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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, CONTEXTOS


CONTEMPORÂNEOS E DEMANDAS POPULARES

Trabalho final da disciplina IM-1312 - Educação e demandas populares- T01,


ministrada pelo Professor Dr. Rodrigo Lamosa

Bruno Inocencio Vicente


Matrícula: 20211008194

2021
Base Nacional Comum Curricular e a pedagogia das competências: investimentos
no socioemocial a favor do capital

Common National Curriculum Base and the pedagogy of competences: socio-emotional


investments in favor of capital

Bruno Inocencio Vicente


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro1
Resumo: A Base Nacional Comum Curricular trás no seu bojo de discussões a defesa ao
desenvolvimento de competências socioemocionais. Diante disso, o texto objetivou
refletir como essas competências, quando analisadas a luz das relações entre educação e
trabalho, contribuem para repolitização da educação escolar e para manutenção do status
quo. Para dar conta do objetivo proposto, optou-se por uma pesquisa exploratória e
documental e como critério de seleção dos textos, optou-se pelas referências oferecidas
na ementa da disciplina Educação e demandas populares oferecida no curso de Doutorado
do 3º trimestre de 2021 - Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares PPGEduc/UFRRJ entre outros que tratam da
temática em destaque. Por fim, concluiu-se que as competências socioemocionais são
uma estratégia do capital para, a contas gotas, nutrir as subjetividades da classe
trabalhadora a uma realidade de produção cada vez mais flexível.
Palavras-chave: BNCC, Competências Socioemocionais, Educação
Abstract: The Common National Curriculum Base brings in its discussions the defense
of the development of socio-emotional skills. Therefore, the text aimed to reflect how
these competences, when analyzed in the light of the relationship between education and
work, contribute to the repoliticization of school education and to the maintenance of the
status quo. To meet the proposed objective, an exploratory and documentary research was
chosen and, as a criterion for selecting the texts, the references offered in the syllabus of
the subject Education and Popular Demands offered in the Doctoral Course of the 3rd
quarter of 2021 - Program of Postgraduate Studies in Education, Contemporary Contexts
and Popular Demands PPGEduc/UFRRJ, among others that deal with the highlighted
theme. Finally, it was concluded that socio-emotional competences are a strategy of
capital to, in a trickle, nourish the subjectivities of the working class towards an
increasingly flexible production reality.
Keywords: BNCC, Socio-emotional Skills, Education

INTRODUÇÃO

Compreender o documento intitulado de Base Nacional Comum Curricular


(BNNC) e os caminhos de sua construção, metodologicamente, são essenciais para as
reflexões as quais o texto se propõe. Como todo documento, a BNCC, também se encontra
inserida num contexto temporalizado e situado. Temporalizado no sentido de tempo

1 bruno.vicente.1@cp2.edu.br. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos


Contemporâneos e Demandas Populares PPGEduc.

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histórico, tempo de ajuste fino das estratégias de dominação burguesa e ao mesmo tempo,
situado na crise estrutural do capital e da flexibilização das relações de trabalho.

Com isso, em três partes que conversam entre si, buscamos primeiramente expor
historicamente a construção do documento. Já num segundo momento, procuramos
problematizar a repolitização da educação escolar, com central atenção a pedagogia das
competências. E por fim, mostramos como essa atualização nas estratégias do capital
diante da Escola e, principalmente, da educação escolar, vem buscando modelar o
comportamento dos trabalhadores/as para adaptação a uma realidade de empregos cada
vez mais flexível e instável.

Nosso referencial teórico contou, principalmente, com as contribuições de


(NEVES, 2005) e suas problematizações sobre a nova pedagogia da hegemonia, de
(SANTOS, 2012) quando trata das relações entre Neoliberalismo, trabalho e Educação,
de (PRONKO, 2019) que trás o modelamento dos comportamentos como algo inerente
as periferias do capital, como estratégia de manutenção de status quo e de (ACCIOLY e
LAMOSA, 2021) que tratam as competências socioemocinais como mecanismos de
coerção quando falam sobre da formação de jovens frente as novas demandas do mundo
do trabalho, de (SILVA, 2018) que trás ao debate a questão da precarização do
professorado entre outros referencias que articulam com a temática da educação e suas
relações com a categoria trabalho.

