manométrica ou
pressão vacuométrica (Pa), conforme for mais apropriado. R: p A = 4.4 kPa vacuométrica e p B = 7.6 kPa
manométrica
2.2. O ponto mais profundo conhecido dos oceanos está a 11034 m na Fossa das Marianas no Pacífico.
A essa profundidade o peso específico da água do mar é de aproximadamente 10520 N⋅m−3 . Na
superfície, γ ≈ 10050 N⋅m−3 . Calcule a pressão absoluta a essa profundidade, em atm. R: 1121 atm
2.3. Na figura, a pressão manométrica em A é de 1.5 kPa (manométrica). Os fluidos estão a 20o C. Determine
as elevações z, em metros, dos níveis dos líquidos nos piezómetros B e C. R: z B = 2.73 m e zC = 1.93 m
2.4. O sistema da figura está a 20o C. Se a pressão no ponto A é de 90973 Pa, determine as pressões nos
pontos B, C e D em Pa. Considere 1 ft igual a 0.3 m. R: p B = 88036 Pa, pC = 99763 Pa e p D = 105659 Pa
2.5. Na figura, a pressão no ponto A é 172.37 kPa. Todos os fluidos estão a 20ºC. Qual é a pressão do ar na
câmara fechada B, em Pa? R: 171000 Pa

exercício 2.3. exercício 2.4. exercício 2.5.

2.6. Considere o escoamento de água para cima em um tubo inclinado a 30º, de acordo com a figura. O
manómetro de mercúrio marca h = 12 cm. Ambos os fluidos estão a 20ºC. Qual é a diferença de pressão
∆p = p1 − p2 no tubo? R: ∆p = 26100 Pa
2.7. Na figura, o tanque e o tubo estão abertos à atmosfera. Se L = 2.13 m, qual é o ângulo de inclinação θ
do tubo? R: 25o
2.8. A comporta AB da figura tem 1.2 m de comprimento e 0.8 m de largura. Desprezando a pressão
atmosférica, calcule a força F sobre a comporta e a posição X do seu centro de pressão. R: FAB =
38750 N, X ≈ 0.615 m
2.9. A comporta AB da figura tem uma massa homogénea de 180 kg, 1.2 m de largura, é articulada em A
e está apoiada num fundo liso em B. Todos os fluidos estão a 20ºC. Para que profundidade da água h
a força no ponto B será zero? R: h = 2.52 m
2.10. A comporta ABC da figura tem uma dobradiça em B (eixo de rotação perpendicular à folha de pa-
pel) e 2 m de largura. A comporta abrirá em A para libertar água se a profundidade da água for
suficientemente alta. Calcule a profundidade h para a qual a comporta começará a abrir? R: 1.35 m
hidrostática 47

exercício 2.6. exercício 2.7. exercício 2.8.

2.11. A barragem da figura é um quarto de círculo de 50 m de largura. Determine as componentes horizontal


e vertical da força hidrostática sobre a barragem e o ponto CP onde a resultante actua na barragem. R:
FH = 97.9 MN, FV = 153.8 MN, tomando como origem o ponto onde a barragem toca no fundo do rio,
xCP = 10.71 m e yCP = 3.13 m

exercício 2.9. exercício 2.10. exercício 2.11.

2.12. A comporta da figura é um quarto de círculo com R = 8 ft (1 ft = 0.3048 m) e uma largura de 10 ft


(dimensão perpendicular ao desenho), que pode rodar em torno do ponto B. Determine a força F que
evita a abertura da comporta se o peso desta for de 13344.7 N e a linha vertical de ação desta força
passar a uma distância de (R − 2R/π) à direita de B. R: F ≈ 33277 N
2.13. Um cilindro sólido e longo de raio R = 1.2 m, articulado no ponto A, é concebido para abrir automa-
ticamente quando a água (ρ = 998 kg⋅m−3 ) atinge uma altura de H = 3 m acima do solo, como mostra
a figura. Determine o peso do cilindro (por metro), assumindo que tem uma massa homogénea. R:
P ≈ 32220 N⋅m−1
2.14. O tanque da figura tem 3 m de largura. Desprezando a pressão atmosférica, calcule (a) a força hidros-
tática horizontal (b) a força hidrostática vertical (c) a força resultante sobre o painel de um quarto de
círculo BC. R: (a) 940 kN (b) 1074 kN (c) 1427 kN, θ = −48.8o com a horizontal
2.15. A comporta da figura é um quarto de círculo com R = 4 ft (1 ft = 0.3048 m) e uma largura de 8 ft
(dimensão perpendicular ao desenho). Determine as componentes horizontal e vertical da força hi-
drostática sobre a comporta e a sua linha de ação. R: Fv ≈ 10148 N, Fh ≈ 35557 N, a força resultante
sobe com θ = 15.9o com a horizontal e passa pelo centro virtual da circunferência
48 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

R
exercício 2.12. exercício 2.13. exercício 2.14.

2.16. A lata da figura 2.17. flutua na posição mostrada. Qual é o seu peso em N ? R: 5 N
2.17. Um balão de ar quente deve ser projectado para suportar uma cesta, cordas e uma pessoa para um
peso total de 1300 N. O material do balão tem uma massa de 60 g⋅m−2 . O ar ambiente está a 25ºC e
1 atm. O ar quente dentro do balão está a 70ºC e 1 atm. Qual o diâmetro mínimo do balão esférico
que suportará o peso total? Despreze o tamanho da abertura de entrada de ar quente. R: D ≈ 12.6 m

exercício 2.15. exercício 2.16. exercício 2.18.

2.18. Uma caneca contendo um líquido é transportada no interior de um veículo que se desloca com uma
aceleração de 7 m⋅s−2 , como representado na figura. A caneca tem 10 cm de profundidade, 6 cm de
diâmetro e na situação de repouso possui líquido com 7 cm de profundidade. Admitindo que o líquido
se vai movimentar como um corpo rígido, (a) determine se ele irá ou não transbordar da caneca e (b)
calcule a pressão manométrica no canto, ponto A, se a massa específica do líquido for 1010 kg⋅m−3 . R:
(a) Não transborda. (b) p A = 906 Pa
2.19. A caneca do problema anterior é retirada do veículo, sendo agora colocada numa mesa giratória e rodar
em torno do seu eixo central, como apresentado na figura. Admitindo um movimento de rotação em
que o fluido se comporta como um corpo rígido, determine (a) a velocidade angular que irá fazer
o líquido atingir exactamente o bordo da caneca e (b) a pressão manométrica no ponto A para essa
condição. R: Ω = 345 rpm (b) p A = 990 Pa
hidrostática 49

2.20. Um tanque parcialmente cheio de água acelera uniformemente em x com aceleração a. As pressões
relativas nos pontos A e B são de 1 kPa e 7 kPa, respetivamente. a) Sabendo que h = 50 cm, l1 = 20 cm,
determine a magnitude da aceleração a; b) se l2 = 15 cm, calcule a pressão no ponto C, c) calcule o
ângulo θ que a superfície forma com a horizontal. R: (a) a = 5.53 m⋅s−2 (b) pC = 7.83 kPa, (c) θ = 29.4°
2.21. O tubo em V de 45º da figura contém água e está aberto em A e fechado em C. Qual é a rotação
uniforme, em torno do eixo AB, que fará com que a pressão seja igual nos pontos B e C. Para essa
condição, em que ponto do ramo BC a pressão será mínima? R: (a) Ω = 8.09 rad/s (b) r ≈ 0.15 m

A
H a
h
C B

l2 l1
exercício 2.19. exercício 2.20. exercício 2.21.
50 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios de Exame

Exame de 18 de abril de 2018

A comporta plana da figura tem l = 3 m de comprimento e b = 2 m


de largura na direção perpendicular ao papel, formando um ângulo θ
com a horizontal.

a) Determine a magnitude da força F (aplicada na perpendicular e do


lado exterior da comporta na sua extremidade inferior) necessária para
impedir que a comporta rode em torno do ponto A, situado no centro
da placa. Assuma os seguintes valores: h = 2.4 m, θ = 43o e massa
volúmica da água, ρ = 998 kg⋅m−3 . (4 valores) R: F = 20031.1 N

b) Descreva qual o efeito do valor de h no valor da força F. (1 valor)


R: F é independente do valor de h

Exame de 3 de julho de 2018


patm
Um bloco de betão na forma de prisma de secção triangular isósceles b

é pousado numa superfície plana e usado como um dique para con-


ter um nível H de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ). O bloco tem uma massa H 2O patm
uniforme de 1600 kg. H

A secção triangular tem uma base W = 1 m, um ângulo β = 80o e


b b A
uma largura na direção perpendicular à figura de b = 1 m.
W
a) Determine a magnitude da força hidrostática e o seu ponto de apli-
cação se H = 2, 5 m. (2,5 valores) R: F = 31066.9 N, ponto de aplicação
está a 0.846 m acima da base, medido ao longo da face inclinada do
bloco (yCP = −0.423 m)

b) Determine se, para esse nível de água, o bloco tombará rodando em


relação ao ponto A. (2,5 valores) R: ∑ M = −13046 Nm, logo o momento
é horário e o bloco tomba.

Exame de 11 de setembro de 2018

A figura mostra uma comporta de 3/8 de circumferência de raio R = b patm


3
água, r = 998 kg/m
2 m e largura b = 3 m (na direção perpendicular ao papel) que se en-
contra submersa em H = 4 m de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ). A comporta FA
H
está apoiada numa parede lisa em A e pode rodar em torno do ponto R
A
B. Determine:
patm
B 45º

a) a força hidrostática sobre a comporta (3 valores) R: F = 270471.1 N


hidrostática 51

b) a força de reação FA no ponto A (2 valores) R: FA = 136686.2 N

Exame de 4 de julho de 2017

A comporta circular a—c da figura, de R = 2 m e largura b = 1 m, pode


rodar em torno de a. Esta comporta separa dois canais de água (ρ =
1000 kg⋅m−3 ), que na situação atual possuem H1 = 3 m e H2 = 2.5 m.
Para esta configuração determine:

a) As componentes horizontais e verticais das forças hidrostáticas so-


bre a comporta curva, considerando o sistema de eixos representado
na figura. (2.5 valores) R: lado esq. FH = 39240 N (→), FV = −28041 N
(↓), lado dir. FH = −29430 N (←), FV = 18231 N (↑)

b) A força a aplicar no ponto c para que a comporta fique na iminência


de abrir, se se admitir que o peso da comporta é desprezável. Se não
resolveu a alínea anterior arbitre as componentes das forças e justifique
os valores escolhidos. (2.5 valores) R: FC = 9810 N (↑)

Exame de 20 de julho de 2013

Considere o tubo em U em rotação com mercúrio (ρ = 13500 kg⋅m−3 )


no seu interior. Adimitindo que o fluido se movimenta como um
corpo rígido, que o ambiente se encontra à pressão atmosférica (patm =
101325 Pa) e para a situação em que H1 = 0.2 m, H2 = 0.12 m, L1 = 0.1 m
e L2 = 0.05 m, determine:

a) a velocidade Ω de rotação do tubo. (2 valores) R: Ω = 14.47 rad⋅s−1

b) a pressão máxima absoluta que se desenvolve no interior do tubo


e a sua posição. Se não resolveu a alínea anterior considere que Ω =
100 × H1 rad⋅s−1 . (2 valores) R: canto inferior esquerdo, p = 127812 Pa

Exame de 17 de julho de 2018

Um recipiente cúbico tem lado l = 0.5 m e contém um determinado Ω

volume de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ). O recipiente é posto a rodar em A

torno de um eixo vertical que passa pelo centro do cubo com uma
velocidade de rotação de 60 rpm. Observando-se que, em rotação, a B

altura de água no eixo central do cubo (ponto C) é zC = 0.2 m, medida


C
a partir do fundo do recipiente, determine:
y z
x
a) A altura de água no ponto A, i.e. a altura de água nas arestas
internas do cubo. (2 valores) R: z A = 0.452 m l
l

Ω
52 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

b) A altura de água no ponto B, i.e. a altura de água a meio das faces


internas do cubo. (2 valores)R: z B = 0.326 m

c) O valor e localização da pressão relativa máxima que ocorre no vo-


lume de água (1 valor) R: vértice na base, p = 4420.5 Pa (manométrica)
3. Relações Integrais para Volumes de Controlo

Como abordado no fim do capítulo 1, há duas formas de analisar um


escoamento: a) usando uma descrição lagrangeana para caracterizar o
movimento e trajetória de partículas individuais do fluido; ou b) de-
finindo uma região finita do escoamento a que chamamos de volume
de controlo e integrando as equações fundamentais da mecânica dos
fluidos em torno desse volume. Esta última técnica designa-se por
descrição euleriana e será a técnica usada neste capítulo. As equações
fundamentais na mecânica dos fluidos são quatro equações conserva-
tivas: 1) conservação de massa, 2) conservação de quantidade de mo-
vimento linear, 3) conservação de quantidade de movimento angular,
e 4) conservação de energia. Neste capítulo far-se-á uso do Teorema
de Transporte de Reynolds para obter soluções integrais destas 4 equa-
ções em volumes de controlo.

Caudal Volúmico e Caudal Mássico

Neste capítulo usar-se-ão frequentemente os conceitos de caudal volú-


mico e caudal mássico, pelo que é conveniente defini-los à partida. O Caudal volúmico
caudal volúmico, Q representa a quantidade de volume de um fluido
que atravessa uma determinada superfície, S, por unidade de tempo,
e tem unidades m3 ⋅s−1 . O seu cálculo requer portanto a integração ao
longo dessa superfície da componente da velocidade perpendicular a
S,
Q = ∫ (V⃗ ⋅n
⃗) dA = ∫ Vn , (3.1)
S S
em que n ⃗ é o vetor normal unitário perpendicular à superfície S — a
apontar para fora — e Vn é a velocidade perpendicular a dA.
No caso do escoamento numa conduta, o integral da equação 3.1
reduz-se ao produto da velocidade média, V ou simplesmente V, pela
área seccional da conduta, A,

Q = VA . (3.2)

O caudal mássico representa a quantidade de massa de um fluido Caudal mássico


que atravessa uma determinada superfície S, por unidade de tempo.
54 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

O símbolo usado é ṁ, e tem unidades kg⋅s−1 . É obtido multiplicando


a expressão para o caudal volúmico pela massa volúmica do fluido,

ṁ = ∫ ρ(V
⃗ ⋅n
⃗) dA = ∫ ρVn . (3.3)
S S

Note-se que para um fluido compressível, a massa volúmica tem tam-


bém de ser integrada ao longo da área S. Para o caso do escoamento
incompressível numa conduta,

ṁ = ρVA , (3.4)

em que V é a velocidade média ao longo da secção da conduta. Conse-


quentemente, os caudais mássico e volúmico relacionam-se através de,

ṁ = ρQ . (3.5)

Considere a conduta de secção variável da figura 3.1a. Na secção a,


o caudal é dado por ṁ a = ρ a Va A a . Como não há nem entradas nem
saídas de fluido entre as secções a e b, o caudal mássico na secção b é
forçosamente igual. Logo,

ṁ a = ṁb = ṁ
(3.6)
ρ a Va A a = ρb Vb Ab

Se o fluido for incompressível, ρ a = ρb = ρ, então também o caudal


volúmico é igual nas duas secções,

Va Ab A
Q a = Qb Ô⇒ Va A a = Vb Ab Ô⇒ = Ô⇒ Va = Vb b . (3.7)
Vb A a Aa

Ou seja, para um aumento da área da secção (Ab > A a ) há uma conse-


quente diminuição da velocidade (Vb < Va ) e vice-versa. Se as áreas A a
e Ab forem circulares, as velocidades podem ser relacionadas através
dos diâmetros d a e db , em que Va = Vb (db /d a )2 .

Equações Fundamentais da Mecânica dos Fluidos

As equações fundamentais da mecânica dos fluidos estão escritas para


sistemas, que são definidos como conjuntos definidos de massa de um
fluido, separados do exterior por fronteiras.

Conservação de Massa
Pela definição do que é um sistema, a sua massa tem de permanecer
constante no tempo* , * ignorando reações nucleares
Equação de conservação de massa para um
dm sistema
m = constante ou, =0 . (3.8)
dt
relações integrais para volumes de controlo 55

No caso de sólidos, em que não há fluxos de massa esta equação não


tem geralmente utilidade mas, no caso da mecânica dos fluidos, é uma
equação primordial chamada de equação da conservação de massa de
um sistema.

Conservação de Quantidade de Movimento Linear

Se a massa de fluido de um sistema sofrer uma força externa, F,


⃗ entrará
em aceleração ⃗a pela 2ª lei de Newton que afirma que* , * ignorando efeitos relacionados com a
relatividade
Conservação de quantidade de movimento
dV
⃗ d linear para um sistema
F⃗ = m ⋅ ⃗a = m = (mV)
⃗ . (3.9)
dt dt

Ao termo mV ⃗ designa-se de quantidade de movimento linear. Note-se


que esta equação é vetorial e portanto dá azo a uma equação algébrica
por direção (x, y e z). A esta equação chama-se de conservação de
quantidade de movimento linear para um sistema.

Conservação de Quantidade de Movimento Angular

De forma similar, um momento externo acerca de um qualquer ponto


O, Mo , produzirá uma variação da quantidade de movimento angular
da massa de fluido que compõe o sistema, Conservação de quantidade de movimento
angular para um sistema

⃗ o = d Ho = d (⃗ro × mV)

M ⃗ (3.10)
dt dt

em que Ho designa a quantidade de movimento angular e ro é o vetor


posição do centro de massa do sistema em relação ao ponto O. Por
comparação entre as equações 3.9 e 3.10, constata-se que a quantidade
Mo é o momento da quantidade de movimento linear, em que Mo = ⃗ro × F,

como se esperaria.

Conservação de Energia

A quarta conservação conservativa relaciona a taxa de variação da


energia do sistema de fluido com a taxa de transferência de calor para
o fluido e a taxa de trabalho efetuado pelo fluido,

dE dQ dW
= − , (3.11)
dt dt dt

em que E é a energia do sistema, Q é aqui calor — e não caudal vo-


lúmico —, e W é trabalho efetuado pelo fluido. Por convenção, calor
transferido para o fluido e trabalho efetuado pelo fluido são quantida-
des positivas.
56 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

a)

b)
b

Tempo = t a

Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3

Volume de controlo fixo

b
Tempo = t + !t a

Figura 3.1: a) velocidade média numa conduta de secção variável; b) sistemas de fluido
a passar por um volume de controlo

Teorema de Transporte de Reynolds

Relembra-se que as equações anteriores (3.8, 3.9, 3.10 e 3.11) foram


escritas para sistemas de massa de um fluido. Contudo, para seguir-
mos uma descrição euleriana do escoamento de um fluido é necessário
transformá-las em equações aplicadas a um volume finito do escoa-
mento. Para isso, usa-se o teorema de transporte de Reynolds (TTR)
que se apresenta de seguida.

Considere agora os três sistemas de fluido a escoarem pela


mesma conduta (ver figura 3.1b). Assume-se que a velocidade na con-
duta é mono-dimensional, variando apenas ao longo do escoamento
com a mudança de área seccional, mas constante ao longo de cada
secção. Define-se ainda um volume de controlo (VC) — colorido a
azul — entre as secções a e b da conduta. Assume-se ainda que o VC
é fixo e não deformável.
relações integrais para volumes de controlo 57

Defina-se uma grandeza genérica B que represente uma qualquer


grandeza do escoamento (massa, quantidade de movimento linear ou
angular, ou energia) e ainda β = dB/dm, a quantidade correspondente
por unidade de massa.
Pela análise da figura 3.1b, há três possíveis variações na quantidade
B dentro do volume de controlo: a) a taxa de variação temporal de B
dentro do volume de controlo, b) o fluxo de B a sair do volume de
controlo pela secção b e o fluxo de B a entrar no volume de controlo
pela secção a. Matematicamente, a variação de B dentro do VC é dada
por,

dB Bt+dt − BVC t
( ) = VC =
dt VC dt
[Bt+dt − (βρ dV – )sai + (βρ dV – )ent ] − B2t
= 2 =
dt
Bt+dt − B2t (3.12)
= 2 − (βρAV)sai + (βρAV)ent .
dt ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ fluxo de saída fluxo de entrada
variação de B de B de B
no sistema 2
=dB2 /dt

Note-se que o primeiro termo do lado direito representa a variação


temporal da quantidade B no sistema 2. A equação 3.12 relaciona assim
a variação temporal de uma quantidade de um sistema de massa de Figura 3.2: Generalização para um
fluido com a variação temporal num volume de controlo. Resolvendo volume de controlo e campo de veloci-
a equação 3.12 para dB2 /dt, e generalizando para um qualquer sistema dade arbitrários, [4]

de fluido, obtém-se, TTR para um VC mono-dimensional, fixo,


não deformável
dB ∂(βρ)
( ) =∫ dV
– +(βρAV)sai − (βρAV)ent . (3.13)
dt sist VC ∂t
Na equação 3.13 foi derivada assumindo que os fluxos de entrada
e saída são mono-dimensionais. Para o volume de controlo genérico
da figura 3.2, a equação 3.13 pode ser generalizada para um campo
arbitrário de velocidade, TTR para um VC arbitrário, fixo, não
deformável
dB ∂(βρ)
( ) =∫ – + ∫ βρ(V
dV ⃗ ⋅n
⃗) dA , (3.14)
dt sist VC ∂t SC

em que (V ⃗ ⋅n
⃗) é a componente do vetor velocidade perpendicular à
superfície do volume de controlo, SC.
Finalmente, e generalizando ainda mais o TTR, inclui-se o caso em
que o volume de controlo está em movimento com velocidade cons-
tante V
⃗VC em relação ao fluido. Nesse caso, os fluxos da quantidade
genérica B que entram e saem tem de ser calculados à custa da velo-
cidade relativa do fluido em relação ao VC. A equação 3.14 mantém a
sua forma substituindo-se apenas a velocidade absoluta do fluido pela
velocidade relativa, V
⃗r = V
⃗ −V
⃗VC , TTR para um VC arbitrário, com velocidade
constante, não deformável
58 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

dB ∂(βρ)
( ) =∫ – + ∫ βρ(V
dV ⃗r ⋅ n
⃗) dA , (3.15)
dt sist VC ∂t SC

Tendo derivado o Teorema de Transporte de Reynolds, aplica-


se agora o TTR a cada uma das equações fundamentais. No caso da
conservação de massa, as propriedades genéricas são substituídas por,

B=m ; β = dB/dm = 1 . (3.16)


Logo, para um VC com fluxos de massa mono-dimensionais, fixo e Exs. 3.1., 3.2.
não-deformável (equação 3.13), a equação de conservação de massa
para um sistema (3.8) resulta em, Conservação de massa para um VC
fixo, não-deformável, com fluxos mono-
dm ∂ρ dimensionais
( ) =
dt sist ∫VC ∂t dV
– + ∑ ṁsai − ∑ ṁent =0 (3.17)
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ fluxos de fluxos de
variação da massa saída de massa entrada de massa
no VC

No caso de o escoamento ser estacionário — i.e. não variar no tempo — ,


então ∂ρ/∂t = 0 o que implica que os fluxos de massa a sair do VC têm
que igualar os fluxos de massa que entram, ∑ ṁsai = ∑ ṁent .

Para a segunda equação fundamental, a da conservação de


quantidade de movimento linear, as propriedades genéricas B e β são
agora substituídas por,

B = mV
⃗ ; β = dB/dm = V
⃗ . (3.18)

Substituindo 3.18 na equação 3.13 e igualando ao somatório de forças Exs. 3.5., 3.3., 3.4.
como em 3.9, produz, Conservação de quantidade de movimento
linear para um VC fixo, não-deformável,
d(mV)⃗ ∂(ρV) ⃗ com fluxos mono-dimensionais
(
dt
) = ∫VC ∂t
dV – + ∑ (ṁV) ⃗
sai
− ∑ (ṁV) ⃗
ent
= ∑ F⃗ .
sist ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ±
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ fluxos de fluxos de somatório de (3.19)
variação da saída de quantidade de entrada de quantidade de forças
quantidade de movimento movimento linear movimento linear sobre o VC
linear no VC

Para a equação de conservação de quantidade de movimento


angular, equação 3.10, as propriedades genéricas no TTR tomam os
seguintes valores, as propriedades genéricas são substituídas por, Exs. 3.7., ??

