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SANTARÉM
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE CIÊNCIAS HUMANAS
LICENCIATURA INTEGRADA EM HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
SANTARÉM
2021
FREI CRISTÓVÃO DE LISBOA (1583-1652)
E A DEFESA DOS ÍNDIOS
__________________________________
Prof. Dr. Douglas Mota Xavier de Lima – Orientador
Universidade Federal do Oeste do Pará
__________________________________
Prof. ............................... – Avaliador
Universidade Federal do Oeste do Pará
__________________________________
Prof. ................................... – Avaliador
Universidade Federal do Oeste do Pará
SANTARÉM
2021
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois foi Ele que me deu forças para vencer muitos
obstáculos ao longo do meu percurso acadêmico e hoje poder concluir de forma satisfatória.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grata a Deus por ter me mantido firme neste meu propósito de concluir meu Artigo.
Agradeço muito aos meus familiares por ter sempre me apoiado e principalmente a minha mãe
que foi minha grande motivação. E deixo meu agradecimento muito especial ao meu orientador
pelo incentivo e paciência que teve comigo.
1
Resumo
A Ordem franciscana sempre esteve presente nas navegações que saiam para descobrir novos mundos e
garantir para a Coroa novas terras e fazer novos cristãos através da catequização. Esses homens de Deus
souberam viver e propagar a fé cristã no novo mundo em nome da Coroa, pois para os frades o
importante era ganhar almas e novos cristãos. Isso se dá através dos aldeamentos e na vivencia cotidiana
com os indígenas. Para esses povos todo esse processo de contato com outra era nova, e aos poucos os
indígenas vão percebendo que estar no aldeamento pode trazer muitas vantagens. Como toda
colonização é violenta e abusiva essa prática não se faz diferente em terras brasílicas, pois para esses
colonos o importante é a exploração a todo custo, mesmo que isso custe a vida dos nativos aqui presentes.
E esta pesquisa vem mostrar como se dá o desenvolvimento dessa missão e como esses missionários
irão usar de métodos para atrair os nativos e torna-los cristãos e súditos do rei. Dentro desse contexto de
exploração por parte dos colonos, surge a pessoa de Frei Cristóvão de Lisboa, um frade português que
irá defender os direitos dos indígenas e denunciar os inúmeros castigos e abusos contra essa gente.
Introdução
O estudo que se apresenta tem diferentes pontos de partida. Primeiramente, por ser
cristã católica e atuar numa área de Santarém onde os franciscanos têm uma presença muito
forte, nutri o interesse em aprofundar meus conhecimentos em relação às práticas e aos valores
da ordem e do próprio Evangelho pregado pelos mesmos. Paralelamente, durante a leitura da
obra São Francisco de Assis (2007)3, de Jacques Le Goff, fui motivada a analisar a atuação
franciscana, em especial no Brasil e na região amazônica. Ao prosseguir meus estudos, percebi
que a história do Brasil, desde a chegada dos portugueses, foi marcada pela presença de ordens
religiosas, merecendo destaque a ordem franciscana. Em vista dessa importância, procurei
investigar a atuação dos franciscanos em Santarém.
1
Agradecimentos.
2
Graduanda em História da Universidade Federal do Oeste do Pará, sob orientação do Prof. Dr. Douglas Mota
Xavier de Lima (UFOPA).
3
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2007.
disso, ao ler a obra de Maria Adelina Amorim, Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará:
Missão e cultura na primeira metade de seiscentos (2005), entrei em contato com o personagem
de Frei Cristóvão de Lisboa, franciscano português que atuou na região do Maranhão e do
Grão-Pará durante o século XVII, e teve destaque na defesa da liberdade dos índios.
Ao analisar as missões no Brasil, muitos autores irão destacar em seus estudos o jeito
e a dinâmica que estes missionários utilizaram para sua catequização em solo brasílico e como
as características da Ordem franciscana não irão se perder ao longo do tempo e nem com a
distância, pois Francisco de Assis criou uma ordem estruturada e forte, sabendo trabalhar a fé
cristã entre os povos mais distantes, no caso o Brasil,como enfatiza a autora Vanessa Anelise
Rocha.
É notório que muitos autores buscam compreender esse período colonial, pois é um
período de grandes adaptações, de formação de novos estados, como o Estado do Maranhão, e
a expansão da catequese indígena, como vai analisar Alírio Carvalho. A presença franciscana
nestes locais nunca vai deixar de ser um incomodo, pois à medida que há o avanço colonial e
conquista de mais terras, vão surgindo conflitos políticos uma vez que a nova sociedade vai
nortear as relações entre os religiosos e os laicos.