A CONSTRUÇÃO DA BNCC

O tópico a seguir, não pretendeu ser algo estático, de se esgotar em si mesmo, mas
buscou ser didático, contar os caminhos da construção da BNCC. Pegamos como recorte,
o final da década de 1980, de forma mais precisa, a partir da atual Constituição da
República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), até os dias atuais.

A escolha por esse espaço-tempo não é aleatória, justifica-se pelo avanço de


políticas Neoliberais em alguns países de capitalismo central, principalmente, Estados
Unidos e Inglaterra, respectivamente com a ascensão de Ronald Reagan e Margaret
Thatcher, o que, influenciou substancialmente as formulações educacionais de países de
capital periférico, como o Brasil.

Antes de seguir, a título metodológico, precisamos lançar luz sobre a estrutura


fundante desse processo, a crise do modelo fordista e Keynisiano. Sobre isso,

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concordamos com (CÊA, SILVA e SANTOS, 2019) “quando citam que a partir da década
de 1970, diante da crise inaugurada com o esgotamento do padrão fordista-keynesiano, a
reconfiguração do capitalismo sob a égide da transnacionalização econômica e
política apresenta significativos ineditismos” (p.184).

Esse ineditismo, ou seja, as necessárias atualizações em resposta as diversas crises


que se alargam na década de 1970, fez com que, o individualismo, a competição, a
produção flexível e altamente controladas, reduzindo perdas e aperfeiçoando os
resultados. Já na dimensão política a insustentabilidade do Estado Keynesiano, fizeram
necessárias a adesão aos preceitos Neoliberais. (CÊA, SILVA e SANTOS, 2019).

Essas atualizações, com objetivos de garantir a reconstrução do capitalismo


central as custas da repolitização e desenvolvimento do capitalismo na sua periferia,
fazem surgir o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Órgãos que
passam ser bussolas para reorganização do capital, propondo ajustes salarias e políticas
de austeridade para controlar a crise. Além disso, a nível superestrutural, na tentativa de
frear as crises socais, as políticas Neoliberais passam a adotar ideias de conciliação social,
neste contexto, encontra-se espaço para que a Escola passe a ser um espaço de interesse,
de apaziguamento, através do convencimento e da construção de uma hegemonia do
consenso.

Retomando o início deste tópico, onde falamos do recorde que vamos analisar,
década de 1980 até os dias atuais, e o que acabamos de explicitar nas linhas acima,
encontramos pontos de contatos quando pensamos o Brasil como um dos países que
sofreu/sofre influências dessas novas configurações dos países de capitalismo central.
Influências que encontram no campo educacional um território de interesse para
modelagem dos estudantes, com foco na aprendizagem socioemocional.

Dentro de um contexto histórico, na Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988, indica-se no Art.º 210º a seguinte redação: “Serão fixados conteúdos
mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Importante frisar que a
adoção de currículos nacionais também foi uma prática na ditatura empresarial militar,
mas com estruturas diferenciadas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) nº 5692, de 1971 utilizou-se do currículo mínimo como forma de padronizar a
educação nacional, padronização essa que se dirigia as disciplinas, conteúdos e algumas
metodologias.

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Após a LDBEN de 1971, a temática da base nacional volta a tomar força com a
LDBEN nº 9394 de 1996 que cita em seu artigo 26:

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino


médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema
de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).
Importante frisar que o Brasil foi signatário de vários acordos, promovidos
principalmente pela Banco Mundial, Unesco, Unicef e PNUD onde destacamos, a
Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia. Desse encontro,
assim como na Declaração de Nova Délhi, países da periferia do capital e com os maiores
índices populacionais, assinam acordos na busca de uma suposta valorização da
educação, com fortes traços de meritocracia e ajuste/modelamento da classe trabalhadora
e avaliações em larga escala (PRONKO, 2019) e (ACCIOLY e LAMOSA, 2021).
Neste tramite de ajuste/modelamento e avaliações que o Brasil se comprometeu,
implanta-se no ano de 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Com o discurso que o Brasil carecia de alguns
instrumentos que contribuíssem na reelaboração dos currículos dos diversos sistemas de
ensino e escolas, mas na verdade, pavimentava-se toda uma proposta de avaliação a nível
nacional e em largas escalas, como foi citado anteriormente.
Seguindo na linha de discussões sobre uma base nacional curricular, em 2010 são
lançados os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCNEM), onde na sua
apresentação já deixa bem clara a função ao qual se propõe, a dimensão do trabalho.