B = m(⃗r × V)
⃗ ; β = dB/dm = ⃗r × V
⃗ . (3.20)

De forma similar à quantidade de movimento linear, substitui-se B e β


na equação 3.13 e iguala-se ao somatório de momentos, ∑ M⃗ o, Conservação de quantidade de movimento
angular para um VC fixo, não-deformável,
com fluxos mono-dimensionais
⎛ d (m(⃗ro × V))
⃗ ⎞ ∂ (ρ(⃗ro × V))

=∫ dV – + ∑ (ṁ(⃗ro × V)) ⃗
sai ∑
− (ṁ(⃗ro × V)) ⃗
ent
= ∑M ⃗o . (3.21)
⎝ dt ⎠ VC ∂t ´¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹¶
sist ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ fluxos de fluxos de somatório de
variação da saída de quant. de entrada de quant. de momentos
quant. de movimento sobre o VC
movimento angular movimento angular
angular no VC
relações integrais para volumes de controlo 59

Note-se que as equações 3.19 e 3.21 pressupõem que os fluxos de


quantidade de movimento são mono-dimensionais (velocidade uni-
forme em cada entrada e saída). Como a velocidade aparece impli-
citamente ao quadrado (já que o caudal mássico também contém o
termo velocidade), esta suposição terá de ser corrigida para casos em
que haja uma variação grande da velocidade do fluido ao longo das
secções de saída e entrada, uma vez que o quadrado da velocidade
média é algebricamente diferente da média dos quadrados de cada
velocidade ao longo cada secção.

A magnitude destes fatores de correção da quantidade de


movimento depende portanto do perfil da velocidade nas secções de Figura 3.3: Perfis de velocidade numa
entrada e de saída do volume de controlo. No caso de um escoamento conduta de secção circular para regime
laminar (preto) e turbulento (cor)
laminar numa conduta de secção circular de raio R, o perfil de veloci- (m = 1/9). Os dois perfis têm a mesma
dade é dado por, velocidade média (e consequentemente
o mesmo caudal) representada pela
r2
u = U0 (1 − 2 ) , (3.22) linha vertical.
R
em que r é a distância radial ao centro da conduta e U0 é a velocidade
máxima no centro da conduta (ver figura 3.3) e que pode ser demons-
trado que é igual ao dobro da velocidade média, U0 = 2V. O fator de
correção, β pode ser calculado a partir do integral da quantidade de
movimento deste perfil, de forma a que,

ρ ∫ u2 dA = βρV 2 A , (3.23)

em que A é a área seccional da conduta. Substituindo o perfil u da


equação 3.22 produz um fator de correção da quantidade de movi-
mento para regime laminar β = 4/3.. Fator de correção da quantidade de movi-
Para perfis turbulentos, a velocidade média é muito mais próxima mento para regime laminar

ao valor da velocidade máxima (ver figura 3.3), havendo menor va-


riação na magnitude da velocidade ao longo da secção da conduta.
Como tal, também os valores de β são menores para regimes turbu-
lentos. Considerando um perfil de velocidade turbulento com a forma
genérica aproximada de,

r m
u = U0 (1 − ) , (3.24)
R
em que o expoente m toma valores entre 1/9 ≤ m ≤ 1/5 dependendo do
escoamento. Nesse caso, os valores do fator de correção da quantidade
de movimento podem ser obtidos através de, Fator de correção da quantidade de movi-
mento para regime turbulento
(1 + m)2 (2 + m)2
β= . (3.25) m β
2(1 + 2m)(2 + 2m)
laminar 4/3

Na tabela 3.1 podem ser consultados os valores de β que resultam m = 1/5 1.037
m = 1/6 1.027
da equação 3.25 para magnitudes típicas de m. m = 1/7 1.020
m = 1/8 1.016
m = 1/9 1.013
Tabela 3.1: Fatores de correção da
quantidade de movimento para per-
fil laminar e para perfis turbulentos
com diferentes valores de m (ver equa-
ção 3.25)
60 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

As equações 3.19 e 3.21 retornam as forças e momentos a atuar no


volume de controlo. Contudo, estas forças e momentos podem ter vá-
rias origens: forças mecânicas exercidas por paredes sólidas, forças de
pressão a atuar ao longo da superfície do volume de controlo ou forças
gravíticas (peso do fluido dentro do VC). Se a toda a volta da super-
fície de controlo (SC), a pressão for a mesma —tipicamente a pressão
atmosférica—, então as suas contribuições anulam-se em lados opostos
e a força total reduz-se a zero, independentemente da forma do VC.
Se, por outro lado, houver partes da superfície de controlo sujeitas a
pressões de magnitude diferente então a contribuição dessas forças de
pressão tem de ser incluída nas equações 3.19 e 3.21. Note-se que ape-
nas são aqui relevantes pressões diferentes da pressão que envolve o
resto do VC. Se esta última for a pressão atmosférica, então apenas as
pressões relativas (positivas ou negativas) têm uma contribuição para
os termos Fp e Mo,p nas equações abaixo.
Por exemplo, se se pretenderem apenas as forças e momentos mecâ-
nicos para um escoamento permanente, com fluxos mono-dimensionais,
as equações 3.19 e 3.21, passam a

+ ∑ (ṁV)
⃗ − (ṁV)
sai ∑
⃗ = F⃗ + F⃗ + F⃗ .
ent ∑ m ∑ p ∑ g
(3.26)

+ ∑ (ṁ(⃗ro × V))
⃗ − (ṁ(⃗ro × V))
sai ∑
⃗ =
ent ∑
M
⃗ o,m + ∑ M
⃗ o,p + ∑ M
⃗ o,g .
(3.27)
Note-se que estas equações são vetoriais pelo que as direções e sen- Exs. 3.14.
tidos das forças de pressão (atuando sempre na perpendicular à su-
perfície do volume de controlo e para dentro) e das forças gravíticas
(sempre verticais e a apontar para baixo) têm que ser corretamente
introduzidos.

Finalmente, aplica-se o TTR à equação de energia 3.11. Neste caso


as propriedades genéricas B e β são substituídas por,

B=E ; β = dB/dm = e = û + 12 V 2 + gz , (3.28)

onde e é a energia total do fluido por unidade de massa* composta *Efeitos químicos, nucleares ou electro-
por û, a energia interna do fluido, por 12 V 2 , a energia cinética, e por gz magnéticos na energia do fluido são
aqui ignorados
que representa a energia potencial. Substituindo 3.28 na equação 3.13
e igualando ao lado direito da equação 3.11, resulta em,

dE dQ dW ∂(eρ)
= − =∫ – + ∫ eρ(V
dV ⃗ ⋅n
⃗) dA . (3.29)
dt dt dt VC ∂t SC

Neste documento não se abordarão situações em que haja transferência


de calor de ou para o fluido e portanto considerar-se-á que dQ/dt = 0.† †
Em problemas em que a transferência
de calor é relevante, contudo, este
termo conteria as contribuições da
transferência de calor de ou para o
fluido por condução, convecção e/ou
radiação.
relações integrais para volumes de controlo 61

Quanto ao termo do trabalho ele será dividido em 3 contribuições dis-


tintas: a) trabalho efetuado por máquinas de fluxo (bombas, turbinas,
ventiladores, etc.), Wveio = Wv , independentemente da máquina ter um
veio ou não; b) trabalho efetuado por forças de pressão, Wp , a atuar
sobre a superfície do volume de controlo (o trabalho das forças de
pressão internas cancela-se dentro do VC); e c) trabalho associado às
tensões viscosas, Wµ . Ou seja,

Ẇ = Ẇv + Ẇp + Ẇµ =


³¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ · ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ µ ³¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ · ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ µ
(3.30)
= Ẇv + ∫ p(V ⃗) dA + ∫
⃗ ⋅n −τ ⋅ V
⃗ dA .
SC SC

Agrupando o trabalho das forças de pressão, Wp , com o último termo


da equação 3.29 e relembrando que a entalpia por unidade de massa,
ĥ = û + p/ρ, obtém-se a equação geral de energia para um volume de
controlo fixo, não-deformável,

∂ (ρ(û + 12 V 2 + gz))
∫VC ∂t
– +∫
dV
SC
(ρ(ĥ + 12 V 2 + gz)) (V
⃗ ⋅n
⃗) dA = Q̇ − Ẇv − Ẇµ .
(3.31)
À semelhança das equações gerais para a conservação de massa e
de quantidade de movimento linear e angular, também a equação de
energia 3.31 é consideravelmente simplificada para regime permanente
com entradas e saídas mono-dimensionais. Considerando um volume
de controlo com uma entrada 1 e saída 2 em regime permanente em
que o trabalho das forças viscosas é desprezável, chega-se a,

Q̇ − Ẇv = −ṁ1 (ĥ1 + 12 V12 + gz1 ) + ṁ2 (ĥ2 + 12 V22 + gz2 ) , (3.32)

ou, por unidade de massa e tendo em conta que ṁ1 = ṁ2 = ṁ,

ĥ1 + 12 V12 + gz1 = ĥ2 + 12 V22 + gz2 − q + wv . (3.33)

A equação 3.33 é mais convenientemente expressa em termos de altura Exs. 3.9., 3.10., 3.11., 3.12., 3.13.
de coluna de fluido, h [unidades metro] (não confundir com entalpia
ĥ). Para isso substitui-se a entalpia pela soma da energia interna e Conservação de energia para um VC
componente da pressão e dividem-se todos os termos por g, chegando- fixo, não-deformável com 2 fluxos mono-
dimensionais
se a,

p1 V12 p2 V22
+ + z1 = + + z2 + h p − hb + ht , (3.34)
ρg 2g ρg 2g ¯ ´¹¹ ¹ ¹ ¸¹ ¹ ¹ ¶
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ ´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶ perda de =wv /g ,
energia do energia disponível carga energia injetada
escoamento à entrada à saída por bombas, hb
ou extraída
por turbinas, ht

onde a perda de carga, h p = (û2 − û1 − q)/g, resulta das perdas por fric-
ção e perdas localizadas em que o escoamento incorre entre o ponto 1
62 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

e 2, e cujo cálculo será o principal tema do capítulo 5 para escoamentos


em condutas. O trabalho das máquinas de fluxo foi dividido em ter-
mos positivos (ht para turbinas que ao extraírem energia têm o mesmo
sinal positivo de h p ) e termos negativos (hb para bombas que, ao in-
jetarem energia, têm o sinal contrário). Outra forma de representar
a equação anterior, é juntar do lado esquerdo as contribuições positi-
vas de energia, i.e. energia inicial mais energia injetada por eventuais
bombas, e do lado direito somar a energia que resta mais a energia
que se perdeu (h p ) ou foi extraída por turbinas (ht ) existentes entre 1 e
2. Nesse caso,

p1 V12 p2 V22
+ + z1 + h b = + + z2 + h p + h t . (3.35)
ρg 2g ρg 2g

Relembra-se que as equações 3.34 e 3.35 têm unidades de metros. É


por vezes conveniente exprimir as mesmas equações em unidades de
pressão, multiplicando-as pelo peso específico, γ = ρg,

1 1
p1 + ρV12 + ρgz1 + pb = p2 + ρV22 + ρgz2 + p p + pt . (3.36)
2 2
As equações, em qualquer das suas variantes, serão muito usadas
no capítulo 5, querendo-se frequentemente relacionar pressão ou al-
tura de coluna de fluido com a potência hidráulica de máquinas de fluxo.
Relembra-se aqui que, quer para bombas quer para turbinas, Potência hidráulica

Pb,t = ρghb,t Q = pb,t Q . (3.37)

Estas equações de energia 3.35 e 3.36 foram derivadas para fluxos


mono-dimensionais, em que a componente da energia cinética é cal-
culada usando a velocidade média, Vi . Relembrando as constatações
feitas sobre os fatores de correção da quantidade de movimento, β, não
surpreenderá que também os termos da energia cinética requeiram fa-
tores de correção. Mais ainda, observando a equação 3.31, constata-se
que o fluxo de energia cinética contém a velocidade média ao cubo (em
vez de ao quadrado no caso da quantidade de movimento) pelo que os
fatores de correção da energia cinética têm uma importância e magni-
tude mais significativas ainda. Usando os perfis de velocidade laminar
e turbulento, podem calcular-se os fatores de correção da energia ciné-
tica, α, usando a relação análoga à equação 3.23,

ρ ∫ u3 dA = αρV 3 A , (3.38)

cuja solução para regime laminar produz α = 2 e, para um perfil tur-


bulento da forma 3.24,

(1 + m)3 (2 + m)3
α= . (3.39)
4(1 + 3m)(2 + 3m)
relações integrais para volumes de controlo 63

Na tabela 3.2 podem ser consultados os valores de α que resultam da


equação 3.39 para magnitudes típicas de m. Como seria de esperar os m α
valores são superiores aos da tabela 3.1. laminar 2
m = 1/5 1.106
m = 1/6 1.077
Sumário das equações conservativas fundamentais m = 1/7 1.058
m = 1/8 1.046
Na seguinte tabela listam-se as equações fundamentais para um vo- m = 1/9 1.037
lume de controlo fixo arbitrário, com fluxos de entrada e saída ar- Tabela 3.2: Fatores de correção da
bitrários também (equações a). Adicionalmente, incluem-se versões energia cinética para perfil laminar e
para perfis turbulentos com diferentes
para volumes de controlo com fluxos mono-dimen-sionais em regime valores de m (ver equação 3.39)
permanente, frequentemente utilizadas nos problemas de engenharia
abordados nesta unidade curricular (equações b).

Equação a) VC arbitrário, regime transiente


Conservativa b) VC arbitrário, fluxos mono-dimensionais, regime permanente

∂ρ
Massa a) ∫ – + ∫ ρ(V
dV ⃗ ⋅n
⃗) dA = 0
VC ∂t SC
b) + ∑ ṁsai − ∑ ṁent = 0
∂(ρV)

Quantidade de a) ∫ – + ∫ ρV(
dV ⃗ V ⃗) dA = ∑ F⃗
⃗ ⋅n
VC ∂t SC
Movimento Linear
b) + ∑(βṁV)
⃗ sai − ∑(βṁV)
⃗ ent = ∑ F⃗

∂(ρ(⃗r × V))

Quantidade de a) ∫VC ∂t
– + ∫ ρ(⃗r × V)(
dV
SC
⃗ V ⃗) dA = ∑ M
⃗ ⋅n ⃗
Movimento Angular
b) + ∑(ṁ(⃗r × V)) ⃗ ent = ∑ M
⃗ sai − ∑(ṁ(⃗r × V)) ⃗

∂ (ρ(û + 12 V 2 + gz))
Energia a)∫ – +∫
dV (ρ(ĥ + 12 V 2 + gz)) (V
⃗ ⋅n
⃗) dA = Q̇ − Ẇv − Ẇµ
VC ∂t SC
p1 V2 p2 V2
b) + α1 1 + z1 = + α2 2 + z2 + h f + h t − h b
ρg 2g ρg 2g

Tabela 3.3: Sumário das equações de conservação para um volume de


controlo fixo, incluindo os fatores de correção de quantidade de movimento,
β i , e energia cinética, αi .

Equação de Bernoulli
Exs. 3.15., 3.16.
Se se considerar uma parcela de fluido, a deslocar-se fora da camada
limite onde os efeitos viscosos são desprezáveis, e admitindo ainda
que não há transferência de calor nem trabalho feito por ou sobre a
parcela de fluido por máquinas de fluxo, então nesse caso a energia
dessa partícula manter-se-á constante ao longo do seu percurso a que
se chama linha de corrente. A equação de energia 3.36 reduz-se então a,
64 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

1 1
p1 + ρV12 + ρgz1 = p2 + ρV22 + ρgz2 = constante . (3.40)
2 2
Esta equação foi intuída por Daniel Bernoulli (1700-1782) e como tal
é designada de equação de Bernoulli. Afirma que, na ausência de fon-
tes ou sumidouros de energia, a energia de uma parcela de fluido se
mantém constante ao longo do seu percurso, ainda que possam existir
transformações de energia entre as 3 componentes: pressão, energia
cinética e energia potencial. A aplicação da equação de Bernoulli está
restrita a várias condições, a saber:

1. escoamento permanente,

2. escoamento incompressível,

3. efeitos viscosos desprezáveis,

4. válida ao longo de uma linha de corrente* , *de linha de corrente para linha de
corrente a constante da equação pode
5. ausência de trabalho feito pelo ou sobre o fluido, mudar, permanecendo a relação válida
se satisfeitas as restantes condições
6. ausência de transferência de calor de ou para o fluido.

Figura 3.4: Ilustração da equação de Bernoulli para um escoamento sem fricção

A figura 3.4 ilustra um escoamento sem fricção (logo sem perda


de carga) ao longo de uma conduta. A linha horizontal superior re-
presenta a energia total do escoamento e corresponde à constante na
equação de Bernoulli. Do lado esquerdo, a montante, essa energia está
armazenada sobretudo sob a forma de pressão. À medida que a sec-
ção da conduta diminui e há um aumento da cota z, essa energia é
relações integrais para volumes de controlo 65

convertida em energia cinética e energia potencial devido ao aumento


da velocidade e da cota, respetivamente.
Na realidade, o escoamento perde energia por ação da fricção com
as paredes internas do tubo, pelo que a linha da energia total tem
um declive negativo na direção do escoamento, com quedas súbitas
sempre que o escoamento encontra um obstáculo ou uma turbina, ou
sofre um aumento se uma bomba injetar energia no escoamento. A
inclusão destas perdas e ganhos será o tema do capítulo 5. ∎
66 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

3.1. Água a 20o C escoa em regime permanente com 40 kg⋅s−1 através do bocal da figura. Se D1 = 18 cm e
D2 = 5 cm, calcule a velocidade média em m⋅s−1 , (a) na secção 1 e (b) na secção (2). R: (a) 1.58 m⋅s−1
(b) 20.4 m⋅s−1
3.2. O tanque aberto da figura contém água a 20o C e está a ser enchido através das secções 1 e 3. Considere
o escoamento incompressível. Primeiro, deduza uma expressão analítica para a taxa de variação do
nível de água, dh/dt, em termos dos caudais (Q1 , Q2 , Q3 ) e do diâmetro do tanque d. Em seguida,
se o nível h de água for constante, determine a velocidade V2 na saída para os dados V1 = 3 m⋅s−1 e
Q3 = 0.01 m3 ⋅s−1 . R: V2 = 4.13 m⋅s−1
3.3. O jacto de água da figura atinge a placa fixa na normal. Despreze a gravidade e o atrito e calcule a
força F, em newtons, necessária para manter a placa fixa. R: 500 N ←
3.4. Na figura, a pá fixa desvia o jacto de água em meia-volta completa. Despreze a gravidade e o atrito e
calcule a força F necessária para manter a placa fixa. R: F0 = 2ρ0 A0 V02 ←
3.5. Para o cotovelo mostrado na figura, o óleo SAE 30 a 20o C, com 350 N⋅s−1 , entra pela secção 1, onde o
escoamento é laminar e sai pela secção 2, onde o escoamento é turbulento:

r2 r 1/7
u1 ≈ Umáx,1 (1 − ) , u2 ≈ Umáx,2 (1 − )
R21 R2

Considerando escoamento incompressível permanente, calcule as componentes (x,y) da força exercida


pelo óleo sobre a curva, devida à variação de quantidade de movimento apenas (não considere efeitos
de pressão ou atrito) para (a) factores de correcção de fluxo de quantidade de movimento unitários e
(b) factores reais de correcção β 1 e β 2 . R: (a) Fx ∼ 256 N para a esquerda, Fy ∼ 253 N para baixo (b)
Fx ∼ 204 N para a esquerda, Fy ∼ 258 N para baixo

exercício 3.1. exercício 3.2. exercício 3.3.

3.6. Considere a figura onde um jato de água com Vj = 10 m/s e d j = 2 cm coloca o carro em movimento a
velocidade constante Vc . Se Fx = 3 N (←) e θ = 30, determine Vc e Fy . R: Vc ∼ 1.6 m/s, Fy ∼ 11.2 N ↑
3.7. O borrifador horizontal de relva da figura tem um caudal de água de 15.2 l⋅min−1 , introduzido vertical-
mente pelo centro. Calcule (a) o momento resistente para manter os braços sem rotação e (b) a rotação
relações integrais para volumes de controlo 67

exercício 3.4. exercício 3.5. exercício 3.6.

em rpm se não houver momento resistente. Despreze forças gravíticas e de fricção. R: (a) ≈ 0.15 N⋅m
(b) 250.6 rpm
3.8. Água (ρ = 998 kg/m3 ) flui verticalmente com caudal Q = 44 ℓ/s por um tubo de diâmetro D1 = 15 cm,
ao longo de uma secção vertical (a branco, na figura). Passa depois por uma secção horizontal (a
amarelo), saindo depois na vertical por uma ponteira (a vermelho). A ponteira está aparafusada à
conduta, e impõe uma redução do diâmetro da secção para D2 = 8 cm. O comprimento da secção
vertical (branca) é h1 = 3 m enquanto que o da ponteira é h2 = 0.3 m. A água sai em jato livre para uma
atmosfera com pressão p atm = 101350 Pa. Despreze perdas em linha e localizadas.
(a) Calcule a pressão relativa no ponto A. R: 61575.9 Pa
(b) Se a massa total (ponteira e água) da zona vermelha for 5 kg, calcule a magnitude e sinal da força
que os parafusos devem exercer para fixar a ponteira à conduta. Considere fatores de correção da
quantidade de movimento unitários. R: 343.1 N (↑)
3.9. Quando a bomba da figura retira 220 m3 ⋅h−1 de água a 20o C do reservatório, a perda de carga total por
atrito é de 5 m. O escoamento descarrega através de uma bocal para a atmosfera. Calcule a potência
da bomba em kW entregue para a água. R: 33.7 kW
3.10. Quando a bomba da figura entrega 25 kW de potência para a água, a perda de carga por atrito é de
4 m. Calcule (a) a velocidade de saída Vb e (b) o caudal volumétrico Q. R: (a) 28.1 m⋅s−1 (b) 200 m3 ⋅h−1

B B h2
D2
D1
h1

z
y
x
A

exercício 3.7. exercício 3.8. exercícios 3.9. e 3.10.

3.11. Considere uma turbina extraindo energia através de uma conduta numa barragem, como mostrado
na figura. Para escoamento turbulento em condutas a perda de carga por atrito é aproximadamente
h p = CQ2 , onde a constante C depende das dimensões da conduta e das propriedades da água. Mostre
68 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

que, para uma dada geometria da conduta a caudal Q, a máxima potência possível da turbina é
Pmax = 2ρgHQ/3 e ocorre quando o caudal é Q = [H/(3C)]1/2 .
3.12. Água a 20o C é bombada a 5678 l⋅min−1 de um reservatório inferior para um superior, como mostra a
figura. As perdas por atrito no tubo são aproximadas por h p ≈ 27V 2 /(2g) onde V é a velocidade média
do fluido no interior do tubo. Se a bomba tem 75% de eficiência, qual a potência em hp necessária
para o seu funcionamento? R: 112 hp

exercício 3.11. exercício 3.12. exercício 3.13.

3.13. A grande turbina da figura desvia o escoamento do rio. As perdas de carga do sistema são h p =
3.5V 2 /(2g), onde V é a velocidade média na conduta. Para que caudal, em m3 ⋅s−1 , a potência extraída
será de 25MW? R: Q ≈ 76.5 m3 ⋅s−1
3.14. Um jacto de álcool atinge a placa vertical como representado na figura. Uma força F ≈ 425 N é
necessária para manter a placa estacionária. Admitindo que não há perdas no bocal, calcule (a) o
caudal mássico de álcool e (b) a pressão absoluta na secção 1. R: (a) 10.3 kg⋅s−1 , (b) p1 ≈ 760000 Pa

exercício 3.14. exercício 3.15. exercício 3.16.

