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Elcimar Simão Martins

Maria Socorro Lucena Lima


Organizadores

A Pesquisa
como Princípio Formativo na

Pós-Graduação
da reflexão sobre as práticas
à construção do conhecimento
A PESQUISA COMO PRINCÍPIO FORMATIVO NA PÓS-GRADUAÇÃO:
DA REFLEXÃO SOBRE AS PRÁTICAS À CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
© 2020 Copyright by Elcimar Simão Martins e Maria Socorro Lucena Lima (Orgs.)
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DR. JOSÉ BERTO NETO | UNILAB

Projeto Gráfico e Capa | Carlos Alberto Alexandre Dantas


Revisão e normalização de texto | Elisandra Nunes Pereira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva – CRB – 1051
P474 A Pesquisa como princípio formativo na pós-graduação: da refle-
xão sobre as práticas à construção do conhecimento / Elcimar Simão
Martins, Maria Socorro Lucena Lima (orgs). – Fortaleza: Imprece, 2020.
306p. 14 cm x 21 cm.
Inclui tabelas e figuras.
ISBN: 978-65-87212-20-3
1. Pesquisa Educacional. 2. Professores - Formação 3. Tecnologia e
Educação. 4. Educação de Jovens e Adultos. 5. Avaliação Educacional.
6. Educação – Aspectos Étnico-raciais - Brasil. 7. Surdos – Educação. 8.
Martins, Elcimar Simão. 9. Lima, Maria Socorro Lucena. I. Título.

CDD. 370.7
Elcimar Simão Martins
Maria Socorro Lucena Lima
Organizadores

A Pesquisa
como Princípio Formativo na
Pós-Graduação:
da reflexão sobre as práticas à construção do conhecimento

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO


ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO
ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO
ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR KAÉ STOLL COLVERO
ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO LOURENÇO OCUNI CÁ
CAMILA MESQUITA FELIX LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA
CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE
ELCIMAR SIMÃO MARTINS MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA MARIA DE LOURDES RUFINO LEAL
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA MARIA SOCORRO LUCENA LIMA
EMANUEL ANDRADE LEITE MARLA VIEIRA MOREIRA DE OLIVEIRA
EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA MICHELLA RITA SANTOS FONSECA
FABIANO GERALDO BARBOSA NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA
FRANCIONE CHARAPA ALVES PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES
FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO PETRÔNIO CAVALCANTE
FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER
GERALDO VENCESLAU DE LIMA JÚNIOR SELMA GARRIDO PIMENTA
GERALDO VICENTE DA SILVA SIMONE CESAR DA SILVA
GERANILDE COSTA E SILVA SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA
GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA
IGOR DE MORAES PAIM VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA

Fortaleza | Ceará
2020
Sumário
APRESENTAÇÃO • 9
Elcimar Simão Martins
Maria Socorro Lucena Lima

PREFÁCIO • 19
Selma Garrido Pimenta

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM


OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS  •  23
Carlos Henrique Andrade de Sousa
Elcimar Simão Martins

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS


DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?  •  43
Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório
Petrônio Cavalcante
Francione Charapa Alves
Maria Socorro Lucena Lima
Igor de Moraes Paim

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO


ENSINO FUNDAMENTAL • 59
Ana Lúcia Ferreira Pitombeira
Emanoel Rodrigues Almeida
Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA


DOCENTE • 71
Biatriz de Souza Monteiro
Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior
Elisangela André da Silva Costa
Emanoel Rodrigues de Almeida

PROFESSORES SURDOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E


TECNOLOGIA DO ESTADO DO CEARÁ (IFCE): UM RECORTE DE SUA TRAJETÓRIA DE
FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR  •  87
Geraldo Venceslau de Lima Júnior
Sinara Mota Neves de Almeida
Marla Vieira Moreira de Oliveira
Kaline Araujo Mendes de Souza
CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA
DE AULA • 106
Neisse Evangelista da Costa Souza
José de Sousa Breves Filho
Andrea Moura da Costa Souza

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA UNILAB: A


CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA  •  124
Michella Rita Santos Fonseca
Luma Nogueira de Andrade

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL


PROFISSIONAL DOS PROFESSORES QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS EM PARNAÍBA-PI  •  135
Vanessa Carvalho da Silva França
Lourenço Ocuni Cá

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS


DOCUMENTOS OFICIAIS • 147
Camila Mesquita Felix
Andrea Moura da Costa Souza

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA


ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)  •  160
Giovanni José Rocha Sombra
Geranilde Costa e Silva

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES


EXTERNAS NO CEARÁ: PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
E MATEMÁTICA • 174
Paula Trajano de Araújo Alves
Solonildo Almeida da Silva

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO


EDUCACIONAL • 189
Geraldo Vicente da Silva
Eugênio Eduardo Pimentel Moreira
O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS  •  201
Maria de Lourdes Rufino Leal
Simone Cesar da Silva

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE


LICENCIATURA: ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO
SUPERVISIONADO • 212
Ana Paula Martins Farias Vasconcelos
Assis Anderson Ribeiro da Silva
Kaé Stoll Colvero

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA


DECOLONIALIDADE DO SABER  •  230
Emanuel Andrade Leite
Rebeca de Alcântara e Silva Meijer

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE


EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”  •  247
José Olímpio Ferreira Neto
José Davi Leite de Castro
Luciano Hebert de Lima Silva
Fabiano Geraldo Barbosa

PROJETO PÉROLA NEGRA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E


O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS  •  261
Francisca Marta da Silva de Assis
Geraldo Vicente da Silva

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL: CONTRIBUIÇÕES


E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE
(PPGEF UNILAB-IFCE) • 272
Ana Lúcia Ferreira Pitombeira
Ana Paula Martins Farias Vasconcelos
Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior
Assis Anderson Ribeiro da Silva
Biatriz de Souza Monteiro
Camila Mesquita Felix
Carlos Henrique Andrade de Sousa
Emanuel Andrade Leite
Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório
Francisca Marta da Silva de Assis
Geraldo Venceslau de Lima Junior
Geraldo Vicente da Silva
Giovanni José Rocha Sombra
José Olímpio Ferreira Neto
Maria de Lourdes Rufino Leal
Michella Rita Santos Fonseca
Neisse Evangelista da Costa Souza
Paula Trajano de Araújo Alves
Petrônio Cavalcante
Vanessa Carvalho da Silva França
Elcimar Simão Martins
Maria Socorro Lucena Lima

SOBRE OS/AS AUTORES/AS  •  297


9 •
APRESENTAÇÃO

Palavras iniciais – para viver em “estado de pesquisa” na


Pós-Graduação

Para viver em estado de poesia


Me entranharia nestes sertões de você
Para deixar a vida que eu vivia
De cigania antes de te conhecer
De enganos livres que eu tinha porque queria
Por não saber que mais dia menos dia
Eu todo me encantaria pelo todo do teu ser
(Chico César)

C hico César nos propõe um “estado de poesia”, e na disci-


plina Ensino e Formação Docente compartilhamos e juntos apren-
demos a importância do mestrado como um projeto de vida, o que
nos cobra que estejamos em constante “estado de pesquisa”. Dessa
experiência resulta o livro A Pesquisa como Princípio Formativo
na Pós-Graduação:  da reflexão sobre as práticas à construção do
conhecimento.
A necessidade da escrita de textos científicos em um curso de
pós-graduação mistura-se aos compromissos diários, com organiza-
ção de fichamentos e seminários, produção de artigos para publica-
ção, compromissos profissionais, sociais e familiares, muitas vezes
custando noites de vigílias e até adoecimento.
O que não se discute é a grande questão: em que condições
de vida e trabalho os estudantes da pós-graduação fazem a sua for-
mação? Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que vivemos dias de
profunda competitividade e produtivismo, que requerem de nós a
necessidade de um projeto de vida que nos ajude a compreender o
processo vivenciado, bem como a clareza das reais prioridades dessa
caminhada.

APRESENTAÇÃO
• 10

Pensando esse período de pós-graduação como uma viagem a


ser realizada precisamos preparar uma bagagem, de forma que ela
comporte minimamente as necessidades deste percurso. Para tanto,
consideramos ainda as esperanças de profissionalização e de desen-
volvimento profissional, de um plano de carreira docente e de pes-
quisador no magistério superior, o que requer uma análise sincera
sobre “o que já tenho e o que me falta” para ingressar e chegar ao des-
tino esperado desta ­caminhada.
Muitos dos desafios que nos são apresentados nesta vida re-
querem um tempo de planejamento: o nascimento de uma criança,
uma viagem, um aniversário. Formação em nível de pós-graduação
não é diferente; precisamos nos incluir na inteireza do momento que
estamos vivenciando. Vale indagar: qual o lugar da pós-graduação na
minha vida? Qual o meu lugar de estudo? A que horas e em que condi-
ções vou estudar? Com quem posso contar para estudar ou conversar
sobre o curso, tirar dúvidas? Com quem posso dividir os problemas
alusivos à pós-graduação? Procurando levar em conta as questões
elencadas, trazemos alguns pontos de reflexão.
O local de estudos precisa ser respeitado por todos da casa,
pois o projeto deixa de ser individual para ser defendido e assumido
como parte da família como um todo; o horário destinado a leitu-
ras e o mural de avisos fazem parte igualmente desta organização;
o registro de pretensões é um Projeto de Vida, que deve incluir não
apenas a questão acadêmica, mas a vida como um todo, e que inclua:
amizades, religiosidade, saúde, amor, família, finanças, lazer, traba-
lho e carreira. Cada um destes itens precisa ser registrado em curto,
médio e em longo prazo; o acompanhamento sistemático, pois é
preciso que se volte sempre para ver como é que vai se conciliando
este plano entre o escrito e o vivido, o dito e o feito.
Mais do que um curso, a Pós-Graduação é um Projeto de
Vida e Profissão! Somos sujeitos da nossa história e dessa forma po-
demos estruturar a realidade da nossa vida de modo a tentar assumir
os desafios que precisamos superar. Para tanto, precisamos aliar o
processo formativo ao nosso cotidiano profissional, compreendo
essa trajetória como espaço-tempo de promoção humana e social.

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA


11 •
Buscamos realizar na disciplina Ensino e Formação Docente
uma postura teórico-metodológica colaborativa, aliando ensino e
pesquisa, que foi sendo tecida a partir do encontro de vinte mestran-
dos-professores da Educação Básica e dois professores universitários
(com bom tempo de docência na Educação Básica também). Assim,
buscamos estratégias para desenvolver a escrita científica em sala de
aula. Começamos por desconstruir os textos trazidos para leituras
e debates, verificando a forma, os objetivos e a sequência de ideias.
Analisamos como os autores organizavam seu pensamento, quais
eram os argumentos utilizados e as conclusões a que chegavam. Fize-
mos leituras, fichamentos e escrita de resumos críticos. Para tanto,
fizemos o exercício de Anunciar, Citar e Comentar (ACC1), que con-
siste em fazer a leitura de um texto, escolher uma citação e identifi-
car a ideia central. Na sequência, a partir da ideia-chave, o autor faz
o anúncio, cita ipsis litteris e comenta, argumentando criticamente.
Tecemos experiências, compartilhamos aprendizagens, ensi-
namos e aprendemos no cotidiano da pós-graduação. Ao longo das
aulas, a escrita colaborativa e coletiva ganhou destaque e gradati-
vamente construímos um texto científico em sala de aula. Essa es-
crita foi o pontapé para a criação dessa obra, organizada em dezoito
­capítulos.
Os textos dos pós-graduandos dialogam com a sua prática,
dando-a sentido social, mediando-a com o conhecimento, a realidade
vivida e analisando-a criticamente. Assim, individual e coletivamen-
te, assumimos uma postura de constante investigação, análise crítica
e questionamento, entretecendo vida, trabalho e profissão.
De autoria de Carlos Henrique Andrade de Sousa e Elcimar
Simão Martins, o Capítulo 1, Formação continuada de professores
de língua estrangeira: um olhar a partir do Centro Cearense de
Idiomas, investiga os limites e as contribuições da formação conti-
nuada para o desenvolvimento profissional de professores de língua
estrangeira que atuam no Centro Cearense de Idiomas (CCI). Os au-
tores concluem que a formação continuada deve oportunizar o pro-

1 Estratégia elaborada por Socorro Lucena.

APRESENTAÇÃO
• 12

tagonismo docente por meio de momentos e espaços para discutir e


entender a realidade que o cerca, o que poderá resultar em uma prá-
xis diferenciada e qualificada.
O Capítulo 2 – Formação continuada na perspectiva inclu-
siva: o que pensam os docentes da sala de aula regular? – escrito
por Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório, Petrônio Cavalcante,
Francione Charapa Alves, Maria Socorro Lucena Lima e Igor de Mo-
raes Paim, investiga se a SME do município de Fortaleza promove for-
mação continuada para que os docentes que atuam em sala de aula
regular possam atender aos alunos público-alvo da Educação Espe-
cial. O texto revela que para a inclusão educacional acontecer é fun-
damental que a escola seja redesenhada, com reestruturação do es-
paço, do tempo, da prática pedagógica, aperfeiçoamento contínuo de
professores para saberem trabalhar de forma diversificada em sala
de aula, condições de trabalho e valorização desses profissionais,
considerando a diversidade de ritmos e habilidades dos estudantes,
valorizando a riqueza das diferenças humanas, colaborando para a
construção de uma sociedade menos excludente e mais justa.
Escrito por Ana Lúcia Ferreira Pitombeira, Emanoel Rodri-
gues Almeida e Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite, o Capítulo 3, in-
titulado Formadores e professores: intervenções pedagógicas no
2º ano do ensino fundamental, analisa a percepção das professoras,
do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal
de Fortaleza em relação à formação ofertada, como também as inter-
venções pedagógicas realizadas por formadoras da rede de ensino. O
texto conclui afirmando que a experiência foi de suma importância
para o crescimento de todos os envolvidos: formadores, professores
e alunos, pois tiveram a oportunidade de conviver, interagir e apren-
der pela permuta de saberes e experiências, o que tornou esse mo-
mento de aprendizagem mutuamente significante.
O quarto capítulo, Os efeitos iniciais da BNCC na educação
infantil: a perspectiva docente, escrito por Biatriz de Souza Mon-
teiro, Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior, Elisangela André da
Silva Costa e Emanoel Rodrigues de Almeida, investiga os efeitos
iniciais da BNCC na Educação Infantil na perspectiva docente, tanto

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA


13 •
em uma escola da zona urbana (Fortaleza/CE) como em uma da zona
rural (Redenção/CE). O texto ressalta a importância do engajamento
e da parceria da SME e da gestão escolar para que oportunizem aos
professores partilhar suas angústias, dúvidas e sugestões, com o ob-
jetivo de compreender o que é a BNCC, suas contradições, tensões e
desafios, com os quais poderemos dialogar em outros trabalhos.
O Capítulo 5, Professores surdos do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do estado do Ceará (IFCE): um
recorte de sua trajetória de formação no ensino superior, escrito
por Geraldo Venceslau de Lima Junior, Sinara Mota Neves de Almei-
da, Kaline Araújo Mendes e Marla Vieira Moreira de Oliveira, obje-
tiva identificar, de forma preliminar, desafios e necessidades que
circundam o acesso à educação superior de docentes surdos lotados
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do
Ceará (IFCE). O estudo conclui que o maior desafio para promover
a acessibilidade de estudantes e professores surdos aos mais altos
níveis de estudos nas instituições públicas de ensino está, em prima-
zia, na promoção efetiva de políticas institucionais que respeitem a
especificidade linguística da pessoa surda.
Concepções docentes sobre a leitura e o uso das tecnolo-
gias em sala de aula é o título do Capítulo 6, escrito por Neisse Evan-
gelista da Costa Souza, José de Sousa Breves Filho e Andrea Moura
da Costa Souza, que aborda as concepções de professores sobre a
utilização das TIC’s na formação do leitor, tendo como objetivo prin-
cipal investigar as práticas de ensino, utilizadas na disciplina de Lín-
gua Portuguesa com o uso delas, assim, oportunizando uma reflexão
sobre as formas de contribuição das tecnologias para o processo de
formação do leitor. O texto revela que as TIC’s podem contribuir para
o desenvolvimento desses saberes, desde que o professor busque no-
vas metodologias/tecnologias, apropriando-se delas e utilizando-as
de maneira significativa em sala de aula.
O sétimo capítulo, Diálogos entre a pós-graduação e a gra-
duação na UNILAB: a construção da escrita científica, das autoras
Michella Rita Santos Fonseca e Luma Nogueira de Andrade, discute
acerca dos pilares basilares dos cursos de formação de professores,

APRESENTAÇÃO
• 14

estágio e pesquisa na pós-graduação e na graduação, para então re-


fletir sobre o papel e a importância desses pilares na construção da
escrita científica, contribuindo, assim, na formação de futuros pro-
fessores. Frente à experiência de estágios com pesquisas, as autoras
concluem que é gratificante enfrentar os desafios das práticas de
estágio, bem como seus produtos, apresentando a ressignificação da
prática e da teoria, valorizando a práxis e, assim, contribuindo para
o potencial formativo docente.
O Capítulo 8, intitulado O docente da educação de jovens
adultos: um estudo sobre o perfil profissional dos professores
que lecionam na educação de jovens e adultos em Parnaíba-PI,
tem autoria de Vanessa Carvalho da Silva França e Lourenço Ocuni
Cá e pesquisa as características dos docentes que atuam na Educação
de Jovens e Adultos, como também as principais lacunas existentes
em sua formação. O estudo revela, não somente pelas observações,
mas, principalmente, nas falas dos professores que eles são bem ca-
rentes de formações voltadas à modalidade de ensino em si. Perce-
be-se também que esta é destino para professores que possuem uma
grande carga horária de trabalho e que se dividem em diferentes es-
colas, algumas de cidades e até estados vizinhos, o que nos remete à
falta de políticas públicas voltadas à carreira docente no Brasil.
Camila Mesquita Felix e Andrea Moura da Costa Souza escre-
vem o nono capítulo, intitulado Formação avaliativa do pedagogo:
elucidações a partir dos documentos oficiais, que objetiva compre-
ender a formação e os saberes docentes que auxiliam na constituição
das práticas avaliativas dos pedagogos, a partir dos documentos que
norteiam a formação deste profissional – Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o curso de Pedagogia e Matriz Curricular dos cursos de
Pedagogia das Universidades Estadual e Federal do Ceará. As autoras
concluem que a formação para avaliar carece de mais atenção, não
apenas no que diz respeito ao quantitativo de disciplinas que abor-
dem a temática, mas no sentido de que estes conceitos tão essenciais
permeiem a formação do Pedagogo ao longo de sua graduação
O Capítulo 10, Avaliação da aprendizagem: visão de docen-
tes do 5º ano de uma escola pública da rede municipal de Forta-

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA


15 •
leza (CE), de autoria de Giovanni José Rocha Sombra e Geranilde
Costa e Silva, investiga a percepção de professores do 5º ano do Ensi-
no Fundamental de uma escola pública da rede municipal de ensino
de Fortaleza (CE) sobre a temática de Avaliação de Aprendizagem. O
texto revela a necessidade premente de rever conceitos, de assumir
novas posturas, de aprimorar as diversas formas de avaliar o proces-
so avaliativo com foco na emancipação do ser, na construção e media-
ção dos conhecimentos. Mas, para que isso se concretize, é preciso se
despir de posturas retrógradas e se munir de embasamento teórico
associado a uma prática que considere os saberes individuais e cole-
tivos de todos que compõem a tríade: escola-docente-discente.
Escrito por Paula Trajano de Araújo Alves e Solonildo Almeida
da Silva, o Capítulo 11, intitulado A responsabilização docente e sua
relação com as avaliações externas no Ceará: percepções de pro-
fessores de Língua Portuguesa e Matemática, apresenta as percep-
ções de professores de Língua Portuguesa e Matemática sobre como
essa política de responsabilização docente atravessa suas práticas
docentes cotidianas. O texto conclui que há uma predominância da
cultura da responsabilização docente intrínseca à atividade pedagó-
gica desses profissionais. Apesar desse fato muitas vezes não se reve-
lar diretamente, pode-se perceber que ao se sentirem responsáveis
pelos resultados dos alunos nas avaliações externas, os professores
trazem para si a responsabilidade pelos resultados obtidos nesses
testes, desconsiderando, assim, todos os outros fatores que corres-
pondem para o sucesso ou fracasso dos alunos nas avaliações de lar-
ga escala, desresponsabilizando, portanto, o aluno (enquanto sujeito
também responsável pela sua aprendizagem), o governo e os fatores
sociais que também interferem no processo de ­aprendizagem.
O papel do avaliador e a importância de sua tarefa para uma
avaliação educacional é o título do capítulo 12, escrito por Geraldo
Vicente da Silva e Eugênio Eduardo Pimentel Moreira, que analisa o
papel do avaliador e a importância de sua tarefa para uma avaliação
educacional que possa contribuir para a melhoria do desempenho de
todos que atuam na Educação. O estudo revela a importância que tem
o avaliador educacional e que a sua função é dependente da dimen-

APRESENTAÇÃO
• 16

são ou modelo de avaliação adotado. Também revela que há muito a


caminhar na direção de obter um profissional quantitativa e qualita-
tivamente melhor preparado em número suficiente para atuar nas
várias frentes avaliativas que o Brasil vem se propondo a fazer.
O Capítulo 13, O Ensino Médio de tempo integral: desafios
e perspectivas, escrito por Maria de Lourdes Rufino Leal e Simo-
ne Cesar da Silva, dialoga a partir dos fundamentos e da história da
educação com elementos que possam responder à necessidade de
uma intencional e efetiva ação socialmente integrada da instituição
escolar pública, enquanto elemento de contribuição ao processo
de democratização da educação. As autoras concluem que, a par da
consolidação de um elo colaborativo e de reciprocidade federada na
constituição de uma política de Educação em tempo integral de âm-
bito nacional, é importante destacar a possibilidade de os estados, o
Distrito Federal e os municípios virem também a construírem suas
próprias propostas nessa área da ­Educação.
Ana Paula Martins Farias Vasconcelos, Assis Anderson Ribei-
ro da Silva e Kaé Stoll Colvero assinam o Capítulo 14, A Educação
para as Relações Étnico-Raciais em cursos de licenciatura: estu-
do de caso com discentes de Estágio Supervisionado, em que ana-
lisam como a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) vem
sendo trabalhada na formação de professores, mais especificamente
no estágio supervisionado, a partir da visão dos graduandos de cur-
sos de licenciaturas dos municípios de Aracoiaba e Sobral. O texto
aponta para a necessidade de compromisso das licenciaturas em in-
serir, com maior efetividade, a ERER em suas grades curriculares e
em suas práticas de sala de aula, independente da área do saber, já
que isso pode contribuir de forma significativa na formação inicial e
continuada antirracista.
O Capítulo 15, intitulado A humanização e a pretagogia como
perspectivas de uma decolonialidade do saber, escrito por Ema-
nuel Andrade Leite e Rebeca de Alcântara e Silva Meijer, dialoga
com um protagonista fictício que demanda reflexões sobre a escola,
os professores e a marginalização dos alunos “malditos”. Discute a
humanização como princípio do fenômeno educativo. Considera-se

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA


17 •
que para educar com vistas a humanização se faz necessário olhar de
forma prioritária para a formação de professores, seja ela inicial ou
continuada, mas que valorize as diferenças, que seja descolonizadora
das mentes, das vidas e que reconheça o Sul global. Esse é o jeito de
lutar, suleando a educação.
De autoria de José Olímpio Ferreira Neto, José Davi Leite de
Castro, Luciano Hebert de Lima Silva e Fabiano Geraldo Barbosa, o
Capítulo 16, Capoeira e emancipação humana: as contribuições
do projeto de extensão “Debate com ginga”, investiga como o pro-
jeto de extensão “Debate com Ginga: as multifaces da Capoeira” pode
colaborar para a formação dos participantes, com o foco na emanci-
pação humana. Os autores concluem que o referido projeto aponta
contribuições para o processo educacional com vistas à emancipa-
ção humana na medida em que compreende o protagonismo humano
na produção das relações histórico-sociais. A emancipação humana
como horizonte se coaduna com a prática pedagógica presente na
matriz da capoeira, que tem sua gênese na luta por liberdade. O pro-
jeto aqui analisado, portanto, constitui-se uma ferramenta efetiva no
campo das atividades educativas ­emancipadoras.
O Capítulo 17 desta obra é intitulado Projeto Pérola Negra:
um outro olhar sobre o continente africano e o fortalecimento
das relações étnico-raciais e escrito por Francisca Marta da Silva
de Assis e Geraldo Vicente da Silva, apresenta os resultados de uma
prática desenvolvida na Escola de Ensino Fundamental José Saraiva
Sobrinho, pertencente à rede municipal do município de Capistrano-
-CE, visando desmistificar estereótipos ao longo do tempo acerca do
continente africano, fortalecer o nível de consciência crítica dos dis-
centes e docentes, e trabalhar de forma interdisciplinar as questões
étnico-raciais. Os autores revelam que trabalhar o Pérola Negra de
modo interdisciplinar durante todo o ano ficou mais evidente que es-
tudar a história da África; mesmo não sendo uma tarefa tão simples,
foi algo imperioso e urgente numa sociedade em que as limitações
surgem cotidianamente e em que o preconceito exacerbado impera.
O último capítulo, intitulado Formação continuada e desen-
volvimento profissional: contribuições e desafios do Mestrado

APRESENTAÇÃO
• 18

Profissional em Ensino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-


-IFCE), produzido pelo coletivo de mestrandos e professores Elci-
mar Simão Martins e Maria Socorro Lucena Lima, busca investigar
as contribuições e os desafios do Mestrado Profissional em Ensino
e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE) para o desenvolvimen-
to profissional dos mestrandos. Os autores revelam que o Mestrado
Profissional possibilita a articulação entre teoria e prática docente,
permitindo, assim, que os/as mestrandos/as desenvolvam uma prá-
xis pedagógica pautada na reflexão e no desejo de construir uma nova
realidade social com vistas à construção de uma educação crítica e
­reflexiva.
O livro A Pesquisa como Princípio Formativo na Pós-Gra-
duação:  da reflexão sobre as práticas à construção do conheci-
mento é um esforço coletivo, conduzido por muitas mãos e tecido
de diferentes realidades. Que a sua leitura nos impulsione à luta por
uma educação da melhor qualidade, levando o “estado de poesia” e de
pesquisa à escola, à universidade, à vida em suas diversas dimensões!
Que possamos contar das nossas ousadias pedagógicas e que sejamos
sempre aprendizes da vida e dos seus desafios.

Redenção/CE, 30 de setembro de 2020.

Elcimar Simão Martins


Maria Socorro Lucena Lima

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA


19 •
PREFÁCIO
“As crises são momentos de verdade”
(Emília Viotti da Costa)

O ano de 2020 tem sido marcado por inúmeras crises, sejam


elas políticas, sociais, de educação e de saúde, acentuadas, sobretu-
do, nesse momento de pandemia do Covid-19. Tomo emprestada a
frase da professora Emília Viotti da Costa, que nos proporciona uma
reflexão sobre o momento, uma possibilidade de dialogar com o con-
texto e apresentar perspectivas.
“As crises são momentos de verdade”, ou seja, elas explodem
as verdades que estavam veladas, escondidas. Somos, portanto, ins-
tados a pensar: que decisões tomaremos daqui para frente?
É importante lembrar que essa crise não é de hoje e não che-
gamos à pandemia por acaso. Ela foi sendo gestada ao longo dos úl-
timos anos na sociedade como um todo, mundial. Ela é fruto de uma
produção histórica dos seres humanos. Nós produzimos as condi-
ções para a eclosão do Coronavírus ao não prestar atenção na desi-
gualdade existente no mundo globalizado, no avanço do capitalismo
e na acumulação de renda, na não distribuição para toda a sociedade
dos benefícios que a civilização conquistou, nas áreas da saúde e do
saneamento básico, na destruição do meio ambiente, ou seja, essa
crise foi sendo produzida.
Um período marcado por crises é também um momento deci-
sivo e que nos leva a rupturas com o estado anterior, compreenden-
do que esse novo rumo pode ser para algo melhor ou pior. Assumo
a perspectiva de configurar uma utopia em meio às incertezas, ten-
sões e injustiças que se apresentam.
Sendo assim, penso que o nosso principal desafio é, assumin-
do isso, apontarmos, individual e coletivamente, os caminhos que
vamos traçar para que tenhamos melhorias na sociedade como um

PREFÁCIO
• 20

todo. Nesse contexto de incertezas, marcado por diversas fragilida-


des, também surgem luzes a iluminar o caminho. No horizonte da
utopia eis que surge o livro A PESQUISA COMO PRINCÍPIO FOR-
MATIVO NA PÓS-GRADUAÇÃO:  da reflexão sobre as práticas à
construção do conhecimento, organizado por ­Elcimar Simão Mar-
tins e Maria Socorro Lucena Lima.
A obra congrega dezoito capítulos de estudantes e docentes
do Programa Associado de Pós-Graduação em Ensino e Formação
Docente (PPGEF UNILAB/IFCE) – Mestrado em Ensino e Formação
Docente, que, em sua primeira turma, conta com vinte mestrandos
(as), todos (as) da região Nordeste, dos estados do Ceará, Rio Grande
do Norte e Piauí, sendo dezenove docentes da educação básica e um
do ensino básico, técnico e tecnológico.
O livro é resultado da disciplina Ensino e Formação Docente,
que problematizou os elementos epistemológicos, políticos e peda-
gógicos do ensino na educação básica e superior e da formação ini-
cial e continuada de professores. Para tanto, os textos foram sendo
construídos ao longo da disciplina a partir da experiência de ensino
com pesquisa.
Assim, podemos afirmar que a primeira turma de mestran-
dos(as) do PPGEF UNILAB-IFCE foi se constituindo em intelectuais
críticos e reflexivos, docentes que pesquisam a sua prática e a práxis
educativa na escola/universidade e na sociedade em sentido mais
amplo. A escrita de um livro revela o compromisso de refletir e bus-
car contribuir para a superação das desigualdades presentes na edu-
cação e na sociedade.
Diante dos desafios enfrentados pelos (as) professores (as) na
sociedade atual, o espaço da pós-graduação stricto sensu se apresen-
ta como possibilidade de diálogo, que se propõe a olhar para o cole-
tivo institucional e as políticas de educação, bem como os nexos que
se fazem entre os diferentes interesses que precisam ser refletidos e
ressignificados na caminhada docente.
As pesquisas giram em torno de temáticas importantes e que
merecem novos olhares: formação inicial e contínua de professores,
avaliação, currículo, práticas pedagógicas, inclusão e diversidade

SELMA GARRIDO PIMENTA


21 •
étnico-racial. A reflexão, que situa a Didática como campo de conhe-
cimento e de investigação, com o foco na compreensão do processo
educativo, como prática social datada e endereçada, passa a se cons-
tituir um desafio a ser enfrentado. É nessa direção que os registros
apresentados neste livro se constituem.
A obra certamente contribuirá para o debate ao fazer o elo en-
tre as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas da Educação
Básica e as pesquisas desenvolvidas no espaço acadêmico, procuran-
do identificar os pontos de reflexão e as contribuições para a forma-
ção docente, ao trazer momentos de verdade, como nos ensina Emília
Viotti, à essa necessária e delicada relação.

São Paulo, 30 de setembro de 2020.

Selma Garrido Pimenta


Profª. Titular Sênior e Pesquisadora do GEPEFE-FEUSP
Profª. Associada – PPGE UCSantos

PREFÁCIO
23 •
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE
DE IDIOMAS
Carlos Henrique Andrade de Sousa
Elcimar Simão Martins

Introdução

A temática da formação docente tem sido constantemente


estudada ao longo do tempo, ganhando ainda mais relevo nas últi-
mas quatro décadas após a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB 9394/96 (BRASIL, 2016). Contudo, quando
se volta o olhar para a formação continuada de professores de língua
estrangeira, os estudos são mais limitados.
Ao longo de nossa trajetória profissional, observamos a neces-
sidade de se avançar em discussões em torno de um contínuo pro-
cesso de formação para docentes de língua estrangeira, em especial,
buscando o afastamento de um tipo de organização que caracteriza a
formação continuada de cima para baixo, baseada na racionalidade e
na verticalidade técnica instrumental. Isso se dá, pois tal perspecti-
va tende a ser reproduzida nas salas de aulas de escolas regulares e/
ou em cursos de idiomas.
Essa temática é pertinente, tendo em vista que os professores
de idiomas do Centro Cearense de Idiomas (CCI) podem se tornar do-
centes-chave na reformulação do ensino de línguas em toda a rede
estadual, inclusive se tornando professores formadores. A partici-
pação nas formações, o modo como os temas discutidos são traba-
lhados e o aporte teórico-metodológico dessa experiência poderão
influenciar as práticas pedagógicas desenvolvidas com os estudan-
tes da rede estadual de ensino do Ceará. Nesse sentido, acreditamos

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 24

que se as formações forem trabalhadas na perspectiva da horizonta-


lidade, os docentes terão a possibilidade de desenvolver um trabalho
assentado no princípio dialógico, contribuindo para a formação de
jovens críticos e reflexivos.
Em vista do exposto, o presente estudo buscou investigar os
limites e as contribuições da formação continuada para o desenvol-
vimento profissional de professores de língua estrangeira que atuam
no Centro Cearense de Idiomas (CCI).
Uma busca realizada em abril de 2020 na Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), no site http://bdtd.ibict.
br/vufind/Search/Advanced, inserindo o descritor “Formação do-
cente”, revelou um total de 11.761 trabalhos. Ao acrescentar o descri-
tor “formação contínua” ao anterior, localizamos 3.754 produções.
Incluindo o descritor “língua estrangeira” aos outros dois, o número
caiu para 65. Por fim, quando foi acrescentado o descritor “Ceará”
aos outros três, apenas um registro foi encontrado, sinalizando o
ineditismo e o potencial da presente investigação.
O estudo é de abordagem qualitativa e foi desenvolvido com
quinze docentes de idiomas lotados no CCI. Os dados foram coletados
por meio de um questionário online, em que os participantes tam-
bém preencheram um Termo de Consentimento Livre e ­Esclarecido.
Além da Introdução e das Considerações finais, o texto está
organizado em três seções. Na primeira, fazemos uma abordagem
teórica das categorias centrais ao estudo. Na segunda, apresentamos
o percurso metodológico, o lócus e os sujeitos da pesquisa, bem como
os instrumentos utilizados para a coleta de dados. A terceira seção
traz os resultados e a discussão dos achados.

Formação continuada: novos caminhos?



Os referenciais teóricos que dão luz aos estudos sobre a for-
mação continuada de professores servem de base para a promoção
de diretrizes que permitem um maior aprofundamento e ampliação
dos conhecimentos sobre essa temática. Em tal perspectiva, corro-
borando para a qualidade dos estudos e para a construção de novos

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


25 •
significados no que tange à formação docente, autores como Martins
(2014), Zeichner (2013), Silva (2009), Imbernón (2009, 2010), Behrens
(2007), Marin (1995), Nóvoa (1995), entre outros, elevam o grau da im-
portância das pesquisas sobre a formação continuada, que têm ad-
quirido uma nova roupagem desde os primeiros anos do século XXI.
Um breve histórico sobre o modelo tecnicista, burocrático e
verticalizado das décadas de 70 e 80 do século XX, chamado de reci-
clagem, por Candau (1997), e de capacitação, pelas palavras de Marin
(1995), faz-nos compreender a razão da busca recente por novos ca-
minhos para a formação docente. A primeira autora faz uma crítica
ao “processo de reciclagem”, pois este modelo nos levaria de volta
à universidade (formação inicial) para refazer aquele ciclo. Por sua
vez, Marin (1995) nos alerta que o sentido da capacitação pode ser en-
tendido como convencimento ou persuasão, o que geraria um treino
sem abordagem crítica e reflexiva. Faz-se necessário que o professo-
rado tenha ciência de que os termos anteriores ainda tão utilizados
para classificar os períodos de formação atualmente devem ser subs-
tituídos tanto no sentido semântico como pragmático.
Os dois últimos decênios, caracterizados pelo imenso clamor
da aplicação das novas tecnologias em todas as áreas do conhecimen-
to, têm sido determinados por uma veloz transição social, política,
econômica e educativa, e inevitavelmente a formação de professores
é atingida por essas “[...] mudanças vertiginosas, em que tudo o que
nasce, o que se cria, o que se projeta etc., já no momento em que sur-
ge, começa a se tornar obsoleto e caduco” (IMBERNÓN, 2009, p. 12).
Os debates sobre a formação de professores, por sua vez, tam-
bém em permanente processo de transformação, revelam-nos o de-
senvolvimento de uma relação contínua e harmoniosa entre a teoria
e a prática, tendo como objetivo um professor crítico e reflexivo do
seu trabalho diário em sala de aula e fora dela.
Cabe a nós deixar claro que, junto ao equilíbrio dessa tríade
relação teoria-prática-professor reflexivo, existe paralelamente
uma procura por novas alternativas para aquilo que apontamos
como formação continuada para além de “pequenos momentos com
a apresentação de profissionais experientes e que servem como pro-

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 26

vocação, mas não instrumentalizam os profissionais para modificar


a docência” (BEHRENS, 2007, p. 445).
Dessa forma, para que essas alternativas resultem em solu-
ções positivas para as situações específicas da práxis docente que são
discutidas nos períodos de formação, é necessário que “no momento
do planejamento, execução e avaliação dos resultados da formação, o
professorado participe no processo da mesma e suas opiniões sejam
consideradas” (IMBERNÓN, 2009, p. 27).
Nesse mesmo sentido, posicionar o professor como protago-
nista é uma das principais inovações que deve ser assumida pelos
idealizadores dos períodos de formação docente na atualidade, pois
o docente é de “importância vital para compreender os processos de
ensino-aprendizagem, para desencadear uma mudança radical dos
programas de formação e para promover a qualidade do ensino na
escola numa perspectiva inovadora” (SILVA, 2009, p. 100).
Esse modelo inovador pode e deve se dar para além do prota-
gonismo docente quando ele deixa de ser objeto e passa a ser o sujei-
to que dita as prerrogativas de como a formação deve ser conduzida.
Para Behrens (2007), a ideia da formação continuada dos professo-
res precisa ser investigada a partir do entendimento da palavra “for-
mar”. Apoiando a autora nesse ponto, nós acreditamos que essa in-
vestigação deve se iniciar por meio do reconhecimento daquilo que
se chamava reciclagem/capacitação e hoje é apontado como forma-
ção, ou seja, de como tudo isso se insere no momento histórico e que
também deve servir de base para um marco inicial de reflexão para
o docente.
Em contrapartida, desenvolver o processo formativo nessa
perspectiva inovadora que, pelas palavras de Behrens (2007), envol-
ve o cenário pessoal, social e profissional pode ser uma tarefa árdua
quando o professorado está acostumado a desenvolver a sua práxis
baseado em um modelo com o qual não tem muita afinidade com o
trabalho caracterizado pela ­coletividade.
Ao contrário do que se pensava ser o ideal há cinquenta anos,
quando cada professor era treinado/capacitado a partir de um in-
dividualismo exacerbado, a ideia do ser coletivo tem permeado os

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


27 •
trabalhos de muitos autores que percebem nesse modelo o caminho
para a resolução de situações práticas educacionais.
Assim, baseado nessa premissa, Martins (2014), acredita no
fortalecimento do trabalho em grupo, reconhecendo este como um
espaço de formação que tem a práxis como elemento de ressignifica-
ção das práticas em um processo contínuo de construção do conhe-
cimento. Ainda que seja um processo caracterizado pela lentidão,
pela resistência ou talvez da não aceitação, é imprescindível que es-
sas mudanças ocorram a fim de se adequarem às novas perspectivas
que têm caracterizado a formação docente.
Nóvoa (1995, p. 17) defende que “o anseio de todo o professor
durante os períodos de formação é ter momentos de discussão não
somente sobre sua prática, mas também sobre sua vida e sua pes-
soa compreendendo que não há como separar o ser humano e sua
profissão”. Assim, podemos perceber o quanto é importante que o
período de formação inserido no contexto da coletividade busque
oferecer espaço ao professor, considerando que dentro e fora dali há
um agente que é responsável por alimentar mudanças positivas na
escola, na sociedade e na comunidade.
Consequentemente, devemos levar em consideração que
quando se trata da formação do professor de idiomas, tratamos aqui
do aprendizado de qualquer língua estrangeira que sempre denota
as mesmas características comuns a esses professores. Conforme já
exposto, é essencial que as formações estejam baseadas numa pers-
pectiva coletiva. Sobre esse pressuposto, Nascimento (2011, p. 80)
revela que “um dos limites para o alcance das propostas de forma-
ção é que se dirigem aos professores a título individual, sem estarem
integradas num projeto coletivo ou institucional”. A coletividade se
faz importante no momento de expor os anseios, as experiências e as
dificuldades dos professores de línguas estrangeiras no Ceará, sem
deixar de lado esse ou aquele idioma.
A partir do momento em que o professor de idiomas se torna
consciente da presença necessária da formação na sua práxis, ele tam-
bém se sentirá capaz de considerá-la como objeto de pesquisa para o
seu crescimento profissional. Martins (2014) sustenta que o processo

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 28

formativo dos docentes deve favorecer um sólido conhecimento teó-


rico e cultural integrado à pesquisa. Assim, espera-se que o professor
seja um profundo conhecedor de sua área específica de atuação e uti-
lize várias estratégias de ensino para socializar os c­ onteúdos.
Segundo Zeichner (2013, p. 36), “A visão do professor, tanto
com orientação técnica quanto como profissional, deve fornecer aos
docentes as ferramentas e habilidades de que precisam para serem
eficazes no apoio à aprendizagem dos alunos”. Desse modo, o docen-
te se torna um elo entre o que é trabalhado na formação e o seu tra-
balho com os discentes, ou seja, ele tem um papel fundamental nesse
processo, rejeitando um modelo de formação no qual sua práxis não
seja o ponto de partida para qualquer tipo de reflexão/discussão.

Percurso Metodológico

O estudo é de abordagem qualitativa e foi desenvolvido com


quinze docentes de idiomas lotados no Centro Cearense de Idiomas
(CCI). Na compreensão de Bogdan e Biklen (1994), a abordagem da
pesquisa qualitativa favorece a compreensão dos comportamentos a
partir dos próprios sujeitos da pesquisa, revelando uma riqueza com
relação à pormenorização do que é investigado, com sua complexi-
dade e em seu contexto natural.
Ainda segundo os autores, a pesquisa qualitativa oportuniza
compreender o ponto de vista dos sujeitos investigados no contexto
em que estes se situam, questionando-os com vistas a apreender a
maneira pela qual “eles interpretam as suas experiências e o modo
como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (BOG-
DAN; BIKLEN, 1994, p. 51).
Buscando valorizar a subjetividade dos sujeitos participantes
da investigação, os dados foram coletados por meio de um questio-
nário on-line, composto por cinco questões abertas. Na compreensão
de Marconi e Lakatos (2003, p. 201), o questionário é “um instrumen-
to de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de per-
guntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador”.

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


29 •
Para esse estudo, o questionário foi elaborado e enviado via
Google Formulários para quinze docentes de língua estrangeira que
atuam nos Centros Cearenses de Idiomas. Ressaltamos que os parti-
cipantes também preencheram um Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, que estava na primeira parte do formulário, explican-
do sobre o objetivo da pesquisa, evidenciando que os docentes têm
total liberdade em se recusar a participar e também podem retirar
seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização
alguma.
A parte inicial do questionário nos permitiu compreender que
o grupo de participantes é formado por quinze docentes de idiomas,
sendo nove de Língua Inglesa e seis de Língua Espanhola. Há um total
de seis homens e nove mulheres. A faixa etária varia entre 26 e 48 anos,
configurando 40% do grupo entre 26 e 30 anos; 40% entre 33 e 38 anos
e 20% acima de 47 anos. Todos os docentes cursaram licenciatura no
Ceará, sendo que um deles fez o curso na modalidade de Educação a
Distância (EaD). Nove docentes estudaram em universidades estadu-
ais, cinco na Universidade Federal e um na rede privada de ensino.
Em se tratando da formação continuada, apenas um dos do-
centes não cursou pós-graduação. Um professor está concluindo o
Doutorado em Linguística; dois cursaram Mestrado; onze cursaram
Especialização, sendo cinco na área de língua estrangeira, cinco na
área de Educação/Gestão escolar e um em Língua Portuguesa. Um
dos docentes cursou duas especializações na área de Educação, sen-
do que uma delas em uma universidade na Irlanda, presencialmen-
te. Um fato intrigante é que dez docentes cursaram especializações
em instituições de ensino superior privadas.
Com relação ao tempo de magistério, há uma variação de seis
a trinta e três anos de experiência, sendo que 60% do grupo possui
entre 6 e 10 anos; 20% entre 13 e 19 anos e 20% entre 23 e 33 anos,
revelando que mais da metade dos participantes tem uma década ou
menos de docência.
Salientamos que todos os docentes atuam em cursos de idio-
mas, sendo que alguns também lecionam em escolas públicas e priva-
das. Apenas um docente revelou experiência com o Ensino Superior.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 30

Formação Continuada: um olhar a partir do Centro


Cearense de Idiomas

Inicialmente, no intuito de definir formação continuada, tre-


ze docentes externaram uma compreensão deste conceito com uma
relação direta entre formação e prática docente. Na sequência apre-
sentamos alguns excertos:
Orientação voltada para a prática e para a solução de proble-
mas reais de sala de aula. (Docente 1)
A construção de modelos reflexivos que auxiliam na supera-
ção de problemas práticos que se estabelecem no cotidiano
profissional. (Docente 15)
Para mim, é o caminho para o bom desenvolvimento da prá-
tica em sala de aula. (Docente 7)
Possibilidades de aprendizagem para uso em ambiente esco-
lar, dentro e fora de sala. (Docente 12)

Os docentes revelam a importância da formação continua-


da para o desenvolvimento profissional, reverberando no traba-
lho pedagógico realizado em sala de aula. Para tanto, compreen-
dem a necessidade de se “[...] fazer ligação entre o mundo exterior
e o que se passa no interior da sala de aula” (NASCIMENTO, 2011,
p. 73).
Dois docentes relacionaram a formação continuada com atua-
lização profissional e aquisição de conhecimentos na pós-graduação,
conforme sinalizam os excertos seguintes:
A necessidade de sempre estar se atualizando e aprendendo
novas formas de levar o conhecimento. (Docente 14)
Defino como um estudo após a graduação, por exemplo, es-
pecialização, minicursos, curso como mestrado e doutorado,
palestras, workshops, seminários... (Docente 5)

Martins (2014, p. 79) advoga que a formação contínua ultra-


passa as propostas de cursos de atualização, “materializando-se no
cotidiano da escola pela ação-reflexão-ação, considerando os sabe-

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


31 •
res e as práticas do professor, em diálogo constante com os seus pa-
res, em um equilíbrio entre teoria e prática”.
Os professores foram instados a refletir sobre as contribui-
ções das formações continuadas oferecidas pela SEDUC para o seu
trabalho como professor de idiomas do Ceará. Quatro docentes re-
ferendam por meio dos excertos a seguir alguns obstáculos que tor-
nam a formação deveras restritiva. Vejamos:
Até o momento, nenhuma. Já participei de algumas que são
extremamente teóricas. (Docente 1)
Estive em uns três encontros, mas não recebi grandes novi-
dades nem nada que viesse a refletir na melhora do meu tra-
balho. (Docente 2)
Posso dizer que as formações não acrescentaram tanto quan-
to eu pensei que acrescentaria. (Docente 4)
Palestras que ninguém compreende ou mais do mesmo!
(­Docente 5)

A formação continuada na atualidade pode ser traduzida


pelos resultados que a reflexão da práxis docente reverbera dentro
de sala de aula por meio de mudanças significativas em um contexto
que, em grande medida, mostra-se complicado. Os fatores negativos
apresentados pelos professores são dotados de culpabilidade pelo
impedimento dessas transformações, pois o formato descrito pelos
docentes “[...] não costuma ter um elevado impacto na prática de sala
de aula nem potencializa o desenvolvimento profissional” (IMBER-
NÓN, 2009, p. 32).
Uma parte do professorado apresenta fatores positivos em
relação aos encontros formativos que participaram, conforme os ex-
certos a seguir:
Contribuem com relação às possibilidades, com relação ao
material utilizado, além de oportunizar o contato com pro-
fessores de outras unidades. (Docente 6)
Oportunidades de socializar o que aprendi ao longo dos anos
e conhecer novas práticas e metodologias para assim repli-
car em minhas aulas. (Docente 7)

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 32

Alguns profissionais que foram formadores através da


Seduc serviram como inspiração para novas práticas em
sala de aula, tanto na parte lúdica quanto na tecnológica.
(­Docente 8)
Agora mesmo, no atual contexto de suspensão das aulas
presenciais, a Seduc tem feito um esforço para dar o su-
porte tecnológico aos professores para as aulas a distância.
(­Docente 9)
Parcerias entre a SEDUC, universidades e fundações através
de seu Centro de Educação a Distância (CED). (Docente 10)

Podemos afirmar que os fatores positivos apontados pelos do-


centes fazem parte de uma gama de características envolvidas por
um processo de formação que contribui para o crescimento profis-
sional dos professores de idiomas do CCI. Termos citados por eles
como “socializar, novas práticas, inspiração, suporte e parceria”
podem funcionar como o alicerce do paradigma da inovação da for-
mação que traz consigo uma perspectiva crítica, coletiva e dialógica
que se aproxima do atendimento das demandas e do protagonismo
docente.
Mediando os extremos, temos somente um dos docentes
que cita para o mesmo contexto dessa análise perspectivas positi-
vas e negativas. Vejamos: “Algumas formações foram muito boas, os
cursos propostos realmente contribuíram para o crescimento como
professora. Outras, nem tanto” (Docente 12).
Apesar de que no contexto atual a formação seja vista como
algo fundamental, ela ainda oscila entre o que era e o que se espera
dela hoje em dia e, nessa ondulação, de acordo com Imbernón (2009),
pode haver muita formação, mas pouca inovação ou, ao menos, a ino-
vação não é proporcional à formação que existe.
Vale destacar que a última fala transcrita não descreve a for-
mação com uma alcunha puramente negativa, mesmo em um mo-
mento de crítica sob essa configuração. Entre algumas formações
“muito boas” caracterizadas pelo crescimento e outras “nem tanto”,
que podem ser ditas como não muito boas ou não serviram tanto

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


33 •
assim para o crescimento do docente, concluímos que os períodos
de formação continuada no Brasil ainda passam por adaptações e
transformações com alguma frequência.
Aos docentes foi perguntado sobre quais seriam os limites/
desafios das formações continuadas oferecidas pela SEDUC. Alguns
professores citam a perspectiva temporal como um dos principais
limites/desafios. Vejamos a seguir:
Limites: frequência e duração. (Docente 11)
Tempo para participar e flexibilidade. (Docente 10)

A construção de uma consciência docente de que a formação


também pode acontecer antes e depois dos períodos formativos (for-
mação contínua) é intimamente influenciada pela qualidade e pela
continuidade temporal. Logo, “O desenvolvimento profissional ba-
seado na reflexão exige encontros periódicos e contínuos para dar
voz aos professores e assim provocar o processo individual e coletivo
de transformação” (BEHRENS, 2007, p. 454). Devemos também con-
siderar Imbernón (2009), quando esse autor afirma a importância de
prezar pela quantidade de coisas realizadas em ressonância com a
qualidade que as executamos.
Dois docentes citaram a questão da mobilidade como um dos
limites/desafios:
Para nós do interior, sempre temos que vir para Fortaleza e
às vezes é cansativo. (Docente 14)
Sou professora do interior, e acredito que o principal desafio
é juntar as equipes com mais frequência. Acredito que com
mais encontros, mais trocas e avanços seriam possíveis. (Do-
cente 6)

Dentro desse contexto, professores que lecionam em Itapi-


poca, Iguatu, Crato, Juazeiro do Norte e Crateús devem se deslocar
para Fortaleza em períodos de formação. Assim, a frequência des-
se deslocamento mesmo sendo considerada baixa devido à escassa
quantidade de encontros formativos, pode se tornar um motivo de
incômodo para os docentes.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 34

Vale ressaltar que cada CCI pode promover, para além daqui-
lo que é oferecido pela SEDUC, seus próprios encontros formativos
de modo contextualizado e considerando a realidade de onde aquele
coletivo está inserido, para que seja evitado o sentimento de rejeição
a cada viagem que os docentes que são lotados nas cidades mais dis-
tantes no interior do estado venham a realizar.
Sete professores citaram as temáticas trabalhadas como um
dos limites/desafios, de acordo com as falas transcritas a seguir:
Uso de temas repetidos, teóricos, que nada contribui para a
prática. (Docente 12)
Atender às necessidades didáticas e pedagógicas reais dos
professores no contexto de atuação das salas de aulas tanto
das escolas quanto dos CCIs. (Docente 9)
Focar em escolher profissionais especializados para oferecer
aprendizagem de qualidade significativa para uso na prática
de sala de aula. (Docente 8)
“Aceitar” algumas práticas como únicas e verdadeiras para
os nossos alunos. (Docente 7)
Oferecer uma formação que tenha mais proximidade com o
que acontece em sala de aula. (Docente 10)
Falta gente consciente da realidade de sala de aula e com
ideias realmente inovadoras e factíveis. (Docente 2)
Falta de foco é o principal desafio. O limite é conseguir se
adequar a todas as realidades. Por isso não consigo conceber
formações gerais, prefiro as específicas. (Docente 1)

As falas acima apontam que os professores conseguem en-


xergar quais os principais limites e desafios que devem ser supe-
rados para que sejam concebidas as transformações da formação
continuada. Temas que só são vistos na teoria e que são presumidos
a serem aceitos como uma única verdade e que, por consequência,
não atingem a prática docente são apontados como o quesito a ser
batido, e nos revelam também que os docentes desejam romper com
esse tipo de prática. O trabalho feito nesse formato se distancia da-
quilo que se tem por formação ideal. García (1999, p. 33) refere-se a

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


35 •
esse tipo de formação como “conservadora enciclopédica de modo a
dotar os professores de uma formação especializada, centrada prin-
cipalmente no domínio de conceitos e estrutura disciplinar da maté-
ria em que é especialista”.
Tendo a ótica baseada nas respostas acima, é revelado que,
de modo consciente ou não, os professores fazem o que Macedo
(2015) caracteriza como a valoração da formação, ou seja, os profes-
sores conseguem compreender que, de alguma perspectiva, de al-
gum ponto, nem toda aprendizagem é pertinente, e é nesse momen-
to que a formação pode começar a se estabelecer.
Os docentes foram indagados sobre a existência ou não de
partilha/discussão sobre temas complexos ou outros problemas que
envolvem o ensino de idiomas. Vejamos a fala dos professores que
responderam positivamente, mas com alguma objeção.
Sim, mas sempre dentro do escopo do momento. É difícil dis-
cutir pontos realmente relevantes. (Docente 1)
Sim, mas de forma meio terapia em grupo, pouco objetiva.
(Docente 2)
Sim, porém pouco e de uma forma desorganizada. (Docente 4)
Raramente. Quando tem, logo desvia-se do assunto.
(Docente 11)
Sim, mas em determinados tipos de formação e em momen-
tos específicos, geralmente com poucos resultados práticos
(Docente 13)
Sim. Temos sempre espaço, mesmo que pouco, para falar so-
bre nossas experiências. (Docente 14)

Toda perspectiva positiva por parte dos docentes deve ser


levada em consideração no escopo de alcançar um ponto que se
aproxime da formação ao qual este artigo caracteriza como ideal.
Mais uma vez, as falas dos docentes, em grande parte, revela-nos que
ainda estamos em desequilíbrio nesse processo. Na questão levan-
tada, os professores afirmam que têm seus momentos de partilha/
troca de experiências durante a formação, mas que os resultados em
relação à práxis não atendem às suas expectativas.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 36

O entendimento de que ouvir o professor em um ambiente


de desorganização, não objetivo e sem foco, leva-nos a refletir sobre
o que diz Imbernón (2009, p. 13), quando afirma que “[...] para além
de dar a palavra aos protagonistas da ação, eles devem ser responsa-
bilizados por sua própria formação”. Consequentemente, para que
isso ocorra, Macedo (2015) afirma que a formação deve dar abertura
à possibilidade, ao projeto, à condição da criação e da inventividade.
A maioria dos docentes, vale salientar, que participou como
um todo das mesmas formações, relatou somente fatores positivos
desses encontros, de acordo com os excertos a seguir:
A troca de conhecimentos é sempre muito importante em
uma formação continuada. (Docente 3)
Na última vez que fui, por exemplo, a quantidade de unida-
des que devem ser trabalhadas em cada módulo foi um ponto
bastante discutido. Além de um caso específico: a presença
de um aluno cego e os inúmeros desafios que sua professora
estava enfrentando para atender suas especificidades en-
quanto discente. (Docente 6)
Na verdade, abordagens de como trabalhar o idioma em sala
e como fazer para que os alunos alcancem sua aprendizagem.
(Docente 7)
Debates que vão desde a metodologia de ensino discutida até
a execução em sala de aula e sua relevância para o atual con-
texto de ensino. (Docente 10)
Sim, sempre no final há a possibilidade de compartilhar
coisas que funcionam ou não funcionam em cada CCI.
(Docente 12)
Na maioria das formações que participei, os formadores des-
tinaram espaços para que possamos relacionar as experiên-
cias práticas (positivas e negativas) com os conhecimentos
trabalhados nas palestras ou oficinas. (Docente 15)

De acordo com as falas citadas, inferimos que os dois grupos


são similares em um momento: quando citam que tiveram momen-
tos de partilha/discussão. Por outro lado, o último grupo não cita a
questão do tempo como impedimento para esse processo. Assim, a

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


37 •
troca de experiências resultou como foco principal para esse grupo
de docentes que acredita na necessidade de que haja essa modalida-
de durante os encontros formativos.
Um único docente responde negativamente. Vejamos qual
a perspectiva dele sobre o momento de partilha/discussão em mo-
mentos formativos oferecidos pela SEDUC: “Não tem. Eles nunca
deixam a gente refletir junto sobre os problemas e tentar juntos sa-
nar o problema. Você obedece à gestão e pronto” (Docente 5).
O docente aponta a característica de um modelo de forma-
ção verticalizado em que a gestão dita as regras a serem seguidas,
mas que deve entrar em desuso, esperamos, que muito brevemente.
Uma única resposta contrária a de todos os outros docentes nos leva
a perceber que talvez não estejamos tão perto do ideal, mas que já
caminhamos muito para chegar lá.
Eis a característica da formação continuada: sempre orienta-
da por múltiplos anseios e esperanças, ambos sentimentos que den-
tro do contexto atual são infinitos. A formação ideal é sustentada por
essa perspectiva e que assim como a natureza docente, em busca da
sua idealização utópica da formação através do espaço onde ela se
realiza para a prática, é algo que não se elimina e jamais chegará a
um fim. Como afirma Imbernón (2010, p. 25), “[...] sempre é bom e
necessário refletir e buscar novos caminhos que nos conduzam a no-
vos destinos”.
Por último, solicitamos aos professores que deixassem um re-
cado aos formadores de professores de idiomas. Vejamos, por meio
de alguns excertos, o teor dos recados elaborados:
Sejam menos prolixos. (Docente 1)
Sejam realistas e criativos. (Docente 2)
A realidade da sala de aula e do nosso aluno sempre tem que
ser levado em conta. (Docente 3)
Procurem dividir a formação de professores do CCI em momen-
tos nos quais os professores possam se integrar. (Docente 4)
Sejam humanos, gentis, cheios de leituras, técnicos, práticos
e saibam valorizar nossa opinião. (Docente 5)

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 38

Tenham sempre em mente as diferentes realidades dos pro-


fessores que aparecem em suas formações. (Docente 6)
Um cuidado maior com os temas que são abordados nas for-
mações. Muitos deles não colaboram e não nos ajudam nas
práticas diárias. (Docente 7)
Focar na nossa práxis é fundamental para melhorar a nossa
didática. (Docente 8)
As formações continuadas são extensões de nossas experi-
ências de ensino e aprendizagem. Por essa razão, é essencial
sua prática dentro do contexto escolar. (Docente 10)
Regularidade e continuidade das formações são essenciais.
(Docente 11)
Trazer mais ideias de como trabalhar os materiais em sala de
aula. (Docente 12)
Gostaria que analisassem os pontos limitantes da Formação
Continuada de Professores. (Docente 13)
Uma dica era levar mais ideias práticas para professores
usarem em sala de aula, claro, sempre aliado à teoria.
(Docente 14)
Os recados deixados pelos docentes apontam que, com o di-
recionamento adequado, caracterizado pelo modelo ideal para a
formação continuada, o professorado estará pronto para exercer
seu protagonismo como centro intelectual na formação docente. É
exatamente por isso que os profissionais da docência têm buscado
por períodos de formação que sejam pertinentes e capazes de “re-
percutir na aprendizagem de seus alunos e que mudem suas cren-
ças e atitudes de maneira significativa, supondo benefícios para
os estudantes e para a própria atividade docente” (­IMBERNÓN,
2010, p. 32).
De acordo com algumas expressões citadas, é nos revelado
como se dá a compreensão formativa por eles: “realismo docente,
criatividade, inovação, integração, dinamismo, praticidade, hu-
manidade e valorização dos diferentes contextos” são característi-
cas de uma formação ideal, efetiva e horizontalizada em que todos
participam de modo a contribuir para a mudança de um contexto

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


39 •
complexo. Imbernón (2010, p. 25) aconselha “[...] uma formação em
novas perspectivas, que considerem as relações entre professores,
emoções, atitudes, complexidade docente, autoformação, dentre ou-
tras”. Nessa afirmação, o autor nos leva a refletir sobre a importân-
cia de termos que remetem ao diálogo, ao coletivo, ao descobrimento
e ao empoderamento do professor no seu processo formativo como
resposta à frequente e atual busca pela modernização dos períodos
de formação ­continuada.
Sobre o modo de compreender a formação, Nóvoa (2004) cita
que a compreensão formativa é sempre uma ação de transformação.
Compreender para transformar. Para Macedo (2015), “[...] a compre-
ensão formativa deve acontecer a partir do mundo/consciência do
ser ao aprender ­formativamente”.
Finalmente, de maneira curiosa, o último docente com o úl-
timo recado aos formadores veio em forma de um agradecimento,
como nos mostra o excerto a seguir:
Deixo meu total agradecimento à Editora Edelsa e à Editora
Cambridge. Agradeço, também, aos professores da Universi-
dade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do
Ceará (UECE) que, por muitas vezes, contribuíram com as
discussões do CCI. Além disso, deixo expresso meu total cari-
nho pela Consejería de España e pela Embaixada americana
por todo empenho voluntário que tem prestado a todos que
pertencem ao Centro Cearense de Idiomas (CCI). (Docente 15)

O agradecimento às editoras, universidades, conselho de edu-


cação e embaixada nos permite avaliar a importância de parcerias
para o bom desenvolvimento da formação docente. “As parcerias são
bem-vindas para o exercício da autonomia do professor, que adqui-
re liberdade com responsabilidade, especialmente na construção
do projeto pedagógico da instituição no qual todos são envolvidos
para zelar pela aprendizagem dos alunos e de si mesmos” (BEHRENS
2007, p. 454).
A importância de (re) unir as instituições envolvidas no ensi-
no de idiomas pode auxiliar na construção de uma consciência re-

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 40

flexiva que conjeturará no desenvolvimento de projetos que tenham


resultados positivos para todos os envolvidos na formação.

Considerações finais

De acordo com as nossas intenções de texto, avaliamos como


significativo que os professores do Centro Cearense de Idiomas se-
jam em si mesmos, no que concerne aos seus anseios, expressos por
meios de afirmações e negações, uma oportunidade que se apresenta
em um contorno similar ao que é a formação docente no Brasil atual-
mente: hesitante, mas em busca do formato ideal para esse contexto
histórico. Essa é uma oportunidade que deve ser encarada como for-
ça e destreza para que uma formação caracterizada pela valorização
da reflexão da práxis docente permeada pelo embasamento teórico
seja alcançada com sucesso.
O ensino de idiomas, com a chegada e afirmação do CCI no
Ceará, deve estabelecer vínculos entre os períodos de formação, a
sala de aula e o mundo globalizado, ao qual fazemos parte, ou então
o aprendizado de um novo idioma não terá plenitude em sua função.
Consequentemente, a formação continuada deve oferecer ao
professor momentos e espaços para discutir e entender a realida-
de que o cerca. Esse espaço, estruturado em uma proposta pode se
tornar algo praticável e inspirador, levando em conta os professores
como centro intelectual da formação. Assim, docentes concebendo
e transformando as formações poderão finalmente experimentar o
protagonismo. Isso implica, em síntese, a responsabilidade, os fatos
e as consequências do enfraquecimento dos processos pedagógicos
quando/se houver a falta do diálogo partilhado mais coeso e coeren-
te dentro da formação.
Para concluir, é de suma importância que os profissionais
envolvidos com os encontros formativos devam se predispor a criar
um vínculo com esse momento mais recente e mais importante do
ensino de línguas no Ceará. Com a chegada de novos modelos didá-
ticos no que se refere à rede estadual em relação ao aprendizado de

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


41 •
idiomas, deverão surgir alterações referentes ao comportamento de
gestores, professores e alunos, no que poderá resultar, assim deseja-
mos, em uma práxis diferenciada e qualificada.

Referências

BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma da complexidade na for-


mação e no desenvolvimento profissional de professores universitá-
rios. Educação. Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p. 439-455, set./
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ção: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora,
1994.
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de 20 de dezembro de 1996. Ministério da Educação. Brasília, 1996.
CANDAU, Vera Maria. (Org.). Formação continuada de professores:
tendências atuais. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vo-
zes, 1997.
GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores: para uma mu-
dança educativa. Trad. Isabel Narciso. Porto: Porto, Editora. 1999.
IMBERNÓN, Francisco. Formação permanente do professorado: no-
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IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto
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curricular: a formação de professores como re-existência. Revista
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MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos
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MARIN, Alda Junqueira. Educação continuada: introdução a uma
análise de termos e concepções. Cadernos Cedes 36, Educação Con-
tinuada, 1995, p. 13-20.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UM OLHAR A PARTIR DO CENTRO CEARENSE DE IDIOMAS
• 42

MARTINS, Elcimar Simão. Formação contínua e práticas de leitura: o


olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental. 2014. Tese
(doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.
NASCIMENTO, Maria das Graças. A formação continuada dos pro-
fessores: modelos, dimensões e problemática. In: CANDAU, Vera
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NÓVOA, António. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Qui-
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NÓVOA, António. Prefácio. In: ABRAHÃO, M. H. M. B. (org). História
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cação rio-grandense. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 7-12.
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teóricos e saberes práticos. São Paulo: EdUNESP: São Paulo: Cultura
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ZEICHNER, Kenneth Políticas de formação de professores nos Esta-
dos Unidos: como e porque elas afetam vários países do mundo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2013.