Além desses conflitos e interesses dos colonos, um outro fato nesse processo de
catequização vai ser os aldeamentos. Desde os primeiros contatos dos colonos com os povos
indígenas a violência através das guerras foram constantes e muitas populações indígenas
foram dizimadas. Um outro fator que marca este contato são os pesados castigos a que foram
submetidos estes povos, talvez um dos motivos pelo qual muitos indígenas irão ficar nos
aldeamentos, uma vez que aqueles que fogem ao serem capturados são duramente castigados.
Mais aos poucos estes povos vão aprendendo a tirar vantagens desse processo de aldeamento,
pois vão perceber que estar inserido na aldeia vai trazer algumas vantagens como proteção e
terra, como descreve claramente Maria Celestino de Almeida em “ Catequese, aldeamentos e
missionação.”
E seguindo essa mesma analise, o professor Karl Heinz Arenz em sua obra “ Levar a
luz de nossa fé aos sertões de muita gentilidade”, também vai enfatizar as vantagens desses
aldeamentos para esses povos, pois segundo o autor esses povos vão viver sob a tutela desses
religiosos, que aos poucos vão se adaptando aos aldeamentos aumentando a concentração
desses povos e fazendo com que se realize a conversão destes, tornando-os súditos cristãos,
além de ter sua mão de obra nas aldeias.
Segundo a autora Vanessa Anelise Rocha, “São Francisco fundou uma ordem na qual
pregava os valores da obediência, da pobreza e da castidade, e todos os integrantes deveriam
viver segundo o evangelho, no estado permanente de missão penitencial e no contato direto
com o povo, reunindo a comunidade cristã. Desta forma, Francisco foi inovador pelo fato de
nunca ter criticado a estrutura eclesiástica e nem de ter condenado o sistema socioeconômico.
Pelo contrário, fez da pobreza uma escolha e não uma imposição, dando lugar para todos os
grupos sociais, desde os mais privilegiados ao menos favorecidos.”
Analisando as missões no Brasil a autora descreve ainda “que mesmo com algumas
mudanças dentro da ordem, essa característica franciscana não irá se perder. Do ideal primitivo
de Francisco de Assis criou-se uma ordem estruturada e forte que soube trabalhar a favor da fé
cristã, propagando-a entre os povos mais distantes. Na colônia, as missões tiveram como
característica a catequese de alguns povos indígenas, em determinadas regiões. Algumas dessas
missões deram certo, porém outras terminaram na morte de frades e ataques a vila.”
Sendo a Amazônia um lugar ainda pouco conhecido pelos portugueses, foram
organizadas 2inúmeras expedições com contínuo insucesso, devido a densidade da floresta e a
presença dos gentios que ali se encontravam. Mesmo diante desses desafios, explorar a floresta,
era o desejo de muitos aventureiros que, em busca de riquezas, reacendiam a febre pelo ouro e
o desejo de desvendar os segredos da floresta constituída de metais e pedras preciosas. Isso fez
com que Portugal organizasse grandes expedições para explorar a Amazônia, garantindo com
isso a conquista do território e braços fortes para o sustento da colônia e a exploração do lugar
até então desconhecido e misterioso.
Nesse processo, se fez necessário a presença de religiosos, que buscavam pacificar as
7 ROCHA, Vanessa Anelise F. Cotidiano missionário: Franciscanos e indígenas em convívio nas missões.Anais do XV do
Encontro Regional de História da Anpuh- Rio de Janeiro.
8 ALMEIDA,Maria Celestino de. Catequese,aldeamentos e missionação. 2000.p.443.
9 ALMEIDA,Maria Celestino de. Catequese,aldeamentos e missionação. 2000.p.443.
relações entre os nativos e os colonos, uma vez que a missão dos frades era a conversão das
almas dos gentios e a propagação do Evangelho. Conforme Maria Regina Celestino de
Almeida, ao longo do século XVI o processo de pregação itinerante, no qual os padres se
dirigiam às aldeias dos índios nos sertões para ali catequizá-los, deu lugar à prática de deslocá-
los para a proximidade dos núcleos portugueses e assentá-los em aldeias construídas
especificamente para reuni-los.