3.15. Um medidor venturi, mostrado na figura, tem uma redução de secção cuidadosamente projectada
cuja diferença de pressão é uma medida do caudal na conduta. Aplicando a equação de Bernoulli para
escoamento permanente, incompressível e sem perdas, mostre que o caudal volumétrico Q se relaciona
com a leitura h do manómetro por:
¿
A2 Á 2gh(ρ M − ρ
Q= √ Á
À
1 − (D2 /D1)4 ρ
relações integrais para volumes de controlo 69

3.16. O acessório horizontal em Y da figura divide em duas partes iguais o caudal de água a 20o C. Se
Q1 = 142 l⋅s−1 , p1 = 172.4 kPa (manométrica) e as perdas forem desprezadas, calcule (a) p2 , (b) p3 e (c)
o vector força para manter o Y no lugar. R: (a) p2 ≈ 81944 Pa, (b) p3 ≈ 164467 Pa, (c) Fx ≈ 2014 N ← e
Fy ≈ 22.5 N ↑
70 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios de Exame

Exame de 18 de abril de 2018

Uma conduta horizontal em U inverte o sentido de um caudal de 7 l/s


de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ). O caudal entra e sai na horizontal. como
ilustrado na figura. A conduta tem ligações flexíveis em A e B a outras
condutas, não representadas na figura. As secções de entrada A e
saída B têm diâmetros d A = 10 cm e d B = 5 cm.
Sabendo que a pressão relativa em A é p A = 120 kPa e ignorando
forças gravíticas e de atrito, calcule o momento mecânico (magnitude
e sentido) gerado pelo escoamento em torno do ponto C. Considere
h1 = 12 cm e h2 = 20 cm. (5 valores) R: Mz = +193.5 Nm, anti-horário
sobre a conduta

Exame de 15 de julho de 2014

A redução da figura está disposta na vertical, com d1 = 350 mm e


d2 = 200 mm. Água (ρ = 1000 kg⋅m−3 ) circula com um caudal de
0.28 m3 ⋅s−1 e a pressão em (1) é de 7 m de coluna de água. Despre-
zando a diferença de cotas e se o volume de água contido dentro da
curva for de 0,084 m3 , calcule as componentes x e z da força exercida
pela água sobre a curva.
Considere que os fatores de correção de fluxo de quantidade de
movimento são unitários (4,5 valores) R: Fx ≈ 9190.8 N (→) sobre a
conduta, Fy ≈ 3888.2 N (↓) sobre a conduta

Exame de 18 de julho de 2017

Um escoamento de água (ρ = 1000 kg⋅m−3 ) com Q1 = 10 m3 h−1 é divi-


dido em duas partes, fluindo 65% pela secção 2 e 35% pela secção 3.
Em cada uma das três secções, 1, 2 e 3, existem acoplamentos flexíveis
e sabemos que p1 = 2500 Pa (relativa) e d1 = d2 = d3 = 3 cm.
Tomando como referência o ponto O assinalado na figura, as co-
ordenadas (x,y) dos centros das três secções são (-0,30 , 0) m, (0,35 ,
0,20) m e (-0,25 , -0,20) m para as secções 1, 2, e 3, respectivamente.
Com os dados fornecidos determine o momento produzido pelo esco-
amento no ponto O. (5 valores) R: Mz ≈ 0.363 Nm, anti-horário sobre
a conduta
relações integrais para volumes de controlo 71

Exame de 4 de julho de 2017

Um jato de água (ρ = 1000 kg⋅m−3 ) com caudal ṁ = 1 kg⋅s−1 e diâmetro


d = 1.5 cm é defletido por uma pá solidária com o carro de massa
M = 3 kg, com o objectivo de fazer movimentar o carro sobre um
plano horizontal no sentido positivo de x. Se o coeficiente de atrito de
rolamento for σ = 0.1, determine:

a) A velocidade com que o carro se desloca na situação de aceleração


nula.(4 valores) R: Vc = 2.23 m⋅s−1

b) A componente horizontal da velocidade absoluta com que o jato


sai da pá. Se não resolveu a alínea anterior considere que o carro se
desloca com uma velocidade igual a metade da velocidade absoluta do
jato. (1 valor) R: Vc = 2.23 m⋅s−1 R: Vj,abs = 0.51 m⋅s−1

Exame de 17 de julho de 2018

Uma placa circular vertical é deslocada para a direita com velocidade


Vc por um jato livre de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ) com velocidade V1 =
20 m⋅s−1 e diâmetro d1 = 11 cm. Parte do jato flui por um orifício no
centro da placa com V2 = 16 m⋅s−1 e diâmetro d2 = 5 cm. Assuma que o
escoamento paralelo à placa é inteiramente simétrico, i.e. V3 = V4 em
todas as direções radiais.
Determine a força F que é necessário aplicar na parte traseira da
placa para que Vc seja constante e igual a 8 m−1 ⋅s−1 . (5 valores) R:
F ≈ 1240 N (←)

Exame de 4 de julho de 2013

Considere a figura, onde está esquematicamente representado um ob-


jeto que se desloca horizontalmente (no sentido positivo do eixo dos
xx) sobre uma superfície com uma película lubrificante. A força de
atrito viscoso entre o objeto ea superfície é Fa = Vc /5 [N]. O movi-
mento do objeto é devido à ação de um jato de água (ρ = 998 kg⋅m−3 ),
que possui um caudal volumétrico de Q = 2 m3 ⋅h−1 . Sabendo que o
diâmetro da ponteira do jato é d j = 1 cm, que a placa defletora provoca
uma variação da direção do jato de 90o e que as forças de atrito estático
podem ser desprezadas, determine:

a) a força F necessária para que o objeto esteja em repouso (Vc = 0) (2


valores) R: Fx ≈ −3.9 N (←)
72 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

b) a velocidade constante Vc que se estabelece na ausência da força


externa F (2,5 valores) R: Vc ≈ 3.91 m⋅s−1
4. Análise Dimensional e Semelhança

Neste capítulo estudam-se técnicas clássicas para a redução da com-


plexidade de problemas e são introduzidos os conceitos básicos da
semelhança. Estes assuntos são basilares para qualquer abordagem
a problemas da física, teóricos, numéricos ou experimentais, e vão
ser aqui abordados dando maior ênfase às aplicações laboratoriais em
mecânica dos fluidos, sem perda de generalidade. Uma das princi-
pais competências a adquirir no final deste capítulo é a compreensão
básica de como estabelecer corretamente as características de experi-
ências com modelos, por forma a permitir extrapolar corretamente os
resultados obtidos para um protótipo em desenvolvimento.

Redução de Complexidade

A forma mais eficiente de estudar um fenómeno físico que seja de-


pendente de um conjunto de N variáveis dimensional consiste, em
primeira mão, em reduzir esse conjunto de N variáveis a um conjunto
de k variáveis adimensionais (números adimensionais), sendo tipica-
mente j = N − k o número de dimensões fundamentais envolvidas nas
N variáveis. Para os fenómenos que serão aqui tratados, as dimensões
fundamentais são massa [M], comprimento [L], tempo [T] e, eventual-
mente, temperatura [Θ], como já apresentado no capítulo 1.
Há tipicamente duas formas de obter os k números adimensionais
que regem um dado problema: a) a adimensionalização das equações
fundamentais que regem o problema em estudo, caso sejam conheci-
das, ou b) através da aplicação de técnicas da análise dimensional às
variáveis dimensionais envolvidas no fenómeno em estudo. De en-
tre as várias técnicas de análise dimensional existentes para a redução
da complexidade de problemas será abordado o teorema dos Pi’s de
Buckingham.

Equações Fundamentais Adimensionalizadas Exs. 4.2.

Para os casos analisados nesta unidade curricular, onde a transferência


de calor não é estudada, a equação de conservação de quantidade de
74 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

movimento linear é indubitavelmente a equação que rege a quase to-


talidade dos casos em estudo. Recorrendo a operadores matemáticos
compactos e notação vetorial, esta equação pode ser escrita na forma,
dV

ρ ⃗ + µ∇2 V
= −∇p ⃗ + ρ g⃗, (4.1)
dt
com V⃗ = (u, v, w) (componentes Cartesianas do vetor velocidade nas
direções horizontais x, y e vertical z, respetivamente), podendo ser
complementada com condições de fronteira de velocidade nula em
superfícies sólidas, por exemplo V
⃗ = 0 para z = 0 e
∂η
z = η, w = , p = patm − Υ(R−1 −1
x + Ry ), (4.2)
∂t
numa superfície livre, em que η descreve a forma instantânea da su-
perfície livre, patm é a pressão atmosférica, Υ é a tensão superficial e
R x e Ry os raios de curvatura locais da superfície livre.
Se forem considerados uma velocidade característica U e um com-
primento característico L pode proceder-se à adimensionalização da
equação, sabendo que,

⃗∗ = V ,

V
U
x y z
x = , y = , z∗ =
∗ ∗
, (4.3)
L L L
Ut p + ρgz
t∗ = , p∗ = ,
L ρU 2
são a velocidade, comprimentos, tempo e pressão adimensionais, obtendo-
se, portanto,* *Note-se que também os operadores
gradiente, ∇∗ , e laplaciano, ∇∗2 , devem
dV
⃗∗ µ ser adimensionalizados
ρ ⃗ ∗ p∗ +
= −∇ ∇∗2 V
⃗ ∗ + ρ g⃗, (4.4)
dt ρUL

∂η ∗ ∗ patm gL ∗ Υ −1 −1
z∗ = η ∗ , w∗ = , p = + z − (R∗ + R∗y ), (4.5)
∂t∗ ρU 2 U 2 ρU 2 L x
o que faz aparecer o número de Reynolds na equação de quantidade
de movimento linear
ρUL
Re L ≡ , (4.6)
µ
e os números de Euler, Froude e Weber nas condições de fronteira,
patm U2 ρU 2 L
Eu = , Fr = , We = . (4.7)
ρU 2 gL Υ
Pode assim concluir-se que o número de Reynolds será sempre um
número adimensional importante no estudo de qualquer escoamento,
com superfície livre ou não. Dos números adimensionais que são reve-
lados pela condição de fronteira de superfície livre, o mais importante
será o número de Froude, sendo os restantes tipicamente pouco influ-
entes para os escoamentos com interesse para esta unidade curricular.
análise dimensional e semelhança 75

Teorema dos Pi’s de Buckingham Exs. 4.3., 4.4., 4.5., 4.6.

Outra forma de obter os números adimensionais que regem um de-


terminado problema da física é através da análise dimensional. Das
várias técnicas existentes abordar-se-á o Teorema dos Pi’s de Buc-
kingham.
Admitindo que existem N variáveis envolvidas no nosso problema,
V1 , V2 , . . . , VN , definidas à custa de j dimensões fundamentais (de
entre o conjunto {M, L, T, Θ} de dimensões possíveis), obter-se-á, por
aplicação do teorema dos Pi’s de Buckingham, j = N − k números adi-
mensionais Πi , que possuem em comum, tipicamente, um conjunto de
j variáveis (designadas por base) conjugadas com outra variável para
além das variáveis da base, ou seja,

Π1 = V1a V2b V3c V4 ≡ M0 L0 T0 Θ0 . (4.8)


´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹¸¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
base

A aplicação da técnica do teorema dos Pi’s de Buckingham envolve


os seguintes passos:

• Conta-se o número de dimensões fundamentais envolvidas nas va-


riáveis do problema (M,L,T etc.)

• Escolhe-se o grupo de variáveis que vão formar a base, de acordo


com as seguintes restrições:

1. O número de variáveis da base deve ser igual ao número de di-


mensões fundamentais,
2. Todas as dimensões fundamentais devem estar representadas nas
variáveis da base,
3. Nenhum grupo adimensional pode ser formado com qualquer
combinação das variáveis da base

• Para cada variável não pertencente à base obtêm-se as potências a


aplicar às variáveis da base por forma a obter um número adimen- F ρ µ V L
sional. MLT−2 ML−3 ML−1 T−1 LT−1 L
Tabela 4.1: Dimensões fundamentais
A aplicação desta técnica será agora exemplificada através de um do problema do arrasto sobre corpo
exemplo. Considere que se pretende estudar a variação da força de fuselado.

arrasto F sobre um corpo fuselado (esfera, cilindro, asa, etc.) de com-


primento característico L, quando imerso num escoamento de veloci-
dade característica V de um fluido com propriedades ρ, µ. Em termos
dimensionais, existirá uma relação entre N = 5 variáveis,

F = f (ρ, µ, V, L), (4.9)

que possuem as dimensões fundamentais apresentadas na tabela 4.1,


de onde se pode concluir que o problema envolve j = 3 dimensões
76 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

fundamentais ({M}, {L}, {T}) e que se obterão portanto k = N − j = 2


números adimensionais. Escolhe-se inicialmente uma base com j = 3
variáveis e, tendo em atenção que o objetivo é obter uma força de
arrasto adimensional, exclui-se a força F da base (uma vez que as va-
riáveis da base vão aparecer em todos números adimensionais). De
entre as 4 variáveis adicionais escolhem-se ρ, V e L, que garantem a
representatividade de todas as dimensões fundamentais e garantem
ainda a impossibilidade de formarem por si só números adimensio-
nais, uma vez que a dimensão {M} só existe em ρ e a dimensão {T} só
existe em V. Para obter os k = 2 números adimensionais, começa-se,
por exemplo, pela variável F,

Fρ a V b Lc = M0 L0 T0 ,
{MLT−2 }1 {ML−3 }a {LT−1 }b {L}c = M0 L0 T0 ,

o que dá origem às três equações lineares,

{M} 1 + a = 0⎫





{L} 1 − 3a + b + c = 0⎬ Ô⇒ a = −1, b = −2, c = −2



{T} −2 − b = 0⎪⎪

que corresponde a um número adimensonal que caracteriza uma força
adimensional,
F
Π1 = .
ρV 2 L2
Utilizando agora a variável remanescente, µ, que se irá impor que
ocorra no denominador do segundo número adimensional, antevendo
desde já que este número adimensional será o número de Reynolds. Figura 4.1: Estrada de von Kármán na
Trata-se unicamente de uma opção estética. Então para o caso de µ, esteira do escoamento em torno de um
cilindro [4]

µ−1 ρ a V b Lc = M0 L0 T0 ,
{ML−1 T−1 }−1 {ML−3 }a {LT−1 }b {L}c = M0 L0 T0 ,

resultando em,

[M] −1 + a = 0⎫⎪




[L] 1 − 3a + b + c = 0⎬ Ô⇒ a = −1, b = 1, c = 1



[T] 1 − b = 0⎪


que corresponde ao número de Reynolds,

ρVL
Π2 = .
µ
Tendo determinado os dois números adimensionais poder-se-ia agora
estudar de forma mais simples o comportamento da força de arrasto.
análise dimensional e semelhança 77

Em vez de ser necessário caracterizar a dependência da força dimensi-


onal F com as 4 variáveis dimensionais ρ, V, L, µ é agora unicamente
preciso estudar a relação

Π1 = f (Π2 ),

ou seja, como é que a força adimensional varia com o número de Rey-


nolds,
F
≡ CD = f (Re).
ρV 2 L2
sendo a força adimensional normalmente designada por coeficiente de
arrasto (CD ou C A ).* *Idêntica análise é aplicável à força de
sustentação, entre outras, resultando no
coeficiente de sustentação (CL ou CS ).
Números Adimensionais Mais Frequentes

A tabela 4.2 apresenta alguns dos números adimensionais mais co-


muns na mecânica dos fluidos. Estes números podem emergir das
equações fundamentais que regem os fenómenos físicos em estudo ou
resultar diretamente da análise dimensional aplicada aos problemas.
Existem vários casos em que a análise dimensional se mostra ex-
Figura 4.2: Número de Strouhal versus
tremamente eficaz a reduzir a complexidade do problema, como é número de Reynolds para escoamento
por exemplo o caso do número de Strouhal que corresponde a uma em torno de um cilindro [4]
frequência de oscilação adimensional. Quando se observa a esteira do
escoamento em torno de um cilindro, encontra-se um padrão periódico
de vórtices, que se designa de estrada de von Kármán (ver figura 4.1),
cuja frequência adimensional, o número de Strouhal, assume um va-
lor aproximadamente constante numa gama alargada de números de
Reynolds, como apresentado na figura 4.2.

Semelhança Ex.4.1.

O conhecimento dos números adimensionais que regem os problemas


físicos, para além de serem úteis na redução da complexidade dos
problemas em análise, podem também ser usados na especificação e
construção de modelos experimentais para serem usados em experi-
ências laboratoriais. Tipicamente, devido a limitações dimensionais,
pretende-se criar um modelo (subscrito ’m´ nas equações que se se-
guirão) a uma escala mais reduzida para o estudo laboratorial de um
protótipo em desenvolvimento (subscrito ’p’). Para que o modelo e ex-
periência associada possam reproduzir fielmente o escoamento a que
o protótipo será sujeito, é necessário que os números adimensionais
que regem o problema sejam iguais para o escoamento do protótipo e
do modelo.
Quando este requisito é satisfeito diz-se que existem condições de
semelhança dinâmica ou semelhança total. Acontece no entanto que
78 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Tabela 4.2: Números adimensionais comuns. O arrasto e sustentação são por vezes
também designados pelo subscrito A (’drag’=arrasto) e S (’lift’=sustentação).

Nome Definição Relações


ρVL
Reynolds Re = µ Finércia /Fviscosas
2
V
Froude Fr = gL Finércia /Fgravíticas
Mach Ma = Va Vfluido /Vsom
Prandtl Pr = αν Difusibilidades viscosa/térmica
Strouhal St = ωL
V Oscilação/Velocidade média
3
gβ∆TL
Grashof Gr = ν2
Impulsão/Viscosidade
Coef. Arrasto CD = 1 FD Farrasto /Fdinâmica
2
2 ρV A
FL
Coef. Sustentação CL = 1 Fsustentação /Fdinâmica
2
2 ρV A

Figura 4.3: Semelhança geométrica entre (a) protótipo e (b) modelo para um fator
α = 0.1, [4]

nem sempre esta situação é possível e é usual decompor-se a seme-


lhança total em (i) semelhança geométrica, (ii) semelhança cinemática e
(iii) semelhança dinâmica, sendo que cada nível de semelhança requer
necessariamente a semelhança do nível anterior, i.e., a semelhança ci-
nemática requer a existência de semelhança geométrica e a semelhança
dinâmica requer semelhança cinemática (que obrigatoriamente vai im-
plicar a existência de semelhança geométrica).

Semelhança Geométrica

A semelhança geométrica implica que as dimensões lineares do mo-


delo sejam escaladas por um fator constante (α) a partir das dimensões
lineares do protótipo e que os ângulos sejam mantidos, como apresen-
tado na figura 4.3.
análise dimensional e semelhança 79

Figura 4.4: Semelhança cinemática entre protótipo e modelo, [4]

Semelhança Cinemática
A semelhança cinemática vai implicar, para além da semelhança geo-
métrica, que as velocidades no escoamento do modelo sejam obtidas
pela multiplicação das velocidades do escoamento do protótipo por
um fator constante. No caso do escoamento com superfície livre da fi-
gura 4.4, onde o número de Froude é um dos números adimensionais
que regem o escoamento, pode obter-se,
Up Um
Fr p = Frm ⇔ √ =√ ,
gL p gLm
¿
Um Á À Lm ,
∴ =Á
Up Lp

o que mostra que para um modelo construído a uma escala α = Lm /L p



se obterá um fator de velocidade de α. A existência de uma relação
constante de velocidades vai também implicar uma relação constante
de tempos, ou seja,

Up Lp L p /Tp 1
= ⇔ =√ ,
Um Lm Lm /Tm α
Tm √
∴ = α,
Tp

o que significa que duas parcelas de fluido homólogas (uma do modelo


e outra do protótipo) vão ocupar posições homólogas em instantes de
tempo homólogos.

Semelhança Dinâmica
Quando todos os números adimensionais que regem o problema são
iguais no protótipo e no modelo existe uma semelhança dinâmica, ou
80 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 4.5: Semelhança dinâmica entre (a) protótipo e (b) modelo, [4]

total, o que implica necessariamente a semelhança geométrica e ci-


nemática. A semelhança dinâmica implica que as forças existentes no
estabelecimento do protótipo são reproduzidas com um fator de escala
constante no escoamento do modelo, como é apresentado na figura 4.5.

Como já referido, a existência de semelhança dinâmica pode não


ser fácil de obter, como é por exemplo em casos de escoamentos com
superfície livre. Para este tipo de escoamentos os números adimensi-
onais relevantes são os números de Reynolds e de Froude. Então, as
seguintes relações deviam ser simultaneamente respeitadas,
Up L p Um Lm
Re p ≡ = Rem ≡ ,
νp νm
Up Um
Fr p ≡ √ = Frm ≡ √ .
gL p gLm

Da igualdade dos números de Froude obtém-se,


¿
Um Á À Lm = α,


Up Lp

e da igualdade dos números de Reynolds,


νm Lm Um
= = α3/2 .
νp L p Up

Esta imposição de relação de viscosidades pode não ser possível de


obter para fluidos comuns. Se por exemplo o fluido do protótipo for
análise dimensional e semelhança 81

Figura 4.6: Extrapolação do número de Reynolds quando similaridade total não pode
ser respeitada, [4]

água e, devido a restrições de dimensões, se pretender construir um


modelo a uma escala de α = 0.02 (1:50), a relação de viscosidades vai

ser de α ∼ 0.003, o que vai provavelmente tornar impossível a ob-
tenção de semelhança total, uma vez que não são conhecidos fluidos
com viscosidade cinemática na gama de 10−9 m2 ⋅s−1 . A solução poderá
passar por trabalhar com modelos com dimensões mais próximas do
protótipo ou simplesmente prescindir da obtenção da semelhança to-
tal. Uma estratégia comum neste caso seria abdicar da similaridade
do número de Reynolds, uma vez que a relação entre as forças graví-
ticas e de inércia, representadas pelo número de Froude é dominante
neste caso. Consequentemente, o número de Reynolds o protótipo
será algumas ordens de grandeza inferiores ao do protótipo. Para ob-
viar a esta discrepância, métodos de extrapolação podem ser usados
para estimar resultados na gama de Re p , (ver figura 4.6), tendo sempre
em conta que há um grau de incerteza considerável introduzido pela
extrapolação. ∎
82 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

4.1. O copépode é um crustáceo aquático de aproximadamente 1 mm de diâmetro. Queremos saber qual


a força de arrasto sobre o copépode, quando ele se move lentamente em água doce. Um modelo em
escala 100 vezes maior é construído e testado em glicerina com V = 30 cm/s. O arrasto medido sobre
o modelo é de 1.3 N. Para existir semelhança quais são a velocidade e o arrasto sobre o copépode real
na água? Considere que F = f (L, V, ρ, µ) é que a temperatura é sempre de 20o C. R: V = 2.53 cm/s,
F = 7.31 × 10−7 N
4.2. Reduza a equação de um corpo em queda, S = S0 + V0 t + 1/2gt2 , a uma função de variáveis adimensio-
nais. R: S/S0 = f (t(g/S0 )1/2 , V0 /(gS0 )1/2 )
4.3. Para escoamento laminar, o caudal volumétrico Q através de um tubo é uma função apenas do raio
do tubo R, da viscosidade do fluido µ e da queda de pressão por unidade de comprimento ∂P/∂x.
Usando o teorema dos Pi’s encontre uma relação adimensional apropriada. R: Π1 = R−4 µ(∂p/∂x)−1 Q
4.4. Considere que a deflexão δ na ponta de uma viga é uma função do carregamento na ponta P, do
comprimento da viga L, do momento de inércia de área I, do módulo de elasticidade E, ou seja,
δ = f (P, L, I, E). Usando o teorema dos Pi’s encontre uma relação adimensional apropriada. R: δ/L =
f (P/(EL2 ), I/L4 )
4.5. A elevação capilar h de um líquido num tubo varia com o diâmetro do tubo d, a gravidade g, a massa
específica ρ,a tensão superficial Υ e o ângulo de contacto θ. (a) Encontre uma expressão adimensional
para essa relação. (b) Se h = 3 cm numa dada experiência, quanto será h num caso semelhante se o
diâmetro e a tensão superficial forem metade, a massa específica o dobro e o ângulo de contacto o
mesmo. R: (a) h/d = F(Υ/(ρgd2 ), θ)), (b) h = 1.5 cm
4.6. Quando um fluido num tubo é acelerado linearmente a partir do repouso ele inicia um escoamento
laminar e depois, sofre transição para a turbulência num tempo ttr que depende do diâmetro do tudo
D, da aceleração do fluido a, da massa volúmica ρ e da viscosidade µ. Usando o teorema dos Pi’s
encontre uma relação adimensional apropriada entre ttr e D. R: ttr (ρa2 /µ)1/3 = f (D(ρ2 a/µ2 )1/3 )
análise dimensional e semelhança 83

Exercícios de Exame

Exame de 4 de julho de 2017

Em 1941, Kolmogorov, um proeminente matemático Russo, mostrou


que o comprimento característico η [m] e a velocidade característica
v [m⋅s−1 ] dos turbilhões mais pequenos de um escoamento turbulento
dependem unicamente da viscosidade cinemática ν [m2 ⋅s−1 ] e da taxa
de dissipação da energia cinética turbulenta ε [m2 ⋅s−3 ]. Com base nesta
informação e usando as técnicas da análise dimensional, determine o
comprimento característico adimensional assim como a velocidade ca-
racterística adimensional que satisfazem os requisitos acima apresen-
tados. (5 valores) R: η ∗ = η/(ν3 /ε)1/4 e v∗ = v/(νε)1/4

Exame de 17 de julho de 2018

Encontre um número adimensional que represente o rácio entre as


forças inerciais de um escoamento e as forças gravíticas usando: a
velocidade do escoamento U, a aceleração gravítica g e uma altura
de coluna de fluido h. Indique o nome desse número adimensional.
(2,5 valores) R: número de Froude, Fr = U 2 /(gh) ou, alternativamente,

Fr = U/ gh
5. Escoamentos em Condutas

Este capítulo é dedicado a uma importante aplicação de engenharia


da mecânica dos fluidos: o escoamento de líquidos e gases em condu-
tas. A maioria dos resultados aqui apresentados são de natureza ex-
perimental, recolhidos ao longo dos últimos 150 anos. Apresentam-se,
após uma breve introdução teórica, ferramentas para solucionar três ti-
pos de problemas clássicos em engenharia: i) a determinação da perda
de carga, necessária para dimensionar bombas ou prever a produção
de turbinas; ii) a determinação do caudal ou velocidade média numa
conduta quando conhecida a perda de carga; e iii) dimensionamento
de condutas para um determinado caudal e perda de carga. A análise
é inicialmente aplicada a condutas de secção circular e posteriormente
estendida a outras geometrias, incluindo-se ainda a contabilização de
perdas de carga associadas a outro equipamento hidráulico como vál-
vulas, mudanças de diâmetro da conduta, ligações entre tubos, etc.
Encerra-se o capítulo com técnicas de medição de velocidade e cau-
dal, incluindo instrumentos cujo funcionamento pode ser analisado
usando a teoria de obstrução de Bernoulli.