CARLOS HENRIQUE ANDRADE DE SOUSA | ELCIMAR SIMÃO MARTINS


43 •
FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE
PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório
Petrônio Cavalcante
Francione Charapa Alves
Maria Socorro Lucena Lima
Igor de Moraes Paim

Introdução

N o final do século XX, surgiu o movimento da escola inclu-


siva. Nesse momento em que a escola passa a ter função de ensinar
a todos os alunos é que a Educação Inclusiva, o tema toma força nas
discussões, adentrando nas escolas e influenciando sobre as concep-
ções que os docentes tinham sobre Educação Especial. As declara-
ções mais comuns no período eram de que os docentes não se sen-
tiam preparados para acolher o aluno e ensiná-lo em salas de aula
regulares. Apesar dos avanços, como a criação de dispositivos legais
e de políticas públicas nas últimas décadas, ainda assim, o mesmo
discurso é frequente.
Nesse sentido, tanto os dispositivos legais quanto as políticas
públicas foram um avanço para a educação, principalmente para
aqueles que historicamente sofreram negligência e exclusão no pro-
cesso educativo. Diante desse fato, surgiu a preocupação com a for-
mação continuada docente para a Educação Especial.
De acordo com os registros da Secretaria Municipal de Edu-
cação de Fortaleza (SME), existem atualmente 7.828 alunos conside-
rados público-alvo da Educação Especial “[...] estudantes com defici-
ência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação nas escolas regulares [...]”. (BRASIL, 2008, p. 10) e que

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 44

são acompanhados pelo Atendimento Educacional Especializado


(AEE) da rede municipal de ensino, seja nas 179 Salas de Recursos
Multifuncionais (SRM), nas cinco instituições conveniadas à prefei-
tura (APAE, Recanto Psicopedagógico, Centro de Integração social,
Instituto Fillipo Smaldone, Pestalozzi do Ceará), ou por meio de prá-
ticas pedagógicas inclusivas em sala de aula regular (CEARÁ, 2019).
Diante do exposto, problematizamos neste estudo: o que a
escola e, principalmente, os docentes precisam conhecer para que
os alunos considerados público-alvo da Educação Especial sejam in-
cluídos efetivamente no processo educativo e nas atividades desen-
volvidas no espaço escolar, especificamente em sala de aula regular?
Os docentes sentem-se preparados para atender aos alunos conside-
rados público-alvo da Educação Especial apenas com a formação ini-
cial? Qual o papel da formação continuada no processo de inclusão
desses alunos? A partir dessas questões, surgiu a seguinte pergunta
norteadora: a SME do município de Fortaleza promove formação
continuada para que os docentes que atuam em sala de aula regular
possam atender aos alunos público-alvo da Educação Especial?
Diante dessa problemática, o objetivo geral desenhou-se da
seguinte forma: investigar se a SME do município de Fortaleza pro-
move formação continuada para que os docentes que atuam em sala
de aula regular possam atender aos alunos público-alvo da Educação
Especial.
O estudo enquadra-se na abordagem qualitativa, de caráter
exploratório, do tipo bibliográfico, fundamentado em Lima (2001),
Mantoan (2006) e Rodrigues (2006); para a fundamentação metodo-
lógica do estudo de caso utilizamos o aporte de Yin (2005) e Minayo
(2010), utilizando-se do questionário aberto e fechado, tendo como
sujeitos 20 (vinte) docentes da sala de aula regular que lecionam nos
anos iniciais do Ensino Fundamental em duas escolas municipais de
Fortaleza-CE.
Sendo assim, acreditamos que a formação continuada docen-
te se constitui como um importante espaço formativo para refletir
sobre a temática da Educação Especial na perspectiva inclusiva den-
tro das escolas, criando oportunidades e ambientes qualitativamen-

FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO | PETRÔNIO CAVALCANTE |FRANCIONE CHARAPA ALVES
MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
45 •
te diferenciados com o acompanhamento desses alunos, utilizando
estratégias de aprendizagem e de acessibilidade que busquem elimi-
nar barreiras no processo de inclusão nos espaços que envolvam a
aprendizagem.
Posto isso, esta pesquisa, além da introdução, apresenta re-
ferencial teórico que discute sobre a formação continuada docente
para a Educação Especial na perspectiva inclusiva, assim como a me-
todologia, a discussão dos resultados e a conclusão.

Educação especial: contexto histórico e legislação

A história nos mostra por meio de diferentes registros a exis-


tência de sujeitos com deficiência e suas adversidades como: “[...]
maus tratos, supertições, exclusões e de atitudes segregadoras”
(FIGUEIREDO, 2010, p. 25). Este fato atravessou a Idade Antiga até
a Idade Moderna e, somente com o avanço científico, as deficiências
foram estudadas e esclarecidas na segunda metade do século XX,
rompendo, assim, com a visão mística entre o bem e o mal.
De acordo com Mazzotta (2005), acredita-se que no Brasil o
marco histórico da Educação Especial foi em 1854, ano em que foi
fundada por D. Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira es-
cola especial, “O Imperial Instituto dos Meninos Cegos”, e em 1857,
também no Rio de Janeiro, “O Imperial Instituto dos Meninos Sur-
dos-Mudos”. Cem anos após a sua fundação, a escola passaria a deno-
minar-se: “Instituto Nacional de Educação de Surdos-INES”. Assim,
na década de 1970, surge o movimento denomindado Filososfia da
Integração em Educação Especial, que defende a inclusão de pessoas
com deficiência no sistema regular de ensino (MAGALHÃES, 2002).
Ademais, esse movimento, conhecido como paradigma da
integração, perdurou na educação brasilera por aproximadamen-
te 30 anos, apresentando as seguintes características: “[...] a escola
não mudou nem se transformou para receber esses alunos; o aluno
deveria se adaptar às regras e às normas da instituição” (GOMES et
al., 2016, p. 19). Na integração, cabia ao sujeito adaptar-se às normas

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 46

vivenciadas por todos das escolas regulares, em sala comum ou em


sala especial, e ainda em escolas ou instituições especializadas.
Podemos inferir que as principais tendências que orientavam
a prática educacional da Educação Especial eram: a normalização,
divulgada a partir de 1950, a integração, de 1970, e a inclusão, de 1975,
todas tendo como objetivo direcionar o atendimento ao aluno com
Necessidades Educativas Especiais (NEE) (BORGES et al., 2012). Des-
tarte, em 1975, surge nos Estados Unidos, em oposição às políticas in-
tegracionistas, a Educação Inclusiva, visando responder às necessi-
dades pedagógicas de todos os alunos de forma mais sistemática, no
mesmo contexto, por meio de atividades comuns, porém adaptadas.
No Brasil, esse paradigma surgiu na década de 1990.
Figueiredo (2010, p. 29) afirma que “[...] no início da década de
1990, o movimento em prol da Educação Inclusiva, iniciado nos anos
1980 na Educação Básica, ganhou amplitude e destaque no cenário
educacional”. Portanto, a Educação Especial passa a determinar a
educação inclusiva que, objetivando acesso e permanência, não ape-
nas para os deficientes, mas para todos os alunos, desde o começo da
escolaridade.
Sendo assim, a partir da amplitude que ganha no ensino bási-
co, a Educação Especial ressignifica sua função de ação, trabalhando
de forma colaborativa com o ensino regular, apoiando de maneira
especializada as escolas, os docentes e as famílias. Assim, a Educa-
ção Especial “passa a ser um braço da educação regular, apoiando
as escolas e os professores no processo de inclusão de seus alunos”
(GOMES et al., 2016, p. 19).
Diante da ressignificação do papel da Educação Especial, é im-
perativo discorrer sobre alguns marcos das políticas educacionais
que, com sua legislação, determinam os direitos, deveres, metas e
ações, com o intuito de promover a inclusão na escola regular dos
sujeitos com deficência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/ superdotação.
Isto posto, de acordo com Gomes et al. (2016), destacamos
como marco internacional no que se refere à Educação Especial:

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MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
47 •
[...] a Conferência Mundial sobre Educação para Todos: satis-
fação das necessidades básicas de aprendizagem, em Jontiem,
Tailândia, no ano de 1990; Conferência Mundial sobre Neces-
sidades Educativas Especiais: acesso e qualidade, que culmina
com a Declaração de Salamanca, na qual o país se compromete
em instituir uma educação que atenda a todos, independente
de suas necessidades. E […] a Convenção sobre os direitos das
Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006 e ratifi-
cada pelo Brasil em 2008 (GOMES et al., 2016, p. 19).

A partir desses importantes eventos e dos documentos assina-


dos pelos países participantes houve a elaboração e inserção de polí-
ticas públicas para os sujeitos da Educação Especial, possibilitando
a criação de legislação para implementar os princípios inclusivos
difundidos mundialmente.
Para Gomes et al. (2016), em relação à garantia de direito à
inclusão dos alunos público-alvo da Educação Especial, na última
década tivemos significativas contribuições legais no Brasil, a saber:
[...] (i) Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
Inclusiva de 2008, em que é proposto o Atendimento Educa-
cional Especializado (AEE);
(ii) Resolução 04/2009, que institui diretrizes operacionais
para o AEE, defindo-o, seu público-alvo, a formação e atri-
buição do p ­ rofessor;
(iii) Resolução 04/2010, que define diretrizes curriculares
nacionais gerais para a educação básica;
(iv) Lei nº 13.005, homologada em 2014, que institui o Plano
Nacional de Educação (PNE);
(v) Lei n 13.146 de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclu-
são da Pessoa com Deficiência (Estatuto das Pessoas com De-
ficiência). (GOMES et al., 2016, p. 21).

Enfim, os documentos legais ratificam a Educação Inclusiva


como promotora de igualdade no processo de ensino e de aprendi-
zagem, por meio de instituições de ensino mais justas, assim como
norteiam os percursos de busca por direitos a uma educação com
qualidade e equidade para todos.

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 48

Formação Continuada Docente para a Educação Especial


na perspectiva inclusiva: algumas considerações

Inicialmente, é relevante contextualizar sobre o currículo


atual do curso de graduação em Pedagogia para refletir sobre o lu-
gar da Educação Especial no processo de formação inicial; por isso,
tomamos, por exemplo, a matriz curricular da Universidade Fede-
ral do Ceará (UFC). Observa-se que nela existe a disciplina Educação
Especial, na qual se estudam “Integração, Inclusão, Legislação, Polí-
tica, Serviços do AEE, Serviço de Intérprete, Braile e Atendimento
Hospitalar/Domiciliar”. Contudo, no currículo, disciplinas significa-
tivas como “Educação Inclusiva, Psicopedagogia, Psicomotricidade,
Atendimento hospitalar/domiciliar, discussão sobre práticas peda-
gógicas inclusivas e flexibilização de atividades” são optativas, o que
nos levou à reflexão sobre a repercussão desse fato na formação e na
atuação dos professores nas escolas e, por conseguinte, na aprendi-
zagem e no desenvolvimento de todos os alunos. Portanto, discorrer
sobre formação continuada docente para a Educação Especial é uma
concepção para a melhoria na qualidade do ensino que será ofertado
para todos os alunos, além de ser uma reflexão sobre o real significa-
do da prática pedagógica.
Nesse sentido, a formação continuada docente para a Educa-
ção Especial se relaciona com as demandas educacionais mundiais
que mudam constantemente e que, devido a estas mudanças, talvez
o avanço de alguns docentes que nesse momento necessitam de aju-
da seja impossibilitado, sendo que este pode acontecer na própria
escola. Contudo, este apoio não inviabiliza a atuação do governo no
sentido de proporcionar os investimentos necessários à educação e,
neste caso, especificamente à formação d ­ ocente.
Ademais, quando se tem uma formação que leva em conta
a realidade do docente, ou seja, centrada na vida pedagógica des-
te profissional, as mudanças na postura deste serão significativas,
pois ensinar requer um processo constante de reflexão. Logo, fa-
z-se necessária uma formação continuada, tanto do professor da
sala de aula regular quanto de AEE, que possibilite a reflexão so-

FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO | PETRÔNIO CAVALCANTE |FRANCIONE CHARAPA ALVES
MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
49 •
bre sua ação teórico-prática, pautada pela construção de um pro-
fissional pesquisador de sua prática e que reflita sobre sua ação
(­PIMENTA, 2012).
Segundo Rodrigues (2006, p. 307), “[...] o desenvolvimento de
competências para a Educação Inclusiva, ainda que possa ter uma
fase de sensibilização na formação inicial, só poderá ser plenamente
assumido ao longo de uma prática em serviço”. Ou seja, o autor de-
fende que não são apenas os cursos que ao final certificam, compro-
vando a capacidade como um “docente inclusivo” que são relevantes
para a atuação deste profissional, mas é igualmente importante que
haja a formação na escola, a troca de experiências e saberes entre os
pares, para que reflita em mudanças de postura e atitudes no traba-
lho docente.
Em vista disso, a escola constitui-se como um espaço impor-
tante para a formação continuada acontecer, pois é nela que ocorre
o processo educativo, assim como é considerada o ponto de partida
e de chegada da formação continuada. De acordo com Lima (2001,
p. 15), a escola trata “[...] da análise das práticas com a mediação da
teoria, que pode ser feita na escola ou a partir dela, porque é aí que
o professor trabalha e pode realizar o seu desenvolvimento profis-
sional”. Com isso, a partir das vivências e saberes pedagógicos dos
docentes, é possível dialogar e compreender as teorias, buscando
caminhos para atender a todos os alunos.
Tardif (2010) aponta para que os pesquisadores compreendam
os saberes docentes com o contexto do trabalho, buscando englobar
o saber dos professores concernente à história profissional e à iden-
tidade deles, ou seja, com suas experiências de vida, produzidas na
escola. Assim, compreende-se que a docência é, antes de tudo, uma
profissão das relações humanas e, portanto, fortemente marcada
pela diversidade de aspectos relacionados ao ser humano.
Outrossim, Mantoan (2006, p. 54) afirma que “ensinar na
perspectiva inclusiva, significa ressiginificar o papel do professor,
da escola, da educação e de práticas pedagógicas que são usuais
no contexto excludente do nosso ensino, em todos os seus níveis”.

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 50

Sabendo-se que os alunos público-alvo da Educação Especial estão


presentes em todos os níveis e modalidades da educação, a formação
continuada necessita estar coerente e coesa com a política educacio-
nal vigente, a qual declara que todos os alunos devem ser recebidos
nas escolas.
Nesse sentido, a formação continuada é primordial para que
a inclusão seja efetivada realmente na prática, transformando o ce-
nário atual da educação especial, deixando de lado os preconceitos e
trabalhando com a diferença no contexto escolar para, assim, possi-
bilitar o acesso de todos os alunos ao conhecimento.

Metodologia

Apoiamo-nos na abordagem qualitativa, de caráter explora-


tório, pois esta, segundo Minayo (2010), trabalha com um universo
de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. A
pesquisa está inserida em um estudo de caso que representa uma
investigação empírica e compreende um método abrangente, com a
coerência do planejamento, da coleta e da análise de dados. Confor-
me Yin (2005):
O estudo de caso é uma investigação empírica que investiga
um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da
“vida real” adequado quando as circunstâncias são comple-
xas e podem mudar, quando as condições que dizem respeito
não foram encontradas antes, quando as situações são alta-
mente politizadas e onde existem muitos interessados (YIN,
2005, p. 32).

Como procedimento de coleta de dados, optamos por utilizar


um questionário contendo perguntas abertas e fechadas, com vinte
docentes atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede
municipal de Fortaleza. Para análise dos dados, utilizamos a análise
de conteúdo temática proposta por Bardin (2011).

FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO | PETRÔNIO CAVALCANTE |FRANCIONE CHARAPA ALVES
MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
51 •
Achados e análises: o que pensam os professores da
sala de aula regular sobre a formação continuada na
perspectiva inclusiva?

Com o intuito de investigar se a SME do município de Forta-


leza promove formação continuada para que os docentes que atuam
em sala de aula regular possam atender aos alunos público-alvo da
Educação, realizamos um questionário com vinte professores atu-
antes nos anos iniciais do Ensino Fundamental, dos quais todos res-
ponderam.
Inicialmente, observamos os dados referentes à formação
inicial, à formação continuada e tempo de experiência na docência,
com o objetivo de traçar um perfil dos sujeitos entrevistados. Após
esse momento, adentramos em nosso objetivo.
Esses dados nos revelam que, dos professores que responde-
ram à pesquisa, vinte (100%) possuem formação inicial em Pedago-
gia; nesse sentido, a SME cumpre com aquilo que estabelece as Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394/96. Vejamos o que
diz o Art 62:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-
-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admiti-
da, como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fun-
damental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal
(BRASIL, 2017)1.

Portanto, o Pedagogo leciona nos anos iniciais do Ensino Fun-


damental, que corresponde aos primeiros cinco anos da Educação
Básica. É muito importante que essa lei seja cumprida, pois o Peda-
gogo é formando com subsídios teóricos, práticos, pedagógicos e me-
todológicos para atender esse público. Porém, este profissional pode
atuar em outras áreas, como, por exemplo, em empresas privadas.
No que se refere à formação continuada, observamos que de-
zessete docentes são especialistas, dois fizeram graduação e somen-
1 Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017.

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 52

te um cursou mestrado. Esses dados nos mostram que a maioria são


profissionais preocupados com o seu crescimento profissional, bus-
cando aperfeiçoamento para aprimorar o trabalho docente.
Por outro lado, esses mesmos dados nos fazem levantar a
seguinte reflexão: por que os dezessete docentes não conseguiram
ainda avançar em seus estudos para cursar Mestrado ou Doutora-
do? Pois, como vimos, apenas um profissional teve acesso ao nível
de Mestrado, ou seja, a formação para professores em nível de Mes-
trado e Doutorado ainda está em um processo lento e nem todos os
profissionais têm acesso a este grau de formação, visto que o número
de vagas ofertadas pelas universidades públicas não atendem à de-
manda de procura dos professores. Conforme a lei nº 9394/96, no
Parágrafo Único do Art. 62, estabelece:
Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os
profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou
em instituições de educação básica e superior, incluindo cur-
sos de educação profissional, cursos superiores de graduação
plena ou tecnológicos e de pós-graduação (BRASIL, 2013)2.

Observa-se que, nesse dispositivo, a formação continuada


para profissionais que atuam na educação básica e superior é direi-
to de todos os professores. Porém, os dados do INEP (2017) mostram
que no Brasil 128,4 mil têm Mestrado e 143,4 mil têm Doutorado, de
um universo de mais de 2,5 milhões de professores.
Sendo assim, quando perguntamos aos professores o que com-
preendem pelo termo “formação continuada”, obtivemos as seguintes
respostas:
Um processo que aprimora e auxilia o professor de forma
contínua os conhecimentos e o atualiza para as novas pers-
pectivas educacionais (Professor 1);
Uma formação que anda concomitante com o trabalho do
professor, acontecendo no mesmo momento que o trabalho
pedagógico, sendo suporte para o mesmo (Professor 11);

2 Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013.

FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO | PETRÔNIO CAVALCANTE |FRANCIONE CHARAPA ALVES
MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
53 •
Momento de encontro de profissionais, onde se estabelece
uma troca de experiências, para melhorar sua prática peda-
gógica (Professor 19).

Com base nas falas dos professores, podemos concluir que


eles compreendem o que significa o termo formação continuada de
professores, sendo um momento formativo que aprimora os conhe-
cimentos teóricos e práticos, tendo o seu próprio ambiente de traba-
lho, no caso a escola, como um espaço significativo para acontecer a
formação continuada, uma vez que possibilita reunir os professores
para discutir questões relacionadas ao ensino e à aprendizagens dos
alunos. Somente um dos professores entende que a formação conti-
nuada tem início na graduação, que é a formação i­ nicial.
É a formação que se inicia na graduação e continua em seu
ambiente de trabalho, em que se consideram as carências e
necessidades do público em questão (Professor 6).

Apesar de os professores compreenderem a importância da


formação continuada e desejarem que elas aconteçam para melhorar
o seu trabalho docente, ao serem questionados sobre esta formação
na rede municipal de Fortaleza, todos os nossos interlocutores dis-
seram não existir formação continuada sobre a temática Educação
Especial no município para quem está lotado em sala de aula regular.
Essas formações acontecem, mas apenas para os professores lotados
em SRM. Compreendemos que essa questão é grave, uma vez que os
professores de sala de aula regular são os profissionais que mais têm
contato com as crianças, público do AEE, visto que esses alunos pas-
sam quatro horas diárias, em média, na sala de aula regular.
Sendo assim, entendemos que a formação continuada viabi-
lizaria a melhoria significativa para o desenvolvimento do trabalho
dos professores da sala de aula regular, uma vez que essa forma-
ção lhes possibilitaria reflexão sobre e para o seu trabalho pedagó-
gico a partir das problemáticas vivenciadas dentro da sala de aula
(SCHÖN,1992; LIMA, 2001). Logo, oferecer formação continuada
para os professores significaria oportunizar novas perspectivas para
o desenvolvimento de um trabalho docente democrático e inclusivo,

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 54

respeitando, assim, os diferentes níveis de aprendizagens que há na


da sala de aula.
Desta forma, a formação continuada de professores, segun-
do Borges et al. (2012, p. 8) deve “[...] merecer atenção especial, pois
muitas vezes, a rejeição dos professores quanto a ideia de inclusão se
dá justamente por eles não se sentirem preparados para enfrentar
o grande “desafio”, que seria trabalhar com alunos público-alvo da
Educação Especial”. Logo, enquanto esses professores se sentirem
também excluídos do processo de conhecimento, da formação em si,
a tendência é que não consigam incluir o seu aluno nas atividades
propostas dentro de sala de aula regular.
Ademais, segundo dados do Censo Escolar (2019), divulgado
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), nos últimos cinco anos, de 2014 a 2018, o número de
matrículas de estudantes público-alvo da Educação Especial cresceu
33,2% em todo o país, ou seja, a cada ano o número de alunos é cada
vez maior nas escolas do Brasil.
Do mesmo modo, quando partimos para o contexto local, ou
seja, o município de Fortaleza, especificamente a realidade dos pro-
fessores participantes dessa pesquisa, os dados evidenciam que de-
zesseis professores têm alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Diante dessa realidade, da presença desse público nas escolas,
o que de fato é direito de todas as crianças, conforme as contribui-
ções legais da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) de 1996, assim como de outros documentos
legais, citados anteriormente neste texto, questionamos aos profes-
sores: Como você trabalha com esses alunos público-alvo da Educação
Especial?
Busco realizar atividades que os incluam para explorar suas
potencialidades e inclusão. Exploro também atividades lúdi-
cas (Professor 1);
Através de atividades diferenciadas, para que possa atender
às necessidades deles, auxiliando no seu processo de apren-
dizagem (Professor 5);

FRANCISCA JANAINA DANTAS GALVÃO OZÓRIO | PETRÔNIO CAVALCANTE |FRANCIONE CHARAPA ALVES
MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
55 •
Participam de todas as ações que envolvem o coletivo. Quan-
do são atividades individuais, faço atendimento individuali-
zado para auxiliá-los (Professor 11);
Tento me desdobrar para dar conta de ensinar os conteúdos
dos ditos “normais” e realizar algum tipo de trabalho com os
especiais (Professor 13);
Com muita dificuldade, pois necessitam de acompanhamen-
to mais individualizado e específico, de acordo com suas
especificidades. Faço planejamento comum, porém elaboro
atividades diferentes das demais para estes alunos (Profes-
sor 15);
Com muita dificuldade: sem formação adequada, sem mate-
rial pedagógico (Professor 20).

Diante das respostas, inferimos que, apesar da formação con-


tinuada não ocorrer para os professores da sala de aula regular, estes
tentam realizar o trabalho de inclusão a partir de seus esforços indi-
viduais, relacionados, muitas vezes, ao compromisso, à responsabi-
lidade e à ética que o educador possui, mas que não é o suficiente e
tampouco o ideal, pois esses profissionais necessitam e têm direito
à formação continuada que redimensione sua prática pedagógica,
com uma metodologia interdisciplinar e criativa, “[...] dentro de uma
visão de trabalho que se oriente numa nova concepção de educação
que comungue com os novos paradigmas educacionais, pautada pe-
los princípios da equidade na educação e da inclusão” (BORGES et
al., 2012, p. 8).

Considerações finais

Esta pesquisa buscou investigar se a SME do município de


Fortaleza promove formação continuada para que os professores
que atuam em sala de aula regular possam atuar com os alunos pú-
blico-alvo da Educação Especial. No entanto, em um primeiro mo-
mento, buscamos conhecer quem são esses professores. Os dados
desta investigação evidenciaram que: os professores compreendem
a importância da formação continuada para sua prática pedagógica;

FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA INCLUSIVA: O QUE PENSAM OS DOCENTES DA SALA DE AULA REGULAR?
• 56

a SME do município de Fortaleza atualmente não oferta formação


continuada para os professores da sala de aula regular, embora es-
tes possuam alunos público-alvo da Educação Especial; os docentes
tentam trabalhar com esses alunos com atividades diferenciadas,
mesmo sem formação e recursos adequados.
Dessa forma, para que a inclusão educacional aconteça,
é fundamental que a escola seja redesenhada, com reestrutura-
ção do espaço, do tempo, da prática pedagógica, aperfeiçoamento
contínuo de professores para saberem trabalhar de forma diversi-
ficada em sala de aula, condições de trabalho e valorização desses
profissionais, considerando a diversidade de ritmos e habilidades
dos estudantes, valorizando a riqueza das diferenças humanas, co-
laborando para a construção de uma sociedade menos excludente e
mais justa.
Diante desse diálogo, esperamos que estas reflexões sirvam
para compreensão da importância da formação, seja inicial ou conti-
nuada, que proporcione aos professores autoconhecimento, assimi-
lação sobre sua profissão, atenção e atualização para o ensino inclu-
sivo, no qual será fundamental para inclusão, permanência e acesso
de todos os alunos, para um aprendizado centrado no estudante,
assim como para práticas pedagógicas inclusivas.

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MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
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MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | IGOR DE MORAES PAIM
59 •
FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES
PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Ana Lúcia Ferreira Pitombeira
Emanoel Rodrigues Almeida
Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite

Introdução

N as últimas décadas, devido aos financiamentos e exigên-


cias das organizações que financiam o mercado financeiro e con-
sequentemente a educação, esta passou a ser vista sobre o enfoque
neoliberalista, passando a adotar em seus sistemas educacionais
conceitos empresariais como a qualidade, competitividade e exce-
lência. Os grandes grupos empresariais influenciam nas políticas
educacionais, estas impregnadas de conceitos neoliberais, com o in-
tuito de formar cidadãos/trabalhadores para o mercado de trabalho
com uma postura autônoma, polivalente, criativa etc. Esses grupos,
exigem também novas posturas, levando em consideração os seus
interesses econômicos; por isso, estimulam modelos avaliativos que
fortalecem a competitividade, considerando-se os fatores sociais e
econômicos dos estudantes que participam dessas avaliações.
Partindo dessa conjuntura, o estado do Ceará vem avaliando
os estudantes dos 2º anos das escolas públicas de todos os municí-
pios por meio do Sistema Permanente de Avaliação da Educação
Básica (SPAECE). No caso dos 2° anos chama-se SPACE – ALFA, que
consiste numa avaliação anual, externa e censitária, para identificar
e analisar o nível de proficiência em leitura dos alunos do 2º ano do
Ensino Fundamental das escolas da Rede Pública (estaduais e mu-
nicipais), possibilitando construir um indicador de qualidade sobre
a habilidade em leitura de cada aluno, o qual permite estabelecer
comparações com os resultados das avaliações realizadas pelos mu-

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 60

nicípios e pelo Governo Federal (Provinha Brasil). O SPAECE – ALFA


surgiu como um instrumento de verificação do processo de alfabe-
tização das crianças nos primeiros anos de escolaridade, expressa
pelo Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC).
Diante dessa realidade o município de Fortaleza passou a in-
vestir esforços para que os alunos da rede municipal obtivessem me-
lhor desempenho nestas avaliações externas; nas edições anteriores
da atual gestão municipal, o desempenho dos alunos demostravam
que estes não estavam se alfabetizando na idade certa, pois o muni-
cípio não alcançava o nível de alfabetização desejado. Vislumbrando
a melhoria no processo de alfabetização dos alunos, a Secretaria de
Educação tomou várias medidas que visam alfabetizar os alunos na
idade certa; entre essas medidas está o acompanhamento e forma-
ção continuada dos gestores e professores que atuam nessas turmas.
Nesta formação se destaca também a intervenção das formadoras
dos professores nas instituições de ensino quando necessário, com
base nos indicadores do rendimento escolar.
Nesse contexto, o estudo visou analisar a percepção das pro-
fessoras, do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública
municipal de Fortaleza em relação à formação ofertada, como tam-
bém as intervenções pedagógicas realizadas por formadoras da rede
de ensino. Para tanto, a metodologia utilizada foi na vertente qua-
litativa, por meio de um estudo de caso, por meio da observação e
da aplicação de questionários com as professoras como técnica para
coletar os dados. Este estudo discorreu sobre as percepções das do-
centes diante dessa metodologia de intervenção adotada pela equipe
de formação da Secretaria de Educação de Fortaleza, mais precisa-
mente pela Equipe de Formação do Distrito de Educação V.
Visto que a formação e a intervenção pedagógica realizadas
pelas formadoras com as professoras se destinaram ao trabalho com
os alunos, estas transcorreram buscando a interação, de forma arti-
culada entre ambos, com o intuito de fortalecer o processo de apren-
dizagem dos discentes pela reflexão das docentes e das formadoras.
Este processo oportunizou a articulação de ações teoria com a vivên-

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
61 •
cia prática e vice-versa, contribuindo para a práxis dos profissionais
envolvidos.

Formadores e professores

As políticas educacionais voltadas para a formação continua-


da dos professores, adotadas pela Secretaria Municipal de Educação
de Fortaleza, convergem com as políticas educacionais nacionais e
internacionais, que, nas últimas décadas, investem em projetos de
formação docente. Segue o direcionamento do Governo Estadual
do Ceará por intermédio do Programa Alfabetização na Idade Certa
(PAIC), que tem como foco a alfabetização dos alunos. Para alcançar
essa meta, o programa está distribuído em cinco eixos: avaliação ex-
terna, apoio à gestão da educação municipal, gestão pedagógica da
alfabetização, educação infantil e formação do(a) leitor(a).
Em 2007, o PAIC estabeleceu a meta de alfabetizar todos os
alunos da rede pública de ensino até os 7 anos de idade; para tanto,
o Programa elaborou políticas de gerenciamento do sistema escolar,
de melhoria da estrutura, de organização da rotina escolar e estra-
tégias de formação continuada, visando formar o(a) professor(a)
em duas dimensões: uma focada em metodologias de alfabetização
e a outra perspectiva direcionada à formação do(a) professor(a) lei-
tor(a), agregando a essas iniciativas políticas de incentivo e avaliação
de desempenho docente.
A partir de 2008, o Programa de Formação Contínua e Per-
manente para professores atuantes na Educação Infantil e nas
séries iniciais passou as compor o PAIC, com o objetivo de formar
os educadores para dinamização do acervo de literatura infantil e
formação leitora. O município de Fortaleza faz parte dos que parti-
cipam do Programa; sendo assim, adota suas políticas de formação
­continuada.
Essas ações são positivas, mas é necessário verificar se são im-
plementadas satisfatoriamente, como afirma Gatti (2011, p. 29):
[...] São, no entanto, sinalizações positivas na direção de
equalizar oportunidades formativas, de carreira e salário

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 62

para esses profissionais, bem como oferecer a eles qualifica-


ção profissional, esperando-se efeitos positivos na qualidade
da educação oferecida pelas escolas públicas e na atenção
às crianças e jovens. No entanto, faz-se necessário verificar
como essas iniciativas que agora se implementam são postas
em ação, com o objetivo de prover continuidades ou redire-
cionamentos. Sua eficácia como política social e educacional
necessita de análise mais acurada.

É nessa linha de pensamento, de verificar e analisar a imple-


mentação das ações formativas de professor em exercício, bem de
como estas contribuem significativamente no desenvolvimento do
seu saber da experiência, pelo processo de interação entre a forma-
ção continuada e a realidade do professor em sala de aula que este
estudo se alicerça.
Nesse sentido, concordamos com Lima (2001), quanto ao que
se refere à formação continuada para professores no Brasil, não só
como um processo, mas como um direito e um dever dos profissio-
nais que atuam na educação. No entanto, ela nos chama a atenção
para dar respostas às políticas de resultados ao longo das últimas
décadas, posto que as equipes escolares têm experimentado certo
retorno aos princípios tecnicistas, que reduzem o docente à condu-
ção de executor de planos e atividades formulados por equipes de
especialistas (LIMA. 2001).
Percebemos que esse modelo de formação é também aborda-
do no município de Fortaleza, pois a Secretaria de Educação tam-
bém disponibiliza da formação pelo Sistema Educacional Família e
Escola (SEFE), do Instituto Unibrasil, cujo objetivo está estritamente
relacionado ao plano de atingir metas em avaliações externas. Esse
sistema de ensino fornece material didático apostilado, formação de
professores e consultorias nas escolas, modelo esse baseado em fór-
mulas prontas que devem ser apenas aplicadas em sala de aula pelos
professores que participam das formações e que muitas vezes dis-
tam totalmente da realidade e dos contextos sociais dos educandos.
No entanto, vale ressaltar que a experiência que resultou neste
estudo partiu da interação entre formador (a) e professor (a) na cons-

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
63 •
trução dos saberes da experiência, como aponta Pimenta (2005, p.
20): “[...] são aqueles que os professores produzem no seu cotidiano
docente, em um processo permanente de reflexão sobre sua prática,
mediatizada pela de outrem – seus colegas de trabalho, os textos pro-
duzidos por educadores”. Nesse contexto interacional é que se dá a
profissionalização docente por meio do diálogo e na troca de experi-
ências entre formador e professor, como afirmam Costa et al. (2016):
A valorização desses saberes se constitui como uma impor-
tante referência para acessar o universo das concepções que
sustentam as práticas e o trabalho dos docentes no cotidiano
escolar. Uma vez acessado este universo, os formadores de
professores têm a oportunidade de tecer um diálogo pedagó-
gico entre os conhecimentos construídos por esses profissio-
nais e de debruçar de forma situada, sobre os fenômenos de
ensinar e aprender. Tal diálogo permite a problematização e
a transformação das práticas, mediadas pela fundamentação
teórica. (2016, p. 14)

Na perspectiva da formação voltada para o desenvolvimento


dos saberes na experiência e da aplicabilidade destes nos diferentes
contextos, nos quais os professores se deparam nas salas de aula é
que compreendemos a importância da atuação do formador nas
instituições de ensino para viabilizar uma dinâmica formativa con-
textualizada pensada a partir das reais necessidades do professor
fundamentando e subsidiando sua prática, levando-o à reflexão e
alicerçando os seus saberes por meio da práxis docente.
É de suma importância, de acordo com Costa et al. (2016, p.15),
“que as teorias trabalhadas nos processos de formação de professo-
res dialoguem com o contexto de atuação destes contribuído para o
processo de transformação das práticas e das próprias teorias”.

Intervenções pedagógicas nas turmas dos 2° anos do


ensino fundamental: o caminho percorrido

Nesta pesquisa, utilizamos a abordagem de natureza qualita-


tiva, em razão do objeto de estudo se configurar um fenômeno amplo,

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 64

denso e complexo e não quantificável, conforme assevera Marconi e


Lakatos (2011), por intermédio de um estudo de caso, cujo lócus foi
o município de Fortaleza – CE. Os professores foram selecionados
com base em critérios técnicos, considerando as turmas do 2º ano
do Ensino Fundamental, onde foram realizadas as intervenções dos
Formadores do Distrito de Educação V.
O campo investigado oferece o Ensino Fundamental, do 1º ao
9º ano, e Educação de Jovens e Adultos, com uma matrícula de 876
alunos, divididos em 13 salas, nos turnos manhã, tarde e noite. As
turmas do 2º ano do Ensino Fundamental, o lócus do nosso estudo,
conta com 56 alunos divididos nos turnos manhã e tarde.
Os sujeitos do estudo foram os professores das turmas dos
2º anos do Ensino Fundamental, os quais tiveram a intervenção das
Formadoras do Distrito de Educação V, atuantes e partícipes da for-
mação continuada oferecida pelo município, porque analisamos a
percepção dos professores sobre a intervenção das formadoras nas
suas respectivas turmas. Com o intuito de preservar a identidade
dos profissionais, fizemos suas identificações da seguinte forma:
(Professores 1, 2 e 3), conforme a ordem de aplicação do questionário.
Para facilitar a aplicação e o andamento da investigação apli-
camos o questionário com os professores mediante agendamento
com a previsão do dia e horário. Com os critérios estabelecidos fo-
ram selecionados três professores que participaram das interven-
ções. A contribuição dos professores a partir do questionário foi
muito importante, pois eles foram solícitos e atenciosos ao trazerem
suas reflexões de forma explícita, algo que nos ajudou a desvelar as
informações necessárias para o alcance dos objetivos estabelecidos.
O questionário foi elaborado com base nas intervenções reali-
zadas pelos formadores do Distrito de Educação V, do município de
Fortaleza, nas turmas dos 2º anos do Ensino Fundamental, junto aos
professores que atuaram nessas turmas. Finalizada a aplicação dos
questionários, procedemos à análise das respostas dos professores.
O questionário aplicado com os professores foi dividido em
quatro eixos centrais para captar o maior número possível de infor-
mações. O primeiro referiu-se à identificação dos profissionais que

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
65 •
atuam nessa modalidade de ensino, a fim de levantar informações
cerca do perfil desses educadores. O segundo bloco do questionário
destinou-se ao contexto de trabalho dos profissionais; as perguntas
visaram analisar o tempo de atuação deles nas salas de 2º ano, o tem-
po de experiência como professores, assim como o tipo de vínculo
empregatício que estes possuem com o município. Na terceira parte,
inserimos as perguntas direcionadas à formação continuada. Este
eixo interrogou a formação continuada oferecida pelo município
e destinada aos profissionais, ressaltando também a opinião deles
sobre a temática. Na última parte do questionário concentramos as
perguntas direcionadas ao foco central da investigação, ou seja, à in-
tervenção das formadoras nas turmas em que atuam, assim como os
sentimentos das professoras em relação às formadoras e as contri-
buições destas para a prática docente dos profissionais.
De posse das respostas dos profissionais obtivemos subsídios
para responder à questão central, assim como traçar o perfil dos pro-
fissionais que atuam nas turmas de 2º anos do Ensino Fundamental
do município de Fortaleza, que estão descritos no estudo, trazendo
resultados e contribuições, conforme seguem.

Análise dos resultados

A partir das informações contidas nos questionários traça-


mos o perfil das docentes. Pertencentes ao sexo feminino, as três
professoras participantes da pesquisa são graduadas em Pedagogia;
uma possui pós-graduação em Psicopedagogia, e as outras duas es-
tão cursando pós-graduação em Neuropsicopedagogia e Educação
Infantil, respectivamente. Vale ressaltar que as respondentes estão
sob o regime de contrato temporário, e a cada dois anos se subme-
tem ao processo seletivo para renovação da prestação do serviço,
algo muito comum na rede municipal de ensino. Sobre esse tipo de
trabalho, concordamos com Silva (2005), ao dizer que,
Podemos considerar o trabalho por tempo determinado, em
uma concepção ampla, uma configuração de precariedade
no trabalho, pois não estende aos trabalhadores com contra-

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 66

to nessa modalidade todos os direitos daqueles contratados


por tempo indefinido, sobretudo às regras de dispensa como
aviso prévio entre outros, além de gerar instabilidade e inse-
gurança. (2005, p. 59)
A precarização profissional das docentes está condizente com
as respostas diante das condições de trabalho, haja vista o tipo de
vínculo profissional e o acúmulo de pouca experiência profissional,
pois todas afirmaram ensinar há menos de cinco anos e que lecio-
nam para as turmas de 2º ano do Ensino Fundamental há apenas dois
anos.
No tocante à Formação Continuada oferecida pelo municí-
pio, 100% das respondentes afirmaram que participam há dois anos.
Sobre a participação em outras formações, 66,6% explanaram que
participaram de outros momentos formativos oferecidos por outras
instituições, e 33,4% afirmaram que não participou de outros encon-
tros formativos. Sobre as metodologias abordadas nas formações e
a aplicabilidade destas na prática docente, 100% das respondentes
afirmaram que as metodologias são excelentes, pois se correlacio-
nam com a realidade da sala de aula, contribuindo, assim, para a
aplicabilidade destas no cotidiano escolar. Salientaram também
a importância destas formações para o seu crescimento profissio-
nal e o fortalecimento dos saberes necessários à atividade docente.
A seguir apresentamos o relato da professora P2, ao destacar que
“Através das formações podemos ter um olhar mais amplo da sala
de aula e dos respectivos alunos. A teoria alinhada à prática facilita o
cotidiano em sala”. Esta fala sinaliza sua consciência sobre a articu-
lação teórico-prática advinda da formação para as intervenções no
cotidiano escolar.
Percebemos que essa perspectiva de formação continuada se
alinha a Imbernón (2001, p.71) ao mencionar que “as temáticas que
devem alinhar-se à prática docente e que estas surjam da realidade,
desta forma, as mesmas farão sentido para a práxis docente”.
O quarto eixo do questionário referiu-se às intervenções das
formadoras nas salas do 2º ano do Ensino Fundamental, que inter-
venções ocorreram por um período de dois meses, duas vezes por se-

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
67 •
mana, por duas formadoras do Distrito de Educação V, que fizeram
as intervenções pedagógicas nas turmas do 2º ano no período manhã
e tarde, na qual realizavam atividades junto às professoras e alunos.
As ações interventivas objetivaram impulsionar a aprendizagem dos
alunos no âmbito da leitura e da escrita, tendo como parâmetro as
últimas Avaliações Diagnósticas de Rede (ADRs). Neste Instrumento
de Gestão, os alunos não atingiram a meta estimada pela Secretaria
de Educação, conforme os critérios de leitura e escrita de avaliação
do desempenho escolar. Diante do baixo desempenho das turmas, a
Secretaria implantou ADRs em ação conjunta entre Distrito de Edu-
cação, engajando os formadores, gestores e professores para estimu-
lar a aprendizagem dos estudantes, tendo em vista a superação do
déficit educacional.
Para a realização das ações avaliativas foi realizada primeira-
mente a mobilização e sensibilização, incluindo o núcleo gestor, pro-
fessores e os formadores. Posteriormente, deu-se o detalhamento do
planejamento e a definição do cronograma das ações avaliativo-in-
terventivas. Após esse momento, iniciaram-se as atividades pedagó-
gicas nas salas junto com os alunos sob a orientação das formadoras.
Partindo dessas intervenções configuramos a problemática do obje-
to deste estudo, o qual objetivou analisar a percepção das professo-
ras sobre a intervenção pedagógica das formadoras.
Perguntamos como as professoras se sentiram com a presen-
ça das formadoras na sala de aula e as três colocaram que se senti-
ram muito bem, à vontade para fazer seus respectivos trabalhos.
Segundo elas, sentiram-se amparadas, confiantes nas orientações, e
as viam como apoio, conforme percebemos no relato da P3, a seguir:
“Compreendo que as formadoras contribuíram bastante no proces-
so de aprendizagem dos alunos e estavam lá para auxiliar”.
Ainda sobre as contribuições das intervenções das formado-
ras, as professoras afirmaram que estas enriqueciam porque opor-
tunizavam o conhecimento teórico, a troca de saberes por meio de
experiências, visto que uma das formadoras possui uma vasta expe-
riência nas turmas de 2º ano do Ensino Fundamental, na rede púbica
de ensino, facilitando, assim, a permuta de saberes e experiências.

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 68

As professoras destacaram como pontos positivos da inter-


venção das formadoras as novas aprendizagens, em relação às for-
madoras, como também por parte dos alunos. Houve interação entre
todos, incluindo alunos, professores e formadores. Isto favoreceu o
seu crescimento profissional após a caminhada formativa. Também
indagamos sobre os pontos negativos desses momentos formativos,
e duas professoras responderam que não houve ponto negativo, en-
quanto outra salientou como negativo o tempo para a ação de inter-
venção: “O pouco tempo que elas tiveram para desenvolver todo o
trabalho, que é muito complexo”.
A análise final os dados evidenciou que as ações de interven-
ção pedagógica realizadas pelas formadoras são momentos de inte-
ração entre estas e as professoras, no sentido de contribuir para o
crescimento profissional de ambos no decorrer do processo forma-
tivo, pela troca de experiências e saberes desenvolvidos a partir da
reflexão da prática por meio da realidade escolar que perpassa o
chão da sala de aula. Formadoras e professoras alcançaram conjun-
tamente o crescimento profissional em virtude da colaboração de
ambas no processo formativo. Definiram como ponto de partida a
oportunidade de refletir sobre as reais necessidades enfrentadas no
processo de alfabetização; assim, redirecionaram um olhar especial
para os momentos de fortalecimento da ação docente, com o objeti-
vo de coletar subsídios necessários à práxis do trabalho docente.

Considerações finais

Esse estudo analisou a percepção das professoras das turmas


de 2º ano de Ensino Fundamental de uma escola pública municipal,
a partir da formação disponibilizada e da intervenção pedagógica re-
alizada pelas formadoras do Distrito de Educação V. Após o estudo,
concluímos que as intervenções foram importantes para o cresci-
mento profissional das docentes, uma vez que a formação e a inter-
venção partiram de uma base avaliativa coordenada pela Secretaria
Municipal de Educação.

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
69 •
Destacamos como elementos significativos apontados pelas
professoras o sentimento de apoio, tanto do ponto de vista da troca
de experiências como em relação às orientações, haja vista que elas
possuíam pouco tempo de experiência nas turmas em que estão atu-
ando. Evidenciamos clareza da troca de saberes, de experiência, e a
relação confiável entre elas mostrou-se à profissionalização ­docente.
Outro ponto que podemos ressaltar condiz com a relevância
dessa experiência para as formadoras, visto que estas tiveram a opor-
tunidade de refletir sobre os momentos formativos, pois tiveram a
chance de conhecer a realidade das professoras e de como as forma-
ções ministradas podem realmente contribuir com a prática docente,
disponibilizando subsídios teóricos, práticos e metodológicos às do-
centes em reflexão e, consequentemente, com a práxis docente.
Concluímos que essa experiência foi de suma importância
para o crescimento de todos os envolvidos: formadores, professo-
res e alunos, pois tiveram a oportunidade de conviver, interagir e
aprender pela permuta de saberes e experiências, o que tornou esse
momento de aprendizagem mutuamente significante, visto que o
objetivo consistiu no favorecimento das aprendizagens e, conse-
quentemente, na melhoria dos indicadores de rendimento escolar
para a qualidade do ensino de alfabetização. Contudo, os professores
e formadores também desenvolveram aprendizagem que colabora-
ram para o seu crescimento profissional e pessoal.

Referências

COSTA, Eisenhower et al. Avaliação diagnóstica e os saberes da ex-


periência nos cursos de formação de professores. Revista Educação
em Debate, Fortaleza, anos 35-38, n. 66-71, 2016.
GATTI, Bernardete Angelina. Políticas docentes no Brasil: um estado
da arte/ Bernardete Angelina Gatti, Elisa Siqueira de Sá Barreto e
Marli Eliza Dalmazo de Afonso André. Brasília: UNESCO, 2011.
IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a
mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2001.

FORMADORES E PROFESSORES: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO 2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


• 70

LIMA, Maria Socorro Lucena. A formação continuada do professor


nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional. São
Paulo. 2001. 225. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Edu-
cação. Universidade de São Paulo.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia
científica. São Paulo: Atlas, 2011.
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: identidade e sa-
beres da docência. In: PIMENTA, Selma Garrido (org,). Saberes peda-
gógicos e atividade docente.4. ed. São Paulo: Cortez. p. 15-34, 2005.
SILVA, Solonildo Almeida. O caminho lato sensu da precarização do
trabalho docente universitário na UECE. Dissertação (Mestrado). 104
f. 2005. Curso de Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade do Cen-
tro de Humanidades e Centro de Estudos Sociais Aplicados da Uni-
versidade Estadual do Ceará, 2005.

ANA LÚCIA FERREIRA PITOMBEIRA | EMANOEL RODRIGUES ALMEIDA | MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE
71 •
OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
A PERSPECTIVA DOCENTE

Biatriz de Souza Monteiro


Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior
Elisangela André da Silva Costa
Emanoel Rodrigues de Almeida

Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) é um docu-


mento normativo que se consolidou como referência nacional para a
organização dos currículos, tanto nas esferas estaduais como muni-
cipais. O marco imprescindível que é discutido neste estudo: é o caso
de, pela primeira vez, a educação infantil aparecer junto às demais
etapas da educação básica numa proposta de currículo nacional,
consolidando-se, assim, e assumindo seu caráter formal, como as
demais etapas.
A BNCC acarreta uma nova roupagem, estabelecida a partir
das Diretrizes Curriculares Nacional da Educação Infantil (DCNEI,
2009), reformulando-a e a atualizando em alguns aspectos; dessa fei-
ta, ajustando a etapa em alguns pontos. Nesta perspectiva, engloba
alguns dos princípios das diretrizes, formula outros e, alguns chega-
ram até a etapa mudados, como é o caso dos componentes curricula-
res, chamados agora de campos de experiências.
Vivenciadas estas mudanças e atualizações, houve algumas
inquietações em volta da questão, como: Quais são os efeitos iniciais
destas mudanças na educação infantil na percepção docente? O que
mudou no currículo? Quais foram as atualizações? Quais foram as
reformulações? Como o professor tem sido acompanhado nessas
mudanças? Houve formações específicas ou que abordassem a te-
mática? Os professores receberam material de suporte?

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 72

Objetiva-se, então, com isso, investigar os efeitos iniciais da


BNCC na Educação Infantil na perspectiva docente. Para tal alcance
fez-se necessário o uso da pesquisa em campo, tanto em uma escola
da zona urbana (Fortaleza/CE) como em uma da zona rural (Reden-
ção/CE), com as professoras que atendem às turmas de Infantil 3,
Infantil 4 e Infantil 5, conforme o oferecimento dos municípios, com
exceção da professora do Infantil 4 da instituição de Fortaleza, que
se recusou a participar de última hora. A pesquisa teve caráter quali-
tativo, e foi utilizada a entrevista reflexiva com as docentes, a fim de
obter os dados coletados, que foram analisados e expressos por meio
de redação de texto.
Dessa forma, o estudo está estruturado da seguinte maneira:
primeiro tratou-se dos construtos teóricos que embasaram esta pes-
quisa, assim, inicialmente têm-se um breve histórico da educação
infantil no Brasil, bem como os marcos legais que a consolidaram.
Em seguida, têm-se as descrições acerca da formulação, estabeleci-
mento e consolidação da BNCC na educação infantil; adiante, as aná-
lises e discussões nas quais se apresentaram os achados empíricos e
foram discutidos os autores e suas reflexões e percepções acerca da
base, elencando os objetivos aqui propostos e, por fim, elucidando-
-os em algumas considerações que puderam ser apontadas.

A educação infantil e a BNCC


Este espaço foi destinado às descrições acerca da historicida-
de da educação infantil no Brasil, bem como as reformulações em
torno da Base Nacional Comum Curricular. Dessa forma, a seguir
inicia-se o texto com a inserção da etapa como modalidade formal
da educação básica e os percalços enfrentados nesse processo. Em
seguida, o texto sintetiza a normatização da BNCC (2018) e suas de-
terminações para o currículo da educação infantil.

Educação infantil no Brasil


A educação infantil é a primeira etapa de ensino da educação
básica; seu estabelecimento iniciou com as discussões em torno do

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
73 •
reconhecimento da infância e como consequência da compreensão
da criança como sujeito de direitos. No Brasil, a educação infantil
está alicerçada em bases do conhecimento científico, a partir de
pesquisas, das experiências pedagógicas e das políticas educacionais
pensadas para esta etapa da educação das crianças, presentes prin-
cipalmente em documentos.
Na pedagogia, por exemplo, houve progressos consideráveis,
pois atualmente há um olhar mais crítico quando se pensa na forma-
ção de professores que atuarão ou atuem na educação infantil, bus-
cando entender o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das
crianças. Para além desses aspectos, fornece suporte necessário que
ajudarão na construção da sua personalidade e autonomia, afirman-
do-se como ser ativo em formação.
Do ponto de vista das políticas educacionais, a educação in-
fantil deve ser oferecida em creches e pré-escolas, e garantida pelo
Estado, respeitando alguns direitos das crianças, a citar o acesso à
educação formal e o brincar.
Art. 3º A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Bási-
ca, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracte-
rizam como espaços institucionais não domésticos que cons-
tituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados
que educam e cuidam de crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos
de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial,
regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema de ensino
e submetidos a controle social, conforme o disposto na Reso-
lução CNE/CEB nº 5/2009. (BRASIL, 2010, p. 02)
Conforme a citação acima fica evidenciado que o direito à
educação de crianças na primeira infância deve ser garanti-
do a partir dos seus primeiros anos de vida, em horário inte-
gral ou parcial. É nessa perspectiva que a educação infantil
vai ganhando visibilidade e se constituindo, de fato, como a
primeira etapa da educação básica, levando em consideração
nas práticas pedagógicas os eixos centrais, a citar as intera-
ções e as brincadeiras.

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 74

No tocante ao desenvolvimento das crianças havia uma ideia


de que elas não eram capazes de elaborar estratégias favoráveis
para sua formação e isso vem mudando. Atualmente, já percebe-
mos espaços para reflexão, que não apenas colocam as crianças no
centro do currículo, mas as reconhecem como sujeitos ativos de sua
­aprendizagem.
Segundo Kishimoto (2010, p. 01), “A criança, mesmo pequena,
sabe muitas coisas: toma decisões, escolhe o que quer fazer, intera-
ge com pessoas, expressa o que sabe fazer e mostra, em seus gestos,
em um olhar, uma palavra, como é capaz de compreender o mundo”.
Desse modo, as crianças devem participar de todo o seu processo
de aprendizagem, no qual os professores criem estratégias e ações,
objetivando o seu desenvolvimento integral e participativo, permi-
tindo que a criança saia de uma condição de passividade, em que o
professor diz o que deve ser feito, mostrando-se como sujeito ativo.
Os indivíduos que fazem parte de uma sociedade, vistos como
atores sociais, a recriam permanentemente. Esse conceito-
-chave da Antropologia permite ver as crianças de uma for-
ma totalmente nova, em que elas têm um papel ativo na de-
finição da sua própria condição: como atores sociais e como
produtores de cultura – não só produzidas pelas culturas.
(­FRIEDMANN, 2012, p. 23)

Nesse contexto é importante que as crianças sejam capazes de


opinar, participar, experimentar e vivenciar diferentes atividades
que tenham significados para sua vida. Segundo Friedmann (2012, p.
44) “É importante que os conteúdos correspondam aos conhecimen-
tos gerais das crianças, a seus interesses e necessidades, além de de-
safiar sua inteligência”. De maneira criativa, trata-se de aproximar
as crianças à sua realidade, seu pertencimento étnico, sua cultura e
construir espaços para que elas tenham liberdade de opinião, para
assim entender seu espaço e usufruir de seus direitos.
Ações realizadas por meio do brincar são necessárias para que
as crianças aprendam de maneira criativa. O brincar é, portanto,
umas das principais atividades da infância e das possibilidades infi-

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
75 •
nitas para que elas possam criar situações do seu cotidiano, resolver
conflitos e aprender a construir hipóteses e a resolver problemas.
No brincar, a criança se utiliza da imaginação e do faz-de-con-
ta, criando situações cotidianas, imitando e se expressando de forma
transparente, a partir da sua realidade e seus anseios. “O brincar é
uma ação livre, que surge a qualquer hora, iniciada e conduzida pela
criança; dá prazer, não exige como condição um produto final; re-
laxa, envolve, ensina regras, linguagens, desenvolve habilidades e
introduz a criança no mundo imaginário”. (KISHIMOTO, 2010, p. 01)
A consolidação da educação infantil no Brasil sai de um cará-
ter assistencialista e, com o passar dos anos, começa a se estabelecer
como primeira etapa da educação básica. Essa consolidação no cená-
rio educacional se dá por meio das políticas públicas, da formação de
professores e da garantia do direito das crianças. Para além disso, as
novas metodologias e ações que vêm sendo trabalhadas na primeira
infância nos permite refletir sobre a importância de um currículo
vivo, que tenha como foco a aprendizagem da criança.

A Base Nacional Comum Curricular


Como se pode perceber é gradativo o estabelecimento do
currículo da educação infantil e sua instauração no cenário brasi-
leiro. Inclusive, é a primeira vez que em um documento curricular
nacional a etapa aparece junto às demais, consolidando, com isso,
seu caráter formal. A BNCC (2018) é um documento regulamentar
que tem o objetivo de fixar as aprendizagens esperadas em âmbito
nacional. Dessa forma, classifica-se como
[...] um documento de caráter normativo que define o con-
junto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais
que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e
modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham as-
segurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento,
em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de
Educação (PNE). (BNCC, 2018, p. 7)
Orgânico, porque cabe aos estados e seus respectivos mu-
nicípios adequar as competências e habilidades às suas realidades

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 76

econômicas, culturais e sociais, compreendendo, respeitando e re-


conhecendo as especificidades de cada região do Brasil. Como bem
fez o Ceará, inaugurando no ano de 2020 o Documento Curricular
Referencial do Ceará (DCRC, 2019), que é a adequação da base às ne-
cessidades e às peculiaridades do estado.
Pode-se pensar então: por que não deixou que os estados e
municípios criassem seus próprios currículos, já que posteriormen-
te teriam que fazer suas adaptações, considerando suas especifici-
dades? A resposta está na própria concepção de criação da BNCC,
conforme Agostini (2017, p. 57): a “[...] criação da Base se dá a fim de
minimizar as fragilidades educacionais, as desigualdades econômi-
cas e sociais históricas, e busca garantir os direitos e objetivos de
aprendizagem, e ainda se preocupa fortemente com a avaliação e a
formação dos docentes”, dessa forma, unificando e fortalecendo a
colaboração entre os municípios, os estados e a União.
E ainda, a base não é simplesmente um documento que sur-
giu, a sua formulação foi um objetivo pré-estabelecido nos documen-
tos nacionais. A Constituição Federal (1988) junto à Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (1996), já previa a criação de um currículo na-
cional para estabelecer as diretrizes gerais para as etapas e modali-
dades da educação básica, unindo os conteúdos mínimos (BRASIL,
1988) e as aprendizagens essenciais (LDB, 1996), noções fundantes da
BNCC (2018). É nesse cenário que ela é formulada e se estabelece.
Iniciando a organização referente às questões pedagógicas,
é necessário ressaltar que a estrutura pedagógica da BNCC tem por
base a Diretriz Curricular Nacional da Educação Infantil (DCNEI),
que estruturaram, por meio do artigo 9º (nono) do seu texto, os eixos
norteadores das práticas pedagógicas: as interações e brincadeiras,
garantidas por meio dos 12 (doze) incisos do presente artigo. Com
base nestes eixos, a BNCC estruturou os 6 (seis) direitos de aprendi-
zagem e desenvolvimento que,
[...] asseguram na Educação Infantil, as condições para que
as crianças aprendam em situações nas quais possam de-
sempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a
vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los,

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
77 •
nas quais possam construir significados sobre si, os outros e
o mundo social e natural. (BNCC, 2018, p. 35).

São os direitos de aprendizagem os seguintes:

Figura 01 – Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento da Educação Infantil

Conviver

Brincar Conhecer-se

Participar Expressar

Explorar

Fonte: do autor com base na BNCC (2018).



A BNCC (2018) também organizou os cinco campos de experi-
ência que definem os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
da etapa de ensino, com base nas concepções, eixos norteadores e
direitos de aprendizagem. Em conformidade com a Base, “Os cam-
pos de experiência constituem um arranjo curricular que acolhe as
situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças
e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte
do patrimônio cultural” (BNCC, 2018, p. 38).
Ou seja, enquanto no ensino fundamental e médio se chama
componente curricular, na educação infantil, por suas especificida-
des, a Base chama de campos de experiência. Desta feita, são os cinco
campos de experiências os seguintes:

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 78

Figura 02 – Campos de Experiência da Educação Infantil


O eu, o outro e
o nós

Espaços, tempos,
Corpo, gestos e
quantidades, relações
movimentos
e transformações

Escuta, fala,
Traços, sons, cores
pensamento e
e formas
imaginação

Fonte: do autor com base na BNCC (2018).

Pode-se notar um encadeamento que mostra os desdobra-


mentos na organização pedagógica, no sentido de que um elemento
acaba norteando outro. Assim, os campos, como mencionados na
Base, ajudaram a delinear os objetivos de aprendizagem e desen-
volvimento da etapa. Os objetivos são entendidos como: “comporta-
mentos, habilidades e conhecimentos quanto vivências que promo-
vem aprendizagem e desenvolvimento [...]” (BNCC, 2018, p. 42).
Percebendo as diferenças que envolvem as características de
cada idade, os objetivos estarão organizados tendo em vista a seguin-
te divisão, que são as faixas etárias (séries) da Educação Infantil:

Figura 03 – Divisão etária na Educação Infantil

CRECHES PRÉ-ESCOLA

Bebês: Crianças pequenas:


de 0 a 1 ano e 6 meses 4 anos a 5 anos e 11 meses

Crianças bem pequenas:


1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses

Fonte: dos autores com base na BNCC (2018).

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
79 •
Como percebido, cada elemento vai estruturando o outro; os
objetivos permeiam todos os tempos na Educação Infantil e, confor-
me o planejamento, que é o precursor da ação didática docente, defi-
nem como serão estabelecidas as práticas na etapa. Nessa perspecti-
va é possível notar algumas das reformulações e mudanças trazidas
pela Base. Mas é de extrema importância perceber isso de forma prá-
tica a partir da visão docente.

Resultados e discussões

Este espaço tem por objetivo analisar e discutir os resultados
encontrados no presente estudo; assim, a primeira seção apresen-
ta o perfil docente das entrevistas e a segunda pretende conhecer a
percepção docente sobre a inserção da BNNC na educação infantil.

Seção A: Perfil docente


Observe abaixo o quadro com a sistematização das informa-
ções que compõem os perfis das professoras respondentes. Temos
dois grupos para fazer um contraponto entre zona urbana e rural,
e também para assegurar a preservação de suas identidades. Serão
aqui chamadas de P1 – FOR (P = professora / 1 primeira turma da
pesquisa (Infantil 3) e FOR= Fortaleza e RED = Redenção), e assim
sucessivamente.

Quadro 01 – Perfil docente


Tempo
Tempo de
de atu-
Entre- atuação
Gênero Turma Idade Formação ação na
vistadas na educa-
educação
ção
infantil
Pedagoga, es-
pecialista em
Psicopedago-
P1 – FOR Feminino Infantil 3 36 anos gia e cursando 16 anos 10 anos
especialização
em Educação
infantil.

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 80

recusou- recusou-se recusou-


recusou-se a
P2 – FOR Feminino Infantil 4 -se a res- a respon- -se a res-
responder
ponder der ponder
P3 – FOR Feminino Infantil 5 55 anos Pedagoga 26 anos 6 anos
Pedagoga e
cursando a
especialização
P1 – RED Feminino Infantil 3 38 anos 10 anos 9 anos
em Psicopeda-
gogia Clínica e
Institucional.
Pedagoga e
P2 – RED Feminino Infantil 4 30 anos graduada em 7 anos 7 anos
Letras.
Graduada em
P3 – RED Feminino Infantil 5 29 anos Letras Portu- 7 anos 5 anos
guês.
Fonte: da pesquisa.

A seção A teve como objetivo conhecer o perfil das professo-


ras entrevistadas. No quadro acima pôde-se perceber que de cada
localidade, urbana e rural, têm-se três docentes; uma do Infantil 3,
outra do Infantil 4 e a última do Infantil 5, com exceção da professora
do Infantil 4 da zona urbana (Fortaleza) que se recusou a responder,
não podendo ser substituída porque é a professora titular das tur-
mas de Infantil 4 da escola pesquisada. Todas as respondentes são
do gênero feminino, possuem idade entre 29 e 55 anos, graduadas
em Pedagogia, com exceção da P3 – RED, (professora do Infantil 5 de
Redenção), que tem graduação em Letras. Possuem experiência em
educação entre 7 e 26 anos, e na educação infantil entre 5 e 10 anos.

Seção B: percepção docente sobre a BNCC


O primeiro questionamento colocado às professoras é quan-
to à inserção da Base no cotidiano e nas práticas. As professoras da
zona rural (Redenção) veem o documento normativo de forma posi-
tiva, como meio de ressignificar a prática, organizando e dando uma
nova perspectiva ao que já era postulado nas diretrizes. Já as pro-
fessoras da zona urbana (Fortaleza) percebem como forma de asse-

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
81 •
gurar direitos e um maior enfoque nas práticas, bem como dito pela
P3 – FOR, que percebe a inserção meramente técnica, uma vez que
só houve seu repasse e as expectativas de cumprir suas orientações.
Campos e Barbosa (2015, p.353), nesse ponto corroboram, ao afirmar
que
O lançamento do documento de referência da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) gerou inúmeras discussões, de-
bates e configurou novos desafios para a educação nacional,
tanto em seus aspectos legais quanto em seus aspectos teóri-
co-metodológicos e ideológicos. No caso específico da educa-
ção infantil, tendo em vista sua própria trajetória na Consti-
tuição como direito público subjetivo, esse debate evidencia
antigos desafios e coloca em pauta insistentes “fantasmas”
que há muito rondam a área; ao mesmo tempo que indica al-
gumas ratificações de conceitos e perspectiva curricular con-
siderados fundamentais por professores e pesquisadores.

Nessa perspectiva, compreendemos que a BNCC ainda se


apresenta como desafio para muitos docentes, tanto no sentido de
implementação como em relação à formação do professorado. O se-
gundo questionamento é quanto às mudanças ou reformulações que
percebem no currículo e na prática docente na etapa com a inser-
ção da BNCC. Ambas as docentes concordam que a BNCC coloca a
criança como centro da prática docente, e cada uma percebe que as
mudanças estão nas nomenclaturas; as mudanças são centradas nos
seguintes pontos colocados pela P2 – RED, de que
“[...] antes os referenciais curriculares delimitavam por áreas
do conhecimento, porém com objetivos amplos, com a imple-
mentação da Base foi mudado para seis grandes direitos de
aprendizagem, com objetivos voltados aos cinco campos de
experiências interligados e organizados em três grupos de
faixa etária”.