O Ensino Médio no Brasil está mudando. A consolidação do Estado


democrático, as novas tecnologias e as mudanças na produção de bens,
serviços e conhecimentos exigem que a escola possibilite aos alunos
integrarem-se ao mundo contemporâneo nas dimensões fundamentais da
cidadania e do trabalho (BRASIL, 2000, p.4).
Essas reformas, todas de cunho pragmático, ou seja, a favor de uma política de
consenso e adaptação da juventude a um cenário de crise do capital, ganham força após
o golpe, em 2016, que retirou a então presidente Dilma Rousseff e levou ao poder seu
vice, Michel Temer. Um ano antes, em 2015, o Plano nacional de Educação (PNE),
aprovado pela lei 130005/2014 determinou a ampliação dos anos de escolarização para 9
anos, para população dos 6 aos 14 anos e ainda definiu a construção de uma Base Nacional
Comum.

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Neste mesmo ano, inicia-se uma consulta pública para elaboração da primeira
versão do documento, participando desta consulta, sociedade civil, organizações e
entidades cientificas. Já no ano de 2016, iniciam-se as discussões para segunda versão da
BNCC. Este documento, sistematizado principalmente por professores da Universidade
de Brasília e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, esteve aberto a
discussão em vários seminários com professores, gestores e especialistas. Neste mesmo
ano, em agosto, a terceira versão do documento começa a ganhar corpo, sendo entregue
ao CNE no ano seguinte e homologada pelo MEC em novembro de 2017.

a Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo que


define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos
sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as
propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. (Brasil, 2015).
A construção da BNNC, envolveu muitos agentes, professores universitários,
órgãos internacionais e entidades da sociedade civil. Nos próximos tópicos, buscaremos
iluminar os interesses e disputas dos diferentes fragmentos sociais por hegemonia que
envolveram a construção da BNCC.

A PROPÓSITO DA REPOLITIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Por educação escolar, compreendemos um processo formativo de caráter amplo


que ocorre nos sindicatos de classe, instituições religiosas, nas famílias - mas que encontra
na Escola lugar privilegiado e, de direito, para sistematização e transmissão dos
conhecimentos científicos, históricos e filosóficos construídos pela humanidade.
Além disso, compreendemos a educação escolar, como um processo de
humanização, ou seja, uma jornada na busca da conscientização da condição histórica e
social dos/as estudantes (FREIRE, 2018). Por essa condição ontológica, de natureza
histórica e socialmente construída, a educação escolar é algo impregnado de aspectos
políticos e ideológicos, já que ela é um território de embate entre diferentes hegemonias,
que disputam entre si, o controle e a direção do processo educativo.
Neste contexto, educação e política assume um outro sentido, de
educação/política, ou seja, não há educação fora de um contexto político, fora de relações
de poder, fora das relações sociais, culturais e econômicas. Entretanto, como citamos
anteriormente, há diferentes grupos buscando a hegemonia, e na BNCC não foi diferente.

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Distintos fragmentos disputaram o texto do documento, sendo hegemônica a ideologia de
Educação burguesa, a favor do capital (NEVES, 2005).
Dentro da construção dessa nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005), que
chamaremos aqui de repolitização da Educação (ACCIOLY e LAMOSA, 2021)
(SANTOS, 2012), ou seja, a construção de todo um aparato que retira da escola e dos/as
docentes sua autonomia na construção do processo pedagógico e da escola, sua função
social a favor do projeto educativo libertador da classe trabalhadora.