Segundo Almeida, 2014, “além de organizar os índios em aldeamentos e mantê-los
como seus aliados, os europeus tinham outro objetivo: catequizá-los. Esse processo não foi
muito fácil, pois difundir a fé católica para os indígenas aldeados foi um desafio árduo para os
missionários. Estes fixaram-se nas aldeias sobre condições difíceis de adaptação, pois tinham
que enfrentar a hostilidade dos indígenas, as longas viagens, sem mencionar as guerras
intertribais.”
Esses missionários souberam adaptar seu projeto de evangelização às condições do
local onde desenvolveram uma dinâmica de aproximação dos indígenas, oferecendo-lhes
presentes para que estes permanecessem nas aldeias. Fundaram colégios, criaram novas
aldeias, implantaram fazendas e outras atividades econômicas com as quais construíram
grandes patrimônios. Com os novos aldeamentos, muitos grupos indígenas passaram a aceitar
a condição de aldeados, pois viam nesse espaço um lugar de proteção em meio as guerras, o
que fazia com que esses grupos procurassem fazer uma aliança com os missionários. Como
argumenta Almeida: “Para os índios, no entanto, as aldeias missionárias tinham significados e funções
bem diversos: terra e proteção, por exemplo, emergem dos documentos como algumas de suas
expectativas básicas ao buscar a aliança com os portugueses”
Segunda a autora “,não obstante, para os índios as aldeias passaram a ser um lugar de
prejuízos incalculáveis, pois agora os indígenas tinham que se sujeitar as ordens dos
portugueses e viverem de acordo com suas regras de trabalho, submetendo-se a uma nova
rotina, sendo proibido as suas práticas culturais e o abandono de suas antigas tradições,
incorporando novos valores nesse processo e transformados em súditos cristãos.”
(ALMEIDA, 2000.p. 446).
E ainda fazendo menção a autora menciona “Dessa maneira são mudadas as regras
de funcionamento das aldeias e suas relações com os portugueses e a sociedade envolvente.
Essas diferenças vão enfocar diretamente na relação com os jesuítas uma vez que estes estão
presentes nas aldeias desenvolvendo a catequese e ao mesmo tempo direcionando o bom
funcionamento das aldeias.” (ALMEIDA 2000.p.448).
Diante dessa realidade muitos frades franciscanos lutaram em defesa dos índios, entre
eles Frei Cristóvão de Lisboa, que elaborou muitas cartas denunciando o comportamento das
autoridades portuguesas e os abusivos castigos para com os gentios, assim como muitos
sermões que criticavam a sociedade e o tratamento com os nativos. Frei Cristóvão organizou
a missão franciscana no Maranhão e deixou para a história um verdadeiro testemunho de sua
fé e de sua luta incansável em defesa da liberdade dos índios. Desta maneira, a partir das cartas
e dos sermões, pretendemos analisar como Frei Cristóvão de Lisboa atuou na defesa da
liberdade dos índios.
A 25 de julho de 1583, nasceu Cristóvão Severim de Faria, assim chamado por ser dia
de São Cristóvão, no seio de uma família importante da sociedade lisboeta do século XVI.
Filho das segundas núpcias de Gaspar Gil Severim, executor-mor do Reino e escrivão da
3
Fazenda Real, e de Juliana de Faria, sendo estes primos entre si, oriundos de uma nobreza
administrativa que se afirmava na corte. Na sua adolescência e juventude Cristóvão realizou
os estudos na Universidade de Évora, juntamente com seu irmão mais velho, Manuel Severim,
ficando a educação de ambos a cargo do seu tio, o padre Baltasar de Faria Severim, chantre da
10SOUSA, Luis Felipe Marques de. Frei Cristovão de Lisboa(1583-1652) vida e Obra do primeiro Custódio do Maranhão (
trabalho apostólicos, historiografia e primeiros estudos de Zoologia na Amazonia.
11
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Viagens em Portugal de Manuel Severim de Faria (1604-1609-1625). Lisboa:
Academia Portuguesa de História, 1974, p.85-92 Apud SOUSA, Luís Filipe Marques de. Os capuchos de Santo
António (1585-1635). Lisboa: Universidade de Lisboa, Dissertação de mestrado, 2007, p.174.
12 10SOUSA, Luis Felipe Marques de. Frei Cristovão de Lisboa(1583-1652) vida e Obra do primeiro Custódio do Maranhão (
trabalho apostólicos, historiografia e primeiros estudos de Zoologia na Amazonia.p.3
13
14
AMORIM, Maria A. Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará: Missão e cultura na primeira metade de
seiscentos. Lisboa: CLEPUL, CEHR, 2005, p.168.
