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NO TEMPO VOLTEADOR
nCARLOS AUGUSTO DE FIGUElREDO MONTEIRO*
PRÓL
PRÓLOGOOGO
PARA ATENDER AO HONROSO CONVITE DOS ORGANIZADORES DESTE EVENTO PARA PARTICIPAR DESTA MESA RE-
DONDA, ABORDANDO A RELAÇÃO ESPAÇO-LITERATURA TIVE QUE OPTAR ENTRE DUAS VERTENTES. EVITEI AQUE-
LA DO TEÓRICO TALVEZ MAIS ESTIMULANTE À DISCUSSÃO UMA VEZ QUE, PARA TANTO, TERIA FATALMENTE
QUE CRUZAR REFERENClAIS TANTO DA EMERGENTE GEOGRAFIA HUMANíSTlCA QUANTO DA TEORIA LITERÁRIA,
SOBRE A QUAL, APENAS PRINCIPIO A ESTUDAR. ESCOLHI A VERTENTE DA EXPERIÊNCIA VIVIDA, OU SEJA, AQUElA
DA PRÁTICA, DA QUAL POSSA EXTRAIR ALGUMAS ILAÇÕES DE INTERESSE PARA DEBATE. AO APOSENTAR-ME COMO
PROFESSOR TITULAR EM GEOGRAFIA FíSICA NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MARÇO DE 1987) ESTAVA EU DAN-
DO OS PRIMEIROS PASSOS NESTA LINHA DE INVESTIGAÇÃO ELEITA TANTO POR PAIXÃO QUANTO POR CONVENIÊN-
CIA. AS MATRIZES QUE GUIARAM MEU INTERESSE PROVIERAM DE GEÓGRAFOS BRITÂNICOS (POCOCK, 1981) E
CRíTICOS LITERÁRIOS FRANCESES (CROUZET, 1981). UM ANTIGO E ADORMECIDO INTERESSE PESSOAL FORA AVI-
VADO NO INíCIO DOS ANOS OITENTA (1982-1984) PELAS ANÁLISES DAQUELAS OBRAS.
Desde a minha aposentadoria (1987) até o pre Diante deste rol de romances e autores de nossa
sente (1998), no segmento de um decênio, já tive literatura, pode surgir a indagação sobre o critério
ensejo entre outras produções de consumar seis que norteou tal escolha. Ao que eu responderia que
ensaios voltados para a investigação do conteúdo considero três grandes vertentes, dentro da Litera
geográfico em espaços romanescos. A eleição do tura Brasileira, sobre as quais o interesse geo
foco sobre a ficção literária, no gênero romance, na gráfico é variado.
Literatura Brasileira, teria um longo rol de razões
a) Há um conjunto de obras literárias, no gênero
que não comportaria (no tempo desta mesaredon
de prosa romanesca (romances, contos, crônicas)
da), mas, creio eu, serão entendidas no decorrer da
que, malgrado não merecerem a consagração por
abordagem. Estes meus cometimentos dirigiram
parte dos críticos literários, apresentam um conteú
se, em ordem cronológica, às seguintes obras: Corpo
do de interesse geográfico, sobretudo aquele canali
de Baile, de Guimarães Rosa; O Cortiço, de Aluísio de
zado, didaticamente, para uma complementação
Azevedo; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Memóri
ilustrativa da disciplina no ensino médio. Eu lem
as Póstumas de Brás Cubas, de Machado da Assis; Tris
braria, como exemplo desta categoria, o caso do ro
te Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto e Ca
mance Barro Blanco de José Mauro de Vasconce
naã, de Graça Aranha. Deste conjunto, apenas o se
llos, uma expressiva ilustração da atividade salineira
gundo e terceiro mereceram publicação (MONTEI
no Rio Grande do Norte.
RO, 1988), aliás conjunta, na Revista Trópico & Ciên
cia da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife.
Esta articulação entre estas duas categorias de Os vários relatórios das diferentes missões cien
espaços, aparentemente complicada, é perfeitamen tíficas, os antigos relatos dos naturalistas, as mono
te possível. Devemos lembrar do caso de Homero 21
grafias e artigos geográficos que se produziram, ao
na Odisséia onde Ulisses, na sua longa viagem de longo dos tempos, darão depoimentos circunscritos
retorno através do desconhecido, e, tentado pelas às épocas de suas produções. A efemeridade dos re
sereias, desce aos infernos, enfrenta os Cíclopes e o latos geográficos diante de um mundo em perma
Minotauro num labirinto. No caso de Ulisses, temos nente mutação. O magnífico painel, arquitetado lite
um herói de estirpe bafejado pelas musas e deu rariamente por GR como poema encantatório
ses, vencendo os desafios do meio hostil pela sua que é será eterno.
inteligência e sobretudo, a astúcia. Na sua longa
A Geografia embora auferindo indiscutíveis gan
viagem de volta de Tróia ele encontra uma Itaca di
hos com as preocupações teóricas e sobretudo quan
ferente e ele próprio já não é o mesmo (a ponto de
titativas, descuidouse muito da descrição, empobre
ser reconhecido apenas pelo seu cão).
cida e quase abandonada nas abordagens regionais.