Regimes de Escoamento Exs. 5.1.

Desde os meados do século XIX, devido ao trabalho de G. H. L. Hagen


(1797-1884), que são conhecidos dois regimes distintos de escoamento.
A existência e características desses dois regimes foram mais clara- Figura 5.1: Experiência de Reynolds
para visualização dos regimes de
mente demonstradas pelo trabalho de Osborne Reynolds (1842-1912),
escoamento [3]
que injetou um filamento de tinta no centro de um tubo de vidro pelo
qual escoava água de um tanque também ele transparente. O caudal
(e logo velocidade média no tubo de vidro) era controlado por uma
válvula já no exterior do tanque. (ver figura 5.1). Fazendo variar dessa
forma o caudal, Reynolds observou que, para velocidades baixas e
tendo deixado a água do tanque repousar antes da experiência decor-
rer, o filamento de tinta não se misturava com a água permanecendo
a linha reta da figura 5.2, (a). Com o aumento da velocidade, o fila-
Figura 5.2: Regimes laminar, transição e
mento de tinta foi observado a oscilar, com intensidade crescente com turbulento observados por Reynolds [3]
o aumento do caudal, até repentinamente se misturar quase completa-
86 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

mente com a água. Note-se que em todos os casos, Reynolds observou


uma secção inicial do tubo no qual a tinta não se misturava com a água,
e que a mudança de regime era brusca. Ao primeiro tipo de regime,
designou-se de regime laminar (ver figura 5.3), no sentido em que o
fluido se move em camadas, ou lâminas, ordenadas. No caso de um
escoamento no tubo retilíneo horizontal da experiência de Reynolds,
essas lâminas são também horizontais e retilíneas, mas é importante
recordar que não têm que o ser. Há escoamentos com formação de
vórtices ordenados que não deixam de ser laminares. Neste regime de
escoamento as forças viscosas, que têm uma função estabilizadora do
escoamento, são predominantes em relação às forças de inércia.
Ao segundo tipo de escoamento em que se observava uma mistura
quase completa entre tinta e água chamou-se de turbulento. Neste
caso, os percursos de parcelas individuais de fluido são caóticos, com
Figura 5.3: Escoamento laminar de água
oscilações aleatórias nas 3 dimensões Cartesianas (ver figura 5.4). Neste a sair de uma torneira [9]
caso, as forças predominantes são as de inércia.
Fazendo repetidas experiências em condutas de diferentes dimen-
sões e diferentes fluidos, Reynolds determinou que o parâmetro adi-
mensional que rege a mudança de regime de escoamento é o número
de Reynolds, já abordado no capítulo 4, e que caracteriza justamente o
rácio entre as forças de inércia sobre as forças viscosas.

Em condutas comerciais e condições de engenharia normais, a


transição de laminar para turbulento ocorre aproximadamente quando Figura 5.4: Escoamento turbulento de
ReD ≈ 2300. É importante reter, contudo, que a transição de lami- água a sair de uma torneira [9]
nar para turbulento pode ser antecipada ou atrasada para números
de Reynolds mais baixos ou altos, respetivamente, dependendo da ru-
gosidade das paredes do tubo e das condições de entrada do fluido
no tubo. Ou seja, o valor de 2300 é apenas indicativo, e o seguinte
escalonamento de regimes por gamas de número de Reynolds é reco-
mendado:

• 0 < ReD < 1, laminar, altamente viscoso,

• 1 < ReD < 102 , laminar, fortemente dependente de Re,

• 102 < ReD < 103 , laminar, teoria da camada limite útil,

• 103 < ReD < 104 , transição laminar-turbulento,

• 104 < ReD < 106 , moderadamente turbulento, dependente de Re,

• 106 < ReD < ∞, fortemente turbulento, ligeira ou nenhuma depen-


dência de Re.
escoamentos em condutas 87

a)

b)

Figura 5.5: Comprimento de entrada e desenvolvimento da camada limite de um


escoamento laminar numa conduta: a) caso laminar; b) caso turbulento

Comprimento de Entrada

Considere um escoamento que entra numa conduta por uma curvatura


com abertura suave. Imediatamente após a entrada, a velocidade do
fluido é aproximadamente uniforme em toda a secção com excepção
da camada de fluido em contacto com as paredes da conduta cuja
velocidade é retardada por fricção com o sólido. À medida que o fluido
avança para jusante, esta camada de fluido retarda camadas de fluido
mais interiores, levando ao crescimento de uma zona do escoamento
onde o efeito da viscosidade é importante, a que se chama camada
limite. Note-se ainda que como as camadas de fluido mais próximas
da parede são retardados por fricção com a parede, a velocidade no
eixo da conduta aumenta por conservação de massa.

O desenvolvimento de uma camada limite laminar numa conduta é


ilustrado na figura 5.5a. Esta camada limite é sempre inicialmente la-
minar, podendo desenvolver-se uma camada limite turbulenta que se
sobrepõe a esta, se o número de Reynolds for suficientemente alto (ver
figura 5.5b). Como o escoamento é interno* , i.e. confinado por pa- * no capítulo 6 serão abordados escoa-

redes sólidas, haverá um momento em que a camada limite crescerá mentos externos, não-confinados por
paredes sólidas
88 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

até ocupar toda a secção transversal da conduta, o que acontecerá a


uma distância Le da entrada da conduta. Chama-se a essa distância,
comprimento de entrada, ou comprimento de desenvolvimento. Só a Comprimento de entrada, ou de desenvolvi-
partir desta distância é que o perfil de velocidade dentro da conduta se mento

encontra completamente desenvolvido, seja ele laminar ou turbulento.


Pode demonstrar-se que o comprimento de entrada, Le , depende ape-
nas do número de Reynolds, sendo comum utilizar as seguintes corre-
lações dependendo do regime de escoamento,

Le ≈ 0.06ReD ← regime laminar (5.1)


1/6
Le /D ≈ 4.4 ReD ← regime turbulento (5.2)

Note-se que a camada limite turbulenta cresce mais depressa do ReD Le /D


que a laminar, pelo que os valores de Le são mais pequenos para re- 104 20
gime turbulento. Alguns valores de Le /D foram calculados para vários 105 30
números de Reynolds turbulentos, e estão incluídos na tabela 5.1. 106 44
107 65
Ao contrário do que se verifica quando o escoamento está total- 108 95
mente desenvolvido, a perda de carga dentro do comprimento de en- Tabela 5.1: Comprimento de entrada
trada não é linear. Contudo, como na maioria das aplicações de enge- para vários ReD turbulentos

nharia o rácio do comprimento sobre o diâmetro das condutas é geral-


mente muito superior aos valores da tabela 5.1, esta perda adicional
de carga é incluída de forma paramétrica como uma perda localizada
a adicionar à equação de energia (ver secção 5).

Médias Temporais de Reynolds

Se se considerar que a massa volúmica e viscosidade do fluido são


constantes e que não há efeitos térmicos, as equações que regem o
escoamento são as da conservação de massa e quantidade de movi-
mento,
∂u ∂v ∂w
+ + =0 ,
∂x ∂y ∂z
(5.3)
dV

ρ ⃗ + ρ g⃗ + µ∇2 V
= −∇p ⃗ .
dt
As equações 5.3 são válidas para qualquer regime de escoamento.
Contudo, se para regime laminar é possível obter algumas soluções
analíticas para algumas geometrias, o mesmo não é verdade quando
há turbulência. O caráter caótico dos escoamentos turbulentos torna
uma solução matemática impossível com o conhecimento atual, sendo
o estudo dos escoamentos turbulentos um dos problemas mais impor-
tantes por resolver da física moderna. Dentro do campo da engenha-
ria, contudo, mais do que uma completa descrição das flutuações com-
pletas da velocidade e pressão de um escoamento, está-se frequente-
mente mais interessado nos valores médios destas quantidades. Nesse
escoamentos em condutas 89

sentido, Reynolds definiu as componentes da velocidade e pressão de


um regime turbulento como,

u = u + u′ , v = v + v′ , w = w + w′ , p = p + p′ , (5.4)

em que u, v, w, p são os valores médios e u′ , v′ , w′ , p′ são as flutuações


à volta desses valores médios. Decorre portanto, e tomando u como
exemplo, que,
1 T
u = ∫ u dt , (5.5)
T 0
em que T é um tempo mais longo do que o período das flutuações, e
consequentemente, o valor médio das flutuações será,

1 T 1 T

u′ = ∫ u dt = ∫ (u − u) dt = u − u = 0 . (5.6)
T 0 T 0

Note-se que contudo nem u′2 nem os produtos das flutuações u′ v′ ou


v′ w′ são necessariamente zero. Reescrevendo as equações de conser-
vação 5.3, em termos dos valores médios e das flutuações, resulta em,
∂u ∂v ∂w
+ + =0 ,
∂x ∂y ∂z
du ∂p ∂ ∂u ∂ ∂u ∂ ∂u
ρ =− + (µ − ρu′2 ) + (µ − ρu′ v′ ) + (µ − ρu′ w′ ) ,
dt ∂x ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z
dv ∂p ∂ ∂v ∂ ∂v ∂ ∂v
ρ =− + (µ − ρv′ u′ ) + (µ − ρv′2 ) + (µ − ρv′ w′ ) ,
dt ∂y ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z
dw ∂p ∂ ∂w ∂ ∂w ∂ ∂w
ρ =− − ρg + (µ − ρw′ u′ ) + (µ − ρw′ v′ ) + (µ − ρw′2 ) .
dt ∂z ∂x ∂x ∂y ∂y ∂z ∂z
(5.7)

Aos termos que contêm flutuações (i.e. as correlações −ρu′2 , −ρu′ v′ ,


−ρu′ w′ , etc.) chamam-se de tensões de Reynolds ou tensões turbulen- Tensões de Reynolds ou turbulentas
tas. Os termos que contêm velocidades médias (i.e. µ∂u/∂x, µ∂u/∂y,
µ∂u/∂z, etc.) são designados de tensões viscosas ou tensões laminares. Tensões viscosas ou laminares

Escoamento Junto a Parede Sólida

Nas camadas de fluido próximas das paredes da conduta, os efeitos


viscosos dominam e a tensão de corte provém quase totalmente das
tensões laminares. A esta zona chama-se subcamada laminar. A partir
de uma certa distância à parede as forças de inércia começam a ser
comparáveis com as forças viscosas, e a tensão de corte total começa a
ter uma contribuição importante e crescente das tensões de Reynolds.
Esta é a camada de sobreposição. A uma ainda maior distância da parede,
as tensões de corte são quase todas de origem turbulenta e entra-se
na camada exterior turbulenta. Esta estrutura pode ser observada na
figura 5.6a.
90 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

a)

b)

Figura 5.6: Estrutura do escoamento junto a uma parede sólida: a) variação da veloci-
dade e tensão de corte; b) perfil de velocidade em unidades de parede

Como a espessura das subcamadas laminar, de sobreposição ou ex-


terior turbulenta, assim como a altura da camada limite em si, δ(x),
varia com a distância x e com o número de Reynolds, é conveniente
introduzir unidades de parede adimensionais,

u τw 1/2
u+ = , em que u∗ = , (5.8)
u∗ ρ

yu∗
y+ = , (5.9)
ν
em que u+ e y+ são velocidade e distância à parede e u∗ é chamada de
velocidade de fricção porque tem unidades de m⋅s−1 , apesar de ser uma Velocidade de fricção
medida da tensão de corte na parede.
Fazendo uso das unidades de parede adimensionais, Ludwig Prandtl
(1875-1953) demonstrou que na subcamada laminar a velocidade varia
com a distância à parede segundo a relação linear,

u+ = y+ , (5.10)

válida até y+ ≈ 5. Por outro lado, Theodore von Kármán (1881-1963)


deduziu que a velocidade na camada exterior turbulenta é indepen-
dente da viscosidade do fluido, chegando à lei do défice da velocidade,
escoamentos em condutas 91

U−u y
= F( ) . (5.11)
u∗ δ
Entre a camada laminar e turbulenta, o perfil de velocidade é logarít-
mico,
1
u+ = ln y+ + B , (5.12)
κ
em que κ ≈ 0.41 é a constante de von Kármán e B ≈ 5 é uma constante.
A representação gráfica dos perfis de velocidade das equações 5.10 e
5.12 pode ser observada na figura 5.6b.

Condutas de Secção Circular

Regime Laminar Exs. 5.2.


Considere-se um escoamento laminar numa conduta de secção circu-
lar, de raio R. O perfil de velocidade é dado pela equação 3.22, aqui
repetida,
r2
u = U0 (1 − 2 ) .
R
Pode demonstrar-se que a velocidade média, U, e máxima, U0 , se re-
lacionam através de,
R2 ∆p
U0 = 2U = , (5.13)
4µL
ou seja, a velocidade máxima do perfil laminar de velocidade num
tubo de secção circular é o dobro da velocidade média e ocorre no
centro da conduta, r = 0. A tensão de corte junto à parede, τw , para
um fluido Newtoniano, é, como abordado no capítulo 1,

du 2r 8µU
τw = µ ∣ = µ [−U0 2 ] =− , (5.14)
dr r=R R r=R D
em que se tomou a derivada do perfil laminar na parede (r = R) e se
substituiu R = 12 D e U0 = 2U.

Considere-se agora uma parcela cilíndrica de fluido de raio


r e comprimento L, parte de um escoamento numa conduta horizontal,
como na figura 5.7. Para um regime permanente, a aceleração é igual
a zero e como tal,
2 2
∑ F = (p + ∆p)πr − pπr − τ ⋅ 2πrL = 0 , (5.15)

pelo que a diferença de pressão, ∆p necessária para vencer as forças


viscosas devido ao atrito com a parede sólida da conduta,

∆p 2τ
= . (5.16)
L r
92 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 5.7: Balanço de forças numa parcela de fluido numa conduta horizontal

Como o lado esquerdo da equação 5.16 não depende de r, então o


lado direito também não pode depender de r, pelo que τ = C ⋅ r, em
que C é uma constante que se pode determinar considerando o valor
da tensão de corte na parede. Nesse caso, r = R = D/2 pelo que,
D 2τw
τw = C ⋅ Ô⇒ C = , (5.17)
2 D
r
∴τ = 2τw . (5.18)
D
Note-se portanto que a tensão de corte, τ, varia linearmente dentro
da conduta, de um valor máximo na parede até zero no centro onde
Figura 5.8: Variação da tensão de corte
o gradiente de velocidade é zero. Graficamente, essa variação é re- dentro de uma conduta em regime
presentada na figura 5.8. Acrescente-se ainda que este facto decorre laminar

do perfil laminar de velocidade ser um polinómio de 2º grau, cuja de-


rivada é uma reta como mostrado na equação 5.14. Substituindo a
equação 5.18 na equação 5.16, obtém-se,
4Lτw
∆p = . (5.19)
D
Este resultado revela que a perda de carga (queda de pressão) ao longo
da conduta depende, não só da tensão de corte na parede, mas também
do seu comprimento e diâmetro. Usando a expressão para τw obtida
para um fluido newtoniano (equação 5.14), chega-se a duas expressões
adicionais: uma para a perda de carga em função da velocidade média
do escoamento,
32µUL
∆p = , (5.20)
D2
ou, inversamente, uma outra expressão para a velocidade média em
função da perda de carga,

∆pD2
U= , (5.21)
32µL

frequentemente escrita em termos do caudal volumétrico, Q = U A, Lei de Poiseuille


também designada por lei de Poiseuille,

πD4 ∆p
Q= ⋅ . (5.22)
128µ L
escoamentos em condutas 93

Conduta inclinada
Apesar desta derivação ter sido feita para uma conduta horizontal,
ela é facilmente extensível a uma conduta inclinada, formando um
ângulo θ com o plano horizontal, como a da figura 5.9. Nesse caso, o
balanço de forças na parcela de fluido inclui agora o peso da parcela
de fluido, o que produz,

∆p − ρgL sen θ 2τ
= . (5.23)
L r
Note-se que esta expressão é análoga à equação 5.16, substituindo-se
∆p por (∆p − ρgL sen θ). Da mesma forma, as equações 5.20, 5.21 e 5.22
são válidas para uma conduta inclinada bastando apenas substituir ∆p
por (∆p − ρgL sen θ).

Considere-se agora dois pontos, 1 e 2, ao longo de uma conduta,


Figura 5.9: Balanço de forças numa par-
sem ganhos ou perdas entre eles que não as devido ao atrito com as cela de fluido numa conduta inclinada
paredes da conduta. A equação de energia entre estes dois pontos será
(ver tabela 3.3),

p1 v2 p2 v2
+ α1 1 + z1 = + α2 2 + z2 + h f . (5.24)
ρg 2g ρg 2g

Se a conduta for de secção uniforme, α1 v22 = α2 v21 , pelo que a equação


se reduz a,
p1 p2
( + z1 ) − ( + z2 ) = h f , (5.25)
ρg ρg
ou seja, a dissipação de energia devido às forças viscosas é igual ao
trabalho efetuado pelas forças de pressão e de gravidade. É comum
adimensionalizar a perda de carga pela componente dinâmica da pres-
2
são, 12 ρU , pelo que, partindo da equação 5.20,

∆p 64µUL µ L
2
= 2
= 64 ( )( ) . (5.26)
1
D2 ρU ρUD D
2 ρU
´¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¸¹¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¹ ¶
1/ReD

Introduzindo o fator de fricção de Darcy, f , a perda de carga por fric-


ção pode portanto ser escrita, Equação de Darcy-Weisbach

2
∆p L U
hf = =f⋅ ⋅ ← válido para qualquer regime. (5.27)
ρg D 2g

A equação anterior é denominada de equação de Darcy-Weisbach,


assim chamada em homenagem ao engenheiro francês Henri Darcy
(1803-1858) e ao matemático alemão Julius Weisbach (1806-1871). A
equação afirma que a perda de carga aumenta com o valor do fator
de fricção, f , com o comprimento da conduta, L, e com a velocidade
média do escoamento, U, mas diminui com o aumento do diâmetro
94 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

da conduta, D. No caso de um escoamento laminar numa conduta de


secção circular, i.e. o caso analisado até aqui, verificou-se que o valor
do fator de fricção varia linearmente com o número de Reynolds,

64
f= ← regime laminar em condutas de secção circular. (5.28)
ReD

Mais genericamente o fator de fricção de Darcy relaciona-se com a


tensão de corte na parede através da relação,

8τw Figura 5.10: Dependência de f com o


f= 2
. (5.29)
ρU valor de Re e a rugosidade relativa ε/D
segundo Nikuradse [4]

Solução Turbulenta Exs. 5.3., 5.4., 5.5.


Para escoamentos turbulentos, assume-se que o perfil logarítmico da
equação 5.12 é válido em toda a secção de um tubo de parede su-
ave (rugosidade zero). Integrando o perfil para calcular a velocidade
Material Condição ε [mm]
média, e relembrando a relação entre o fator de fricção de Darcy e
Aço chapa metálica, nova 0.05
a tensão de corte na parede (equação 5.29), pode demonstrar-se que,
inoxidável, novo 0.002
para condutas com paredes suaves, comercial, novo 0.046
rebitado 3.0
1 oxidado
≈ 2.0 log10 (ReD f 1/2 ) − 0.8
2.0
← paredes suaves, (5.30) Ferro fundido, novo
f 1/2 0.26
forjado, novo 0.046
galvanizado, novo 0.15
equação derivada por Prandtl depois de ajuste das constantes B e κ
fundido asfaltado 0.12
para melhor concordância com resultados medidos. Latão estirado, novo 0.002
Plástico tubo estirado 0.0015
Vidro — liso
Para escoamentos turbulentos em condutas com paredes Concreto alisado 0.04
rugosas, contudo, o fator de fricção não é apenas função do número rugoso 2.0
Borracha alisada 0.01
de Reynolds. Para números de Reynolds suficientemente altos, a al-
Madeira aduela 0.5
tura da subcamada laminar é progressivamente menor e as rugosida- Tabela 5.2: Valores típicos de rugosi-
des das paredes interiores da conduta podem perfurar essa camada e dade para condutas comerciais. Deve
ser assumida uma incerteza entre 50% e
ter um impacto significativo no valor do fator de fricção. Nikuradse
70% para estes valores.
(1894-1979) investigou esta dependência, medindo a perda de carga
em tubos de rugosidade, ε, variável para diferentes números de Rey-
nolds. Os resultados são mostrados na figura 5.10, fazendo-se uso da
rugosidade relativa, ε/D. Da figura 5.10, observa-se que para regime Rugosidade relativa
laminar a rugosidade não tem qualquer efeito no valor de f que con-
tinua a seguir a relação da equação 5.28. A partir de um certo valor
de Re, o regime entra em transição para turbulência, acontecendo essa
transição a valores mais baixos de Re quanto mais rugosa for a pa-
rede da conduta. Com aumento progressivo de Re, o valor do fator
de fricção torna se constante para um dado ε/D, e portanto indepen-
dente do valor do número de Reynolds. A esse tipo de escoamento
designa-se por totalmente turbulento. Valores típicos de rugosidade
para condutas comerciais podem ser consultados na tabela 5.2.
escoamentos em condutas 95

Relacionando a rugosidade expressa em unidades de parede e a


espessura da subcamada laminar, obtém-se 3 tipos de condições,

• εu∗ /ν < 5 : paredes hidraulicamente suaves, f = f(Re),

• 5 ≤ εu∗ /ν ≤ 70 : rugosidade de transição, f = f(Re, ε/D),

• εu∗ /ν > 70 : escoamento dominado pela rugosidade, f = f(ε/D).

Em 1939, Colebrook sintetizou os resultados para regimes tur-


bulentos em condutas com paredes suaves e rugosas, Equação de Colebrook

1 ⎛ ε/D 2.51 ⎞
√ = −2.0 log10 + √ . (5.31)
f ⎝ 3.7 ReD f ⎠

A equação de Colebrook, quando representada graficamente para


vários valores de ε/D e vários números de Reynolds, dá lugar ao di-
agrama de Moody da página seguinte. É importante ressalvar que
quer a equação 5.31 de Colebrook ou o diagrama de Moody têm uma
precisão de apenas ±15% pelo que não faz sentido retirar valores de
f com mais de 4 casas decimais. Mais se ressalva que a equação de
Colebrook é apenas válida para regime turbulento, devendo usar-se a
equação 5.28 para regime laminar.
A equação de Colebrook tem a desvantagem de ser implícita (con-
tém f dos dois lados da equação), pelo que Haaland propôs a seguinte
alternativa explícita,
1.11
1 ⎛ 6.9 ε/D ⎞
≈ −1.8 log10 +( ) . (5.32)
f 1/2 Re
⎝ D 3.7 ⎠

A equação de Haaland tem um desvio de ±2% em relação à equa- Equação de Haaland


ção 5.31 de Colebrook.