Sé de Évora, ,é o que nos afirma o autor Luis Filipe Marques de Sousa.
Por ordem de sua Majestade, e obediência dos meus prelados passei às partes
do Maranhão e Pará a fundar numa nova custódia dos religiosos capuchos da
minha província de Santo Antônio, fui forçado a tomar o Brasil, deter-me nele
algum tempo. E daí me tomei a embarcar para o Maranhão onde assisti doze
anos, correndo visitando por várias vezes as terras daquelas conquistas,
ocupando-me na conversão dos gentios, a doutrina dos cristãos, remediando
e compondo também vários casos que me vinham à mão, por razão das
comissões de diferentes tribunais, ultimamente seguindo a ordem de meus
superiores, me recolhi por Índias de Castela, donde me embarquei para
Espanha...
Como descreve Amorim “Foi assim que, em 1624, Frei Cristóvão de Lisboa embarcou
para o Brasil na posição de visitador eclesiástico e comissário do Santo Ofício, tendo também
a missão de evangelizar. Notabilizou-se pela publicação do tratado História dos Animais e
Árvores do Maranhão e, principalmente, pela defesa dos índios.” E de acordo com Sousa “ Frei
Cristóvão permaneceu no Maranhão por doze anos e durante esse tempo desenvolveu
atividades missionárias entre os índios. Seu principal fundamento era a liberdade dos indígenas,
tornando-se um frade importante e com dupla função nas tribos, como sacerdote e como árbitro,
atuando nas contendas entre os membros dessas tribos.”
Antes de partir para o Maranhão, na companhia de Francisco Coelho de Carvalho, Frei
Cristóvão de Lisboa deu início às suas funções de superior da Missão Franciscana, requerendo
à Coroa que regulamentasse as condições de administração temporal dos índios, ao mesmo
tempo que denuncia a situação de mau tratamento a que estavam sujeitos sob o jugo dos
portugueses.
Frei Cristovão de Lisboa não aceita as condições dos índios que vivem explorados
pelos capitães e envia um requerimento a Filipe II, comungando deste mesmo pensamento os
religiosos informam ao monarca as práticas abusivas e a busca somente pelo lucro,e
apresentam diversas queixas contra os capitães, falando da exploração, do trabalho forçado e
sem pagamento e denuncia também o roubo de suas mulheres e filhos, e possivelmente esses
roubos são para práticas de amancebia.Com o trabalho excessivo estes indígenas não têm tempo
para frequentarem os cultos e toda a ação catequética planejada pelos franciscanos, e isso vai
contra os planos da Coroa, que tem como principal objetivo introduzir esses gentis na fé cristã.
Essas práticas violentas dos capitães vão provocar nos índios o desejo de se afastar do
aldeamento e começam a fugir para o interior dos sertões, onde vão transmitir aos outros as
péssimas condições em que viviam junto aos portugueses e estes vão se tornando inimigos
mortais. Seguindo seu objetivo e missão, o custódio pede pelo fim da administração dos
capitães sobre os índios, mostrando mais uma vez que sua ação missionária é em prol da
liberdade dos índios.
Diante dessas denuncias ao monarca, Frei Cristóvão de Lisboa valoriza a pessoa do
índio e ressalta a sua importância na economia, na sociedade e na própria defesa da colônia.
Quando esses capitães maltratavam os indígenas vinha como consequência a fome por que
estes eram impedidos de cultivarem suas roças, e com isso havia fugas e a colônia ficava
fragilizada e sob ameaças dos ataques de índios não pacificados.
Então, o ex governador, Gaspar de Sousa, aprova a petição, e chega da corte o alvará
régio a conceder a administração temporal dos índios aos Capuchos de Santo Antônio, e aos
15 de março de 1624, Filipe II ordena a retirada da administração das aldeias de índios e se
entregue aos franciscanos:
“ Fui informado que as pessoas a que fiz mercê das capitanias de algumas
aldeias nas partes do Maranhão, vexam os índios por diversos modos,
obrigando-os a trabalhar com excesso e demasia, não lhe pagando o preço e
o jornal do seu trabalho, tomando-lhe mulheres e filhos(...)