Isso gerou e tem gerado, conforme a P3 – FOR, grandes insegu-


ranças, pois há muitas dúvidas no que tange às próprias nomencla-
turas. A professora citou o exemplo de não saber usar os códigos al-

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 82

fanuméricos, chamando atenção a orientações e acompanhamentos


das secretarias neste ponto. O código é mais uma estratégia de con-
trole das práticas pedagógicas em sala de aula, ou seja, de como as
professoras devem fazer de acordo com os campos de experiências e
os direitos de aprendizagem. Esse código pode ser considerado como
[...] uma visão instrumental, que serve para organizar não só o
que a criança deverá aprender como também controlar o tra-
balho docente. Entende-se, desse modo, o aparecimento no
documento da Base a identificação dos campos de experiên-
cia e objetivos de aprendizagem por um código alfanumérico,
preparando os indicadores que servirão ao controle, abran-
gendo a condição de uma avaliação objetiva tanto da criança
como de cada professor, delimitando o que se alcançou na
aprendizagem individual e o que se deu conta de ensinar.
Pode ser que isso favoreça o desaparecimento da avaliação de
contexto, das interações entre as crianças e seus diferentes
interlocutores. (BARBOSA; SILVEIRA; SOARES, 2019, p. 84)

O terceiro questionamento coloca em evidência tal suporte


necessário ao manejo correto do documento normativo. Perguntou-
-se se as docentes receberam orientações sobre essas mudanças, se
houve formações específicas e se chegaram até elas materiais ins-
trucionais. Neste ponto, percebeu-se, conforme as falas, que a zona
rural está bem assessorada quanto às formações específicas, tanto
na esfera municipal quanto no próprio lócus de trabalho, inclusive
recebem de ambos os materiais de orientação para uso da Base, tan-
to no contexto geral como no específico em suas salas de aula. Já no
caso da zona urbana, percebeu-se uma contextualização superficial
e que a Base já chega como um mero repasse, em que se esperam mu-
danças em toda a estrutura escolar, dentro de prazos pequenos e de
exclusiva responsabilidade dos docentes.
O quarto e último questionamento é sobre como tem sido o
papel das secretarias de educação municipal e da gestão escolar na
adaptação a essas mudanças. Na zona rural, as professoras mostram
em suas falas que tanto a SME quanto a gestão escolar tem cumprin-
do seu papel assegurando formações, materiais e suportes constan-

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
83 •
tes a dúvidas, bem como momentos de discussão e adequação, con-
forme a P3 – RED:
“A SME tem sido bastante parceira, buscando sempre infor-
mar e formar professores, trazendo palestrantes e constantes
ideias e pontos de vista a esse respeito, bem como a disponibi-
lização de diversos materiais ricos em conhecimento e ativida-
des pautadas na BNCC”.

Um sentimento ausente na zona urbana, a P1 – FOR, acredita


que é só uma mudança de nomenclatura e são pequenas mudanças
que acontecem no dia a dia, fato discordado pela colega P3 – FOR,
que aponta diversas críticas. Ela ressalta que as formações não fo-
ram nenhuma até agora, especificamente sobre a temática, e que
mesmo que haja o espaço de discussão, este é minúsculo; para ela,
é mais um cumprimento de pauta. Assim, afirma ser a Base, na sua
percepção, apenas um repasse, cumprimento de obrigações que é
colocado apenas aos professores, cabendo-lhes apenas fazerem as
adequações e reformulações, sem qualquer apoio ou suporte da ges-
tão e muito menos da SME.
Para que o trabalho docente seja eficaz e esteja em consonân-
cia com a BNCC (2018), apesar de tantas contradições, é necessário
apoio da SME, de maneira organizada e planejada, e do núcleo gestor
da escola, ao repassar as informações. Sem esse acompanhamento,
de forma a contribuir e não a investigar, haverá mais possibilidades
de um desempenho eficaz nas ações.
Destacamos nesse texto a necessidade de construção e efeti-
vação de um projeto humanizador, justo e democrático que
vai à contramão da lógica neoliberal impetrada na política
educacional do Brasil, a qual tem acentuado as desigualdades
sociais em nosso país. (BARBOSA; SILVEIRA; SOARES, 2019,
p. 87).

Percebem-se aqui duas percepções completamente distintas,


ou pelos menos divergentes sobre a inserção da BNCC (2018) na edu-
cação infantil. Compreendeu-se que a zona rural está munida de as-
sessoria, e este ponto é positivo para a forma como percebem a Base,

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 84

pois as falas são tranquilas quanto às adaptações, mostrando que, de


certa forma, as professoras já têm domínio e compreensão do docu-
mento; ou seja, já entenderam sua sistemática e isso é possível pelas
trocas e auxílios tanto da SME como da gestão escolar da instituição,
que são efetivas e presentes, de acordo com suas falas.
Já na zona urbana percebe-se que as professoras ainda conce-
bem preconceitos, frutos do desconhecimento da Base, isso pelo fato
de, conforme suas opiniões, suas secretarias estarem ausentes em
um contato mais próximo e específico de orientações. Isso foi perce-
bido pela defasagem tanto nas falas de compreensão quanto nas de
percepção de um modo geral, comparado às da zona rural, que estão
bem amparadas nesses pontos, segundo suas respostas. Isso leva à
quebra de alguns preconceitos quanto ao ensino na zona rural e na
zona urbana, embora sejam distintos e tenham suas peculiaridades;
o que não quer dizer que a cidade está à frente do interior, como se
pode aqui perceber.

Algumas considerações

Diante do exposto ao longo deste texto, podemos perceber


que a educação infantil atualmente se configura como primeira eta-
pa da educação básica, saiu da lógica assistencialista e tem-se afir-
mado como política que assegura o direito das crianças de acesso à
escola, cujos eixos estruturantes são as interações e as brincadeiras.
Com a BNCC reforça-se, a partir deste documento, a reformulação
das propostas curriculares e projetos políticos pedagógicos nos
níveis estadual e municipal. É importante destacar que sua imple-
mentação nas escolas, principalmente nas ações didáticas, ainda é
vista com dificuldade, desafio e com insegurança por parte de alguns
professores. Na pesquisa apresentada, percebemos que na zona ur-
bana existe uma compreensão em relação à BNCC que é diferente da
obtida na zona rural.
As professoras da zona urbana ainda enfatizam nas suas falas
a deficiência em relação à formação e à organização de planejamen-

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
85 •
to que possa auxiliar na prática docente. Acreditam que são apenas
mudanças de nomenclatura e relatam dificuldades, principalmente
na elaboração do planejamento. Em relação à zona rural, foi possível
perceber que as professoras estão melhores assessoradas pela SME.
Pelas falas apresentadas em ambas as zonas, constatamos que elas
percebem a criança como centro do planejamento, e que é necessá-
rio, sobretudo na zona urbana, um acompanhamento da SME, no
sentido de formação que possa ajudar os docentes a compreender
melhor da Base.
Diante desse contexto e da relevância desse estudo para que
possamos compreender como é a visão docente em relação a BNCC,
é importante o engajamento e a parceria da SME e da gestão esco-
lar para que oportunizem aos professores partilhar suas angústias,
dúvidas e sugestões, com o objetivo de compreender o que é esse do-
cumento, suas contradições, tensões e desafios, com os quais pode-
remos dialogar em outros trabalhos.

Referências

AGOSTINI, C. C. As artes de governar o currículo da educação infan-


til: a base comum curricular em discussão. 2017. 167 f. – Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal da Fronteira Sul, Programa de
Pós-graduação em Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas
– PPGICH, Erechim, RS, 2017. Disponível em: https://rd.uffS.edu.br/
bitstream/prefix/1566/1/AGOSTINI. Acesso em: 10 abr. 2019.
BARBOSA, Ivone Garcia; SILVEIRA, Telma Aparecida Teles Martins;
SOARES, Marcos Antônio. A BNCC da Educação Infantil e suas con-
tradições: regulação versus autonomia. Revista Retratos da Escola,
Brasília, v. 13, n. 25, p. 77-90, jan./mai. 2019. Disponível em: http://
www.esforce.org.br/. Acesso em: 09 abr. 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa
do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988,
com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais
de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a

OS EFEITOS INICIAIS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA DOCENTE


• 86

91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. – Brasília: Senado Fe-


deral, Coordenação de Edições Técnicas, 2016.
BRASIL. Lei n.º 9.934, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Ministério da Educação. Brasília, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Di-
retrizes curriculares nacionais para a educação infantil /Secretaria
de Educação Básica. –Brasília: MEC, SEB, 2010.
BRASIL. Educação Infantil. In: Base Nacional Comum Curricular:
Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria
de Educação Básica, 2017. Disponível em: http://basenacionalco-
mum.mec.gov.br/. Acesso em: 22 abr. 2019.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum.
Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2018.
CAMPOS, Rosânia; BARBOSA, Maria Carmen Silveira. BNCC e edu-
cação infantil: Quais as possibilidades? Revista Retratos da Escola,
Brasília, v. 9, n. 17, p. 353-366, jul./dez. 2015. Disponível em: <http//
www.esforce.org.br>. Acesso em: 9 abr. 2020.
FRIEDMANN, Adriana. O brincar na educação infantil: observação,
adequação e inclusão / Adriana Friedmann. – 1. Ed. – São Paulo: Mo-
derna, 2012.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Brinquedos e Brincadeiras na educa-
ção infantil. FE-USP. São Paulo. 2010. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7155-2-3-brinquedos-brin-
cadeiras-tizuko-morchida/file. Acesso em: 10 mar. 2020.

BIATRIZ DE SOUZA MONTEIRO | ANTONIO FLÁVIO MACIEL DE SOUZA JÚNIOR | ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA
EMANOEL RODRIGUES DE ALMEIDA
87 •
PROFESSORES SURDOS DO INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ESTADO DO CEARÁ
(IFCE): UM RECORTE DE SUA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO NO
ENSINO SUPERIOR
Geraldo Venceslau de Lima Júnior
Sinara Mota Neves de Almeida
Marla Vieira Moreira de Oliveira
Kaline Araujo Mendes de Souza

Introdução

O presente estudo objetivou identificar, de forma prelimi-


nar, desafios e necessidades que circundam o acesso à educação su-
perior de docentes surdos lotados no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE). Ademais, pretendeu
analisar as  percepções desses sujeitos sobre sua acessibilidade no
ensino superior e as necessidades nesse processo. 
A pesquisa está dividida em sete partes. Na primeira, estão
os aspectos introdutórios e a apresentação da temática; a segunda
traz um breve histórico da educação de surdos atrelado às políticas
públicas que circundam o acesso ao ensino superior dos discentes
surdos; a terceira trata da política de inclusão do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE), como
forma de identificar o lócus de atuação dos professores surdos e as
políticas de inclusão adotadas na instituição; na quarta, apresenta-
mos o percurso metodológico construído para o presente trabalho,
explicando as características da pesquisa de natureza qualitativa.
Aqui também explicitamos o instrumento utilizado para a coleta de
dados. Na quinta, procedemos à análise e discussão dos resultados
encontrados, na sexta compilamos os principais achados da pesqui-

PROFESSORES SURDOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ESTADO DO CEARÁ (IFCE):
UM RECORTE DE SUA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
• 88

sa, relacionando-os ao objetivo da investigação; na sétima e última


listamos as referências bibliográficas que subsidiaram o debate no
decorrer do artigo.

Políticas públicas e a educação superior de surdos no


Brasil

A história da educação dos surdos aponta para um contex-


to permeado de desafios e especificidades. A trajetória escolar dos
surdos aguça debates e pesquisas, tendo como foco a cultura surda,
a Língua de Brasileira de Sinais (Libras) e a presença do intérprete
de Libras como instrumentos efetivos para a inclusão desses estu-
dantes em escolas e universidades, bem como na sociedade em geral
(STROBEL, 2008; SKLIAR, 1997).  O nosso convite é para que se co-
nheça, de forma breve, a história da educação de surdos interseccio-
nando com as principais políticas que compõem esse processo. 
As primeiras experiências no Brasil, no que se refere à edu-
cação de surdos, ocorreram no período imperial, com a criação, em
1857, de o Imperial Instituto de Surdos Mudos, hoje, Instituto Na-
cional de Educação para Surdos – INES. O professor francês surdo
Hernest Huet veio ao Brasil a convite de D. Pedro II, pois, em junho
de 1855, apresentou ao Imperador um relatório em língua francesa,
no qual indicava um plano para a educação de surdos. Sua solicita-
ção foi atendida de acordo com a Lei nº 939 de 26 de setembro de
1857, que fixava receitas e despesas do Império para o exercício de
1858/1859 (OLIZAROSKI, 2013).
Apesar de essa primeira experiência voltada para o uso da
língua de sinais, o histórico educacional da escolarização de surdos
descreve um contexto imerso por interpretações que exaltavam a
incapacidade de ouvir dos surdos, advinda, a princípio, de conceitos
ligados a condições fisiológicas. Ou seja, identificando-os por sua
“perda auditiva” e não valorizando sua expressão linguística viso-
-gestual. Conforme Gesser (2009, p. 25), “vários estudos têm aponta-
do a difícil relação dos surdos com a língua oral majoritária e com a
sociedade ouvinte”.

GERALDO VENCESLAU DE LIMA JÚNIOR | SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA | MARLA VIEIRA MOREIRA DE OLIVEIRA
KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
89 •
No ano 1880, o “Congresso Internacional de Professores de
Surdos em Milão,  na Itália, tem com pauta o debate e avaliação acer-
ca da importância de três métodos rivais: língua de sinais, oralista
e mista (língua de sinais e o oral)” (STROBEL; PERLIN, 2008, s/p). A
educação de surdos sofreu uma crise séria e histórica que abalou o
povo surdo e suas representações “[...] devido à predominância do
oralismo puro na forma de ouvintismo [...]” (STROBEL, 2008, s/p). A
influência do oralismo modificou a educação de surdos, inclusive no
Brasil. Esse congresso é um marco histórico, pois determinou uma
tendência seguida na educação dos surdos no decorrer do século XX,
na Europa e na América Latina, sobretudo (LACERDA, 1998). 
Na década de 1960 começaram a surgir várias pesquisas sobre
as línguas de sinais e sua estrutura linguística. Realizaram-se estu-
dos em diversas áreas, tais como: a Psicologia, a Linguística, a Neu-
rologia, a Educação, a Sociologia e a Antropologia. Apesar de a proi-
bição advinda do Congresso de Milão (1880), Capovilla e Capovilla
(2002) apresentam essa situação como a “redenção dos sinais”. Além
disso, escolas ou instituições encontravam formas de construir, às
margens do sistema, um modelo próprio de comunicação por meio
dos sinais. (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2002; LACERDA, 1998).
Os movimentos surdos, nas décadas de 1980 e 1990, emergi-
ram dessa resistência para o uso da língua de sinais e resultaram
numa ação de luta para a conquista e reconhecimento da especifici-
dade linguística da comunidade surda. 
A década de 1990 é um marco de mudanças na educação. Nela,
encontramos dispositivos legais que passam a contribuir efetiva-
mente para as reflexões que norteiam o processo inclusivo e a edu-
cação de surdos. Em 1988, a Constituição Federal, em seu art. 205,
garante a Educação como um direito de todos. Em 1996, a Lei nº
9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) dedi-
ca um capítulo para tratar sobre a Educação Especial, estabelecendo
sua oferta desde a Educação Infantil ao Ensino Superior. Em 1996,
no âmbito da avaliação educacional para pessoa com deficiência, no
que concerne à Educação Superior, o Ministério da Educação (MEC)

PROFESSORES SURDOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ESTADO DO CEARÁ (IFCE):
UM RECORTE DE SUA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
• 90

publicou o aviso circular nº 277, cujo objetivo é indicar adequações


no processo seletivo para os candidatos com deficiência. No caso dos
surdos, é indicada a “colocação de intérprete no caso de Língua de
Sinais no processo de avaliação [...]” (BRASIL. MEC, 1996b). 
Mesmo com esse direcionamento e realce para aquisição da
língua de sinais, prioritariamente como língua materna, a oficiali-
zação da Língua Brasileira de Sinais (Libras) só ocorre em 2002, por
meio da Lei nº 10.436/2002. A aprovação desse dispositivo legal trou-
xe “[...] consigo a reflexão sobre o espaço mais adequado para aquisi-
ção da mesma, se na escola regular ou na escola especial. No caso, em
específico, resguarda-se a diferença linguística e o respeito à cultura
surda” (OLIVEIRA, 2017, p.50). Esse reconhecimento da Libras re-
sultou também no aprofundamento de estudos sobre o bilinguismo.
Conforme Goldfeld (1997, p. 38):
O Bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve
ser Bilíngue, ou seja deve adquirir como língua materna a lín-
gua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos
e, como Segunda língua, a língua oficial de seu país [...] Para
os bi linguistas, o surdo não precisa almejar uma vida seme-
lhante ao ouvinte, podendo assumir sua surdez. 

Esse debate é realçado com a aprovação do Decreto nº


5626/2005, o qual, em seu escopo, revela aspectos destoantes com
questões apresentadas na Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Segundo Lodi (2013), o
Decreto 5626/2005 atende de forma mais efetiva as necessidades dos
estudantes surdos, pois
[...] dispõe sobre os processos educacionais específicos das
pessoas surdas. Enfatiza a necessidade de implantação da
educação bilíngue para esses alunos e, a fim de que essa pro-
posta seja efetivada, estabelece como deve ser a formação dos
profissionais para atuarem junto a esses estudantes (LODI,
2013, p. 51). 

Um profissional fundamental para a interlocução ouvintes e


surdos e o acesso aos conteúdos orais e escritos na língua portugue-

GERALDO VENCESLAU DE LIMA JÚNIOR | SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA | MARLA VIEIRA MOREIRA DE OLIVEIRA
KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
91 •
sa é o intérprete de Libras. No entanto, esse profissional não chegou
com seu espaço delineado. As primeiras experiências começaram
quando não existiam cursos de formação nessa na área da interpre-
tação da Libras, a partir de trabalhos voluntários em espaços infor-
mais (igrejas, associações, etc.). Foi por meio da luta da comunidade
surda, juntamente com os Tradutor Intérprete de Língua de Sinais
(TILS), que ocorrera a conquista de vários direitos dos surdos, den-
tre eles, a consolidação do espaço desse profissional (CORRÊA et al.,
2017). 
Em 2010, a Lei nº 12.319/2010 regulamenta a profissão do TILS
que, segundo o “Art. 2º,  tem [...] competência para realizar inter-
pretação das duas línguas de maneira simultânea ou consecutiva,
e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua
Portuguesa” (BRASIL, 2010). A partir dessas legislações específicas
da área da surdez vários aspectos referentes aos profissionais passa-
ram a ser observados, sejam eles docentes (ouvintes e surdos), TILS
e instrutores surdos. 
As políticas educacionais representam ações mais recentes
pró-inclusão de surdos, inclusive com um recorte no ensinos supe-
rior são: a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que prevê a
garantia do serviço de intérprete de Libras em provas e aulas; e a  Lei
nº 13.409/2016, que altera o Art. 3º da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de
2012, estabelecendo reserva de vagas para as pessoas com deficiên-
cia. Todavia, é necessário ressaltar que os professores participantes
da pesquisa não ingressaram no Ensino Superior para sua formação
inicial por meio do sistema de cotas. 
Ainda buscando compreender aspectos sociais, educativos e
políticos, o tópico a seguir descreve o lócus de docência dos profis-
sionais surdos que colaboraram com o nosso estudo. Conhecer o seu
espaço de trabalho e suas ações para uma educação inclusiva pode
ajudar na construção de uma universidade plural, que encontre na
trajetória de formação de seus professores, sobretudo os surdos, as-
pectos relevantes para melhorias efetivas. 

PROFESSORES SURDOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO ESTADO DO CEARÁ (IFCE):
UM RECORTE DE SUA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
• 92

A política de inclusão do IFCE

A idealização do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-


nologia do Ceará (IFCE) tem início no começo do século XX, quando
o então presidente Nilo Peçanha, mediante o Decreto nº 7566, de 23
de setembro de 1909, instituiu a Escola de Aprendizes Artífices, des-
tinada aos menores desvalidos da sorte. No percurso de um século de
existência, a instituição teve sua denominação alterada, primeiro,
para Liceu Industrial do Ceará, em 1941; depois, para Escola Técnica
Federal do Ceará, em 1968. 
No ano de 1994, a escola passou a chamar-se Centro Federal de
Educação Profissional e Tecnológica do Ceará (Cefet/CE), ocasião em
que o ensino foi estendido ao nível superior e suas ações acadêmicas,
acrescidas das atividades de pesquisa e extensão. Assim, estavam
fincadas as bases necessárias à criação do Instituto Federal do Ceará. 
O Governo Federal, por meio da Lei 11.892, de 29 de dezembro
de 2008, cria 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecno-
logia, com 312 campi espalhados por todo o país, e cada um consti-
tuindo-se uma autarquia educacional vinculada ao Ministério da
Educação e supervisionada pela Secretaria de Educação Média e
Tecnológica, todos dotados de autonomia administrativa, patrimo-
nial, financeira, didática, pedagógica e disciplinar. No contexto da
referida Lei, mediante integração do Centro Federal de Educação
Tecnológica do Ceará, suas Unidades de Ensino Descentralizadas
(UNED’s) e das Escolas Agrotécnicas Federais de Crato e de Iguatu,
nasce o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Cea-
rá. Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação,
avaliação e supervisão da instituição e dos cursos de educação supe-
rior, o IFCE é equiparado às universidades federais (SANTOS, 2017).
Atualmente, o IFCE tem uma organização multicampi que
conta com 30 unidades, distribuídas em todas as regiões do estado
do Ceará, atendendo a mais de 33.000 alunos em 304 cursos regula-
res de formação básica, técnica, tecnológica e formação de profes-
sores e pós-graduação lato sensu e stricto sensu, nas modalidades
presencial e a distância.

GERALDO VENCESLAU DE LIMA JÚNIOR | SINARA MOTA NEVES DE ALMEIDA | MARLA VIEIRA MOREIRA DE OLIVEIRA
KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
93 •
No que se refere à Política de Inclusão, a Portaria 509/2015
do Gabinete do Reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará- IFCE criou a Comissão Técnica para Política de
Acessibilidade, com o objetivo de elaborar a Política de Acessibilida-
de da instituição.
Neste intento, foi criado o Núcleo de Atendimento às Pessoas
com Necessidades Específicas (NAPNE), que tem por objetivo contri-
buir para a inclusão adequada de alunos e servidores com necessi-
dades específicas no cotidiano escolar da instituição. O NAPNE de-
senvolve ações de sensibilização da comunidade escolar, bem como
apoia atividades de capacitação de professores e demais servidores.
No Ceará contamos com 20 NAPNES espalhados no estado, a saber:
Acaraú, Baturité, Camocim, Canindé, Caucaia, Cedro, Crateús, Cra-
to, Fortaleza, Iguatu, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte, Itapipo-
ca, Maracanaú, Morada Nova, Quixadá, Sobral, Tabuleiro do Norte,
Tianguá e Tauá ( BRASIL, 2017).
Vale destacar que o NAPNE objetiva
quebrar as barreiras arquitetônicas, comunicacionais, edu-
cacionais e atitudinais no IFCE, disseminando a inclusão e o
fomento de uma cultura educacional baseada na convivência,
aceitação e diversidade. Diante desses pressupostos, as equi-
pes dos NAPNES têm o desafio de agregar os diversos setores
internos e externos, a fim de desenvolver uma atuação inte-
grada e multiprofissional, assessorando os gestores dos cam-
pi e possibilitando serviços educacionais específicos para os/
as discentes que deles necessitem (BRASIL, 2017).

É notório perceber a relevância do NAPNE para a promoção


da inclusão no IFCE, confirmada pelo Projeto Político-Pedagógico
Institucional (PPI) e no Plano de Permanência e Êxito (PPE). Os refe-
ridos documentos estão embasados na legislação mais atual no Bra-
sil sobre as garantias da pessoa com deficiência, a Lei nº 13.146/2015,
conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(LBI). Esta lei trouxe um grande avanço na definição da deficiência,
conforme destacado no art. 2º, quando esclarece que a pessoa com
deficiência

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é aquela que têm impedimento, de longo prazo, de natureza


física, mental, intelectual ou sensorial, em que a interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com
as demais pessoas.

A partir da definição da LBI, visão sobre o conceito de defici-


ência, ou seja, deixa de ser atribuída exclusivamente à pessoa e passa
a ser vista como consequência, inclusive, da falta de acessibilidade
que toda a sociedade apresenta.
A política para efetivação da obrigatoriedade do Ensino de
Língua Brasileira de Sinais (Libras) no Brasil, por meio da Lei nº
10.436, é compreendida como “um sistema linguístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria” e “oriunda de co-
munidades de pessoas surdas do Brasil” (BRASIL, 2002), foi uma con-
quista histórica de luta do movimento social surdo brasileiro. 
Atendendo a essa recomendação, o IFCE possui sete professo-
res surdos, os quais ministram a disciplina de Libras. A instituição
ainda conta com um total de 14 intérpretes ouvintes para atender
aos 34 campi espalhados pelo estado. Percebe-se que, apesar dos
avanços na Legislação, há muitas limitações em relação à contrata-
ção de professores de Libras, o que reafirma a importância de nosso
trabalho em analisar as percepções sobre a trajetória de formação de
professores surdos do IFCE.
No tópico seguinte, discutiremos o percurso metodológico e
as estratégias para coleta de dados.

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa por com-


preender que ela pode trabalhar de maneira pormenorizada aquilo
que é investigado, em sua complexidade e em seu contexto natural.
A opção por essa abordagem se deve à possibilidade de uma análise
embasada na opinião dos envolvidos, de forma mais aprofundada,
proporcionando um direcionamento mais consistente ao processo,
além de conferir maior liberdade ao entrevistado.

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95 •
A pesquisa qualitativa compreende o ponto de vista dos sujei-
tos investigados no contexto em que estes se situam, questionando-
-os, com vistas a apreender a maneira pela qual “eles interpretam as
suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo
social em que vivem” (­BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 51).
Para Godoy (1995, p.62),
a pesquisa qualitativa tem como características: o ambiente
natural como fonte direta de dados e o pesquisador como
instrumento fundamental; o caráter descritivo; o significado
que as pessoas são às coisas e à sua vida como preocupação do
investigador e o enfoque indutivo. 

Apresentaremos os resultados de uma pesquisa empírica, a


partir de relatos sobre os desafios e necessidades que circundaram
o acesso à educação superior na trajetória formativa de professores
surdos do IFCE, a partir de questionário respondido via Google Docs. 
Esse tipo de pesquisa se refere a um estudo da descrição das
características existentes na comunidade pesquisada, possibilitan-
do uma investigação que identifique o perfil e as representações da
população pesquisada.
O questionário aplicado continha oito questões que versavam
sobre a trajetória profissional dos professores surdos do IFCE, além
das principais dificuldades enfrentadas em relação à inclusão em
seu processo de formação, notadamente a universitária. Após a re-
colha do material, seguiram-se dois caminhos na análise dos dados
dos questionários: a) a leitura cuidadosa do material para analisar
seu conteúdo; b) a elaboração de categorias por unidades de registro
para a discussão dos dados. 
A escolha pelo questionário como instrumento de pesquisa
de campo deu-se pela análise de algumas das vantagens deste sobre
outros instrumentos, conforme nos apresenta Gil (2008, pp. 121-122):
a) possibilita atingir grande número de pessoas, mesmo que
estejam dispersas numa área geográfica muito extensa, já
que o questionário pode ser enviado pelo correio; b) implica
menores gastos com pessoal, posto que o questionário não

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exige o treinamento dos pesquisadores; c) garante o anonima-


to das respostas; d) permite que as pessoas o respondam no
momento em que julgarem mais a) possibilita atingir grande
número de pessoas, mesmo que estejam dispersas numa área
geográfica muito extensa, já que o questionário pode ser en-
viado pelo correio; b) implica menores gastos com pessoal,
posto que o questionário não exige o treinamento dos pesqui-
sadores; c) garante o anonimato das respostas; d) permite que
as pessoas o respondam no momento em que julgarem mais
conveniente; e) não expõe os pesquisadores à influência das
opiniões e do aspecto pessoal do entrevistado.

Essa série de vantagens possibilitou a escolha desse instru-


mento. Os entrevistados receberam o questionário por e-mail, com
explicações concernentes à natureza da pesquisa, sua importância e
a necessidade de obtermos as respostas.
Para efeito de análise nesse texto, os sujeitos serão chamados
por nomes de constelações, a fim de que a identidade dos entrevista-
dos seja preservada. Desse modo, tem-se: Andrômeda, Aquarius, Lynx,
Lyra, Sagitta e Hércules.

Análise e discussão

Os participantes do estudo foram seis professores surdos que


atuam no ensino de Libras do IFCE. Cabe ressaltar que o único do-
cente surdo fora da amostra é coautor deste trabalho. Para Galvão e
Egreja (2001), em pesquisas qualitativas, a amostra, diferentemente
das quantitativas, é menos interessada com a quantidade, importan-
do mais as informações que poderão ser coletadas, além de sua con-
sistência para o processo.
Em relação aos participantes da pesquisa, cinco eram do sexo
feminino e um do sexo masculino. No Brasil, as mulheres são maio-
ria entre os estudantes da educação superior, fato que deriva da
maior escolarização feminina em geral, haja vista elas somarem 52%
das matrículas no ensino médio no ano de 2015 (CAPES, 2016). Esse
quadro é muito similar ao que temos em relação à predominância de

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KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
97 •
mulheres nos cursos de formação de professores, conforme destaca-
do nos dados da Tabela 1.

Tabela 1 – Total de matrículas na graduação por área geral do conhecimento e


sexo
Área Geral do Conhecimento Mulheres (%) Homens (%) Total
Agricultura e Veterinária 45,5 54,5 178.413
Ciências Sociais, Negócios e Direito 57,0 43,0 2.958.690
Ciências, Matemática e Computação 31,0 69,0 441.406
Educação 72,7 27,3 1.371.767
Engenharia, Produção e Construção 31,5 68,5 1.017.328
Humanidades e Artes 55,8 44,2 163.090
Saúde e Bem-Estar Social 76,5 23,5 984.769
Serviços 60,7 39,3 166.767
Outras 45,0 55,0 23.747
Total Geral 57,2 42,8 7.305.977
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2015).

A partir dos dados apresentados pelo Instituto Nacional de


Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), observa-
mos diferenças nos percentuais de homens e mulheres nos cursos
de graduação. Em relação à pós-graduação stricto sensu, é possível
identificar uma expressiva diferença nas escolhas de homens e mu-
lheres.  Conforme nos apresenta o Censo da Plataforma Lattes do
CNPq (2016), as Ciências da Saúde e as Ciências Humanas reúnem,
respectivamente, 17,6% e 18,4% das mulheres doutoras contra 12,4%
e 12,7% dos homens (CNPq, 2016).
Situação inversamente proporcional ocorre nas chamadas
hard science (ciências duras), incluindo Ciências Exatas e da Terra,
Engenharias e demais carreiras ligadas a Finanças, à Administração
e à Tecnologia. Vale destacar que essas áreas são apresentadas como
de maior prestígio e salários altos, nas quais o percentual de homens
é superior ao de mulheres (CNPq, 2016). 
Nesta pesquisa, a totalidade dos professores participantes
têm licenciatura em Letras Libras, na modalidade à distância, pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conforme regula-
menta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. 

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De tal modo, a formação do professor surdo deve ser ofertada


em nível superior com bases concretas, para que ele possa exercer
sua função com propriedade, construindo conhecimentos tanto na
sua língua materna, a Libras, quanto na segunda língua, a Língua Por-
tuguesa, na modalidade escrita, obtendo, desse modo, fundamentos
sistemáticos para ensinar a disciplina de Libras posteriormente. É,
portanto, uma experiência formativa que em sua organização indica
a provisão do contato com o bilinguismo, a cultura surda e o profis-
sional de tradução/interpretação em Libras (LACERDA, 2015; LODI,
2013; SKLIAR, 1997).  
Convém referir, ainda, que os seis professores possuem espe-
cialização; desse total, um possui mestrado em Educação pela Uni-
versidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e outro é mestrando
em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
No tocante ao tempo de atuação dos docentes de Libras no ní-
vel superior, um dos participantes atua no ensino da Libras há mais
de cinco anos, quatro atuam no intervalo de dois a cinco anos e um
atua no intervalo de tempo menor que dois anos. De uma forma ge-
ral, temos pouco tempo de atuação dos professores de Libras, e isso
se deve ao fato de que algumas Instituições de Ensino Superior (IES)
tardaram para adequar seus currículos, pois, segundo o no Art. 9º do
Decreto 5.626/2005:
A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensi-
no médio que oferecem cursos de formação para o magistério
na modalidade normal e as instituições de educação superior
que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de
professores devem incluir Libras como disciplina curricular,
nos seguintes prazos e percentuais mínimos: I – até três anos,
em vinte por cento dos cursos da instituição; II – até cinco
anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição; III –
até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição;
e IV – dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição
(BRASIL, 2005, p. 02).

Podemos inferir que o tempo para inserção da Libras nos


currículos das IES foi de dez anos, prazo expirado ao final do ano de

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99 •
2015. Esse tempo também se refere à formação dos professores de
Libras, o que se torna uma missão a longo prazo, fazendo com que o
tempo de atuação desse profissional seja mínimo.
Com relação às dificuldades dos professores a respeito da tra-
jetória formativa, os participantes da pesquisa assim as ­descreveram:
Antes, eu estava estudando na faculdade (...) que tinha difícil
muito porque não tinha intérprete. Depois passei no vestibu-
lar para curso de Letras Libras no polo da UFC/UFSC. Tinha
videoconferência em Libras que eu me merecia entender me-
lhor do mundo (Andrômeda)
(...) senti difícil de acessibilidade para comunicação na Uni-
versidade (Linux)
(...) difícil por causa segunda Língua Portuguesa (Lyra)
Antes eu sentir difícil só sobre passar ENEM, porque passado
não tinha acessibilidade (Hércules)
Já concluir faculdade ano 2010. Não sentir dificuldade, por-
que tem acessibilidade (Sagitta)

De acordo com as informações dos respondentes, elencamos


duas questões que circundam a acessibilidade de uma pessoa com
surdez: a presença do profissional tradutor/intérprete de Libras e a
dificuldade com a Língua Portuguesa (L2). Andrômeda, por exemplo,
especifica que sua primeira experiência no ensino superior era “[...]
difícil muito porque não tinha intérprete”. E quando esse contexto
acessível é viabilizado, ocorre como Sargitta relata: “Não sentir di-
ficuldade, porque tem acessibilidade”. É importante ressaltar que
a inclusão do intérprete de Libras no espaço educacional não res-
ponde a todas as necessidades do alunado surdo, sendo necessário
pensar de maneira ampla e complexa (LACERDA, 2015). No entan-
to, é fundamental que este profissional esteja presente no contexto
educacional. 
Para compor o último momento da pesquisa, os professores
confirmam, mediante resposta ao último questionamento, que a
presença do tradutor/intérprete de Libras tem estreita relação com
as necessidades e especificidades da educação de surdos. A pergunta

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foi esta: Quais são as adaptações necessárias para que o surdo possa
estudar?  A resposta remete ao provimento e construção de mate-
riais, por exemplo, “tradução em vídeos” (Aquarius), “tradução em
Libras” (Hércules), “acessibilidade em uso tecnológico” (Lyra). São
adaptações que apontam uma proposta bilíngue. 
Diante dos dados coletados, elencar as dificuldades enfrenta-
das pelos professores de Libras não se configura como uma solução
para os problemas de ensino, do aprender e ensinar para os surdos.
Contudo, traz uma indicação para revisão das leis que regem o ensi-
no dessa língua no nosso país, para que se minimizem os efeitos ne-
gativos das práticas de ensino.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo elucidar questões acerca da


acessibilidade de professores surdos em seu processo formativo.
Para tanto, conhecemos um pouco da história da educação de sur-
dos e as políticas educacionais nela inserida. Também descrevemos
a política de inclusão presente no Instituto Federal de Educação, Ci-
ência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE), como forma conhecer
e identificar, no lócus profissional dos sujeitos da pesquisa, iniciati-
vas pró-inclusão. 
Considera-se como contribuição relevante deste estudo o re-
conhecimento da importância do ensino bilíngue e o realce à cultu-
ra surda identificados na experiência do curso de Letras/Libras da
UFSC, conforme descrito pelos docentes surdos. A dificuldade reside
no uso da Língua Portuguesa em sua modalidade escrita. Destaca-se
que essa experiência apresenta esse perfil de aproximação com a co-
munidade surda, por se tratar de um curso de formação de professo-
res surdos em sua língua materna. Nesse sentido, restam indagações
para próximas pesquisas: como será a trajetória de formação para o
alunado surdo em outros cursos de licenciaturas ou bacharelados? 
Como, em sua trajetória profissional e formativa, os surdos conse-
guem lograr êxito, levando-se em conta a necessidade do acesso a
materiais em Libras e a desenvoltura na Língua Portuguesa escrita?

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KALINE ARAUJO MENDES DE SOUZA
101 •
Por fim, o maior desafio para promover a acessibilidade de
estudantes e professores surdos aos mais altos níveis de estudos
nas instituições públicas de ensino está, em primazia, na promoção
efetiva de políticas institucionais que respeitem a especificidade lin-
guística da pessoa surda. Esperamos que os resultados preliminares
desta pesquisa possam subsidiar a ampliação do debate acerca da
educação dos surdos e, sobretudo, contribuir para a consolidação de
condições de acesso e de permanência desses sujeitos nas Institui-
ções de Ensino Superior. 

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CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS


TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA
Neisse Evangelista da Costa Souza
José de Sousa Breves Filho
Andrea Moura da Costa Souza

Introdução

Sabe-se que o uso das tecnologias no âmbito educacional


é um assunto bastante discutido e, a cada dia, as discussões se am-
pliam, abrangendo outros espaços de aprendizagem. Dessa forma,
há um reconhecimento de que as Tecnologias da Informação e Co-
municação (TIC’s) têm um grande poder pedagógico. Por outro lado,
os avanços tecnológicos, aliados às TIC’s, apresentam mudanças sig-
nificativas em nossa existência, pois influenciam nossas vivências na
escola, família e sociedade, alterando nossa relação nos diferentes
setores da sociedade e, assim, mudando nossa forma de ver a reali-
dade, de nos comunicar e nos relacionar.
Percebendo essas transformações, a escola é convocada a re-
fletir sobre sua organização e função social, rever seu currículo e
estratégias docentes na busca de se inserir no mundo globalizado
e, ainda, promover a tão desejada educação de boa qualidade. Vale
destacar que convivemos com uma geração chamada de “nativos di-
gitais” que estão mergulhados nas TIC’s cotidianamente: computa-
dor, televisão, vídeo, sons e imagens fazem parte do mundo deles. O
acesso à Internet se amplia, principalmente, por meio dos celulares.
No quadro em que o docente precisa reconhecer esses fatos,
familiarizar-se e trazer os recursos para o chão da sala de aula, há
uma tentativa de apropriação dessas ferramentas. Desse modo,
apropriar-se desses recursos tecnológicos de forma adequada, com

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
107 •
intencionalidade educacional e bem planejada, com a finalidade de
desencadear com eficácia um processo de formar leitores proficien-
tes por meio do ensino e aprendizagem.
Nesse contexto descrito, a pesquisa aborda as concepções de
professores sobre a utilização das TIC’s na formação do leitor, tendo
como objetivo principal investigar as práticas de ensino, utilizadas
na Disciplina de Língua portuguesa com o uso delas. Assim, oportu-
nizando uma reflexão sobre as formas de contribuição das tecnolo-
gias para o processo de formação do leitor.
Convém ressaltar que não nos propomos a registrar uma “apo-
logia ao sucesso” e sim abordar não só o que na pesquisa não deu certo,
mas também os caminhos que precisamos rever e refazer, para que a
pesquisa prosseguisse com fidedignidade e ética. Como afirma Do-
minique ­Maingueneau, o trabalho de pesquisa é como um barco que
sabemos, previamente, de onde parte, entretanto não sabemos aonde
vamos chegar. O vento, as marés, enfim, as intempéries do tempo po-
dem nos desviar do percurso, inicialmente, pensado/traçado.
Para cumprir com seu escopo, este trabalho visa, de forma es-
pecífica, refletir sobre as práticas educativas, pensadas para a aqui-
sição, ampliação e formação do leitor na escola, visando demonstrar
a importância das tecnologias como recurso potencializador da lei-
tura na sala de aula e, ainda, identificar os limites e possibilidades
dos processos formativos vivenciados pelos alunos, no que diz res-
peito à relação estabelecida entre TIC’s e formação humana.
Assim sendo, nossa pesquisa é do tipo bibliográfico e de cam-
po, com abordagem qualitativa. O instrumento utilizado para co-
letar as informações foi um questionário com questões subjetivas,
aplicado aos professores da última série do Ensino Fundamental e ao
núcleo gestor da Escola dos Ventos (nome fictício). As questões aber-
tas favorecem não só colher dos docentes seus conhecimentos sobre
leitura e TIC’s, e os recursos tecnológicos utilizados em sua prática
de sala de aula, como também mostrar a relevância do uso das tecno-
logias e as contribuições que podem trazer para a formação do leitor.
Na análise dos dados, serão transcritos e considerados os re-
latos dos docentes em relação ao tema abordado, registrando suas

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 108

respostas de forma fidedigna, ao mesmo tempo em que se estabelece


um diálogo com alguns estudiosos que referenciam este trabalho de
pesquisa, por exemplo: Isabel Solé, Ângela Kleiman, José Breves Fi-
lho e outros. O diálogo fica expresso nas concepções de leitura dos
docentes e no uso (ou não) das TIC’s na formação do leitor, com: Vâ-
nia Valente, José Moran, Antonio Xavier e outros.
Assim como a Educação, cada tecnologia satisfez a seu tempo,
e comenta-se hoje, nos diversos espaços sociais, que estamos viven-
do a era da tecnologia e da ciência. O uso de tecnologia em Educação
não é recente. O processo educacional sistematizado utiliza, desde o
início, diversas técnicas, de acordo com cada época histórica. A tec-
nologia educacional “surge com a marca tecnicista e um caráter ins-
trumental, com um fundamento científico, com uma orientação prá-
tica e a pretensão de racionalizar a prática educativa” (VIDAL,2015
apud LION, 2002, p. 21).
Na sociedade da informação e da tecnologia, as TIC’s estão
presentes, de forma atuante, na vida das pessoas, por exemplo: ler
livros; estudar, construir materiais pedagógicos virtuais; participar
de cursos pela Internet; ministrar ou participar de palestra ou aula
por meio da web-conferência (via Skype); realizar transações bancá-
rias; fazer compras de todo tipo; realizar consultas (on-line); biblio-
tecas virtuais; encontrar lugares e se posicionar por meio de GPS;
ter acessos a materiais de temáticas diversas; baixar e ouvir músi-
cas; tirar fotos; buscar imagens; interação individual ou em grupos;
jogos etc.
Analisando, isoladamente, cada palavra que forma as TIC’s
(Tecnologias de Informação e Comunicação), compreende-se o seu
valor individual e, também, que a união delas ganha um novo forma-
to e significado. Ferreira (1986) conceitua tecnologia como sendo:
ciência cujo objeto é a aplicação do conhecimento técnico e científi-
co para fins industriais e comerciais; conjunto dos termos técnicos
de uma arte ou de uma ciência; tratado das artes, em geral; alta tec-
nologia, ou seja, o mesmo que tecnologia de ponta, de última gera-
ção, a mais avançada.

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
109 •
O autor supracitado define a palavra informação como: ato
ou efeito de informar; notícia (dada ou recebida); indagação; e escla-
recimento dado sobre os méritos ou estado de outrem. Em relação
à comunicação, o dicionário conceitua como: informação; partici-
pação; aviso; transmissão; notícia; passagem; ligação; convivência;
relações; e comunhão (de bens). Enquanto comunicação social de-
nota: um conjunto dos órgãos de difusão de notícias (imprensa, rá-
dio e televisão); prática ou campo de estudo que se debruça sobre a
informação: a sua transmissão, captação e impacto social.
No entanto, a integração dessas palavras forma as TIC’s que,
na Educação, ganha um significado especial, uma vez que pode con-
tribuir com o acesso, a equidade e a boa qualidade do ensino. Pen-
sando nisso, esquece-se de que, há milhares de anos, para haver uma
comunicação, usava-se fumaça, registros em pedras, desenhos, sím-
bolos e, posteriormente, cartas, telegramas e bilhetes. Desse modo,
perpetua-se, de geração a geração, uma forma oral e informal.
Na concepção de leitura exposta por Solé (1998), há um pro-
cesso de interação entre o leitor e o texto. Segundo a pesquisadora
espanhola, um leitor “ativo” dá sentido ao que lê, na medida em que
leva para o texto as suas vivências, permeadas por valores, ideias e
atitudes. Assim sendo, o leitor vai encontrando a finalidade de uma
leitura, situando-se no texto e construindo novos saberes, a partir da
leitura realizada.
Breves Filho (2012) enriquece essa linha de pensamento, en-
fatizando que a leitura vai além da decodificação de símbolos, pois
ela informa, dinamiza o raciocínio e possibilita a compreensão/in-
terpretação:
Se a leitura ajuda a organizar melhor os pensamentos, pode-
mos asseverar que a falta dela pode contribuir para tirar, da
fala e, ainda, da escrita, a fluência e a rapidez de raciocínio. A
leitura, também, contribui para aquisição de novas palavras
e expressões, ou seja, enriquece o vocabulário e aumenta o
nosso repertório de estruturas da língua com construções
inusitadas (BREVES FILHO, 2012, p. 2).

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 110

Portanto, um bom leitor é aquele que, a partir da leitura re-


alizada, entende a mensagem do texto, levando em consideração
conhecimentos prévios e realizando a compreensão e interpretação
nos níveis literal, inferencial e crítico. Em vista disso, a leitura pode
apresentar um ou mais objetivos. Conforme Solé (1998, p. 29-100), os
objetivos da leitura são: ler para obter uma informação precisa; para
seguir instruções; ler para obter uma informação de caráter geral;
para aprender; ler para revisar um escrito próprio; por prazer; ler
para comunicar um texto a um auditório; para praticar a leitura em
voz alta (sic); ler para verificar o que se compreendeu.
Nas palavras de Kleiman (2001), a leitura deve ser estimulada
e trabalhada em todas as disciplinas, dada a importância de um en-
gajamento cognitivo para a compreensão do texto escrito e, também,
um princípio para o entendimento de todas as outras aprendizagens.
Pelo fato de a leitura envolver todos os processos mentais,
Kleiman (2001) afirma que a leitura tem sido chamada de “a ativida-
de cognitiva por excelência”.
A compreensão de um texto (seja ele escrito ou falado) exige o
envolvimento da atenção e a percepção, a memória, o pensa-
mento. Esses processos mentais realizam, durante a leitura,
operações necessárias para a compreensão da linguagem,
tais como: o raciocínio dedutivo (...) e o raciocínio indutivo.
(KLEIMAN, 2011, p. 126)

Nessa perspectiva, o ato de ler nos remete à própria vivência.


Os argumentos, as hipóteses e o entendimento estão interligados a
situações de experiências, incorporadas ao longo da vida.
Vale destacar que a forma tradicional de transmissão de co-
nhecimento está passando por um processo de transformação,
apelando por um novo formato na maneira de ensinar e aprender.
Esse fato precisa ser considerado por todos os profissionais da área
­educacional.
Dessa forma, os avanços tecnológicos têm-se ampliado na
Educação e, por que não dizer, nas escolas. Vários programas de go-
verno têm proporcionado recursos midiáticos para inserir os profis-

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
111 •
sionais nesse mundo das tecnologias. Os recursos vêm de programas
como portais para professores, computadores, guias de tecnologias,
acompanhados de DVDs educativos com diversas temáticas, jogos,
simuladores etc.
Outros programas são voltados para a formação continua­
da dos professores e pessoas ligadas à área da Educação, como: o
“­ProInfo Integrado” que é um programa de formação, voltada para o
uso didático-pedagógico das Tecnologias de Informação e Comunica-
ção (TIC’s) no cotidiano escolar. Tudo isso articulado à distribuição
dos equipamentos tecnológicos nas escolas e à oferta de conteúdos e
recursos multimídia (e digitais), oferecidos pelo Portal do Professor,
pela TV Escola e DVD Escola, pelo Domínio Público e pelo Banco In-
ternacional de Objetos Educacionais. Apesar de estarem disponíveis
e com todos esses recursos, Kenski (2003) chama a atenção para o
seguinte fato:
Na verdade, um dos grandes desafios do mundo contemporâ-
neo consiste em adaptar a educação à tecnologia moderna e
aos atuais meios eletrônicos de comunicação. Nos anos 50 e
60, a tecnologia educacional era vista como sinônimo de re-
cursos didáticos. A partir da década de 60, o desenvolvimen-
to dos meios de comunicação de massa passou a revolucionar
o mundo em todos os setores, principalmente no campo da
Educação. (KENSKI, 2003, p. 44)

É compreensível que, com o advento das TIC’s, a sociedade


não pode e nem deve ficar à margem dessas novas tecnologias do co-
nhecimento por muito tempo. Assim, as instituições de formação,
também, não podem se excluir de importantes componentes que
fazem parte da sua cultura diária, como bem observa Vidal (2002):
De fato, quanto mais as novas tecnologias de informação e
comunicação se popularizam e se tornam elementos deter-
minantes de nossa vivência coletiva, de nossas práticas pro-
fissionais e dos momentos de lazer, tanto mais elas têm que
ser incorporadas aos processos escolares de aquisição e de
comunicação de conhecimentos. (VIDAL, 2002, p. 15)

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 112

No espaço escolar, as tecnologias não podem passar desperce-


bidas, visto que a clientela são crianças e adolescentes que convivem
com informações diversas, advindas de meios televisivos, aparelhos
de MP3, MP4, pendrive, câmeras digitais, iPod e celulares de última
geração com total acesso, computadores, Internet e todos os recur-
sos que essa traz.
Tendo em vista todo esse aparato tecnológico utilizado pelos
jovens em casa e nos diferentes lugares em que frequentam, supõe-se
que há um impacto na escola, na sala de aula e nas ações de professo-
res com quem passam um tempo maior. Sendo assim, os professores
são pressionados a buscar uma atualização e utilizar meios atrativos
para dinamizar e enriquecer o processo de ensino e aprendizado,
fornecendo subsídios para o crescimento desses estudantes.
A sociedade espera que a escola seja atuante nos quatro pi-
lares da educação: aprender a ser, a conhecer, a conviver
e a fazer, para chegar a um ser humano pleno, ideal do pon-
to de vista do desenvolvimento humano. Nesse aspecto, o
professor deve saber que o foco está mudando. O professor é
o orientador, mas é o aluno o executor, quem deve aprender
e desenvolver seu próprio conhecimento. (­PAROLIN, 2009,
p. 47)

Dessa forma, a escola cumpre seu papel quando olha para


o ser de forma integral, prepara-o para o mundo do trabalho e, ao
mesmo tempo, conduz muitas pessoas a aprender a conviver social-
mente, exercitando a democracia. Quando o currículo busca formar
cidadãos críticos e autônomos, abre espaços para a participação de
todos os que fazem a escola, fortalecendo laços de construção social.
Por outro lado, a escola executa a sua função quando aproxi-
ma o ensino da realidade local e os conteúdos ultrapassam os muros
da escola e se integram à vida de cada um, buscando uma dimensão
social relevante e mostrando que o ser humano aprende dia a dia nas
suas relações com o outro, enfim, nas experiências repassadas e na
alegria do bem-servir. Assim, o professor tem o papel de sistemati-
zar conhecimentos, tendo ao seu redor uma gama de instrumentos
tecnológicos a sua disposição.

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
113 •
No campo das TIC’s, significa que ele precisa conhecer as suas
potencialidades, saber lidar com elas, entender sua relevân-
cia, para que, a partir daí, possa reprogramar a sua maneira
de ensinar, de pensar, de pesquisar, de provocar a produção e
produzir conhecimento. (MORI, 2012, p. 6)

Nessa perspectiva, o currículo deve ser pensado e adequado à


realidade do aluno com fins de resolver situações-problema, instigar
a pesquisa, o diálogo, o ensino e a aprendizagem de forma atrativa.
Quanto ao professor, deve-lhe ser dadas condições mínimas para o
seu exercício no ensino: espaço adequado; formação inicial e conti-
nuada; gestão democrática; planejamento; materiais e instrumentos
que enriqueçam sua prática docente.
Levando em consideração o que foi até aqui exposto, podemos
afirmar que as TIC’s devem ser consideradas um recurso facilitador
da prática docente e no processo de Ensino e Aprendizagem da dis-
ciplina de Língua portuguesa. As tecnologias conectaram o mundo,
transformando-se numa grande teia que influencia a vida das pesso-
as em todos os aspectos, modificando as comunicações, as relações
de consumo e alterando o formato de competitividade no mercado
de trabalho. Neste período de grandes transformações, o educador
precisa compreender que o seu papel sofreu mudanças, ou seja, deve
ser concebido como um organizador de diálogo em sala de aula, um
mediador do conhecimento, sendo um efetivo orientador, incentiva-
dor e norteador do uso desses instrumentos tecnológicos.
É importante ressaltar que esta era de mudança pede profes-
sores flexíveis, preparados para se adaptarem a novas situações em
sala de aula. Contudo, há uma forte tendência que pode induzi-los a
ficar na área de conforto e trabalhar de forma que exija menos esfor-
ço, pois o novo requer flexibilidade e ousadia. Entretanto, de acordo
com Parolin (2009), a escola precisa superar suas dificuldades, pois o
poder de transformação está na ação de seus profissionais, no senti-
do de produzir uma educação de boa qualidade, o que inclui instru-
ção por desenvolvimento de conhecimento e habilidades e formação
da cidadania.

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 114

Assim sendo, ao professor cabe rever suas funções e finalida-


des relacionadas ao aluno no chão da sala de aula. O termo mediação
ganha um novo sentido, quando essa atuação vai além do auxílio do
professor para o desenvolvimento do aluno, uma vez que o professor
já não é mais o detentor do saber e as aprendizagens acontecem de
forma compartilhada.
Nesse novo cenário da Educação, o educador muda sua pos-
tura quando sai da condição um mero transmissor de informações
e passa a interagir com seu aluno, favorecendo, assim, as instruções
para alcançar conhecimento. O docente é um ser capaz de elaborar
conceitos, descobrir habilidades e vivenciar valores que o define
como protagonista do seu saber, transformando-se em um cidadão
que delimita espaços e faz história, uma pessoa autêntica, crítica e
com personalidade marcante, capaz de decidir os rumos. É o agente
que, no mundo globalizado, deve revestir-se dessa ousadia midiáti-
ca, a fim de transportar para suas ações docentes.
Desse modo, cabe aperfeiçoar o seu fazer por meio da utili-
zação dos diferentes tipos de mídia, utilizando-os com o objetivo de
crescer pessoal, cultural e profissionalmente. Nesse novo processo,
o professor não é relegado a um segundo plano, pelo contrário, ele é
peça-chave nesse processo.
Em um mundo que muda rapidamente, o professor deve es-
tar preparado para auxiliar seus alunos a lidarem com estas
inovações, analisarem situações complexas e inesperadas; a
desenvolverem suas criatividades; a utilizarem outros tipos
de “racionalidades”: a imaginação criadora, a sensibilidade
táctil, visual e auditiva, entre outras. (KENSKI, 2001, p. 104)

Por conseguinte, a leitura aliada ao uso das tecnologias na Disci-


plina de Língua portuguesa são práticas que podem ser pensadas pela
escola e professores, considerando que são instrumentos presentes na
vivência da juventude, por isso, o professor tem de transformá-los em
ações pedagógicas que dialoguem com o universo dos alunos.
É necessário esse tipo de interatividade – escola-professor-co-
nhecimento/aluno, para alcançar um aprendizado diferenciado que

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
115 •
respeite a situação e o espaço do aluno, um saber gerado a partir do
que o aluno sabe, quer dizer, respeitando o seu conhecimento pré-
vio, bem como os problemas, vivências e demandas encontrados no
lugar em que o discente vive, para onde, certamente, ele voltará re-
alimentado pelas reflexões e práticas educacionais, com o propósito
de transformar a realidade, antes ­apresentada.
As teorias da aprendizagem e as metodologias de ensino há
muito tempo orientam a prática docente no sentido de que o
ponto de partida da ação pedagógica é de “onde os alunos se
encontram”. Partir do que eles conhecem, gostam e se entu-
siasmam para poder desenvolver com eles mudanças signifi-
cativas que se configurem como “aprendizagens”. Vale então
a pergunta: onde estão nossos alunos? O que sabem? Do que
gostam? Como podemos partir da realidade deles para ajudá-
-los aprender mais? O que aprender? De que modo? (KENSKI,
2013, p. 96).

Metodologia

Tendo em vista dar uma resposta aos objetivos traçados, foi


realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico e de campo, com
abordagem qualitativa. Para a coleta de dados, utilizou-se um ques-
tionário com perguntas abertas, aplicado aos professores que minis-
tram as aulas de Língua portuguesa, na última série do Ensino Fun-
damental, na Escola dos Ventos (nome fictício). Na análise dos dados,
são considerados, fidedignamente, os relatos dos docentes que fo-
ram transcritos pela pesquisadora, em relação ao assunto abordado
e ao aprofundamento propiciado pelos autores que referenciam o
trabalho de pesquisa.

Análise e discussão

Para analisar as práticas de ensino, utilizadas na Disciplina


de Língua portuguesa com o uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação e, desse modo, compreender a concepção dos pro-
fessores sobre o uso dessas TIC’s na formação do leitor, foi feita

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 116

uma análise de suas respostas, embasada em autores estudiosos


da área.
É preciso enfatizar que, ao citarmos as falas dos participantes
(em itálico) que responderam o questionário, usou-se a letra “P” (de
Participante), acompanhada de um número que representa a ordem
da sequência em que ele(a) respondeu o questionário.
Nas afirmações de alguns autores, já expostas neste texto, há
uma ênfase na necessidade do uso das TIC’s no processo de ensino-
-aprendizagem, visto que a existência das novas tecnologias trouxe
alterações nas formas de ler. Por isso, é preciso ter alguns referen-
ciais que possam embasar um novo olhar para o contexto de apren-
dizagem da leitura. Como bem se sabe, no Ocidente lemos da esquer-
da para a direita e de cima para baixo. Por outro lado, a organização
de um texto híbrido (com linguagens distintas) obedece à seguinte
disposição: o texto visual (não-verbal), normalmente, está acima do
texto verbal (BREVES FILHO, 2004).
Dos anos 60 para cá, com o novo status da Ciência da Lingua-
gem (a Linguística/ a Semiótica), a relação entre o texto visual/verbal
ganhou, por meio das pesquisas realizadas, um arranjo inusitado.
Em outras palavras, antes se acreditava que a função do texto visual
era ratificar, reiterar, corroborar o que o texto verbal dizia. No en-
tanto, na Análise do Discurso de origem francesa, atualmente, de-
fende-se que o sentido do texto não está nem no texto visual nem no
verbal, mas sim no diálogo existente entre os dois, ou seja, no amál-
gama formado pela fusão de dois textos em uma só leitura (BREVES
FILHO, 2004). Dessa forma, exige-se do leitor novas habilidades de
leitura para um leque variado de linguagens, havendo necessidade
de explorar novos conhecimentos para a compreensão e interpreta-
ção de diferentes textos.
Ao ser indagada sobre a sua concepção de leitura e TIC’s, a P1
comentou: leitura é a forma como se interpreta um conjunto de in-
formações. É uma interpretação pessoal. A P2 enfatizou que leitura
é muito mais do que uma decodificação de símbolos ou códigos. É a ca-
pacidade humana de compreensão e interpretação onde tem muitas
finalidades que ajudam na formação humana. (sic)

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
117 •
Levando em consideração os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (2001), o documento que orientou as práticas pedagógicas, ao
abordar a l­ eitura:
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho
ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus
objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o au-
tor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gêne-
ro, do portador, do sistema de escrita etc. (2001, p. 53)

Vale salientar que as participantes mencionam que ler é algo


dinâmico que dá sentido ao que está no texto, mas vai além do que
está escrito. Portanto, a leitura é desvendada e cumpre o seu obje-
tivo quando consegue compreender o que está por trás dos sinais
gráficos, quando é capaz de explorar os símbolos que visualiza e in-
terpreta o que está nas entrelinhas, tendo em vista que a leitura pro-
picia compreender/interpretar e agir sobre o mundo real. Porém,
ambas não demonstraram conhecer, metodologicamente, os limites
da compreensão e da interpretação.
Em relação ao entendimento da P1 sobre as TIC’s, ela definiu
como: um conjunto de recursos tecnológicos, utilizados de forma inte-
grada, que tenha um objetivo em comum. Enquanto a visão que a P2
tem das TIC’s é que são instrumentos que levam ao discente e, princi-
palmente, ao docente uma informação mais rápida, mais ampla. São
meios técnicos usados para tratar a informação e auxiliar na comuni-
cação de uma forma moderna.
Assim sendo, a concepção das participantes é complemen-
tada pelo pensamento de que “as TIC’s é o resultado da fusão das
telecomunicações, da informática, e das mídias eletrônicas e ser-
vem de ferramentas mediadoras do processo educacional” (BOHN,
2011, p. 31).
Analisando os conceitos apresentados pelos(as) professo-
res(as) participantes dessa pesquisa, percebe-se que uma educação
mediada por esses recursos tecnológicos traz outro formato para a
Disciplina de Língua portuguesa, isto é, as TIC’s sendo relacionadas
com a disciplina em questão à docência:

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 118

[...] significa o domínio pelo indivíduo de funções e ações


necessárias à utilização eficiente e rápida de equipamentos
dotados de tecnologia digital, tais como computadores pes-
soais, telefones celulares, caixas-eletrônicos de banco, toca-
dores e gravadores digitais, manuseio de filmadoras e afins.
O letrado digital exige do sujeito modos específicos de ler e
escrever os códigos e sinais verbais e não-verbais. (XAVIER,
2011, p. 6).

Em vista disso, a utilização desses equipamentos possibilita


pensar estratégias educativas diferentes para realizar leituras, pois
evidenciam um processo de ensino e aprendizagem diferenciado das
práticas em que se utiliza, quadro, giz e livros.
Assim, parece ficar claro que as TIC’s, cada vez mais, se inse-
rem na vida das pessoas, constituindo-se elementos essenciais que
devem estar presentes nas escolas, em níveis e modalidades como
recurso fundamental para o desenvolvimento dos estudantes. Os(as)
docentes, participantes da pesquisa, foram indagados(as) sobre a
sua prática pedagógica em sala de aula, buscando informações sobre
as Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC’s, utilizadas para
o desenvolvimento da leitura ou para outras atividades.
Dessa forma, a P1 respondeu: sim, já fiz uso das TIC’s, como por
exemplo: áudio de letra de músicas (celular, data-show, pendrive, no-
tebook, celular para filmagem).
Vale destacar que a resposta da P2 foi semelhante à da P1, ao
relatar: sim já fiz uso das TIC’s em minha sala de aula (uso de note-
books, data-show), para levar uma informação de forma mais moder-
na, mais atual para o meu aluno onde haja um interesse maior desse
aluno. (sic) Complementa: já fiz uso dos telefones móveis dos próprios
alunos em momentos de pesquisas, para que houvesse uma interação
maior do aluno com o conteúdo de forma mais atual e que chamasse
mais a atenção dele. Ressalta, ainda, o(a) pesquisado(a) que isso é
muito bom na hora da leitura, permite essa atenção e esse interesse
maior do aluno com a leitura, porque é algo que faz parte da leitura.
Vale enfatizar que uma reflexão se faz necessária, ao nos de-
pararmos com as afirmações dos(as) docentes: as tecnologias, por si

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
119 •
só, não representam mudança pedagógica, não gera conhecimento
se essas forem utilizadas como suporte para passar o tempo ou re-
passadas como meras mensagens ilustrativas sem o caráter reflexi-
vo. Conforme cita Fróes:
Os recursos atuais da tecnologia, os novos meios digitais: a
multimídia, a Internet e a telemática trazem novas formas de
ler, de escrever e, portanto, de pensar e agir. O simples uso
de um editor de textos mostra como alguém pode registrar
seu pensamento de forma distinta daquela do texto manus-
crito ou mesmo datilografado, provocando no indivíduo uma
forma diferente de ler e interpretar o que escreve, forma esta
que se associa, ora como causa, ora como consequência, a um
pensar diferente. (2002, p. 57)

De fato, no mundo em que vivemos, totalmente influenciado


pelas mídias tecnológicas, a Educação não pode ficar à parte. Se as
escolas, o currículo, as salas de aula não contemplarem as tecnolo-
gias estarão em sentido contrário à realidade do aluno, visto que es-
ses recursos fazem parte do dia a dia do ser humano, principalmen-
te, do jovem.
Finalmente, o último questionamento aborda a contribui-
ção dada aos(às) docentes por esses recursos tecnológicos em sala
de aula, solicitando que citem algumas contribuições para o apren-
dizado da leitura. A P1 respondeu que sim. Possibilita ao leitor um
maior interesse ao mundo da leitura (especialmente, aqueles que têm
pouco interesse pela leitura), por acharem ser mais atrativa. (sic)
Quanto à P2, também, respondeu: sim. Sem dúvida, as TIC’s trou-
xeram primeiro para o professor, depois para o aluno uma gama
enorme de novas possibilidades, inovando métodos de ensino que
contribui para um aprendizado satisfatório de uma leitura de exce-
lência. (sic)
Por meio das respostas dos sujeitos, é possível entender que
as TIC’s tornam as aulas de leitura atrativas e diversificadas, pois
os variados recursos instigam o desejo e a curiosidade, motivando
os discentes na participação ativa e facilitando a aprendizagem. As
TIC’s vêm revolucionando...

CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 120

Como constatado, a inserção das TIC’s no ensino pode pro-


mover transformações no professor, no aluno, na escola e
no processo de ensino e de aprendizagem. Com as novas tec-
nologias, a escola pode transformar-se em um conjunto de
espaços ricos de aprendizagens significativas, presenciais e
digitais, que motivem os alunos a aprender ativamente, a pes-
quisar o tempo todo, a serem proativos, a saber tomar inicia-
tivas e interagir. (MORAN, 2013, p. 31).

Sendo assim, as TIC’s podem contribuir para o desenvolvi-


mento desses saberes, desde que o professor busque novas metodo-
logias/tecnologias, apropriando-se delas e utilizando-as de maneira
significativa em sala de aula.