Problemas de Escoamentos em Condutas

Apresentam-se aqui 3 tipos comuns de problemas de escoamentos em


condutas, com exemplos para cada caso:

Tipo I. Determinação da perda de carga Exs. 5.6.


Neste tipo de problemas são conhecidas as propriedades do fluido (ρ e
µ), as características da conduta (D, L e ε) e o caudal, Q, ou velocidade
média do escoamento (U ≡ V). É necessário determinar a perda de
carga, h f .

Este é o tipo mais fácil de problema e pode ser resumido nos


seguintes passos:
96 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 5.11: Diagrama de Moody para condutas de secção circular


escoamentos em condutas 97

1. Sabendo-se o caudal, deduz-se a velocidade média dividindo pela


área da secção da conduta.

2. De seguida determina-se o número de Reynolds, ficando a saber-se


se o regime de escoamento é laminar ou turbulento.

3. Em função do regime, calcula-se o fator de fricção de Darcy: se


laminar, usa-se a equação 5.28; se turbulento, usa-se a equação 5.31
ou 5.32 ou o diagrama de Moody.

4. Finalmente, calcula-se a perda de carga, h f , através da equação de


Darcy-Weisbach 5.27.

Tipo II. Determinação do caudal ou velocidade média Exs. 5.5., 5.7., 5.14.
Neste tipo de problemas são conhecidas as propriedades do fluido (ρ
e µ), as características da conduta (D, L e ε) e a perda de carga, h f .
Quer-se determinar o caudal, Q, ou a velocidade média, U ≡ V.

Há duas formas de resolver este tipo de problemas. Na pri-


meira abordagem, faz-se uso das equações até aqui apresentadas. Con-
tudo, há uma dificuldade que se prende com o facto de o fator de
fricção depender do número de Reynolds, que se desconhece ainda.
Assim, na equação de Darcy-Weisbach há uma dupla dependência da
2
velocidade do escoamento: através do valor de f e no termo U . O
seguinte processo iterativo pode ser usado:

1. Determina-se a perda de carga, h f através da equação de energia, se


necessário.

2. Arbitra-se uma primeira estimativa para f , calculando f para a ru-


gosidade relativa da conduta, ε/D, e um número elevado de Rey-
nolds, por exemplo, Re = 107 (isto corresponderá a um escoamento
totalmente turbulento). Alternativamente, pode assumir-se um va-
lor típico para f de 0.02.

3. Usando a equação de Darcy-Weisbach 5.27, determina-se uma pri-


meira estimativa para a velocidade, U, com a qual se calcula o nú-
mero de Reynolds.

4. Com esse número de Reynolds, calcula-se o valor de f usando a


equação 5.28 (regime laminar), ou a equação 5.31 ou 5.32 ou o dia-
grama de Moody (regime turbulento)

5. Repetem-se os passos 3 e 4 até não haver alterações nos valores de


f e U.

6. Calcular caudal a partir da velocidade média, se necessário.


98 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Alternativamente, a equação de Colebrook pode ser resol-


vida para o número de Reynolds, introduzindo-se uma perda de carga
adimensional, ζ,

√ ⎛ ε/D 1.775 ⎞ gD3 h f


ReD = − 8ζ log10 + √ , ζ= . (5.33)
⎝ 3.7 ζ ⎠ Lν2

Pode-se desta forma resolver este tipo de problema de forma direta,


calculando-se primeiro ζ, seguido do número de Reynolds com a ex-
pressão acima, e subsequentemente, calculando U = ν ⋅ ReD /D. O cau-
dal pode depois ser determinado, se necessário.

Tipo III. Dimensionamento da conduta Ex. 5.8.


Neste tipo de problemas são conhecidas as propriedades do fluido (ρ
e µ), o comprimento e material da conduta (L e ε), a perda de carga,
h f , e o caudal, Q. Pretende-se determinar o diâmetro da conduta, D.

Este tipo de problema requer geralmente um processo ite-


rativo já que o diâmetro da conduta afeta quer f , quer ReD quer a
própria velocidade média, U. Como o caudal é conhecido, a equação
de Darcy-Weisbach deve ser reescrita de forma a eliminar a velocidade
como variável, usando U = Q/A = 4Q/πD2 ,
2
L U L 16Q2
hf = f ⋅ =f ⋅ ,
D 2g D 2gπ 2 D4

ou, resolvendo para f ,


5
π 2 gh f D
f= ⋅ . (5.34)
8 LQ2
Usando a mesma substituição, também o número de Reynolds é mais
convenientemente expresso em função do caudal neste tipo de proble-
mas,
4Q
ReD = . (5.35)
πDν
O seguinte processo iterativo pode agora ser usado:

1. Determina-se a perda de carga, h f através da equação de energia, se


necessário.

2. Arbitra-se uma primeira estimativa para f . Como a rugosidade


relativa da conduta, ε/D, é desconhecida porque não se conhece D,
pode arbitrar-se um valor típico para f de 0.02.

3. Usando a equação de Darcy-Weisbach modificada 5.34, determina-


se uma primeira estimativa para o diâmetro da conduta, D, com a
qual se calcula o número de Reynolds com a equação 5.35.
escoamentos em condutas 99

4. Com esse número de Reynolds, calcula-se novo valor de f usando


a equação 5.28 (regime laminar), ou a equação 5.31 ou 5.32 ou o
diagrama de Moody (regime turbulento)

5. Repetem-se os passos 3 e 4 até não haver alterações nos valores de


f , ReD e D.

6. Calcular velocidade média a partir do caudal e da área da secção da


conduta, se necessário.

Condutas de Secção Não-Circular Exs. 5.6., 5.7.

No caso de condutas de secção não-circular a análise é semelhante à


apresentada na secção anterior, mas o diâmetro da conduta circular é
substituído pelo diâmetro hidráulico, Dh , definido como, Diâmetro hidráulico

4A
Dh = , (5.36)
P
em que P é o perímetro molhado, isto é, o comprimento ao longo do
qual há contacto do fluido com uma parede sólida.
Por exemplo, numa conduta anelar totalmente preenchida de fluido
e com raio interior, ri , e exterior, re (ver figura 5.12), o perímetro mo-
lhado é P = 2πri + 2πre . Logo o diâmetro hidráulico de uma conduta
anelar é dado por,

4π(re2 − ri2 )
Dh = = 2(re − ri ) .
2π(ri + re )
A equação de Darcy-Weisbach 5.27 continua válida para condutas
de secção não-circular substituindo-se o diâmetro pelo diâmetro hi-
dráulico, para maior generalidade.
2
∆p L U Figura 5.12: Conduta de secção anelar
hf = =f⋅ ⋅ . (5.37)
ρg Dh 2g ri /re f ⋅ Reh Def /Dh
Na verdade, note-se que na equação de Darcy-Weisbach se usa sempre 0.0 64 1
0.00001 70.09 0.913
o diâmetro hidráulico, porque o diâmetro de uma conduta de secção
0.0001 71.78 0.892
circular é igual ao seu diâmetro hidráulico: Dh = 4πr2 /(2πr) = 2r = D. 0.001 74.68 0.857
0.01 80.11 0.799
0.05 86.27 0.742
Diâmetro Efetivo 0.1 89.37 0.716
0.2 92.35 0.693
Contudo, as condutas de secção não-circular apresentam uma difi- 0.4 94.71 0.676
culdade adicional, no que concerne o cálculo do fator de fricção de 0.6 95.59 0.670
0.8 95.92 0.667
Darcy. Quer a relação laminar f = 64/ReD , quer as correlações con- 1.0 96.0 0.667
tidas nas equações de Colebrook 5.31 ou Haaland 5.32, e consequen- Tabela 5.3: Diâmetro efetivo de condu-
temente no diagrama de Moody para escoamentos turbulentos, foram tas de secção anelar, Reh é o número de
Reynolds calculado com o diâmetro hi-
obtidas para escoamentos em condutas de secção circular. Para condu- dráulico, re ,ri são os diâmetros exterior
tas de secção não-circular, expressões equivalentes podem ser obtidas, e interior, respetivamente.
100 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

por análise matemática no caso laminar e por dados experimentais no


caso turbulento. Uma boa aproximação para corrigir estas aproxima-
ções para condutas de secção não-circular é a utilização do diâmetro
efetivo, Def .

Figura 5.13: Condutas de secção retan-


Valores do diâmetro efetivo para condutas de secção ane- gular e triangular isósceles
lar, retangular e triangular são mostrados nas tabelas 5.3, 5.4
e 5.5, respetivamente. Os valores de Def são apresentados de 2 formas: b/a f ⋅ Reh Def /Dh

a) o fator que representa a relação linear entre o fator de fricção e o 0.0 96.00 0.667
0.05 89.91 0.712
número de Reynolds calculado com o diâmetro hidráulico (por exem- 0.1 84.68 0.756
plo, para uma conduta de secção quadrada, a = b, f = 56.91/Reh , em 0.125 82.34 0.777
0.167 78.81 0.812
vez de f = 64/ReD para uma conduta circular), ou b) em termos do
0.25 72.93 0.878
rácio entre os diâmetros efetivo e hidráulico (que no caso da mesma 0.4 65.47 0.978
conduta de secção quadrada é igual Def /Dh = 64/56.91 = 1.125. Com o 0.5 62.19 1.029
0.75 57.89 1.106
cálculo do diâmetro efetivo, o fator de fricção de Darcy pode ser calcu- 1.0 56.91 1.125
lado usando as equações 5.28 (regime laminar) ou 5.31 e 5.32 (regime Tabela 5.4: Diâmetro efetivo de condu-
turbulento) usando nessas equações o número de Reynolds efetivo e a tas de secção retangular, b/a é o rácio
do lado mais curto sobre o lado mais
rugosidade relativa efetiva, longo
ρUDef ε
Reef = , . (5.38)
µ Def
θ f ⋅ Reh Def /Dh
Relembra-se que o diâmetro efetivo deve apenas ser usado no cálculo
0 48.0 1.333
do fator de fricção e nunca na equação de Darcy-Weisbach 5.27. 20 51.6 1.240
40 52.9 1.210
60 53.3 1.201
Perdas Localizadas Exs. 5.11., 5.14., 5.15. 80 52.9 1.210
100 52.0 1.231
Até este ponto foram apenas contabilizadas as perdas por fricção em 120 51.1 1.252
140 49.5 1.293
linha devido ao atrito do fluido com as paredes interiores da conduta, 160 48.3 1.325
que se designou por h f . Contudo, outras contribuições existem para 180 48.0 1.333
a perda de carga total, chamadas de perdas localizadas, hloc . As perdas Tabela 5.5: Diâmetro efetivo de condu-
tas de secção triangular isósceles, θ é o
localizadas devem-se a, pela ordem em que serão abordadas,* ângulo de vértice do triângulo isósceles
1. válvulas, *Certos autores usam a terminologia de
perdas menores, ainda que esta expressão
2. curvas, cotovelos, tês, braçadeiras e outras ligações de tubagens, possa ser enganadora, uma vez que
há casos em que hloc > h f . Note-se
3. entrada e/ou saída da conduta, ainda que a lista apresentada não é de
todo exaustiva, existindo muitas outras
fontes de perdas de carga localizadas
4. expansões e contrações súbitas da secção da conduta,
como instrumentos de medição, filtros,
etc.
5. expansões e contrações graduais da secção da conduta.
O escoamento em torno da maioria do equipamento acima listado é
bastante complexo e altamente dependente da geometria de cada mo-
delo de cada fabricante. Como tal, a contabilização das perdas locali-
zadas é feita através de um parâmetro adimensional designado de co-
eficiente de perda localizada, K, obtido de forma experimental pelo fabri-
cante do equipamento. Este coeficiente é obtido adimensionalizando a
escoamentos em condutas 101

Aparafusada/o Flangeada/o
Diâmetro (mm) 12.5 25 50 100 25 50 100 200 500
Válvulas (totalmente abertas):
Globo 14.00 8.20 6.90 5.70 13.00 8.50 6.00 5.80 5.50
Gaveta 0.30 0.24 0.16 0.11 0.80 0.35 0.16 0.07 0.03
Basculante 5.10 2.90 2.10 2.00 2.00 2.00 2.00 2.00 2.00
Em ângulo 9.00 4.70 2.00 2.00 4.50 2.40 2.00 2.00 2.00

Cotovelos:
45° normal 0.39 0.32 0.30 0.29
45° raio longo 0.21 0.20 0.19 0.16 0.14
90° normal 2.00 1.50 0.95 0.64 0.50 0.39 0.30 0.26 0.21
90° raio longo 1.00 0.72 0.41 0.23 0.40 0.30 0.19 0.15 0.10
180° normal 2.00 1.50 0.95 0.64 0.41 0.35 0.30 0.25 0.20
180° raio longo 0.40 0.30 0.21 0.15 0.10

Tês:
Escoam. Direto 0.90 0.90 0.90 0.90 0.24 0.19 0.14 0.10 0.07
Escoam. Ramal 2.40 1.80 1.40 1.10 1.0 0.80 0.64 0.58 0.41
Tabela 5.6: Coeficientes de perda localizada para válvulas abertas, cotovelos e tês

perda de carga localizada pela energia cinética do escoamento,

∆p hloc
K= 2
= 2
. (5.39)
1
2 ρU U /(2g)

A perda de carga total, h p , resulta então da soma da perda de carga


por fricção (em linha) e das perdas localizadas que poderão ser elas
próprias o resultado da soma das perdas localizadas de, por exemplo,
várias válvulas. Se o diâmetro da conduta não variar (ou seja, se a
velocidade média, U = const.),

2 2 2
L U U U L
h p = h f + hloc = f ⋅ ⋅ +∑K⋅ = ( f + ∑ K) . (5.40)
D 2g 2g 2g D

Apresentar-se-ão aqui valores típicos representativos de K para equi-


pamento hidráulico disponível no mercado. A tabela 5.6 contém va-
lores indicativos dos coeficientes de perda localizada para 4 tipos de
válvula e ligações entre tubagens em cotovelo ou em tê. Para cada
caso são apresentados valores de K para vários diâmetros de conduta
e métodos de montagem. Reforça-se que estes valores são apenas in-
dicativos e que, sempre que disponíveis, deverão ser usados os valores
indicados pelo fabricante para cada modelo específico.

Valores de K para válvulas parcialmente fechadas serão naturalmente


mais altos do que os apresentados na tabela 5.6. Valores indicativos
podem ser consultados no livro recomendado [4] e noutra literatura.
Também aí se poderão consultar valores para perdas em cotovelos de
90°, em função do raio de curvatura e rugosidade da conduta.
102 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Outras perdas localizadas comuns estão associadas a entradas


e saídas do escoamento na ou da conduta. A figura 5.14 mostra a forte Entrada na conduta
dependência do coeficiente de perda localizada com a geometria da
entrada. Para uma entrada em canto agudo com a conduta cortada
rente à parede do reservatório o valor de K = 0.5, uma pequena reen-
trância da conduta pode aumentar o valor de K, consideravelmente.
Inversamente, uma entrada boleada pode reduzir o valor de K para
próximo de zero. Por outro lado, uma saída submersa de uma conduta
para um reservatório de grandes dimensões não depende da geometria
ou reentrância da conduta, uma vez que toda a altura de velocidade
2
(U /(2g)) se perde por dissipação viscosa, pelo que K = 1 para toda a
saída submersa. Saída submersa

Frequentemente é necessário mudar a secção da conduta.


Isso pode ser feito de uma forma brusca, resultando numa expansão
ou contração súbitas.. Para um aumento brusco da secção da conduta,
pode mostrar-se que o coeficiente de perda localizada pode ser obtido
a partir de,
2
d2
KES = (1 − ) , (5.41)
D2
em que d e D são os diâmetros da conduta mais estreita (a montante)
e mais larga (a jusante), respetivamente. No caso da contração, não é
possível obter uma expressão analítica para K para valores de d/D <
Figura 5.14: Coeficientes de perda
0.76, pelo que se recorre a resultados experimentais, localizada para várias geometrias de
entradas submersas: entrada reen-
d2 trante (em cima), entrada boleada ou
KCS = 0.42 (1 − ) , se 0 < d/D ≤ 0.76,
D2 chanfrada (em baixo) [4]
2 (5.42) Expansão e contração súbitas
d2
KCS = (1 − 2 ) , se d/D > 0.76 .
D
Em qualquer dos casos, contração ou expansão da conduta, o coefi-
ciente de perda localizado, KCS ou KES , terá de ser multiplicado por
V 2 /2g em que V é a velocidade na secção estreita.

Para mudanças de secção graduais, as perdas localizadas são


tipicamente bem mais baixas. No caso de um difusor cujo objetivo é
transferir energia da componente cinética para a pressão estática com
o aumento da área da secção da conduta, pretende-se que as perdas
sejam mínimas. Neste caso, a perda de carga dependerá do ângulo
de abertura do difusor. Para ângulos de abertura muito pequenos
(<5°) a perda de carga é quase exclusivamente por fricção devido ao
grande comprimento necessário. Para ângulos muito altos, o gradiente
de pressão pode ser excessivamente adverso e provocar separação da
camada limite como será discutido no capítulo 6. Por outro lado, con-
trações suaves da secção da conduta estão sujeitas a um gradiente de
escoamentos em condutas 103

pressão favorável e conseguem-se coeficientes de perda localizada da


ordem de 0.02 - 0.07. Para mais detalhes e resultados gráficos e tabula-
dos, consultar Frank M White [4].

Condutas em Série e em Paralelo Exs. 5.13.

A extensão do estudo de perdas de carga a múltiplas condutas segue


os mesmos princípios físicos até aqui observados. As seguintes regras
deverão ser fáceis de intuir pelo leitor chegado a esta fase. Usando Figura 5.15: Três condutas em série:
perda de carga total resulta da soma
como exemplo as condutas em série da figura 5.15,
das 3 perdas em linha e das 2 perdas
localizadas
1. a perda de carga total de condutas em série é igual à soma das
perdas de carga em cada conduta,
h p = h p1 + h p2 + h p3 = (p A − p B )/(ρg),
que inclui não só as perdas em linha em cada troço como as perdas
localizadas em cada troço;

2. o caudal é constante ao longo das três condutas,


Q = Q1 = Q2 = Q3 ,

Para o caso das condutas em paralelo da figura 5.16, (onde se op-


tou por desprezar as perdas localizadas na bifurcação e junção das
condutas para melhor visualização), Figura 5.16: Três condutas em paralelo.
Note-se que a presença de uma perda
1. a perda de carga de condutas em paralelo é igual, localizada na conduta 3 faz reduzir
Q3 e com isso diminuem as perdas em
h p1 = h p2 = h p3 = (p A − p B )/(ρg), linha neste troço. Contudo, uma vez
incluída a perda localizada da válvula,
2. o caudal total é igual à soma dos caudais que passam por cada h p3 = h f 3 + hloc = h p1 = h p2
conduta,
Q = Q1 + Q2 + Q3 .

Os conceitos abordados neste capítulo podem ser alargados à aná-


lise de redes de condutas mais complexas, onde é necessário satisfazer
as equações de conservação de massa e energia em cada nó e troço
da rede. Isto leva a sistemas de equações que podem ser resolvidos
por métodos iterativos, como o de Hardy-Cross. Para mais detalhes Método de Hardy-Cross
sobre a aplicação deste e de outros métodos para análise de redes de
condutas, consulte bibliografia de hidráulica, [10].

Análise Gráfica da Perda de Carga

Como ilustrado já nas figuras 5.15 e 5.16, a perda de carga pode ser
representada graficamente, ilustrando as perdas de carga em linha e as
perdas localizadas. Da mesma forma, se podem incluir na representa-
ção gráfica máquinas de fluxo como bombas (ou turbinas) que injetam
(ou extraem) energia do escoamento.
104 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 5.17: Gráfico da perda de carga entre reservatórios: Figura 5.18: Gráfico da perda de carga entre reservatórios:
a) turbinagem, turbina apenas aproveita b) bombagem, bomba tem de vencer
ht = (z1 − z6 ) − (∑ h f + ∑ hloc ) hb = (z7 − z1 ) + (∑ h f + ∑ hloc )

Na figura 5.17, mostra-se um circuito entre dois reservatórios cuja


diferente cota proporciona uma diferença de energia potencial que
produz um escoamento da esquerda para a direita. Esse escoamento
incorre em perdas em linha nas diferentes condutas (linhas inclinadas
do gráfico), assim como 3 perdas localizadas associadas à entrada na
conduta, uma válvula e à saída submersa do lado direito. No meio,
há uma ’perda’ adicional resultante da extração de energia por uma
turbina. Neste caso, do diferencial de energia inicial (z1 − z6 ), a turbina
extrai apenas uma pequena parte, porque as perdas são significativas.
Na figura 5.18, o exemplo é agora um sistema de bombagem. Às
perdas em linha, juntam-se as perdas localizadas da entrada e saída
submersa e dois cotovelos a 45°. A bomba tem portanto que introduzir
energia suficiente não só para elevar o fluido uma altura de (z7 − z1 )
mas também para vencer todas as perdas do sistema. Como a bomba
injeta energia no sistema, é representada no gráfico como uma linha
vertical descendente, de sinal oposto à perda de carga.

Medição de Velocidade Exs. 5.12.

A medição de velocidade pode fazer uso de vários princípios físicos no


processo de medição. Discutem-se agora brevemente alguns dos prin-
cipais tipos de instrumentos de medição da velocidade, apresentados
em grau crescente de sofisticação:

• trajetória de partículas flutuantes, esta técnica de medição


da velocidade faz uso de partículas flutuantes, como bolhas de hi-
drogénio em água, ou partículas de fumo em gases, cuja trajetória é
escoamentos em condutas 105

observada de onde se pode deduzir, com as calibrações necessárias,


a velocidade do escoamento.

• dispositivos mecânicos rotativos, que são essencialmente tur-


binas cuja força a que estão sujeitas pode ser correlacionada com a
velocidade do escoamento. Exemplos incluem anemómetros de co-
pos, muito usados na indústria eólica ou a turbina Savonius (ver
figura 5.19). Em escoamentos confinados, estes instrumentos po-
dem introduzir perdas de carga significativas.

• tubo de Pitot estático, em que um tubo fino, alinhado com Figura 5.19: Instrumentos rotativos de
o escoamento, permite a medição da velocidade através de uma medição da velocidade: anemómetro de
copos (esq.) e turbina Savonius (dir.) [4]
diferença de pressão. O tubo de Pitot, inventado pelo engenheiro
francês Henri Pitot (1695-1771), tem tomadas de pressão estática, ps ,
nas paredes laterais e uma tomada de pressão de estagnação, p0 , na
ponta direcionada para o escoamento onde o fluido desacelera até
uma velocidade nula (ver figura 5.20).

Para escoamentos em que ReD > 1000 em que D é a diâmetro do


tubo de Pitot, as forças viscosas são insignificantes e a equação de
Bernoulli pode ser utilizada entre o ponto de estagnação e a tomada
de pressão estática,

1 1
p0 + ρ(0)2 + ρgz0 ≈ ps + ρV 2 + ρgzs , (5.43)
2 2
que pode ser simplificada se as dimensões do tubo de Pitot forem
suficientemente pequenas de forma a que ρgz0 ≈ ρgzs . Nesse caso,
a velocidade pode ser deduzida a partir da diferença de pressão
usando, ¿
Á 2(p0 − ps )
V≈Á À . (5.44)
ρ

• medidor de corrente eletromagnética impõe um campo mag-


nético num fluido condutor, medindo a velocidade do escoamento
através da voltagem registada por dois elétrodos colocados nas ime-
diações do fluido em movimento. Esta técnica de medição requer
que o fluido tenha uma boa condutividade elétrica (metais líqui-
dos ou água do mar são bons exemplos) ou, alternativamente, o
sinal tem que ser amplificado para fluidos com menor condutivi-
dade. Para mais detalhes sobre este tipo de medidores de veloci-
dade, pode consultar [11].
106 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 5.20: Tubo de Pitot para medição da pressão estática e pressão de estagnação.
Para desalinhamentos entre a direção do escoamento e do tubo de Pitot, θ > 5o ,
existirão erros significativos na medição das pressões, [4]

• fio quente e filme quente, em que um fio (ou filme) muito


fino (diâmetro (ou espessura) inferior a 0.01 mm), é aquecido por
efeito de Joule. A perda de calor do fio é proporcional à veloci- Figura 5.21: Anemómetros de fio
dade do escoamento através de uma expressão previamente cali- quente (esq.) e filme quente (dir.) [4]
brada para cada instrumento. Devido à sua fragilidade estrutu-
ral, anemómetros de fio quente não podem ser geralmente usado
no escoamento de líquidos (anemómetros de filme quente são mais
apropriados nesses casos), sendo sobretudo usados em escoamentos
gasosos para medição de turbulência devido à sua rápida resposta.