D. Filipe II
15
SOUSA, Luís Filipe Marques de. Frei Cristóvão de Lisboa (1583-1652) vida e obra do primeiro custódio
Do Maranhão. Comunicação ao Congresso Internacional sobre os franciscanos em Portugal e no mundo, 27 a 29
de julho de 2011, Lisboa.
16SOUSA,Luis Filipe Marques de. Frei Cristovão de Lisboa(1583-1652) Vida e Obra do primeiro custódio do Maranhão(
trabalhos apostólicos, historiografia e primeiros estudos de zoologia amazônica).p.6
17 SOUSA,Luis Filipe Marques de. Frei Cristovão de Lisboa(1583-1652) Vida e Obra do primeiro custódio do Maranhão(
trabalhos apostólicos, historiografia e primeiros estudos de zoologia amazônica).p.6
18Cf.: MARQUES, João Francisco. Frei Cristóvão de Lisboa, missionário no Maranhão e Grão-Pará (1624-
1635), e a defesa dos índios brasileiros. In: Revista da Faculdade de Letras, História, Universidade do Porto,
n.13, 1996, p.323-352.
22 AMORIM, Maria Adelina. Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará: Missão e cultura na primeira metade de
seiscentos. Lisboa,2005p.163.
5. Os sermões e as cartas: a defesa dos índios
Frei Cristovão de Lisboa não mediu esforços para defender os nativos contra a
exploração dos portugueses e até mesmo dos moradores da região do Maranhão e Grão-Pará e,
de acordo com Amorim, para isso, soube fazer uso da oratória em defesa dos índios. O
missionário enfrentava a hostilidade de forma ativa mesmo que isso significasse alguns
dessabores e sofrimentos.
A atuação do franciscano em defesa dos índios pode ser observada desde antes da sua
chegada à colônia. Por exemplo, em 17 de outubro de 1623, ainda em Portugal, Cristóvão envia
um requerimento a Filipe II, no qual apresenta queixas contra os capitães que maltratam os
índios, explorando-os, alugando-os, fazendo-os trabalhar sem pagamento e roubando-lhes as
mulheres e os filhos.
O custódio pede que cesse a administração dos capitães sobre os índios, por ser em
detrimento do serviço de Deus e de sua Majestade. Conforme, Adelina Amorim, pela datação
do requerimento, o pedido foi produzido no seguimento do “Memorial dos Capuchos do Pará”,
um dos mais antigos testemunhos da História do Estado do Maranhão e Pará e da luta em prol
dos direitos humanos e da liberdade dos índios.
[Ant.1623, outubro 17], Requerimento do custódio e mais religiosos do Maranhão a Filipe II,
queixando-se dos capitães que exploram os índios, alugando-os, fazendo-os trabalhar e chegando a
tomar-lhes mulheres e filhos.
m Custódio e mais religiosos que Vossa Majestade manda para a conversão dos gentios do Maranhão e
Pará, que alguns portugueses, não sendo Vossa Majestade bem informado, alcançaram de Vossa
Majestade as capitanias das aldeias dos gentios daquelas partes, o que é em grande detrimento do serviço
de Deus e de Vossa Majestade, porque os tais capitães, como a experiência o tem mostrado, assim em
toda a costa do Brasil como nas Índias de Castela, tendo supostos os olhos no proveito temporal, por
cujo respeito pretendem as sobreditas capitanias sem ordenado algum, vexam os índios por diversos
modos, alugando-os e fazendo-os trabalhar com excesso e demasia e tomando-lhe o preço e jornal de
seu trabalho e chegam a tomar-lhe as mulheres e filhas, tratando a todos com aspereza e rigor imoderado,
sem terem cuidado de os remediarem e prevenirem suas necessidades, antes nem tempo lhe dão para
fazerem suas roças, que é o de que aquela gente se mantém e juntamente os portugueses, e atendendo só
a que trabalhem, lhe não dão lugar para os doutrinar, sendo a instrução da fé o principal intento com que
Vossa Majestade, com tanta despesa de sua Fazenda, manda povoar e conquistar aquelas partes. E com
os sobreditos capitães, os gentios que querem ser levados com brandura se escandalizam, de modo que
feitos num corpo, fogem para o sertão, levando tais novas dos portugueses aos outros que nos ficam
tendo e tratando como a inimigos mortais, donde se segue ficar a terra erma, sem quem a cultive, e
portanto, falta de mantimento, caça e pesca, que eles fazem sem se poder povoar e sem haver quem
sirva. E sobretudo impedindo-se e tolhendo-se totalmente a conversão daquela gente e a dilatação da fé
católica, porque os que a tinham recebido, fugindo para o sertão a deixam, e os outros, como evitam o
comércio dos portugueses, não podem ter notícia dela, e além disto fica a terra conquistada, a risco de
se poder mal defender. Como não temos os índios por amigos, com que nos defendamos dos que os não
são, e sem eles o fazemos com dificuldade, por ser a terra muito coberta e cheia de arvoredo muito
serrado, onde só sabem e podem pelejar os índios como naturais e práticos na terra e costumados a
pelejar em semelhantes postos, com as mesmas armas de arcos e flechas de que nós não usamos, sendo
as nossas para semelhantes lugares de pouco efeito, donde se achará que o Brasil e Índias de Castela
foram conquistados com os mesmos gentios nossos amigos, que os capitães granjearam, por entenderem
que sem eles não podiam ofender aos outros nem defender-se.