Considerações finais

Ao longo dessa discussão, percebe-se que as Tecnologias da


Informação e Comunicação estão presentes nas diversas situações
da vida dos adolescentes. Isso é um fato corriqueiro que não pode ser
desprezado nem pela escola nem tampouco pelo professor.
Esse aspecto é de fundamental importância para convocar o
professor a refletir sobre a necessidade de ampliar o uso das TIC’s
na sala de aula, principalmente na Disciplina de Língua portuguesa,
com a finalidade de ampliar a competência leitora dos alunos. A so-
ciedade da informação se configura como tecnológica, recebendo in-
fluência na sua forma de comunicar, na interação com outras pesso-
as, no consumir, no pensar, enfim, no viver. Embora os professores
reconheçam a importância de trabalhar com as TIC’s na Disciplina
de Língua portuguesa e até as utiliza em algumas atividades, dentro
da disciplina para o desenvolvimento do processo de leitura estão,
ainda, muito distantes do papel de participar ativamente do mundo
das tecnologias.
Contudo, fica evidenciado que as ações com uso das mídias
não são uma prática permanente, planejada intencionalmente e
continuada. Vê-se ainda como um desafio que se apresenta aos do-
centes nos dias de hoje a abordagem das TIC’s com funções peda-

NEISSE EVANGELISTA DA COSTA SOUZA | JOSÉ DE SOUSA BREVES FILHO | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA
121 •
gógicas, pois, no chão da sala de aula, as ferramentas tecnológicas
são utilizadas como recursos técnicos para ilustrar um conteúdo
ou complementar um assunto abordado por enquanto que essas
tecnologias deveriam fazer parte, estando inseridas ao longo do
processo de ensino e aprendizagem, para tornar as aulas atrativas
e ­prazerosas.
Diante disso, a escola deve rever a sua prática, ações e fun-
ções, visto que é importante e urgente que ela saiba se beneficiar da
facilidade, da habilidade e da necessidade que o jovem tem no uso
das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, para contri-
buir por meio dessas com o crescimento intelectual dos educandos,
ao mostrar-lhes como a tecnologia pode ser usada de modo atrativo e
responsável na sua formação escolar, profissional e pessoal.
Por isso, o uso das tecnologias não representa mudança pe-
dagógica, não gera conhecimento, se forem utilizadas como suporte
para passar o tempo ou repassadas como meras mensagens ilustra-
tivas, sem um propósito reflexivo. As novas tecnologias devem ser
conhecidas e aplicadas pelo educador como ferramentas de ensino,
planejando a sua utilização e criando metodologias de inserção que
favoreçam a aprendizagem.
É necessário valorizar e planejar para a utilização das TIC’s no
processo de ensino e aprendizagem, porque o fato de fazer uso delas
na sala de aula para um determinado fim não significa que houve um
aprendizado. A construção do saber, seja para potencializar o apren-
dizado da leitura, seja para outras atividades, exige um objetivo bem
definido, já que o êxito nessas atividades desenvolvidas não está, so-
mente, nas tecnologias, mas em quem as veicula, retroalimenta, nos
valores disseminados e nas motivações de quem as transmite.

Referências

BOHN, Carla Silvanira. A mediação dos jogos eletrônicos como estímu-


lo do processo de ensino-aprendizagem. (Dissertação) Mestrado em
Engenharia e Gestão do Conhecimento, UFSC, Florianópolis, 2011..

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CONCEPÇÕES DOCENTES SOBRE A LEITURA E O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA


• 124

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA


UNILAB: A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA
Michella Rita Santos Fonseca
Luma Nogueira de Andrade

Introdução

Opresente estudo trata de um relato de experiência de cará-


ter descritivo-analítico realizado durante minha atuação como dis-
cente na componente curricular Estágio de Docência do Programa
de Mestrado em Ensino e Formação Docente da UNILAB/IFCE com a
orientação da Profª. Drª. Luma Nogueira de Andrade. A duração da
experiência foi de aproximadamente quatro meses, entre agosto e
dezembro de 2019, com encontros semanais com discentes da gradu-
ação de Pedagogia especificamente na disciplina teórico-prática de
Estágio em Gestão Educacional nos Países da Integração, ministrada
também pela referida professora, ligada à matriz curricular do cur-
so de Pedagogia da UNILAB.
O referido componente curricular é de caráter teórico, com
carga horária de 60 horas, e tem como objetivos: aproximação com a
realidade da escola como campo de práticas educativas; problemati-
zação das experiências vivenciadas no cotidiano escolar; elaboração
de registros reflexivos sobre a prática e sobre o desenvolvimento; e
aplicação de objetos educacionais. Diante da importância desta vi-
vência para formação profissional, objetivamos relatar as atividades
desenvolvidas e a experiência vivenciada no exercício da docência.
Os dados que permitiram o desenvolvimento deste relato foram
obtidos durante a realização do estágio docente, oriundos da partici-
pação e envolvimento dos(as) estagiários(as) neste processo. Ao final,
produzimos um relatório para descrição das atividades executadas e

MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


125 •
da percepção dos alunos sobre o estágio. Por meio deste, as atividades
foram avaliadas pela professora orientadora do componente curricu-
lar, e assim extraímos as experiências vivenciadas para a confecção
deste. O relato é baseado no desenvolvimento das estratégias executa-
das em sala de aula, nas experiências adquiridas pela convivência com
os discentes e com a professora da componente curricular, conside-
rando os desafios enfrentados ao longo deste processo.

Do estágio de docência ao estágio em gestão educacional

Propomo-nos a aqui discutir acerca dos pilares basilares dos


cursos de formação de professores, estágio e pesquisa na pós-gradu-
ação e na graduação, para então refletir sobre o papel e a importân-
cia desses pilares na construção da escrita científica, contribuindo,
assim, na formação de futuros professores.
O estágio docente consiste em um estágio supervisionado
nesta área, acompanhado por um(a) docente qualificado(a), consi-
derado etapa indispensável no processo de formação profissional do
professor. Essa etapa proporciona a articulação dos saberes teórico/
práticos, bem como possibilita o envolvimento do(a) aluno(a) estagi-
ário(a) na docência nas diversas situações de ensino-aprendizagem,
assim como nos desafios da prática ­pedagógica.
Normalmente, a graduação é vista pelos(as) licenciandos(as)
como um relevante espaço de socialização e formação, capaz de res-
significar a identidade do pedagogo. Contudo, as pesquisas indicam
que a formação crítica deste deve ser pensada pelos(as) formado-
res(as) coletivamente, fundamentando-se em perspectivas emanci-
patórias. Daí a necessidade do entrelace “das dimensões estágio e
pesquisa como forma de compreender e operar a prática pedagógica
na formação de professores (...)” (LAGO, 2019, p.118).
As narrativas em torno de estágio e pesquisa contribuem com a
formação à medida que as experiências formadoras e as recordações
da escolarização permitem ao profissional ressignificar o seu traba-
lho e potencializar a própria prática. Comumente construímos uma
visão equivocada sobre o desempenho da profissão do(a) pedagogo(a),

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA UNILAB: A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA


• 126

o que o restringe a prática pedagógica. No entanto, “A prática peda-


gógica por excelência é um exercício constante e permanente dessa
relação permeada pela teoria estudada e refletida que vai iluminando
a prática e é iluminada por ela” (VICENTIN; MARTINS, 2019, p. 167).
Ao enfatizar a prática pedagógica, fundamenta-se a identida-
de do(a) pedagogo(a); os estudos revelaram que este é um construto
sócio-histórico-cultural que começa a ser desenvolvido na forma-
ção, recebe influência da organização curricular e se consolida no
exercício profissional. Esses mesmos estudos revelam que os co-
nhecimentos construídos durante a formação são significativos na
constituição da identidade do pedagogo, mas não são determinantes
nesta, haja vista sofrerem contribuições das pesquisas no ínterim do
curso, em grupos de estudos, em debates e nos espaços formativos
na construção da aprendizagem.
Assim, aprende-se pela pesquisa e essa aprendizagem trans-
forma as realidades. “Aprender é ampliar os mundos já conhecidos,
acrescentar novas palavras às descrições e interpretações que se
consegue fazer do novo mundo. Aprender é ampliar o mundo e a re-
alidade em que se vive” (MORAES, 2017, p. 31). E para aprender é ne-
cessário investigar, pesquisar, explorar novos caminhos sem medo
do erro.
Para compreendermos o estágio e sua potencialidade forma-
tiva, é crucial começarmos a enxergá-lo para além da prática, como
nos afirma Pimenta e Lima (2014, p. 55):
O estágio, então, deixa de ser considerado apenas um dos
componentes e mesmo um apêndice do currículo e passa a
integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de
professores. Poderá permear todas as suas disciplinas, além
de seu espaço específico de análise e síntese ao final do curso.
Cabe-lhe desenvolver atividades que possibilitem o conheci-
mento, a análise, a reflexão do trabalho docente, das ações
docentes, nas instituições, a fim de compreendê-las em sua
historicidade, identificar seus resultados, os impasses que
apresenta, as dificuldades. Dessa análise crítica, à luz dos
saberes disciplinares, é possível apontar as transformações
necessárias no trabalho docente, nas instituições.

MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


127 •
Assim, deixando de lado a percepção de estágio restrito à prá-
tica, imergimos em uma prática desenvolvida ao lado de uma teoria,
responsável por conduzir os estagiários(as) a desenvolverem em si
a aquisição da habilidade de realizar uma consolidação entre os as-
pectos pedagógicos vistos nas componentes curriculares ao longo do
curso, os conhecimentos escolares propostos no currículo escolar e
a edificação do ser docente.
Sendo elemento principal do estágio em gestão, a pesquisa,
por sua vez, possibilita uma aproximação do(a) pedagogo(a) com
os(as) gestores(as) da instituição escolar, de forma a entender o de-
sempenho do cargo frente à atuação do profissional da Pedagogia.
No pensamento de Pimenta e Lima (2014, p. 46):
A pesquisa no estágio, como método de formação de futuros
professores, se traduz, de um lado, na mobilização de pesqui-
sas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde
os estágios se realizam; por outro, em especial, se traduz
na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e
habilidades de pesquisador a partir de situações de estágio,
elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo
compreender e problematizar as situações que observam.

Uma pesquisa no estágio desenvolve uma formação de cunho


duplo: por um lado valoriza no(a) estagiário(a) uma aproximação te-
órico-prática e na formação do(a) pedagogo(a) à prática da pesquisa
como premissa da atuação, desenvolvendo aspectos da inter-relação
entre teoria e prática, a partir das observações, definida por Barrei-
ro e Gebran (2006) como uma ação de olhar atentamente para uma
dada realidade e perceber as nuances que a circunda.

A construção da escrita científica: a experiência de estágio
em pesquisa

Sabemos que a participação em atividades de pesquisa faz


parte da trajetória acadêmica de muitos(as) estudantes de gradua-
ção, haja vista serem interessantes para a academia alunos(as) cons-
trutores(as) do caráter dialético, transformadores(as) das experiên-

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA UNILAB: A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA


• 128

cias teóricas em práticas, partindo de pesquisas em direção à práxis.


Assim, o ensino superior almeja a construção do espírito científico,
que, por sua vez, decorre da participação em atividades que envol-
vem a aprendizagem, compreendendo seu papel de pesquisador na
comunidade científica na qual está inserido (HURTADO et al., 2011).
Assim, as atividades de pesquisa direcionadas à construção
de trabalhos científicos são de demasiada importância no decorrer
do ensino superior, e necessárias aos(as) alunos(as) que almejam a
carreira de docentes pesquisadores.
Partindo dessas premissas nos remetemos ao desenvolvimen-
to do estágio de pós-graduação, fundamentado à pesquisa, à aprendi-
zagem, à escrita científica, atrelado também ao estágio de licencian-
dos(as) em Pedagogia. Em um sentido mais complexo, partimos do
princípio de uma relação proximal da pesquisa entrelaçada às prá-
ticas de estágio, pois “É justamente no arcabouço da produção cien-
tífica que se pode encontrar referência para articulação de estágio e
pesquisa” (LAGO, 2019, p. 121).
Para melhor compreensão dos processos desenvolvidos no
percurso da integração dialógica pós-graduação e graduação aqui
narrados, é necessário enfatizar a perspectiva do projeto, da expe-
riência e dos diálogos que fundamentaram esta integração. Este di-
álogo ocorreu no segundo semestre de 2019, especificamente entre
agosto e dezembro, quando já tínhamos a ideia de desenvolvermos
também a oficina de produção de artigos científicos, como produto
do estágio de docência, componente curricular do PGEF-UNILAB/
IFCE1, o que foi de bastante interesse tanto da professora orientado-
ra do estágio quanto da estagiária.
A experiência consistiu em desenvolver uma oficina direcio-
nada à construção de um artigo científico, com 14 (quatorze) alu-
nos(as) do Curso de Licenciatura em Pedagogia que estavam finali-
zando a vivência do processo de Estágio Supervisionado em Gestão
Educacional. O objetivo foi de incentivar a pesquisa, ao articular a
1 PPGEF Programa Associado de Pós Graduação em Ensino e Formação Docente – Uni-
versidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira -UNILAB e Institu-
to Federal do Ceará – IFCE, criado em 2019. (http://ppgef.unilab.edu.br).

MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


129 •
atividade de estágio com a produção do artigo no qual apresenta-
riam a experiência da prática dinamizada com a teoria adquirida no
decorrer de sua formação acadêmica.
A oficina teve como tema: Construção de um artigo científico.
Objetivou contribuir com o desenvolvimento da escrita científica no
campo educacional, bem como para a formação acadêmica dos alu-
nos de pedagogia da UNILAB. Para tanto, faz-se necessário: orientar
o estudante à identificação e análise crítica dos principais compo-
nentes de um artigo científico; possibilitar o estudante a escrever
um artigo científico; e contribuir com o aumento da qualidade da
produção científica dos(as) estudantes de Pedagogia da UNILAB.
No decorrer da oficina foram definidos temas, problemas e
dados da pesquisa de interesse dos licenciandos, ao passo que eles
desenvolviam as atividades orientadas no campo de estágio. Aos(as)
alunos(as) foi explicado cientificamente cada passo para a constru-
ção de um artigo científico e, na sequência dos encontros, entrega-
mos um instrumental para a construção do roteiro de pesquisa, no
qual, ao explicar as definições, os alunos responderam sobre: o tema
(o que pretende pesquisar? O que trouxe dúvidas e/ou inquietações
no decorrer do estágio?); delimitação do tema (minha pesquisa gira
em torno de...); justificativa (vou pesquisar sobre este assunto por
quê? Por que escolhi esse tema? O tema que escolhi é importante?
Qual a relevância deste tema para estudos futuros?); problema (qual
a problemática geradora do meu tema?); objetivos (de modo geral,
o que pretendo alcançar com a execução desta pesquisa?); metodo-
logia (como atingir meus objetivos? Quais são os principais autores
(teóricos) que concordam e que discordam, ou que debatem o tema
escolhido?); e, a utilização dos resultados (a pesquisa será apresen-
tada de forma?).
Ao finalizarem os instrumentais, orientamos a construção
do texto científico, como se compõe a introdução, para que dessem
sequência ao referencial teórico, que, por sua vez, foi desenvolvido
utilizando a técnica de: Apresentar, Citar e Comentar – ACC (LIMA,
2019). Ao término da oficina solicitamos os(as) licenciandos(as) ava-
liarem os momentos, sem espaço para identificação, pois objetiva-

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA UNILAB: A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA


• 130

mos ouvi-los, para compreendermos as experiências na formação,


bem como para ressignificar a prática vivenciada. Este instrumental
contou com apenas três aspectos: Que bom, Que pena e Que tal.
Salientamos que dentre as avaliações nenhum aspecto negati-
vo foi apresentado; no entanto, no espaço destinado a “Que pena” nos
chamou a atenção: a indicação de que os encontros duraram pouco
tempo: “Desejaria que oficinas iguais a estas fossem aplicadas perio-
dicamente” (Aluno(a) 3). O revelado foi bastante significativo para
nós que a elaboramos e a desenvolvemos; no entanto, percebeu-se a
dificuldade de atuação para o(a) aluno(a) estudante não profissional
do turno da noite, que pouco pode participar dos momentos que a
academia lhe oferta. Ademais, a oficina se mostrou bastante signifi-
cativa para eles(as):
“Adorei a oficina, estava no escuro com relação ao meu artigo,
com sua ajuda, consegui clarear minhas ideias, pensar, refle-
tir sobre o meu tema, escrever. Obrigada.” (Aluno(a) 05)
“Foram momentos válidos para tirar minhas dúvidas, fortale-
cer nossos aspectos e intensificar nossas competências acadê-
micas” (Aluno(a) 09).
“A oficina me auxiliou a compreender melhor como se estru-
tura um artigo, a construção das partes juntamente comigo,
possibilitou uma visão mais ampla e prazerosa para a escrita
acadêmica” (Aluno(a) 02)
“A oficina proporcionou ao aluno a informação que comumen-
te os componentes curriculares de metodologia não dão conta,
principalmente quanto à elucidação de um texto que é muito
solicitado no meio acadêmico. Além de potencializar o desejo
de continuar publicando, bem como o ingresso ao mestrado”
(Aluno(a) 12).

Tais avaliações gratificantes foram potencializadas ao se per-


ceberem na academia diante da apresentação e publicação de suas
pesquisas em um evento internacional organizado pelo Grupo de
Pesquisa EDDocência – Educação, Diversidade e Docência, em con-
junto com o a turma do curso de mestrado em Ensino e Formação
Docente do PPGEF-UNILAB/ IFCE.

MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


131 •
Vislumbramos inicialmente utilizar as produções dos(as) alu-
nos(as) interessados à publicação de um livro; no entanto, nossos
planos foram além, pois a Universidade abrira inscrições para o I
Congresso Internacional em Ensino e Formação – CIEF, o que culmi-
nou em excelente oportunidade a todos(as) para o reconhecimento
da escrita científica, considerando a avaliação por especialistas e a
“publicação dos estudos de forma a possibilitar a reflexão de outros
investigadores sobre os resultados obtidos pelos(as) autores(as),
uma vez que esse dissemina seu conhecimento e autoriza aos demais
o acesso a sua produção” (OLIVEIRA et al. 2014, p. 254).
Neste viés, ressaltamos que dos 14 (quatorze) alunos(as) da
graduação que participaram da oficina, 07 (sete) produziram, cada
um, seu próprio artigo, considerando a prática no estágio em gestão
vivenciada por meio da metodologia de pesquisa. Todos os trabalhos
submetidos foram aprovados para o CIEF e os(as) 07 (sete) alunos(as)
que não subteram o trabalho alegaram a falta de tempo em razão da
tríade trabalho profissional, afazeres com outras disciplinas da uni-
versidade e cuidado com a família, como obstáculo para a conclusão
do produto final. Assim, as pesquisas desenvolvidas puderam ser
apresentadas em um encontro científico, com publicação em anais
digitais.
A partir disso, constatamos a relevância da articulação desen-
volvida entre os estágios da pós-graduação e graduação apresentado
para potencializar a habilidade da escrita no desempenho acadêmi-
co, produção do conhecimento e a importância da informação sobre
os procedimentos de elaboração de textos acadêmicos (MACHADO,
2002).

Tecendo considerações

A vivência do estágio de docência compartilhada neste relato


de experiência possibilitou conhecer estratégias de ensino, compar-
tilhar o conhecimento, a prática com os(as) graduandos(as) e aproxi-
mação com a professora de estágio. Possibilitou ainda refletir sobre
a prática docente, e, principalmente, contribuir para o aperfeiçoa-

DIÁLOGOS ENTRE A PÓS-GRADUAÇÃO E A GRADUAÇÃO NA UNILAB: A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA CIENTÍFICA


• 132

mento desta, reconhecendo que o processo de ensino-aprendizagem


é uma constante na vida do(a) professor(a).
Destacamos aqui a relevância da atuação da professora orien-
tadora dos estágios mencionados, devido à metodologia inovadora
adotada para articular a disciplina da pós-graduação com a da gra-
duação, e ao seu aporte teórico-prático que deveras contribuiu para
o desenvolvimento de tal experiência, visto que a docência se apren-
de com a prática, pela experiência e com as redescobertas a cada
nova aula ministrada.
A escrita na pesquisa está presente o tempo todo, não apenas
na produção de um texto científico; ela nasce desde os mais simples
questionamentos e problemas. No entanto, a pesquisa é apresentada
por meio da escrita, que reúne, registra e relata informações teóri-
cas e empíricas que fundamentam análises e interpretações.
Percebemos com a experiência vivenciada que ainda existe
uma lacuna na formação básica dos(as) acadêmicos(as), direcionada
à pesquisa no que se refere à construção e à organização de textos
científicos, ou à credibilidade dada a própria pesquisa, pois, apesar
de estarem no final da graduação, aquela foi para a maioria dos(as)
participantes a primeira publicação. A habilidade da escrita requer
não só as instruções oferecidas pelo(a) orientador(a), mas também o
treinamento da ortografia, da gramática, da pontuação, da organi-
zação das ideias e da coesão textual (KELLOGG; ­RAULERSON, 2007).
O estágio com pesquisa me remeteu enquanto mestranda a
uma abordagem complexa que envolveu construções e desconstru-
ções, principalmente tendo a pesquisa científica como potencial me-
diador da prática formativa, em que se fez necessária uma análise
do potencial investigativo da própria prática, ressignificando o fazer
docente. Daí a legitimação da integração estágio e pesquisa.
Frente à experiência de estágios com pesquisas aqui apresen-
tada, concluímos o quanto é gratificante enfrentar os desafios das
práticas de estágio, bem como seus produtos, apresentando-nos a
ressignificação da prática e da teoria, valorizando a práxis e, assim,
contribuindo para nosso potencial formativo docente.

MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


133 •
Nos diálogos entre pós-graduação e graduação desenvolve-
mos um processo de reflexão que nos possibilitou uma inovadora
prática pedagógica significativa, ao percebermos os(as) alunos(as)
comprometidos(as) com a pesquisa, com a relação estágio e pesqui-
sa, e ainda com a construção de afetos gerados nos laços dos estágios
articulados.

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MICHELLA RITA SANTOS FONSECA | LUMA NOGUEIRA DE ANDRADE


135 •
O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO
SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM
PARNAÍBA-PI
Vanessa Carvalho da Silva França
Lourenço Ocuni Cá

Introdução

A questão da prática docente em sala de aula vem passando


por inúmeras reformas, o que proporciona aos estudantes ou inte-
ressados no assunto uma gama de informações que só contribuem
na sua formação e ainda aperfeiçoa o seu respectivo fazer pedagógi-
co. Pela Lei n° 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal), atualmente a educação brasileira divide-se em dois grandes ní-
veis: o ensino superior e a educação básica, esta última encontra-se
ramificada em ensino infantil, fundamental e médio.
A educação básica também dispõe de algumas modalidades de
ensino que surgiram no intuito de favorecer e abranger o maior nú-
mero de pessoas possíveis. Uma dessas formas de proporcionar um
ensino formal é a Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade
direcionada a todos aqueles sujeitos que não tiveram acesso à educa-
ção formal na idade já proposta.
Sabe-se da grande importância da educação na vida de um ator
social, pois é por intermédio desta que serão abertas as oportunida-
des não apenas de trabalho, mas de uma vida social, afetiva e profis-
sional melhor desenvolvida, e que um trabalho docente destinado a
uma clientela mais adulta necessita de todo um planejamento basea-
do em procedimentos que proporcione facilitar a a­ prendizagem.

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 136

A presente pesquisa foi realizada em escolas públicas da rede


municipal de ensino da cidade de Parnaíba – PI; tal verificação foi ex-
tremamente primordial, na qual pode ser detectado o desenrolar do
trabalho dos professores na EJA, bem como os seus principais desa-
fios. A motivação para a realização deste trabalho partiu das obser-
vações realizadas durante o estágio supervisionado como também
do interesse e encantamento da pesquisadora/autora deste trabalho
pela EJA, seus objetivos, o relato de vida de seus alunos e a perseve-
rança de cada um.
Com o propósito de busca por este tema, primeiramente re-
correu-se aos mais diversos tipos de leitura, como textos, livros, ar-
tigos, revistas e sites que abordassem a temática. Os principais teó-
ricos que embasaram cientificamente a pesquisa foram: Ghiraldelli
Júnior (2006), Cá (2010), Freire (1996), Barros (2002), Fuck (2000),
Nogueira (2003) e muitos outros.
Primeiramente será apresentado um embasamento teórico
com um breve histórico na educação brasileira, seguido de alguns
aspectos contemporâneos relacionados à Educação de Jovens e
Adultos. Logo após, será feito um detalhamento sobre as metodolo-
gias adotadas no decorrer da pesquisa. Por fim, serão apresentados
os dados adquiridos na pesquisa, bem como os resultados e discus-
sões acerca destes, seguido das considerações finais e referências
­bibliográficas.

Breve histórico da EJA

A primeira forma de organização educacional existente no


Brasil foi a instituída pelos padres Jesuítas, pedagogia Jesuítica, por
intermédio da Companhia de Jesus, cujo ensino direcionava-se aos
rapazes de famílias ricas e nobres da época ou àqueles que viriam
a ser padres da mesma ordem. Nesta época, os professores eram os
próprios padres da congregação, que seguiam à risca o plano de estu-
dos já estabelecido previamente.
O Plano de estudos, continha o ensino do português, a dou-
trina cristã e a escola de ‘ler e escrever’ – isso como patamar

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


137 •
básico. Após essa fase o aluno ingressava no estudo da mú-
sica instrumental e do canto orfeônico. Terminada tal fase,
o aluno poderia finalizar os estudos com o aprendizado pro-
fissional ligado a agricultura ou seguir adiante com aulas de
gramática e, então completar sua formação na Europa. (GHI-
RALDELLI, 2007, p. 25).

Pela descrição acima, é notório que este sistema de ensino não


privilegiava alunos já adultos, pessoas que não pertenciam à nobreza
nem beneficiava as mulheres. Após esse período jesuítico, o Marquês
do Pombal, influenciado pelas ideias iluministas, quebra esse mono-
pólio Jesuítico; no entanto, não era perceptível nenhuma preocupa-
ção com o público jovem e/ou adulto.
Posteriormente, somente com a Constituição do ano de 1824
houve um significativo avanço, uma vez que o documento abordava
a questão da formação continuada ao instituir a construção de esco-
las primárias, ginásios e até universidades. No entanto, o segmento
da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou algo que remetesse a tal
modalidade não existia nesta mesma constituição. É valido ressaltar
que neste mesmo documento os analfabetos eram desprovidos de al-
guns direitos básicos de todo cidadão, inclusive do voto.
Em 1947 foi promovido um grande movimento nacional inti-
tulado: “I Campanha de Educação de Adultos”, movimente esta que
objetivava a alfabetização de adultos. Tal campanha surgiu devido ao
seguinte contexto:
Era o momento pós-guerra que vivia o mundo, que fez com
que a ONU criasse uma série de recomendações aos países
entre estas a de um novo olhar especifico para a educação
de Jovens e Adultos, além disso foi o fim do Estado Novo que
trazia um processo de redemocratização que gerava a neces-
sidade de ampliação do contingente de eleitores no país. (SO-
ARES, 1996).
Este movimento é caracterizado como um primeiro período
de reflexão acerca da EJA: pesquisas, estudos e considerações sobre
apreender e pôr em prática metodologias diferenciadas e próprias
para este público. E envolvido neste contexto surge Paulo Freire, um

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QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 138

nome ainda nos dias de hoje aclamado por muitos pelo seu testemu-
nho e engajamento na causa, um dos maiores precursores, se não o
maior, da educação popular no Brasil, que, com seu método inova-
dor, buscava uma leitura, primando incialmente por uma leitura do
mundo por parte dos discentes.
Este estudioso pernambucano destacou-se no âmbito educa-
cional por seu pensamento crítico, racional e analítico. Freire suge-
riu um diálogo entre os dois protagonistas da aprendizagem, aluno
e professor, e propunha uma leitura da realidade na qual o aluno se
encontrava. Além desta contribuição publicou diversas obras vol-
tadas ao docente atuante nesta modalidade. As décadas 50 e 60 são
consideradas o apogeu da EJA, por ser um período de profunda refle-
xão e trabalho sobre tal modalidade.
No período do golpe militar Paulo Freire foi exilado; no intuito
de preencher a lacuna deixada, foi criado em 1968 o Movimento Bra-
sileiro de Alfabetização (MOBRAL), que proporcionava ao público
adulto uma alfabetização parcial que enfatizava apenas a leitura, a
escrita e o cálculo. Após 17 anos de sua implantação, o programa foi
extinto, posto que os objetivos iniciais não tinham sido alcançados.
Atualmente a EJA é caracterizada como uma modalidade de
ensino que visa proporcionar ao seu aluno a oportunidade de con-
cluir seus estudos no ensino fundamental e médio, cabendo aos go-
vernos estaduais e municipais oferecer à população tal serviço. Este
direito é segurado pela lei Federal 9394/96, que rege a educação no
Brasil:
Art. 37º. A educação de jovens e adultos será destinada àque-
les que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria.
Art. 38º. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames su-
pletivos, que compreenderão a base nacional comum do cur-
rículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular. (BRASIL, 1996).

O ensino nesta modalidade é constituído por quatro ciclos


que equivalem aos nove anos do ensino fundamental com suas aulas

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


139 •
acontecendo na maioria das vezes no turno da noite, não significan-
do exclusividade. A modalidade possui autonomia para organizar
seu ano letivo na forma que achar mais apropriada.
O maior órgão sobre a EJA está passando ultimamente por
inúmeras mudanças; em 2003, o Ministério de Educação e Cultura
(MEC) criou a Secretaria de Erradicação do Analfabetismo, que ob-
jetivava o fim do analfabetismo dentro dos quatro anos do governo
Lula (2003 a 2006), por meio do Programa Brasil Alfabetizado, que
auxiliava financeiramente os governos municipais e estaduais e ou-
tras fundações que trabalhavam nesta área.
O MEC, para abranger com uma maior eficácia, ramificou
a Secretaria em questão em outras cinco nos principais ramos de
atuação, são elas: Secretaria da Educação Superior, Secretaria de
Ensino a Distância, Secretaria de Educação Especial, Secretaria da
Educação Básica, Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica,
e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD). Nesta última, além da educação destinada a adultos eram
tratados assuntos relativos à educação ambiental, do campo e indí-
gena. A SECAD possuía como principal objetivo reduzir as desigual-
dades educacionais por intermédio da inclusão de todos os cidadãos
em projetos que ampliem a educação.
No início de 2019, esta secretaria foi extinta e a EJA ficou sem
um órgão que lhe prestasse maior assistência e organizasse suas ati-
vidades com isso a responsabilidade sobre a modalidade ficou a car-
go das Regionais Estaduais e Municipais. No âmbito estadual, a EJA
é assistida pela Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEDUC);
ramificada a esta, encontra-se a superintendência de ensino que tem
como propósito planejar, coordenar e organizar todo o desenvolvi-
mento da Educação básica no Piauí.
Já em nível municipal, a organização é semelhante à do estado,
apenas difere que a coordenação dos assuntos fica centrada apenas
no município, cobrindo suas zonas urbanas e rurais. Atualmente, a
cidade de Parnaíba – PI conta com doze escolas que ofertam a Edu-
cação Popular (EJA) e um quadro de professores de I e II ciclos para
atender à demanda de 1042 alunos matriculados na rede pública.

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 140

O professor da EJA

Um profissional da Educação de Jovens e Adultos deve ser em-


pático, humano e, ao mesmo tempo, técnico e racional, capaz de aliar
teoria à prática, que busca por meio do seu trabalho não apenas “dar
conta” dos seus conteúdos e cumprir sua carga horária, mas também
levar a uma compreensão de todos os processos que envolve deter-
minadas situações, considerando saberes e vivências do seu alunado.
O conceito acima pode ser considerado adequado para o pro-
fessor da EJA; no entanto, são necessárias maiores reflexões sobre o
profissional regente em uma turma de Educação de Jovens e Adul-
tos. Há saberes específicos e peculiares próprios desta modalidade?
Há formação adequada? Se há tal formação, como ela chega até seu
público de maior interesse?
Há muito se vem discutindo a importância de termos na EJA
profissionais formados para o mercado de trabalho com esse
público, com uma formação que possibilite um repensar con-
tínuo de sua prática, de forma a tornar-se cada vez mais iden-
tificado com as questões pedagógicas especificas dos educan-
dos jovens e adultos. (DOLINSKI, 2018).

A autora acima evidencia a necessidade de uma formação


construtora de um pensamento significativo, próximo da realidade
vivenciada por cada jovem e/ou adulto. O cenário no qual se encon-
tra a EJA é caracterizado por peculiaridades próprias e exigem um
quadro docente preparado para lidar com as mais diversas situações.
Assim, dessa forma, o ensino e, consequentemente, a apren-
dizagem devem ser conectados ao seu papel de socialização dos su-
jeitos. Neste sentido, o docente que está imerso nessa realidade pro-
fissional precisa ser dotado de um vasto arquivo de conhecimentos
e saberes que transcendem as disciplinas curriculares, saberes estes
que devem privilegiar a experiência discente.
Uma prática pedagógica voltada para uma reflexão-crítica e
emancipatória é parte constituinte do trabalho docente na Educa-
ção de Jovens e Adultos, uma vez que com indivíduos já adultos, pro-

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


141 •
vidos de uma maturidade, são cabíveis maiores reflexões acerca dos
problemas e situações cotidianas. Emancipar é levar o adulto a ser o
protagonista de sua própria história, conscientizando-o das conse-
quências dos seus atos e ao mesmo tempo proporcionando autono-
mia para suas escolhas.
Realizar atividades educativas para esse público significa in-
vestir no trabalho de capacitar e formar o coletivo para que as
decisões e o controle pertençam, efetivamente, aos próprios
educandos que integram esse projeto. A educação de jovens
e adultos pressupõe a existência da autonomia. (CÁ, 2010, p.
126).

Promover a autossuficiência neste contexto ultrapassa o


fazer docente; torna-se um ato social, e é este um dos objetivos do
professor de EJA: ser um profissional com uma grande incumbência
social, que, com seu trabalho, pode sim ajudar a construir novos ro-
teiros de vida.

Metodologia

Esse trabalho será subsidiado pela observação numa aborda-


gem qualiquantitativa, pois nesta perspectiva é levado em conside-
ração todo o processo educacional, e não apenas seus resultados que
esta possa vir a apresentar, além de centralizar-se em um aspecto
mais geral do trabalho. Foi desenvolvido na cidade de Parnaíba, si-
tuada ao norte do estado do Piauí, Brasil, em cinco instituições de
ensino mantidas financeiramente pelo poder público. Nas classes de
primeiro e segundo ciclo/etapa da EJA, o que equivale às cinco séries
iniciais do ensino fundamental da rede regular de ensino
O objetivo principal deste trabalho é conhecer as caracte-
rísticas que compõem o perfil do educador inserido na EJA. Qual a
formação desde professor? Como ele chegou até esta modalidade?
Quais caminhos percorreu e percorre? Se ele é especializado nesta
área? Se recebe ou não alguma formação específica para exercer me-
lhor o seu trabalho?

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 142

Para responder a estas questões, cinco professores titulares


de EJA foram convidados a participar desta pesquisa, sendo que es-
tão lotados no primeiro e segundo ciclo da referida modalidade. O
esquema metodológico adotado no decorrer do estudo é composto
por duas técnicas de pesquisa, são elas: Observação e Questionários.
Este último apresentou itens para a construção de um perfil dos edu-
cadores que estavam sendo investigados, tais como: idade, sexo, for-
mação acadêmica, renda mensal, entre outros.
Ao término desta etapa, todos os dados recolhidos foram
analisados minuciosamente e logo depois organizados como está
exposto. A partir daí será iniciada uma nova etapa para a realização
da pesquisa: a análise dos dados, bem como suas respectivas inter-
pretações e/ou discussões.
a classificação e organização dos dados preparam uma fase
mais complexa da análise, que ocorre à medida que o pesqui-
sador vai reportar os seus achados. para apresentar os dados
de forma clara e coerente, ele provavelmente terá que rever
as suas ideias iniciais repensá-las, reavaliá-las, e novas ideias
podem então surgir nesse processo. (LUDKE, 1987, p.92)
Para a realização da pesquisa primeiramente foi mantido um
contato inicial com os professores lotados pela Secretaria de Edu-
cação de Parnaíba – PI, apresentado para a coordenadora de EJA do
município, e assim obter a autorização para a pesquisa. Por conse-
guinte, foram feitos contatos com os professores, observando a sua
disponibilidade em participarem de forma voluntária da pesquisa.
Foram-lhes garantidos o anonimato e a confiabilidade das suas res-
postas, indicando-lhes que estas seriam analisadas em conjunto.

Resultados e discussões

O presente trabalho objetiva pesquisar as características dos


docentes que atuam na EJA, como também as principais lacunas
existentes em sua formação. Portanto, a seguir será exposto um re-
lato atual dos professores titulares destas salas investigadas, assim
como seus principais aspectos.

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


143 •
Todos os professores investigados são graduados em Pedago-
gia ou em outras licenciaturas, sendo que três desses sujeitos pos-
suem especialização em diferentes áreas da educação. No entanto,
nenhum dos sujeitos possui curso de especialização propriamente
em Educação de Jovens e Adultos.
Todos os professores entrevistados, ou seja, 100% (n=10) dos
sujeitos que participaram da pesquisa, além de atuarem na Educa-
ção de Jovens e Adultos lecionam em outras áreas de ensino. O tem-
po de atuação na modalidade também foi alvo de indagação durante
a pesquisa. Dos entrevistados, somente três lecionam no período de
um a três anos, enquanto um único indivíduo há menos de um ano.
Somente um único sujeito se dedica à EJA há mais de três anos.
Ao confrontar tal dado com as observações realizadas em sala
de aula, verifica-se que o quadro dos docentes desta modalidade está
passando por renovações. Dentre os entrevistados, três foram in-
dicados ao cargo pelo poder público, ou seja, não escolheram estar
na EJA. Já os outros dois investigados estão exercendo esta função
devido à disponibilidade de tempo, já que grande parte das aulas
ocorre no período noturno, e também, como foi exposto, todos os
professores investigados possuem outros empregos em outros horá-
rios. Logo, a EJA foi escolhida numa tentativa de preencher a carga
horária.
Para estes são essenciais que os próprios alunos sejam os
responsáveis pela própria aprendizagem, não omitindo, é claro, do
professor sua parte de responsabilidade na tarefa. É neste sentido
que uma prática docente diferenciada, isto é, baseada em princípios
educacionais sólidos e que vise concretizar seus reais objetivos, é de
suma importância no processo de ensino-aprendizagem, cabendo
aqui um trabalho de equipe que objetiva uma aprendizagem signifi-
cativa e efetiva para os discentes.
Todos os participantes da pesquisa relatam que receberam
formação própria para a modalidade de ensino, segundo os quais,
nas semanas pedagógicas que geralmente acontecem nos inícios de
cada ano letivo, a Secretaria de Educação faz um encontro com os

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 144

professores, dividindo-os por disciplinas trabalhadas. Assim, nada é


voltado especificadamente para a modalidade em si.
Outra queixa percebida nas falas dos professores é que eles
percebem que não há uma real preocupação com o alunado na EJA,
e que este público passa por mudanças, que interferem diretamen-
te no andamento do trabalho docente. Portanto, o professor que se
presta a trabalhar com EJA deve ser atualizado, comprometido e,
principalmente, saiba aliar teoria à prática.

Considerações finais

Esta produção intitulada: “O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE


JOVENS ADULTOS: um estudo sobre o perfil profissional dos profes-
sores que lecionam na Educação de Jovens e Adultos em Parnaíba –
PI”, mostrou inicialmente aspectos teóricos que têm como principal
intenção informar e contextualizar o leitor sobre a história da edu-
cação brasileira, pincelando alguns dos principais marcos relativos
à Educação de Jovens e Adultos,
Em seguida, a EJA foi apresentada numa perspectiva mais le-
gal, baseada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, maior
lei que rege a educação brasileira, na qual pode ser verificada toda
sua caracterização de modalidade de ensino nas três esferas de po-
der existentes no território nacional: federal, estadual e m
­ unicipal.
Neste estudo pôde ser verificada a prática docente exercida
nesta modalidade de ensino no município de Parnaíba – PI, bem
como foi traçado um perfil social e profissional destes mesmos sujei-
tos envolvidos com a pesquisa.
É nítido, não somente pelas observações, mas, principalmen-
te, nas falas dos professores que eles são bem carentes de formações
voltadas à modalidade de ensino em si. Percebe-se também que esta
é destino para professores que possuem uma grande carga horaria
de trabalho e que se dividem em diferentes escolas, algumas de cida-
des e até estados vizinhos, o que nos remete à falta de políticas públi-
cas voltadas à carreira docente no Brasil.

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


145 •
Sabe-se das limitações da presente investigação, por isso aqui
não se pretende afirmar que foram percebidos todos os aspectos que
caracterizam o profissional atuante da EJA. A pesquisa bibliográfica
e de campo foi extensa, porém, não o suficiente para detectar todas
as facetas dos educadores. No entanto, deseja-se que esta produção
seja apenas uma das primeiras, que ela abra os caminhos para mui-
tos estudos futuros que possam existir acerca da EJA nesta cidade.
Objetiva-se que esta produção se torne um elemento de auxílio aos
futuros estudos que porventura possam existir sobre o mesmo tema.
Espera-se que tal trabalho não tenha servido apenas para dis-
correr sobre o papel do professor em sala de aula; no entanto, surge
a esperança que algum dia todos os entraves aqui revelados possam
fazer parte apenas da História, e que a única preocupação do profes-
sor seja criar os mecanismos que facilitem a aprendizagem dos seus
alunos, independente da modalidade em que estejam situados.
Em suma, pretende-se que outros objetivos, como a partici-
pação de jovens e adultos em programas sociais, a visão do aluno da
EJA quanto à sua modalidade, um estudo mais profundo sobre as
Leis nacionais que tratam de EJA, os saberes necessários na prática
do professor desta modalidade e muitos outros temas acerca da mo-
dalidade de ensino EJA que não estiveram presentes nesta pesquisa
possam ser trabalhados minuciosamente e, com isso, só enriquecer
os estudos relativos à Educação de Jovens e Adultos, engrandecendo
cognitivamente e qualificando a educação parnaibana.

Referências

BARRIOS, Suzana Maria. Escrevendo a avaliação: a escrita de diários


como exercício avaliativo. 2007. 263 f. Tese (Doutorado em Educa-
ção) Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2007.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares
Nacionais. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/index.php>.
Acesso em: 25 nov. 2019.

O DOCENTE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS: UM ESTUDO SOBRE O PERFIL PROFISSIONAL DOS PROFESSORES
QUE LECIONAM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM PARNAÍBA-PI
• 146

CÁ, Lourenço Ocuni. ESTADO: Políticas Públicas e Gestão Educacio-


nal. Cuiabá: EdUFMT, 2010.
DOLINSKI, Silvia H. As Práticas Pedagógicas da Educação de Jovens
e Adultos: Uma Reflexão Necessária. In: Congresso Nacional de Edu-
cação,13, 2017, Anais. Curitiba: Editora EDUCERE, 2017. P.16054 –
16068.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prá-
tica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FUCK, Irene Teresinha. Alfabetização de Adultos. 6. Ed. Rio de janei-
ro: Vozes/ GEEMPA, 2000.
GHIRALDELLI JR., Paulo. História da Educação Brasileira. 2. ed., São
Paulo: Cortez, 2006.
LUDKE, Menga. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. 1.
ed., São Paulo; EPU, 1987.
NOGUEIRA, Elizabeth. Para Entender Didática: uma introdução à
teoria e à prática docente. Teresina: UDUFPI, 2003.

VANESSA CARVALHO DA SILVA FRANÇA | LOURENÇO OCUNI CÁ


147 •
FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A
PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS
Camila Mesquita Felix
Andrea Moura da Costa Souza

Introdução

O ato de avaliar está presente na vida do ser humano desde


os primórdios de sua existência. Podemos ousar dizer que a ava-
liação surgiu com o próprio homem, seguindo a visão de Stake em
que o homem observa e julga, ou seja, avalia (VIANNA, 2000). No
entanto, a avaliação pensada como meio para gerar conhecimento
no aluno, preocupando-se não somente em mensurar o quanto o
indivíduo sabe sobre determinado assunto, foi sistematizada nas
décadas de 80-90 no Brasil. Desta forma, não faz muitos anos que
os processos avaliativos, em sua dimensão social e política, ganha-
ram espaço primordial nas discussões sobre educação a nível na-
cional, sendo considerados novos rumos teóricos e práticos para
a avaliação.
A avaliação, em sua forma mais básica, serviria ao docente
para traduzir em números os conhecimentos adquiridos pelos alu-
nos ao longo do ano letivo; neste caso, estaria diretamente relacio-
nada com a ideia de exame, medida. Segundo Vianna (2000, p. 26):
a avaliação procura sistematizar suas atividades, na medida
do possível, para, aos poucos, criar uma estrutura que permi-
ta a coleta de diferentes tipos de informação que possibilitem
verificar a congruência das intencionalidades em educação
[…], apresentar juízos de valor […] e tomar decisões face às
alternativas que nos são oferecidas […]

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 148

Conforme o autor nos apresenta, avaliar é um processo, o


qual implica uma série de medidas, dentre elas, colher dados para
que possam auxiliar na emissão de julgamento de valor e tomada de
decisão referente ao processo de aprendizagem de cada aluno. Ao
professor é necessário o conhecimento sobre os aspectos históricos
e conceituais avaliativos, assim como seus significados, na perspec-
tiva de utilizá-los na escolha do modelo, na seleção da técnica, no pla-
nejamento e elaboração dos instrumentos, bem como a seleção dos
critérios avaliativos.
Ao dissertar sobre a formação avaliativa do pedagogo, faz-se
necessária a compreensão dos aspectos curriculares, voltados para
avaliação, que norteiam a formação inicial deste profissional. Desve-
lar a formação por meio do currículo prescrito significa não somente
a pura análise documental, mas a apreciação do que seria o guia de
desenvolvimento do conjunto de saberes (GAUTHIER, 1998) que nor-
teiam as práticas pedagógicas em sala de aula.
Desta forma, esta pesquisa procura evidenciar que para refle-
tir acerca da prática avaliativa do educador é preciso ter a compre-
ensão de seu processo de formação profissional, no qual se dá a es-
truturação de seus saberes e competências necessários à utilização
da avaliação no que diz respeito à aprendizagem dos educandos.
Diante do exposto, nosso objetivo central aporta-se em com-
preender a formação e os saberes docentes que auxiliam na cons-
tituição das práticas avaliativas dos pedagogos, a partir dos docu-
mentos que norteiam a formação deste profissional – Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e Matriz Curricu-
lar dos cursos de Pedagogia das Universidades Estadual e Federal do
Ceará. Neste estudo utilizaremos o método qualitativo de pesquisa,
aportando-nos em Gaio, Carvalho e Simões (2008, p.148). Os autores
expressam que
Para pesquisar precisamos de métodos e técnicas que nos le-
vem criteriosamente a resolver problemas. [...] é pertinente
que a pesquisa científica esteja alicerçada pelo método, o que
significa elucidar a capacidade de observar, selecionar e or-

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


149 •
ganizar cientificamente os caminhos que devem ser percor-
ridos para que a investigação se ­concretize.

Compreendemos que os documentos e bibliografia seleciona-


dos para esta investigação compõem o material necessário para elu-
cidação de nossos os objetivos, classificados como descritivos, utili-
zando-se de procedimento bibliográfico e documental para compor
os achados da i­ nvestigação.
A relevância deste estudo aporta-se exatamente na discussão
à respeito da formação avaliativa do pedagogo, buscando promover
uma reflexão necessária aos leitores, especialmente a categoria do-
cente, sobre a constituição das práticas avaliativas, sua pertinência
e primazia para a promoção da aprendizagem dos alunos, mas, espe-
cialmente, por propiciar uma reflexão sobre a prática docente.

Formação avaliativa do pedagogo: o que nos trazem as


diretrizes curriculares nacionais?

Interessa a esta pesquisa refletir acerca das práticas avaliati-


vas do pedagogo; para isto, é fundamental ter dimensionalidade de
seu processo inicial de formação profissional, no qual se dá a estru-
turação de seus saberes e competências. Utilizamos o estudo do do-
cumento oficial que norteia a construção dos currículos dos cursos
de Pedagogia, as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs. A resolu-
ção CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006, prevê a instituição das
“Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Gradua-
ção em Pedagogia, licenciatura, definindo princípios, condi-
ções de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem
observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos
dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação supe-
rior do país” (Resolução CNE/CP 1/2006).

As DCNs resultam de um conjunto de aspectos políticos, edu-


cacionais e culturais que constituem um padrão geral para a elabora-
ção e organização dos currículos. Essa resolução orienta a formação

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 150

dos docentes, responsáveis pela formação dos cidadãos nas escolas.


O artigo 2º do referido documento especifica que
As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia apli-
cam- se à formação inicial para o exercício da docência na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em
cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. (Resolução CNE/CP 1/2006).

Podemos observar que a atuação do pedagogo é ampla, per-


passando diversos níveis de ensino, exigindo uma formação segura e
consistente de seus saberes para uso em efetivo exercício profissio-
nal. A docência está definida na seguinte dissertação do parágrafo 1º:
Compreende- se a docência como ação educativa e processo
pedagógico metódico e intencional, construído em relações
sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam con-
ceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se
na articulação entre conhecimentos científicos e culturais,
valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendi-
zagem, de socialização e de construção do conhecimento, no
âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo. (Resolu-
ção CNE/CP 1/2006).

Este parágrafo expressa a concepção do ato de “ensinar” e o


conceito de “educação”, quando o texto nos traz que a docência é
uma “ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional”,
e nos revela que existe um modo formal de ensinar, pois o processo
é “metódico”, ou seja, exige um método. No momento em que coloca
que este processo se traduz como um ato intencional, fica claro que
é necessário ter a formação para exercer a profissão, pois existe a in-
tenção pedagógica de ministrar e mediar o c­ onhecimento.
Ainda, evidencia a articulação entre os diversos saberes e va-
lores políticos, culturais, éticos e estéticos para a produção do co-
nhecimento, em que este, não é gerado somente por uma vertente da
ciência, mas pelo diálogo das diversas percepções de mundo.

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


151 •
No artigo 2º da literatura, encontramos que
O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico- práticos,
investigação e reflexão crítica, propiciará:

I – o planejamento, execução e avaliação de atividades


e­ ducativas;
II – a aplicação ao campo da educação, de contribuições, en-
tre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico,
o antropológico, o ambiental- ecológico, o psicológico, o lin-
güístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural.

Aqui é evidenciado o trabalho do pedagogo em gerir toda a ro-


tina em sala de aula – a função do ensinar, o planejamento da aula, a
gerência das atividades, a organização e execução dos planos – usan-
do técnicas e métodos específicos. Isto é: “De modo geral o professor
administra a lição ou a classe, ensina, ou seja, transmite, comunica
o conhecimento, função antes artística do que técnica, e orienta ou
aconselha o aluno, função antes moral, envolvendo sabedoria, intui-
ção, empatia humana” (TEIXEIRA, 1968, p. 17).
O artigo 5º das DCNs afirma que o egresso do curso de Pedago-
gia deverá estar apto a uma série de atividades e compromissos com
a escola, dentre eles, expressos nos incisos:
XII – participar da gestão das instituições contribuindo para
elaboração, implementação, coordenação, acompanhamen-
to e avaliação do projeto pedagógico;
XIII – participar da gestão das instituições planejando, exe-
cutando, acompanhando e avaliando projetos e programas
educacionais, em ambientes escolares e não- escolares;
XV – utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para
construção de conhecimentos pedagógicos e científicos;
XVI – estudar, aplicar criticamente as diretrizes curricu-
lares e outras determinações legais que lhe caiba implan-
tar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua
avaliação às instâncias competentes. (Resolução CNE/CP
1/2006).

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 152

O texto deste artigo estabelece a necessidade de uma forma-


ção sólida do pedagogo, especialmente no que se refere aos conceitos
e processos que permeiam a avaliação. Coordenar, executar, acom-
panhar e produzir conhecimento são ações que demandam clareza
do papel da avaliação no ofício da docência, em que esta propicia
uma reflexão crítica sobre a prática e a partir dessa reflexão uma
tomada de decisão que “não corresponde a uma atitude que ocorre
em determinado momento. Ela resulta de um processo complexo
que se vai construindo por meio de etapas sucessivas que vão, em se-
qüência, clarificando e tornando consistente o desenvolvimento do
processo” (FERREIRA, 2006, p. 1353), garantindo, desta forma, a in-
dissociabilidade do processo de acompanhar e retomar a construção
dos conhecimentos.
No artigo 8º, inciso I, das DCNs compreendemos que
Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integrali-
zação de estudos será efetivada por meio de:
I – disciplinas, seminários e atividades de natureza predomi-
nantemente teórica que farão a introdução e o aprofunda-
mento de estudos, entre outros, sobre teorias educacionais,
situando processos de aprender e ensinar historicamente
e em diferentes realidades socioculturais e institucionais
que proporcionem fundamentos para a prática pedagógica,
a orientação e apoio a estudantes, gestão e avaliação de pro-
jetos educacionais, de instituições e de políticas públicas de
Educação;

É possível interpretar que os conhecimentos que comporão a


base da formação dos pedagogos serão alcançados a partir das teorias
ministradas nas disciplinas do curso de graduação, como também dos
seminários e atividades propostos durante o seguimento do curso.
Desta forma, o conjunto de disciplinas que o compõem estão dispostas
nas matrizes curriculares de cada uma das instituições de ensino.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Peda-
gogia traz em suas linhas o delineamento dos conhecimentos que
possibilitam a organização, estruturação e o funcionamento dos

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


153 •
currículos prescritos de cada instituição de ensino superior para a
formação do pedagogo, tendo a educação como elemento fundan-
te da formação do profissional da educação. O texto contido neste
documento abre as discussões posteriores deste estudo, que se con-
centraram no currículo dos cursos de Pedagogia das Universidades
Estadual e Federal do Ceará.

Formação avaliativa do pedagogo: um olhar a partir das


diretrizes curriculares

É necessário perceber que a formação do pedagogo está pre-


vista nas matrizes curriculares de cada instituição de ensino supe-
rior, que são elaboradas a partir das DCNs. Na estrutura curricular
são especificadas as disciplinas e a carga horária que serão destina-
das ao curso; logo, a matriz curricular possui a finalidade de definir e
organizar as práticas educativas, de modo a cumprir tanto as exigên-
cias culturais quanto a formação profissional do aluno.
Neste sentido, compreendemos a avaliação como um dos instru-
mentos formativos para o pedagogo, que possibilita a este profissional
realizar um diagnóstico dos processos educativos, viabilizando indica-
dores para a construção de novas metas que contribuirão para melho-
rar a qualidade da educação. Para tanto, é essencial que haja uma com-
preensão profissional dos termos e conceitos, avaliativos, bem como
suas abordagens, a este respeito disserta Vianna (1989, p. 24):
A avaliação educacional exige a participação de profissional
especialmente treinados, com experiência no trato de dife-
rentes problemas educacionais e possuidores de capacitação
específica para o exercício da função. A avaliação educacional
não deve ser tarefa de responsabilidade exclusiva de profes-
sores, pois em geral, no seu treinamento profissional, apenas
recebem informações gerais sobre avaliação, as quais, na
maioria das vezes, se restringem à tecnologia da construção
de instrumentos para a verificação do rendimento escolar.
O autor nos revela a escassez da formação avaliativa – que de-
veria estar prevista nos currículos dos cursos para a formação do-

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 154

cente – evidenciando que se faz necessário o compartilhamento de


responsabilidades no que diz respeito ao tratamento dos assuntos
avaliativos na educação.
Para compreendermos a forma como o docente deve incor-
porar os conhecimentos avaliativos em sua prática, é necessário
primeiramente entender as funções de um avaliador, ou seja, quais
saberes e técnicas ele deve dominar, a fim de construir um bom pla-
nejamento e utilizar-se de forma correta dos instrumentos de ava-
liação. Vianna (1989, p. 25 e 26), em seu livro “Introdução à Avaliação
Educacional”, lista uma série de habilidades que o avaliador deverá
ter. Consideramos significativas para este estudo:
Localizar, ler e integrar informações existentes na literatura
técnica de pesquisa, medidas e avaliação;
Analisar possíveis implicações de avaliação anteriores relati-
vamente à avaliação que pretenda realizar;
Definir com precisão o objetivo da avaliação;
examinar, criticamente, estratégias de avaliação e selecio-
nar a mais adequada para os fins da avaliação;
Formular hipóteses ou questões a serem verificadas ou res-
pondidas pela avaliação;
desenvolver planejamentos apropriados para a coleta de
dados que permitam examinar as hipóteses ou responder às
indagações propostas;
Estabelecer critérios para selecionar e desenvolver instru-
mentos de medida;
Usar métodos adequados para o levantamento de dados;
Interpretar e estabelecer conclusões fundamentais a partir
da análise dos dados coletados;
Elaborar relatórios e discutir as implicações dos resultados
da ­avaliação;
Apresentar conclusões com base nos resultados da avaliação;
Para identificar as disciplinas que estão previstas para a for-
mação do pedagogo, especialmente as que tratam sobre avaliação,
faz-se necessária a leitura das matrizes curriculares das Universi-

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


155 •
dades que aqui serão apreciadas: Universidade Estadual do Ceará
– UECE e Universidade Federal do Ceará – UFC. As referidas institui-
ções de ensino foram selecionadas para esta investigação por repre-
sentarem os maiores nomes em formação de professores no estado
do Ceará, graduando muitos dos profissionais que hoje integram as
redes estaduais, municipais e particulares de ensino.

Resultado e discussão

No que diz respeito à Universidade Estadual do Ceará, obti-


vemos acesso – pelo site do Centro de Educação da UECE – aos do-
cumentos como Projeto Político Pedagógico do curso (PPP), aos pro-
gramas das disciplinas e a matriz curricular propriamente dita. No
que se refere à UFC, por meio do site da instituição foi possível obter
acesso à matriz curricular e ao PPP; entretanto, não estavam dispo-
níveis os programas das disciplinas do curso.
Fazendo a leitura e análise das documentações legais da
UECE, foi possível elaborar uma tabela 1com as disciplinas ofereci-
das (coluna e linhas à esquerda) e seus respectivos conteúdos (colu-
na e linhas à direita) em que a avaliação perpassa os conteúdos como
instrumento formativo do p ­ edagogo.

Tabela 1 – Disciplinas oferecidas e seus conteúdos


Disciplinas Obrigatórias Conteúdo das Disciplinas
Conceito de avaliação da aprendizagem. Diversas
abordagens de desenvolvimento e aprendizagem e
suas implicações no campo da avaliação e do dese-
AVALIAÇÃO DA APRENDI-
nho de instrumentos: a vertente comportamenta-
ZAGEM – com pré-requisito
lista (Skinner, Watson,..)- avaliação quantitativa; a
‘Didática Geral’
vertente interacionista (Piaget, Vygotsky,…) – ava-
liação qualitativa, processual e holística. Funções
da avaliação: diagnóstica, formativa e somativa.
Disciplinas Optativas

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 156

CONTRIBUIÇÕES DAS TEO- Conceitos e categorias fundamentais. Desenvolvi-


RIAS PSICOGENÉTICAS PARA mento e aprendizagem na perspectiva de Piaget,
A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS Vygotsky e Wallon. Aproximações e distanciamen-
– com pré-requisito ‘Psicologia tos entre as abordagens dos três teóricos. Implica-
da Aprendizagem’ ções curriculares, metodológicas e avaliativas.
SABERES E PRÁTICAS PARA A A organização do tempo e do espaço na educação
EDUCAÇÃO INFANTIL – com infantil. Adaptação de bebês e crianças em cre-
pré-requisito ‘Fundamentos da ches e pré-escolas. Relação entre educar e cuidar.
Educação Relação entre educar Planejamento e avaliação numa perspectiva ho-
e cuidar’ lística da criança. Formação do educador infantil.
Fonte: Centro de Educação da UECE

O conteúdo da tabela foi retirado integralmente das informa-


ções fornecidas pela UECE em seu site para o curso de Pedagogia pre-
sencial. A partir do que se observa, concluímos que num contingente
de quarenta e duas disciplinas obrigatórias, uma trabalha conteúdos
específicos sobre avaliação, disciplina essa que é prevista para ser
cursada no oitavo semestre do curso. Com relação às optativas, o
site fornece o programa de quatro disciplinas; dentre essas, identi-
ficamos duas que trabalham algum conceito avaliativo, porém, neste
caso, não podemos afirmar que somente quatro integram o quanti-
tativo de disciplinas optativas e se todos os alunos que se graduam
cursaram tais disciplinas.
Por meio da leitura e análise da matriz curricular2 do curso de
Pedagogia presencial da UFC, num contingente de trinta e três disci-
plinas obrigatórias, não foi encontrada alguma cuja nominação que
especificasse avaliação. Nas disciplinas optativas encontramos um
quantitativo de noventa e uma disciplinas oferecidas e apenas quatro
delas que carregam em suas nominações algo relacionado à avaliação,
são elas: Planejamento e Avaliação de Sistemas Educacionais (48h),
Avaliação do Ensino e Aprendizagem (48h), Avaliação do Ensino e
Aprendizagem (64h), Currículo, Avaliação e Criatividade na Matemá-
tica do Ensino Fundamental (64h). Mais uma vez se faz necessário afir-
mar que não é possível afirmar que todos os alunos que se graduaram
em Pedagogia presencial na UFC cursaram tais disciplinas optativas.
Mediante ao que foi colocado nos parágrafos acima, compre-
endemos que, embora se tratando da formação inicial do pedagogo,

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


157 •
consideramos escassa a formação para avaliar. O quantitativo de dis-
ciplinas que abordam conhecimentos sobre avaliação, encontradas
nos ementários dos cursos de Pedagogia, ainda é muito geral.
A questão quantitativa aqui é frisada, porque compreendemos
que, quanto mais houver disciplinas específicas sobre os conceitos,
métodos e abordagens avaliativas, mais possibilidades existem de
interação, leitura e aproximação da temática. Para além do aumento
da quantidade dessas disciplinas, seria de fundamental importância
que a formação avaliativa integre as outras áreas do conhecimento,
ou seja, que as técnicas e processos de avaliação fossem estudados
juntamente com os conteúdos inerentes de cada matéria.
Ainda, faz-se necessário estabelecer um perfil avaliativo para
o pedagogo em que sejam apresentados os conhecimentos e técnicas
específicas que se deve possuir para praticar uma avaliação de exce-
lência. Luckesi (2011, p. 65) nos atenta que:
No que se refere à avaliação da aprendizagem, acredito que
já estamos passando da hora de transformar conceitos em
práticas. A avaliação da aprendizagem exige apropriação dos
conceitos de forma encarnada, traduzidos no cotidiano das
nossas salas de aula. Não bastam somente bons discursos,
importam boas ações baseadas em conceitos adequados.
O autor evidencia que é urgente sair do mero discurso e incor-
porá-lo como ação no cotidiano docente, isso demanda uma forma-
ção não apenas na prática, mas sobretudo teórica, pois avaliar exige
planejamento, técnica e compreensão clara dos conceitos.
Destacamos, a partir da obra de Vianna (1989), que é neces-
sário maturidade, experiência e, sobretudo, formação profissional
para promover a avaliação. É de fundamental importância que o
professor tenha um treinamento profissional para exercê-la. O que
concluímos ao analisar as matrizes curriculares de ambas as Insti-
tuições públicas (UECE e UFC) é que as mesmas não oferecem o su-
porte formativo ideal ao pedagogo para que possa manusear as téc-
nicas avaliativas em seu ofício.
A sala de aula exige conhecimentos específicos do profissional
que vai atuar nela; existem inúmeras variáveis que entram em cena

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 158

no trabalho docente, cada situação tem seu nível de complexidade e


uma solução. Por este motivo, o professor precisa estar munido da
certeza de suas ações e a formação apropriada é o primeiro passo
para se apresentar confiabilidade naquilo que se faz.

Considerações finais

A formação inicial é uma primeira etapa formativa, em que o


docente terá suas primeiras experiências com os conceitos da edu-
cação, mas este ciclo, justamente por ser o primeiro necessita estar
fundamentado e alicerçado em conhecimentos científicos e técni-
cos, que através das literaturas possam provocar a reflexão crítica
da ação docente. Neste sentido é importante salientar o combate ao
senso comum, pois basear o trabalho docente apenas no que “acha-
mos que dá certo” ou evitar aquilo que “achamos que não deu certo”
não concede credibilidade ao exercício da profissão, é claro que, a
experiência traz essa espécie de certeza aos professores pelas inú-
meras tentativas de modelos de aula, de avaliação, de trabalho, com
determinado corpo discente, contudo, é necessário ter uma pesqui-
sa que comprove a veracidade dessas ações, caso contrário, ficamos
apenas no nível do achismo.
Nesta perspectiva, através desta investigação podemos com-
preender que a formação avaliativa, apesar de necessária na execu-
ção da função docente, é de caráter optativo na formação inicial do
Pedagogo. Consideramos a avaliação um instrumento necessário
para mudança e (re) criação das práticas docentes, portanto, reafir-
mamos a necessidade de uma formação avaliativa mais precisa no
currículo do curso de graduação em Pedagogia.
Constatamos – através da apreciação das matrizes curricula-
res dos cursos presenciais de Pedagogia da Universidade Estadual
do Ceará e da Universidade Federal do Ceará – que a formação para
avaliar carece de mais atenção, não apenas no que diz respeito ao
quantitativo de disciplinas que abordem a temática, mas no sentido
de que estes conceitos tão essenciais permeiem a formação do Peda-
gogo ao longo de sua graduação.

CAMILA MESQUITA FELIX | ANDREA MOURA DA COSTA SOUZA


159 •
Destacamos, a partir de todas as informações aqui apresen-
tadas, que é necessário maturidade e experiência profissional para
promover a avaliação, para além disso, é de fundamental importância
que o professor tenha um treinamento profissional para exercê-la.

Referências

BRASIL. Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília,


16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Diretrizes curriculares para o cur-
so de pedagogia no Brasil: a gestão da educação como gérmen da for-
mação. Educ. Soc. [online]. 2006, v. 27, n. 97, p. 1341-1358. ISSN 1678-
4626. https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000400013.
GAIO, R.; CARVALHO, R.B.; SIMÕES, R. Métodos e técnicas de pes-
quisa: a metodologia em questão. In: GAIO, R. (org.). Metodologia de
pesquisa e produção de conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2008.
GAUTHIER, Clermont. MARTINEAU, Stéphane. DESBIENS, Jean-
-François. MALO, Annie. SIMARD, Denis. Por uma Teoria da Peda-
gogia: Pesquisas Contemporâneas sobre o Saber Docente. Ijuí – RS:
Editora UNIJUÍ, 1998.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem Escolar: Es-
tudos e Proposições. São Paulo: Cortez, 2011.
TEIXEIRA, A. Natureza e função da administração escolar. In: Admi-
nistração escolar – Edição comemorativa do I Simpósio Interameri-
cano de Administração Escolar. Salvador/Bahia/ANPAE, 1968.
VIANNA, Heraldo Marelim. Introdução à Avaliação Educacional. São
Paulo: IBRASA, 1989.
VIANNA, Heraldo Marelim. Avaliação Educacional: teoria, planeja-
mentos, modelos. São Paulo: IBRASA, 2000.