Como prática social, a educação é inexoravelmente política [...]. “Despolitiza-


la”, reduzindo-a a atividade meramente “técnica”, portanto, é repolitiza-la em
favor da manutenção da hegemonia, sob a aparência de neutralidade,
eficiência, eficácia, silenciamento e desqualificando os significados da
educação como prática política transformadora e de formação humana no
sentido mais pleno (SANTOS, 2012, p. 8).
Neste contexto de repolitização, onde a busca por resultados em resposta as
demandas de órgãos internacionais, “Os projetos financiados pelo Banco Mundial não
tinham só finalidade econômica e/ou política, mas desempenhavam importante papel
educador para os governos dos países periféricos” (NEVES, 2005, p.52), orientados por
parâmetros do mercado, passa a ser o ideário da educação burguesa frente a crise orgânica
do capital. Ideário este, que não é um mero acaso, tornar a ação pedagógica subordinada
ao desempenho e resultados, o esvaziamento da função social da escola, a vigilância sobre
o trabalho docente, transformando-o em pura técnica e execução de algo pronto, sem
qualquer traço de reflexão e consideração do contexto e dos diversos locais de partida
dos/as estudantes e docentes, faz parte da posição ocupada pelo Brasil quando pensamos
na divisão internacional do trabalho, o que faz com que o modelo de educação articulado
para um país de capital periférico e heterônoma como o Brasil, seja aquele que segue o
receituário de uma pedagogia do mercado (SANTOS, 2012).

Quando nos referimos à mercantilização, não designamos especificadamente a


venda da “mercadoria-educação, por meio da privatização direta. Tratamos da
absorção da lógica mercantil pelos sujeitos envolvidos na esfera da produção
pedagógica. [...] Eis o traço diferencial da pedagogia do mercado em sua
contemporaneidade: a mercantilização não ocorre apenas na dimensão da sua
“circulação” ou “distribuição” na forma de oferta por escolas privadas. [...] A
mudança qualitativa da pedagogia do mercado no neoliberalismo consiste na
mercantilização do processo, não apenas do produto (SANTOS, 2012, p. 9).
Diante desse quadro, onde o processo educativo e toda sua função social passam
por um processo de implosão, ou seja, de destruição de dentro para fora, onde o
gerencialismo e todo receituário neoliberal impõem a busca de metas e resultados,
estimulando a competição entre os/as trabalhadores/as, o que retira dos/ as mesmos/as a
visão de classe e de totalidade, imprimindo subjetividades de interesses pessoais e não

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coletivos, falaremos a seguir da pedagogia das competências e como, através de
estratégias, busca-se a formação de trabalhadores/as adaptados/as a uma realidade de
produção capitalista cada vez mais flexível, ou seja, resignados as condições de
precarização de sua força de trabalho.

A PEDAGOGIA DAS COMPETENCIAS COMO ACCOUNTABILITY DO


PROJETO DE EDUCACÃO BURQUESA

No tópico anterior falamos sobre o processo de repolitização do processo


educativo, ou seja, a construção de todo um ideário que busca qualificar o trabalhador as
demandas do mercado de trabalho é um dos aspectos a serem considerados quando
pensamos no Estado Educador (GRAMSCI, 1984). Diante disso, falaremos sobre a
pedagogia das competências e como sua perspectiva pautada no accoutability, busca
culpabilizar os/as trabalhadores pelo seu suposto fracasso frente as novas demandas do
capital para países periféricos.

Antes de iniciarmos, achamos necessário reforçar alguns apontamentos sobre a


escola e sobre a educação escolar. Como falamos em linhas anteriores, todo processo
educativo é um ato político, é um ato de escolha deliberada a favor de um projeto de
sociedade. Diante disso, a escola passa a ser um território de disputa e tensionamentos
sobre qual projeto de sociedade queremos, de manutenção ou de superação do status quo.

Um projeto de escola burguesa, que retira dos/as estudantes sua condição de


sujeitos históricos e sociais, impedindo que os/as mesmos/as se percebam como sujeitos
condicionados, mas não determinados, como homens e mulheres coletivos/ as e não como
simples massas, ou como cita Gramsci (1999)

Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou


homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de
conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção
do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos
simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria
personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram
elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e
progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente
localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do género
humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo,
portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido
pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar
toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações
consolidadas na filosofia popular (p. 94).
Não permitindo o “conhece-te a ti mesmo como produto do processo histórico até
hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise

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crítica” (GRAMSCI, 1999, p. 94), o projeto burguês de educação, materializado na
BNCC, busca que os futuros trabalhadores/as cumpram as competências propostas pelo
relatório The Changing Nature of Work, 2019 sendo elas: “perseverança, colaboração,
empatia, trabalhar em equipe, adaptabilidade, gerenciamento de emoções, capacidade de
resolução de conflitos, força de vontade, coragem para correr riscos, comprometimento
com o trabalho” (ACCIOLY e LAMOSA, 2021, p.715).