• anemometria laser-Doppler, em que um feixe de laser atra- Figura 5.22: Anemómetro laser-Doppler
[4]
vessa o escoamento e é refratada por partículas em movimento no
fluido. Por efeito de Doppler, a frequência da luz refratada será alte-
rada proporcionalmente à velocidade, permitindo assim a medição
da última. Uma das vantagens desta técnica é que não interfere
com o escoamento e é independente de variações termodinâmicas
no fluido em movimento.

Medição de Caudal

Por vezes, é mais importante a medição de um caudal a passar numa


conduta do que a velocidade num ponto do escoamento. Há vários
tipos de medidores de caudal que funcionam sob princípios distintos.
Uma classe de medidores de caudal, por exemplo, retêm e medem a
quantidade de volume de fluido que passa numa determinada secção.
escoamentos em condutas 107

São disto exemplo, tanques de volume ou foles. Outros instrumen-


tos introduzem uma obstrução no escoamento e medem a perda de
carga introduzida por essa obstrução. Sendo a perda de carga pro-
porcional ao quadrado da velocidade média (ou caudal), a medição
da primeira permite o cálculo da segunda. Este tipo de instrumentos
segue comummente a teoria de obstrução de Bernoulli abordada na
secção seguinte. Outros medidores de caudal funcionam sob outros
princípios físicos. Os mais comuns são os seguintes,

• rotâmetros são instrumentos que utilizam a força de arrasto so-


bre um sólido flutuante para deduzir o caudal. Os rotâmetros são
geralmente tubos cónicos instalados verticalmente na conduta onde
se pretende medir o caudal. Uma análise simples leva à seguinte Figura 5.23: Rotâmetro comercial [4]

relação entre o caudal e a geometria do flutuador e do rotâmetro,


1/2
2P′
Q = CD A a ( ) , (5.45)
Aflut ⋅ ρfluido

em que P′ é o peso da partícula flutuante excluindo a força de im-


pulsão e A a = Atubo − Aflut é a diferença entre a área do tubo e a
área seccional do sólido flutuante. Os rotâmetros tipicamente in-
cluem uma escala inscrita na parede transparente do instrumento
que permite a rápida leitura do caudal. O seu princípio de fun-
cionamento exige que sejam instalados verticalmente. A gama de
caudais que podem ser medidos pode ser expandida fazendo uso
de sólidos flutuantes de diferentes dimensões e/ou massa volúmica.

Figura 5.24: Medidor ultrassónico de


• medidores ultrassónicos são análogos no seu princípio de fun- caudal [4]
cionamento aos medidores de velocidade laser-Doppler. Com re-
ferência à figura 5.24, o emissor/receptor A envia um sinal ultras-
sónico para o emissor/receptor B, que responde com um sinal em
sentido contrário, e assim sucessivamente. Estabelecem-se assim
duas frequências, f A e f B , cuja diferença entre elas é proporcional
ao caudal que passa na secção da conduta.

Para mais informações sobre estas e outras técnicas de medição do


caudal, consultar o livro da disciplina [4], ou textos da especialidade
como [12] e [13].

Teoria de Obstrução de Bernoulli

Esta última secção do capítulo será dedicada à análise de instrumentos


que medem o caudal introduzindo uma obstrução e medindo a perda
de carga por esta introduzida. Considere-se um instrumento genérico
deste tipo, representado na figura 5.25.
108 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 5.25: Medição do caudal por teoria de obstrução de Bernoulli [4]

A figura mostra uma obstrução que consiste no estrangulamento da


secção da conduta de diâmetro D1 . Por conservação de massa, isto leva
a uma aceleração do escoamento na secção da garganta de diâmetro,
d, onde parte da energia armazenada sob pressão é convertida em
energia cinética. Na realidade, o escoamento longitudinal é restrito
a uma zona de secção ainda mais reduzida (diâmetro D2 ) devido à
formação de uma vena contracta, rodeada por zonas de recirculação
onde o fluido está ’encurralado’. A jusante do estrangulamento, a
energia cinética é reconvertida em pressão com o aumento da secção.
Contudo, entre os pontos 1 e 2, existirá uma perda de carga em linha, Figura 5.26: Medidor do tipo obstrução
de Bernoulli: placa-orifício [4]
proporcional à distância entre 1 e 2 e uma perda localizada devido
à obstrução. Aplicando as equações de conservação de massa e de
Bernoulli entre os pontos 1 e 2 (que se assumem à mesma cota z),
obtém-se,

πD12 πD22 V D 2
Q = V1 = V2 ⇔ 1 = ( 2) , (5.46)
4 4 V2 D1

1 1
p1 + ρV12 = p2 + ρV22 , (5.47)
2 2

Figura 5.27: Coeficiente de descarga de


placa-orifício [4]
escoamentos em condutas 109

Resolvendo as equações 5.46 e 5.47 simultaneamente permite estimar


o caudal, ¿
Á 2(p1 − p2 )
Q = V2 A2 ≈ A2 Á
À . (5.48)
ρ(1 − D24 /D14 )
A equação anterior é apenas uma estimativa porque as perdas de carga
não estão a ser contabilizadas. Mais ainda, o diâmetro da vena contracta
não é facilmente mensurável, pelo que é preferível usar a área da gar-
ganta do instrumento, At = πd2 /4. Para corrigir estes dois aspetos
introduz-se um coeficiente de descarga, Cd , de forma a que,
¿
Á 2(p1 − p2 )
Q = V2 A2 = Vt At = Cd ⋅ At Á
À , (5.49)
ρ(1 − β4 )

em que o subscrito t designa propriedades na obstrução e β = d/D é o


rácio da área da obstrução sobre a área total da conduta. O coeficiente
adimensional de descarga, Cd , é usado para compensar as simplifica-
ções introduzidas na análise.
Há 3 tipos mais comuns de instrumentos que funcionam de acordo
com os princípios acima descritos, e cuja concepção e fabrico seguem
normas internacionais [14]: placas-orifício [15], bocais [16] e tubos de
Venturi [17].

Placas-Orifício
Placas orifício (ver figura 5.26) são construídas para rácios entre os
diâmetros do orifício e da conduta na gama 0.2 < β < 0.8 e para valores
de d > 12.5 mm. O coeficiente de descarga deste tipo de instrumentos
pode ser determinado a partir de,

0.09β4
Cd = f (β) + 91.71β2.5 Re−0.75
D + F1 − 0.0337β3 F2 , (5.50)
1 − β4

onde a função f (β) é aproximada usando,

f (β) = 0.5959 + 0.0312β2.1 − 0.184β8 , (5.51)

e os valores de F1 e F2 dependem da configuração das tomadas de


pressão que medem a perda de carga devido à placa orifício:

• para tomadas de canto: F1 = 0 e F2 = 0,

• para tomadas 1D a montante e 21 D a jusante: F1 = 0.4333 e F2 = 0.47.

Devido à dependência de Cd com o número de Reynolds, a determi-


nação do caudal requer que as equações 5.49 e 5.51 sejam resolvidas
simultaneamente, reescrevendo o número de Reynolds em termos do
caudal, ReD = 4ρQ/(πµD).
110 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Alternativamente, um processo iterativo pode ser usado para en-


contrar Cd , Re D e Q: a) arbitra-se um valor de Cd inicial, o qual, jun-
tamente com a queda de pressão medida pela placa orifício (p1 − p2 )
é usado para estimar um caudal inicial com a equação 5.49; b) com
esse caudal, o número de Reynolds é calculado e um novo valor de Cd
obtido a partir da equação 5.50. Estes dois cálculos são repetidos itera-
tivamente até os valores de Cd e ReD (e, por arrasto, Q) não mudarem.

Bocais
Bocais podem ser de raio curto ou raio longo (este mostrado na fi-
gura 5.28), de acordo com a curvatura do bocal. A configuração do
bocal elimina a vena contracta existente para placas-orifício, mas conti-
nua a existir uma perda de carga significativa. Os coeficientes de carga
para cada um dos tipos de bocal são aqui dados, Figura 5.28: Medidor do tipo obstrução
de Bernoulli: bocal [4]
• bocal de raio longo:
1/2
106
Cd ≈ 0.9965 − 0.00653β1/2 ( ) , (5.52)
ReD

• bocal de raio curto:


1.15
4.1 4.7 106 Figura 5.29: Coeficiente de descarga de
Cd ≈ 0.9900 − 0.2262β + (0.001125β + 0.00249β )( ) .
ReD bocal de raio longo [4]
(5.53)

A determinação do caudal segue os mesmos princípios já elencados


para as placas-orifício usando um método direto ou iterativo.

Tubos de Venturi Exs. 5.16.


O terceiro tipo de instrumento é designado por tubo de Venturi, assim
chamado em homenagem ao físico italiano Giovanni Venturi (1746–
1822). Por oposição aos outros dois tipos de instrumento, o tubo
de Venturi tem uma contração cónica com um ângulo de cerca de Figura 5.30: Coeficiente de descarga de
20º, seguida de uma garganta de secção constante, e terminando com tubo de Venturi [4]

uma expansão suave com um ângulo de 7º a 15º. São tipicamente


concebidos para medir caudais com números de Reynolds na gama
1.5 × 105 < ReD < 1.2 × 106 , para a qual o coeficiente de descarga é dado
por,
Cd ≈ 0.9858 − 0.196β4.5 . (5.54)
escoamentos em condutas 111

Figura 5.31: Medidor do tipo obstrução de Bernoulli: tubo de Venturi [4]

A sofisticação e custo destes instrumentos aumenta na ordem em


que eles foram apresentados, ou seja, placas-orifício são instrumentos
de mais baixo custo enquanto que os tubos de Venturi são os mais ca-
ros. Simultaneamente, existe uma progressão inversa no que concerne
a perda de carga, com as placas-orifício a extraírem mais energia do
escoamento, seguida dos bocais, e com os tubos de Venturi a provo-
carem as menores perda de carga. Os coeficientes de perda localizada
de cada tipo de instrumento para vários valores de β pode ser vista na
figura 5.32. ∎

Figura 5.32: Coeficientes de perda


localizada para placas-orifício, bocais e
tubos de Venturi [4]
112 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

5.1. Água a 20o C deve ser retirada por sifão através de um tubo de 1 m de comprimento e 2 mm de
diâmetro, como representado na figura. Existe alguma altura H para a qual o escoamento não é
laminar, admitindo que a transição se dá acima de Re=2000? Qual é o caudal se H = 50 cm? Despreze
a curvatura do tubo. R: H ≈ 0.92 m, Q = 0.0065 m3 ⋅h−1
5.2. O tubo de 6 cm de diâmetro da figura contém glicerina a 20o C, escoando a uma taxa de 6 m3 ⋅h−1 .
Verifique se o escoamento é laminar. Para as medidas de pressão mostradas, o escoamento é para cima
ou para baixo? Qual é a perda de carga indicada para essas pressões? R: laminar, para baixo, h p = 25.1
m
5.3. O sistema reservatório e tubo da figura fornece pelo menos 11 m3 ⋅h−1 de água a 20o C para o reserva-
tório. Qual é a altura máxima admissível da rugosidade ϵ para o tubo? R: ϵ = 0.012 mm

exercício 5.1. exercício 5.2. exercício 5.3.

5.4. Água a 20o C deve ser bombada através de um tubo de 610 m do reservatório 1 para 2 a uma taxa de
85 l⋅s−1 , como mostra a figura. Se o tubo é de ferro fundido de 6 in de diâmetro e a bomba tem 75%
de rendimento, qual é a potência necessária para a bomba? Nota: 1 in = 25.4mm, 1 ft = 0.3048m. R:
P = 152.7 kW
5.5. Na figura o tubo de conexão é de aço comercial de 6 cm de diâmetro. Calcule o caudal, em m3 ⋅h−1 , se
o fluido for água a 20o C. Qual é o sentido do escoamento. R: Q = 25 m3 ⋅h−1 , para a esquerda
5.6. Permutadores de calor consistem frequentemente em muitas passagens triangulares. Uma passagem
típica é mostrada na figura, com L = 60 cm e secção transversal em forma de triângulo isósceles de
comprimento lateral a = 2 cm e ângulo β = 80°. Se a velocidade média é de V = 2 m/s e o fluido é óleo
SAE 10 a 20o C, calcule a perda de pressão. R: ∆P = 23000 Pa

exercício 5.4. exercício 5.5. exercício 5.6.


escoamentos em condutas 113

5.7. Uma grande sala usa um ventilador para sugar o ar atmosférico a 20o C através de uma conduta de
aço comercial de 30 cm por 30 cm e 12 m de comprimento, como mostra a figura. Calcule (a) o caudal
de ar em m3 ⋅h−1 se a pressão na sala for um vácuo de 10 Pa e (b) a pressão na sala, se o caudal for de
1200 m3 ⋅h−1 . Despreze as perdas localizadas. R: (a) 1530 m3 ⋅h−1 , (b) −6.5 Pa
5.8. Os reservatórios da figura contêm água a 20o C. Se o tubo for de ferro fundido com um comprimento
L = 185 m e a diferença de cotas entre os reseratórios for ∆z = 80 m, determine o diâmetro da conduta
que produz um caudal de 7 m3 /h. Despreze as perdas localizadas. R: ≈ 3.05 cm
5.9. O sistema da figura consiste em 1200 m de tubo de ferro fundido de 5 cm de diâmetro, dois cotovelos
de 45º e quatro de 90º de raio longo, uma válvula de globo flangeada completamente aberta e uma
saída em canto agudo no reservatório. Se a elevação no ponto 1 é de 400 m, qual a pressão manométrica
necessária no ponto 1 para fornecer 0.005 m3 ⋅s−1 de água a 20o C ao reservatório? R: 3.46 MPa

exercício 5.7. exercício 5.8. exercício 5.9.

5.10. Na figura, o tubo é de aço galvanizado. Calcule o aumento percentual de caudal (a) se a entrada do
tubo for cortada rente à parede do reservatório e (b) se a válvula de borboleta estiver totalmente aberta.
(NB: válvula aberta Ô⇒ K = 0.3, válvula a 30○ Ô⇒ K = 80)R: (a) +0.3%, (b) 5×
5.11. Na figura, encontram-se 38 m de tubo de 50 mm, 23 m de tudo de 150 mm e 46 m de tubo de 75 mm,
todos de ferro fundido. Há três cotovelos de 90º e uma válvula de globo aberta, tudo flangeado. Se a
elevação de saída é zero, qual é a potência em hp extraída pela turbina quando o caudal é de 4.5 l⋅s−1
de água a 20o C? R: 1.32 hp
5.12. Um avião pequeno que voa a 5000 m de altitude usa um tubo de Pitot sem furos de pressão estática.
A pressão de estagnação medida é de 56.5 kPa. Calcule a velocidade do avião. A correcção por causa
da compressibilidade é necessária? R: v = 82.3 m⋅s−1 , não
5.13. Um investigador precisa de medir a velocidade do escoamento em um túnel de água. Devido às restri-
ções orçamentais ele não dispõe de um tubo de Pitot estático, mas, em vez disso, insere uma sonda de
pressão de estagnação e uma sonda de pressão estática, como mostra a figura, a uma distância h1 uma
da outra. Ambas as sondas estão no escoamento principal do túnel de água, na região não afectada
pelas camadas limite delgadas sobre as paredes laterais. As duas sondas estão ligadas como mostrado
em um manómetro de tubo em U. As massas específicas e as distâncias verticais são mostradas na
figura 5.13.. Escreva uma expressão para a velocidade V em termos dos parâmetros do problema. R:
V = (2(ρm − ρ a )gh3 /ρ a )1/2
5.14. Um tubo liso ligando dois reservatórios, como mostrado na figura, contém uma placa orifício. Para o
escoamento de água a 20o C, calcule (a) o caudal através do tubo e (b) a queda de pressão através da
placa orifício. R: (a) 0.0057 m3 ⋅s−1 , (b) 76 kPa
114 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

exercício 5.10. exercício 5.11. exercício 5.13.

5.15. Um tubo liso contém etanol a 20o C que escoa a 7 m3 /h por uma obstrução de Bernoulli, como mostrado
na figura. São instalados três tubos piezométricos, como mostrado. Se a obstrução é uma placa orifício,
calcule os níveis piezométricos (a) h2 e (b) h3 . R: (a) 1.58 m, (b) 1.7 m
5.16. Etanol a 20o C escoa para baixo através de um bocal Venturi moderno, como mostrado na figura. Se o
manómetro de mercúrio indica 100 mm, como mostrado, calcule o caudal em m3 ⋅s−1 . R: 0.0262 m3 ⋅s−1

exercício 5.14. exercício 5.15. exercício 5.16.


escoamentos em condutas 115

Exercícios de Exame

Exame de 12 de setembro de 2017

Considere o sistema de abastecimento de água apresentado na figura.


Sabendo que d1 = 10 cm, ℓ1 = 5 m, ε 1 = ε 2 = 0.2 mm, d2 = 5 cm,
ℓ2 = 200 m, k cot = 0.6 e k asp = 0.5, determine a potência teórica da bomba
para transportar 40 m3 ⋅h−1 de água (ρ =998 kg⋅m−3 , µ = 0.001 N⋅s⋅m−2 )
do reservatório mais baixo para o mais alto. (5 valores) R: Pb = 37196, 6 W

Exame de 11 de setembro de 2018

Água (ρ = 998 kg⋅m−3 , µ = 1 × 10−3 kg⋅m−1 ⋅s−1 ) flui de um reservató-


rio para a atmosfera através de condutas de plástico (ε = 0.0015 mm).
O coeficiente de perda localizada da entrada submersa é K = 0.5 en-
quanto que o de cada cotovelo a 90○ é de K = 0.3. O escoamento passa
ainda por uma válvula de globo semi-aberta que introduz uma perda
localizada com K = 10, determinado usando a velocidade a montante
da válvula. Considerando fatores de correção da energia cinética uni-
tários, determine o caudal volumétrico em m3 s−1 que se estabelece. Se
usar um processo iterativo realize apenas uma iteração (5 valores) R:
Q ≈ 3.94 × 10−3 m3 ⋅s−1
patm
z1= 7m

LA= 15m, DA= 6cm

LB= 15m,
DB= 6cm
válvula patm
z2= 0m

LC= 10m, LD= 20m,


DC= 6cm DD= 4cm
116 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exame de 20 de julho de 2010

Considere o circuito de bombagem de água (ρ =998 kg⋅m−3 , µ = 0.001


N⋅s⋅m−2 ) apresentado na figura. O circuito possui uma extensão de
100 m de tubo de 5 cm de diâmetro interno, de um material com ru-
gosidade ε = 0.15 mm, sendo usado para transportar água do reser-
vatório, cuja superfície livre está a 20 m de altitude, até ao ponto de
saída, que se encontra a 45 m de altitude, onde a água é descarregada
em jato livre para a atmosfera (pressão atmosférica local de 101.3 kPa).
Sabendo que a perda localizada introduzida no ponto de aspiração de
água do reservatórioé de K = 0.25, que cada uma das três curvas exis-
tentes introduz localizada de K = 0.32 e que a bomba vai usar uma
potência elétrica de acionamento de 2000 W, determine:

a) o caudal que é possível estabelecer neste sistema de bombagem se


o rendimento da bomba for de 82%. Se utilizar um processo iterativo
realize somente uma iteração (7 valores) R: Q ≈ 4.30 ℓ⋅s−1

b) a pressão à entrada da bomba para uma velocidade do fluido de


3 m⋅s−1 . Verifique a possibilidade de existência de cavitação se, para a
temperatura da água no circuito, a pressão absoluta de vapor for de
1.23 kPa. (3 valores) R: −3.31 kPa, i.e. esta pressão é impossível pelo
que haveria cavitação e a velocidade prescrita não pode ocorrer

Exame de 21 de julho de 2016

Considere um sistema de transporte de água (ρ = 998 kg⋅m−3 , µ = 1 ×


10−3 kg⋅m−1 ⋅s−1 ) que envolve a secção mostrada na figura, onde se
apresentam os tubos A e B montados em paralelo (i.e. a mesma queda
de pressão). Ambos os tubos possuem ε = 0.9 mm e diâmetro interno
de 30 cm. No tubo A existe uma válvula com K = 2.1 e no tubo B há
uma válvula de globo com K = 10. Os tubos A e B têm comprimentos
escoamentos em condutas 117

L A = 1000 m e L B = 3000 m, respetivamente. O caudal volumétrico que


atravessa o tubo A é de 0.4 m3 ⋅s−1 .
Admitindo que o escoamento em ambos os tubos é completamente
dominado pela rugosidade, calcule o caudal mássico que passa em B.
(7,5 valores) R: ṁ ≈ 228.9 kg⋅m−3

Exame de 17 de julho de 2018

Duas condutas (A e B) dividem um caudal Q = 2 ℓ/s de água (ρ =


998 kg⋅m−3 , µ = 0.001 kg⋅m−1 ⋅s−1 ), como mostra a figura. As condutas
têm o mesmo comprimento, L A = L B = 10 m e diâmetro, d A = d B = 6 cm.
As respetivas rugosidades internas são ε A = 1.5 mm e ε B = 0.01 mm.
Na conduta A está instalada uma válvula parcialmente aberta, resul-
tando num somatório de coeficientes de perdas localizadas ∑ K A = 8,
enquanto que na conduta B, ∑ K B = 0.3.
Determine a percentagem de caudal que passa por cada uma das
condutas. Se utilizar um processo iterativo, realize apenas uma itera-
ção. (5 valores) R: Q A ≈ 0.33 Qtotal , Q B ≈ 0.67 Qtotal
6. Escoamentos Externos

Nesta secção são tratados escoamentos externos, isto é, escoamentos


em que um corpo sólido está imerso num fluido e em que as cama-
das limite desenvolvidas pela interação do escoamento com o sólido
não têm o seu crescimento limitado. Serão analisados escoamentos
elementares, como o escoamento sobre uma placa plana, escoamentos
sobre cilindros e esferas e apresentar-se-ão resultados para algumas
geometrias de interesse prático, como é o caso de veículos terrestres e
perfis de asa. Vão ser também introduzidas novas quantidades para
auxiliarem a caracterização do desenvolvimento das camadas limite.

Camadas limite laminares vs. turbulentas

Na figura 6.1 apresenta-se esquematicamente camadas limite resultan-


tes do escoamento sobre uma placa plana para um baixo número de
Reynolds (figura 6.1(a) para Re L = 10, em que o escoamento resultante
é laminar) e para um elevado número de Reynolds (figura 6.1(b) para
Re L = 107 , em que o escoamento resultante é inicialmente laminar e
depois transita para regime turbulento).

A disparidade nos valores do número de Reynolds escolhidos


serve para vincar a diferente perturbação causada pelas camadas limite
no escoamento incidente, vendo-se que no caso laminar, figura 6.1 (a),
o escoamento externo é perturbado de forma significativa pela espessa
camada limite que é desenvolvida. Por oposição, o maior número de
Reynolds do escoamento da figura 6.1 (b), que apresenta uma maior
preponderância de forças de inércia na direção x face às forças visco-
sas, vai dar origem a camadas limite delgadas, significando que a pre-
sença da placa não perturba de forma tão significativa o escoamento
externo.

Este último aspeto é de grande importância uma vez que será


para estas condições, i.e. a de camadas limite delgadas, que será ra-
zoável admitir que o escoamento externo, tipicamente invíscido e irro-
tacional, pode ser calculado usando teoria potencial sem ter em conta
120 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 6.1: Camadas limite de (a) baixo Re vs. (b) elevado Re. [4]

os fenómenos que se desenvolvem dentro das camadas limite, e cuja


solução, tipicamente o campo de pressão, servirá de forçamento do es-
coamento no interior das camadas limite. Para camadas limite espes-
sas será necessário a resolução simultânea do escoamento no interior
e exterior das camadas limite, que pode ser hoje feita recorrendo, por
exemplo, a técnicas da mecânica de fluidos computacional, que estão
fora do âmbito desta unidade curricular.