FORMAÇÃO AVALIATIVA DO PEDAGOGO: ELUCIDAÇÕES A PARTIR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


• 160

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO


5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE
FORTALEZA (CE)
Giovanni José Rocha Sombra
Geranilde Costa e Silva

Introdução

Aavaliação da aprendizagem tem sido umas das temáticas


mais debatidas hodiernamente e que tem sido objeto de estudo por
parte de alguns teóricos interessados pelo tema. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/1996, preconiza que os
modelos de avaliação sejam contínuos e cumulativos, e que os aspec-
tos qualitativos se sobreponham aos quantitativos. Desta feita, os re-
sultados obtidos pelos alunos ao longo do ano letivo devem ser vistos
como de maior relevância, em contrapartida apenas aos resultados
de provas que podem acontecer bimestralmente, e que, na maioria
das vezes, não retratam fidedignamente os conhecimentos adquiri-
dos pelos discentes.
Partindo dessa premissa, para que a avaliação seja utilizada
como um mecanismo de construção do conhecimento, o professor
deve conhecer cada estudante e suas reais necessidades, dessa for-
ma, promovendo a equidade na aquisição de conhecimentos. Dentro
desse contexto, este trabalho versará sobre a percepção de professo-
res do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da rede
municipal de ensino de Fortaleza (CE) sobre a temática de Avaliação
de Aprendizagem, com objetivos de fomentar nos professores a re-
flexão sobre sua práxis pedagógica e como esta interfere na avalia-
ção da aprendizagem de seus discentes. Ademais, utilizaremos como
metodologia a revisão de literatura e a coleta de dados. No quesito

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


161 •
coleta de dados priorizaremos a criação de um roteiro de perguntas
que serão respondidas pelos docentes a respeito da temática “Ava-
liação da aprendizagem escolar”. Após a coleta de dados faremos a
sistematização e apresentaremos os resultados obtidos a respeito do
objeto investigado.
A temática a ser trabalhada no texto servirá de subsídio para
que os próprios docentes percebam em que patamar se encontra sua
prática avaliativa e, a partir daí, traçar parâmetros que subsidiem
sua ação pedagógica. Dessa forma, o professor passará a perceber
que avaliar significa incluir seus discentes no mundo do conheci-
mento, reforçar o processo de ensino-aprendizagem, bem como, ao
diagnosticar dificuldades, poderão usá-las como pontes para supe-
ração, entendendo que cada ser avaliado é dotado de uma personali-
dade distinta com ritmos e contextos de vida diversos.

Desenvolvimento

O momento da avaliação pode ser de descobertas, pois em um


simples ato de ler um texto, observar uma imagem, ou atribuir-lhe
uma qualidade, seja ela positiva ou negativa, realizamos neste mo-
mento o ato de avaliar. Nessa ótica, “o ato de avaliar é constitutivo
do ser humano, desde que é um dos seus modos de conhecer a rea-
lidade, no caso sob a ótica da qualidade de tudo que existe, seja ele
natural ou cultural” (LUCKESI, 2018, p. 22).
Frente a essa temática, importa saber que o ato avaliativo
está imbricado no ser humano e que este pode nos fazer tomar de-
cisões que satisfaçam as nossas necessidades imediatas ou nortear
decisões fundamentais que serão benéficas, tanto do ponto de vista
individual quanto do coletivo.
O modelo de organização escolar que conhecemos hoje, no
Brasil, denominado de Ensino Fundamental e Médio, iniciou-se por
volta da segunda metade do século XVI e na primeira metade do sé-
culo XVII, tendo como protagonistas católicos e protestantes. Esse
modelo convergia para o uso seletivo dos resultados da avaliação de
aprendizagem; embora na época não se usasse tal nomenclatura, tí-

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 162

nhamos como exemplo os exames gerais que permitiam ao professor


aprovar ou reprovar seus alunos.
No atual contexto escolar, a avaliação da aprendizagem pelo
professor deverá ser contemplada em seu plano de aula, e este de-
verá estar articulado ao Currículo Escolar e ao Projeto Político Pe-
dagógico da Escola, bem como à Base Nacional Comum Curricular
(2017). Esses documentos são imprescindíveis para que a avaliação
seja a mais justa e equitativa possível, e que possibilite ao gestor da
ação, no caso, o professor, a nitidez e a responsabilidade por subsi-
diar condições que promovam o sucesso da aprendizagem de seus
discentes.
Nessa perspectiva, o gestor da ação, nesse caso, o docente, de-
verá ter ciência da sua responsabilidade em criar condições para que
tenha o sucesso da aprendizagem de seus discentes. Nesse quesito,
torna-se “o responsável pela investigação da qualidade dos resulta-
dos da ação de ensinar e aprender” (Idem, p. 78). Vale salientar que
esse processo diagnóstico deve ser tratado com rigor pelo professor,
pois, de posse dos resultados obtidos, traçará metas e realizará in-
tervenções que propiciem a aprendizagem de seus alunos. À medida
que os resultados forem se apresentando como satisfatórios signifi-
ca que a aprendizagem se consolidou, ratificando que este processo
deve contemplar todos os alunos, considerando, para isso, as suas
individualidades.
Ademais, Luckesi (2018) lembra de que o professor deve sem-
pre seguir aquilo que ele chama de três passos para o ato de avaliar,
que são:

1. Planejar a investigação da qualidade da aprendizagem dos


estudantes;
2. Coletar dados por meio de um teste escrito, uma entrevis-
ta oral...;
3. Atribuir qualidade ao desempenho dos estudantes, com-
parando sua aprendizagem com a coleta de dados, tendo
como parâmetro o Plano de Ensino e o Currículo adotado.

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


163 •
Urge enfatizar que se esses cuidados metodológicos não fo-
rem obedecidos à risca, o docente estará realizando uma avaliação
de caráter seletivo que, por sua vez, torna-se excludente.
É importante que entendamos como se dá esse uso “seletivo”
nas avaliações, adotado pelas escolas públicas, particulares, do Ensi-
no Fundamental, Médio ou Universitário, que corrobora para uma
escala de qualidades que culminam em aprovação e reprovação.
Essa modalidade seletiva teve como contexto histórico uma
visão eurocêntrica estruturada pelas pedagogias católico-jesuítica e
protestante-comeniana; ambas ocorreram em períodos distintos. A
primeira deu-se no decorrer do século XVI, e a segunda na primeira
metade do século XVII. No presente momento, utilizamos em nos-
sas escolas essas duas modalidades, não com as mesmas nomencla-
turas, mas como avaliações diagnósticas e seletivas. Essas, por sua
vez, advêm em parte dos jesuítas, que instituíram o que se chamava
de pauta do professor (cadernetas) para que acompanhassem e re-
gistrassem todas as atividades realizadas durante o ano letivo, como
uma espécie de diagnóstico dos resultados de avaliação.
Embora, como citado anteriormente, as duas modalidades
avaliativas tenham ocorrido em períodos distintos, percebe-se haver
uma relação estreita entre elas. Na pedagogia protestante, que teve
como precursor John Amós Comênio havia a aplicação de sucessivas
provas referentes aos conteúdos estudados; estas poderiam ocorrer
ao final da aula, quinzenalmente ou mensalmente, com o intuito de
fazer com que os alunos se sentissem estimulados à aprendizagem.
Percebe-se que esses padrões de avaliação da aprendizagem
adotados perpassam mais de quinhentos anos e, ainda hoje, ditam
as formas como os estudantes são avaliados. Aqueles que conseguem
realizar as avaliações de maneira satisfatória são tidos como apro-
vados. Já os que demonstrarem deficiência em alguns conteúdos de
qualquer disciplina são reprovados. Vê-se, claramente, que nessa
modalidade seletiva há um caráter veementemente excludente.
A partir do início dos anos 1970, houve no Brasil uma modi-
ficação nas terminologias. O que se nomeava de “exames escolares”
passou a chamar-se de avaliação da aprendizagem. Para essa nova

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 164

nomenclatura tivemos a contribuição do norte-americano Ralph


Tyler, nos anos de 1930 até o ano de 1996, com a publicação da nova
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Apesar de haver mudado a nomenclatura de exames escolares
para avaliação de aprendizagem, observa-se, no entanto, que na prá-
tica a avaliação permaneceu seletiva, constatando-se isso pela pro-
moção ou reprovação de alguns estudantes. Nesse caso, o que se leva
em conta para a aprendizagem dos alunos é o momento pontual, ou
seja, o presente. Nessa prática avaliativa esquece-se do verdadeiro
significado da sala de aula, como bem nos define Luckesi (2018, p. 85)
“lugar de aprendizagem e não de seleção”.
É interessante compreender as nuances equivocadas existen-
tes nessa modalidade avaliativa seletiva. Tomemos como exemplo
um conteúdo de adição e subtração que deverá ser trabalhado du-
rante um bimestre. Supõe-se que o aluno fez uma avaliação mensal
do primeiro conteúdo (adição) e atingiu a nota máxima (10,0); acon-
tece que no final do mês seguinte, o mesmo aluno fez uma prova rela-
tiva ao segundo conteúdo (subtração) e teve como nota 4,0. No atual
modelo, digo seletivo, essa nota será somada e dividida por 2,0, resul-
tando numa média 7,0. Percebe-se, no exemplo acima, que se priori-
za quantidade à qualidade, o que se torna um verdadeiro equívoco.
A fim de transformarmos essa realidade em nossas escolas
precisamos disseminar entre os protagonistas da avaliação, no caso
destas, os professores, o uso diagnóstico dos resultados da avalia-
ção de aprendizagem traçando metas que contemplem todos os es-
tudantes; dessa forma terá contemplado a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação nº 9.394/1996. Nessa perspectiva, o gestor da avaliação
aparece como mediador da aprendizagem; ele se torna um facilita-
dor do conhecimento e, a partir dessa postura, promove uma rup-
tura com o modelo adotado pelo sistema capitalista que segrega e
exclui os menos favorecidos.
Frente às questões acima apresentadas é que em nossa pes-
quisa de mestrado intitulada “As implicações das Avaliações Diag-
nósticas de Rede nos resultados do SPAECE da Escola Municipal João

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


165 •
Saraiva Leão”, interessamo-nos por realizar uma intervenção junto
aos docentes do 5º ano da escola em questão, objetivando identificar
a(s) posturas avaliativas adotadas por esses. Dessa forma, criamos
e aplicamos um questionário (ver Apêndice) como instrumental de
coleta de dados.
Logo abaixo elencaremos as perguntas que foram aplicadas
junto aos docentes; vale enfatizar que, por se tratar de uma pesquisa
qualitativa, optamos por utilizar um questionário subjetivo.

1. Prezado professor, na sua opinião, o que significa avaliar?


2. Prezado professor, a forma como você avalia está contem-
plada no planejamento de suas aulas?
3. Prezado professor, como você trabalha os resultados obti-
dos por meio da avaliação de seus alunos?
4. Prezado professor, a temática “Avaliação” é discutida nas
formações contínuas promovidas pela Secretaria Munici-
pal de ­Educação?
5. Prezado professor, você considera a avaliação como um
mecanismo de mediação de conhecimentos?
6. Prezado professor, que tipo de experiências, enquanto es-
tudante, você teve quanto ao processo de avaliação e­ scolar?
7. Prezado professor, que implicações e/ou repercussões
(positivas e/ou negativas) às suas experiências escolares
tiveram e/ou têm sobre sua forma de compreender o pro-
cesso de avaliação discente? Explique.

Vale salientar que a aplicação do questionário foi realizada


com um quantitativo de (8) oito docentes. Assim, partiremos agora
para análise dos dados obtidos. Em relação ao questionamento re-
lativo ao que significa avaliar, (2) dois professores consideram como
sendo um processo contínuo e que este deve levar em consideração
o ambiente em que o aluno está inserido. Para (3) três professores
seria uma oportunidade de validar a sua práxis pedagógica, tendo
assim um feedback da sua metodologia, ou seja, se esta está sendo ou
não eficiente. (1) um docente considera ser um ato indispensável no

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 166

processo ensino aprendizagem. Para (2) dois professores seria uma


forma de rever não somente se os conteúdos foram consolidados,
mas também de analisar se a metodologia aplicada teve a eficiência
ou não sobre esta aprendizagem.
Observa-se que a maioria dos docentes considera a avaliação
como um processo que revela a qualidade da aprendizagem dos es-
tudantes nos seus diferentes ambientes de aprendizagem e que esta
dá suporte às decisões que o professor deve tomar para que atinja
o objetivo desejado relativo à forma como os docentes avaliam seus
alunos e se esta está contemplada no planejamento de suas aulas.
Para a maioria dos entrevistados foi unânime afirmar que os plane-
jamentos contemplam questões que vão desde o relato das vivências
dos alunos, e que estas devem ser consideradas no processo avaliati-
vo, até a forma como o próprio docente se autoavalia. Já (1) um pro-
fessor percebe que há muitas dificuldades encontradas no processo
de avaliação, mas que os planejamentos nivelam todos os discentes,
ou seja, não se trabalham as especificidades.
O terceiro questionamento refere-se à utilização dos resulta-
dos obtidos pelo professor por meio da avaliação de seus alunos. Nes-
se quesito, os professores demonstraram ser uníssonos em relação à
retomada dos conteúdos que não foram consolidados, utilizando-se,
para isso, de várias estratégias: a) atividades individuais, atividades
em grupo; b) redimensionamento do planejamento; c) atividades de
reforço realizadas no contraturno (Novo Mais Educação); e d) iden-
tificação de déficits de aprendizagem, levando em consideração os
descritores de aprendizagem que demonstraram maiores dificulda-
des de compreensão. Todas essas estratégias interventivas são me-
canismos que subsidiam uma ressignificação da práxis pedagógica
do professor com foco no sucesso da aprendizagem de seus alunos.
O quarto questionamento aborda a temática “Avaliação” e
como esta é discutida nas formações continuadas promovidas pela
Secretaria Municipal de Educação. Em unanimidade, os professo-
res entrevistados disseram ser discutida nas formações a temática
avaliação, porém citaram que as discussões se tornavam acaloradas

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


167 •
quando se mencionava que o professor teria sua “parcela” de culpa,
caso os resultados fossem abaixo do esperado.
Em relação ao quinto questionamento, os professores foram
convidados a opinar sobre a avaliação como sendo um mecanismo de
conhecimento. Todos os docentes afirmaram que o processo avalia-
tivo é mediador, sim. Para tanto, destacamos a fala de quatro profes-
sores quanto à temática:

Professor A – “Efetivamente, a avaliação compreende o norte


no processo ensino- aprendizagem. Ela aponta caminhos, redireciona
processos, faz-nos adotar estratégias e rever conceitos, objetivando
sempre o ponto de chegada: a aprendizagem”. (Professor A, 40 anos,
masculino, da área de Língua Portuguesa e Matemática).

Professor B – “Vejo a avaliação como uma oportunidade de cres-


cimento em que os resultados obtidos representam um “Raio X” do seu
fazer pedagógico. Dessa forma, a avaliação atua como mediadora no
desenvolvimento, não apenas do aluno, mas também do professor”. (Pro-
fessor B,56 anos, masculino, da área de História, Geografia e Ciências).

Professor C – “A avaliação mediadora é o melhor caminho, de


acordo com Jussara Hoffmann, exige prestar muita atenção no alu-
no, conhecê-lo, ouvir seus argumentos, propor-lhes questões novas e
desafiadoras, guiando-o por um caminho voltado à autonomia moral
e intelectual”. (Professor C, 53 anos, feminino, da área de História, Ge-
ografia e Ciências).

Professor D – “Colocado bem, ‘mediação’, pois não devemos es-


tar ligados a uma só forma de avaliar, até porque é um termo, uma
palavra que já causa um pensamento preocupante para aqueles que
recebem”. (Professor D, 26 anos, masculino, da área de História, Geo-
grafia e Ciências).

No sexto questionamento inquirimos aos professores sobre


que tipo de experiências, enquanto estudantes, eles haviam tido em

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 168

relação à avaliação escolar. Vale citar aqui as colocações de alguns


deles:

Professor A – “Como aluno tenho a impressão de que sempre


fiz provas, pois tive pouco retorno do meu processo de ensino. Uma
nota que, muitas vezes, não sabia como se compunha, era o que me
classificava com bom ou ruim. E, poucas vezes, durante um ano esco-
lar, o processo de ensino era revisto com o objetivo de somar déficit de
aprendizagem, isso se dava ao fim do ano nas chamadas recuperações
finais”. (Professor A, 40 anos, masculino, da área de Língua Portugue-
sa e Matemática).

Professor B – “Não somente no ensino fundamental, mas no mé-


dio, graduação e depois na pós, o processo ocorreu como se o tempo
estivesse parado, como se a realidade que vivi no término do curso de
especialização fosse o mesmo de quando eu ainda fazia as séries ini-
ciais. Um sistema de avaliar que quantifica o saber dentro de uma fai-
xa de 0,0 a 10,0, o qual beneficia, ou melhor, valoriza aquele que tem
maior capacidade de memorização”. (Professor B, 56 anos, masculino,
da área de História, Geografia e Ciências)

Professor C – “Minhas experiências foram mais com avaliações


formais, usando como instrumento avaliativo as provas. Para todo es-
tudante, um período muito cansativo”. (Professor C, 53 anos, feminino,
da área de História, Geografia e Ciências).

Professor D – “Enquanto ao modo estudante, que, no caso, nunca


deixamos de ser, mas, em se tratando da época colegial, posso relatar
poucos processos de avaliação, pois os professores da escola particular
em que estudava frisavam a bela e velha prova, diretamente ela”. (Pro-
fessor D, 26 anos, masculino, da área de História, Geografia e Ciências).

Professor E – “Não foram muito boas, porque quando eu estu-


dava existiam aquelas arguições orais que me deixavam muito preo-
cupada, e por ser uma pessoa tímida, eu sabia muitas vezes do conte-

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


169 •
údo, mas não conseguia expressar as respostas. Então, eu ficava vista
como desinteressada e que não absorvia nada”. (Professor E, 43 anos,
feminino, da área de Língua Portuguesa e Matemática).

Professor F – “Na minha vida estudantil, o que me rotulava era


a minha nota. Se a nota fosse boa, eu era considerada uma boa aluna,
se a nota fosse ruim, eu era considerada uma aluna ruim”. (Professor
F, 48 anos, feminino, da área de Língua Portuguesa e Matemática).

Professor G – “Como estudante, meu processo de avaliação es-


colar foi somente como medição de conhecimento. Não havia preocu-
pação se a metodologia que o professor usava atingia ou não minha
compreensão”. (Professor G, 56 anos, feminino, da área de Língua Por-
tuguesa e Matemática).

Professor H – “Avaliações sempre realizadas de forma escrita,


englobando as principais partes de todo conteúdo trabalhado no bi-
mestre”. (Professor H, 40 anos, feminino, da área História, Geografia
e Ciências).

Por fim, a sétima pergunta voltou-se para as implicações e/ou


repercussões (positivas e/ou negativas) que as experiências escola-
res vivenciadas pelos docentes tiveram e/ou têm sobre sua forma de
compreender o processo de avaliação discente. Eis os relatos:

Professor A – “Creio que tiveram repercussões positivas, pois


a partir das minhas experiências de discente e minha formação como
docente levaram-me a compreensão de que a avaliação deve ser en-
tendida como processo e não um fim. Assim, procuro, na prática como
educador, avaliar as várias etapas do processo ensino-aprendiza-
gem”. (Professor. A, 40 anos, masculino, da área Língua Portuguesa
e Matemática ).

Professor B – “Positiva, pois me permitiram enxergar que da


mesma forma que eu não poderia ter meus conhecimentos medidos

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 170

por um número, os meus alunos também, não. Sendo assim, e aí vem


a implicação negativa da minha história de vida como estudante ava-
liado por um número, sinto-me omisso em participar de um processo
em cujos alunos ainda têm o seu conhecimento construído por meio de
um número”. (Professor B, 56 anos, masculino, da área História, Geo-
grafia e Ciências).

Professor C – “Depois de minhas experiências ao longo da vida


estudantil, compreendi que as avaliações formais só servem para sa-
tisfazer um processo somativo e classificatório. Porém, acho muito
eficientes as avaliações informais e contínuas”. (Professor C, 53 anos,
feminino, da área de História, Geografia e Ciências).

Professor D – “Entendo que vivenciei uma só possibilidade, ao


chegar à faculdade tive a oportunidade de ver várias formas, em que o
intuito era de trazer a relação matéria-professor-aluno-conhecimen-
to, elo que resulta no final uma autoavaliação tanto do aluno quanto
do professor” (Professor D, 26 anos, masculino, da área de História,
Geografia e Ciências).

Professor F – “Tiveram repercussões positivas, embora eu acre-


dite que a escola poderia ter feito mais. Como educadora, tento olhar
para o aluno com as suas subjetividades”. (Professora F, 48 anos, femi-
nino, da área de Língua Portuguesa e Matemática).

Professor G – “Minha experiência de avaliação como aluna fe-


z-me ficar no lugar do meu aluno e ver que meu método de ensino pode
estar sendo positivo ou negativo para uns e outros não. O resultado da
avaliação irá me mostrar se estou conseguindo ou precisando mudar
minhas estratégias para obter melhores resultados. O resultado de
uma avaliação também mostra minha capacidade de ensinar”. (Pro-
fessor G, 56 anos, feminino, da área Língua Portuguesa e Matemática).

Professor H – “Por bastante tempo pensamos que essa era, de


fato, a única e melhor maneira de avaliarmos a aprendizagem de nos-

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


171 •
sos alunos. Porém, em muitos casos, torna-se uma ferramenta fria,
distante e ineficiente, se vista quanto ao aspecto de tantas distorções
com as quais nos deparamos no atual quadro que o sistema educacio-
nal nos proporciona”. (Professor H, 40 anos, feminino, da área Histó-
ria, Geografia e Ciências).

Diante de todas as respostas obtidas observa-se com clareza


que há uma relação intrínseca entre o que preconiza a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação) no que se refere à avaliação como um
processo contínuo e cumulativo, e que os resultados qualitativos se
sobrepunham aos quantitativos. Essa visão dos professores também
ilustra o que Hoffmann (2001) nos diz em relação à temática que:
Os estudos em avaliação deixam para trás o caminho das
verdades absolutas, dos critérios objetivos, das medidas pa-
dronizadas e das estatísticas, para alertar sobre o sentido es-
sencial dos atos avaliativos de interpretação de valor sobre o
objeto da avaliação, de um agir consciente e reflexivo frente
às situações avaliadas e de exercício do diálogo entre os envol-
vidos. (HOFFMANN, 2001, p. 15-16).

Partindo dessa premissa, avaliar requer critérios previamen-


te estabelecidos para que assim os sujeitos envolvidos nesse pro-
cesso possam perceber que avaliar deixa de ser um ato meramente
quantitativo e passa a ser um processo que permite ação e reflexão
diante dos resultados obtidos.

Considerações

O presente artigo nos possibilitou refletir sobre a temática da


avaliação da aprendizagem escolar tão presente nos mais variados
contextos educacionais e, em especial, na percepção de docentes de
uma das escolas da Rede Municipal de Ensino. Vale ressaltar que o
texto retomou um pouco da história da avaliação e todo o seu per-
curso até os dias atuais. Compreende-se, no entanto, que essa temá-
tica é desafiadora, haja vista que uma avaliação só será equânime se

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 172

houver uma relação mútua entre docentes e discentes, e que estes


devem estar desprovidos de conceitos generalistas que só entravam
o processo de ensino-aprendizagem. Tal concepção pode ser perce-
bida quando o professor diz que avaliar deve ter o caráter de ajustar,
de melhorar sua práxis, ou seja, se aprendizagem acontece confor-
me o planejado, sinaliza-se, então, que as estratégias de ensino estão
atingindo o público-alvo: os discentes. Porém, caso ocorra o oposto,
sinaliza-se que mudanças devem ser feitas para que se atinja o obje-
tivo pretendido. Logo, conclui-se que o docente deve seguir postu-
ras que acolham, que ofereçam aos discentes subsídios para que as
aprendizagens interajam de forma que ganhem significado para os
participantes do processo.
Desta feita, percebemos pelas falas dos docentes que o ato de
avaliar é um processo indispensável para que se consolide a apren-
dizagem, e que consideram as vivências dos alunos, atrelando ao
conteúdo estudado, mecanismos facilitadores na aquisição de co-
nhecimentos. Acresça-se também a ênfase dada pelos docentes em
relação às experiências que vivenciaram em relação aos processos
avaliativos na época em que eram estudantes. Todos foram unâni-
mes em dizer que o modelo de avaliação por que passaram era res-
trito à aplicação de provas, arguições, ao valor que era atribuído aos
alunos, classificando-os por notas. Nessa perspectiva, o retorno dado
aos participantes do processo avaliativo era ínfimo, e, muitas vezes,
ocorria apenas ao final do ano letivo, na chamada recuperação final.
Desta forma, percebemos também na colocação dos docentes
a necessidade premente de se rever conceitos, de assumir novas pos-
turas, de aprimorar as diversas formas de avaliar o processo avalia-
tivo com foco na emancipação do ser, na construção e mediação dos
conhecimentos. Mas, para que isso se concretize, é preciso se despir
de posturas retrógradas e se munir de embasamento teórico associa-
do a uma prática que considere os saberes individuais e coletivos de
todos que compõem essa tríade: escola-docente e discente.

GIOVANNI JOSÉ ROCHA SOMBRA | GERANILDE COSTA E SILVA


173 •
Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394,


20 de dezembro de 1996. 
HOFFMANN, Jussara M.L. Avaliar para promover: as setas do cami-
nho. Porto Alegre: Mediação, 2001.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões epis-
temológicas e práticas/ Cipriano Carlos Luckesi, São Paulo: Cortez,
2018.

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: VISÃO DE DOCENTES DO 5º ANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REDE MUNICIPAL DE FORTALEZA (CE)
• 174

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM


AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ: PERCEPÇÕES DE
PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
Paula Trajano de Araújo Alves
Solonildo Almeida da Silva

Introdução

Aeducação brasileira, especialmente no âmbito da educa-


ção básica, tem sido marcada fortemente por políticas de respon-
sabilização educacional baseadas nos resultados das avaliações de
larga escala. Sendo assim, a avaliação externa com seus testes padro-
nizados passa a ser o mecanismo que direciona as ações das escolas,
pois devido à cultura educacional de publicização desses resultados
relacionando-os à incentivos monetários aos professores, gestores e
funcionários, muitas escolas passam a nortear suas práticas pedagó-
gicas em prol das avaliações. Esse cenário tem alterado os currículos
escolares e tornado a escola “refém” da avaliação.
Direcionar o currículo, a fim de atingir os objetivos propos-
tos nas avaliações externas, tem sido uma realidade em muitos es-
tados brasileiros. Desta feita, trataremos esse assunto no contexto
da educação pública básica no estado do Ceará, onde a política de
gestão para resultados, alinhada com todas as características que
a compõem, tais como pactuação de metas e responsabilização dos
agentes envolvidos, têm moldado a atuação docente e o currículo es-
colar, uma vez que o Ceará é um dos estados que vêm consolidando
fortemente o viés da avaliação em larga escala como instrumento de
gestão da política de responsabilização.
À medida que o Ceará ganha destaque no cenário educacional
brasileiro surgem também características do sistema de gestão e de

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


175 •
ensino implantados neste Estado. É importante destacar que, desde
o início dos anos 1990, o Ceará vem implantando a política accounta-
bility nas escolas públicas, por meio do alinhamento entre avaliação
e responsabilização por resultados. Nesse sentido, a primeira ex-
periência do estado aconteceu em 1992, com a criação da avaliação
via Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará
– SPAECE – realizada em algumas séries do Ensino Fundamental.
A propósito, é mister definir que accountability é um termo inglês
assentado no contexto de mercado, e diz respeito, de modo geral,
à prestação de contas e responsabilização dos agentes envolvidos
pelos resultados alcançados em determinado processo. No campo
educacional foi implantado inicialmente nos Estados Unidos e se
tornou uma política educacional americana baseada em metas, tes-
tes padronizados, responsabilização dos docentes e gestores pelo de-
sempenho dos alunos e entrega prêmios por desempenho (ARAÚJO,
2016, p. 60). A política accountability pode ser definida como
Responsabilização, mediante as quais se tornam públicas as
informações sobre o trabalho das escolas e consideram-se os
gestores e outros membros da equipe escolar como co-res-
ponsáveis pelo nível de desempenho alcançado pela institui-
ção. (BROOKE, 2016, p. 378)

Sendo assim, o autor destaca a responsabilização como carac-


terística central da política accountability, responsabilização essa
que perpassa todos os agentes envolvidos com a escola, isto é, desde
a Secretaria de Educação até o aluno, atravessando por professores
e gestores escolares. A ideia de corresponsabilização está presente
como filosofia da escola, pois a todo momento esses agentes são lem-
brados da sua responsabilidade no processo escolar. Outro ponto
que merece atenção no trecho acima citado é o que se refere à divul-
gação pública dos resultados da escola.
Atualmente, o Ceará possui uma forte política de pactuação
de metas e responsabilização docente, características de accoun-
tability educacional, implantada amplamente nas escolas públicas
estaduais por meio do controle e monitoramento de processos pe-

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 176

dagógicos. A política de responsabilização docente iniciou-se oficial-


mente na rede de ensino pública estadual do Ceará no ano de 2002,
por intermédio da Lei nº 13.203, que implantava na rede de ensino
o sistema de bonificação por mérito, definia o Prêmio Educacional
Escola do Novo Milênio e estabelecia relação entre os resultados do
SPAECE no nível de Ensino Fundamental e premiação às escolas. Ali
começava oficialmente a gestão para resultados e responsabilização
educacional na rede estadual cearense. A partir daí até os dias atu-
ais, inclusive por meio de parceria com instituições privadas e inter-
nacionais, implantou-se nas escolas a cultura de focar nas avaliações
em larga escala para obtenção de bons resultados e melhoria do Ín-
dice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB do Estado; isso
tem implicações no contexto escolar, pois os agentes envolvidos são
direta ou indiretamente responsabilizados pelos resultados nessas
avaliações externas, especialmente SPAECE e SAEB (Sistema de Ava-
liação da Educação Básica).
Desde 2005, o Ceará vem elevando significativamente o seu
IDEB, e isso torna o estado referência em alguns níveis da Educação
Básica; portanto, é mister analisar as peculiaridades desse cenário
de evolução, considerando um dos pontos centrais desse sistema de
ensino: o professor. Portanto, o assunto abordado neste artigo é re-
levante para o campo da educação e do ensino, porque, além de tra-
tar de uma problemática atual, revela como a cultura de gestão para
resultados praticada também pelo controle das ações pedagógicas e
responsabilização reflete na prática docente dos p ­ rofessores.
Diante desse cenário, este artigo trata da temática da respon-
sabilização docente e suas implicações no contexto escolar, tendo
como objetivo principal apresentar as percepções de professores
de Língua Portuguesa e Matemática sobre como essa política de res-
ponsabilização docente atravessa suas práticas docentes cotidianas.
Metodologicamente, este artigo apresenta uma abordagem qualita-
tiva, sendo a pesquisa exploratória, tendo como eixo investigativo
a responsabilização docente relacionada à avaliação externa. Para
obter as informações necessárias para este estudo, utilizou-se como
técnica de pesquisa o questionário on-line, contendo perguntas

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


177 •
abertas e fechadas. Foram quatro questões direcionadas a seis pro-
fessores (sendo quatro de Língua Portuguesa e dois de Matemática)
de uma escola pública cearense de Ensino Médio. A pesquisa foi ba-
seada em quatro perguntas, sendo elas: P1- “Quanto aos resultados
dos seus alunos nas avaliações do SPAECE e/ou SAEB, você se sente
responsável por eles? Por quê?”; P2 – “Você acredita que o incentivo
financeiro atrelado ao resultado dos alunos nas avaliações externas
contribui para aumentar o empenho do professor na aprendizagem
dos alunos? Se possível, justifique sua resposta”; P3 – “Ao longo de
toda a sua trajetória docente, alguma vez você já foi diretamente
culpabilizado na escola pelos baixos resultados dos seus alunos em
determinada avaliação externa?” e P4- “Na sua opinião, o resultado
do SPAECE e/ou SAEB reflete a aprendizagem do aluno? Por quê?”.
Para manter o anonimato dos participantes da pesquisa, ao longo do
texto esses professores serão identificados por códigos baseados na
disciplina que lecionam, sendo PLP significando Professor de Língua
Portuguesa e PM para Professor de Matemática.
Nas próximas seções, inicialmente será apresentada a dis-
cussão da temática relacionada à responsabilização de resultados
escolares de modo geral, com explicação de alguns conceitos pró-
prios desse campo; em seguida, os dados obtidos na pesquisa serão
apresentados, discutidos e analisados à luz de alguns referenciais
teóricos. Para finalizar teceremos algumas considerações sobre esse
estudo, apontando, inclusive, possíveis lacunas e sugestões para pes-
quisas posteriores.

Desenvolvimento

A primeira experiência do estado do Ceará com a política de


responsabilização por resultados aconteceu oficialmente em 2002,
por meio da Lei nº 13.203, que definia critérios para o recebimento
de uma gratificação relacionada ao resultado dos alunos na avaliação
do SPAECE do 5º e 9º ano. O Prêmio Educacional Escola do Novo Mi-
lênio tinha por objetivo recompensar em dinheiro todos os membros

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 178

da equipe escolar das 100 melhores escolas no SPAECE. De acordo


com essa lei, os objetivos eram:
I – promover o reconhecimento público das escolas estadu-
ais, por desempenho, nas questões ligadas ao processo de
avaliação, através do Sistema Permanente de Avaliação Edu-
cacional do Ceará – SPAECE/NET; II – melhorar o ambiente
das escolas, criando um clima de qualidade com repercussão
nos resultados da atividade-fim da escola; III – elevar o padrão
de ensino público do Estado, visando propiciar melhores
condições de educação à população cearense; IV – verificar a
proficiência dos alunos em relação ao desempenho escolar e
ao uso da ferramenta computacional. (CEARÁ, 2002)

Sendo assim, está evidente neste trecho da lei citada acima a


associação clara entre incentivo financeiro e qualidade da educação,
especialmente no trecho que diz “criando um clima de qualidade
com repercussão nos resultados”. Além disso, revela-se aí a ideia do
SPAECE (enquanto avaliação de larga escala), como sendo a “ativi-
dade-fim” da escola, e isso pode ser entendido como a alteração da
finalidade da avaliação, pois ela deixa de ser uma das etapas do pro-
cesso escolar e passa a ser a atividade principal, isto é, o objetivo da
escola. É primordial considerar a avaliação como atividade que per-
passa todo o processo educativo, contrariando, assim, a ideia de ter
avaliação como uma ação somente no fim de um processo. Pensando
nisso, Passone (2014, p. 436) afirma:
Como sabemos, a avaliação como âmago das práticas sociais
escolares, como atividade meio, e não como fim, do processo
escolar, como ação implicada no ato educativo, permite ao
aluno e ao professor conhecerem melhor suas dificuldades e
a forma de superá-las, no limite das possibilidades reais da
educação.

Portanto, segundo o autor, a avaliação deve ser intrínseca às


práticas sociais escolares, pois assim ela permite tanto para profes-
sor quanto para aluno se superarem e aprimorarem seus conheci-
mentos. É importante ressaltar ainda que o termo “atividade-fim” é

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


179 •
característico do discurso empresarial onde se definem os objetivos
para o qual determinada empresa foi criada. Ainda sobre esse tre-
cho, percebe-se um claro exemplo de responsabilização hight-stakes,
que se dá pelo ranqueamento das instituições de ensino, pois como
já foi dito, segundo essa lei, apenas as 100 melhores escolas ganharão
o benefício. A responsabilização hight-stakes é também denomina-
da responsabilização forte e faz parte da chamada terceira geração
da avaliação. Bonamino e Sousa (2012, p. 375) conceituam esse tipo
de avaliação da seguinte forma: “Avaliações de terceira geração são
aquelas que referenciam políticas de responsabilização forte ou high
stakes, contemplando sanções ou recompensas em decorrência dos
resultados de alunos e escolas”. A responsabilização forte é configu-
rada pela utilização de mecanismos de incentivos financeiros e com-
petitivos para mobilizar os profissionais da educação na busca pela
melhoria da qualidade (ARAÚJO; LEITE; PASSONE, 2018). Além dis-
so, a promoção do reconhecimento público das escolas que tiveram
os melhores resultados se configura como outra característica desse
tipo de responsabilização. É importante registrar aqui que essa lei
foi revogada em 2004 e seguida ao longo dos anos por outras leis que
vão nesse mesmo sentido de responsabilização dos agentes por re-
sultados em avaliações de larga escala.
No nível de Ensino Médio, campo de pesquisa para este estu-
do, atualmente o estado do Ceará tem uma parceria com o Instituto
Unibanco, instituição privada que, desde 2012, presta apoio técnico
às escolas, implantando metodologias que, segundo a instituição, vi-
sam à melhoria dos resultados educacionais de cada escola. Por meio
do Projeto Jovem de Futuro, as escolas têm sido orientadas pela Se-
cretaria de Educação a buscarem atingir as metas pré-estabelecidas
com ênfase nos resultados das avaliações SPAECE e SAEB, e também
no fluxo de rendimento interno. Atualmente está implantado nas
escolas o método chamado Circuito de Gestão, que consiste em pla-
nejamento e execução de ações voltadas para o alcance das metas.
O Plano de Ação do Circuito de Gestão está claramente organizado
destacando (e, portanto, responsabilizando) o nome de cada pessoa
que será responsável por uma ação e, consequentemente, por um

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 180

resultado, evidenciando, assim, o caráter gerencial da política ac-


countability. Levando em consideração que o SPAECE, foco central
das ações, avalia apenas as aprendizagens de Língua Portuguesa e
Matemática, os professores dessas disciplinas são individualmente
listados para cada ação, e é aí que acontece também a problemática
da responsabilização docente.
O SPAECE, ao considerar apenas as aprendizagens dos descri-
tores de Língua Portuguesa e Matemática, coloca diretamente esses
professores como foco de atenção na escola, e isso pode acarretar
muitas implicações na prática docente em seu cotidiano. A respon-
sabilização docente, especialmente direcionada aos professores de
Português e Matemática, revela-se presente nas escolas e induz os
professores dessas disciplinas a reduzirem o currículo, limitando-o
e focando apenas em ensinar as habilidades que serão cobradas nas
provas. Sobre isso, Bonamino e Sousa (2012, p. 383) ­afirmam:
Avaliações de segunda e terceira geração, associadas à intro-
dução de políticas de responsabilização baseadas em con-
sequências simbólicas e materiais, têm o propósito de criar
incentivos para que o professor se esforce no aprendizado
dos alunos. No entanto, evidências nacionais e internacio-
nais mostram que principalmente o uso de resultados das
avaliações de terceira geração para informar iniciativas de
responsabilização forte pode envolver riscos para o currículo
escolar. Um deles é a situação conhecida como ensinar para
o teste, que ocorre quando os professores concentram seus
esforços preferencialmente nos tópicos que são avaliados e
desconsideram aspectos importantes do currículo, inclusive
de caráter não cognitivo.

Sendo assim, as políticas de responsabilização objetivam fa-


zer com que o professor se empenhe mais em prol da aprendizagem
dos alunos; porém, essa aprendizagem está relacionada a um propó-
sito específico: aprender o que será cobrado nas avaliações externas
e isso pode limitar o currículo, pois o foco deixa de ser o desenvol-
vimento integral do aluno e passa ser apenas o desenvolvimento de
habilidades requeridas nas determinadas avaliações. Sobre a des-

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


181 •
consideração dos aspectos de caráter não cognitivo presentes no
currículo, é possível relacionar essa afirmação com Sacristàn (2000,
p. 26) quando o autor discorre sobre as aprendizagens não avaliáveis
que o currículo possui, ele alerta que “não devemos nos deixar levar
pelo redutivismo positivista para o qual somente conta o que pode
ser medido, porque é observável”.
Segundo o dicionário Michaelis (2019), a palavra responsável
significa “Que ou aquele que tem de dar contas dos seus atos públi-
cos”; ou “Que ou aquele que é culpado por qualquer falta”, e a palavra
responsabilização é uma derivação desse termo, significando o “ato
de considerar responsável por algum ato”. Dito isto, fica evidente a
gravidade dessa cultura de responsabilizar o professor pelos resul-
tados dos alunos, torna-se desgastante e desestimulante para o do-
cente. A seguir, veremos as percepções dos professores sobre esse
assunto.

Apresentação e discussão dos resultados

Inicialmente faz-se necessário apresentar perfil dos professo-


res pesquisados. A pesquisa foi direcionada a seis professores, qua-
tro de Português e dois de Matemática, do Colégio Estadual Liceu
de Caucaia, colégio de Ensino Médio, situado na região periférica da
cidade de Caucaia/CE. Quanto ao perfil dos professores, quatro pos-
suem formação em nível de Especialização e dois possuem apenas
graduação; dos seis professores que responderam à pesquisa, quatro
detêm vínculo temporário com a escola e dois possuem vínculo efe-
tivo. Já em relação à formação inicial desses professores, dois cur-
saram a graduação em instituição privada e quatro a fizeram em fa-
culdades públicas. Apresentados os perfis gerais dos participantes,
partimos para os resultados obtidos.
As avaliações de larga escala, por meio de seus testes padro-
nizados, têm norteado o currículo de muitas escolas brasileiras, e
essas, por sua vez, acabam focando em ensinar preferencialmente
as habilidades que serão cobradas nessas provas. No nível de Ensi-
no Médio (campo desta pesquisa), as avaliações externas SPAECE

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 182

e SAEB avaliam os conhecimentos apenas de Língua Portuguesa e


Matemática, e isso coloca os professores dessas disciplinas como
sujeitos centrais (e responsáveis) pelo (in)sucesso dos alunos nessas
provas. Nesse sentido, vejamos as respostas de alguns professores ao
serem indagados sobre se eles se sentem responsáveis pelos resulta-
dos dos alunos nas avaliações externas SPAECE e SAEB:
“Sim. Porque é o resultado de todo conhecimento que nós
transmitimos para eles. Observação: lembrando que sentirei
responsável somente para aqueles discentes que realmente se
esforçam nos seus estudos”. (PLP3)
“Sim. Foi um trabalho de empenho e dedicação o ano todo para
que o resultado fosse positivo”. (PLP1)
“Sim, pois entendo que sou responsável pelo nível de conheci-
mento que os discentes irão adquirir nas minhas aulas”. (PM1)
“Sim, pois é o resultado de uma aprendizagem verdadeira”.
(PLP2)

É possível perceber que a maioria dos professores pesquisa-


dos (quatro de um total de seis) se sentem responsáveis pelos resul-
tados dos alunos nas provas externas, com destaque para a resposta
do professor PLP2 que atesta, pela sua fala, que esses resultados re-
fletem uma “aprendizagem verdadeira”, reforçando, assim, a asso-
ciação que muitos fazem (especialmente o governo) que o resultado
das avaliações externas significam aprendizagem efetiva dos alunos
e qualidade da educação, reforçando também a centralidade da figu-
ra do professor na obtenção desses resultados. Nesse sentido, Passo-
ne (2014, p. 427) afirma:
Dito de outro modo, tais discursos enfatizam a centralidade
do professor no processo de ensino em detrimento de outras
dimensões que são igualmente estruturantes, como a neces-
sidade de recursos e investimentos adequados à educação
pública, dentre outros.
Segundo o autor, centralizar no professor a responsabilidade
pelos resultados dos alunos nas avaliações externas desconsidera
uma gama de aspectos que precisam também ser considerados. É

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


183 •
importante destacar ainda a resposta do professor PLP1 ao afirmar
que aquele resultado é fruto de “empenho e dedicação o ano todo
para que o resultado fosse positivo”. Isso pode indicar que o foco das
aulas durante o ano consiste em preparação para a prova externa,
fato comum em muitas escolas brasileiras e que limita e empobre-
ce o currículo. Destaque interessante precisa ser feito em relação
à resposta do professor PLP3, que faz uma ressalva sobre sentir-se
responsável “somente por aqueles discentes que se esforçaram na
aula”. Isso mostra que esse professor não se sente responsável pelo
resultado de todos, apenas de alguns. Ainda sobre sentir-se ou não
responsável pelos resultados dos alunos no SPAECE e/ou SAEB, veja
o depoimento desses professores, que, ao serem também indagados
se se sentem responsáveis pelos resultados dos alunos nas avaliações
externas, apontam em um sentido um pouco diferente das respostas
apresentadas anteriormente.

“Em parte. Porque o desempenho do aluno nessas avalia-


ções externas depende não só do professor, mas no seu interes-
se e no próprio empenho”. (PM2)
“Não totalmente, pois vários fatores sociais desafiam o traba-
lho que o professor realiza”. (PLP4)

Importante observar que os depoimentos acima demostram


que a responsabilidade pelos resultados não está centrada princi-
palmente no professor, mas também no aluno e em aspectos sociais
que são decisivos para a obtenção de bons resultados. O professor
denominado PM2 destaca que o interesse e o empenho do aluno con-
tribuem para o seu resultado, sendo assim, o foco dessa responsabi-
lidade está também no aluno. Já o professor PLP4 ressalta que “vá-
rios fatores sociais” interferem no empenho que o professor realiza;
sendo assim, por esse depoimento, pode-se entender que o professor
não é o único responsável pelos resultados dos alunos nas provas,
uma vez que há interferências externas que incidem sobre o empe-
nho do professor. No entanto, em um ponto os dois depoimentos ci-
tados acima se assemelham: ambos apontam que o professor é tam-
bém responsável pelos resultados. A diferença desses depoimentos

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 184

para os citados anteriormente é que esses tiram o foco do professor


e incluem outras instâncias como responsáveis pelos resultados dos
testes.
Tem sido comum no cenário da educação básica brasileira in-
centivar monetariamente os professores e as escolas pelos bons re-
sultados nas avaliações de larga escala. É a prática da bonificação por
mérito (BONAMINO; SOUSA, 2012). No discurso da educação brasi-
leira, muitas vezes o ganho financeiro figura como estímulo para em-
penho do professor no tocante à aprendizagem dos alunos; porém,
uma reflexão deve ser levantada: o incentivo financeiro contribui
para aumentar o empenho do professor com a aprendizagem dos
alunos? Eis o depoimento de alguns professores sobre essa questão:
“Sim. Pelo menos com uma ajuda extra para materiais”. (PLP1)
“Sim, pela questão de disponibilização de material didático
pra incentivação e interesse do professor e aluno”. (PM2)
“Sim, pois é um incentivo a mais, nesse mundo capitalista que
vivemos”. (PLP2)
“Sim, vejo que se o professor está motivado, logo o nível de suas
aulas melhora e com o rendimento dos alunos cresce” (PM1)

Como é possível perceber, a maioria dos professores questio-


nados afirma categoricamente que o incentivo financeiro contribui
para aumentar o empenho dos professores com a aprendizagem dos
alunos. Dois professores (PLP1 e PM2) destacaram indiretamente a
necessidade de comprar materiais extras para ajudar na compreen-
são da aula, isso pode indicar uma carência (típica de escola públi-
ca) de recursos didáticos que contribuem para aprendizagem dos
alunos. Já o professor PLP2 enfatizou “o mundo capitalista em que
vivemos” para justificar a necessidade de incentivo financeiro para
os professores como forma de estímulo a melhorar o seu empenho
em sala de aula. O professor PM1 evidencia a motivação do professor
como necessária para a melhoria das aulas. Contrariando os depoi-
mentos acima, dois professores dos seis pesquisados, não relacio-
nam incentivo financeiro à melhoria do desempenho do professor,
com destaque para um deles que afirmou: “o profissional que ama o

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


185 •
que faz tem compromisso e responsabilidade junto à sociedade. Se
é profissional por falta de opção, esse precisa de incentivo financei-
ro”. É importante lembrar que o incentivo financeiro baseado nos
resultados das avaliações externas pode deixar o professor “refém”
dos alunos. Essa preocupação Araújo, Leite e Passone (2019, p. 117)
evidenciam no seguinte trecho:
Tal lógica, não somente perverte a realidade da educação
como também acaba por inverter a demanda escolar, uma
vez que são os professores que passam a depender dos seus
alunos ao ficarem reféns do engajamento ou não das suas tur-
mas na preparação e realização dos testes de desempenho,
revelando um estado perverso no qual os adultos acabam
literalmente governados pelos mais novos, uma das marcas
do atual “mal-estar” na educação contemporânea que per-
manece velado no discurso das melhorias da qualidade da
educação.

Nesse sentido, o discurso da qualidade da educação exprime


uma lógica, na qual a escola e o professor dependem do engajamen-
to do aluno nas avaliações externas. Isso é muito desgastante, espe-
cialmente para os professores, porque é como se a qualidade do seu
trabalho tivesse que ser (a)testada pelo aluno por provas externas.
Os professores de Língua Portuguesa e Matemática inevita-
velmente são figuras centrais das ações curriculares que visam à
preparação para as avaliações externas; muitas vezes, eles são res-
ponsabilizados ou culpabilizados pelos resultados dos alunos nessas
provas. Porém, os professores envolvidos nesta pesquisa, surpreen-
dentemente, afirmaram que nunca (em toda a sua trajetória docen-
te) foram diretamente culpabilizados pelos resultados dos alunos
nas avaliações externas. A última pergunta do questionário aplicado
aos professores os indagava sobre eles acreditarem que o resulta-
do dos alunos na prova do SPAECE realmente reflete o que o aluno
aprendeu. Eis as respostas:
“Sim, pois através dessas avaliações podemos ter uma análise
geral do desempenho dos alunos nas escolas e salas”.

A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
• 186

“Sim, determina o empenho e o aprendizado no decorrer do


ano ­letivo”.
“Sim, em pauta”.
“Não, pois em muitas vezes é cobrado conteúdo que os alunos
não chegaram a estudar”.
“Sim, porque é nesse resultado que nós saberemos como está o
nível de aprendizagem deles”.
“Sim, porque o que é avaliado faz parte da sua formação”.

Analisando as respostas acima, praticamente todos os profes-


sores associam o resultado da avaliação externa à efetiva aprendiza-
gem do aluno. Isso corrobora o discurso dos governos que passam
para a sociedade a ideia de que as avaliações de larga escala atestam
a qualidade da educação e, sobre isso, há controvérsias.

Conclusão

Após analisar e discutir os dados, é possível concluir que há


uma predominância da cultura da responsabilização docente intrín-
seca à atividade pedagógica desses profissionais. Apesar desse fato
muitas vezes não se revelar diretamente, pode-se perceber que ao se
sentirem responsáveis pelos resultados dos alunos nas avaliações ex-
ternas, os professores trazem para si a responsabilidade pelos resul-
tados obtidos nesses testes, desconsiderando, assim, todos os outros
fatores que correspondem para o sucesso ou fracasso dos alunos nas
avaliações de larga escala, desresponsabilizando, portanto, o aluno
(enquanto sujeito também responsável pela sua aprendizagem), o
governo e os fatores sociais que também interferem no processo de
aprendizagem. No geral, os professores se percebem como sujeitos
responsáveis pelos resultados dos alunos nas avaliações externas.
O fato de quase todos os professores pesquisados acredita-
rem que incentivo monetário contribui positivamente como estímu-
lo no seu desempenho revela uma lógica capitalista e consumista da
sociedade atual, em que o dinheiro tem a finalidade de impulsionar
a qualidade do ensino. Também é fato que isso se justifica pelas pre-

PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


187 •
cárias condições em que o professor trabalha, com desvalorização da
carreira e salários baixos. Segundo o levantamento da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômica – OCDE, divulgado
em junho de 2019, o Brasil ocupa a 40ª posição no ranking mundial
de salários de professores no Ensino Médio; talvez, por isso, o incen-
tivo monetário ainda sirva no Brasil como motor para a melhoria dos
índices educacionais (o que não significa necessariamente melhoria
da aprendizagem). A questão da responsabilização docente é muito
preocupante e digna de vários outros estudos, visto que, de modo
geral, na atual conjuntura brasileira há uma frenética tentativa de
responsabilizar o professor pelo fracasso da escola pública. Muitas
vezes, a sociedade, respaldada pela mídia e por alguns governantes,
procura culpar o professor, alegando que a ele falta preparação ou
vontade para lecionar bem. Isso tudo é uma tentativa de desviar o
foco do problema, retirar a culpa de quem realmente tem e colocar
no professor, profissional que gradativamente vem sendo atingido
pelo desmonte da sua carreira profissional.

Referências

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A RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM AS AVALIAÇÕES EXTERNAS NO CEARÁ:


PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E MATEMÁTICA
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Acesso em: 24 nov. 2019.
PASSONE, Eric Ferdinando Kanai. Incentivos monetários para pro-
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PAULA TRAJANO DE ARAÚJO ALVES | SOLONILDO ALMEIDA DA SILVA


189 •
O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA
PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
Geraldo Vicente da Silva
Eugênio Eduardo Pimentel Moreira

Introdução

P ara Scriven (2018, p. 185), “o sentido principal do termo


‘avaliação’ refere-se ao processo de determinar o mérito, relevân-
cia ou valor de algo, ou ao produto deste processo”. Para o autor,
a avaliação deve ser vista como uma “transdisciplina”, da qual po-
dem emergir soluções para os mais diferentes desafios, as mais
variadas dificuldades, enfrentados nos mais diferentes campos do
­conhecimento.
No domínio da Educação, muitas são as formulações que tra-
tam de avaliação e a abrangência perpassa pelos mais diversos ní-
veis, sujeitos, aspectos e elementos, tais como: alunos, professores,
currículos, estabelecimentos e instituições de ensino, programas
e políticas educacionais. Assim, a avaliação educacional se consti-
tui em um processo complexo, pluridimensional, e deve ser muito
mais do que uma prática de coleta de dados e informações. Ademais,
muitas vezes, a avaliação educacional se situa num contexto político
que envolve opiniões, interesses e objetivos conflituosos e sua imple-
mentação fica sujeita a pressões, tanto de apoio quanto de hostilida-
de, provenientes do respectivo jogo político.
Nesse cenário, depreende-se que avaliação não só é uma ativi-
dade política, como a política desempenha um papel importante na
prática da avaliação (WEISS, 1982) e, nesse sentido, a avaliação edu-
cacional exige a participação de profissionais treinados, com experi-

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 190

ência no trato de diferentes problemas educacionais e possuidores


de capacitação específica para exercer a função. Não pode ser tarefa
exclusiva de professores, pois, em regra, sua realização requer um
trabalho colaborativo e construído coletivamente, mediante asso-
ciação de diferentes perspectivas e com troca de conhecimentos e
experiências de diferentes atores detentores de conhecimentos de
diferentes áreas do conhecimento.
Face a essa complexidade que envolve a avaliação, o presente
trabalho tem como objetivo geral analisar o papel do avaliador e a
importância de sua tarefa para uma avaliação educacional que possa
contribuir para a melhoria do desempenho de todos que atuam na
Educação. Os objetivos específicos do estudo estão concentrados em
identificar as características, funções e aspectos relativos à forma-
ção do avaliador educacional, bem como discutir a importância da
tarefa dele para a avaliação educacional.
O referencial teórico utilizado neste percurso de estudo, para
tratar acerca do avaliador educacional, contou com as contribuições
de autores como Luckesi (2018); Scriven (2018); Vianna (1989, 2000,
2014), dentre o­ utros.

O papel do avaliador na avaliação educacional: função,


características e formação

Como visto acima, a avaliação educacional é complexa e en-


volve vários personagens dos quais aqui destacamos o avaliador edu-
cacional, cuja tarefa perpassa do planejamento à análise dos dados
coletados. Nesse sentido, apresentamos a seguir algumas das prin-
cipais funções e características do avaliador educacional, segundo
estudiosos e pesquisadores estrangeiros e brasileiros.

Funções do avaliador educacional

São poucos os autores que tratam do avaliador educacional


no Brasil, dentre eles destacamos Vianna e Luckesi. Este divide as

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


191 •
funções desse profissional em avaliador e/ou gestor educacional, de
acordo com a modalidade1 de avaliação à qual o sujeito esteja subme-
tido, aquele prefere relacionar as funções do avaliador educacional
de acordo com os grandes grupos de avaliação historicamente cons-
truídos pelos “pais” da avaliação educacional, como Tyler, Cronba-
ch, Scriven, dentre outros.
Para Luckesi (2018), o avaliador educacional dentro da avalia-
ção da aprendizagem assume as funções tanto de avaliador quanto
de gestor da avaliação e, neste caso, é este profissional que define os
objetivos/critérios, elabora os itens e os aplica, coleta os dados, des-
creve, qualifica e, se necessário, intervém.
Para o mesmo autor, já quando se trata de avaliação institu-
cional, seja ela externa ou interna, o avaliador não será o gestor, ou
seja, não será ele o responsável em fazer, caso necessário, a interven-
ção. Neste caso, o avaliador estará na responsabilidade pura e tão so-
mente em aplicar instrumentos e coletar os dados.
Para Vianna (2000), as funções do avaliador estão vincula-
das ao conjunto de avaliação que se pretende utilizar e, neste caso,
o autor destaca os três principais até hoje estudados: avaliação por
objetivos, formulada por Tyler; avaliação descritiva, defendida por
Stufflebeam e Cronbache, e avaliação que implique julgamento,
apontada por Scriven.
No quadro abaixo, elaborado de acordo com os escritos de
Vianna (2000, p. 165), poderemos observar, segundo o autor, quais as
principais funções assumidas pelo avaliador educacional.

1 Nesse sentido, trazemos o que destacam as Diretrizes Curriculares da Educação


Básica instituída pelo Parecer nº 07 de 2010, do Conselho Nacional de Educação,
no qual se prevê que a avaliação educacional compreenderá três dimensões, sendo
a primeira a avaliação aprendizagem, a segunda a avaliação institucional, que se
divide ainda em interna e externa, e, por último, a avaliação de redes de educação
básica.

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 192

Quadro 1 – Funções do avaliador educacional


Modelo de Avaliação Principais Autores Funções do Avaliador
O avaliador é um controlador, um
Avaliação por objetivos Tyler
auditor;
O avaliador é um cientista, um
educador que procura informar
Stufflebeam e as várias audiências sobre aspec-
Avaliação descritiva
Cronbach tos relevantes, a fim de aumentar
a sua compreensão sobre diferen-
tes problemas;
O avaliador assemelha-se a um
Avaliação que impli-
Scriven juiz, um crítico literário ou a um
que julgamento
crítico de arte.
Fonte: Vianna (2000).

Neste quadro, fica clara a preocupação de Vianna (2000) em


vincular a função do avaliador a um modelo de avaliação para não
exigirmos posicionamentos muitas vezes controversos ao que se
pede em cada modelo de avaliação, podendo interferir diretamente
em seu resultado. E, nesse sentido, trazemos abaixo, de forma ge-
neralizada, o perfil, a formação e algumas características até agora
definidas como essenciais ao avaliador educacional pelos autores
estudados.

Quem é e quais as características de um avaliador


educacional

A partir de uma pesquisa bibliográfica feita na Biblioteca


Digital Brasileira de Teses e Dissertações com a chamada de busca
“avaliador educacional”, foi encontrada uma única produção do tipo
dissertação, a qual é datada do ano de 1981, do pesquisador Raimun-
do Facó Barros, desenvolvido no Programa de Mestrado realizado
entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Es-
tadual do Ceará – UECE, no qual o autor já apontava, com base em
estudiosos como Popham que [...] estudos avaliativos desenvolvidos
no Brasil demonstram impropriedade no que se refere à aplicação

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


193 •
de métodos e técnicas de avaliação” [...] e destaca quatro problemas
sendo um deles “avaliações realizadas por indivíduos não qualifica-
dos para a tarefa.” [...] (BARROS, 1981, p. 3).
Nesse sentido, Barros (1981) utilizando-se da técnica Delfos2
para entrevistar especialistas brasileiros da área da avaliação e com
base em autores como Parlett e Hamilton (1972), Provus (1969), Cam-
pbell e Stanley (1963), entre outros, construiu um quadro com as
competências básicas para um avaliador educacional, distribuindo-
-as em três categorias: planejamento de avaliações, para a qual desta-
ca vinte e cinco competências; desenvolvimento de avalições com dez
competências; e, por último, a categoria de interpretação e relato de
resultados, conclusões e recomendações de avaliações.
No texto, o autor busca ainda conceituar, quem é a pessoa do
avaliador educacional, afirmando que este deverá ser um “Profissio-
nal de nível superior, com titulação a nível de mestrado em avaliação
educacional” (BARROS, 1981, p. 5).
Um ano após os estudos acima citados e logo no ano de 1989,
em seu livro “introdução à avaliação educacional”, um dos maiores
estudiosos dos fundamentos da avaliação educacional no Brasil, He-
raldo Marelim Vianna, publicou um artigo, republicado em 20143, no
qual demonstra igual preocupação com a questão do Avaliador Edu-
cacional e destaca que:
A avaliação educacional exige a participação de profissionais
especialmente treinados, com experiência no trato de dife-
rentes problemas educacionais, e possuidores de capacitação
específica para o exercício da função. A avaliação educacional
não deve ser tarefa de responsabilidade exclusiva de profes-
sores, pois, em geral, no seu treinamento profissional, ape-
nas recebem informações gerais sobre avaliação, as quais, na

2 “O estudo de Delfos envolve dois tipos de indivíduos: os pesquisadores – que condu-


zem o estudo – e os respondentes (entrevistados), geralmente um grupo de especia-
listas no assunto que está sob objeto de investigação e que irão responder as questões
colocadas pelos pesquisadores” [...]. (BASTOS, 1984, p. 198). Ainda segundo o mesmo
autor, uma das principais vantagens da técnica Delfos é o fato de ela possibilitar o
consenso grupal.
3 Artigo publicado na revista Educação e Seleção, n. 5, p. 9-14, jan./jun. 1982.

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 194

maioria das vezes, se restringem à tecnologia da construção


de instrumentos para a verificação do rendimento escolar.
(VIANNA, 2014, p. 81)

Vianna (2014), assim como Barros (1981), demonstra signifi-


cativas preocupações de como as avaliações estão sendo praticadas
a época e ainda com a formação dos profissionais que as praticam,
levando tanto o primeiro quanto o segundo a propor saberes neces-
sários aos avaliadores educacionais. No caso de Vianna, seu texto
publicado originalmente em 1982 propõe o que ele chamou de ‘ca-
pacitações’, em que lista 25 capacidades que acredita serem neces-
sárias ao avaliador educacional no desenvolvimento de um trabalho
“consequente”.
No ano de 1999, Vianna, antecipando a publicação do seu li-
vro intitulado “Avaliação educacional: Teoria – planejamento – Mo-
delos”, o qual foi lançado no ano seguinte e que traz um capítulo
dedicado à questão do avaliador educacional, publica no periódico
da Fundação Carlos Chagas um texto intitulado Avaliação e o avalia-
dor: depoimento. Nesse artigo, como o próprio título indica, o autor
traz toda sua trajetória enquanto estudioso do tema da avaliação,
mas, em especial, busca demonstrar um perfil “ideal” do avaliador
­educacional.
Ao contrário de Barros (1981), o qual nas suas primeiras pala-
vras buscou definir quem seria o Avaliador Educacional, Vianna em
nenhum dos dois artigos acima tratados trouxe uma definição clara
de quem deveria ser o avaliador. Buscou, tanto no primeiro artigo
quanto no segundo construir um perfil ou características que um
avaliador educacional deverá possuir.
No livro supracitado, Vianna (2000, p. 167), de forma mais
aprofundada e com um capítulo dedicado ao avaliador educacional,
preocupa-se entre outras questões em definir, segundo seus estu-
dos, a figura do avaliador educacional:
[...] é um cientista, é um pesquisador, mas bem considerando
o que devia ser, acreditamos que poderíamos dizer, usando
um verdadeiro achado de Stake e Ker (1994), que o avaliador é

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


195 •
um “provedor de imagens”, alguém que proporciona elemen-
tos essenciais para o espírito daqueles que devem confrontar
diferentes imagens resultantes da experiência tácita, ima-
gens que vão despertar a atenção para novas expectativas e
suposições de possíveis novas verdades, e são essas imagens
que muitas vezes nos chocam, nos trazem para um novo
mundo bem diverso do nosso dia-a-dia. Além de cientista e
pesquisador, o avaliador, como o artista, deve produzir uma
obra que nos leve à construção de novas realidades.

Observe que o autor não traz um dado nível de formação, con-


tudo, enfatiza duas características centrais do avaliador, que foi o
fato de ele ser cientista e pesquisador. Ou seja, que não basta uma
dada formação ou tão somente atuar no campo das ideias, mas partir
de questões reais, do ­concreto.
No livro acima também são retomadas as capacidades neces-
sárias ao avaliador, em que o autor as classifica como características
necessárias ao avaliador e ainda, mesmo sem deixar claro os motivos
ou os critérios utilizados, o autor reduz, reescreve, exclui e as divide
em seis conjuntos, como pode ser visto no Quadro 2.

Quadro 2 – Características necessárias à um avaliador atuante


Conjunto Características
1.1  especificar informações necessárias para o desenvolvimento de
programas de avaliação;
1.2 localizar, ler e integrar informações existentes na literatura técnica;
01 1.3 analisar avaliações anteriores sobre o assunto de seu interesse e
discutir suas implicações;
1.4 definir com precisão os objetivos gerais e específicos de uma
avaliação.
2.1  examinar, criticamente, estratégias de avaliação e selecionar a
adequada para seu problema;
2.2  formular questões ou hipóteses a serem respondidas ou verifica-
02
das em avaliação;
2.3  desenvolver planejamento adequado para a coleta de dados que
possibilitem realizar 2.2.
3.1  selecionar amostra capaz de atender aos objetivos de um projeto;
03 3.2  identificar, a partir dos objetivos, as variáveis a considerar na
­avaliação.

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 196

4.1  selecionar e/ou construir os instrumentos necessários à avaliação;


4.2  estabelecer a validade dos instrumentos e determinar o grau de
fidedignidade dos resultados;
4.3  dominar técnicas qualitativas de coleta de dados;
04
4.4  gerenciar o programa de avaliação e corrigir seus desvios;
4.5  selecionar as técnicas estatísticas necessárias, se for o caso;
4.6  definir os procedimentos de análise em termos de processamento
de dados.
5.1  interpretar e estabelecer conclusões fundamentadas;
05
5.2  elaborar relatórios e discutir suas conclusões.
6.1 estabelecer relações interpessoais adequadas com a equipe de
06 ­avaliação;
6.2  administrar recursos humanos e materiais ligados à avaliação.
Fonte: Vianna (2000).

Dentre todas as características tidas como essenciais ao ava-


liador educacional, Vianna (2000) destaca a importância de o avalia-
dor educacional estabelecer relações interpessoais adequadas com
a equipe de avaliação por entender que esta, por ser uma atividade
que depende de vários atores, precisa de uma liderança segura que
possa conduzir toda a equipe ao êxito.