MODELAR COMPORTAMENTOS E SUAS RELAÇÕES COM A CATEGORIA


TRABALHO NA PERIFERIA DO CAPITAL

Diante da crise estrutural do capital que ganha contornos de maior expressão na


década de 1970 (MÉSZÁROS, 2011) e (SOUZA, 1998) e que trás a necessidade de uma
reorganização das bases de acumulação de capital, concordamos que

Em decorrência dessa crise, o capital vem procurando recompor suas bases de


acumulação em um contexto de avanço do patamar científico e tecnológico no
mundo do trabalho e de maior socialização da política em nível mundial. À
medida que o capital procura essa recomposição, ingressa num processo de
redefinição de seu modelo de desenvolvimento, através de uma busca visceral
de regularidade para o sistema capitalista, promovendo assim uma verdadeira
transformação na organização da produção e na regulação das relações sociais,
que se expressam através de uma nova configuração na correlação de forças
políticas em disputa pela hegemonia no âmbito do Estado (SOUZA, 1988,
p.41).

Essa recomposição de forças, principalmente em países de capital periférico,


como o caso do Brasil, trás a necessidade ações de apaziguamento social e de
conformação dos/as trabalhadores/as. Neste contexto, a Escola ganha centralidade.
Como cita Mészáros (2008) “Poucos negariam hoje que os processos educacionais e
os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados (p.
25).
Aprofundando essa questão, educação e reprodução social ou entre educação e
propósitos acumulação de capital, Mészáros (2008) diz que

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu- no


seu todo- ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal
necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como
também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes, como se não pudesse haver nehuma alternativa à gestão da
sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente
“educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma
subordinação hierárquica e implacavelmente imposta (p. 35).

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Diante disso, pegando como recorte a década de 1990, o Brasil, como signatário
de acordos internacionais que envolveram o tema educação, como o que ocorreu em
Jomtien (Tailândia), vem reconfigurando suas propostas educacionais, como
respostas as demandas dos órgãos internacionais e a nova organização mundial do
trabalho.
Para dar conta disso, com a medida provisória nº 746, uma ampla reforma no
ensino médio foi feita na educação dos/as jovens brasileiros/as, medida esta que se
consolidou com a Lei nº 13.415/2017 e que impactou diretamente na Lei nº 9394/1996
(LDB).
Nos contextos em que são implementadas, essas reformas buscam instituir um
currículo mínimo definido por competências, como é o caso da BNCC, em que
essas são definidas como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocinais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (ACCIOLY e LAMOSA,
2021, p. 708).

No texto da BNCC, em sua versão para o ensino médio, é explicita a necessidade


de modelar os/as estudantes as novas necessidades do capital.

Para responder a essa necessidade de recriação da escola, mostra- -se


imprescindível reconhecer que as rápidas transformações na dinâmica social
contemporânea nacional e internacional, em grande parte decorrentes do
desenvolvimento tecnológico, atingem diretamente as populações jovens e,
portanto, suas demandas de formação. Nesse cenário cada vez mais complexo,
dinâmico e fluido, as incertezas relativas às mudanças no mundo do trabalho e
nas relações sociais como um todo representam um grande desafio para a
formulação de políticas e propostas de organização curriculares para a
Educação Básica, em geral, e para o Ensino Médio, em particular (BRASIL,
2015, p. 462).
Sobre os impactos na LDB, em seu Art. 35º trás como uma de suas finalidades
para a etapa do ensino médio “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL,
1996, paragrafo 2º). Neste recorte, podemos observar a defesa de uma flexibilidade por
parte dos/as estudantes, flexibilidade esta, que permitirá uma adaptação as condições cada
vez mais precárias e desumanas, responsabilizando unicamente o/as trabalhador/a pela
sua não incorporação ao mundo do trabalho, deixando de lado uma análise profunda das
condições materiais que levam ao desemprego.
Em um outro paragrafo deste mesmo artigo “a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina” (BRASIL, 1996, paragrafo 4º), deixa clara a intenção de uma