Também é possível, malgrado as dificuldades cri Aquele sabor lablacheano da personalidade dos lu
adas deliberadamente pelo próprio autor, sintonizar gares e regiões foi dado como obsolescências a aban
estas relações na longa travessia de Riobaldo: um donar. A atual preocupação com um conhecimento
antiherói, homem humano, no seu ziguezaguear de mais conjuntivo, uma pregação das virtudes do ho
jagunço pelo grande sertão, entre fatos obscuros, lismo e a proposta de uma Nova Geografia Huma
além de sua compreensão e que culmina com o de nística, poderá promover um benéfico contato com
senlace pelo grande equívoco com Diadorim, sua a Literatura.
neblina. Quando ele se instala como fazendeiro,
No seu ofício de investigar as verdades que 2 Venho de assistir a dois eventos que ates
caracterizam o real, em sua penosa travessia do tam cabalmente esta assertiva. A X Semana
ignorado para o conhecido, o cientista, muitas ve Roseana, realizada entre 29 de junho e 05
zes, atinge apenas aproximações, verdades provi de julho em Cordisburgo, berço do escri
sórias. Ao concluir uma pesquisa constata que para tor, e sobretudo o SEMINÁRIO INTER
uma resposta obtida levantamse novas indagações. NACIONAL promovido pela PUeMG em
E é isto que impulsiona a Ciência. Belo Horizonte entre 24 e 28 de agosto.
O Homem humano, comum de quem Riobal 3 Pelo pouco tempo disponível numa mesa
do é um símbolo em seu saber limitado, ainda obs redonda talvez oralmente se possa apenas
curo, ante as grandes dúvidas e indagações capitais apresentar as idéias sem oportunidade de
sobre o real e falso, acima de sua capacidade, recor esclarecêIas ou fundamentáIas devida
re à natureza, mediadora dos deuses. Após a emoci mente.
onante e angustiosa vigília nas Veredas Mortas ele 4 Provavelmente uma famosa entrevista con
ainda não se deu conta da efetivação do pacto: cedida a Ascendino Leite, reproduzida (sem
5 Se é verdade que a noção de SERTÃO liga 13 Esta dificuldade notória parece já haver en
se a formações vegetais predominantemen seja do a preparação de ROTEIROS para
te não florestais (cerrados, caatingas) line guiar o leitor. O que faz lembrar o quadro
ar ou pontualmente com ocorrência de ma geral de cronologia e correlações que ba
tas, naquela parte onde as formações de mata seado num estudo de Valery LARBAUD o
pluvial litorânea e do interior se alargam próprio Joyce montou para o seu ULISSES,
consideravelmente no Sudeste, a medida reproduzido na Enciclopédia Britânica, Ed.
que se as derrubavam para implantar a cul De 1970, Vol. 13, p.96B.
tura do café, não se falavam também em
14 Notese que a medida federal de não permi
Sertão da Mogiana ? Sertão de Ribeirão Preto?
tir topônimos repetidos em sedes munici
6 Tese de Doutorado de 1972, referida à 2" pais é obra do Estado Novo, sugeri da pelo
edição de 1986. IBGE à época do Recenseamento Geral de
1940.
7 Caso da Willi BoIle (199798) que parte da
evocação de Antônio CANDIDO (1957) 15 Lembremonos do caso de uma carta que
sobre os três elementos básicos: A TERRA, Nhorinhã enviou à Riobaldo e que ele só
O HOMEM, O PROBLEMA (em substitui veio recebêIa passados oito anos, quando
ção à A LUTA euclidia678na), mas, já já estava casado com Otacília. (p.95).
apontando as diferenças, defende
16 Citada em Paulo DANTAS: Sagarana Emoti
ardorosamente sua tese sobre a reescrita.
va, São Paulo, Duas Cidades, 1975 p.9 e re
8 Pelo tempo disponível numa mesa redonda petida em Luiz Otávio Sa assi ROCHA
evito aqui as transcrições longas. (1981) p.36.
10 Caso do Liso do Sussuarão. 18 Numa obra sem capítulos uma narrativa
11 Caso de sucesso parece ser aquele de VIG contínua, mas não linear é difícil localizar
GIANO (1978) segundo referência colhida as citações, a não ser pela paginação (3" edi
em Heloísa ViIhena de ARAÚJO (1996). ção). Digamos que entre as páginas 353
O Roteiro de Deus, em nota ao pé da página quando Riobaldo pensa abandonar o gru
22. Enquanto outros, como BOLLE, (1997 po de Zé Bebelo à procura dos judas ao che
98) continuam à procura. gar ao CurraisdoPadre, até a página 414,
quando encarrega o Seu Habão de levar a
12 Em termos de dramaturgia equivale ao bi
pedra de topázio para Otacília.
nômio ANAGNÓRISE a passagem do ig
norado ao conhecido, ou a solução de uma 19 Contudo, teria gra:lde interesse em confron
trama (a identidade) e PERIPÉCIA o tra tar o jagunço do GS:V de GR (1956) com o
jeto da identidade no reconhecimento, ou soldado do Dans le Labyrinthe de Rob
uma súbita mudança na sorte, no curso de beGrillet (1959) nos espaços sertanejo (Bra