Metodologia

O presente texto é um estudo teórico resultado de uma pes-


quisa exploratória de abordagem qualitativa e se valeu ainda da pes-
quisa bibliográfica para o embasamento e exploração do tema.
Segundo Oliveira (2010), a pesquisa bibliográfica tem como
finalidade precípua:
[...] levar o pesquisador a entrar em contato direto com obras,
artigos ou documentos que tratem do tema em estudo. O mais
importante para quem faz opção por uma pesquisa bibliográ-
fica é ter a certeza de que as fontes a serem pesquisadas já são
reconhecidamente do domínio científico. (OLIVEIRA, 2010,
p. 69)

Por compreender a pesquisa bibliográfica como uma modali-


dade de estudo e análise de documentos que apresenta a possibilida-

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


197 •
de de contato direto com fontes científicas, constituindo-se, portan-
to, um método apropriado para a aproximação e conhecimento das
variáveis e, para a autenticidade da pesquisa a utilizamos na busca da
eficiência desta na sistematização dos meios e critérios e­ stabelecidos.
Adotamos a seleção de uma bibliografia temática que se rela-
cionasse não só ao tema, como principalmente ao objetivo do estudo.
Com base no referencial teórico, o percurso foi a análise crítica, ba-
sicamente de livros e artigos, já que nem todas as obras analisadas
contribuem da mesma forma, abordando o tema com igual interesse.
O critério metodológico de revisão da literatura foi, inicial-
mente, fazer o levantamento dos livros e artigos que tinham valida-
de, separando-os daqueles que não tinham. Em seguida, foram rea-
lizados fichamentos e arquivamento de informações relacionadas à
pesquisa.
Partindo-se do pressuposto de que não é possível uma leitura
neutra e de que toda leitura vincula-se a uma interpretação, de certo
modo, pessoal por parte do pesquisador, para a discussão e análise
dos dados, os fundamentos teóricos desta pesquisa estão alicerçados
no método da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), que vem se mos-
trando como uma das técnicas de análise mais utilizadas, especial-
mente nas pesquisas qualitativas, a qual permite realizar a interpre-
tação após a coleta dos dados, bem como compreender criticamente
o sentido existente em materiais textuais.
O método da Análise de Conteúdo se constitui, segundo Bar-
din (2011, p. 44), de:
[...] um conjunto de técnicas de análises de comunicações,
que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descri-
ção do conteúdo das mensagens. [...] A intenção da análise de
conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condi-
ções de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferên-
cia esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não).

Ou seja, com o referido método, busca-se captar de forma crí-


tica o sentido das mensagens, seu conteúdo manifesto ou subenten-
dido, as significações explícitas ou disfarçadas.

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 198

Resultados e discussão

A formação para o exercício do avaliador educacional exige


transformações permanentes e essenciais nos dias atuais, seja qual
for a perspectiva a modalidade ou modelo de avaliação escolhido. É
sabido que os fatos ligados aos avanços científicos e tecnológicos, à
globalização da sociedade e à mudança dos processos de produção
tem sus suas consequências diretas na Educação, ao trazer novas
exigências com vistas à aquisição de novos conhecimentos e ao de-
senvolvimento de habilidades e atitudes necessárias a uma prática
avaliativa a serviço da melhoria da qualidade da Educação.
Há algum tempo, pesquisadores e estudiosos da área da ava-
liação educacional no exterior e no Brasil têm se preocupado com a
devida formação do avaliador educacional por se entender que a fun-
ção deste é essencial no desenvolvimento de uma avaliação que traga
uma real fotografia da realidade que se pretende estudar.
E, nesse sentido, ensina-nos Vianna (2000, p. 163) que [...] “A
credibilidade e aceitação de uma avaliação estão associadas a credi-
bilidade do avaliador, que deve possuir competência técnica e expe-
riência suficiente para empreender a coordenação de uma equipe
de avaliação” [...], competências estas que não podem ser somente
quantitativas nem qualitativas, as quais são aqui entendidas não
apenas como cursos de formação e capacitação, mas também uma
larga experiência educacional.
Outro aspecto que precisamos destacar é que não podemos
esperar que a avaliação sozinha ou o avaliador educacional venha
solucionar os problemas demonstrados por estas, pois ficou claro no
texto que, com exceção da avaliação da aprendizagem, não cabe ao
avaliador e sim ao gestor da avaliação o dimensionamento, a análise
ou a intervenção na qualidade demonstrada.
Quando citamos o gestor educacional, a depender da modali-
dade ou o modelo de avaliação adotada, referimo-nos a nível micro,
desde o diretor de uma pequena escola que, preocupado com a qua-
lidade educacional, realiza uma avaliação no âmbito escolar, ou a ní-
vel macro, ao presidente do país onde esta mesma escola encontra-se

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


199 •
localizada junto com todas ou parte das escolas daquele município,
estado ou país, que com a mesma preocupação, realiza uma avalia-
ção do seu sistema de ensino, ou ainda, aos chefes de órgãos interna-
cionais, que, com o objetivos de implementar políticas em um deter-
minado país também realiza avaliações.
Diante disso, a partir de um criterioso estudo das característi-
cas ideais a um avaliador educacional, percebemos quão importante
e abrangente precisa ser a formação dele, uma vez que, na mesma
proporção, tem se tornado o seu papel nas avaliações dos programas
e políticas educacionais no Brasil nas últimas décadas, a exemplo
de algumas como a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (An-
resc), Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), Exame Nacional
do Desempenho dos Estudantes (ENADE), sendo as duas primeiras
desenvolvidas na Educação Básica e a última na Educação Superior.
Por mais que os objetivos específicos de cada uma das avalia-
ções acima citadas sejam diferentes, de modo geral, a principal finali-
dade destas é fazer uma “radiografia” da qualidade da Educação ofer-
tada em cada etapa e modalidade de ensino e, a partir dos resultados
destas, fazer as devidas intervenções. A cada edição das avaliações
são mobilizados milhares de profissionais em vários níveis de atua-
ção, que vão desde o planejamento, elaboração de itens, logística, co-
ordenação, aplicação e análise, entre outras etapas necessárias, com
o objetivo de verificar em que medida os objetivos educacionais pre-
vistos na legislação da Educação brasileira estão sendo alcançados.
Nesse sentido, fica clara a importância do avaliador educacio-
nal em todos os níveis de atuação, uma ação condizente com a moda-
lidade e o modelo de avaliação pretendida, assim como uma forma-
ção necessária ao desempenho da função exigida.

Considerações finais

Com o estudo em questão foi possível perceber a importância


que tem o avaliador educacional e que a sua função é dependente da
dimensão ou modelo de avaliação adotado. Também nos levou a per-
ceber que muito temos a caminhar na direção de se conseguir um

O PAPEL DO AVALIADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA TAREFA PARA UMA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


• 200

profissional quantitativamente e qualitativamente melhor prepa-


rado em número suficiente para atuar nas várias frentes avaliativas
que o Brasil vem se propondo a fazer.
Nesse sentido, esperamos que o texto em questão possa cola-
borar com as reflexões sobre a questão abordada – avaliador educa-
cional – e, ao mesmo tempo que este sirva de base para outros estu-
dos, uma vez que não foi objetivo aqui esgotar essa discussão, mas
trazer à tona a problemática envolvendo o avaliador educacional.

Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: 70, 2011.
BARROS, Raimundo Facó. Competências básicas do avaliador educa-
cional. Dissertação de mestrado. Fortaleza: UECE, 1981. 97fls.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões episte-
mológicas e práticas. São Paulo: Cortez, 2018.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 3. ed.,
Petrópolis: Vozes, 2010.
SCRIVEN, Michael. Avaliação: um guia conceitual. Trad. Marília Set-
te Câmara. 1. ed., Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
VIANNA, Heraldo Marelim. Introdução a avaliação educacional. São
Paulo: IBRASA, 1989.
VIANNA, Heraldo Marelim. Avaliação educacional e o avaliador: teo-
ria-planejamento-modelos. São Paulo: IBRASA, 2000.
VIANNA, Heraldo Marelim. Avaliação educacional: problemas ge-
rais e formação do avaliador. Estudos em Avaliação Educacional, São
Paulo: v. 25, n. 60, p. 74-84, 2014.
WEISS, C. Evaluation research in the political context. In: GOL-
DBERG, M. A. A.; SOUZA, C. P. (Org.). Avaliação de programas edu-
cacionais: vicissitudes, controvérsias e desafios. São Paulo: EPU, p.
23-28, 1982.

GERALDO VICENTE DA SILVA | EUGÊNIO EDUARDO PIMENTEL MOREIRA


201 •
O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Maria de Lourdes Rufino Leal
Simone Cesar da Silva

Introdução

H istoricamente as discussões crítico-reflexivas sobre edu-


cação de tempo integral são recorrentes. Identificamos o interesse
por essa temática na composição de trabalhos da literatura educa-
cional, a exemplo de pensadores como Pestalozzi (1746-1827), Fröe-
bel (1782-1852), Dewey (1859-1952), Anísio Teixeira (1900-1971), Darcy
Ribeiro (1922-1997), entre outros.
A pesquisa“O Ensino Médio de Tempo Integral: desafios e
perspectivas”, apoia-se nos Fundamentos e na História da Educação
para reunir elementos estruturantes que respondam sobre a inten-
ção e as ações socialmente integradas da instituição de ensino públi-
co, percebendo-a como fator de reforço à consolidação da democra-
tização educacional.
O questionamento central que estimulou a presente pesqui-
sas e refere à concepção de educação integral, problematizando as
possibilidades de otimização e ampliação dos elementos tempo, es-
paço e conteúdo programático, suas contribuições para a formação
de sujeitos protagonistas na vida social e de políticas públicas em
prol da qualidade educacional. Portanto, é mister o movimento de
revisitar o percurso histórico da educação de tempo integral, para
que possamos estabelecer a relação temporal presentes nas refle-
xões aqui delineadas.

O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 202

O século XX, em sua reta final, foi marcado pela intensificação


da construção de propostas de escolas de tempo integral. Este cená-
rio se mostrou um terreno fértil para a problematização acerca dos
limites e das possibilidades que se apresentavam no chão das escolas
de tempo integral.
Contextualizar tal temática, presente no debate político edu-
cacional do País, nos exige elencar e situar aspectos legais que se re-
portam à educação de tempo integral, tornando-se este o referencial
inicial da análise que propomos sistematizar neste artigo.
Iniciamos revisitando a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 205, em que está posta a Educação como direito de todos os
cidadãos e dever do Estado e da família. Além disso, a Carta Magna
de 1988 aponta que a Educação nestes termos deverá ser fomentada
por meio da colaboração da sociedade e deverá ter com finalidades o
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p. 166).
No art. 227 está prevista a concepção de Escola de Tempo Inte-
gral em que indica que este tipo de educação oferecerá uma forma-
ção que possibilitará que os seus estudantes possam gozar dos seus
direitos, uma vez que, independente das peculiaridades de cada alu-
no, eles terão assegurados o “pleno desenvolvimento no interior do
ambiente escolar”(BRASIL, 1988, p. 178).
Considerando que o Brasil vive numa realidade de matriz
predominantemente marcada por um abismo econômico, político e
social, que este repercute na centralização do acesso à ciência, à cul-
tura e à tecnologia, a uma minoria privilegiada da população brasi-
leira, a ação de demandar políticas públicas que assegurem a oferta
da educação básica de tempo integral está devidamente articulada
ao anseio por políticas públicas que almejam transformar tal reali-
dade de desigualdades (MOLL; LECLERC, 2012, p. 17).
Ainda sobre o papel da escola frente ao projeto de superação
da desigualdade social, Brandão (2009, p. 97) complementa:
óbvio que as escolas, além do ensino, têm objetivos educati-
vos mais amplos. No entanto, a função de educar é partilha-
da por todos os membros da sociedade. Se a escola falha em

MARIA DE LOURDES RUFINO LEAL | SIMONE CESAR DA SILVA


203 •
algum aspecto no preenchimento dessa função socializadora
mais geral, inúmeras outras instituições (família, igreja, par-
tidos políticos, centros culturais, esportivos, etc.) atuarão no
sentido da transmissão de valores e do desenvolvimento de
comportamentos sociais de respeito ao próximo, às diferen-
ças, à natureza, etc.

Todavia, se a escola não cumprir seu papel fundamental, que


é a socialização do patrimônio cultural produzido historicamente,
terá impossibilitado aos estudantes, sobretudo aos oriundos da clas-
se trabalhadora, o direito ao exercício pleno e autônomo de sujeito
na sociedade. Isto seria, segundo a Constituição, uma negação da ci-
dadania escolar, compreendido como direito de todos.
As famílias da classe trabalhadora, geralmente não tiveram
acesso ao processo de escolarização, o que indica que foram avilta-
das de recursos materiais e escolares fundamentais para que pudes-
sem suplantar as fragilidades da escolarização de seus filhos.
A classe dominante, pertencente a níveis socioeconômicos
médios e superiores, tem condições de prover as carências das ins-
tituições, recorrendo a inúmeras soluções, tais como o acompanha-
mento do cotidiano das atividades escolares, formação complemen-
tar (esporte, arte e línguas estrangeiras), suporte psicológico e/ou
psicopedagógico. Além disso, dispõem de acesso a recursos mate-
riais e culturais, enriquecendo a rotina de suas crianças e seus jo-
vens na escolarização básica (BRANDÃO, 2009, p. 102).
Encontramos a defesa da oferta de educação em tempo in-
tegral na Lei que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente
Nº 8.069/1990, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº
9.394/96, da Lei de criação do Plano Nacional de Educação (PNE) Nº
10.172/2001, na Portaria Normativa Interministerial de criação do
Programa Mais Educação Nº 17/2007 e na Lei do Fundo Nacional de
Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério
(FUNDEB) Nº 11.494/2007.
Entre os marcos legais que tratam da educação em tempo in-
tegral, destacamos o impacto que o PNE proporcionou, a partir de
sua portaria nº 873, de 1º. de julho de 2010. A Educação de tempo

O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 204

integral adquiriu grandes dimensões neste momento, uma vez que


estava assegurado um incentivo financeiro para que os municípios
que oferecessem matrículas para o ensino integral.
A autora Monlevade (2012)aponta o papel dos dispositivos do
­FUNDEB (as políticas de valorização do magistério, plano de carrei-
ra, referenciais curriculares para formação de professores, diretri-
zes curriculares para formação inicial) e dos sujeitos educativos, no
processo de efetivação da educação de tempo integral, expondo uma
análise sobre os censos ­escolares.
Ainda na portaria nº 873/2010são detalhadas as áreas que de-
vem ser privilegiadas na experiência da educação de tempo integral,
esclarecendo sobre a utilização e otimização de espaços públicos e
sobre o estabelecimento de parcerias com órgãos ou instituições
locais, conforme sua abordagem das principais características lista-
das no referido documento.
Ao se tratar da educação de tempo integral como sendo uma
educação com diferencial, na qual sejam construídos os espaços e
sua proposta curricular pensado no sujeito aluno(GADOTTI, 2009,
p.21), é preciso compreender que ela pressupõe mudanças paradig-
máticas em seus aspectos da organização política e social, come-
çando pela própria instituição de ensino a ser vista e reconhecida
como articuladora de potenciais educativos, de saberes, de espaços e
ações, de estímulos e valorização aos fazeres.
[...] nesta ótica, o processo de ensino e aprendizagem ganha
muitos sentidos, de acordo com as complexas relações que
envolvem a educação integral: o estudante aprende, ensina,
seu desenvolvimento é responsabilidade da comunidade,
mas ele, como sujeito de seu próprio desenvolvimento, apro-
pria-se de questões sociais, políticas, culturais e ambientas
do seu entorno. (COSTA, 2012, p. 13)
Todavia, Adrião e Peroni (2005, p. 142) afirmam que “[...] há
consenso em relação à tendência de transferência da responsabili-
dade sobre a oferta de políticas sociais de esfera estadual para ins-
tâncias de natureza privada dos mais diversos formatos”. Tal afirma-
tiva converge para a contraditória desresponsabilização do Estado

MARIA DE LOURDES RUFINO LEAL | SIMONE CESAR DA SILVA


205 •
ante as políticas públicas, acentuadamente para o setor da educa-
ção, quanto ao investimento direto nos espaços escolares.
No Brasil, para compreender e analisar o percurso da educa-
ção de tempo integral é preciso mencionar as experiências que se
tornaram marcos históricos da educação no país, como: o Centro
Educacional Carneiro Ribeiro (1950), na Bahia; os Centros Integra-
dos de Educação Públicas, no Rio de Janeiro;por sua vez, em São Pau-
lo, registramos o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e
ao Adolescente (1990); os Centros Educacionais Unificados (2006); os
Ginásios Vocacionais (1962), na cidade de São Paulo e também no seu
interior (GADOTTI, 2009).
As fragilidades apontadas sobre essas políticas se referem ao
processo característico de descontinuidade, geralmente por serem
uma política de governo e não de Estado. Apesar disso, o ideário de
democracia educacional apresentado por Anísio Teixeira (1900-1971)
mostrou-se como uma ação ímpar resultando em várias contribui-
ções para a consolidação da luta em prol da ampliação do tempo
escolar no seu lato sensu. Segundo Nunes (2001), Anísio Teixeira lu-
tava contra a pobreza material e, principalmente, contra a pobreza
­política:
Qual magnitude da pobreza brasileira? Aprendera, na pri-
meira metade da sua vida, que a pobreza não é só a destitui-
ção dos bens materiais. É também a repressão do acesso às
vantagens sociais. Não é só fome! É também segregação, de-
gradação, subserviência, aceitação de um Estado avassalador
e prepotente. A pobreza brasileira era também, e no mesmo
grau de importância da pobreza material, a pobreza política.
O seu contrário emergia no horizonte dos direitos humanos
e civis: a cidadania organizada (TEIXEIRA apud NUNES 2001,
p. 10).

A análise de Anísio Teixeira explicitada acima, apesar de ser


datada de meados do século passado, de vez em quando ainda pode
ser reconhecida como reveladora da realidade social contemporâ-
nea, por meio das políticas de governo, dos temas que os partidos po-
líticos adotam como preocupações, do neoliberalismo e sua articu-

O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 206

lação à agenda dos organismos internacionais, pela predominância


na efetivação de políticas de governo em detrimento das políticas de
estado, gerando a efemeridade destas ações.
A escola pensada por Anísio Teixeira e outros intelectuais se
mantém viva nos sonhos de muitas crianças jovens e adultos que têm
seus sonhos esmagados, vítimas de violência, falta de segurança, es-
colas sem estruturas físicas, com propostas curriculares defasadas,
professores sem valorização, enfim, uma escola de tempo integral
que ainda não se efetivou.

Os desafios do Ensino Médio

Se a escola média existe pelo e para os alunos, deve considerar


seus interesses. Deveríamos iniciar, então, uma discussão a respei-
to dos sujeitos deste mesmo Ensino Médio. Quem são eles? De onde
vêm? Que referências sociais e culturais trazem para a escola? O que
a escola quer que eles sejam/tornem-se? Dessa forma, é necessário
que tenhamos claro que não se tratam de
[...] sujeitos sem rosto, sem história sem origem de classe ou
fração de classe. Os sujeitos a que nos referimos são predomi-
nantemente jovens e, em menor número, adultos, de classe
popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produ-
zem a vida de forma precária por conta própria, do campo e
da cidade, de regiões diversas e com particularidades socio-
culturais e étnicas. (FRIGOTTO, 2004, p. 57)

Assim, o Ensino Médio não pode ter, na dicotomia da prepa-


ração para o vestibular ou para o mercado de trabalho, uma única
possibilidade de escolha. É preciso que o currículo lhe dê um signifi-
cado mais amplo, para além das amarras de sua dualidade estrutural
histórica. Em face disso, na construção de novas perspectivas para o
Ensino Médio,
[...] é preciso que o ensino médio defina sua identidade como
última etapa da educação básica mediante um projeto que,
conquanto seja unitário em seus princípios e objetivos, de-

MARIA DE LOURDES RUFINO LEAL | SIMONE CESAR DA SILVA


207 •
senvolva possibilidades formativas que contemplem as múl-
tiplas necessidades socioculturais e econômicas dos sujeitos
que o constituem – adolescentes, jovens e adultos –, reconhe-
cendo-os não como cidadãos e trabalhadores de um futuro
indefinido, mas como sujeitos de direitos no momento em
que cursam o ensino médio. (RAMOS apud CIAVATA, 2004,
p. 41).

Portanto, para que o Ensino Médio defina sua nova perspecti-


va é necessário que identifique os sujeitos que o constituem e o meio
social em que se inserem, no sentido de estabelecer uma sintonia
com as características sociais, culturais e cognitivas desse “aluno-
-sujeito”, por meio de um processo educativo centrado nele e que
possibilite o desenvolvimento pleno de suas potencialidades.
Gramsci (1999) fala de conhecimentos que são importantes,
mas que não têm uso imediato, tampouco são atrativos a todos em
todo o tempo e que o desenvolvimento de diferentes capacidades
individuais passa pela qualidade de uma base elementar garantida
para todos.
Anísio Teixeira (1950) já apontava para a mesma necessidade,
descrita por Gramsci, como sendo urgente e indispensável para a
escola brasileira (que começava, neste período, a formar suas redes
públicas estaduais e municipais), a criação de uma escola elemen-
tar de qualidade para todos os brasileiros. Como vemos, a discussão
acerca da oferta da educação básica para todos é antiga.
Nessa descrição, percebe-se que o foco da mudança da escola,
na verdade, está na formação do professor, enquanto um intelectu-
al orgânico. Não é possível um professor atuar como um intelectual
orgânicos em uma formação sólida e pautada no conhecimento mais
elevado e articulado com as demandas sociais. Portanto, sem uma
ação específica com o docente, pouco mudará na escola. Esses discur-
sos reflexivos acerca da identidade do Ensino Médio, da sua função
social e da necessidade de sua atualização para atender às demandas
formativas atuais pautadas na ideia da sua inovação não são de hoje.
Mas afinal, o que significa inovação num nível de ensino que
sequer conseguiu ser universalizado, tampouco é obrigatório? A

O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 208

Constituição de 1988aponta que o Estado brasileiro deverá realizar


uma progressiva ampliação da oferta do Ensino Médio e sua uni-
versalização. Contudo, só a partir da Emenda Constitucional nº.
59/2009 é que o Ensino Médio passou a ser obrigatório, uma vez que
tivemos a ampliação da obrigatoriedade da Educação Básica, que
passou a atender à faixa etária entre os quatro e os dezessete anos,
ainda sim, só em 2016. Na prática, não há mudanças no Ensino Médio
em termos de estrutura ou tempo mínimo de conclusão: continua
com duração mínima de três anos, com a mesma organização curri-
cular descrita nas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Estudos publicados pelo próprio Governo Federal apontam
uma baixa qualidade da educação pública brasileira e destacam as
desigualdades regionais e intrarregionais como fatores que impos-
sibilitam resultados mais imediatos dos projetos desenvolvidos pelo
Governo Federal, destacando que não é possível pensar uma forma
única para educação no país em função destas diferenças.
Em 2009, com a  Portaria nº 971de 9 de outubro de 2009, foi
lançado pelo Governo Federal o Programa Ensino Médio Inovador
(EMI), tendo sua edição atualizada para atender às diretrizes e me-
tas do Plano Nacional de Educação 2014-2024 e à reforma do Ensino
Médio, proposta pela Medida Provisória 746/2016, e passando a ser
regulamentado pela Resolução FNDE nº 4 de 25 de outubro de 2016.
A inovação do Ensino Médio, no entanto, aparece na litera-
tura pesquisada, já no início da década de 1990, sendo questionável
até que ponto a ideia do Programa Ensino Médio Inovador é real-
mente inovadora. Na concepção descrita pelo Ministério da Educa-
ção (MEC), acerca do Programa, há a necessidade de mudanças na
escola média, tornando-a uma escola com diversificação curricular.
Porém, a proposta se restringe às mudanças curriculares isoladas
(projetos pilotos) e não estruturais, de currículo, de organização do
tempo desta escola.
Por fim, não é possível uma real e efetiva inovação do Ensino
Médio sem uma mudança estrutural, sem a mudança de perspec-
tiva de crescimento do financiamento específico para este nível de
ensino, de políticas públicas para além de governos, com a esperada

MARIA DE LOURDES RUFINO LEAL | SIMONE CESAR DA SILVA


209 •
continuidade, se não há controle de sua efetividade numa perspecti-
va real de política pública de Estado. Programas aplicados de forma
isolada correm o risco de ausência de implantação ou, como no caso
do Paraná, uma aplicação parcial, sem continuidade de ações devido
à mudança de gestores.

Considerações finais

A questão é que, mais uma vez, uma proposta de educação de


tempo integral no Brasil tem seu desenvolvimento ameaçado pelos
cortes de recursos econômicos e pela política da descontinuidade.
Concordando com as proposições de Anísio Teixeira, temos um lon-
go caminho a ser percorrido para que se efetive uma educação que
atenda às necessidades da população no que diz respeito à eficiência
social. Pensar uma Educação neste sentido requer muito planeja-
mento entre os agentes envolvidos no processo, seja professores ou
representantes do governo.
Com relação à Educação de Tempo Integral, temos o suporte
legal, o PNE 2014-2024 e, senão havia todos os recursos físicos, es-
truturais e humanos necessários, caminhava-se avançando. É mis-
ter, portanto, o estabelecimento de mecanismos de resistência que
possibilitem a efetivação das metas já traçadas e dos programas já
instituídos, bem como esforços de todas as esferas envolvidas – co-
munidade escolar em geral -, de maneira a garantir, inclusive, como
políticas públicas, a escola de tempo integral.
Todavia, a par da consolidação de um elo colaborativo e de
reciprocidade federada na constituição de uma política de Educa-
ção em tempo integral de âmbito nacional, é importante destacar
a possibilidade de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vi-
rem também a construírem suas próprias propostas nessa área da
­Educação.

O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 210

Referências

ADRIÃO, T.; PERONI, V. Público não-estatal: estratégias para o setor


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O ENSINO MÉDIO DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS


• 212

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM


CURSOS DE LICENCIATURA: ESTUDO DE CASO COM
DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Ana Paula Martins Farias Vasconcelos
Assis Anderson Ribeiro da Silva
Kaé Stoll Colvero

Introdução

O
estágio supervisionado é um pilar fundamental na forma-
ção de professores, pois é por meio dele que o docente passa a conhe-
cer aspectos indispensáveis à formação da construção da sua identi-
dade profissional e dos diversos saberes que o compõem (PIMENTA;
LIMA, 2017). Partindo de tal pressuposto, o presente texto objetiva
analisar como a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER)
vem sendo trabalhada na formação de professores, mais especifica-
mente no estágio supervisionado, a partir da visão dos graduandos
de cursos de licenciaturas dos municípios de Aracoiaba e Sobral.
Também buscamos obter informações em relação as suas impres-
sões, ações realizadas e demandas vivenciadas nas escolas onde cada
um realizou o seu período de estágio. A aproximação com a realidade
se deu por meio da análise de questionários respondidas por gradu-
andos e analisadas à luz de referenciais teóricos, como Verrangia e
Silva (2010), Munanga (2005), Moreira e Candau (2007), Gil (2010),
entre outros.
A decisão de debater sobre formação de profissionais da edu-
cação no Brasil precisa ser fundamentada na Lei de nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, com suas devidas atualizações. O artigo 61 traz especifica-
ções da profissão docente e, em parágrafo único, ao discorrer sobre

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
213 •
o caráter de exercício das atividades frente à formação dos citados
profissionais, traz como alguns dos fundamentos:
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o co-
nhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas
competências de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.014, de
2009)
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios
supervisionados e capacitação em serviço; (Incluído pela Lei
nº 12.014, de 2009)
III – o aproveitamento da formação e experiências anterio-
res, em instituições de ensino e em outras atividades (BRA-
SIL, 1996, p. 25).
O debate mencionado no parágrafo anterior precisa ser visto
com olhares compromissados pela reflexão crítica, onde destacamos
as expressões “fundamentos sociais” e “estágios supervisionados”,
que justificam a tessitura e o elo entre licenciatura, estágio supervi-
sionado e Educação para as Relações Étnico-Raciais.
A formação de professores, definida como uma das áreas
prioritárias de oferta de cursos de graduação, tem colocado em evi-
dência o desafio de materializar a compreensão da educação como
uma prática social situada, que expressa marcas de cada contexto a
partir de elementos culturais, econômicos e sociais que se conectam
entre si. Os estágios supervisionados, em especial, são componentes
curriculares que alimentam, tendo como base a perspectiva investi-
gativo-formativa, a construção de conhecimentos sobre a profissão
docente a partir dos sujeitos, de suas trajetórias formativas e da in-
terlocução entre escola e universidade.
A partir de tais considerações e da pesquisa empírica realiza-
da, este artigo traz resultados que apontam para a necessidade de
compromisso das licenciaturas em inserir, com maior efetividade, a
ERER em suas grades curriculares e em suas práticas de sala de aula,
independente da área do saber, já que isso pode contribuir de forma
significativa na formação inicial e continuada antirracista.

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 214

As pontes necessárias entre licenciaturas, estágios


supervisionados e ERER

De acordo com Pimenta e Lima (2017), o estágio supervisiona-


do é considerado como uma das etapas estruturantes na vida acadê-
mica dos discentes de licenciatura. Conforme as exigências da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir de 2006 o estágio
é configurado como uma proposta de componente que visa propor-
cionar ao graduando elementos importantes que compõem as ativi-
dades pedagógicas, o exercício da observação, sensibilidade sobre
possibilidades de pesquisa, o necessário planejamento, a execução
e a avaliação contínua; mostram a necessidade do alinhamento ne-
cessário entre a teoria acadêmica e a futura prática em sala de aula.
Para tanto, a docência se estrutura em um constante movi-
mento entre a prática docente e a reflexão sobre essa prática. O pro-
fessor constitui seus saberes diariamente, a partir do contexto, das
ações, esperanças, curiosidades e propósitos educativos. Pimenta
(2012, p. 29) sinaliza que “os saberes sobre a educação e sobre a pe-
dagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes só se constituem a
partir da prática, que os confronta e os reelabora”.
Compreendemos que a formação é o principal caminho que
prepara o sujeito para o exercício da profissão, oportunizando a
construção identitária docente de forma gradativa. De acordo com
Pimenta (2012, p. 19):
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da sig-
nificação social da profissão; da revisão constante dos signifi-
cados sociais da profissão, da revisão das tradições. Mas tam-
bém da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e
que permanecem significativas. Práticas que resistem às ino-
vações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da
realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da aná-
lise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da
construção de novas teorias. Constrói-se, também, pelo sig-
nificado que cada professor, enquanto ator e autor, confere
à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores,

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
215 •
de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida,
de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e
anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor.

O ensino pode contribuir para a construção de valores e prá-


ticas capazes de ajudar a formar cidadãos com competências e ha-
bilidades teórico-práticas. Com a ideia de ensino que considere as
experiências dos professores, valorizando seus saberes, colocan-
do-os como sujeito ativo do processo e pesquisador de sua própria
formação, tem-se um sujeito que reflete sua prática, identifica lacu-
nas na sua formação, que se constrói e reconstrói, buscando conhe-
cimentos teóricos que se unam às suas experiências, contribuindo
para efetivação do ensino (PIMENTA, 2012). Para tanto, é importante
estabelecer também o entendimento de experiência como algo expe-
rimentado, ou seja, quando se diz que o ensino precisa ser repensado
(BONDIA, 2002).
Retornando à LDB 9394/96, em seu Artigo 62, encontramos a
especificação de que o curso de licenciatura plena corresponde à for-
mação mínima de docentes exigida para atuação na educação bási-
ca, e a atualização de seu inciso 8º determina que “os currículos dos
cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacio-
nal Comum Curricular” (BRASIL, 1996, p. 26). Tal determinação su-
gere que as propostas curriculares das licenciaturas acompanhem
e sejam atualizadas a partir da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), cuja versão final foi lançada em 2018.
Ao consultarmos a BNCC, encontramos habilidades traba-
lhadas em unidades temáticas necessárias no Ensino Fundamental,
referentes ao sujeito e ao seu lugar no mundo com objetos de co-
nhecimento referentes a diferenças étnico-raciais, étnico-culturais
e às desigualdades sociais entre grupos de diferentes territórios,
ideologias e histórias. É mencionado, ainda, como finalidade para
o Ensino Médio, o aprimoramento do educando como pessoa huma-
na em um acolhimento de juventudes que permita, por exemplo, a
ele tomar conhecimento dos impactos causados por África e Ásia, e
de como o valor das culturas e histórias próprias dos distintos gru-

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 216

pos étnico-raciais contribuem para construção da nação brasileira


(BRASIL, 2018).
Compreendemos que as recomendações em recorte da BNCC,
apresentadas no parágrafo acima, implicitamente fazem menção
à inserção da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) na
educação de nível básico e automaticamente nos cursos de forma-
ções voltados aos profissionais do campo educacional que atuarão
em tais espaços. Embora a BNCC seja um documento recente, resga-
tamos a Lei 10.639/2003 e sua modificação, pela Lei 11.645/2008, que
provocaram alteração na LDB 9.394/1996, a qual firma as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, incluindo, dentro dos currículos oficias
do sistema educacional, a necessidade da assertiva “História e Cultu-
ra Afro-Brasileira e Indígena”.
No Brasil, diariamente, em noticiários e nas redes sociais,
presenciamos cenas marcadas pelo racismo e pelo preconceito. Os
autores Verrangia e Silva (2009) abordam as tensas relações étnico-
-raciais no país e afirmam que não se pode negar a importância do
combate à discriminação racial e de se falar e discutir, de forma mais
aberta, essas relações. Embora o campo de discussão dos autores
permeie o papel do ensino de Ciências na formação de cidadãos, até
mesmo por historicamente tais disciplinas terem um escopo mais
engessado e com fragilidades de contemplar aspectos sociais tensio-
nados do/no cotidiano, estendemos o entendimento de necessidade
de incorporar a ERER para todas as áreas do saber, em uma perspec-
tiva de formação que contemple a reconstrução das relações sociais
e que possa estimular o engajamento no combate ao preconceito e à
discriminação.
A tessitura de discussão que iniciamos converge para a ne-
cessidade da concepção de um currículo mais amplo e com inserção
das temáticas da realidade cotidiana, previstas por documentos de
parâmetros educacionais já mencionados. Sobre isso, Silva (2018) re-
alizou um “estado do conhecimento” de produções científicas no pe-
ríodo compreendido entre 2003 e 2014 acerca da temática da ERER
em instituições educacionais de ensino superior. Em seus achados,
a pesquisadora detectou estudos que revelam as universidades com

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
217 •
currículo e produção de conhecimento fundados no modelo euro-
cêntrico e encontrou também nas publicações uma realidade difícil
e inimaginável no âmbito dos compromissados com educação: “os
negros são prejudicados em razão do fato de os professores associa-
rem aluno negro a problemas de desempenho” (SILVA, 2018, p. 131).
Ainda sobre os estudos de Silva (2018), foram encontrados
com expressividade fundamentos que caracterizam o ambiente
escolar como local de práticas educacionais repleto de valores eu-
rocêntricos, justificando recorrentes preconceitos e atitudes dis-
criminatórias, veiculados c­otidianamente, inclusive contidos em
materiais didáticos.
Não é nossa intenção tratar de generalizações, mas alertar
sobre o número expressivo de conflitos e tensões referentes a ques-
tões que envolvem educação e relações étnico-raciais. Nesse senti-
do, Moreira e Candau (2007) discorrem sobre práticas alternativas
de docentes que desafiam as relações de poder – características da
concepção ideológica do currículo, combatendo o embate entre pri-
vilégios e marginalizações, de modo a contribuir para elevar a auto-
estima de estudantes associados a grupos subalternizados.
Gomes (2005, p. 147), por sua vez, afirma que “podemos gene-
ralizar e dizer que todos (as) os (as) educadores (as) sofrem de apatia
e passividade”. Isso mostra a importância de uma análise crítico-re-
flexiva dos fatos, necessária aos sujeitos que constituem a educação,
de modo a atuarem como docentes proativos, questionadores e ca-
pazes de pensar um currículo que contemple a diversidade que com-
põe a vida real.
A perspectiva de Moreira e Candau (2007, p. 22) concebe o
currículo como “um dispositivo em que se concentram as relações
entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmen-
te construídos e os conhecimentos escolares”. Assim, é primordial o
diálogo fecundo entre sociedade e escola, já que
julgamos que uma educação de qualidade, como a que de-
fendemos, requer a seleção de conhecimentos relevantes,
que incentivem mudanças individuais e sociais, assim como
formas de organização e de distribuição dos conhecimentos

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 218

escolares que possibilitem sua apreensão e sua crítica. Tais


processos necessariamente implicam o diálogo com os sabe-
res disciplinares assim como com outros saberes socialmen-
te produzidos (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 21-22).

Percebemos que os elementos inseridos no currículo preci-


sam proporcionar, de forma positiva, mudanças individuais e so-
ciais, potencializando a concepção de conhecimentos escolares que
realmente aproveitem ao máximo os saberes socialmente produzi-
dos e trazidos pelos estudantes para a sala de aula.
Mesmo que as discussões e as produções científicas sobre
educação tenham sido intensificadas nos últimos anos, ainda é per-
ceptível que o tradicionalismo se faz presente nas instituições edu-
cacionais de educação básica e de ensino superior, e por isso é tão
desafiador estreitar a relação entre os saberes escolares e os saberes
sociais. Gomes (2005) acredita que a escola pode/deve avançar nesse
processo:
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes
escolares/ realidade social/diversidade étnico-cultural é pre-
ciso que os(as) educadores(as) compreendam que o processo
educacional também é formado por dimensões como a ética,
as diferentes identidades, a diversidade, a sexualidade, a cul-
tura, as relações raciais, entre outras (GOMES, 2005, p. 147).

As dimensões mencionadas por Gomes (2005) justificam a


necessidade da inserção da ERER nas instituições de ensino. Nesse
sentido, destaca-se que a autora faz uma crítica ao tradicionalismo
ainda presente na educação contemporânea, quando a própria es-
cola, principal responsável pelos delicados processos de formação
humana, ainda enfatiza, prioritariamente e desproporcionalmente,
a aquisição dos saberes e conteúdos escolares, sendo que “o huma-
no não se constitui apenas de intelecto, mas também de diferenças,
identidades, emoções, representações, valores, títulos [...]” (GOMES,
2005, p. 154).
As afirmações de Gomes (2005) fazem menção a pensar a
educação brasileira, considerando de fato as relações étnico-raciais

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
219 •
que fazem parte da construção histórica, cultural e social do país,
indicando também que é imprescindível pensar tais questões inse-
ridas no conjunto das relações sociais. A educação, dessa maneira,
é entendida como um processo amplo e complexo de construção de
saberes culturais e sociais que fazem parte do acontecer humano.
Soma-se a isso o fato de que essas inquietações precisam ser conver-
tidas em ações concretas, principalmente por parte dos educadores,
que vivenciam as tensões cotidianamente nas bases educacionais de
um país formado a partir de uma organização racista e preconceitu-
osa de sociedade.

O Estágio Supervisionado nas licenciaturas e a experiência


de futuros professores em escolas de educação básica:
microrregiões de Sobral, Camocim, Acaraú e do Maciço de
Baturité

Nossa pesquisa empírica buscou entender a relação entre o


estágio supervisionado nas licenciaturas e a experiência de futuros
professores em escolas de educação básica referente à temática da
ERER. Para isso, buscamos aporte em Gil (2010), que discorre sobre
processos de investigação e nos dá subsídio para situarmos tal estu-
do como uma pesquisa social, pois permite a obtenção de novos co-
nhecimentos/campos de uma/da realidade social.
Nossa metodologia está pautada na abordagem qualitativa e
foi escolhida em decorrência do estudo prévio realizado a partir de
experiências de graduandos na disciplina de Estágio Supervisiona-
do, em cursos de licenciaturas, por meio do qual percebemos a ne-
cessidade de investigar práticas efetivas referente à ERER pela com-
preensão de que o contexto da sala de aula poder ser transformador,
caracterizado como ambientes de transição, atuação e reflexão, de
modo a fazer do aprendizado uma experiência inclusiva. Assim, re-
alizamos um estudo de caso, que se configura como o delineamento
mais adequado para a investigação de um fenômeno dentro de sua
realidade, em que a percepção referente aos limites entre o fenôme-
no e o contexto não são tão nítidos (GIL, 2010).

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 220

A definição em atuar em três Microrregiões diferentes do es-


tado do Ceará estimulou a utilização do questionário. Para Gil (2010),
ele é capaz de possibilitar atingir um público-alvo, mesmo que esteja
disperso em uma área geográfica muito extensa, sendo uma técnica
composta por um número de questões apresentado às pessoas, com
a finalidade de conhecer opiniões, crenças, sentimentos, interesses,
expectativas, situações vivenciadas, etc.
Assim, utilizou-se um questionário virtual do Google formu-
lários, constituído por questões objetivas e subjetivas, que foram
aplicadas a 10 (dez) discentes de graduação que tiveram experiências
recentes de estágio supervisionado em escolas de educação básica
localizadas em três microrregiões: Sobral, Acaraú e Camocim, além
do Maciço de Baturité.
Embora as IES às quais os discentes são vinculados pertençam
a municípios de apenas duas destas microrregiões, o que também se
justifica pela vinculação de atuação profissional dos autores do pre-
sente artigo, houve a necessidade de agregar mais uma microrregião
para situar geograficamente as escolas de educação básica nas quais
os respondentes atuaram ou cumpriram o estágio supervisionado.
A caracterização de parte do grupo de respondentes corres-
ponde a quatro graduandos com vinculação a IES pública Universi-
dade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNI-
LAB), na Unidade Acadêmica dos Palmares, localizada em Acarape
– CE, em cursos de licenciaturas, dos quais temos dois da área de
Matemática, um de Pedagogia e um de Sociologia. É importante refe-
rir que, entre esses quatro discentes, temos um de nacionalidade de
Guiné Bissau, do continente Africano, que também traz uma relação
e visão sobre a ERER. Por fim, os outros são de nacionalidade brasi-
leira e realizaram seu último estágio supervisionado em uma escola
de rede pública de ensino.
O restante do grupo de respondentes corresponde a seis gra-
duandos com vinculação a IES privada Universidade Norte do Para-
ná (UNOPAR), cujo polo está localizado em Sobral – CE, nos cursos de
graduação de licenciaturas, dos quais temos um da área de Matemá-
tica, quatro de Pedagogia e um de Letras – Português. Todos são de

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
221 •
nacionalidade brasileira e realizaram seu último estágio supervisio-
nado nas escolas, sendo três públicas e uma privada.
As respostas dos questionários trouxeram impressões acerca
da ERER nas instituições de vínculo de ensino superior e em 05 cinco
instituições de educação básica em que os respondentes cumpriram
seu estágio supervisionado: E.E.F. Professor Roberto Carneiro Fro-
ta, pertencente ao município de Massapê; E.E.F. Antônio Custódio
de Azevedo, pertencente ao município de Sobral – Microrregião de
Sobral; E.E.M. Almir Pinto, pertencente ao município de Aracoiaba
– Microrregião do Maciço de Baturité; Colégio São João Paulo II, mu-
nicípio de Morrinhos, e E.E.M. Monsenhor José Carneiro da Cunha,
município de Chaval, sendo as duas últimas localizadas na microrre-
gião de Acaraú e Camocim, no estado do Ceará.
Reafirmamos que os 10 graduandos respondentes pertencem a
apenas duas IES já mencionadas, uma de caráter público e uma de ca-
ráter privado. Sob esse viés, vale enfatizar que, ao questioná-los se ao
longo do curso de graduação esteve presente a temática de Educação
para as Relações Étnico-Raciais (ERER), apenas dois estudantes res-
ponderam que não, os quais têm vínculo com a IES pública e na qual
recentemente finalizaram o curso de Licenciatura em ­Matemática.
Profissionais que atuarão na educação básica precisam que
suas formações iniciais e contínuas possam contemplar a ERER,
inclusive para atender às orientações da BNCC, como já menciona-
do, sobre a inserção da Educação para as Relações Étnico-Raciais na
educação básica e, automaticamente, para os cursos de formações
voltados aos profissionais da educação que atuarão nos citados espa-
ços, levando em consideração as leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008,
que evidenciam que há 17 anos temos a sinalização da necessidade de
inclusão da ERER em âmbito educacional.
O questionário aplicado não teve uma delimitação sobre o es-
tágio supervisionado ao qual o respondente deveria se referir, ape-
nas solicitou que as apreciações fossem sobre o último estágio feito
até o momento da pesquisa, abrigando, assim, estágios de observa-
ção, de regência ou de gestão. Para compreender a modalidade que
caracterizava as escolas escolhidas para a realização dos estágios,

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 222

responderam ao questionário quatro estudantes que imprimiram


suas experiências no estágio supervisionado em escolas na moda-
lidade de ensino fundamental, séries iniciais, e seis estudantes em
escolas com a modalidade de Ensino Médio.
Os respondentes apontam como objetivos propostos a serem
cumpridos no âmbito do estágio nas escolas: compreender a dinâ-
mica do ambiente escolar; o interesse dos educandos em relação aos
conteúdos programáticos, bem como a importância para o contexto
de cada um; a relação professor-aluno-família; compreender a escola
por meio do diagnóstico escolar; a intervenção pedagógica pensada
de forma coletiva com o professor regente. Enfim, imprimir elemen-
tos que contribuam para a formação do caráter docente, pela inser-
ção no ambiente pedagógico entendido como dinâmica das relações
interpessoais.
A escola é uma das instituições da sociedade responsável pela
construção e desenvolvimento de valores referentes ao reconheci-
mento e respeito às diferenças. Nesse âmbito, compreendemos as
diferenças como parte da natureza humana, mas a maneira como se
lida com elas é socialmente construída.
Os aprendentes são objeto do trabalho docente cujas carac-
terísticas socioculturais acaloram atitudes e julgamentos de valor
nos professores. Então, a tarefa do professor é tecer significações,
privilegiando relações que possam ser percebidas ou vivenciadas
no contexto do ensino. A educação tem de servir para consolidar a
democracia dos povos, mas para isso deve favorecer um processo de-
mocrático em seus ensinamentos.
Cabe destacar que apenas seis graduandos informaram que
nas vivências das escolas de educação básica onde cumpriram o úl-
timo estágio supervisionado, até o momento do questionário, esteve
presente a temática de Educação para as Relações Étnico-Raciais
(ERER). Embora tivéssemos entre o público-alvo graduandos que
cumpriram o estágio em uma mesma escola de educação básica, hou-
ve divergências sobre presenciar ou não ações sobre a temática, con-
siderando os espaços-tempos de cada um em permanência nas esco-
las, conciliadas com a carga horária do próprio curso de graduação.

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
223 •
Para exemplificar, trazemos um recorte das respostas do
questionário para ilustrar as realidades mencionadas sobre ter-
-se presenciado ou não ações que evidenciassem a necessidade das
discussões acerca da Educação para as ERER, que destacamos: “Por
ser escola particular, existiam muitos alunos que diminuíam o cole-
guinha por não ter dinheiro” (RESPONDENTE 01, 2020); “Sim, pre-
senciei. Aconteceu dentro da sala de aula a discriminação com uma
criança. A professora titular da turma agiu como se nada tivesse
acontecido, sendo que a direção e a coordenação não foram notifi-
cadas” (RESPONDENTE 03, 2020); “Ocorreu um caso de preconceito
racial, e a escola promoveu debates com alunos e pais, desenvolven-
do um projeto com a temática” (RESPONDENTE 05, 2020).
Os relatos dos respondentes de nº 01, 02 e 03 acentuam as
reflexões críticas necessárias referentes à importância de alimen-
tar a formação contínua e, inclusive, a sensibilidade para que se-
jam propostas ações de intervenções que valorizem o respeito, a
diversidade e o combate ao racismo e preconceito. Nesse sentido,
Munanga (2005) alerta que, dentre nós, alguns não receberam o
necessário preparo para lidar com o desafio que a problemática da
convivência com a diversidade e as manifestações de discrimina-
ção dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida profis-
sional. “Com efeito, sem assumir nenhum complexo de culpa, não
podemos esquecer que somos produtos de uma educação eurocên-
trica e que podemos, em função desta, reproduzir consciente ou in-
conscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade”
(MUNANGA, 2005, p. 15).
Outros respondentes manifestaram: “[...] fui informada e até
mesmo comprovei por meio dos documentos que relatavam os pro-
jetos relacionados com a ERER, projetos que eram desenvolvidos no
decorrer do ano letivo” (RESPONDENTE 06, 2020); “Semana refe-
rente à Consciência Negra” (RESPONDENTE 07, 2020); “Houve algu-
mas ações no que diz respeito à temática, mas foram algumas coisas
bem pontuais. Creio que um maior incentivo ajudaria a engajar os
professores, visto que muitas vezes os que tomam a iniciativa são os
professores das ciências humanas” (RESPONDENTE 08, 2020); “As

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 224

semanas afrodescendentes, oficinas e minicursos” (RESPONDENTE


10, 2020).
Os recortes dos respondentes de nº 06, 07, 08 e 10 são indicati-
vos de experiências escolares que tentam ultrapassar ações pontuais
e que desenvolvem caminhos para uma abordagem contínua e gra-
dativa da ERER em realidades escolares.
Após a análise das respostas dos entrevistados, destacamos
que o desafio docente é ampliar o conhecimento necessário para a
construção de práticas pedagógicas que garantam a aprendizagem
dos estudantes, de tal maneira que não haja discriminação e que to-
dos sejam tratados sem distinção, tenham voz e vez. Elemento im-
portante para esses desdobramentos é a formação continuada, que
contribui com tais necessidades. Nessa linha de raciocínio, Lopes
(2005, p. 187) afirma que é “preciso ajudá-los, pondo ao seu alcance
pistas pedagógicas que coloquem professor e alunos frente a frente
com novos desafios de aprendizagem”.
Sobre a contribuição do estágio supervisionado no que diz
respeito a algumas ações na escola que contemplem a temática edu-
cação para as relações étnico-raciais, os respondentes 09 e 10 assim
se posicionaram: “a contribuição se deu de modo informal, a partir
de conversas e compartilhamento de leituras realizadas” (RESPON-
DENTE 09, 2020); “através de minicursos, nas oficinas e semana
afrodescendente” (RESPONDENTE 10, 2020). Com relação aos de-
mais respondentes, as escolas não contemplaram a temática.
Em seguida, indagou-se sobre a necessidade de potencializar
a discussão sobre ERER em seus respectivos cursos de graduação.
Nesse caso, apenas dois respondentes indicaram que não precisaria,
ou seja, esses deram pistas de que, em sua grade curricular, traba-
lha-se muito bem a temática. Foram eles: um graduando da IES de
vínculo particular, do Curso de Matemática, e o de Pedagogia da IES
pública, sendo que o último comprovadamente comporta, em sua
grade curricular, a perspectiva de uma Pedagogia afro-centrada.
Os dados entre os três graduandos de licenciatura em Mate-
mática foram bem curiosos, posto que manifestaram que o curso da
IES pública não trabalhou a temática e o da IES privada, sim. Além

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
225 •
disso, de acordo com a visão do graduando respondente, não neces-
sita ser potencializado essa discussão no âmbito da UNOPAR. No
entanto, após averiguação curricular a instituição, afirma-se que
a IES traz em seu guia de percurso as disciplinas: Homem, Cultura
e Sociedade; Educação e Diversidade; Ética, Política e Cidadania; e
Educação Inclusiva.
Neves (2009, p. 55), ao discorrer sobre as possibilidades para
uma escola diferenciada, afirma ser necessário “[...] entender que
a relação Matemática-Vida deve ser intrínseca, aliando conteúdos
clássicos à construção da cidadania, [...] à prática da democracia”,
entre outros. Nesse sentido é que a formação inicial dos/as professo-
res/as precisa contemplar temáticas pertinentes à realidade da sala
de aula, e a ERER também perpassa essa ­necessidade.
Sobre o material didático (livros, cartilhas, apostilas, carta-
zes) da escola de educação básica no qual os graduandos tiveram
acesso, cinco respondentes afirmaram que o material contemplava
a temática de Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER).
Para se trabalhar a ERER, necessariamente não precisamos
adotar livros, pois se pode trabalhar com projetos didáticos, sequ-
ências didáticas, roteiros de estudos, etc. Porém, é fundamental a
análise que o professor deverá fazer ao adotar o livro didático, pois,
além de orientar o ensino e a aprendizagem, deve contribuir, de
forma significativa, para a formação discente. No entanto, não dar
visibilidade à abordagem sobre ERER dificulta o desenvolvimento
de uma sociedade mais humana, justa, igualitária. Uma educação de
qualidade, a partir desse contexto, também fica mais distante, já que
os parâmetros apontam a necessidade de compreensão da história
da diversidade étnico-racial que forma a sociedade.
No Estado da Arte desenvolvido por Petronilha Silva (2018),
em um de seus achados, a autora aponta ter identificado afirmativas
de que certos materiais didáticos estão repletos de conteúdos depre-
ciativos e preconceituosos em relação aos negros e aos povos indí-
genas, o que pode contribuir para o fracasso escolar dos estudantes
pertencentes a esses grupos.

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 226

Tratar sobre as relações étnico-raciais, no material didático,


é tornar mais evidente para todos a necessidade e importância de
abordar a temática em sala de aula, visto que o estudo das relações
étnico-raciais é uma possibilidade do indivíduo se enxergar enquan-
to sujeito da própria sociedade, haja vista que a ERER contribui para
a valorização da cultura afro-brasileira para além do componente
curricular, compreendendo as lutas do movimento negro pela igual-
dade social e buscando superar o racismo, ainda tão presente na nos-
sa sociedade.
Compreendendo que o currículo escolar é resultado de co-
nhecimentos historicamente vivenciados pelo sujeito, é verdadeiro
afirmar que a temática de educação para as relações étnico-raciais
não pode ser neutra e sem significância para o ensino, pois se faz ne-
cessário reconhecer que a formação social, histórica, cultural, lin-
guística é composta por diversificadas matrizes étnico-raciais, que
não se resumem apenas a uma celebração das datas comemorativas
estabelecidas no calendário escolar, mas que são tão fundamentais
quanto aprender Matemática e Língua Portuguesa, para evitar, ou
até mesmo reconhecer e ter a criticidade de questionar, a falsa ideo-
logia de concórdia racial que escamoteia a nossa sociedade.
Em consonância com Moreira e Candau (2007), enfatizamos a
necessidade do currículo, da educação básica e do ensino superior
serem reescritos e efetivados a partir do conhecimento da realida-
de escolar, da sua composição social local e dos diferentes pontos de
vista que os materializam. Por fim, ressaltamos, como Lopes (2005),
a necessidade de que a escola, e os demais segmentos de ensino, lu-
tem pelo combate ao racismo, ao preconceito e a discriminação, rea-
firmando diferentes formas de valorização da pessoa humana.

Considerações finais

A contribuição da pesquisa sugere que sejam feitas mais ações


de intervenção para a efetivação da ERER nas escolas, a exemplo de
palestras conscientizadoras, amostra de objetos e elementos que
valorizem e resgatem a cultura negra, destacando a importância da

ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
227 •
interdisciplinaridade dos saberes e sua manutenção permanente no
cotidiano escolar.
No âmbito do ensino superior, os resultados apontam para a
necessidade de compromisso das licenciaturas em inserirem, com
maior efetividade, a ERER em suas grades curriculares, independen-
te da área do saber, instrumentalizando a formação inicial e a forma-
ção continuada com elementos pedagógicos efetivos no combate ao
preconceito e ao racismo nas escolas.
Desde modo, educar na perspectiva intercultural implica,
portanto, compreender que cada sujeito traz uma história repleta
de significados e diferenças, e que estas são contrárias à padroniza-
ção, considerando ainda a necessidade de uma relação dialógica, de
comunicação clara e objetiva que favoreça a troca de experiências
entre etnias, cuja identidade cultural e lutas sociais estejam em per-
manente movimento de construção. É oportuno registrar que “não
se pode pensar numa igualdade que não incorpore o tema das dife-
renças, o que supõe contra todas as formas de desigualdade, precon-
ceito e discriminação” (CANDAU, 2003, p. 6)
Quanto aos educadores, é necessário focar na ERER e permitir
acontecer a mudança transformadora na nossa pedagogia de ensino,
reconhecendo a importância da interculturalidade, uma vez que,
dessa forma, construiremos um ensino capaz de transformar a cons-
ciência de cada um, criando um clima de livre expressão, que é o eixo
de uma educação verdadeiramente libertadora.
Para tanto, a presente pesquisa, a partir dos dados apresen-
tados, nos permite reconhecer a necessidade de caminhar na hori-
zontalidade e de sinalizar alternativas para uma escola intercultu-
ral crítica, que busque se reinventar por meio do desenvolvimento
de discurso e práticas pedagógicas ressignificadas pela perspectiva
­intercultural.
Dessa maneira, instituições educacionais têm um papel im-
portante a cumprir no que se refere a desenvolver uma educação
voltada às relações tanto de etnia quanto de raça, defendendo a
constituição de um currículo que garanta a valorização e o respeito
ao diferente, bem como a necessidade de estudos acerca da história

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 228

cultural africana e afro-brasileira, caminho que contribuirá para a


compreensão da diáspora, da construção do racismo e da necessida-
de urgente de uma educação antirracista.

Referências
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zes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
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BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Estabelece as diretri-
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ANA PAULA MARTINS FARIAS VASCONCELOS | ASSIS ANDERSON RIBEIRO DA SILVA | KAÉ STOLL COLVERO
229 •
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A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM CURSOS DE LICENCIATURA:


ESTUDO DE CASO COM DISCENTES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
• 230

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE


UMA DECOLONIALIDADE DO SABER
Emanuel Andrade Leite
Rebeca de Alcântara e Silva Meijer

Introdução

S
omos 30 alunos no sexto ano tarde. A sala é quente, peque-
na, mal pintada e imensamente triste. Esse turno é para os indeseja-
dos, reprovados, invisíveis, violentos, como costumo ouvir. Carrego
várias destas marcas. Sou preto, repetente, indisciplinado, não te-
nho interesse pela escola, filho de mãe solteira lavadeira sem tempo
pra acompanhar meus estudos. Dependo da merenda para ter uma
das refeições diárias. A escola não me diz e nem me faz sentir muito.
Dizem que os estudos é nossa salvação. Pra tirar a gente do buraco
em que nos encontramos. Mas o que eu queria mesmo era ter um Co-
rolla, que nem os caras da pesada. Já me ofereceram um trampo doi-
do, mas não tive coragem ainda. Já sei ler, escrever e contar. Posso
ser incluído nos esquema. Mas tô em dúvida. Tem minha mãe e meus
irmãos. Sou o mais velho. Vou dá exemplo ruim pra eles, não. É isso
que me segura. É por isso que ainda tô na escola.
Sou o preto do sexto ano que dá problema. O preto que vem das
área perigosa da cidade. É só isso que eles sabem sobre mim. Ninguém
nunca me perguntou o que eu tô sentindo, se eu já almocei. Por que
eu bati. Se eu pego enquadro da polícia. Se o posto de saúde tem fi-
cha pra mim quando fico doente. Se tem água lá em casa. Aconteça o
que acontecer, a escola espera dos alunos disciplina, aprendizado e
boas notas. Cada um tem de se virar pra dar isso. Só que pra chegar a
essa situação é preciso condição. Ninguém nunca me defendeu de ser
humilhado, discriminado, agredido. Ninguém nunca me perguntou o

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


231 •
que eu acho da escola, como ela deveria me tratar. E como a oportu-
nidade chegou de vocês me ouvirem, agora quem quer saber sou eu!
Então o que é essa coisa chamada escola? O que ela pode fa-
zer por mim? O que ela sabe sobre mim? O que sabem os professores
sobre minha realidade? Como eles podem me ajudar a não desistir
da educação? O que eles sabem sobre a vida de um estudante preto
xingado de macaco? O que eles sabem da causa da violência da esco-
la pelos olhos dos indesejados? Que humanos são esses que não me
consideram humano? Meu nome é Mathias, mas me conhecem por
Neguin. Quero saber… O que os professores podem fazer pela huma-
nização da escola? Como podem aprender sobre isso?
Mathias é o nosso protagonista. Ele nos desafia com suas per-
guntas constrangedoras, diretas, vivas, pertinentes, coerentes. O
que responder e, mais em especial, o que fazer para os Mathias estu-
dantes das escolas?
Mathias não é fácil. Desafia-nos a pensar, a fazer um balanço
sobre vários temas importantes para a Pedagogia, a universidade, a
escola e para todos nós professores e professoras. Nosso propósito,
nos limites deste trabalho, é tecer algumas considerações necessá-
rias aos questionamentos de Mathias a partir do campo teórico da
Didática, área de estudo inerente à Pedagogia, Ciência da Educação.
Entendemos que se faz necessário também refletir sobre formação
de professores, espaço privilegiado de construção da identidade pro-
fissional docente, em que se traz à consciência dos futuros mestres
a certeza de que a profissão docente requer a apropriação de sabe-
res específicos coerentes com a realidade social, com as instituições
educacionais e com os sujeitos da aprendizagem.

Saberes e formação docente


Aquele que faz as perguntas,
não pode evitar as respostas.
Provérbio Camaronense

Pensar em saberes docentes no contexto da sociedade atual,


configura-se como um grande desafio. Porém, tal qual o provérbio

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 232

camaronense, quando fazemos perguntas, não podemos evitar as


respostas, pois, na verdade, o viver humano consiste em construir
dinâmicas de reflexão e questionamentos. Mathias, como inúmeros
estudantes em idade escolar, perguntam, buscando compreender a
realidade social a qual ele está inserido. Responder a tais questiona-
mentos visa consolidar, por meio de práticas, reflexões e diálogos,
novos contextos com vistas à transformação social, objetivando a
emancipação humana e construção do respeito à diversidade cultu-
ral. Mathias não consegue compreender por que a escola é importan-
te, bem como por que a sua escola não lida com sua realidade como
deveria lidar? Tentaremos assim, explicar.
Influenciados diretamente pelo processo de Revolução In-
dustrial, as escolas se configuraram como espaços reprodutores dos
modelos econômicos vigentes. Assim, as escolas passaram e ainda
passam, em pleno século XXI, a se constituírem baseadas em mo-
delos fabris, com seriações, horários estipulados e determinismos
comportamentais, tais quais engrenagens que faziam uma grande
máquina funcionar, neste caso, a escola.
De fato, a escola pode ser o exemplo mais completo na so-
ciedade moderna de uma instituição que foi totalmente
modelada pela linha de montagem. Como qualquer linha de
montagem, o sistema foi organizado em estágios discretos.
Chamados de séries, segregaram as crianças por idade. Todos
deveriam subir de um estágio para outro juntos. Cada estágio
tinha supervisores locais – os professores responsáveis por
ele. Classes de vinte a quarenta alunos reuniam-se por perí-
odos especificados em um dia marcado para treinar para os
testes. Toda a escola havia sido projetada para andar em uma
velocidade uniforme, completa, com sinetas e horários diá-
rios rígidos. “Cada professor sabia o que deveria ser tratado
para manter a linha andando, embora tivesse pouca influên-
cia na velocidade preestabelecida, que era determinada pe-
los conselhos escolares e currículos padronizados” (SENGE,
2005, p. 30).
Essa escola, baseada no processo de produção fabril, cons-
truiu relações não-humanizantes, promovendo a valorização de um

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


233 •
modelo egocêntrico e individual, desconsiderando a diversidade so-
cial, mas pelo contrário, valoriza demasiadamente a produtividade
e, visando esse objetivo, estabelecer modelos disciplinares que estig-
matizarão determinados comportamentos.
Assim, a escola se configura neste espaço de reprodução dos
interesses do capital, na perspectiva de constituição de mão de obra
minimamente qualificada, que apresentem comportamentos “nor-
matizados”. Deste modo, o agir e ser diferente que caracterizam os
seres humanos são desconsiderados. Diante de tal contexto, é de
extrema relevância tornar o homem novamente humano, conside-
rando como Mathias nos questiona, compreender as realidades cir-
cundantes. Portanto, a escola poderia se configurar como um espaço
propício para essa dinâmica formativa, criando processos do devir
humano como devir humanizador?
Para tanto, torna-se necessário compreender quais saberes
docentes são relevantes para que as práticas docentes teçam novos
saberes na perspectiva de construir processos de humanização do
ser humano. Não buscamos, deste modo, ensinar a “fazer certo as
coisas” ou a “fazer as coisas certas”, típico das ações abstratas educa-
cionais, mas, pelo contrário, intencionamos construir coletivamen-
te saberes e conhecimentos que sejam relevantes para o desenvol-
vimento dos seres humanos, numa perspectiva integral e holística.
Para que isso ocorra, é importante o desenvolvimento de um novo
modelo ético.
Morin acredita que um novo modelo ético, que ele chama de
antropoética, uma ética dos homens, possibilitaria aos seres hu-
manos um retorno a si mesmos e aos outros. De acordo com Morin
(2007, p. 160), a “antropoética ergue no nível ético a consciência an-
tropológica que reconhece a unidade de tudo o que é humano na sua
diversidade e a diversidade em tudo o que é unidade; daí a missão
de salvaguardar por toda a unidade e a diversidade humanas”. Por-
tanto, numa sociedade que valoriza sobremaneira a individualidade,
torna-se necessário a construção de saberes educacionais alinhados
à antropoética de Edgar Morin, que fomentem outras práticas indi-

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 234

viduais, rompendo com a lógica egocêntrica e determinismos sociais


impostos pelo sistema capitalista.
A desumanização, que não se verifica, apenas, nos que tem
sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma
diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser
mais. É distorção possível na história, mas não vocação his-
tórica. Na verdade, se admitíssemos que é vocação histórica
dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar
uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela humani-
zação, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação
dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, não teria sig-
nificação. Esta somente é possível porque a desumanização,
mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, des-
tino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a
violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE, 1987,
p. 16).

Para fins de discussão, acreditamos que o pluralismo episte-


mológico relativo aos saberes docentes desenvolvidos por Pimenta
(1999) possibilitam uma reflexão na perspectiva de construção de
saberes de humanização. De acordo com Pimenta (1999), para com-
preendermos os saberes docentes, faz-se necessário definir a identi-
dade profissional do professor, a fim de perceber quais as necessida-
des de formação os professores possuem com vistas a construção de
relações éticas, ou melhor, antropoéticas e diversas.
De acordo com a autora, os saberes da docência podem ser
divididos em três saberes principais: os da experiência, os do conhe-
cimento e os pedagógicos (PIMENTA, 1999). Em seguida, explicitare-
mos cada um desses.
Os saberes da experiência são formados pelas construções ex-
perienciais dos indivíduos durante todo o seu processo educacional
e formativo, considerando tanto as relações estabelecidas nos pro-
cessos de aprendizagens enquanto alunos, em que puderam obser-
var práticas docentes que contribuíram para sua formação humana,
bem como os saberes oriundos de suas práticas cotidianas, “num
processo permanente de reflexão sobre sua prática, mediatizada

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


235 •
pela de outrem – seus colegas de trabalho, os textos produzidos por
outros educadores” (PIMENTA, 1999, p. 20).
Os saberes do conhecimento se referem aos usos das informa-
ções percebidas durante a formação identitária do professor e seu
processo de construção de novos conhecimentos, bem como quais
atitudes práticas em relação às informações consolidarão novos
conhecimentos. Torna-se importante diferenciar informação e co-
nhecimento. Informar, limita-se a dar ciência sobre determinado
assunto, não garantindo em si a construção de conhecimentos. O co-
nhecimento se refere à consolidação de determinadas informações a
partir da ação reflexiva, produzindo saberes de humanização. Como
nos diz Pimenta (1999, p. 21-22):
Conhecimento não se reduz a informação. Esta é um primei-
ro estágio daquele. Conhecer implica um segundo estágio: o
de trabalhar com as informações classificando-as, analisan-
do-as e contextualizando-as. O terceiro estágio tem a ver com
a inteligência, a consciência ou sabedoria. Inteligência tem
a ver com a arte de vincular conhecimento de maneira útil
e pertinente, isto é, de produzir novas formas de progresso
e desenvolvimento; consciência e sabedoria envolvem refle-
xão, isto é, capacidade de produzir novas formas de existên-
cia, de humanização.