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formação alijada de conhecimentos históricos e filosóficos, que permitirão uma visão de
uma realidade complexa e contraditória. Ou seja, espera-se dos/as estudantes
conhecimentos para um mundo do trabalho onde a formação técnica, o saber fazer,
superar a dimensão de refletir sobre esse saber fazer e sobre suas condições de produção.
Neste contexto, de valorização de competências socioemocinais, a BNCC, atua
dentro de uma proposta que já foi citada ao longo do texto, mas que vale ressaltar com
aquilo que citam Accioly e Lamosa (2021)

[...] a reforma do ensino médio adequa a legislação brasileira ao movimento


global das reformas educacionais do século XXI que tem como característica
central conceder aos sistemas educacionais a flexibilidade necessária para
consolidar a influência do capital em todas as dimensões da escolarização e
formação humana, de forma a atender as demandas flutuantes por força de
trabalho e educar o comportamento dos trabalhadores visando prevenir
revoltas sociais frente às intensificadas crises do capital (p. 409).
Para atender as novas demandas, nada melhor e mais eficiente, do que a
maquiagem, o transformismo que o capital trás nos slogans, como aquele a favor de
uma suposta ideia de que “Todos pela Educação” deve ser algo defendido por
todos/as. A problematização desses “todos” é de grande importância, visto que,
desqualifica-se algo, no caso a educação publica, os/as professores/as e todo processo
escolar, para qualificá-lo de forma a moldar, instituir um receituário a favor das
demandas atuais do capital, onde setores da sociedade civil, passam a vender um
direito, transformado em serviço.
Nesta venda, embute-se todo um contexto de apaziguamento, de modelagem, de
convencimento da classe trabalhadora para que se adequem de forma flexível num
mundo onde as relações de trabalho são cada vez mais gelatinosas. Incentiva-se o
empreendedorismo e projetos de vida, desloca-se um problema de ordem estrutural a
nível individual, ou seja, tu passas a ser culpado por seu fracasso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho fizemos um esforço no sentido de mostrar como a
repolitização da educação, principalmente quando analisadas lançando luz na BNNC, em
sua versão final para o ensino médio, trás em seu bojo, todo o ideário de conformação e
modelamento de juventude e, consequentemente, da classe trabalhadora, as novas
demandas do capital.
Com estratégias que buscam dar conta das demandas de órgãos internacionais,
sobre uma nova ordem de distribuição internacional do trabalho, modelar

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comportamentos no sentido de aceitar as reconfigurações no mercado de trabalho,
fazendo com que, no caso das escolas, que a juventude construa seu projeto de vida,
levando em consideração competências socioemocinais, tais como: resiliência,
resignação, adaptação, solução de problemas, cooperação entre outras que colocam os/as
estudantes num local de responsabilização por seus fracassos.
Por fim, o trabalho buscou, somando-se a outros que tratam da temática, mostrar
o quanto é necessária a denúncia e, principalmente, a busca por um processo educativo
que atenda os reais interesses da classe trabalhadora, ou seja, uma escola pública, gratuita,
laica e de qualidade substantiva e que transmita os conhecimentos históricos, filosóficos
e científicos produzidos pela humanidade.

REFERÊNCIAS

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da Juventude: Mecanismos de Coerção e Consenso frente às Transformações no Mundo
do Trabalho e os Conflitos Sociais no Brasil. Revista Vértice, Campos dos
Goytacazes/RJ, v.23, n.3, p. 706-733, set./dez. 2021.

Brasil – Ministério da Educação (2015). Base Nacional Comum Curricular. Brasília:


MEC/SEB. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso 02 Dez
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Nacional. Lei n. 9.394/96. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso 02 Dez 2021.

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GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Editora Civilização


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para a educação na periferia do capitalismo. RTPS - Revista Trabalho, Política e
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SANTOS, Aparecida Tiradentes dos. Neoliberalismo, trabalho e educação no século


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