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A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR COMO

POLÍTICA EDUCACIONAL EQUITATIVA: EFETIVA-


ÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO JUSTA SOB O VIÉS DO
DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES E COM-
PETÊNCIAS

THE COMMON NATIONAL CURRICULUM BASE


AS AN EQUITABLE EDUCATIONAL POLICY: EF-
FECTIVENESS OF A FAIR EDUCATION UNDER
THE BIAS OF DEVELOPING SKILLS AND COMPE-
TENCES

Débora Tais Arnhold1

Rosemari Lorenz Martin

Resumo: O presente estudo bus- uma das maiores preocupações

ca discutir a implementação da da sociedade capitalista moder-

Base Nacional Comum Curri- na, além de problematizar a dis-

cular como política educacional seminação dos conhecimentos 186

equitativa, pressupondo a efe- como força de divergência que

tivação de uma educação justa atua na desigualdade social bra-

sob o viés do desenvolvimento sileira. Assim, a partir de uma

de habilidades e competências. discussão teórico-prática, mas

Também contempla o conceito também reflexiva, busca-se apre-

de princípio de igualdade como sentar algumas problematizações

1 Mestrado em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Uni-


versidade Feevale
ISSN: 2675-7451

Vol. 02 - n 03 - ano 2021

Editora Acadêmica Periodicojs


envolvendo a constituição da theoretical-practical, but also

sociedade atual e uma realidade reflective discussion, we seek to

educacional brasileira utópica: present some problematizations

uma educação equitativa de qua- involving the constitution of the

lidade que busque reduzir a desi- current society and a utopian

gualdade social. Brazilian educational reality: an

equitable quality education that

Palavras-chaves: BNCC. Equi- seeks to reduce social inequality.

dade. Desigualdade. Sociedade.


Keywords: BNCC. Equity. Ine-

Abstract: This study seeks to quality. Society.

discuss the implementation of

the Common National Curricu-

lum Base as an equitable educa- INTRODUÇÃO

tional policy, assuming the reali-

zation of a fair education under Instituída oficialmente

the bias of the development of no final de 2017, a Base Nacio-

skills and competences. It also nal Comum Curricular surge


187
contemplates the concept of the no contexto educacional para

principle of equality as one of transformar a forma de cons-

the greatest concerns of modern truir conhecimentos na educação

capitalist society, in addition to brasileira. O desenvolvimento

problematizing the dissemina- de competências e habilidades

tion of knowledge as a force of caracteriza-a como desenvolve-

divergence that acts on Brazilian dora humanística, social e inte-

social inequality. Thus, from a gral de sujeitos. Para muito além


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da escolarização, a BNCC trata entender como a BNCC con-

de questões de forma integrada, tribui para a efetivação de uma

fazendo com que o discente não educação justa e não meramente

meramente saiba, mas que aja e igualitária, em que as singulari-

reflita sobre seus atos. Dessa for- dades sejam respeitadas sem su-

ma, o contexto social brasileiro bestimação e a diversidade possa

desigual é evidenciado e as hete- enriquecer as questões sociocul-

rogeneidades ficam expostas – o turais, contribuindo assim, para

que faz refletir sobre conceitos um desenvolvimento social bra-

mais amplos relacionados às po- sileiro mais justo e completo.

líticas públicas educacionais e à

desigualdade brasileira. PROCEDIMENTOS METO-

Nesse contexto, o pre- DOLÓGICOS

sente artigo buscará estabelecer

relações entre conceitos de au- Para a realização deste

tores como Thomas Piketty e as estudo, foi realizada uma revi-

forças de convergência da desi- são bibliográfica da literatura.

gualdade – a disseminação do A abordagem da investigação é


188
conhecimento - além de vislum- qualitativa e de natureza básica

brar, a partir de Jessé de Souza, - uma vez que se visa refletir e

o princípio de igualdade social construir novos conhecimentos

(como princípio da dignidade), acerca dos assuntos tratados, mas

contextualizando a Base Nacio- sem intervenção prática no cená-

nal Comum Curricular neste ce- rio determinado. O método será

nário. dedutivo, já que será problemati-

Portanto, buscar-se-á zado um problema geral (a educa-


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ção) o qual será contextualizado de educação em âmbito nacio-