Os saberes pedagógicos referem-se ao fazer pedagógico, isto


é, em contato com os referidos saberes, os professores poderão “en-
contrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas prá-
ticas, confrontando-os. É aí que se produzem saberes pedagógicos”
(PIMENTA, 1999, p. 26). No tocante a este saber, torna-se importante
compreender a interrelação existente entre teoria e prática e a cons-
trução de uma práxis pedagógica.
Na perspectiva de se constituir a educação como processo
emancipatório e de humanização, os saberes docentes devem ser ba-
seados em princípios de continuidade, de formação contínua, dialé-
tica e dinâmica, permeada pelos contextos históricos dos docentes.
Transformando nossa realidade de professor como mero ob-
servador e contemplador da realidade em professor aprendente,

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 236

reflexivo e transformador da realidade circundante, utilizando mé-


todos dialógicos e dialéticos, transformamos incessantemente nossa
prática, efetivando, assim, uma práxis pedagógica, unificando teoria
e prática, partindo das relações humanas e se reinventando a partir
delas. Como nos diz Candau:
Todos os componentes curriculares devem trabalhar a uni-
dade teoria-prática sob diferentes configurações, para que
não se perca a visão de totalidade da prática pedagógica e da
formação como forma de eliminar distorções decorrentes da
priorização de um dos dois pólos. Acreditamos que esta al-
ternativa traz em si a possibilidade do educador desenvolver
uma “práxis” criadora na medida em que a vinculação entre
o pensar e o agir pressupõe a unicidade, a inventividade, a
irrepetibilidade da prática pedagógica (CANDAU, 1989, p. 60)

Portanto, para pensarmos em uma prática pedagógica huma-


nizante, faz-se necessário implementar ações docentes que viabili-
zem uma práxis, que considere o contexto social dos indivíduos e,
deste modo, permita reconhecer a importância da diversidade cul-
tural, das relações entre indivíduos e suas ações cotidianas com as
bases teóricas que permitam ao educador vislumbrar novos olhares,
centrados no cotidiano escolar. Como nos diz Paulo Freire, uma prá-
xis pedagógica crítica, reflexiva e dialógica. Acerca do trabalho peda-
gógico, Freire propõe
[...] um trabalho pedagógico que, a partir do conhecimento
que o aluno traz, que é uma expressão da classe social à qual
os educandos pertencem, haja uma superação do mesmo, não
no sentido de anular esse conhecimento ou de sobrepor um
conhecimento a outro. O que se propõe é que o conhecimento
com o qual se trabalha na escola seja relevante e significativo
para a formação do educando [...] Proponho uma pedagogia
crítico-dialógica. (FREIRE, 2000, p. 190-191).

Tal proposição nos remete à importância dos processos for-


mativos na construção de uma escola humanizante, tendo como re-
curso metodológico conscientizar os indivíduos acerca da sociedade

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


237 •
dividida em categorias de raça, gênero, classe, crença, nacionalida-
de, etc., sendo possível a referida transformação, na medida em que
a ação pedagógica, cuja atuação se configure de maneira crítica, dia-
lógica e na perspectiva de construção de relações humanização.

Saber docente de humanização

Após refletirmos sobre os saberes docentes e os processos


de formação docente, faz-se necessária a ampliação do repertório
docente frente aos novos contextos educacionais. Neste contexto,
Meijer (2019) propõe uma revisão acerca dos saberes docentes neces-
sários aos processos educativos na contemporaneidade. Para tanto,
a autora nos apresenta o saber docente de humanização como com-
plemento aos saberes da experiência, do conhecimento e pedagógi-
co propostos por Pimenta (1999), na perspectiva de possibilitar aos
docentes o ato de professorar, compreendendo-o em todas as suas
dimensões (MEIJER, 2019).
Quando pensamos em humanização podemos pensar que
tal conceito se torna redundante ante as práticas sociais humanas.
Como propor humanização para humanos? Eis justamente o ponto
crucial abordado por Meijer (2019): “a humanidade é rizomática”,
isto é, nosso caminhar histórico, pessoal e social não ocorre a partir
de linearidades, mas sim a partir de inúmeras ramificações, congru-
ências e incongruências, constituindo, assim, quem nós somos.
Portanto, quando a autora nos diz que a humanidade é rizo-
mática, podemos concluir que somos a soma, a união de conheci-
mentos, saberes, valores, que não seguem uma hierarquização ou
linearidade, remetendo-nos à ideia de permanência, mas, pelo con-
trário: movimenta-nos, torna-nos circular e em constante movimen-
to de ação – reflexão – ação.
Assim, acreditamos que os saberes docentes de humanização
podem promover a dialogicidade do saber, efetivando deste modo,
práticas pedagógicas críticas e reflexivas com vistas à transforma-
ção dos contextos sociais existentes, não-limitantes, ultrapassando,

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 238

assim, os limites impostos pelas tradições maniqueístas e do senso


comum.
De acordo com Meijer (2019, p. 03)
A condição humana exige de nós um padrão mínimo de com-
portamento que nos coloque num status de destaque em
comparação a outras espécies animais. Entendemos que a
humanidade é plural e vive em conformidade com seu tempo,
colada aos eventos históricos. [...] parece que não seguimos
uma escala evolutiva ou linear no percurso da história.

Assim, a partir das exigências sócio-históricas nos moldamos


ou não aos determinismos sociais, implicando, deste modo, na cons-
tituição de uma natureza humanizante ou desumanizante de nossos
atos cotidianos. Tais atos podem ser compreendidos quando obser-
vamos ações cotidianas caracterizadas pelo desprezo à vida humana,
representado pela figura fascista e autoritária do atual presidente do
Brasil, que desvaloriza e desconsidera minorias, sob a égide de “um
país para todos”, mas que na verdade implementa cada vez ações
misóginas, preconceituosas e não-humanizantes. “A partir de com-
portamentos educativos intencionais ou não intencionais humani-
zamo-nos ou desumanizamo-nos”. (MEIJER, 2019) Eis, portanto, a
importância dos processos educativos no contexto de construção da
­humanização.
Desta maneira, a escola poderá contribuir sobremaneira na
construção de relações humanizantes, “aquela que tem que ser for-
jada com ele e não para ele, enquanto homens e povos, na luta in-
cessante de recuperação de sua humanidade” (FREIRE, 1987, p. 17).
Buscando a humanização com os educandos, faz-se necessário desta-
carmos a importância da didática na efetivação deste processo, haja
vista que se torna salutar a implementação da “curricularização da
humanização de maneira transdisciplinar” (MEIJER, 2019). Eis o de-
sejo de Mathias, a possibilidade de uma Didática que favoreça a sua
compreensão da realidade. De acordo com Candau (2014, p. 23):
A perspectiva fundamental da Didática assume a multidi-
mensionalidade do processo de ensino-aprendizagem e colo-

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


239 •
ca a articulação das três dimensões, técnica, humana e políti-
ca, no centro configurador de sua temática. Procura partir da
análise prática pedagógica concreta e de seus determinantes.
Contextualiza a prática pedagógica e procura repensar as di-
mensões técnica e humana, sempre “situando-as”. Analisa as
diferentes metodologias, explicitando seus pressupostos, o
contexto que foram geradas, a visão de homem, de socieda-
de, de conhecimento e de educação que veiculam. Elabora a
reflexão didática a partir da análise e reflexão sobre experi-
ências concretas, procurando trabalhar continuamente a
relação entre teoria-prática.

Torna-se relevante perceber que a Didática deverá promover


a integração entre as dimensões humana, técnica e político-social,
considerando os contextos concretos, a fim de promover mudanças
estruturais e conceituais na sociedade a qual estamos inseridos.
Além disso, contribui nos processos formativos docentes a partir
de uma perspectiva crítico-reflexiva, possibilitando, assim, que os
docentes possam inserir nas suas práticas docentes, ou melhor, de
professorar, uma educação humanizante.
Acerca da relevância e importância da Didática, Meijer (2019)
nos fala que
[...] é a didática, a teorização sobre o ensino, espaço formati-
vo em que se traz à reflexão a construção da identidade pro-
fissional docente e a ênfase na certeza de que o professorar
requer saberes especializados. No que diz respeito a teoria
sobre o ensino esse instante pode ser fantástico porque co-
labora sobremaneira com o desenvolvimento da identidade
profissional crítica acerca do ensinar e do aprender e com a
construção do pensamento reflexivo capaz de fazer da práti-
ca pedagógica conteúdo investigativo e auto-avaliativo.

Porém, com vistas à recuperação da humanidade, torna-se


necessário ressaltar a importância da pluralidade cultural e étnica,
possibilitando que o processo de humanização promova o respeito
às diversidades, e de maneira específica, o respeito à cultura afro-
-brasileira, assunto que abordaremos no tópico seguinte.

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 240

A pret@gogia: por uma decolonialidade do saber educativo


Alma não é branca, Luto não é negro,
Negro não é folk.[...] Queimamos, de medo
-Do medo da história- Os nossos arquivos.
Pusemos em branco A nossa memória
Cultura à margem, Culto condenado,
Fé de freguesia, Giro tolerado,
Revolta ignorada, História mentida.
Missa dos Quilombos (Milton Nascimento).

O trecho da música Missa dos Quilombos, de Milton Nasci-


mento (2002), apresenta-nos a tentativa de branqueamento da his-
tória da população negra e de apagamento da cultura afro-brasileira.
Porém, a cultura afro é sinônimo de resistência, e mesmo com a sub-
versão histórica e com uma história contada por outrem, a cultura
afro-brasileira se mantém viva e resistente, apesar dos modelos edu-
cacionais que buscam desconsiderar tais contribuições.
Analisando os desafios que o atual contexto educacional nos
apresenta, alerta-nos o fato de que os “currículos escolares não ex-
pressam os paradigmas da cultura contemporânea e ainda não com-
portam práticas que considerem as diferenças sociais, culturais,
étnicas, geracionais, de escolhas sexuais, religiosas, entre outras”
(ANDRADE; LEITE, 2019, p. 159)
Segundo Hall (1992, p. 17, apud Walsh, 2005, p. 05) refletir
sobre a diversidade e a pluralidade numa perspectiva decolonial
consiste em ”movilizar todo lo que podemos encontrar en término
de recursos intelectuales para entender qué es que sigue haciendo las
vidas que vivimos, y las sociedades em que vivimos, profundamente
anti-humanas”. Portanto, faz-se necessário compreendermos os mo-
tivos que nos fazem seguir em uma sociedade anti-humana, em que
a diversidade é desconsiderada em prol de uma suposta hegemonia
cultural, política e econômica eurocêntrica. Como nos diz Boaven-
tura de Sousa Santos, faz-se necessário “construir epistemologias
do Sul”, isto é, a consciência de que “uma Epistemologia do Sul se
baseia em três orientações: aprender que existe o Sul; aprender a

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


241 •
ir em direção ao Sul; aprender do Sul e com o Sul” (SANTOS, 1995).
Ampliando a epistemologia do Sul, incluindo o conceito de intercul-
turalidade, Walsh (2005) nos diz que
O conceito de interculturalidade é central à (re)construção
de um pensamento crítico-outro – um pensamento crítico
de/desde outro modo -, precisamente por três razões princi-
pais: primeiro porque está vivido e pensado desde a experi-
ência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque reflete um
pensamento não baseado nos legados eurocêntricos ou da
modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul,
dando assim uma volta à geopolítica dominante do conhe-
cimento que tem tido seu centro no norte global. (WALSH,
2005, p. 25)

Devemos, assim, como nos diz Meijer (2019), pensar uma peda-
gogia afrocentrada, baseada na “pretagogia como sul-teórico-meto-
dológico”, reconhecendo a relevância cultural dos povos do sul, das
diversidades culturais, promovendo um resgate cultural emprete-
cido, por intermédio de uma perspectiva decolonial e intercultural.
Poderíamos afirmar que a decolonialidade “implica partir da
desumanização e considerar as lutas dos povos historicamente su-
balternizados pela existência, para a construção de outros modos de
viver, de poder e de saber” (WALSH, 2005). Não considera, portanto,
esquecer e desqualificar todo o processo de colonização como fato
histórico, mas pelo contrário, consiste justamente em superar tal
momento histórico com a construção de novas relações sociais.
Torna-se claro que a lógica eurocêntrica de valorização mo-
nocultural destoa em relação ao mosaico cultural pós-moderno, pois
se torna de suma importância reconhecer a pluralidade de conhe-
cimentos existentes, bem como a sua relevância na expectativa de
transformar contextos sociais, políticos e econômicos. Assim, o de-
colonial se relaciona a uma possibilidade de resistência e luta contra
modelos hegemônicos e monoculturais, construindo possibilidades
alternativas de teorização e reflexão social.
A escola, ao reproduzir essa lógica perversa de apagamento
cultural, promove, como nos diz Meijer (2019, p. 85), “processos de

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 242

‘desalegramento’ e de tentativa de apagamento de nossas raízes an-


cestrais”. Eis a importância de buscarmos o conceito de afrodescen-
dência no contexto brasileiro, a fim de manter presente e resistente
a contextualidade de nossa ancestralidade. A afrodescendência se
baseia no reconhecimento de uma descendência africana no Brasil.
Para Cunha Jr. (2001, p. 11).
O conceito de afrodescendência surge devido as controvér-
sias criadas sobre a existência ou não de uma identidade
negra no Brasil. Esta identidade existe, entretanto ela não
é única, não tem uma coesão monolítica. Mas, vejamos, as
identidades européias ou brancas no Brasil são admitidas
como existentes, no entanto não passam pelos mesmos pro-
cessos de questionamento que as identidades negras. Raras
são as vezes em que vemos a pergunta sobre o Que torna os
europeus uma unidade cultural.

Assim, como poderemos valorizar culturalmente e a ances-


tralidade dos diversos Mathias que estão presentes nos ambientes
escolares para além do colonialismo? De acordo com Petit e Silva
(2011) a implementação de uma etnoeducação como a Pretagogia,
permite resgatar a cultura de matriz africana, construindo o senti-
mento de pertencimento dos Mathias, sem desconsiderar as demais
etnias. Ou seja, propõe a valorização de uma cultura específica sem
buscar apagar as contribuições das demais culturas para a formação
do mosaico multicultural. E complementam que
[...] criamos o referencial da Pret@gogia a partir dos elemen-
tos da cosmovisão africana, porque compreendemos que
para tratar das particularidades das expressões dos/as afro-
descendentes, seja necessário buscar as bases conceituais e
filosóficas de origem materna, ou seja, na Mãe África. Dessa
forma, a Pret@gogia se alimenta dos saberes, conceitos e
conhecimentos de matriz africana, o que significa dizer que
estamos amparados em um modo particular de ser e estar no
mundo (PETIT; SILVA, 2011. p. 82).
Destarte, a pret@gogia baseia-se nos valores da Cosmovisão
Africana, a saber: a. Ancestralidade – diz respeito ao princípio da

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


243 •
coletividade, haja vista que não existe ancestralidade sem alterida-
de; b. A tradição oral – valoriza as histórias, as memórias e os con-
textos de cada indivíduos na construção de histórias de vida e de
conhecimentos; c. O corpo enquanto fonte espiritual, produtor de
saberes – a expressividade do corpo como fonte de diálogo, de co-
nhecimento e de produção de saberes; d. religiosidade – diz respeito
à sacralidade de tudo que existe, seja ser vivo ou não-vivo; e. noção
de território enquanto espaço-tempo – território construído histo-
ricamente pelo espaço-tempo da ancestralidade e da sacralidade
(MEIJER, 2019, p. 81-82).
A didática concebida pela influência direta da pretagogia é
a teoria do ensino capaz de formar para a docência a partir
de princípios afrocentrados, e tem como exemplo a conduta
do griot. Dito de outra forma, a didática orientada por princí-
pios afrocentrados é a teoria do ensino que emerge de funda-
mentos enraizados em saberes das culturas africanas, tendo
como espelho as ações do griot. Docentes são os mais velhos
abundantes de sabedorias que guiam as comunidades ou co-
letivos de aprendizagem. (MEIJER, 2019, p. 605-606)

Acreditamos, assim, na possibilidade plena de se fomentar


pela Pret@gogia processos de humanização dos educandos, tor-
nando o currículo multicultural, buscando resgatar o sentimento
de pertencimento do negro no ambiente escolar, de tal modo que as
diversas culturas que existem no âmbito escolar sejam vistas, refle-
tidas, dialogadas e respeitadas.

Considerações finais

Consideramos cada palavra, cada sentimento e cada provoca-


ção trazida por você, porque falamos da porteira de dentro. Fomos
tocados pelos seus questionamentos, porque também fomos alunos
e somos professores de instituições públicas de ensino. Porém, re-
conhecemos que o seu tempo de ser aluno na escola é agora, quando
nós já estamos em outra categoria, com outro olhar. Então não te-
mos como perceber e sentir por sua perspectiva. É preciso te ouvir,

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 244

deixar que você diga a todos nós, professores e professoras o que é a


escola para você.
Dizer e ser ouvido todos os dias, em todas a aulas; percebemos
como é importante essa fala e essa escuta. Te ouvir, apenas por al-
guns instantes, nos motivou a visitar nossa plataforma de saberes
e, desde então, refletimos sobre suas questões. Elas agora também
são nossas questões, porque não sabemos exatamente o que é a es-
cola hoje. Ela se transforma a todo o instante ao sabor de quem nela
­convive.
Sendo assim, podemos também perguntar ao Mathias, o que é
a escola? Por que ela também não sabe sobre nós? Estamos também
confusos e confusas, perdidas e perdidos sobre os contornos que a
escola está ganhando. A escola, que somos todos nós, não vem sen-
do razoável com os alunos pretos e nem com os professores pretos.
Muitos de nós nega a própria negritude, achando que assim embran-
quece. Alguns, acreditando que são brancos, agem de forma racista
com alunos pretos, ou ignoram o racismo perpetrado contra eles e
elas. Alguns até sabem sobre sua realidade, mas preferem acreditar
que nenhuma relação tem a ver com suas práticas pedagógicas, com
o sucesso do processo de ensino-aprendizagem.
Acreditamos, assim como você, que educar é humanizar.
Acreditamos também, assim como você, que em muitos casos as prá-
ticas educativas promovem a desumanização. E essa sua indagação
nos cala fundo, porque fala de todos nós; denuncia os rumos da His-
tória, das políticas e das ações pedagógicas no interior de cada escola
deste país.
Sendo assim, só nos cabe transformar. Por isso, pesquisamos,
estudamos, professoramos em função desse ideal que é a humani-
zação. E em função desse propósito desafiador pedimos a ajuda de
quem for possível. Aqui, em nosso diálogo, solicitamos apoio de vá-
rias pessoas que pensam similar a nós. Entre elas, Paulo Freire, que
nos motiva à luta pela humanização, que defende a ética e a estética
no educar; Selma Garrido Pimenta, ao nos advertir que ensinar exige
saberes específicos, conhecimentos de natureza pedagógica, de ex-
periência e do conhecimento acadêmico; Rebeca Meijer, desenvol-

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


245 •
vendo a ideia de saber docente de humanização, em favor da capaci-
dade de ensinar humanizando, o que vem sendo desumanizado pelo
racismo, sexismo, desigualdade racial, discriminação, xenofobia e
tantas quanto forem os tipos de truculência individual ou institu-
cional vividos na relação pedagógica; Sandra Petit e Geranilde Costa,
com o aporte teórico-metodológico da pretagogia, uma pedagogia
que educa a partir da decolonialidade, da afrodescendência e da cos-
movisão de mundo africana. Uma educação humanizadora também
a partir da valorização de uma epistemologia do Sul, como nos apon-
ta Boaventura de Souza Santos. Reconhecendo as contribuições do
Norte global, mas exercitando o hábito de conhecer a ciência produ-
zida pelos historicamente subalternizados, uma ciência que produz
movimentos de resistência, de inclusão e se faz para a coletividade.
Assim, Mathias é nosso jeito de contribuir com a transforma-
ção do mundo, a partir de uma educação humanizadora, que valorize
as diferenças, que seja descolonizadora das mentes, das vidas e que re-
conheça o Sul global. Esse é nosso jeito de lutar. Suleando a educação.
Com todo o nosso respeito e agradecimento,

A autora e o autor

Referências

ANDRADE, Michele Abreu; LEITE, Emanuel Andrade. Formação do-


cente para o ensino afroindigenista na escola pública: reflexões só-
cio-pedagógicas. In: Perspectivas transdisciplinares em educação [re-
curso eletrônico] / SILVA, Samia Paula dos Santos Silva; MEDEIROS,
Jarles Lopes de (Org.). – Dados eletrônicos – João Pessoa: Ideia, 2019.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da edu-
cação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, e
dá outras providências. Disponível em: Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso em: 05 fev.
2020.

A HUMANIZAÇÃO E A PRETAGOGIA COMO PERSPECTIVAS DE UMA DECOLONIALIDADE DO SABER


• 246

CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. 36. ed., Petrópolis, RJ:


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CANDAU, Vera Maria. Rumo a uma nova Didática. Petrópolis: Vozes,
1989.
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FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
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MEIJER, Rebeca de Alcântara e Silva. A formação docente afrocentrada
da Unilab: o saber docente ancestral no ensino de didática nos países
da integração. Debates em Educação. Maceió, v. 11, n. 23, jan./abr. 2019
MEIJER, Rebeca de Alcântara e Silva. Valorização da Cosmovisão
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MORIN, Edgar. O Método 5. A Humanidade da Humanidade. Porto
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PETIT, Sandra H.; SILVA, Geranilde Costa e. Pret@gogia: referencial
teórico-metodológico para o ensino da História e Cultura Africana e
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PIMENTA, S.G. Formação de professores: Identidade e saberes da
docência. In: PIMENTA, S.G. (Org.) Saberes pedagógicos e atividade
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Construindo as Epistemologias do
Sul: Antologia Essencial. Volume I: Para um pensamento alternativo
de alternativas / Boaventura de Sousa Santos; compilado por Maria
Paula Meneses... [et al.]. – 1. ed., Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
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SENGE, Peter. Escolas que aprendem: um guia da Quinta Disciplina
para educadores, pais e todos que se interessam pela educação/ Pe-
ter Senge ... [et al.]; tradução Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre:
Artmed, 2005.

EMANUEL ANDRADE LEITE | REBECA DE ALCÂNTARA E SILVA MEIJER


247 •
CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO
PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”
José Olímpio Ferreira Neto
José Davi Leite de Castro
Luciano Hebert de Lima Silva
Fabiano Geraldo Barbosa

Introdução

N
o início do século XVI, foram trazidos ao Brasil uma gran-
de quantidade de africanos para trabalharem como escravos nas
lavouras de cana-de-açúcar e nos serviços domésticos, entre outros
trabalhos. Eles trouxeram na bagagem o patrimônio cultural ima-
terial de sua terra natal, várias manifestações culturais que, mais
tarde, tomaram outras formas e se dimensionaram, parte delas no
que passou a ser chamada de capoeira. Surgiram principalmente em
Pernambuco, Salvador e Rio de Janeiro, mas se encontravam formas
correlatas em outras regiões do país. Assim, a capoeira se configura
como uma expressão da cultura corporal afro-brasileira desenvolvi-
da pelos filhos de escravizados africanos em terras brasilis, que rece-
beu influências indígenas e europeias. Sua prática foi perseguida no
período imperial e proibida no período republicano, até que perso-
nagens como Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba1, e Vicente

1 Manoel dos Reis Machado (Mestre Bimba), nascido na Bahia, em 1900, desenvolveu, se-
gundo Campos (2001), em meados da década de 1920, a Luta Regional Baiana (Capoeira
Regional), um estilo tradicional, que envolve conhecimentos da capoeira tradicional
baiana como o batuque. Essa linguagem envolve sistematização e método para o ensino
de movimentos da capoeira que colaborou para sua legitimação frente a sociedade e
consequente saída da marginalidade, fundando em 1932 a primeira escola de capoeira
do Brasil.

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 248

Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha2, contribuíram para transfor-


mar essa realidade, a partir da implantação de suas academias entre
meados da década de 1920 e início dos anos 1940, junto com propos-
tas inovadoras, atingindo diversas camadas sociais.
Dentro do seu processo de desenvolvimento, a capoeira assu-
miu diversos status, entre eles de esporte, educação e cultura. Hoje,
é reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil e da Humanidade,
tendo a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira como
sua expressão máxima, pois, por meio dos quais ocorre o fluxo dos
saberes, manutenção das memórias e fortalecimento da identidade.
Essa arte, outrora marginal, ocupa diversos espaços institucionais,
sejam formais ou não formais de ensino, entre eles, projetos sociais,
escolas e universidades. Nesse contexto, o projeto de extensão uni-
versitária “Debate com Ginga: as multifaces da Capoeira” ocupa um
papel relevante na formação dos capoeiristas, sejam eles profissio-
nais da educação ou apenas praticantes, promovendo um diálogo
entre os saberes populares e os conhecimentos acadêmicos. O pro-
jeto acontece no Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), com vivências temáticas prá-
tico-reflexivas e no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, onde
ocorrem palestras mensais sobre temáticas que se relacionam à
­capoeira.
O presente artigo realiza uma análise qualitativa sobre as ati-
vidades no IEFES/UFC que ocorrem por meio das vivências temáti-
cas prático-reflexivas, tentando responder à seguinte pergunta: De
que forma o projeto de extensão “Debate com Ginga: as multifaces
da Capoeira” pode contribuir para a formação dos participantes? A
partir dessa problemática, apresenta-se o seguinte objetivo geral: in-
vestigar como o projeto de extensão “Debate com Ginga: as multifa-
ces da Capoeira” pode colaborar para a formação dos participantes,

2 Vicente Ferreira Pastinha (Mestre Pastinha), nascido na Bahia, em 1889, sistematizou


o ensino da Capoeira Angola, que segundo Campos (2001) é a forma de manifestação
primitiva da capoeira que nasceu da necessidade de libertação do povo escravizado.
Em 1941, fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), a segunda escola de
capoeira legalizada pelo governo baiano.

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
249 •
com o foco na emancipação humana. Para realizar essa tarefa foram
utilizadas a técnica de observação participante e um questionário
avaliativo aplicado aos participantes sobre a proposta pedagógica
em tela. O material coletado foi submetido ao crivo ontológico, com
o escopo de relacionar o projeto com a educação, em sentido amplo,
que direciona o indivíduo para emancipação humana. Para isso, foi
fundamental a leitura de Lukács (2013), Lessa (2007), Tonet (2001),
entre outros autores. Assim, este trabalho foi dividido além da Intro-
dução e Considerações Gerais, nas seguintes partes: Sobre o Projeto
Debate com Ginga; Educação, cidadania e emancipação sob uma óti-
ca ontológica; Procedimentos Metodológicos; e, por fim, Resultados e
Discussão.

Sobre o projeto debate com ginga

Silva (2015) afirma que a capoeira se encontra inserida em di-


versos espaços institucionais, de natureza formal ou não, entre elas
cita a universidade, atendendo ao tripé ensino, pesquisa e extensão,
por meio de disciplinas acadêmicas, grupos de estudos e pesquisas
e em projetos. Essa afirmação corrobora com os estudos de Cam-
pos (2001) e Santos e Palhares (2010), que se manifestam na mesma
­esteira.
Sobre a capoeira no meio acadêmico cearense, Alves et al.
(2019) dá notícias de que a capoeira figura como disciplina em algu-
mas universidades cearenses, em cursos como Educação Física e Pe-
dagogia, pois trazem disciplinas com a temática no currículo, seja de
forma obrigatória ou optativa. Pode-se citar como exemplo o curso
de Pedagogia da Universidade da Integração Internacional da Luso-
fonia Afro-Brasileira (UNILAB), que traz uma disciplina obrigatória
com conteúdo da capoeira de forma interdisciplinar, e o Instituto
Federal do Ceará (IFCE), Campus Canindé, que inseriu a capoeira na
matriz curricular do curso de Educação Física no ano de 2013.
A UFC, por meio do IEFES, também passou a adotar no cur-
rículo do curso de Educação Física a disciplina de Artes Marciais e
Capoeira como disciplina obrigatória, e a disciplina optativa de En-

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 250

sino da Capoeira, estimulando os estudantes da instituição a traba-


lharem mais a temática em seus estudos e pesquisas. Além disso,
atualmente, alberga um projeto de extensão intitulado “Debate com
Ginga: as multifaces da Capoeira”. Castro e Ferreira Neto (2019, p.
2-3) relatam que o projeto
[…] surgiu em 2011, a partir da iniciativa da Associação So-
ciocultural Viva Capoeira Viva (ASVCV), coordenada pelo
Professor de Educação Física e Mestre de Capoeira, Luciano
Hebert. A ideia inicial era centrada em um clube de leitura,
onde um livro seria escolhido a cada mês, seguido de uma
roda de debate sobre ele. Porém, inicialmente, apenas dois
encontros foram realizados, tendo como sede o Reggae Clu-
be […]. Em 2014, o projeto retorna, sendo realizado no Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura, dessa vez com uma nova
proposta, palestras temáticas que contariam com a presença
de um palestrante, e ao fim, seria feito um debate com os par-
ticipantes. Em novembro de 2016, torna-se projeto de exten-
são da Universidade Federal do Ceará após uma parceria com
a professora Luciana Maria, do Instituto de Educação Física
e Esportes (IEFES). Em 2018, o projeto ampliou sua atuação,
oferecendo aulas de capoeira, ou vivências reflexivas, a estu-
dantes, servidores e a comunidade, tendo como local de rea-
lização o IEFES.

Em 2018, a convite da professora Luciana Maria, Olímpio Fer-


reira, mestre de Capoeira e professor de Educação Física, iniciou o
desenvolvimento das aulas de Capoeira no IEFES, sob a coordena-
ção do Professor Doutor Léo Nepomuceno e com apoio da monitora
Thayná, aluna do curso de Educação Física e capoeirista. Em 2019,
a coordenação passou a ser da Professaraª. Doutoraª. Luciana Ve-
nâncio e contou com a colaboração de Davi Leite, aluno de Educação
Física e capoeirista. As aulas passaram a ser denominadas de vivên-
cias temáticas prático-reflexivas, pois, devido à frequência rotativa
dos participantes, decidiu-se por trabalhar em cima de temáticas,
a partir de elementos práticos e teóricos, relacionadas à capoeira,
tentando trazer reflexões sobre essas expressões. O projeto recebe
estudantes, servidores da UFC e a comunidade do entorno, propor-

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
251 •
cionando uma formação por meio da Capoeira e o seu contexto his-
tórico. É preciso destacar, conforme Ferreira Neto e Barbosa (2019),
que as ações do projeto de extensão, a saber, palestras e vivências,
apesar de acontecerem em espaços diferentes, são complementares.
Essa proposta coaduna com o Soares et al. (1992), quando expressa
que a Capoeira é uma manifestação cultural oriunda do enfrenta-
mento por liberdade que remete à luta por emancipação do negro no
Brasil escravocrata.

Educação, cidadania e emancipação sob uma ótica


ontológica

O trabalho, em sua essência, remete o homem para além do


próprio trabalho, de forma que, no transcorrer do tempo, o traba-
lho só pode se efetivar quando atende a necessidades sociais que não
pertencem mais à troca orgânica entre o homem e a natureza, e só
se realiza no interior de um conjunto global de relações sociais mais
ampla que o próprio trabalho. Lessa (2007, p. 60) indica que “se o tra-
balho dependesse, para o seu sucesso, de um conhecimento absoluto
do existente, ele jamais poderia se realizar, nem nos seus momentos
primordiais, nem nos dias de hoje”. Compreende-se, então, que o
trabalho requer um conhecimento, mas este não é um reflexo mecâ-
nico, absoluto, completo do existente. É preciso aprofundar o estudo
sobre a relação entre exteriorização e objetivação para ver como os
homens constantemente objetivam as prévias ideações, acarretando
na gênese de novos entes, ontologicamente distintos da consciência
que operou a ideação.
Segundo Lukács (2013), não pode haver trabalho antes do ser
social, a categoria trabalho é a protoforma, ou seja, a forma originá-
ria, primária, do agir humano. Assim, o trabalho é a categoria fun-
dante do ser social, no entanto, o ser social não se reduz ao trabalho.
Há outras atividades humanas que medeiam as relações sociais e
colaboram para a formação do indivíduo humano, entre elas, a edu-
cação tem papel preponderante.

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 252

Para Tonet (2001, p. 151): “[…] a tarefa educativa é muito mais


ampla do que a produção e a difusão do saber. Ela também implica
a formação de concepções de mundo, valores, atitudes, comporta-
mentos, etc. para a qual todo educador contribui”. A distinção entre
a educação e as outras atividades humanas reside na apropriação da-
quilo que é realizado em outras atividades.
[…] o que distingue a educação de todas as outras atividades,
é o fato de ela se caracterizar não pela produção de objetiva-
ções – o que não quer dizer que também não as produza – mas
pela apropriação daquilo que é realizado por outras ativida-
des. Assim, por exemplo, cabe a atividade artística produzir
obras de arte. Mas é através da educação – aqui entendida, ob-
viamente, em um sentido amplo, que inclui tanto a educação
direta quanto a educação indireta – que o indivíduo se torna
capaz de tornar seu o universo contido na obra de arte (TO-
NET, 2001, p. 39-40).

Enquanto o trabalho realiza uma mediação entre homem e


natureza, a educação se constitui em uma mediação entre indiví-
duo e sociedade. Porém, mesmo indiretamente, o trabalho também
medeia a relação entre indivíduo e sociedade, assim como a educa-
ção medeia a relação entre homem e natureza. A educação não é a
única mediação nessa relação, mas realiza papel fundamental, des-
cortinando nuances processuais, possibilitando o indivíduo se tor-
nar indivíduo humano. Assim, em sentido ontológico, pode-se dizer
que educação não é trabalho, mas ambos são mediações da atividade
­humana.
Tonet (2001) analisa a categoria da cidadania e verifica que o
seu sentido é pouco compreendido ou mesmo deturpado, tendo pou-
ca ou nenhuma capacidade de transformar a realidade. Seria preciso
um aprofundamento e a ampliação do sentido desse termo para uma
real mudança social. Deve-se pensar no movimento do real no sen-
tido de autoconstrução da emancipação humana. Segundo o autor,
quando Marx historiciza o ser social quanto à natureza, reformula
também a categoria da objetividade, descobrindo no trabalho huma-
no o vínculo indissociável entre sujeito e objeto do conhecimento,

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
253 •
entre a subjetividade e a objetividade, fundando, assim, a práxis so-
cial. Então, a cidadania seria uma questão mais ampla da emancipa-
ção política, podendo ser considerada como um espaço de constru-
ção efetiva da liberdade humana, na qual a emancipação humana se
torna um horizonte a ser alcançado pelos indivíduos. Martins (2000,
p. 10) indica a relação entre cidadania e cidadão, coadunando com
o que foi exposto, nas seguintes linhas: “[...] apresenta-se a cidada-
nia enquanto participação e o cidadão como aquele que é capaz de,
com sua ação consciente, forjar seu próprio destino histórico”. Eis a
vertente mais forte para o desenvolvimento de uma práxis educativa
que tenha a emancipação humana como objetivo.
A efetiva emancipação da humanidade implica a apropriação
do que há de mais avançado em termos de saber e de técnica produ-
zidas até os dias de hoje. Nesse contexto, o professor especialista se
constitui como um educador emancipador, que corresponde ao seu
domínio do saber e de sua capacidade de proporcionar o fluxo desse
conteúdo específico articulado com sua prática social. Tonet (2001)
entende que o professor, independente do campo do conhecimento
que pertença, pode oferecer uma contribuição à emancipação quan-
do compreende os vínculos de sua prática com a prática social global.
O professor de Educação Física ou mestre de Capoeira está educando
os filhos dos trabalhadores, é preciso falar da cultura dessas pessoas;
trazer a Capoeira é falar do processo histórico brasileiro de explora-
ção, questionar o sistema vigente para proporcionar a resistência e
a busca pela liberdade.

Procedimentos metodológicos

Ao final do semestre de 2019.2 foi sugerido para os participan-


tes do projeto, um questionário avaliativo para elaboração da pro-
posta para o semestre de 2020.1. O questionário com 17 perguntas
teve como objetivo colher informações sobre os participantes do
projeto nas vivências realizadas no IEFES/UFC, além de sugestões e,
ainda, identificar algumas contribuições do projeto na vida de seus
participantes. Os participantes foram informados sobre os objetivos

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 254

e a finalidade do questionário, que se propôs a auxiliar na estrutu-


ração, nas melhorias do projeto no futuro, assim como na sua docu-
mentação e registro, além da utilização dos dados gerados para ela-
boração de artigos, sendo garantido o sigilo e anonimato.
O questionário foi dividido em seções, cuja primeira tratou
dos “dados pessoais”, destinada à obtenção de informações referen-
tes à identificação dos participantes. A segunda, intitulada “sobre
você”, destinou-se a coletar informações sobre práticas anteriores
de atividades físicas, como descobriram sobre o projeto, e o que os
motivou a iniciar nas práticas, assim como entender como se mante-
ve essa motivação ao longo do ano. A terceira versou “sobre as vivên-
cias”, que teve um cunho mais avaliativo sobre o desenvolvimento
do projeto, além de uma pergunta em específico para estudantes de
graduação, criada com o intuito de identificar a contribuição do pro-
jeto em meio ao período de formação acadêmica. A quarta e última
seção tratou “sobre o projeto”, e teve o objetivo de coletar algumas
informações acerca da acessibilidade do projeto, sugestões de temá-
ticas e melhorias, sobre a participação dos integrantes em meio as
duas ações do projeto, e uma última criada com a intenção de identi-
ficar as mudanças que este gerou na concepção de capoeira de cada
um. O questionário foi criado por meio da ferramenta Google Forms
e disponibilizado no período de recesso do projeto.

Resultado e discussões

Na seção “sobre você” foi identificado que 80% dos partici-


pantes já praticaram esportes e/ou modalidades de luta, o que ajuda
no desenvolvimento das atividades por meio da memória corporal
que trazem. De todos os que responderam, 40% descobriram sobre
o projeto por meio de amigos, 20% pelas redes sociais, o restante por
meios diversos, desde convites até cartazes observados na univer-
sidade. Sobre os objetivos pessoais que motivaram a participar do
projeto, observou-se que, em sua maioria, os participantes estive-
ram interessados em vivenciar a Capoeira; em seguida, vem a busca
por saúde e qualidade de vida, ficando em empate, o interesse por

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
255 •
horas complementares e os temas abordados dentro do projeto. So-
bre a motivação dos participantes, em meio ao projeto apenas dois
relataram desmotivação em participar das vivências; um devido ao
cansaço em meio ao semestre acadêmico atribulado e outro devido
ao estranhamento inicial referente à metodologia utilizada no pro-
jeto, que não focava apenas em aulas direcionadas ao rendimento,
como estava habituado, mas utilizava abordagens pedagógicas para
tocar em outros aspectos da Capoeira.
Na seção destinada à avaliação das vivências, quando questio-
nados sobre a importância das discussões feitas em meio ao proje-
to, como, por exemplo, a participação da mulher na Capoeira, todos
afirmaram serem importantes; contudo, o maior percentual, 50%,
concorda que o projeto tem pouco tempo para abordá-los, enquanto
outro percentual, 20%, concorda que o projeto realiza uma boa abor-
dagem do tema, mesmo diante do pouco tempo.
Na questão referente à contribuição do projeto na vida dos
acadêmicos, diversos benefícios foram relatados. Dentre eles, um
participante afirma perceber, após o projeto, que a Capoeira engloba
públicos diversos com interesses diferentes, e, por isso, é necessário
que todos sejam apresentados a ela. Outro participante afirma que
as questões abordadas no projeto são importantes e atuais. Um deles
ressaltou que o projeto mostra e aprofunda debates fundamentais
para uma sociedade mais justa. Outro destaque nos relatos ressalta
a contribuição do projeto na formação dos futuros professores, au-
xiliando-os a entenderem como abordar a Capoeira em sala e tratar
temas importantes à sua prática.
No espaço destinado a recolher sugestões e/ou reclamações,
surgiram elogios quanto ao projeto e seus executores, além de suges-
tões metodológicas e temáticas. Sobre a metodologia, a sugestão foi
voltada à utilização de técnicas do “treinamento funcional” antes do
início da parte prática da aula, uma forma de aquecimento e prepa-
ração, tendo em vista que a Capoeira e algumas atividades praticadas
no projeto exigem força, resistência muscular e cardiorrespiratória.
Sobre as temáticas, as sugestões foram diversas, dentre elas, merece
destaque o tema Capoeira e comunidades quilombolas. A última per-

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 256

gunta do questionário, feita com a intenção de colher relatos sobre a


visão dos participantes sobre a Capoeira, antes e após o projeto, ofe-
receu achados significativos sobre sua contribuição na vida de cada
um, no entendimento sobre capoeira. Algumas falas foram selecio-
nadas e transcritas:
Eu não entendia a lógica, a sistematização e a teoria por trás,
eu entendia muito mais como uma dança do que como uma
luta, que possui regras. A roda também possui toda uma lógica
de como funciona, e eu realmente pensava que era algo muito
mais aleatório. Foi muito enriquecedor participar das vivên-
cias e poder ter conhecimento da importância da Capoeira
(Participante 1).
Sempre achei a Capoeira muito bonita de ser praticada, mas
era só isso. Depois do projeto, fui a fundo, deu para conhecer
sua essência, seus genuínos criadores e revolucionários. Deu
para aprender a valorizar a história da escravidão e o impac-
to na sociedade local e até mundial (Participante 6).
Antes de entrar no projeto, eu já conhecia a Capoeira, mas du-
rante as aulas pude aprender mais sobre a história e tudo que
cerca a Capoeira, e não apenas a prática. Acrescentou muito
ao meu conhecimento sobre a área (Participante 8).

Assim, baseado nessas falas, pode-se dizer que as vivências


proporcionam ver a Capoeira para além das aparências sociais que
se apresentam por meios midiáticos. Observa-se pelas respostas da-
das no questionário avaliativo que o projeto sinaliza para a consecu-
ção de seu objetivo inicialmente proposto, auxiliando os alunos em
formação acadêmica sobre como abordar a Capoeira em suas aulas;
as discussões sobre temas presentes na atividade profissional diária,
na sociedade e sobre a Capoeira; o aprendizado sobre os amplos as-
pectos que compõem a Capoeira para além de apenas movimentos; a
participação ampla de quaisquer interessados.
O primeiro ponto a ser mencionado na metodologia utilizada
é a difusão de conhecimento. Toda movimentação ou atividade é li-
gada a um objetivo de ensino. Ou seja, além do ensino de movimen-
tos, é mencionado sobre sua representatividade em meio a diversas

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
257 •
rodas, grupos e seu caráter combativo. O segundo ponto a ser desta-
cado se encontra no ensino da história da Capoeira, sempre mencio-
nada, inclusive, com mais ênfase em algumas aulas, como forma de
proporcionar aos alunos o conhecimento referente à arte que estão
praticando e no entendimento sobre o seu processo de construção. O
terceiro, as multifaces da Capoeira, do qual emergem temas diversos
presentes nela, tais como musicalidade, ancestralidade, ritualísti-
cas, etc., tudo com o intuito de proporcionar aos alunos um enten-
dimento maior sobre outros aspectos da Capoeira além das movi-
mentações. O quarto ponto de destaque se encontra na diversidade
presente na prática da Capoeira que, sendo uma prática humana que
envolve a interação social, não estaria livre dos reflexos advindos das
relações sociais humanas. Com isso, a abordagem de temas diversos
relacionados às questões sociais atuais que perpassam também a
Capoeira são destaque em meio ao projeto. A exemplo, temos parti-
cipação feminina na Capoeira, discussões de gênero relacionados à
Capoeira, Capoeira e inclusão, Capoeira e racismo, etc. Em algumas
ocasiões, os temas abordados nos debates mensais são mencionados
dentro das vivências e, dependendo da repercussão, abordados mais
afundo.
Em meio ao que foi exposto, infere-se que o projeto aponta
contribuições também em meio ao processo de cidadania, tendo nes-
se percurso Martins (2000), que entende a cidadania como partici-
pação e o cidadão como aquele que toma decisões de forma conscien-
te sobre ações que moldarão a sua própria história, ainda que como
dito anteriormente à cidadania esteja subsumida à emancipação
humana. Destino esse que seria trilhado em busca pela emancipação
humana e liberdade, sendo algumas dessas concepções compartilha-
das com as presentes na matriz da Capoeira na gênese de sua criação.
Tonet (2001) aborda a relação e construção dos processos de
educação, cidadania e emancipação humana, esclarecendo que a ci-
dadania é um processo que devido a divergências na conceituação e
diversos significados existentes sobre sua relação com a educação,
ela acaba não ultrapassando os limites da sociedade capitalista, con-
sequentemente não atingindo o que lhe era proposto, a liberdade

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 258

plena, tendo a cidadania, quando vista como objetivo final, um fim


em si mesma. Uma solução para a problemática seria que a atividade
educativa visando a emancipação humana tivesse a cidadania como
mediação em meio ao processo, e não como objetivo final. Logo, com
relação aos dados obtidos no projeto, falar sobre o ensino voltado à
preservação da gênese ou processo de instauração de uma concep-
ção que remeta às matrizes da Capoeira é também falar, como sa-
lientado pelo autor, embora de forma mediadora, sobre o processo
de cidadania, consciência e valores ético-políticos.
As mudanças causadas na concepção dos alunos sobre Capoei-
ra, a gama de conhecimentos adquiridos sobre a prática, perpassam as
falas obtidas de cada participante, proporcionando a reflexão sobre a
forma de ensino da Capoeira na atualidade, no intuito de pensar o seu
ensino para emancipação e libertação, frutos de sua origem. Assim,
poderão ser mais que preservadas e transmitidas, mas assumidas e
adequadas por cada um aos seus significados pessoais. Desta forma,
parte das vivências-reflexivas estariam centradas também no objeto
de ensino e na forma como é utilizado. Com isso, as aberturas, dentro
do projeto, que permitem sugestões livres sobre as temáticas de aula,
assim como, com o passar do tempo e com os conteúdos abordados,
a apropriação do conhecimento tratado e seu uso de acordo com di-
ferentes perspectivas e necessidades, enquadrariam a metodologia
utilizada como uma contribuinte no processo educativo e emancipa-
tório. Embora o projeto possua, como salientado anteriormente, va-
lores e resultados expressos, por meio do questionário, aproximados
aos conceitos trabalhados com base nos autores, pensar numa edu-
cação voltada à emancipação humana, compreendendo o seu papel
mediante esse processo, é uma tarefa complexa, sendo necessários
parâmetros e requisitos que guiem a operação e um aprofundamen-
to, cada vez maior, para a compreensão do real.

Considerações finais

A metodologia de ensino da capoeira, vivências temáticas prá-


tico-reflexivas, é utilizada no projeto de extensão Debate com Ginga:

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
259 •
as Multifaces da Capoeira como abordagem que engloba os amplos
aspectos da Capoeira, de forma discursiva, participativa e reflexiva.
A abordagem envolve histórias, teorias, discussões acadêmicas e
sociais vigentes no mundo da Capoeira, na sociedade, direcionando
o participante a observar sua manifestação para além da aparência
social, visualizando o seu real.
De um modo geral, o projeto aponta contribuições para o pro-
cesso educacional com vistas à emancipação humana na medida em
que compreende o protagonismo humano na produção das relações
histórico-sociais. A emancipação humana como horizonte se coa-
duna com a prática pedagógica presente na matriz da capoeira, que
tem sua gênese na luta por liberdade. O projeto aqui analisado, por-
tanto, constitui-se uma ferramenta efetiva no campo das atividades
educativas emancipadoras.

Referências

CAMPOS, Hélio. Capoeira na Universidade: uma trajetória de resis-


tência. Salvador – BA: SCT, EDUFBA, 2001.
CASTRO, José Davi Leite; FERREIRA NETO, José Olímpio. Relato e
contribuições do projeto de extensão da UFC: “Debate com Ginga: as
multifaces da capoeira”. III Congresso de Educação Física Escolar do
Ceará. Anais... Fortaleza, 2019.
FERREIRA NETO; José Olímpio; BARBOSA, Fabiano Geraldo. O pro-
jeto “Debate com Ginga” na formação dos professores de Capoeira
e de Educação Física. VI Congresso Nacional de Educação. Anais...
Fortaleza, 2019.
LESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Lukács. Ijuí: Editora
Unijuí, 2007.
LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social – Volume II
(E-Book). São Paulo: BoiTempo, 2013.
MARTINS, Marcos Francisco. Uma “catarsis” no conceito de cidada-
nia: do cidadão cliente à cidadania com valor ético-político. In: Re-

CAPOEIRA E EMANCIPAÇÃO HUMANA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE EXTENSÃO “DEBATE COM GINGA”


• 260

vista de Ética. Campinas-SP: PUC Campinas, v. 2, n. 2. p. 106-118, jul./


dez. 2000,.
SANTOS, Gilbert de Oliveira; PALHARES, Leandro Ribeiro. A Capo-
eira na Formação Docente de Educação Física. In: Pensar a Prática,
Goiânia, v. 13, n. 3, p. 1-14, set./dez. 2010.
SILVA, Robson Carlos da. Educação, Cultura e Escola: A escola de
capoeira e as interlocuções possíveis entre o formal e o não formal.
In: SILVA, Robson Carlos da; MIRANDA, José da Cruz Bispo de (org.).
Cultura, Sociedade e Educação Brasileira: teceduras e interfaces pos-
síveis. Fortaleza: EdUECE, 2015.
SOARES, Carmem Lúcia et al. Metodologia do ensino da Educação Fí-
sica. São Paulo: Cortez, 1992.
TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. (Tese de
doutorado) UNESP, Marília, 2001.

JOSÉ OLÍMPIO FERREIRA NETO | JOSÉ DAVI LEITE DE CASTRO | LUCIANO HEBERT DE LIMA SILVA | FABIANO GERALDO BARBOSA
261 •
PROJETO PÉROLA NEGRA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O
CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
Francisca Marta da Silva de Assis
Geraldo Vicente da Silva

Introdução

A pérola é um material orgânico, de cor translúcida à opaca,


bastante resistente, sendo gerada no interior de ostras advindas do
atrito de corpos estranhos com as paredes desse pequeno espaço, a
exemplo da areia. Seu expressivo valor comercial está expresso na
comercialização de joias. A pérola negra se consubstancia como ain-
da mais valiosa devido à sua raridade. Tal compreensão inspirou o
desenvolvimento do Projeto intitulado Pérola Negra: um outro olhar
sobre o continente africano e o fortalecimento das relações étnico-
-raciais, desenvolvido na Escola de Ensino Fundamental José Sarai-
va Sobrinho, localizada no município de Capistrano, a 112 km da ca-
pital cearense, desenvolvido no período de 2014 a 2019.
Nesse sentido, o presente trabalho visa discorrer sobre os
resultados das atividades desenvolvidas no período acima citado,
buscando verificar o cumprimento da Lei 10.639, de 09 de janeiro de
2003, a qual prevê novas diretrizes curriculares para o estudo da His-
tória e cultura afro-brasileira e africana, em que professores e demais
servidores de instituições de ensino devem trabalhar em sala de aula
a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade
brasileira, destacando o protagonismo do povo negro, considerando-
-os como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, o pensamento
e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros, a cultura
(música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas.

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 262

Vale ressaltar que o projeto teve como objetivos desmistifi-


car estereótipos ao longo do tempo acerca do continente africano,
fortalecer o nível de consciência crítica dos discentes e docentes
e trabalhar de forma interdisciplinar as questões étnico-raciais.
Questionamentos como: De que maneira tem se desenvolvido o en-
sino de História na E. E. F José Saraiva Sobrinho? Quais os desafios
encontrados pelos os docentes ao pautar a questão racial em sala de
aula? Como as práticas pedagógicas têm sido realizadas com o foco
em África e suas tradições?
Nesse sentido, o presente trabalho traz em si a necessidade de
ser executada a Lei 10. 639/03, mesmo diante dos desafios técnicos e
teóricos para o desenvolvimento de ações que sejam alinhadas com
as proposições da legislação. Assim, optou-se por optar a síntese das
ações desenvolvidas durante o Projeto sob o recorte temporal de 2019.
Os negros aparecem nos livros didáticos sempre relaciona-
dos à escravidão, sofrimento e submissão, como pobres coitados
sem história. Discriminados, maltratados e com uma cultura que se
baseia apenas na Capoeira, Candomblé, atabaques, safáris e roupas
coloridas. Como é possível que minimizando tanto a história do ter-
ceiro maior continente do planeta e o lugar de onde há milhões de
anos apareceram nossos ancestrais, podemos contribuir para que os
afrodescendentes se sintam valorizados?
A escola tem o compromisso de reforçar os valores sociais e
morais, contudo, mesmo que de forma quase imperceptível acaba
perpetuando e reforçando alguns preconceitos. Um exemplo claro
do que falamos pode ser visto na forma de como nos dirigimos ao
continente africano, suas principais considerações se relacionam
sempre aos problemas e sofrimento desse povo: milhares de doen-
ças, fome, miséria, guerra civis, entre outros. Pouco se fala sobre
cultura, sua história e suas belezas naturais.
A Lei Federal 10.639/03 faz parte de um conjunto de ações
afirmativas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil, na tentativa de
diminuir o racismo e a desigualdade social. Após a sanção desta Lei,
os desafios se fazem presentes no campo de sua aplicabilidade. As
limitações para a implementação dos pressupostos nela contidos se

FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS | GERALDO VICENTE DA SILVA


263 •
iniciam na defasagem da formação acadêmica dos professores, per-
passam pela falta de formação continuada, por currículos escolares
engessados e construídos a partir da ótica eurocêntrica, e o resulta-
do são práticas educativas racistas e o ciclo de afirmação da cultura e
história europeia como superiores. Percebemos que é importante a
escola se empenhar com urgência em aprofundar seus conhecimen-
tos sobre “O berço da intelectualidade”, por meio de uma reflexão
verdadeiramente crítica sobre os valores que vem passando até os
dias de hoje, valores estes que acabam fomentando a discriminação
e a desvalorização de um povo, que não apenas dança e sorri, ape-
sar de todo o sofrimento, mas que tem uma cultura riquíssima em
inúmeros elementos em todas as áreas do conhecimento. Questões
ligadas ao processo de colonização até bem pouco tempo devem ser
levadas em consideração, afinal, em pleno século XIX, quase todos os
países europeus continuavam pilhando os recursos naturais deste
continente, mesmo que a colonização da América tivesse acabado.
O Projeto Pérola Negra surge como um desafio de trazer os
debates e reflexões acerca desta problemática para dentro da Escola
José Saraiva Sobrinho a partir da Lei 10.639/03 e do que ela se pro-
põe. Faz-se necessário refletirmos sobre os limites e possibilidades
de implantação e implementação do Projeto Pérola Negra no contex-
to da escola.
Baseado nestas considerações, o Projeto surge no sentido de
promover um conhecimento mais profundo sobre a importância da
contribuição dos africanos para o desenvolvimento não só do nosso
país, mas de todos os outros. O importante neste projeto é que não
foi priorizado o lado exótico da cultura africana. Não que não tenha
sido trabalhado com esses elementos, afinal, são os de maiores co-
nhecimentos dos alunos. Porém, devido a esta familiaridade é que
foi dado prioridade a outros aspectos do contexto histórico-cultural
que são desconhecidos pela maioria dos alunos. O projeto promoveu
um verdadeiro resgate da herança africana, cuja história fora esque-
cida e ignorada ao longo do tempo. Assuntos como clima, relevo, lo-
calização, vegetação, fauna, heranças culturais e formação de uma
consciência crítica são pilares que o embasam.

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 264

Desenvolvimento

O Projeto Pérola Negra surge a partir de uma demanda do


contexto nacional de implementação da Lei 10.639, de 09 de janeiro
de 2003, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) nº 9.394/1996 e institui a obrigatoriedade do desenvolvimento
de atividades de ensino e aprendizagem da História e cultura afro-
-brasileira no ensino fundamental e médio nas redes de ensino ofi-
cial e particular, incluindo o “[...] estudo da história da África e dos
africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição
do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes a
história do Brasil”, conforme o artigo 26 – a § 1º (BRASIL, 2003).
No ano de 2014, a Escola de Ensino Fundamental José Saraiva
Sobrinho inicia o Projeto Pérola Negra, projeto este que veio contri-
buir significativamente com a formação de uma consciência crítica
dos que fazem a comunidade escolar desta instituição. Inicialmente
pensado pelo Professor Francisco Marcos Sousa da Silva, o projeto
ganhou a adesão dos demais professores e, com o apoio do núcleo
gestor, vem se fortalecendo e ganhando notoriedade a cada ano. Res-
salta-se que as ações desenvolvidas no projeto foram ampliadas ao
longo do processo, mostrando, assim, que é possível trabalhar a mul-
tidimensionalidade das práticas culturais afro-brasileiras e que se
faz necessário reconhecermos a imensa riqueza cultural deixada pe-
los africanos num contexto histórico de uma nação construída pelo
sangue e suor, que são frutos da diversidade étnico-racial.
De acordo com relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação das relações étnicos raciais e para o ensino de Histó-
ria e cultura afro-brasileira e Africana Petronilha Beatriz Gonçalves
e Silva:
Pedagogias de combate ao racismo e a discriminação elabora-
das com o objetivo de educação étnico-raciais positivas tem
como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre
os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão
oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da

FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS | GERALDO VICENTE DA SILVA


265 •
sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que
identifique às influências, a contribuição, a participação e a
importância da história e da cultura dos negros no seu jeito
de ser, viver, se relacionar com outras pessoas, notadamente
as negras(CNE, Parecer CP 3/2004, p. 16).

A relatora enfatiza que temáticas como estas não são conte-


údos a serem trabalhados eventualmente. Para um produto eficaz e
com resultados satisfatórios estes conteúdos devem ser trabalhados
em todas as disciplinas da matriz curricular combatendo de forma
veemente todo e qualquer tipo de racismo ou preconceito. Assim,
devem estar devidamente contemplados no projeto político pedagó-
gico de cada instituição de ensino.
O advento da Lei ocorre graças ao intenso debate social am-
pliado pela mídia, que expressava o impacto inicial da implantação
do programa de ações afirmativas em algumas universidades brasi-
leiras. O conteúdo e as transformações dela decorrentes geram uma
atenção entre a extensão dos direitos de cidadania no país e a cres-
cente compreensão do imprescindível enfrentamento do racismo
em suas mais variadas formas de manifestação e nos diversos âmbi-
tos da vida social, especialmente no ambiente escolar. A Lei contem-
pla na sua forma, o embate da antiga crítica ao ensino da História
balizado nas narrativas etnocêntricas, na qual a história e cultura
afro-brasileira aparecem eventualmente e de forma estereotipada.
As “Diretrizes” têm como finalidade recomendar determina-
dos conteúdos programáticos e direcionar as suas formas de aborda-
gens, utilizando interlocutores considerados mais autorizados para
a implementação de propostas desta natureza, como o movimento
negro, por exemplo. Sendo que essa legitimidade dada ao movimen-
to ocorre pelo fato que o mesmo durante muito tempo tomou para si
a responsabilidade sobre a educação dos negros:
Movimentos sociais negros se concentravam na luta pela edu-
cação do negro, a imprensa negra – nascida dessas organiza-
ções tornou-se difusora de ideias que relacionavam educação
e ascensão social. Pinto (1993) dedica uma seção específica
à análise do significado da educação para o negro. Segundo

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 266

esta autora, depois da abolição, somente encontramos re-


ferências à escolarização dos negros, a partir da década de
1930. Isso nos permite afirmar que, por iniciativa do Movi-
mento Negro, foram fundadas as primeiras escolas voltadas
especificamente para a educação do negro [...] o preconceito
e a discriminação que ocorrem dentro da própria instituição
escolar. (ANTÍTESES, 2010)

Mesmo com a obrigatoriedade da Lei ao trazer normas espe-


cíficas para trabalhar a essas temáticas acaba ocorrendo, conforme
Gomes (2008), uma divisão racial que, em vez de promover o fim da
desigualdade racial e do racismo acaba por acentuá-los. Por outro
lado, existe também total desinteresse a esse assunto, haja vista que
as relações étnico-raciais não são compreendidas como um aspecto
estruturante da educação e das escolas.

Nas trilhas do percurso investigativo

A culminância do Projeto Pérola Negra do período apontando


acima ocorreu no dia 20 de novembro de 2019, data alusiva à Cons-
ciência Negra no país. No ano de 2019 foram realizadas diversas
atividades relacionadas ao projeto, entre elas, mesas redondas com
profissionais da educação convidados a contribuir com seus saberes
junto à proposta da escola. Entre os profissionais que colaboraram
com estes momentos este ano, temos o Professor Amadeu Cardoso
do Nascimento, que expressa seu olhar sobre o projeto:
O trabalho que a escola de Ensino Fundamenta José Saraiva
Sobrinho tem desenvolvido com o Projeto Pérola Negra tem
possibilitado a professores e alunos refletirem sobre o papel
que o continente africano tem na formação do Brasil. Além
disso, permite perceber a nossa identidade nacional dentro da
herança cultural africana. Também tem contribuído para um
novo olhar sobre a África, partindo para uma análise interdis-
ciplinar sobre os países africanos. (NASCIMENTO. 2019).

O Professor Amadeu seguiu detalhando como percebe o tra-


balho desenvolvido na escola a partir do Projeto Pérola Negra:

FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS | GERALDO VICENTE DA SILVA


267 •
Os Professores desta escola buscam durante a execução do
Projeto, pesquisar atividades e conhecimentos para comba-
ter o racismo, a discriminação racial e o preconceito de cor.
A existência desse projeto em uma escola rural, com pouco
mais de 350 alunos nos faz refletir sobre o papel da educação
e da escola nesse país em que a população negra viveu e vive
todos os dias violência pela cor da pele. (NASCIMENTO. 2019).

É importante salientar que o apoio dos professores, núcleo


gestor e demais funcionários tem contribuído de forma significativa
na execução do Projeto no chão da escola. Assim, é fundamental que
o diálogo entre estes e os alunos, bem como com toda a comunidade
escolar continue se fortalecendo para que os saberes de ambos se
interliguem, se consolidem e que novos conhecimentos sejam desco-
bertos. Segundo Freire (2001), os saberes profissionais necessários à
docência precisam articular a dimensão prática à dimensão teórica,
que permita formular sua ação docente, analisá-la e reconfigurá-la,
num movimento permanente de reconstrução de sua identidade e
de seus saberes.
Ao vivenciarem o Projeto em diálogo direto com a escola, os
estudantes têm a oportunidade de vivenciar novas experiências,
aprendizagens. As visitas ao Museu Senzala Negro Liberto, na cidade
de Redenção, as rodas de conversas, as palestras, estudos dirigidos,
exibição de filmes e documentários, produção de maquetes, entre-
vistas com pessoas negras da região para perceberem como estas se
percebem enquanto cidadãos negros e como estes são percebidos
pela sociedade, fazem com que a consciência crítica dos estudantes
seja ampliada e mudanças de postura sejam adotadas.
O Projeto Pérola Negra está alicerçado nas vivências práticas
em sala de aula, busca produzir conhecimentos reais, pois o objeto
de estudo é o ser humano como agente multiplicador de humaniza-
ção. Assim, este nos permitiu conhecer de perto os saberes episte-
mológicos, trazendo a realidade confrontada e refletida nas ações
cotidianas e nas práticas pedagógicas realizadas.
Trabalhar o ser humano nos seus mais variados aspectos e
compreender como estes estão inseridos no contexto social foi uma

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 268

das propostas deste Projeto, como evidencia o Professor Diego Ma-


tos Pimentel, um dos palestrantes convidados a explorar a temática
relações étnico-raciais no ano de 2019:
O Projeto, para mim pensando na contribuição para os dis-
centes, entendo que foi enriquecedor, pois discutir as rela-
ções étnico-raciais representa um avanço para desnatura-
lizar o processo de racismo e escravidão que o Brasil sofreu
durante 400 anos. Discutir as relações étnico-raciais que
construíram esse país, logo deveria ser uma obrigação de
todos os cidadãos, não importando sua origem ou etnia, são
esforços que não apenas se somam na luta contra o racismo,
como também na consolidação da democracia, da promoção
da cidadania e no reforço à igualdade social e racial. Voltando
aos conteúdos que estudamos sobre questão racial na escola
durante a execução do projeto, há de se ressaltar que redu-
zir a abordagem desta questão ao fenômeno da escravidão é
um viés bastante problemático. A impressão que fica é que os
negros surgiram de um ambiente sem cultura prévia, captu-
rados da escuridão de algum lugar da “África”, e trazidos ao
Brasil na condição naturalizada de “Escravos”. Nesse sentido,
o projeto superou essa questão para a aprendizagem dos alu-
nos sobre o tema. (PIMENTEL. 2019).

Ao longo do processo de desenvolvimento do Projeto, profes-


sores e alunos puderam se debruçar sobre a história do povo negro,
analisar os processos de transformação dos sujeitos, suas relações
com o meio e seus processos de inserção na sociedade. A escola bus-
cou, desta forma, fazer cumprir o que diz a Lei, bem como solidificar
as aprendizagens acerca da cultura afro-brasileira. Percebemos que
isto acontece quando analisamos a fala da professora Elisa Távora
de Albuquerque, uma das convidadas para contribuir com a temá-
tica da inserção da mulher negra nos diversos setores da sociedade
brasileira:
Penso que o Projeto é muito importante, e um passo fun-
damental dado pela escola para a implementação da Lei 10.
639/03, que, como sabemos, apesar de ter sido promulgada há
alguns anos, enfrenta muitos obstáculos para ser efetivada.

FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS | GERALDO VICENTE DA SILVA


269 •
Contribui para a formação dos alunos com um conhecimento
sobre nossa história, nossas origens, além de abrir a possibi-
lidade de debater temas pertinentes como o racismo, temá-
tica que abordei com eles contribuindo assim em diferentes
dimensões. (ALBUQUERQUE, 2019).

Os espaços escolares se configuram como um lócus de sociali-


zação que colaboram com a formação da identidade dos sujeitos his-
tóricos que dele fazem parte. Fica evidente esta colocação quando
analisamos a fala do professor Anselmo Rodrigues, mediador de uma
das mesas redondas realizadas na escola, cuja abordagem principal
eram as religiões de matrizes africanas e o sincretismo religioso:
A escola, hoje, é um instrumento de socialização e forma-
ção única e completa. A Escola de Ensino Fundamental José
Saraiva Sobrinho é merecedora de um galardão pelo desen-
volvimento contínuo e salutar do Projeto Pérola Negra. A
vivência pedagógica de saberes e as habilidades dos alunos
junto ao desenvolvimento das inteligências múltiplas em
consonância com uma postura de abrir as portas da escola
para a comunidade para esta troca de saberes faz do projeto
uma experiência exitosa de grande valor. Tudo que vivemos
enquanto docentes e discentes ficam gravados em nossa me-
mória e no processo contínuo de aquisição de nosso conheci-
mento e valores. O Pérola Negra em sua essência é um projeto
que humaniza. (RODRIGUES. 2019).