Para os escoamentos estudados nesta secção, o número de


Reynolds vai variar (crescer) ao longo do escoamento, como resul-
tado deste não ter o seu crescimento limitado. Para estes casos, pode
definir-se um Reynolds local,
Ux
Rex = , (6.1)
ν
em que U é a velocidade característica do escoamento externo, x a
distância ao bordo de ataque (i.e. ao início da camada limite) e ν a
viscosidade cinemática.

Escoamento sobre uma placa plana Exs. 6.1., 6.2.

O escoamento sobre uma placa plana é o escoamento externo mais


simples que pode ser considerado e por essa razão é o escolhido para
introduzir um conjunto de novos conceitos e quantidades.
escoamentos externos 121

Figura 6.2: Desenvolvimento de uma camada limite no escoamento sobre uma placa
plana [4].

Na figura 6.2 está representado, de forma idealizada, o desenvol-


vimento de uma camada limite. A figura pretende mostrar que um
escoamento uniforme incidente sobre a placa vai, devido à tensão de
corte na parede τw (x) introduzida pela presença da placa, dar ori-
gem ao abrandamento da velocidade nas posições mais próximas da
placa (baixos valores de y), o que irá implicar o crescimento de uma
camada limite. A espessura crescente em x da camada limite, δ(x),
é definida como a distância à parede onde a velocidade atinge o va-
lor de u ≈ 0.99U (ver figura 6.1(a)). Ou seja, a existência da placa
plana e o facto do escoamento não estar limitado do lado positivo de
y, vai fazer com que a coordenada y para a qual o perfil de velocidade
u(x, y) atinge aproximadamente o valor da velocidade não perturbada,
vá sendo cada vez maior à medida que nos afastamos do bordo de ata-
que (x = 0). O contínuo desenvolvimento deste escoamento vai fazer
com que o campo de velocidade seja uma função das duas coordena-
das espaciais, u(x, y), o que vai tornar o seu estudo mais complicado
do que no caso dos escoamentos no interior de condutas.
Para o escoamento sobre uma placa plana, admitindo que o es-
coamento incidente é laminar, o escoamento permanecerá laminar se
Rex ≤ Retr , onde Retr , o número de Reynolds de transição, se encontra Número de Reynolds de transição
no intervalo 5 × 105 ≤ Retr ≤ 3 × 106 , sendo uma função das condições
particulares do escoamento. As camadas limite em regime laminar
seguem uma lei de crescimento da forma,
δ 5.0
≈ , (6.2)
x Re1/2
x

enquanto que em regime turbulento se obtém,


δ 0.16
≈ . (6.3)
x Re1/7
x

A espessura da camada limite é uma quantidade que não possui


uma definição matemática exata e devido a isso outras quantidades
foram sendo utilizadas para caracterizar de forma mais rigorosa o de-
senvolvimento de camadas limite. Serão apresentadas as quantidades
122 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

espessura de quantidade de movimento θ e espessura de deslocamento


δ∗ , que foram idealizadas por von Kármán a partir da análise de quan-
tidade de movimento linear e de conservação de massa no escoamento
sobre uma placa plana.

Admitindo um escoamento com gradiente de pressão nulo e


velocidade característica U, incidente sobre uma placa plana de com-
primento L e largura b (ver figura 6.2), a força F(x) resultante da inte-
ração entre o fluido e placa pode ser obtida através da relação,
x
F(x) = b ∫ τw (x)dx. (6.4)
0

Fazendo uma análise de quantidade movimento linear na direção x,


admitindo escoamento incompressível, obtém-se,
δ(L)
− ρUHb U + ρb ∫ u(L, y)u(L, y)dy = −F(L), (6.5)
´¹¹ ¹ ¹¸ ¹ ¹ ¹ ¶ 0

e sabendo que, através da conservação de massa,


δ(L)
UH = ∫ u(L, y)dy, (6.6)
0

obtém-se, juntando as duas equações,


δ(L)
ρb ∫ (u(L, y)u(x, y) − u(L, y)U)dy = −F(L), (6.7)
0

o que, após manipulação, dá origem a


δ(L) u(L, y) u(L, y)
F(L) = ρbU 2 ∫ (1 − ) dy. (6.8)
0 U U
Esta relação pode ser generalizada para qualquer extensão x,
δ(x) u u
F(x) = ρbU 2 ∫ (1 − ) dy, (6.9)
0 U U
onde se simplificou a notação do campo de velocidade, usando u ≡
u(x, y). Esta última relação permite definir a espessura de quantidade Ex. 6.4.
de movimento θ(x), Espessura de quantidade de movimento
δ(x) u u
θ(x) = ∫ (1 − ) dy, (6.10)
0 U U
o que permite escrever,

F(x) = ρbU 2 θ(x). (6.11)

Note-se que a relação 6.10 pode ainda ser escrita com o limite superior
do integral modificado,
∞ u u
θ(x) = ∫ (1 − ) dy, (6.12)
0 U U
escoamentos externos 123

uma vez que a função no interior do integral é nula quando u = U.


Como isso acontece quando y ≥ δ(x), pode assim generalizar-se a de-
finição de θ(x) para que não dependa da determinação de δ(x). A
espessura de quantidade de movimento é assim uma medida da força
que é trocada entre o fluido e placa.
A espessura de deslocamento δ∗ (x), que representa o deslocamento
vertical sofrido pelas linhas de corrente com o desenvolvimento do
escoamento, é deduzida a partir da equação (6.6), Espessura de deslocamento

δ(x)
U(δ(x) − δ∗ (x)) = ∫ u(x, y)dy, (6.13)
0

que, após manipulação e usando os mesmo argumentos usados acima Ex. 6.3.
para alterar o limite superior do integral, dá origem a,
∞ u
δ∗ (x) = ∫ (1 − ) dy. (6.14)
0 U

O efeito simulado da existência da espessura de deslocamento está


representado na figura 6.3, onde se imagina que uma porção de fluido
com extensão vertical h, com velocidade uniforme U, vai sendo deslo-
cada verticalmente de uma quantidade δ∗ , de forma a que o seu topo
se mantenha sobre a mesma linha de corrente.
À relação
δ∗
H= , (6.15)
θ
chama-se factor de forma e a sua magnitude permite, por exemplo, Fator de forma
determinar se o escoamento se encontra no regime laminar ou turbu-
lento. O valor de H será tanto maior quanto menor for a magnitude da
taxa de deformação ∂u/∂y, o que faz com que os valores típicos de um
perfil laminar sejam maiores do que os obtidos em regime turbulento.
O fator de forma serve também para detetar a existência de zonas de
escoamento separado, onde o H atinge valores elevados. Mais à frente
serão apresentados valores característicos para os perfis laminar e tur-
bulento do escoamento sobre uma placa plana.
As novas quantidades δ∗ e θ foram deduzidas sem se recorrer ao
conhecimento da forma exata do perfil de velocidade. Mais à frente
neste texto, ver-se-á que o perfil de velocidade será diferente depen-
dendo do regime em que o escoamento se encontre. Para tentar obter
esses perfis serão agora analisadas as equações fundamentais que re-
gem estes escoamentos.

Figura 6.3: Efeito simulado da espes-


Equações de camada limite sura de deslocamento δ∗ [4].

Considere-se o caso de um escoamento incompressível, laminar, bi-


dimensional (x − y) e com viscosidade molecular constante, para o qual
124 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

as equações fundamentais são a equação de conservação de massa,


∂u ∂v
+ = 0, (6.16)
∂x ∂y
e duas equações de quantidade de movimento linear,

∂u ∂u 1 ∂p ∂2 u ∂2 u
u +v =− +ν( 2 + 2 ), (6.17)
∂x ∂y ρ ∂x ∂x ∂y

∂v ∂v 1 ∂p ∂2 v ∂2 v
u +v =− +ν( 2 + 2). (6.18)
∂x ∂y ρ ∂y ∂x ∂y
Para as camadas limite delgadas que se pretende aqui tratar são
possíveis as seguintes aproximações para as velocidades,

v ≪ u, (6.19)

e para as taxas de deformação,


∂u ∂u ∂v ∂v
≪ , ≪ . (6.20)
∂x ∂y ∂x ∂y
Estas aproximações permitem simplificar a equação (6.18), obtendo-se
o resultado,
∂p
≈0 (6.21)
∂y
ou seja, o campo de pressão só depende da direção longitudinal, p ≈
p(x). Se for feita uma análise de quantidade de movimento linear na
direção x no exterior da camada limite, onde o escoamento se pode
considerar invíscido, obtém-se a relação,
∂p dp dU
= = −ρU , (6.22)
∂x dx dx
que permite determinar o gradiente de pressão a aplicar no interior da
camada limite, dando origem à versão final das equações,
∂u ∂v
+ = 0, (6.23)
∂x ∂y

∂u ∂u dU ∂2 u
u +v ≈U +ν 2. (6.24)
∂x ∂y dx ∂y
Nas secções seguintes serão apresentadas soluções adequadas para
os regimes laminar e turbulento sobre placas lisas. À semelhança do
que acontece nos escoamentos no interior de condutas, a existência
de rugosidade não tem efeito nos escoamentos laminares, afetando os
escoamentos turbulentos de acordo com a magnitude dos parâmetros
x/ε, L/ε. Equações que contabilizam o efeito da rugosidade nos escoa-
mentos turbulentos sobre placas planas podem ser consultadas, entre
outras fontes, em [4].
escoamentos externos 125

Tabela 6.1: Solução de Blasius para a camada limite laminar

η u/U η u/U
0 0 2.8 0.81152
0.2 0.06641 3.0 0.84605
0.4 0.13277 3.2 0.87609
0.6 0.19894 3.4 0.90177
0.8 0.26471 3.6 0.92333
1.0 0.32979 3.8 0.94112
1.2 0.39378 4.0 0.95552
1.4 0.45627 4.2 0.96696
2.6 0.51676 4.4 0.97587
1.8 0.57477 4.6 0.98269
2.0 0.62977 4.8 0.98779
2.2 0.68132 5.0 0.99155
2.4 0.72899 ∞ 1.00000
2.6 0.77246

Solução de Blasius Exs. 6.5.


Para o caso ideal de uma camada limite com gradiente de pressão nulo,
dp/dx = 0, P. R. H. Blasius (1883–1970), em 1908, utilizou uma trans-
formação de coordenadas que permitiu transformar as duas equações
fundamentais numa única equação diferencial ordinária de terceira or-
dem,
1
f ′′′ (η) + f (η) f ′ (η) = 0, (6.25)
2
em que (′ ) representa a operação de derivação e

u(x, y) U 1/2
f ′ (η) = , η = y( ) . (6.26)
U νx

A equação (6.25), quando resolvida usando as condições de fronteira


para y = 0,
f (0) = f ′ (0) = 0, (6.27)

e y → ∞,
f ′ (∞) = 1, (6.28)

possui uma solução numérica que é apresentada na tabela 6.1.


Um dos problemas da solução de Blasius é não permitir um tra-
tamento analítico do perfil de velocidade, sendo muitas vezes substi-
tuído pela equação aproximada de von Kármán,
Figura 6.4: Perfis de velocidade sobre
uma placa plana. Perfis laminares de
2y y2 Blasius e de von Kármán juntamente
u(x, y) ≈ U ( − ), 0 ≤ y ≤ δ(x), (6.29)
δ(x) δ(x)2 com perfis turbulentos logarítmicos e
perfil de potência 1/7 [4].
126 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

que torna mais fácil a derivação de quantidades dependentes do perfil


de velocidades, como são por exemplo as espessuras de quantidade
de movimento e deslocamento. A figura 6.4 mostra a forma do perfil
de Blasius, assim como o perfil de von Kármán e alguns perfis para o
regime turbulento.
Definindo as quantidades,
τw (x) F(L)
cf ≡ , CA ≡ (6.30)
1/2ρU 2 1/2ρU 2 bL

que são o coeficiente de fricção na parede (c f ) e o coeficiente de ar-


rasto (C A ), é possível recorrer à solução de Blasius de forma a obter as
seguintes relações exatas,
δ 5.0 δ∗ 1.721 θ 0.664
= , = , = , (6.31)
x Re1/2
x
x 1/2
Rex x Re1/2
x

0.664 1.328
cf = 1/2
, CA = 1/2
, H = 2.59. (6.32)
Rex Re L
Utilizando a equação de von Kármán para o perfil de velocidade pode
obter-se as relações aproximadas,
δ 5.5 δ∗ 1.83 θ 0.73
≈ 1/2
, ≈ 1/2
, ≈ , (6.33)
x Rex x Rex x Re1/2
x

0.73 1.46
cf ≈ 1/2
, CA ≈ 1/2
, H ≈ 2.51. (6.34)
Rex Re L
Uma das consequência do facto de não haver limitação ao cresci-
mento das camadas limite é que a velocidade vertical v(x, y) não é
nula, com excepção de y = 0, onde devido à condição de não escorre-
gamento as duas componentes de velocidade são nulas. Pode-se, por
exemplo, obter uma estimativa da velocidade v(x, δ(x)) no topo da
camada limite utilizando a equação fundamental da conservação de
massa e recorrendo ao perfil de velocidade de von Kármán,
∂v ∂u
=− , (6.35)
∂y ∂x
com
2y y2
u(x, y) = U ( − ) , 0 ≤ y ≤ δ(x). (6.36)
δ(x) δ(x)2
Integrando
δ(x) ∂ 2y y2
v(x, δ(x)) = −U ∫ ( − ) dy, (6.37)
0 ∂x δ(x) δ(x)2
e, após alguma manipulação, obtém-se a expressão,
0.9166U
v(x, δ(x)) = 1/2
, (6.38)
Rex
Figura 6.5: Perfil v(η) (eixo dos yy’s) vs
η (eixo dos xx) no interior da camada
limite.
escoamentos externos 127

para a velocidade vertical no topo da camada limite. Esta estimativa


corresponde a uma velocidade aproximadamente 7% superior ao ob-
tido com a solução exata de Blasius,

0.8604U
v(x, δ(x)) = 1/2
. (6.39)
Rex

O perfil de velocidade v(x, y) está apresentado na figura 6.5. Note-se


que a velocidade v(x, y) é mantida constante no exterior da camada
limite, caso não exista variação longitudinal da velocidade u.

Regime Turbulento Ex. 6.6.

Quando Rex > Retr o escoamento deixa de ser laminar. Para esta situa-
ção e para que seja possível obter algum tipo de solução com interesse
para a engenharia, as equações fundamentais precisam de ser modifi-
cadas, de forma a permitir o tratamento de um escoamento que passa
agora a apresentar localmente flutuações de velocidade (turbulência),
permanentes ou não. O tratamento matemático que é necessário apli-
car às equações fundamentais para responder a esta nova situação
passa na maioria das vezes pela introdução das médias de Reynolds,
que fazem aparecer as chamadas tensões de Reynolds, como definidas
no capítulo 5. Os detalhes desta derivação estão fora do âmbito desta
unidade curricular e pode ser visto em obras da especialidade, como
é o caso de [4].
Na abordagem simplificada que aqui se vai levar a cabo, será admi-
tido que a transição do regime laminar para o regime turbulento se dá
abruptamente, sabendo de antemão que existirá sempre uma região
de extensão não nula em que há uma intermitência não definida entre
os dois regimes, chamada de região de transição.
No regime turbulento o perfil de velocidade é descrito por uma lei
logarítmica da forma,

u(x, y) 1 u∗ y
= ln + B, (6.40)
u∗ κ ν

em que u∗ é a velocidade de fricção já definida na equação 5.8 e a


constante de von Kármán, κ ≈ 0.41, e a constante de integração, B = 5.0,
foram já introduzidas com a equação 5.12.
À semelhança do que acontece com a solução de Blasius para o
regime laminar, este perfil de velocidade complica as manipulações
matemáticas e é muitas vezes substituído por um perfil mais simples,
chamado de lei de potência 1/7, que corresponde a uma boa aproxi-
mação do perfil logarítmico exato para situações em que o número de
Reynolds não seja muito elevado, como pode ser visto na figura 6.4.
128 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 6.6: Perfil de velocidade para (a) gradiente de pressão favorável, (b) gradiente
de pressão nulo, (c) gradiente de pressão adverso ligeiro, (d) gradiente de pressão
adverso crítico, e (e) gradiente de pressão adverso excessivo, [4].

A lei de potência 1/7 é da forma,


1/7
y
u(x, y) = U ( ) , (6.41)
δ(x)
e pode ser usada para obter as quantidades,
δ 0.16 δ∗ 0.02 θ 0.0155
≈ 1/7
, ≈ 1/7
, ≈ 1/7
, (6.42)
x Rex x Rex x Rex
0.027 0.031
cf ≈ 1/7
, CA ≈ 1/7
, H ≈ 1.3. (6.43)
Rex Re L

Escoamentos com gradiente de pressão


As soluções apresentadas até aqui dizem respeito a camadas limite
com ∂p/∂x = 0, ou seja, gradiente de pressão nulo. Um aspeto que não
foi até agora abordado foi o da separação da camada limite, que ocorre
tipicamente em situações de gradiente de pressão adverso, ∂p/∂x > 0
(∂p/∂x < 0 é designado de gradiente de pressão favorável).

Quando o gradiente de pressão é favorável (∂p/∂x < 0), ele contri-


bui para o aumento da quantidade de movimento linear na direção do
escoamento e não promove nenhuma mudança na tipologia do escoa-
mento. Já no caso da existência de um gradiente de pressão adverso
(∂p/∂x > 0), este vai contribuir para uma redução da quantidade de
movimento linear e poderá, dependendo da magnitude, dar origem
a uma inversão do sentido do escoamento. Analisando a equação de
quantidade de movimento linear na direção do escoamento, para a
posição y = 0 onde u = v = 0, admitindo propriedades constantes,
∂p ∂2 u ∂2 u 1 ∂p
0=− + µ 2 Ô⇒ = , (6.44)
∂x ∂y ∂y2 µ ∂x
escoamentos externos 129

Figura 6.7: Escoamento num difusor [4].

de onde podemos constatar que, no caso de ∂p/∂x > 0, o perfil de


velocidade terá uma segunda derivada positiva junto ao solo e terá
que transitar, para yy crescentes, para uma segunda derivada negativa,
que é a forma necessária para se adaptar ao escoamento no exterior da
camada limite. Algures acima do solo ter-se-á um ponto de inflexão,
onde ∂2 u/∂y2 = 0. Este ponto de inflexão estará sobre a parede para
a situação ∂p/∂x = 0 e no interior da parede para ∂p/∂x < 0, situações
sugeridas nas figuras 6.6(a) e (b).

Se uma camada limite for submetida a magnitudes crescentes


de um gradiente de pressão adverso, o seu perfil de velocidade vai-se
modificando, , passando pelas restantes fases ilustradas na figura 6.6.
O aumento de ∂p/∂x retira o ponto de inflexão da parede e, acima
de um valor crítico, para o qual se obtém ∂u/∂y = 0 sobre o solo,
figura 6.7(d), passa-se a ter escoamento separado, como apresentado
na figura 6.6(e).

Um caso prático onde se podem obter os diferentes tipos de gra-


diente de pressão é, por exemplo, o caso de um difusor (figura 6.7).
Neste escoamento o fluido acelera inicialmente na secção convergente
do difusor, estando sujeito aí a um gradiente de pressão favorável. Na
130 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

garganta, onde atinge a sua máxima velocidade, o escoamento está


momentaneamente sujeito a um gradiente de pressão nulo, passando
depois a jusante, devido ao aumento da secção, a estar sujeito a um
gradiente de pressão adverso que acompanha uma diminuição de ve-
locidade. É nesta última parte que existe a possibilidade de se obter
uma região de escoamento separado. Este fenómeno está intimamente
ligado ao ângulo de abertura do difusor, que tem um impacto direto
na magnitude de ∂p/∂x.

Resultados experimentais Exs. 6.7., 6.8.

Serão agora apresentados um conjunto de resultados para os coefici-


entes de arrasto (C A ) e coeficientes de sustentação (CS ) obtidos experi-
mentalmente para geometrias idealizadas e algumas geometrias com
interesse prático.
Como já abordado no capítulo 4, os coeficientes de arrasto e de
sustentação são formas adimensionais das forças de arrasto e susten-
tação, que são forças exercidas pelo escoamento sobre o objeto imerso
na direção do escoamento e na direção perpendicular ao escoamento
(geralmente na direção da gravidade), respetivamente. As suas defini-
ções matemáticas são, no caso do coeficiente de arrasto,
FA
CA = 1
, (6.45)
ρV 2A
2

em que FA * é a força na direção do escoamento, V a velocidade carac- *A força e coeficiente de arrasto são
terística do escoamento e A uma área a definir, e no caso do coeficiente também frequentemente designados
por CD e FD , respetivamente, da desig-
de sustentação, nação inglesa ’drag’.
F
CS = 1 S , (6.46)
2
2 ρV A

em que FS é a força na direção da gravidade† . Aqui só se abordarão †


Também a força e coeficiente de
estas duas forças, embora em termos gerais um objeto imerso num sustentação são frequentemente desig-
nados por CL e FL , respetivamente, da
escoamento estará sujeito a três forças e três momentos, como apre- designação inglesa ’lift’.
sentado na figura 6.8.

Os coeficientes de arrasto e sustentação podem ser sempre


decompostos em duas contribuições, uma contribuição devido às for-
ças viscosas e outra devido à contribuição das forças de pressão. Pode
assim decompor-se,

C A = C Aτ + C A p , CS = CSτ + CS p . (6.47)
Figura 6.8: Forças e momentos aplica-
dos a corpo submerso em escoamento.
Na figura 6.9 (a) pode observar-se a distribuição das componentes
da força de arrasto – componente viscosa e de pressão – para um ob-
jeto fuselado bi-dimensional com diferentes razões t/c, em que t é a
escoamentos externos 131

Figura 6.9: Arrasto de objeto fuselado configurável para escoamento de elevado nú-
mero de Reynolds; (a) decomposição percentual do arrasto em componente viscosa e
de pressão para diferentes relações espessura t vs corda c; (b) variação do coeficiente
de arrasto com escolha da área de adimensionalização da força de arrasto [4].

sua espessura e c a corda (comprimento). Para t/c = 0, i.e. uma placa


plana, 100% do arrasto é devido à componente viscosa, uma vez que
as forças de pressão estão numa direção perpendicular ao escoamento.
No entanto, para t/c = 1 o arrasto viscoso cai para ≈ 3%, sendo o ar-
rasto de pressão, também designado por arrasto de forma, a principal
contribuição para o coeficiente de arrasto.
Na figura 6.9(b) pode ver-se o impacto da escolha da área A na
construção do coeficiente de arrasto. Se a área frontal for usada, o
coeficiente de arrasto tem um comportamento adequado para objetos
que não sejam delgados, tornando-se indesejável para t/c → 0, uma
vez que C A → ∞. Já a utilização da área da planta apresenta um bom
comportamento para qualquer relação t/c, sendo normalmente a área
usada para este tipo de objetos.

O comportamento do escoamento em torno de um cilindro


para regimes laminar e turbulento é ilustrado, de forma idealizada,
nas figura 6.10. No caso do regime laminar, figura 6.10(a), o escoa-
mento atinge a sua velocidade máxima e pressão mínima a montante
de θ = 90° (ver também figura 6.10(c)). A jusante deste ponto a veloci-
dade começa a diminuir e a pressão a aumentar, levando rapidamente
ao aparecimento de um ponto de estagnação sobre a superfície para
132 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

θ ≈ 82°, estabelecendo o início de uma região de escoamento separado.


No caso do regime turbulento, figura 6.10(b), a injeção de quantidade
de movimento proporcionada pela turbulência sobre a região de gra-
diente de pressão adverso faz com que o ponto de estagnação ocorra
mais tarde, por volta de θ ≈ 120°.

Figura 6.10: Escoamento em torno de um cilindro: (a) escoamento laminar e (b) escoa-
mento turbulento; (c) evolução teórica e real para a pressão adimensional ao longo do
cilindro [4].