em uma particularidade (relação nal, no contexto de diversidades

conceitual com teóricos), com o e diferenças, não é uma tarefa

objetivo de realizar um estudo fácil. Por essa razão, “a história

exploratório. Os teóricos analisa- da educação no Brasil é marcada

dos neste artigo foram indicados por disputas intensas, mas, ne-

por especialistas da área, durante cessárias para afirmação da de-

momentos de discussão que tra- mocracia” (UCHOA et. Al, 2019,

tassem de temas envolvendo a p. 17). Thomas Piketty vislumbra

equidade e a igualdade perante tais disparidades a partir do em-

sua composição social. prego do termo “mecanismos de

convergência”. Ele destaca que


as principais for-
REFERENCIAL TEÓRICO E
ças que propelem a
DISCUSSÕES convergência são os
processos de difusão
do conhecimento e
Quando pensamos no
investimento na qua-
cenário social brasileiro, a pri- lificação e na forma-
meira característica que é evi- ção da mão de obra. A
189
lei da oferta e da de-
denciada, sem dúvida, é a desi-
manda, assim como
gualdade. Se passamos a olhar as a mobilidade do ca-
questões educacionais sob esse pital e do trabalho
(uma variante dela),
aspecto, há indícios de que talvez
pode operar a favor
a disseminação justa do conheci- da convergência,
mento em nosso país não passe mas de maneira me-
nos intensa, e muitas
de um realismo utópico. Nesse
vezes de forma am-
sentido, “constituir uma política bígua e contraditória.
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O processo de difu- e significativo. Embora saiba-se
são de conhecimen- que a implementação de mudan-
tos e competências
ças no cenário social a partir da
é o principal instru-
mento para aumen- educação não sejam suficientes
tar a produtividade para alterar a totalidade da desi-
e ao mesmo tempo
gualdade brasileira. Mas a ousa-
diminuir a desigual-
dade, tanto dentro de dia de mudar a constituição social
um país quanto en- pela formação dos cidadãos sem
tre diferentes países
dúvida, pode ser uma estratégia
(PIKETTY, 2013, p.
29). valiosíssima de transformação do

cenário desigual brasileiro.

A Base Nacional Co- Piketty também destaca

mum Curricular surge, então, que a difusão do conhecimento

para transformar a sociedade – tida como principal força de

atual: a partir da imersão no meio convergência da desigualdade

escolar, favorece a formação de depende das políticas de educa-

um sujeito mais crítico, autô- ção e inclusive não se desenvolve

nomo e que contribua para uma sem um aporte governamental


190
composição social que combata a por trás dela. Afinal, é preciso

desigualdade - tão exacerbada e acesso e qualidade garantidos

nítida em nosso país. Nesse sen- durante o processo de formação

tido, é possível afirmar que o do- de sujeitos para que ocorram

cumento normativo em questão transformações sociais a curto,

favorece o exercício da equidade médio e longo prazo da realidade

no meio social, colaborando para socioestrutural brasileira.

um futuro brasileiro mais justo Uchoa et.al (2019, p.49)


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apontam que “a educação como a redução das desigualdades, o

complexo social tem papel de re- documento apresenta um viés

produção social e pode ser con- equitativo, permitindo que cada

trolada para implementar formas estado e/ou cidade possa fazer

de intervenção práticas na reali- as adequações complementa-

dade a partir dos currículos”. É res no documento estabelecidas

possível perceber uma estreita de acordo com os contextos em

relação entre as preocupações de questão. Nesse sentido, Uchoa et.

desigualdade social com a forma- al (2019, p.56) destacam que


a educação como
ção dos sujeitos que dela fazem
complexo social tem
parte. Isso fez com que todos os papel fundamental
currículos educativos fossem re- na reprodução social
de ideias, valores
estruturados, e a Base Nacional
e prévias ideações
Comum Curricular expõe tal evi- para ações no mun-
dência a partir da sua reformula- do. Dessa forma, os
currículos podem
ção em 2017.
repassar as novas
Tendo como objetivo determinações do
principal o desenvolvimento de mundo do capital e
das necessidades do 191
habilidades e competências, a
mundo do trabalho
BNCC busca normatizar um con- criando trabalhado-
junto de conhecimentos básicos res flexíveis. Deba-
temos adiante acerca
necessários a toda população
da lógica da reprodu-
educacional brasileira. Conside- ção social a partir da
rando a realidade educacional ideologia das compe-
tências com fins no
brasileira, percebe-se a neces-
empreendedorismo e
sidade emergente de favorecer na ‘empregabilidade’
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(UCHOA et al. 2019, princípio da dignidade a todas as


p. 56). classes — e a liberdade individu-

al de procurar a felicidade, seria


Jessé de Souza (2009) a solução perfeita para Jessé. Ga-
refere que os maiores desafios da rantir, dessa forma, precondições
sociedade moderna estão atre- de realização “expressiva” dos
lados ao de garantir a igualdade indivíduos, sendo que a socie-
social e a liberdade individual. dade brasileira foi amplamente
Mas como seria possível favore- influenciada por questões capi-
cer tais condições? Conforme o talistas nesse processo (SOUZA,
mesmo autor, 2009, p.389).
a universalização das
Assim, é imprescindível
condições de acesso
ao ‘trabalho útil e destacar que um país com raízes
digno’ é, no fundo, econômicas e de poder desiguais
a realização concreta
também possuirá um atendimen-
do ideal de igualda-
de; enquanto a reali- to educacional desigual. Embora
zação da expressivi- a implementação da Base Nacio-
dade individual é a
nal Comum Curricular ocorrida
única forma de ga-
192
rantir o exercício efe- em 2017 venha para romper com
tivo de uma liberda- as diferente e desiguais organiza-
de de ação individual
ções legislacionais de currículo,
que não se confunde
com mero consumo o documento normativo em ques-
(SOUZA, 2009, p. tão precisa ir além: favorecer que
119).
TODOS tenham uma BASE em