Considerações finais

Com a preocupação de implementar efetivamente a Lei


10.639/03 no currículo da Escola de Ensino Fundamental José Sarai-
va Sobrinho, o Projeto Pérola negra foi idealizado e posto em prática.
Um trabalho de muitas mãos, sonhado e efetivado por toda a comu-
nidade escolar. Ao longo dos cinco anos de implantação do Projeto
muitos frutos foram colhidos, saberes socializados, multiplicados
e divididos. As inúmeras vivências efetivadas no chão da escola e as
experiências exitosas frutos deste trabalho só fortalecem o saber do-
cente e discente desta instituição.

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 270

O Projeto Pérola Negra hoje é parte integrante do currículo


escolar da Escola José Saraiva Sobrinho. Evidencia-se que o percur-
so de normatização decorrente da aprovação da Lei 10.639/03 se in-
sere em um processo de luta pela superação do racismo na sociedade
brasileira e tem como protagonistas o movimento negro e os demais
grupos e organizações participantes da luta antirracista.
A culminância do Projeto Pérola Negra no ano de 2019 mos-
trou que podemos trabalhar a história da África e da cultura afro-
-brasileira de forma abrangente. Unir culturas, aproximar pessoas,
quebrar paradigmas. Foi isso que percebemos e que se encontram
nos registros realizados neste dia dentro da instituição. Momento
em que recebemos alunos das escolas públicas e privadas de Capis-
trano, estudantes do nível superior da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, técnicos da
Secretaria de Educação Básica, Secretários da Administração Muni-
cipal e comunidade de modo geral.
Dezesseis anos depois de ter entrado em vigor, percebemos
que a Lei que tornou obrigatório o ensino da história da África e da
cultura afro-brasileira na educação básica quase não saiu do papel.
Enquanto isso, apenas um seleto grupo tem acesso a imagem de um
continente que no período medieval tinha técnicas avançadas de
construção, impérios, domínios da escrita e até universidades. Essa
realidade fazia parte da África antes da chegada dos europeus, mas
é desconhecida dos alunos nas escolas no país. Trabalhar o Pérola
Negra de modo interdisciplinar durante todo o ano ficou mais evi-
dente que estudar a história da África; mesmo não sendo uma tarefa
tão simples, foi algo imperioso e urgente numa sociedade em que as
limitações surgem cotidianamente e em que o preconceito exacer-
bado impera.

Referências

ALBUQUERQUE, E. T. Entrevista de Eliza Távora de Albuquerque.


Entrevistadora Francisca Marta da Silva de Assis. Capistrano-CE, 13
de dez..2019. Mp3. Disponível no acervo pessoal da autora.

FRANCISCA MARTA DA SILVA DE ASSIS | GERALDO VICENTE DA SILVA


271 •
BRASIL, Lei nº 10639 de 9 de janeiro de 2003. Ministério da Educação.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ét-
nicos Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. MEC/SECAD, 2005.
FREIRE, Ana Maria. Concepções orientadas do processo de aprendi-
zagem do ensino nos estágios pedagógicos. Colóquio: modelos e prá-
ticas de formação inicial de professores, Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal,
2001. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/recente/mpfip/pdfs/
afreire.pdf. Acesso em: 20 out. 2018.
GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia, raça: o trato pedagógi-
co da diversidade IN: CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e Anti-racismo
na escola repensando a nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.
NASCIMENTO, A. C. Entrevista de Amadeu Cardoso do Nascimento.
Entrevistadora Francisca Marta da Silva de Assis. Capistrano-CE, 13
de DEZ. 2019. Mp3. Disponível no acervo pessoal da autora.
PIMENTEL, D.M. Entrevista de Diego Matos Pimentel. Entrevistado-
ra Francisca Marta da Silva de Assis. Capistrano-CE, 13 de dez. 2019.
Mp3. Disponível no acervo pessoal da autora.

PROJETO PÉROLA NEGRA:


UM OUTRO OLHAR SOBRE O CONTINENTE AFRICANO E O FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
• 272

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO


PROFISSIONAL: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO
PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF
UNILAB-IFCE)
Ana Lúcia Ferreira Pitombeira
Ana Paula Martins Farias Vasconcelos
Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior
Assis Anderson Ribeiro da Silva
Biatriz de Souza Monteiro
Camila Mesquita Felix
Carlos Henrique Andrade de Sousa
Emanuel Andrade Leite
Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório
Francisca Marta da Silva de Assis
Geraldo Venceslau de Lima Junior
Geraldo Vicente da Silva
Giovanni José Rocha Sombra
José Olímpio Ferreira Neto
Maria de Lourdes Rufino Leal
Michella Rita Santos Fonseca
Neisse Evangelista da Costa Souza
Paula Trajano de Araújo Alves
Petrônio Cavalcante
Vanessa Carvalho da Silva França
Elcimar Simão Martins
Maria Socorro Lucena Lima

Introdução

N
os últimos anos, devido às mudanças acontecidas mundial-
mente nos aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, devido
ao processo de globalização, crescimento em massa das tecnologias
e do avanço do regime neoliberal, nota-se uma preocupação maior
com as propostas de formação docente, influenciando professores

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
273 •
pesquisadores e teóricos da educação que têm denunciado sobre
este assunto em suas produções e nos encontros científicos.
Nesse sentido, este texto trata sobre a formação continuada e
o desenvolvimento profissional, especificamente a nível stricto sen-
su, com a finalidade de investigar as contribuições e desafios de se
cursar um mestrado em serviço.
Durante a construção deste trabalho, algumas questões de or-
dem pessoal e profissional puderam ser elaboradas, exigindo-se uma
autorreflexão, pois compreende-se que vida, formação e trabalho
devem ser considerados nesse processo, por constituírem elos entre
si. Portanto, entrelaçam-se com a nossa formação e profissionaliza-
ção, a saber: quais percursos realizam até ingressar no mestrado?
Quais desafios e expectativas em relação ao mestrado? Quais suas
trajetórias profissionais? Como conciliam trabalho e mestrado?
A partir dessas conjunturas, propusemo-nos a responder à
seguinte questão norteadora e elaborada a partir dos esforços inves-
tigativos: quais as contribuições e os desafios do Mestrado Profissio-
nal em Ensino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE) para o de-
senvolvimento profissional dos mestrandos? Com tal problemática
em tela e com a ambição de apontar as contribuições e os desafios do
Mestrado, o objetivo geral se delineou da seguinte forma: investigar
as contribuições e os desafios do Mestrado Profissional em Ensino e
Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE) para o desenvolvimento
profissional dos mestrandos.
Para tanto, optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, do
tipo bibliográfica (LIMA, 2001; ALMEIDA, 2005; FREIRE, 2015, dentre
outros) e um estudo de caso (GIL, 2007), tendo como sujeitos 20 mes-
trandos do Programa em Ensino e Formação Docente (PPGEF) pela
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasi-
leira (UNILAB) e Instituto Federal do Ceará (IFCE/Maranguape).
Por último, espera-se que este trabalho instigue novas res-
significações e conscientização por parte de todos os envolvidos na
educação e da sociedade em geral, colaborando com a formação con-
tinuada e, consequentemente, para a preparação de profissionais

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 274

qualificados que contribuirão para construção de uma educação


emancipatória e humanizada.

Referencial teórico

No Brasil têm sido cada vez constante os debates sobre a im-


portância da formação continuada, situando esta como elemento
indispensável para o desenvolvimento profissional e, consequen-
temente, para a melhoria da qualidade da educação. A relevância
e o espaço que o tema vem ganhando gera, naturalmente, questio-
namentos, tendo em vista as práticas arraigadas na tradição edu-
cacional brasileira, onde, durante muito tempo, esta formação foi
compreendida como capacitações ou atualizações curriculares que
aconteciam em momentos estanques em uma determinada data du-
rante o ano letivo, sem haver uma reflexão do que seria ou o ponto de
partida para sua realização.
Nesse sentido, Guimarães (2005) destaca que a formação do-
cente traz a formação continuada como uma segunda modalidade
de formação, afirmando que esta se desenvolve a partir do cotidiano
profissional, tendo, como pontapé inicial, os desafios postos na dinâ-
mica escolar. Assim, fica evidente que esta modalidade de formação
não nasce do acaso, não pode acontecer com um fim nela mesma, ou
ainda, que venha de fora do contexto docente para seu interior. Ao
contrário, o autor aponta que ela nasce a partir dos desafios esco-
lares e, claro, da busca por superá-los. A formação continuada deve
levar o professor a refletir sobre a sua prática para cada vez mais en-
tendê-la e, portanto, aperfeiçoá-la, pois o pensamento reflexivo pro-
porciona a construção de novos conhecimentos, facilitando a pers-
pectiva de superação de uma sociedade dominada pelo capitalismo.
A este respeito, Guimarães (2005, p. 35) afirma:
A formação continuada é uma exigência para toda atuação
do homem, uma vez que a realidade se transforma constan-
temente. Essa afirmação é tão ou mais verdadeira ainda em
se tratando do trabalho educativo, especificamente escolar.
Isso porque o professor atua num contexto que envolve mui-

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
275 •
tos sujeitos, muitas motivações, o que desencadeia situações
singulares, às vezes desconhecidas e imprevisíveis.

O autor revela como a formação continuada é fundamental


para o professor, dada a dinâmica que processo educacional requer,
isto é, o trabalho escolar exige do profissional um desempenho para
lidar com as singularidades e imprevistos ocorridos no dia a dia.
Não dá para “estacionar no tempo”, pois a realidade se transforma
e é urgente que os profissionais da educação acompanhem as trans-
formações sociais, capacitando-se para apropriar-se da realidade
educacional, desenvolvendo, assim, pensamento crítico e reflexivo
sobre sua prática. Além disso, a troca de experiências é um meio in-
teressante de formação continuada.
Por falar em formação continuada, torna-se fundamental,
para a sequência das ideias que estão sendo apresentadas neste estu-
do, conceituar os termos. Desta feita, é válido ressaltar, em confor-
midade com Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010), que a compre-
ensão de formação continuada em nível de conceituação dos termos
vem sendo modificada, conforme as demandas sociais, políticas e
econômicas da sociedade, e, com isso, do que determinam como fi-
nalidades educacionais de cada época vivenciada. Ainda assim, con-
forme Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010, p.374)
[...] durante muito tempo, ela foi e ainda é entendida como
uma maneira: de suprir as lacunas existentes na formação
“inicial” docente; de sanar dificuldades escolares que acon-
tecem no cotidiano escolar; de implantar políticas, progra-
mas, projetos, campanhas, principalmente governamentais;
de adquirir certificados (créditos) para ascender na carreira
e/ou obter benefícios salariais; de satisfazer interesses ou
necessidades de conhecimentos específicos, ou seja, cursos
de curta duração que contribuem apenas para cumprir uma
exigência social.

Embora as finalidades educacionais mudem, a concepção


acima ainda perdura até hoje; entretanto, a conceituação cabível
à formação continuada está para além do suprimento das brechas

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 276

deixadas pela formação inicial ou restrita à ascensão salarial ou de


cargos. Em conformidade com a perspectiva dialógica, a formação
continuada é meio de aperfeiçoamento constante que permite atu-
alizações partindo da reflexão de suas práticas que possibilitam o
entrelaçamento teórico e prático necessários ao fazer docente.
Sabe-se que toda profissão é fundamentada pelo conheci-
mento teórico e também pelo saber da experiência que se constrói
na reflexão sobre a própria experiência profissional. A experiência
é construída no contexto vivenciado, no movimento reflexivo do
que acontece e com a forma como acontece, experiência esta que se
constitui pelas dimensões subjetivas e pessoais a partir de crenças,
percepções, atuações e histórias de vida. Os saberes profissionais
são saberes construídos no exercício da profissão, ou seja, saberes da
ação da e na reflexão que são reconfigurados no contexto da própria
prática educativa.
Fundamenta-se nas palavras de Freire (1991, p. 58): “Ninguém
começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde.
Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se
faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente,
na prática e na reflexão sobre prática”. É válido ressaltar que nin-
guém nasce professor. Tornar-se um profissional da docência re-
quer trilhar um percurso em construção permanente, permeado
por constantes aproximações concretas com o contexto de ensino.
Assim, diferentemente de outras profissões, o professor se constitui
a partir dos processos concretos de identificação com a profissão.
A esse respeito, Formosinho (2009, p. 95) afirma que “a for-
mação de professores tem algumas especificidades em relação à
formação de outros profissionais, mesmo em relação à formação de
outros profissionais em serviço. [...] a docência é uma profissão que
se aprende pela vivência da discência”. É nesse sentido que Freire
(2015, p. 25) afirma que “Não há docência sem discência, as duas se
explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto um do outro”. Essa dependência se
torna fundamental para aperfeiçoamento de ambas as formações,

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
277 •
possibilitando, com isso, as atualizações e reparos necessários em
conformidade com o que se espera.
A formação de professores favorece a emancipação do sujeito,
pois se configura como uma política de valorização do desenvolvimen-
to pessoal-profissional dos docentes, visto que a formação permanen-
te é entendida como ressignificação identitária dos professores, pois
a sociedade globalizada está em constante processo de transforma-
ção de valores, necessidades, dentre outros, o que exige o aperfeiçoa-
mento constante do fazer docente. Mas o ponto de partida é a reflexão
da prática, ou seja, só é possível mudar o que se constata mediante
uma mudança. Nesse sentido, Almeida (2005, p. 12) acrescenta que
“[...] uma formação que articule a pessoa que somos, os nossos sabe-
res e o nosso trabalho [...]. É preciso que tomemos em nossas mãos as
decisões que embasam os encaminhamentos de nossas ações”.
Nessa perspectiva, a formação continuada, entendida como
parte do desenvolvimento profissional que acontece ao longo da atu-
ação docente, pode possibilitar um novo sentido à prática pedagógi-
ca, contextualizar novas circunstâncias e ressignificar a atuação do
professor. Para tanto, conhecer o professor, sua formação básica e
como esta se constrói ao longo da sua carreira profissional são fun-
damentais para que se compreendam as práticas pedagógicas dentro
das escolas. O professor em processo de formação pode estabelecer e
redimensionar a relação que se tem entre a sua prática, o campo teó-
rico e os aspectos que permeiam a construção do seu trabalho, como
a escola, os alunos, as políticas educacionais, dentre outros pontos
que podem ser indicados.

Método e análise

O capítulo a seguir descreve o processo metodológico e a


análise de dados. Compreendendo a necessidade de melhor expor os
detalhes dessa trajetória de pesquisa, o capítulo se divide em duas
seções: a primeira consiste em método e coleta de dados (sistema-
tização dos dados pesquisados) e a segunda em análise dos dados
­pesquisados.

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 278

Esta última, por sua vez, foi dividida em três subseções que
melhor imprimem as categorizações das respostas, representando,
assim, os eixos temáticos apreendidos, a saber: formação continu-
ada, contribuições do Mestrado Profissionalizante, e expectativas,
medos e anseios.

Método e Coleta de Dados – Sistematização dos Dados


Pesquisados

O ato de pesquisar surge da necessidade de coletar respostas a


determinadas indagações. De acordo com Gil (2007, p. 17): “a pesqui-
sa é requerida quando não se dispõe de informação suficiente para
responder ao problema, ou então quando a informação disponível se
encontra em tal desordem que não possa ser adequadamente rela-
cionada ao problema”. Tal processo resulta na construção do conhe-
cimento ao analisarmos os dados coletados no levantamento biblio-
gráfico e nas informações coletadas entre os sujeitos envolvidos.
Assim, para a coleta de dados dos sujeitos envolvidos direta-
mente com o objeto de estudo pesquisado utilizamos formulários
eletrônicos como alternativa rápida e menos dispendiosa para os
pesquisadores, o que se mostrou uma grande ferramenta facilitado-
ra para essa etapa do estudo. Dessa forma, o “pesquisador não está
mais limitado pelas restrições de tempo, custo e distância, possuin-
do um acesso mundial praticamente instantâneo, com despesas mí-
nimas” (FREITAS; JANISSEK; MOSCAROLA, 2004, p. 12).
Para elaborar o formulário eletrônico on-line utilizamos a pla-
taforma Google Forms, que é uma ferramenta que oferece suporte
para a criação de formulários personalizados de forma simples e
rápida (GOOGLE, 2017). Além de contribuir no desenvolvimento e
criação da pesquisa semiestruturada, a ferramenta do Google dispo-
nibiliza a apresentação dos dados em uma tabela e gráficos, quando
necessário.
Frente ao exposto, utilizamos os recursos tecnológicos de for-
ma favorável para o desenvolvimento deste estudo, que foi aplicado
a 20 discentes do Programa Associado de Pós-Graduação em Ensino

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
279 •
e Formação Docente (PPGEF UNILAB/IFCE), no Curso de Mestrado
em Ensino e Formação Docente, sob a supervisão e orientação dos
Profs. Drs. Maria Socorro Lucena Lima e Elcimar Simão Martins. Os
mestrandos contribuíram em participar da pesquisa dando o aceite
solicitado ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da
pesquisa sobre Formação continuada: contribuições do mestrado
para o desenvolvimento profissional, que tem o objetivo de investi-
gar as contribuições e os desafios do Mestrado Profissional em En-
sino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE) para o desenvolvi-
mento profissional dos mestrandos.
Ressaltamos que subdividimos em três categorias para melhor
apresentar os dados coletados e satisfazer os objetivos propostos, a
saber: 1. Contribuições; 2. Formação continuada; e 3. Expectativas/
anseios. Apresentaremos os dados coletados a seguir, inicialmente
apontando o material coletado para conhecer os sujeitos envolvidos.

Análises dos Dados Pesquisados

Na perspectiva de compreender a Formação Continuada e


Desenvolvimento Profissional: contribuições e desafios do Mestrado
Profissional em Ensino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE),
realizamos uma pesquisa e, por meio desta, podemos conhecer o per-
fil dos 20 docentes, sendo 11 do sexo feminino e 9 do sexo masculino.
É preciso referir que ao citarmos as falas dos sujeitos respon-
dentes do questionário, identificamo-los pela sigla “M” acompanha-
da de um numeral, que faz menção a inicial da palavra “mestrando”
e a ordem sequencial em que este respondeu ao questionário. Ao
observar/analisar os dados, pudemos constatar que a figura femi-
nina tem uma representatividade maior em relação à masculina.
Isso é algo perceptível que vislumbramos ao circular nos espaços
­educativos.
Analisando o processo histórico percebemos que essa confi-
guração de participação e atuação da mulher na sociedade é favore-
cida com o surgimento das escolas normais no século XIX, pois esse
novo cenário proporcionou às mulheres esposas a oportunidade de

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 280

dar continuidade aos seus estudos e de ingressar em uma carreira


profissional. Conforme Yannoulas (1994), a feminização do trabalho
docente acontece em concomitância com a expansão mundial dos
sistemas de ensino, por sua vez, como um requisito do próprio de-
senvolvimento do capitalismo.
Os professores mestrandos pesquisados apresentam tempos
diversificados na atuação do magistério, onde podemos constatar
que 25% desses profissionais tem entre 0 e 5 anos na docência, en-
quanto 25% deles possuem mais que 21 anos de profissão, um não
evidenciou o período e os demais estão situados numa faixa entre 6 e
20 anos, variando entre 10% a 20%.
Ao analisarmos os dados, vimos que os sujeitos participantes
da pesquisa, integrantes do curso de Mestrado Profissional em Ensi-
no e Formação Docente, apresentam uma diversificação no período
de atuação profissional, mas é interessante observarmos que quan-
do analisamos o tempo dos professores no magistério, constatamos
que os profissionais com menor e maior tempo na profissão possuem
os mesmos percentuais.
Olhando para esse quadro notamos que a formação é algo que
precisa estar presente na vida dos professores que buscam revitali-
zar o seu fazer profissional e, quando se trata de formação, o tempo
na profissão não é empecilho para se amedrontar ou se acomodar,
mas um elemento para se perceber como sujeito e agente desse pro-
cesso educacional, bem como sobre a importância de buscar uma
qualificação em serviço. Nesse sentido, Lima (2005, p.43) mostra a
relevância desse fazer quando ressalta que:
a natureza do trabalho docente requer uma permanente
revisão das suas práticas. O professor precisa ser sujeito da
construção dos seus conhecimentos e para isso tem que es-
tar preparado para analisar o próprio trabalho realizado, de
modo que possa atuar incessantemente na direção de uma
educação de qualidade.

A autora nos mostra que o professor necessita construir


continuamente seus conhecimentos, aperfeiçoando diariamente

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
281 •
na profissão que abraçou. É esse olhar e essa prática reflexiva que
transformam e redimensionam o ser discente no meio social e ala-
vanca a qualidade educacional.
Sobre a atuação, vimos que os profissionais pesquisados estão
inseridos nos vários segmentos da educação, e, portanto, atuantes
na gestão de escolas, nas salas de aula da educação básica e ensino
superior. Conforme a pesquisa, 35% estão ministrando aulas no
Ensino Fundamental I, 20% no Ensino Médio, 15% no Ensino Funda-
mental II, 10% estão atuando na Educação Infantil, sendo que esta
mesma porcentagem faz parte da gestão, 5% atuam ao mesmo tempo
nos anos finais da Educação Básica e Ensino Médio e 5% têm atuação
no Ensino Superior. Os pesquisados estão inseridos nos diferentes
níveis e espaços educacionais e, portanto, para atender a essa de-
manda profissional, é preciso estar preparado, assim como exercitar
ações educativas que valorizem e articulem os saberes na escola.
Conforme Bispo e Santos Junior (2014), ainda que os professo-
res disponham de grande embasamento teórico ou possuam experi-
ências significativas na área em que atuam, vê-se que esse profissio-
nal tem a necessidade de entender o processo de ensino e aprendiza-
gem, ou seja, fica claro que a ausência de uma formação pedagógica
traz várias consequências para esses profissionais.
Em relação ao grau de formação dos participantes antes de
cursar o mestrado obtivemos como resposta que 85% dos entre-
vistados já possuíam especializações em diferentes áreas e 15% são
graduados. A informação indica que alguns professores entraram
no mestrado logo que terminaram a graduação e a grande maioria
demorou um tempo maior, realizando antes várias pós-graduações.
Percebemos, assim, que atualmente muito mais pessoas buscam a
valorização profissional e a qualificação acadêmica.
[...] O interesse pelo programa de Pós-graduação, como mes-
trado em educação, representa não somente a formação ne-
cessária para a continuação nos estudos, a produção do co-
nhecimento e o envolvimento com a pesquisa em educação,
representa também para muitos a preparação para uma ati-
vidade profissional, em expansão nesse momento histórico

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 282

em que a educação superior tem uma maior representação


no contexto social… (BERNARDO, 2006, p. 41).

Visualizando estes resultados podemos perceber que os res-


pondentes têm a preocupação com a formação continuada que aten-
dam às novas demandas sociais e escolar, a qualidade no ensino e
contínua preparação profissional, que segue em preparação por
toda a vida.

Formação Continuada

A formação continuada é compreendida como um processo


de qualificação para fins de potencializar a trajetória profissional.
As análises que contemplam nossa primeira categoria definem tal
temática como eixo que norteia as problematizações emergentes na
dualidade entre o trabalho e os conhecimentos necessários para o
desenvolvimento profissional.
Sobre a importância da formação contínua, sequência com-
promissada da formação inicial de professores/as, assim se manifes-
tam Marin e Pimenta (2015, p. 255):
O processo de ensino e aprendizagem depende também da
formação inicial e contínua desses profissionais, que cons-
cientes de sua profissionalização devem reconhecer a con-
cretude política e pedagógica da proposta escolar, bem como
o seu papel social na viabilização desta.

Dada a importância ressaltada por Marin e Pimenta (2015), fa-


z-se necessário apreender o pensamento dos sujeitos respondentes
do questionário eletrônico quando foram indagados sobre seus res-
pectivos pontos de vista referentes à formação continuada em servi-
ço, característico do atual curso de Mestrado Profissional.
Uma parcela de 25% do público-alvo entrevistado revela a di-
ficuldade de conseguir conciliar a formação com o tempo que eles
têm disponível. A presente parcela dos mestrandos relaciona dire-
tamente o tempo dedicado ao curso como seu principal período de
formação e afirma que deveria obter mais facilmente, a partir das

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
283 •
secretarias educacionais das quais estão vinculados/as, o tempo de
dedicação exclusiva para que pudessem cursar a Pós-graduação com
mais tranquilidade.
As preocupações manifestadas refletem o compromisso de
aquisição de saberes e conhecimentos para melhoramento da pró-
pria prática e, para isso, a necessidade de fazê-la com excelência.
É possível perceber aproximações de Didática com a relação so-
cial no cotidiano dos sujeitos educativos. Sobre isso, Faria (2015)
­compartilha:
[...] entendemos que a didática, como teoria do ensino, está
permanentemente convocada a realizar estudos que expres-
sem preocupações com a realidade concreta de nossa socie-
dade, com as relações histórico-sociais e suas repercussões
no modo de pensar e fazer da prática educativa, da escola, da
sala de aula, da aprendizagem e do ensino (FARIA, 2015, p. 78).

Sendo assim, a importância das condições necessárias para


o pleno exercício do movimento de ensino e aprendizagem são ele-
mentos indispensáveis na etapa do Mestrado, e quando se trata da
modalidade de Mestrado Profissional, as discussões entre teoria e
prática, bem como seu ponto em comum, são indispensáveis para
reduzir as lacunas existentes entre o falado e o vivido.
As respostas de M13 (2019): “Otimizar/conciliar o tempo ne-
cessário para as sessões de estudo e dedicação às atividades da for-
mação com as demandas/carga horária da jornada de trabalho”, M17
(2019): “A maior dificuldade é o tempo necessário para as leituras.
Conciliar as demandas profissionais às atividades exigidas pelo Mes-
trado”, e do M20 (2019): “No momento, a maior dificuldade é conci-
liar os horários do trabalho com as atividades acadêmicas” ilustram
o elemento de conciliação de tempo. Sobre esses desafios, comunga-
mos de Marin e Pimenta (2015, p. 168):
O professor profissional é aquele que ensina não apenas
porque sabe, mas porque sabe ensinar. Saber ensinar é ser
especialista da complexa capacidade de transformar o saber
curricular mediado por um saber científico, por um domínio

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 284

técnico-didático rigoroso, por uma postura meta-analítica,


de questionamento intelectual da ação, de interpretação per-
manente e realimentação contínua, para que o aluno aprenda
de forma contextualizada e com significado.

Todo esforço é válido quando a motivação profissional é pau-


tada no compromisso educacional do mundo contemporâneo. Ma-
rin e Pimenta (2015), de forma implícita, elencam as competências
e habilidades adquiridas no processo de formação contínua e que,
consequentemente, potencializam a profissionalidade docente.
Identificou-se que 65% dos respondentes reconhecem a for-
mação continuada em serviço, para uma perspectiva que vai para
além do Mestrado que estão cursando, e apreendemos as afirma-
tivas de que as formações se fazem necessárias para a melhoria do
processo de ensino e aprendizagem. Como exemplo, as respostas de
M14 (2019): “Essencial para o desenvolvimento da educação e conse-
quentemente da melhoria do processo de ensino e aprendizagem” e
M15 (2019): “[...] aplicar nas diferentes ações educativas fortalecendo
sua atuação no contexto escolar e assegurando um ensino-aprendi-
zagem de qualidade”.
A melhoria do processo de ensino e de aprendizagem é ex-
pressa pela capacidade de aquisição de novos conhecimentos, re-
flexão sobre as práticas e ressignificação de forma compromissada
para uma aprendizagem significativa. Ghedin (2005, p. 25) alerta
que:
Um processo formativo que ignora a reflexão e a problemati-
zação como seus instrumentos, nega, no seu interior e no seu
resultado, a constituição ontológica do ser humano. O cami-
nho de chegada e de instauração do ser humano no mundo se
dá pela via da reflexão.

Concordamos com Ghedin (2005), quando ele pontua que a


contribuição docente perpassa a reflexões acerca de novas gerações
e demandas emergentes para entendermos nosso papel no mundo e
fazer sensibilizar outros sujeitos sobre igualmente seu papel e com-
promisso na ­contemporaneidade.

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
285 •
A compreensão de que o/um Mestrado Profissional integra a
aquisição de conhecimento com o desenvolvimento profissional no
espaço-tempo do trabalho docente, acontecendo de forma quase que
simultânea, traz muitos desafios e os questionamentos das possibi-
lidades de comprometimentos da práxis, dos estímulos e das moti-
vações. A seguir, o posicionamento de um/a dos/as entrevistados/as:
“Deve ser desenvolvida em serviço com tempo em materiais adequa-
dos ao desenvolvimento da qualidade educacional” (M7, 2019). Ghe-
din afirma que:
A reflexão sobre a prática institui-se a partir de uma neces-
sidade de tornar a prática cotidiana que se dá na escola mais
reflexiva e compreendida em seu contexto e se constitui uma
forma definidora da identidade do professor e de seu desen-
volvimento profissional (GHEDIN, 2005, p. 26).

Entre os desafios colocados pelo entrevistado M7 com foco


para uma qualidade educacional percebe-se em sintonia com a abor-
dagem de Ghedin (2005) sobre a necessidade das reflexões sobre as
práticas cotidianas e suas contextualizações na compreensão que
esses elementos definem a identidade docente.
Percebe-se a afirmativa do/a discente M18 (2019) referente
à conciliação entre trabalho e estudo, relação escola de atuação e
Curso de Pós-Graduação, manifestação enfática ao expressar que “a
formação continuada em serviço é desgastante e desestimulante”. O
movimento de desvalorização da capacitação profissional em decor-
rência de progressão funcional ainda é muito presente na atualida-
de, podemos perceber tal afirmativa no presente registro: “O ideal
era o afastamento para dedicação exclusiva no Mestrado. Acredito
que prejudique a nossa formação, pois o trabalho ainda é uma prio-
ridade” (M1, 2019).
Para Ghedin (2005), é importante produzir condições neces-
sárias para a construção de conhecimento, posto que o atual contex-
to precisa compreender a importância das produções.
No contexto em que estamos não basta produzir conheci-
mento, mas é preciso produzir as condições de produção do

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 286

conhecimento. Conhecer significa estar consciente do poder


do conhecimento para a produção de vida material, social e
existencial da humanidade e dos professores em contínuo
processo de aprendizagem” (GHEDIN, 2005, p. 27).

Os anseios manifestados na fala de M1 são reafirmados por


Ghedin (2005), destacando a importância primordial em que condi-
ções de produção científica são peças fundamentais para o aperfei-
çoamento do contínuo processo de aprendizagem docente.
O/A discente M16 (2019) afirma que “a formação é pouco valo-
rizada pelos profissionais do magistério e que frequentemente ela só
é considerada sob a ótica da oportunidade de se obter a progressão
funcional”. Pensando nesse paradigma, Libâneo (2015) explica sobre
a sua concepção de processo formativo:
A formação de professores precisa, portanto, buscar uma
unidade do processo formativo a qual implica reconhecer
que a formação inicial e continuada de professores precisa
estabelecer relações teóricas e práticas mais sólidas entre
didática e a epistemologia das ciências, de modo a romper
com a separação entre conhecimentos disciplinares e conhe-
cimentos pedagógico-didáticos (LIBÂNEO, 2015, p. 61).

Essa busca mencionada por Libâneo (2015) é a própria concep-


ção de Mestrado Profissional, na qual simultaneamente o movimen-
to de aquisição/aperfeiçoamento de saberes dialoga com a prática
nos espaços educativos. Considerando a pluralidade das relações e
convívios presentes no ambiente escolar/profissional, a sexta ques-
tão do formulário de entrevista referia-se aos impactos/repercussão
sobre a ação de cursar Mestrado Profissional, as considerações dos
sujeitos, companheiros de trabalho.
A questão acerca da importância do Mestrado no ambiente
de trabalho apresenta respostas dos mestrandos referentes às con-
siderações dos sujeitos, companheiros de trabalho, no âmbito da
instituição educacional à qual estão vinculados. Frente às respostas,
percebemos, de forma predominante, uma aceitação positiva por
parte dos colegas/companheiros de trabalho dos mestrandos res-

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
287 •
pondentes. A taxa de 75%, referente ao quantitativo de 15 discentes
entrevistados, demonstra que o Curso de Mestrado é levado em con-
sideração. Em contraponto, quatro mestrandos num percentual de
20%, registraram que seus companheiros de trabalho não apresen-
tam atitudes de aceitação frente a sua capacitação profissional no
Mestrado, e um único discente (5%) não percebeu tal aceitação, por
não presenciar comentários sobre o curso. Acreditamos que a classe
profissional docente, de forma coletiva, percebe a importância dos
três princípios para o trabalho pedagógico.
[…] são propostos três princípios para o trabalho pedagógico.
O primeiro deles é comprometer-se com os interesses cole-
tivos; o segundo é a meta da educação como totalidade; e o
terceiro se refere à formação discente a partir de uma pers-
pectiva crítica, investigativa, com pró-atividade e ética, e que
consiga transformar a realidade (MARIN; PIMENTA, 2015, p.
191).

Sendo assim, a porcentagem expressiva referente à aceitação


de colegas de trabalho dos estudantes de mestrado, devido ao estado
de pesquisa, faz parte da compreensão de como é preciso potencia-
lizar a classe educacional e perceber que são reduzidas as oportuni-
dades de acesso à Pós-graduação, em especial à modalidade de stricto
sensu.

Contribuições do Mestrado Profissionalizante

Cursar um mestrado em ensino e formação docente é envol-


vente, no sentido de ficar frente a frente com as situações didáticas,
com o seu fazer pedagógico no chão da sala, com as atividades desen-
volvidas na escola, e assim poder reviver, refletir e redimensionar
essa prática com fundamentação teórica, de forma coerente e mais
humana. Considerando que essas características estão contempla-
das no curso de formação para professores e com o pensamento de
que estamos integrados num curso com esse perfil, foi indagado aos
mestrandos professores quais as contribuições que esperam do Cur-

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 288

so de Mestrado Profissional do Programa Associado de Pós-Gradua-


ção em Ensino e Formação Docente (PPGEF).
Na consolidação das respostas vimos que a maioria dos dis-
centes revelou que o curso deve contribuir na melhoria da profissio-
nalização, prática pedagógica e atuação no magistério. Em relação
à oportunidade de melhoria da profissionalização, os mestrandos
professores citaram: “aprimoramento profissional” (M9), “desen-
volvimento profissional” (M2) e “qualificação profissional” (M19).
Considerando ponto importante na vida do profissional, Guimarães
(2005, p. 34) vem destacar e conceituar que “os saberes profissionais
do professor são o conjunto de conhecimentos (teóricos e práticos) e
competências (habilidades, capacidades e atitudes) que estruturam
a prática e garantem uma boa atuação do professor”.
Quanto às contribuições relacionadas às práticas pedagó-
gicas, os entrevistados mencionaram: “reflexão da minha prática
pedagógica” (M2), “melhorar prática pedagógica” (M3), “aperfei-
çoar e adequar meu saber pedagógico” (M4), “aprimorar a minha
prática pedagógica” (M10) e “enriquecer prática pedagógica” (M16).
Para o exercício do magistério, as contribuições enfatizadas pelos
mestrandos professores foram: “melhorar a prática docente” (M3),
“aprofundamento sobre a área formação docente” (M10) e “aquisi-
ção de conhecimento para aplicar na minha prática docente” (M18).
Portanto, a formação se efetiva nos âmbitos da autoformação e da
heteroformação. Sobre o assunto, Bolzan e Isaia (2010, p. 16) afir-
mam que:
A construção da aprendizagem de ser professor, portanto,
é colaborativa, faz-se na prática de sala de aula e no exercí-
cio de atuação cotidiana da universidade. É uma conquista
social, compartilhada, que envolve trocas e representações.
Com essa postura, o professor está produzindo sua professo-
ralidade, o que implica não só em dominar conhecimentos,
saberes, fazeres de determinado campo, mas também na
sensibilidade em termos de atitudes e valores que levem em
conta os saberes da experiência. Esta, contudo, precisa ser
entendida a partir de uma ótica de reflexão sistemática na
qual o foco está nas relações interpessoais, componente in-

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
289 •
trínseco ao processo de ensinar, aprender, formar-se e, con-
sequentemente, desenvolver-se profissionalmente.

Dentre as contribuições esperadas pelos participantes no


curso de mestrado foi registrado, ainda, “lecionar no Ensino Supe-
rior”. Essa expectativa está evidenciada nas falas de vários mestran-
dos professores, das quais podemos citar as de M2, M4, M9, M11, M17
e M18.
Os mestrandos professores esperam ainda que este curso pos-
sa, na sua formação, contribuir para ingressar nas universidades e
atuar como professor no ensino superior. Em relação à atuação do
professor na instituição de ensino superior, Bolfer (2008) enfatiza
que:
a docência universitária se apoia em uma organização cur-
ricular que integra um conjunto de disciplinas e atividades
voltadas para a formação do profissional; num corpo docen-
te qualificado em sua área profissional, pesquisador em sua
área de conhecimento e participante de formação continu-
ada no âmbito de seu desenvolvimento pedagógico; a me-
todologia utiliza-se de atividades participativas e variadas,
ampliando o espaço da sala de aula, e os processos avaliativos
funcionam como feedback que motivam a aprendizagem.
(BOLFER, 2008, p. 40).

Diante do exposto, o professor que pretende atuar no ensino


superior deve estar num processo de qualificação permanente, ser
um pesquisador atuante com foco não só no ensino, mas na aprendi-
zagem, e como elemento mediador do processo. Bolfer (2008, p.40)
confirma afirmando que “essa mudança de paradigma – do ensino
para a aprendizagem – passa a exigir do professor capacitação pró-
pria e específica: formação acadêmica sólida, experiência profissio-
nal e competência pedagógica”.

Expectativas, Medos e Anseios



Ao buscar a formação em serviço, os professores enfrentam
muitos desafios, pois precisam aliar sua rotina laboral nas institui-

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 290

ções em que trabalham à vida acadêmica. Dessa forma, cada mes-


trando criou suas expectativas em relação ao curso de Mestrado
Profissional em Ensino e Formação Docente apontadas nas respos-
tas deles, como verifica-se abaixo.
Nas análises das respostas pode-se constatar que 40% dos
entrevistados relataram como expectativa concluir o curso satisfa-
toriamente, ressaltando a importância do nível da pesquisa, dada
a relevância do curso de Mestrado. Como afirmam os mestrandos
M2 (2019) “Minha principal expectativa é quanto a minha pesquisa.
Pretendo desenvolver a mesma com eficácia para que obtenha êxito
na minha dissertação” e M8 (2019) “Minhas expectativas é terminar
com êxito o Mestrado e fazer uma boa pesquisa”. Essa preocupação
com a qualidade do conhecimento produzido é defendida por Libâ-
neo e Pimenta (1999):
Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como
contribuição ao processo de humanização dos alunos his-
toricamente situados, espera-se dos processos de formação
que desenvolvam conhecimentos e habilidades, competên-
cias, atitudes e valores que possibilitem aos professores
ir construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das
necessidades e desafios que o ensino como prática social
lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilizem os
conhecimentos da teoria da educação e do ensino, das áre-
as do conhecimento necessárias à compreensão do ensino
como realidade social, e que desenvolvam neles a capacida-
de de investigar a própria atividade (a experiência) para, a
partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-
-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de
suas identidades como professores. (LIBÂNEO; PIMENTA,
1999, p. 261).

Os discentes do curso de Mestrado Profissional preocupam-se


em articular teoria e prática docente, por meio da reflexão da práxis,
possibilitando a produção de conhecimentos articulados com a rea-
lidade da escola, com o compromisso de uma investigação que tenha
relevância e que contribua para a real emancipação social.

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
291 •
Observa-se que as expectativas que relacionam o mestrado à
melhoria da prática docente e a sua qualificação profissional tam-
bém foram apontadas por 40% dos entrevistados como se constata
nos relatos de quatro discentes: M20 (2019) “As expectativas são as
melhores e a principal é a busca pela qualificação profissional e pes-
soal”; M3 (2019): “(..) espero que por meio das experiências no Mes-
trado, as possibilidades de uma prática pedagógica mais próxima
das aprendizagens significativas sejam possíveis e que o acúmulo de
saber se transforme em promoção de conhecimento na área em es-
tudo”; M1(2019): “Espero sair um profissional melhor para produzir
ciência e mudar minha prática pedagógica”; e M13 (2019): “As expec-
tativas permeiam o compromisso com processo de ensino e aprendi-
zagem tão importantes para a educação”. Nesse tocante, Lima (2001,
p. 34), em seu conceito de formação contínua, afirma:
[...] partindo da compreensão da rede de relações que per-
meia e envolve os professores com o conhecimento no mun-
do do trabalho. Tem como pontos de partida e de chegada o
trabalho docente, competente e refletido, ficando assim con-
cebido: formação contínua é a articulação entre o trabalho
docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional
do professor, como possibilidade de postura reflexiva dina-
mizada pela práxis.

Percebe-se que os mestrandos buscam no curso de Mestrado


Profissional aliar suas práticas docentes aos conhecimentos adqui-
ridos e produzidos no decorrer do curso, pela sua reflexão, articu-
lando o seu trabalho docente com a formação contínua, viabilizando,
dessa forma, sua práxis pedagógica.
Apenas 10%, o que corresponde a dois entrevistados, apon-
taram o Mestrado como ponte para a atuação no Ensino Superior,
como se verifica na explanação do mestrando M8 (2019):
Minhas expectativas giram em torno da possibilidade de
ampliação e qualificação das pesquisas que desenvolvo den-
tro do contexto sócio-político-cultural que estou envolvido,
assim como fortalecer minha atuação militante no campo.

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 292

Além disso, gostaria de me direcionar para o Ensino Superior


e trabalhar com formação de profissionais da Educação.

Salienta-se, também, que apenas um dos respondentes consi-


derou o curso como uma ponte para o Doutorado.
Outro aspecto abordado no instrumental de pesquisa está re-
lacionado aos medos dos mestrandos em relação a sua participação
no Mestrado Profissional; nesse tocante, 45%, o que corresponde a
nove alunos, responderam que o maior medo é não ter tempo para
cumprir as demandas exigidas do curso, por conta do trabalho e
dos cursos que fazem fora do contexto do Mestrado, como afirma o
M1(2019): “Até o momento, tenho medo de não conseguir ler todos os
textos, como também de não conseguir conciliar mestrado e traba-
lho”. O discente M9 (2019) afirma: “Medo, de não conseguir conciliar
trabalho e estudos, sem prejuízo para nenhuma das partes envolvi-
das”. Verifica-se também que apenas um mestrando citou o medo de
não ser valorizado pela Secretaria de Educação da qual faz parte.
Um discente, o que corresponde a 5% dos respondentes, cita o
medo de se deixar levar pela vaidade e pela soberba que podem ad-
vir da titulação adquirida futuramente, como M3 (2019) relata: “[...]
medo da humanidade, na ética e na coerência propostas por Freire,
que enche de boniteza o fazer docente”. Apenas um discente, M15
(2019), mencionou que o medo deu lugar a ousadia, como percebe-se
na sua afirmação: “medo é uma palavra que cedeu lugar para ousa-
dia”. Um outro medo revelado por apenas um dos respondentes foi o
de não fazer uma pesquisa relevante para a Educação, como é cons-
tatado na afirmação do M18 (2019): “Temo não conseguir terminar o
curso com a qualidade que eu quero e receio não fazer uma pesquisa
relevante para a Educação”.
Destaca-se na pesquisa que 15% dos discentes, o que equiva-
lente a três respondentes, não se manifestaram sobre os medos ou
anseios enquanto alunos do curso do Mestrado Profissional em Ensi-
no e Formação Docente.
Os elementos apresentados nas subseções “Formação Conti-
nuada; Contribuições do Mestrado Profissionalizante; Expectativas,

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
293 •
medos e anseios” são reveladores dos estímulos e motivações pela es-
colha de cursar o Mestrado Profissional. O perfil dos sujeitos repre-
sentados no presente artigo reforça a esperança e o engajamento na
experiência formativa como forma de potencialização da educação.

Considerações finais

Ensinar e Formar no contexto educacional atual se configu-


ram como conceitos básicos e de extrema importância para um pro-
cesso de formação contínua eficiente. Porém, é importante salienta-
mos que os processos de ensino e formação aos quais nos referimos
não consistem em apenas transmitir ou dar formas a determinados
tipos de conteúdo ou determinações sociais. Intencionamos pro-
cessos formativos que visem à construção de práticas educacionais
dialógicas e que possibilitem aos educandos o usufruto dos conhe-
cimentos construídos por meio de inúmeras interações, refletindo,
assim, no processo de ensino e aprendizagem das práticas profis-
sionais dos/as mestrandos/as do Mestrado Profissional em Ensino e
Formação Docente.
Assim, a partir das observações e entrevistas realizadas com
alunos/as do curso em questão, constatou-se que há grandes ques-
tionamentos quando se versa sobre a Formação Continuada do pro-
fessor, partindo do princípio de que esta deve contemplar, numa pri-
meira perspectiva, os desafios advindos do contexto escolar em que
o docente esteja inserido, e, a partir dessa premissa, levá-lo a refletir
sobre sua prática com o objetivo de compreendê-la e aperfeiçoá-la
na busca de se construir novos conhecimentos e de contribuir por
meio de sua prática ressignificada para uma sociedade mais huma-
na, justa e emancipada.
Neste contexto, foi possível constatar pela análise dos dados
a contribuição que o Mestrado Profissional trará para o desenvolvi-
mento profissional e acadêmico dos/as mestrandos/as, haja vista que
a partir dessa qualificação acadêmica, eles/elas poderão ampliar os
olhares acerca do processo de ensino e aprendizagem, possibilitando
um maior estreitamento entre o conhecimento teórico constituído a

FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
• 294

partir das vivências e experiências adquiridas no Mestrado Profissio-


nal e suas práticas pedagógicas, permitindo, deste modo, a constru-
ção de aprendizagens significativas para os/as ­­­educandos/as.
Além disso, o Mestrado Profissional possibilita a articula-
ção entre teoria e prática docente, permitindo, assim, que os/as
mestrandos/as desenvolvam uma práxis pedagógica pautada na
reflexão e no desejo de construir uma nova realidade social com
vistas à construção de uma educação crítica e reflexiva. Tal fato
se apresenta de maneira clara ao analisarmos as falas dos pesqui-
sados no tocante à transformação social a partir das formações
contínuas individuais. Assim, a formação contínua, que outrora
apresenta-se de maneira individualizada, reverbera por meio de
aspectos coletivos na perspectiva de construir relações educacio-
nais ­emancipatórias.
Portanto, a construção de uma práxis pedagógica crítico-re-
flexiva se configura como “Sul-referencial” (SANTOS, 2018) para os/
as mestrandos/as do Mestrado Profissional em Ensino e Formação
Docente (PPGEF IFCE – UNILAB), ensejando a construção de um novo
agir pedagógico que busque a integração dos conhecimentos cons-
truídos durante o processo formativo, permitindo, assim, a constru-
ção de novos contextos pedagógicos reflexivos e ­emancipatórios.

Referências

ALMEIDA, Maria Isabel. Formação contínua de professores em face


das múltiplas possibilidades e dos inúmeros parceiros existentes
hoje: Múltiplas possibilidades e inúmeros parceiros. In: BRASIL.
Ministério da Educação. Salto para o Futuro. Formação contínua de
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Curitiba, v. 10, n. 30, p. 367-387, maio/ago. 2010. Disponível em: ht-
tps://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/
view/2464/2368. Acesso em: 15 out. 2019.

ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
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2014.
BOLFER, Maura Maria Morais de Oliveira. Prática docente: estudo
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2008. Tese (Doutorado), Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Metodista de Piracicaba: Piracicaba, 2008.
BOLZAN, Doris Pires Vargas; ISAIA, Silvia Maria de Aguiar. Pedago-
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FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL:


CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO E FORMAÇÃO DOCENTE (PPGEF UNILAB-IFCE)
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ELCIMAR SIMÃO MARTINS | MARIA SOCORRO LUCENA LIMA | MESTRANDOS DO PPGEF UNILAB-IFCE
297 •
SOBRE OS/AS AUTORES/AS

Ana Lúcia Ferreira Pitombeira – Mestranda em Ensino e Formação Do-


cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Graduada em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Ceará. Especialista em Formação de Formadores (UECE) e em
Gestão Escolar (UECE). Professora da Educação de Jovens e Adultos da Pre-
feitura de Maracanaú. Coordenadora Pedagógica na Prefeitura de Fortale-
za. Atualmente pesquisa sobre Formação de Professores.
E-mail: analufamaro@gmail.com

Ana Paula Martins Farias Vasconcelos – Mestranda em Ensino e Forma-


ção Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Graduada em Pedagogia com Habilita-
ção em Administração Escolar (UVA). Especialista em Educação a Distância
(UNOPAR). Tutora de sala presencial do Curso de Pedagogia (UNOPAR-So-
bral). Coordenadora Pedagógica dos Ensinos Fundamental (séries finais) e
Médio das áreas de Linguagens e Humanas do Colégio Luciano Feijão.
E-mail: anapaulafariasvasconcelos@hotmail.com

Andrea Moura da Costa Souza – Pós-Doutora em Educação Profissional


(IFCE). Doutora em Educação Brasileira (UFC). Mestre em Administração;
Mestre em Educação pela Université de Nancy 2. Especialista em Gestão e
Planejamento Estratégico (UFC). Bacharel em Administração de Empresas.
). Professora do Instituto Federal do Ceará e do vice-coordenadora local do
PPGEF (UNILAB/IFCE).
E-mail: andrea.souza@ifce.edu.br

Antonio Flávio Maciel de Souza Júnior – Mestrando em Ensino e Forma-


ção Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Bacharel em Humanidades e Graduado
em Pedagogia pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB). Pós-graduando em Gestão Escolar (UNIASSEL-
VI). Docente da Secretaria Municipal de Educação de Redenção.
E-mail: flaviomaciel@aluno.unilab.edu.br

Assis Anderson Ribeiro da Silva – Mestrando em Ensino e Formação Do-


cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Professor da Educação Básica em Acarape,
Aracoiaba e Redenção-CE. Especialista em Metodologia do Ensino de Mate-

SOBRE OS AUTORES
• 298

mática; Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica (Qualis-Faveni); Docên-


cia de Ensino Superior (FMB); Metodologias Interdisciplinares e Intercul-
turais (UNILAB). Licenciado em Ciências da Natureza e Matemática com
Habilitação em Matemática.
E-mail: assis_anderson@yahoo.com.br

Biatriz de Souza Monteiro – Mestranda em Ensino e Formação Docente


(PPGEF UNILAB-IFCE). Especialista em Alfabetização e Multiletramento
pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Ensino na
Educação Básica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Ceará (IFCE). Graduada em Pedagogia pela Faculdade Cearense (FaC).
Docente da Secretaria Municipal de Fortaleza-Ceará.
E-mail: biatrizpedagoga@gmail.com 

Camila Mesquita Felix – Mestranda em Ensino e Formação Docente (PP-


GEF UNILAB-IFCE). Pedagoga pela Universidade Estadual do Ceará. Profes-
sora da rede municipal de ensino de Fortaleza.
E-mail: camila.felix@aluno.uece.br

Carlos Henrique Andrade de Sousa – Mestrando em Ensino e Formação


Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Licenciado em Letras (UFC) e graduado em
Comunicação Social (UERN). Professor de Inglês da Rede Estadual de Ensi-
no do Ceará.
E-mail: henriqueandrade1983@gmail.com

Elcimar Simão Martins – Pós-Doutor em Educação (USP). Doutor e Mestre


em Educação (UFC). Especialista em Ensino de Literatura (UECE) e em Ges-
tão Escolar (UFC). Graduado em Letras (UFC). Pedagogo (UMESP). Professor
Adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Bra-
sileira (UNILAB) em cursos de licenciatura e nos mestrados Ensino e Forma-
ção Docente; Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis. Líder do grupo
EDDocência/UNILAB e membro dos grupos GEPEFE/USP e GDESB/UECE.
E-mail: elcimar@unilab.edu.br

Elisangela André da Silva Costa – Graduada em Letras pela Universidade


Federal do Ceará e em Pedagogia pela Faculdade Evangélica do Piauí. Mes-
tre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará. Doutora em Edu-

SOBRE OS AUTORES
299 •
cação pela Universidade Federal do Ceará. Pós-Doutora em Educação pela
Universidade de São Paulo (USP). É professora adjunta da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas EDDOCÊNCIA/UNILAB; GEPEFE/USP e
GDESB/UECE.
E-mail: elisangelaandre@unilab.edu.br

Emanoel Rodrigues Almeida – Professor permanente do Programa Asso-


ciado de Pós-Graduação em Ensino e Formação Docente da Universidade
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira e do Instituto Fe-
deral de Educação, Ciência e Tecnologia (PPGEF UNILAB-IFCE). Mestre e
Doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará – UFC. 
Atualmente desenvolve pesquisas em ontologia marxiana, especificamente
no campo da crítica à Economia Política.
E-mail: emanoel.almeida@ifce.edu.br

Emanuel Andrade Leite – Mestrando em Ensino e Formação Docente (PP-


GEF UNILAB-IFCE).  Especialista em Metodologia do Ensino de História
Afro-Brasileira e Indígena pela Universidade Estadual do Vale do Acaraú
– UVA e em Gestão Escolar: Administração, Supervisão e Orientação pela
Universidade Cândido Mendes. Graduado em Filosofia (Bacharelado e Li-
cenciatura Plena). Professor da Educação Básica em Maracanaú e Pacatuba.
E-mail: emanuel.leite@uol.com.br

Eugênio Eduardo Pimentel Moreira – Professor do Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará IFCE e do Mestrado Profissional
em Ensino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Pós-Doutor em
Educação Profissional e Tecnológica (IFCE). Doutor e Mestre em Educação
(UFC). Especialista em Gestão de Recursos Humanos (UECE). Especialista
em Direito Processual (FA7). Graduado em Pedagogia com habilitação em
Administração Escolar (UECE). Bacharel em Direito (UNIFOR).
E-mail: eugenio.moreira@ifce.edu.br

Fabiano Geraldo Barbosa – Doutor em Educação pela Universidade Fede-


ral do Ceará. Professor do Programa de Pós-graduação Profissional em En-
sino e Formação Docente (UNILAB/IFCE). IFCE Campus Maranguape.
E-mail: fabiano.barbosa@ifce.edu.br

SOBRE OS AUTORES
• 300

Francione Charapa Alves – Professora Adjunta da Universidade Fede-


ral do Cariri-UFCA. Colaboradora do Mestrado Profissional em Educa-
ção da Universidade Regional do Cariri-URCA. Pós-doutora em Educa-
ção (PPGE UECE). Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Ceará- UFC/CAPES-DS com Doutorado Sanduíche na Faculdade de Psi-
cologia da Universidade de Lisboa- UL, Portugal. Mestre em Educação
(PPGE UECE).
E-mail: francione.alves@ufca.edu.br

Francisca Janaina Dantas Galvão Ozório – Mestranda em Ensino e For-


mação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Professora da SME/Fortaleza. Es-
pecialista em Educação Inclusiva (FA7). Especialização em andamento em
Libras (UECE). Pedagoga (UVA).
E-mail: jana.ozorio@hotmail.com

Francisca Marta da Silva de Assis – Mestranda em Ensino e Formação Do-


cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Professora da rede pública de ensino. Gradu-
ação em História (UECE) e em Pedagogia (KURIOS). Especialista em Gestão
Escolar (UVA) e em Docência do Ensino Superior (KURIOS).
E-mail: martasilvaassis20@gmail.com

Geraldo Venceslau de Lima Junior – Mestrando em Ensino e Formação


Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Licenciatura em Letras Libras (UFPB). Es-
pecialista em Libras (UNICID-SP). Professor de Ensino de Libras do Insti-
tuto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE),
campus Tabuleiro do Norte – CE. 
E-mail: geraldovenceslau@gmail.com

Geraldo Vicente da Silva – Mestrando em Ensino e Formação Docente


(PPGEF UNILAB-IFCE). Especialista em Atendimento Educacional Especia-
lizado (UFC). Graduação em pedagogia (UVA). Professor da rede pública e
privada de ensino.
E-mail: geraeducacao@gmail.com

Geranilde Costa e Silva – Doutora e Mestre em Educação. (UFC) Pedagoga.


Professora Adjunta da Universidade da Integração Internacional da Luso-
fonia Afro-Brasileira (UNILAB) em cursos de licenciatura e nos mestrados

SOBRE OS AUTORES
301 •
Ensino e Formação Docente; Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentá-
veis. Pró-reitora de Graduação (UNILAB).
E-mail: geranildecosta@unilab.edu.br

Giovanni José Rocha Sombra – Mestrando em Ensino e Formação Docente


(PPGEF UNILAB-IFCE). Especialista em Gestão Escolar (UECE). Graduado
em Letras (UECE). Professor da Educação Básica da rede de ensino de For-
taleza (CE).
E-mail: giovannisombra7@gmail.com

Igor de Moraes Paim – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência


e Tecnologia do Ceará (Campus Maranguape). Coordenador de Pesquisa,
Pós-graduação e inovação. Doutor em Educação (UNESP-Marilia), Mestre
em Ensino de Ciências e Matemática (UFC). Licenciado em Ciências Bioló-
gicas (UECE) e Bacharel em Direito (UFC). Líder do Grupo de Pesquisa em
Enriquecimento Escolar e Promoção Cognitiva.
E-mail: igormoraes@ifce.edu.br.

José Davi Leite de Castro – Capoeirista. Aluno do Curso de Licenciatura


em Educação Física do Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES) da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista do projeto de extensão “De-
bate com Ginga: as multifaces da Capoeira”.
E-mail: davileite11@hotmail.com

José de Sousa Breves Filho – Graduado em Letras – Português-francês


(UERJ). Especialista em Língua portuguesa pela Fundação Educacional Se-
verino Sombra (FUSVE-RJ). Mestre em Letras – área de Linguística e Lín-
gua portuguesa (UNESP) e Doutor em Letras – área de Linguística e Língua
portuguesa (UNESP). Professor Titular do IFCE e do Mestrado em Ensino e
Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Consultor ad hoc do INEP.
E-mail: jsbrevesfilho25@gmail.com

José Olímpio Ferreira Neto – Mestrando em Ensino e Formação Docente


(PPGEF UNILAB-IFCE). Capoeirista. Colaborador voluntário do projeto de
extensão “Debate com Ginga: as multifaces da Capoeira”.
E-mail: jolimpioneto@hotmail.com

SOBRE OS AUTORES
• 302

Kaé Stoll Colvero – Professora Adjunta da Universidade da Integração In-


ternacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Doutora em Educação
(PUC-Rio). Mestre em Educação (UFRJ). Especialista em Docência do Ensi-
no Superior pela Universidade Castelo Branco e em Gestão Escolar Integra-
da e Práticas Pedagógicas pela Universidade Cândido Mendes. Licenciada
em Letras, habilitação em Português e Literaturas da Língua Portuguesa.
E-mail: kaecolvero@unilab.edu.br

Kaline Araújo Mendes – Docente do Instituto de Linguagens e Literaturas


(ILL) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasi-
leira (UNILAB). Doutora em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal do Ceará, com estágio sanduíche (CA-
PES) na Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris 3). Mestre em Letras pela
Universidade Federal da Bahia e graduada em Letras pela mesma instituição.
E-mail: kalinemendes@unilab.edu.br

Lourenço Ocuni Cá – Licenciado em Letras e Linguística, Mestre em Ad-


ministração e Supervisão Educacionais e Doutor em Políticas Públicas em
Educação e Sistemas Educativos pela UNICAMP. Professor Associado II
da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(UNILAB) em cursos de licenciatura e no mestrado em Ensino e Formação
Docente.
E-mail: ocuni@unilab.edu.br

Luciano Hebert de Lima Silva – Capoeirista. Aluno do Programa de Mes-


trado em Educação Física Escolar da Universidade Estadual de São Paulo
(UNESP). Idealizador do projeto de extensão “Debate com Ginga: as multi-
faces da Capoeira”.
E-mail: hebert.capoeira@gmail.com

Luma Nogueira de Andrade – Doutora em Educação (UFC). Mestre em De-


senvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Licenciada em Ciências (UECE).
Professora Adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofo-
nia Afro-Brasileira (UNILAB) em cursos de licenciatura e nos mestrados En-
sino e Formação Docente; Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis.
E-mail: luma.andrade@unilab.edu.br

SOBRE OS AUTORES
303 •
Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite – Pós-doutoranda em Educação (UFC).
Doutora e Mestre em Educação (PPGE UECE). Especialista em Gestão Esco-
lar. Licenciada em Pedagogia (UECE) e Letras Espanhol (UMESP). Professo-
ra do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE),
Campus Canindé. Membro dos Grupos de Pesquisas GEPPES/JEPTRA/
UECE e LEPEEM/IFCE.
E-mail: cleide.silva@ifce.edu.br

Maria de Lourdes Rufino Leal – Mestranda em Ensino e Formação Docen-


te (PPGEF UNILAB-IFCE). Graduada em Letras Inglês (UESPI). Graduada
em Pedagogia (UFPI). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucio-
nal (UESPI). Especialista em Gestão Educacional com aplicação Tecnológi-
ca (UNICESP). Especialista em Gestão e Saúde (UFPI). Professora da Secre-
taria Estadual de Educação do Piauí.
E- mail rufinoleallourdes@hotmail.com

Maria Socorro Lucena Lima – Professora da Pós-graduação da Universi-


dade Estadual do Ceará (UECE) e do Mestrado em Ensino e Formação Do-
cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Doutora em Educação na área de Didática,
Teorias de Ensino e Práticas Escolares (USP). Pós-doutorado em Educação
junto ao Departamento de Metodologia de Ensino e Educação Comparada
USP, com Estágio na Universidade do Minho-Portugal. Mestre em Educa-
ção Brasileira (UFC).
E-mail: socorro_lucena@uol.com.br

Marla Vieira Moreira de Oliveira – Docente do Curso de Pedagogia na Uni-


versidade Regional do Cariri (URCA) e Coordenadora Adjunta do Núcleo de
Acessibilidade da URCA (Nuarc). Graduada em Pedagogia, Especialista em
Gestão Escolar e Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universi-
dade Estadual do Ceará (UECE). Doutora em Educação pela Universidade
Federal do Ceará (UFC), na linha de avaliação educacional.
E-mail: marla.vieira@urca.br

Michella Rita Santos Fonseca – Mestranda em Ensino e Formação Do-


cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Pedagoga pela Universidade Estadual Vale
do Acaraú. (UVA) Licenciada em Matemática. Especialista em Metodologia
do Ensino Fundamental e Médio (UVA). Professora da Educação Básica das

SOBRE OS AUTORES
• 304

redes municipais de ensino de Caucaia e Maracanaú. Atualmente pesquisa


sobre Formação de Professores.
E-mail: michellafonseca@yahoo.com.br

Neisse Evangelista da Costa Souza – Mestranda em Ensino e Formação


Docente (PPGEF UNILAB-IFCE). Especialista em Gestão Escolar (UDESC),
Ciências da Educação (FECET), Mídias na Educação (UFAL), Educação In-
fantil (FALC), Educação Especial (UFC), Psicopedagogia Clínica e Institu-
cional (UVA), Recursos Hídricos ambientais e Energéticos (UNILAB). Gra-
duada em Pedagogia (UECE) e em Matemática (UVA). Professora da SME/
Redenção-CE.
E-mail: neissesouza18@gmail.com

Paula Trajano de Araújo Alves – Mestranda em Ensino e Formação Docen-


te (PPGEF UNILAB-IFCE). Graduada em Letras pela Universidade Federal
de Campina Grande/Paraíba (UFCG). Professora da rede estadual de ensino
do Ceará.
E-mail: paula.trajano15@gmail.com

Petrônio Cavalcante – Mestrando em Ensino e Formação Docente (PPGEF


UNILAB-IFCE). Professor da SME/Fortaleza. Especialista em Formação de
Formadores e os Processos de Coordenação Pedagógica para a Educação
Básica e Superior (UECE). Especialista em Gestão Educacional e Práticas
Pedagógicas (UCAM). Especialista em Tecnologias Digitais para a Educação
Básica (UECE). Pedagogo (FAK).
E-mail: petronioprofessor3@gmail.com

Rebeca de Alcântara Silva e Meijer – Doutora e mestre em Educação


(UFC). Graduada em Pedagogia (UFC). Professora adjunta da Universidade
da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) em cur-
sos de licenciatura. Professora permanente do Programa de Pós-Gradua-
ção em Ensino e Formação Docente – PPGEF (UNILAB/IFCE), na linha de
pesquisa ensino e formação.
E-mail: rebeca.ameijer@unilab.edu.br

Simone Cesar da Silva – Professora do Instituto Federal de Educação,


Ciên­cia e Tecnologia do Ceará (IFCE), Campus Fortaleza. Chefe do Depar-

SOBRE OS AUTORES
305 •
tamento de Educação (DEDUC) do IFCE. Professora permanente do Progra-
ma Associado de Pós-Graduação em Ensino e Formação Docente (PPGEF)
da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (PPGEF
UNILAB-IFCE).
E-mail: simonecesar@ifce.edu.br

Sinara Mota Neves de Almeida – Doutora em Educação (UFC) e Mestre em


Educação em Saúde (UNIFOR). Pedagoga (UFC). Professora Adjunta da Uni-
versidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB)
em cursos de licenciatura. Coordenadora e Professora Permanente do Mes-
trado Profissional em Ensino e Formação Docente (PPGEF UNILAB-IFCE).
E-mail: sinaramota@unilab.edu.br

Solonildo Almeida da Silva – Licenciaturas em Geografia e Pedagogia, Es-


pecializações em Metodologias do Ensino de Geografia e Formação de For-
madores, Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade – Sociologia (UECE).
Doutorado em Educação e Pós-Doutorado em Geografia (UFC). Professor de
Licenciaturas no Instituto Federal do Ceará (IFCE). Docente dos Mestrados
em Ensino e Formação Docente (PPGEF/UNILAB-IFCE) e Educação Profis-
sional e Tecnológica (ProfEPT/IFCE).
E-mail: solonildo@ifce.edu.br

Vanessa Carvalho da Silva França – Mestranda em Ensino e Formação Do-


cente (PPGEF UNILAB-IFCE). Especialista em Psicopedagogia Institucional
e Clínica. Pós graduada em Neuropsicopedagogia. Graduada em Pedagogia
(UFPI), Licenciada em Geografia (FIAR). Professora efetiva da rede munici-
pal de Parnaíba-PI. Pós Graduanda em Formação de Professores em EaD.
E-mail: vanessa.csfranca@gmail.com

SOBRE OS AUTORES
E-mail: imprece@hotmail.com
Tel.: (85) 3055.0102

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