Como resultado destas diferentes localizações dos pontos de estag-


nação tem-se que o regime turbulento dá origem a uma esteira mais
estreita e como tal a um menor valor do coeficiente de arrasto, quando
comparado com o obtido em regime laminar. O escoamento em re-
gime turbulento aproxima-se mais da situação ideal obtida com um
escoamento invíscido em que, devido à existência de simetria mon-
tante/jusante, se obtém C A = 0. Esta situação pode também ser vista
na figura 6.10(c), onde se verifica que a evolução da pressão adimensi-
onal no escoamento turbulento é mais próxima da teoria invíscida do
que a obtida em regime laminar.

O escoamento em torno de uma esfera apresenta um compor-


Figura 6.11: Escoamento em torno de
tamento semelhante ao encontrado no escoamento em torno de um uma (a) esfera lisa em regime e (b)
cilindro bi-dimensional, como podemos ver na figura 6.11. A redução esfera com “nariz"rugoso para induzir
escoamento turbulento.
escoamentos externos 133

Figura 6.12: Coeficientes de arrasto baseados na área frontal para (a) prisma retangular
(b) com frente arredondada (c) e com parte anterior arredondada e (d) cilindro com a
mesma força de arrasto do caso (c) [4].

do coeficiente de arrasto que se observa em regime turbulento para o


escoamento em torno de esferas é o que motiva, por exemplo, a intro-
dução de facetas nas bolas de golfe.

Na figura 6.12 ilustra-se o impacto no coeficiente de arrasto


(C A baseado na área frontal) pela introdução de formas mais suaves
nas partes anteriores e posteriores de objetos com arestas, como é o
caso de um prisma de secção retangular. A eliminação das arestas
frontais é responsável por uma redução de C A para aproximadamente
metade do valor inicial ((a) e (b)). No entanto, o alongamento da parte
posterior do prisma, que tem como efeito uma redução na magnitude
do gradiente de pressão adverso e redução da região de escoamento
separado, leva o valor de C A para uma ordem de grandeza inferior aos
valores previamente obtidos ((a), (b) e (c)). Com referência aos objetos
da figura 6.12, na eventualidade do escoamento incidente na geome-
tria (c) dar origem a um escoamento no regime laminar se aplicado
sobre o cilindro (d), justificável devido à reduzida dimensão do seu
diâmetro d, a força de arrasto obtida sobre o cilindro será da mesma
magnitude que a obtida no objeto (c). Este exemplo mostra a grande
importância da dimensão da esteira na magnitude de força exercida
pelo escoamento sobre objetos submersos.

Nas figuras 6.13 são apresentadas evoluções de C A vs. Re para um


conjunto de geometrias bi e tri-dimensionais. Um aspeto observável
é que as geometrias que possuem formas suaves apresentam depen-
dência de C A com o valor de Re, enquanto as que apresentam arestas
vivas possuem C A aproximadamente constante. Isto deve-se ao facto
de nas geometrias com arestas vivas estas imporem o aparecimento de
zonas de escoamento separado, como é sugerido na figura 6.12, e isso
irá acontecer de forma aproximadamente independente do regime do
escoamento. Nas geometrias com formas suaves verifica-se, de forma
generalizada, uma diminuição de C A com Re, sendo também obser-
134 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 6.13: Coeficientes de arrasto em escoamentos sub-sónicos sobre (a) geometrias


bi-dimensionais e (b) tri-dimensionais. [4]

vável para algumas geometrias a queda abrupta de C A com o início


do regime turbulento, fenómeno já descrito atrás para os escoamentos
sobre cilindros bi-dimensionais e esferas, geometrias que são também
apresentadas nas figuras 6.13.
Nas figuras 6.14 e 6.15 são apresentados valores de C A para Re ≥ 104
para algumas formas bi e tri-dimensionais com interesse prático.

Veículos terrestres
O estudo da aerodinâmica de veículos é da maior importância, uma
vez que a aerodinâmica pode contribuir fortemente para a redução do
consumo do veículo e aumentar a sua segurança. Estes dois aspetos
são tipicamente controlados, de forma não independente, através do
escoamentos externos 135

Figura 6.14: Coeficientes de arrasto para geometrias bi-dimensionais para Re ≥ 104 [4].
136 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Figura 6.15: Coeficientes de arrasto para geometrias tri-dimensionais para Re ≥ 104 [4].
escoamentos externos 137

coeficiente de arrasto e do coeficiente de sustentação.

Figura 6.16: Coeficiente de arrasto em veículos automóveis: (a) evolução histórica,


(b) arrasto e sustentação negativa (’downforce’) para forma genérica de automóveis
modernos [4]

Na figura 6.16(a) apresenta-se uma estimativa da evolução do coe-


ficiente de arrasto ao longo do tempo, com C A baseado na área fron-
tal. No início do século XX, quando apareceram os primeiros veículos
automóveis, não existiam grandes preocupações aerodinâmicas, pa-
tente por exemplo nas grandes superfícies diretamente em oposição
ao escoamento, resultando daí elevados coeficientes de arrasto. Com o
desenvolvimento da engenharia, os veículos começaram a apresentar
formas mais aerodinâmicas, em consonância com o aumento das po-
tências dos motores e a pretensão de circular de forma mais eficiente
e confortável a velocidades mais elevadas. Quando o objetivo final da
aerodinâmica do veículo é a redução do seu coeficiente de arrasto, a
sua forma converge para a forma apresentada à direita e em baixo na
138 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

figura 6.16(a), que é uma das forma utilizadas, por exemplo, nos desa-
fios Shell Eco-Marathon [18]. Como apresentado na figura, esta forma
possui um valor teórico de C A ≈ 0.15.
A figura 6.16(b) contém dados sobre o coeficiente de arrasto C A e
coeficiente de sustentação CS para uma forma que tem vindo a ser uti-
lizada recentemente em veículos automóveis. Esta forma possui uma
parte frontal suave e tem a particularidade de introduzir um ângulo
θ na parte inferior traseira da carroçaria. Os dados da figura 6.16(b)
mostram que para valores de θ ≈ 25° obtemos um aumento muito sig-
nificativo do coeficiente de sustentação (para FS negativa, entenda-se),
à custa de um aumento menos drástico do coeficiente de arrasto. Com
esta configuração pretendemos obter um máximo de força de susten-
tação negativa que vai facilitar a transferência da potência mecânica ao
solo e também aumentar a segurança do veículo.

Figura 6.17: Redução de arrasto por placa defletora em camião [4]

As forças aerodinâmicas são proporcionais ao quadrado da


velocidade do escoamento e como tal são um aspeto muito impor-
tante para veículos que se deslocam a velocidades consideráveis. Na
figura 6.17(a) podemos ver andamentos típicos da resistência ao rola-
mento (evolução linear) e da resistência aerodinâmica (evolução qua-
drática), as principais contribuições para a resistência que tem que
ser vencida pelo motor. Torna-se assim importante providenciar os
veículos com elementos de redução das forças aerodinâmicas, como
sugerido na figura 6.17(b), especialmente quando estamos a tratar de
veículos com áreas frontais muito elevadas, como é por exemplo o caso
de camiões de transporte de mercadorias. O elemento defletor do es-
coamento vai permitir reduzir o coeficiente de arrasto, ao desviar o
escoamento por cima da cabine de carga, ao mesmo tempo que vai
escoamentos externos 139

introduzir uma força de sustentação negativa que deverá melhorar a


segurança do veículo assim como melhorar a transmissão da potência
motora ao solo.

Perfis de Asa Ex. 6.7


Os elementos aerodinâmicos tipo asa têm como objetivo proporcionar
força de sustentação sem a introdução de forças de arrasto considerá-
veis. Existem muitas forma de perfis de asa para utilização em veículos
automóveis, aviões, submarinos, etc., e na figura 6.18 apresentamos
uma configuração generalista. Para uma apresentação exaustiva de
perfis de asa correntes ver por exemplo a base de dados do National
Advisory Committee for Aeronautics (NACA).

Figura 6.18: Dimensões de um perfil alar [4]

Um perfil de asa pode ser imaginado como um perfil que é obtido


a partir de uma placa plana espessa, onde se introduziu um arredon-
damento na sua parte frontal, por forma a reduzir o arrasto intro-
duzido por arestas vivas, como é por exemplo o caso apresentado na
figura 6.12(c). Após o local de máxima espessura, que se encontra rela-
tivamente perto da parte frontal da asa (bordo de ataque), a espessura
do perfil reduz-se de forma suave, de forma a reduzir a magnitude
do gradiente de pressão adverso e assim minimizar a possibilidade
de ocorrência de zonas de escoamento separado, que são responsá-
veis pela perda de sustentação. Os perfis de asa possuem tipicamente
razões t/c ≤ 0.18 (máxima espessura vs corda, ver também figura 6.9).
O perfil de asa apresentado na figura 6.18 é um perfil simétrico e
como tal não produz força de sustentação se o escoamento incidente
tiver um ângulo de ataque nulo, α = 0. Para estes casos de asas simé-
140 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

tricas o perfil terá que ser rodado de forma a aumentar o ângulo α e


assim produzir força de sustentação. Esta força surge pela diferença de
pressão nas partes superior e inferior do perfil de asa. Imaginando um
ângulo α como o da figura 6.18, o escoamento na parte superior da asa
vai possuir uma maior velocidade e como tal menor pressão (efeito de
Bernoulli) enquanto o escoamento na parte inferior vai possuir menor
velocidade e maior pressão, resultando deste diferencial uma força de
sustentação positiva, que permite “levantar"a asa.

Figura 6.19: Coeficientes de sustentação e arrasto para uma asa simétrica NACA0009
com largura infinita (bi-dimensional) com e sem o efeito de flap deflector [4]

Evoluções dos coeficientes de sustentação e arrasto para


uma asa simétrica NACA0009 (os últimos dois dígitos ‘09’ indicam
que a espessura é igual a 9% da corda), com e sem flap, são apresen-
tados na figura 6.19. Sem flap a asa apresenta zero sustentação para
α = 0, como referido anteriormente. Para valores crescentes de α a sus-
tentação aumenta de forma linear, até atingir o ângulo de perda, na
gama 12° − 15° dependendo do número de Reynolds, a partir do qual
se desenvolve uma região de escoamento separado na parte superior
da asa, como apresentado na figura 6.20. O coeficiente de arrasto é
tipicamente reduzido, com valores inferiores a 0.02, sendo dependente
do número de Reynolds.

Com a introdução do flap, a magnitude da sustentação aumenta


Figura 6.20: Perfil de asa com escoa-
e o ângulo de sustentação nula é deslocado para valores negativos, o mento de elevado ângulo de ataque.
que é muito adequado por exemplo para situações de descolagem e Introdução de fumo no escoamento
permite visualizar zona de escoamento
separado na parte superior da asa [9]
.
escoamentos externos 141

aterragem de aviões. Este aumento da sustentação vem às custas de


um grande aumento no arrasto, mas que se justifica devido à redução
das distâncias de descolagem e aterragem que esta nova sustentação
permite obter. ∎
142 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios das Aulas Teórico-Práticas

6.1. Um escoamento uniforme com velocidade de 20 m/s incide sobre uma placa plana. Forneça estimati-
vas para as distâncias ao bordo de ataque (x) para as quais a espessura da camada limite é 1 mm ou
10 cm para os fluidos (a) ar e (b) água. R: (a) 0.0533 m, 6.06 m, (b) 0.0442 m, 9.5 m
6.2. A equação
δ 0.16
= , (6.48)
x Re1/7
x
usada na estimativa da espessura de uma camada limite turbulenta sobre uma placa plana, assume que
o regime turbulento existe desde o bordo de ataque. Desenvolva uma forma mais exacta de determi-
nar a espessura da camada limite para situações em que o escoamento desenvolve uma camada limite
laminar até Rex,cr , passando depois a turbulento. Aplique essa técnica para a estimativa da espessura
da camada limite do escoamento sobre uma placa plana para uma distância ao bordo de ataque de
x = 1.5 m, sabendo que se trata de um escoamento de ar que incide sobre a placa com uma veloci-
dade uniforme de 40 m/s. Compare o resultado assim obtido com o produzido pela equação (6.48).
Considere Rex,cr = 1.2E6. R: δ = 0.0213 m versus 0.0274 m
6.3. Considere o escoamento de ar na conduta de secção quadrada da figura. Sabendo que o escoamento
de ar na entrada possui uma distribuição uniforme de velocidade e que este se encontra à temperatura
de 20ºC e à pressão atmosférica, determine, usando o conceito de espessura de deslocamento, (a) a
velocidade Ucore na secção de saída e (b) a pressão relativa no núcleo do escoamento na secção de
saída. R: (a) 2.17 m/s, (b) -0.44 Pa
6.4. Um escoamento de ar, em condições normais de pressão e temperatura, incide sobre uma placa plana
com uma velocidade uniforme de 10 m/s. No bordo de saída da placa o perfil de velocidade u(y)
segue a distribuição apresentada na tabela 6.4.. Usando o conceito de espessura de quantidade de
movimento determine o valor da força de arrasto exercida sobre a placa se esta tiver uma largura de
1 m. R:0.073 N

y mm 0 0.5 1.0 2.0 3.0 4.0 5.0 6.0


u m/s 0 1.75 3.47 6.58 8.70 9.68 10.0 10.0
exercício 6.4.

exercício 6.3. exercício 6.6. exercício 6.7.

6.5. Uma placa plana está imersa num escoamento de óleo SAE 30 (ρ = 891 kg/m3 , µ = 0.29 Ns/m2 ) com
velocidade uniforme de U = 6 m/s. Se a placa tiver dimensões de 110 cm por 55 cm, determine a
escoamentos externos 143

força de arrasto quando o escoamento tem a direcção da (a) maior dimensão da placa e da (b) menor
dimensão da placa. R: (a) 181 N, (b) 256 N
6.6. Uma placa de fibra de vidro com um peso de 90 N é colocada num telhado, como mostra a figura. Se
o coeficiente de atrito sólido entre a placa e o telhado for de σ = 0.12, qual é a velocidade de vento
necessária para deslocar a placa de fibra de vidro? R: 32.9 m/s
6.7. Um carro transporta no tejadilho uma placa publicitária longa, de espessura desprezável, como apre-
sentado na figura. Se o carro se deslocar a 80 km/h, determine (a) a força exercida pelo vento sobre a
placa na ausência de ventos laterais e (b) a força lateral exercida sobre a placa por um vento lateral de
15 km/h. R: (a) 8.3 N, (b) 70 N
6.8. Um pára-quedista é lançado de um avião com um pára-quedas de 8.5 m de diâmetro. Sabendo que
a massa do pára-quedista e respectivo equipamento é de 90 kg e admitindo uma atmosfera padrão,
determine aproximadamente o tempo que demora a descida entre os 2000 m e os 1000 m de altitude.
R: ∼ 202 s
6.9. Um avião comercial tem uma massa total de 70 toneladas e uma área planiforme total de asa de 150 m2 .
O avião tem uma velocidade de cruzeiro de 558 km/h a uma altitude de 12000 m, para a qual a massa
volúmica do ar é ρ = 0.312 kg/m3 . O avião tem asas com flaps duplos, mas estes estão recolhidos
em vôo de cruzeiro. Assumindo que as características de arrasto e sustentação das asas podem ser
aproximados pelos dados da figura, determine:
(a) a velocidade segura de descolagem/aterragem ao nível do mar com os flaps recolhidos e com os flaps
duplos estendidos, assumindo os valores máximos de CS da figura para cada caso. A velocidade
’segura’ é igual à velocidade mínima vezes um fator de segurança de 1.2. R: ≈ 308 km/h, ≈ 203 km/h
(b) o ângulo de ataque necessário para manter a velocidade e altitude de cruzeiro dadas (com os flaps
recolhidos). R: ≈ 10°

CS max
3.5 3.48 3.5
flaps duplos
3.0 flaps duplos 3.0

2.5 2.5

2.0 2.0
CS flap único CS flap único
1.5 1.5

1.0 1.0
flaps recolhidos
0.5 flaps recolhidos 0.5

–5 0 5 10 15 20 0 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30


Ângulo de ataque, α (graus ) CA
exercício 6.9.
144 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0

Exercícios de Exame

Exame de 11 de setembro de 2018 Um escoamento laminar de ar

a 20○ C (ρar = 1.2 kg⋅m−3 , µar = 1.8 × 10−5 kg⋅m−1 ⋅s−1 ) flui sobre uma
placa plana com velocidade U = 10 m⋅s−1 , como mostra a figura. A
uma distância L do bordo de ataque está colocado um tubo de Pitot
que mede a pressão de estagnação y = 2 mm acima da placa plana laminar
camada limite
usando um manómetro com água (ρágua = 998 kg⋅m−3 ). Assuma que
U
a velocidade medida pelo tubo de Pitot pode ser aproximada por u ≈ y
√ x 2 mm 2 mm
2gh1 ρágua /ρar em que h1 é a altura manométrica.
h1 h2

a) Se a altura manométrica do primeiro tubo de Pitot for h1 = 5 mm,


L L
determine o valor de L. (2.5 valores) R: L ≈ 22.5 cm

b) A uma mesma distância L a jusante do primeiro encontra-se um


segundo tubo de Pitot a medir nas mesmas condições. Determine a
altura manométrica h2 . Se não resolveu a alínea anterior, considere
L = 30 cm (2.5 valores) R: h2 ≈ 3.3 mm

Exame de 4 de julho de 2017 Considere o escoamento de ar (ρ =

1.2 kg⋅m−3 , µ = 1.8 × 10−5 N⋅s⋅m−2 ) sobre uma placa plana, como apre-
sentado na figura. Sabendo que a placa tem b = 1 m na direção per-
pendicular ao desenho, que L1 = L2 = 0.5 m, L3 = 2 m, U0 = 5 m⋅s−1 e
que a transição ocorre para Rex = 5 × 105 , determine:

a) A força sobre a porção L2 da placa. (2 valores) R: FL2 ≈ 0.01 N

b) A melhor estimativa que conseguir para a velocidade longitudinal


(u) no final da placa (x = L1 + L2 + L3 ) e y = 1 cm, admitindo que o perfil
y
de velocidade segue aproximadamente a equação u(y) = U( δ )1/7 . (3
valores) R: u = 4.05 m⋅s−1

Exame de 7 de julho de 2016

Um escoamento de ar (ρ = 1.2 kg⋅m−3 , µ = 1.8 × 10−5 N⋅s⋅m−2 ), en y [mm] u [m⋅s−1 ]

condições normais de pressão e temperatura, incide sobre uma placa 0.00 0.00
1.25 3.27
plana (1 metro de largura) com uma velocidade uniforme de 8 m⋅s−1 . 2.50 5.68
No bordo de saída da placa o perfil de velocidade u(y) segue a dis- 3.75 7.25
tribuição apresentada na tabela. Usando o conceito de espessura de 5.00 7.95
6.25 8.00
quantidade de movimento e admitindo Retr = 5 × 105 , determine:

a) o valor da força de arrasto exercida sobre a placa (4 valores) R:


F ≈ 0.052 N (também θ = 0.6735 mm e δ∗ = 1.85 mm)
escoamentos externos 145

b) a distância x do ponto de medida ao bordo de ataque (3,5 valores)


R: H = 2.75, camada limite laminar, x = 0.544 m

Exame de 3 de julho de 2018

Um modelo experimental de um camião está imerso num escoamento


de glicerina (ρ = 1264 kg⋅m−3 , µ = 1, 5 kg⋅m−1 ⋅s−1 ) com velocidade
Uo = 2 m⋅s−1 . A forma do modelo do camião pode ser aproximada por b

um prisma retangular de l = 0, 91 m de comprimento, b = 0, 25 m de Uo

largura e h = 0, 35 m de altura, como mostra a figura. h

a) Assumindo que a camada limite que se forma sobre as faces laterais l

e de topo é idêntica à camada limite sobre uma placa plana com a


mesma velocidade Uo , determine a força de arrasto por fricção sobre o
modelo de camião. Ignore o arrasto na face inferior. Considere ainda
que a transição de regime ocorre quando Retr = 5 × 105 . (3 valores) R:
FA,fricção = 74.1 N

b) Calcule a força de arrasto total se as pressões médias relativas nas


faces frontal e traseira forem de 2000 Pa e -300 Pa, respetivamente, e
nas restantes faces forem de 100 Pa. Se não resolveu a alínea ante-
rior, assuma uma força de arrasto por fricção de 100 N (2 valores) R:
FA,total = 275.4 N (também FA,pressão = 201.25 N)

Exame de 18 de abril de 2018

Um prisma de secção triangular isósceles de ângulo α = 50o está imerso


num escoamento de glicerina (ρ = 1264 kg⋅m−3 , µ = 1.5 kg⋅m−1 ⋅s−1 ) com
uma velocidade Uo = 0.5 m⋅s−1 . O prisma tem dois lados de 30 cm e
uma largura b = 2 m na direção perpendicular ao papel.

a) Assumindo que a camada limite que se forma sobre as faces 1 e


2 é idêntica à camada limite sobre uma placa plana com a mesma
velocidade Uo , determine a força de arrasto por fricção sobre o prisma.
Considere ainda que a transição de regime ocorre quando Retr = 5 ×
105 . (3 valores) R: FA,fricção = 20.3 N

b) Calcule a força de arrasto total se a pressão média relativa nas faces


1 e 2 for de 200 Pa e na face 3 for de -65 Pa. Se não resolveu a alínea
anterior, assuma uma força de arrasto por fricção sobre o prisma de
20 N (2 valores) R: FA,total = 154.7 N (também FA,pressão = 134.4 N)
146 sebenta de mecânica dos fluidos 2021 0
Lista de Referências

[1] James Mackintosh. Hennessey Venom GT: The 725bhp Lotus Elise. https://www.carthrottle.com/post/
hennessey-venom-gt-the-725bhp-v8-lotus-elise/, 2010. [online; consultado em 13-Abr-2017].

[2] Clay Mathematics Institute. Millenium Prizes: Existence And Smoothness Of The Navier–Stokes Equa-
tion. http://www.claymath.org/millennium-problems/navier\T1\textendashstokes-equation, 2017. [on-
line; consultado em 10-Abr-2017].
[3] B. S. Massey. Mecânica dos Fluidos. Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. ISBN: 9789723109450.
[4] Frank M. White. Mecânica dos Fluidos. McGraw Hill, 2010. 6a ed., ISBN 9788563308214.
[5] Kateryna Yuri. Surface Tension. https://www.translatorscafe.com/unit-converter/en/surface-tension/,
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[6] S. Zenkin, Š. Kos, and J. Musil. Hydrophobicity of Thin Films of Compounds of Low-Electronegativity
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[7] Amédée Guillemin. The forces of nature: a popular introduction to the study of physical phenomena. Scribner,
Welford & Armstrong, 1872. ISBN 9781332054886.
[8] The Clerk. Weather Warnings for Watchers. Houlston and Sons, 1877. ISBN 9780548857311.
[9] National Committee for Fluid Mechanics Films. Illustrated experiments in fluid mechanics: the NCFMF book
of film notes. MIT Press, 1972. ISBN 9780262140140.
[10] A. C. Quintela. Hidráulica. Funcação Calouste Gulbenkian, 2011. ISBN 9789723107753.
[11] J. A. Shercliff. The theory of electromagnetic flow-measurement. Cambridge University Press, 1962. ISBN
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[12] T. G. Beckwith and R. D. Marangoni. Mechanical Measurements. Addison-Wesley, 1990. 4a ed., ISBN
9780201178661.
[13] J. P. Holman. Experimental Methods for Engineers. McGraw-Hill, 1993. ISBN 9780071133548.
[14] ISO 5167-1. Measurement of fluid flow by means of pressure differential devices inserted in circular
cross-section conduits running full – Part 1: General principles and requirements. Standard, International
Organization for Standardization, 2003.
[15] ISO 5167-2. Measurement of fluid flow by means of pressure differential devices inserted in circu-
lar cross-section conduits running full – Part 2: Orifice plates. Standard, International Organization for
Standardization, 2003.
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[16] ISO 5167-3. Measurement of fluid flow by means of pressure differential devices inserted in circular
cross-section conduits running full – Part 3: Nozzles and Venturi nozzles. Standard, International Organi-
zation for Standardization, 2003.
[17] ISO 5167-4. Measurement of fluid flow by means of pressure differential devices inserted in circu-
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Standardization, 2003.
[18] Royal Dutch Shell plc. Shell Eco-Marathon 2018. https://www.shell.com/energy-and-innovation/
shell-ecomarathon.html, 2018. [online; consultado em 20-Fev-2018].

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