incomum, mas com saberes con-


“Horizontalizar” o
textualizados de acordo com sua
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realidade social, para que possam

formar alunos habilidosos e com- A igualdade social, por-

petentes. tanto, pode ser entendida como

A educação assume o princípio da dignidade, sem con-

poder de mudar vidas pela sua siderar que a busca da felicidade

correta utilização. Quanto a isso, individual rege o princípio do ex-

Souza (2009) faz uma dura críti- pressivismo. Dessa forma, cada

ca, em que defende a construção vez mais a educação precisa es-

de uma sociedade melhor a partir tar atenta às necessidades e aos

da valorização de aspectos so- interesses da sociedade e, prin-

ciais para além dos econômicos, cipalmente, do mundo moderno.

que constituem o país como um Afinal,


a educação não se
todo:
concretiza no vazio
ao contrário dos
das intencionalida-
nossos liberais, que
des, mas no seu apro-
amesquinham o pro-
fundamento. Quanto
jeto nacional brasi-
mais clareza política,
leiro à dimensão uni-
sobre qual socieda-
camente econômica,
de desejamos, mais
temos que nos per- 193
explícita se torna a
guntar o que nos se-
função do processo
para das sociedades
educativo e o papel
avançadas modernas
da escola nesse pro-
que lograram unir em
cesso (UCHOA et.
uma dimensão signi-
al, 2019, p. 17).
ficativa tanto igual-
dade social quanto
liberdade individual. Sabe-se que a educação
(SOUZA, 2009, p.
é o melhor meio para construir
119).
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uma sociedade justa e que bus- 2017. Formar sujeitos habilidosos

que confrontar as desigualdades e competentes que rompam com

enraizadas na cultura brasilei- a ótica heterogênea dos paradig-

ra. Formar sujeitos que pensem mas impostos pela própria socie-

além do que lhes é solicitado, dade é a solução para o futuro

que tenham empatia para com deste país tão diverso e desigual.

àquele que divide o território A partir das forças de conver-

consigo, buscar atender às de- gência de Pikkety (2013), que a

mandas emergentes que ultra- disseminação do conhecimen-

passam os muros da escola: esta to possa emergir nos confins de

deveria ser a norma explícita nas todo o território nacional, a fim

políticas educacionais vigentes. de oportunizar – mesmo que mi-

Talvez construir uma educação nimamente - condições dignas de

com base no desenvolvimento de aprendizado aos sujeitos brasilei-

habilidades e competências seja ros, que as possuem por direito.

o início desse caminho transfor- A desigual sociedade

mador: de vidas, de significados brasileira clama por interven-

e da sociedade. ção! As características histórico-


194
-culturais que fazem parte dessa

CONSIDERAÇÕES FINAIS constituição precisam ser res-

significadas a partir de políticas

O papel da escola frente públicas que estejam contextua-

à realidade desigual da socieda- lizadas de acordo com as verda-

de brasileira foi ressignificado a deiras realidades público-sociais.

partir da implementação da Base Assim, a intervenção pela edu-

Nacional Comum Curricular em cação talvez seja a oportunidade


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mais rica e válida de intervenção PIKETTY, Thomas. O capital no

social contemporânea. século XXI. Gávea, RJ. Editora

Também que o princí- Intrínseca, 2013. 812 p.

pio de igualdade social defendido

por Jessé de Souza (2009) possa, PRODANOV, Cleber Cristiano;

para além de legitimar dignida- FREITAS, Ernani Cesar de. Me-

de, oportunizar novas formas de todologia do trabalho científico

ser e pensar sociais neste país. [recurso eletrônico]: métodos

E que a Base Nacional Comum e técnicas da pesquisa e do tra-

Curricular esteja sendo uma fer- balho acadêmico 2. ed. – Novo

ramenta prática equitativa no de- Hamburgo: Feevale, 2013.

senvolvimento de uma sociedade

que esteja de fato atenta às suas SOUZA, Jessé. A singularidade

necessidades contemporâneas e da desigualdade social brasilei-

contribua para a construção de ra. Belo Horizonte, MG: Editora

uma sociedade justa e democrá- UFMG, 2009. 484 p.

tica.
UCHOA, Antonio Marcos da
195
REFERÊNCIAS Conceição; SENA, Ivânia Paula

Freitas de Souza (Orgs.) Diálogos

BRASIL, Ministério da Edu- Críticos: BNCC, educação, crise

cação. Base Nacional Comum e luta de classes em pauta [recur-

Curricular. Brasília: MEC, 2017. so eletrônico]; Porto Alegre, RS:

Disponível em Último acesso em Editora Fi, 2019.

06 jul. 2021.

SOUSA, Mirela Saraiva de; SIL-


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VA, Maria Celiania da.; OLI-

VEIRA, Hálida Késsia Galdino.

Educação como meio de trans-

formação da sociedade neolibe-

ral. Revista Artigos. v. 3 (ISSN:

2596-0253), Volume 3. 2019. Dis-

ponível em < https://acervomais.

com.br/index.php/artigos/article/

view/984/545>.

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