A Vossa Majestade seja servido de mandar que as mercês das tais capitanias não tenham efeito, pois
por todas as mais são em detrimento do serviço de Deus e de Vossa Majestade. E Receberão Mercê. O
movimento representado por Cristóvão foi acatado pela coroa, sendo expedido alvará régio a conceder
a administração temporal dos índios aos capuchos de Santo Antônio. Aos 15 de março de 1624, Filipe
II ordena que se retire aos seculares a administração das aldeias de índios e se a entregue aos
franciscanos, para o que se dispõe, lhes sejam concedidas as ordinárias competentes. O texto do
documento expressa o conteúdo do requerimento do custódio, as sugestões dos missionários capuchos
e revela a importância da Ordem junto da corte.
Ao Rei faço saber, aos que este alvará virem, que eu fui informado, que as pessoas a que
fiz mercê das capitanias de algumas aldeias nas partes do Maranhão, vexam aos índios por
diversos modos, obrigando-os a trabalhar com excesso e demasia, não lhe pagando o preço e
jornal do seu trabalho, tomando-lhe suas mulheres e filhas, tratando a todos com aspereza e
rigor, sem terem cuidado de os remediarem nem proverem suas necessidades, antes os
impedirem de fazer suas roças, dando ocasião com isso, a lhes faltar lugar para os doutrinarem
em os mistérios da nossa santa fé. E querendo nisto prover, como convém ao serviço de Deus e
meu, e ao bem dos meus vassalos daquelas conquistas, para que elas vão por diante e cesse o
modo dos ditos capitães, pela maneira sobredita escandalizarem os gentios, e por essa causa
fugirem para o sertão, e por outras considerações que me a isto movem, hei por bem e me apraz,
que as capitanias das aldeias que estiverem dadas nas ditas do Maranhão a pessoas seculares,
se lhe tirem e assim toda a administração que de outras se tem dado aos clérigos. E manda aos
Provedores das ditas partes e mais justiças e oficiais e pessoas, a que o conhecimento disto
pertencer, que cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar este alvará, como
nele se contém, que valerá, e posto que, seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo
das Ordenações, Livro IX, § 40, em contrário. João Correia o Fez, em 15 de março de 1624. E
eu Pedro Sanches Faria o fiz escrever.
Apesar disso, abre-se uma profunda alteração no campo administrativo da sociedade
colonial, criando disputas entre as várias forças em questão. De acordo com Amorim,
“autoridades municipais e governativas, religiosos dos vários institutos e congregações,
governantes locais e do poder central, teólogos e juristas vão encetar a partir daí um conflito
sem tréguas, que tem tradução profunda na vida e na sociedade do Estado do Maranhão daquela
época.”
O movimento representado por Cristóvão foi acatado pela coroa, sendo expedido
alvará régio a conceder a administração temporal dos índios aos capuchos de Santo Antônio.
Aos 15 de março de 1624, Filipe II ordena que se retire aos seculares a administração das aldeias
de índios e se a entregue aos franciscanos, para o que se dispõe, lhes sejam concedidas as
ordinárias competentes. O texto do documento, citado na obra de Amorim, expressa o conteúdo
do requerimento do custódio, as sugestões dos missionários capuchos e revela a importância da
Ordem junto da corte.
Mesmo longe, Frei Cristóvão de Lisboa, não desistiu da sua luta em defesa dos
indígenas e preparou um semanário para publicar os seus sermões que declarou quando esteve
no Grão-Pará e Maranhão e intitulou: Santoral de Vários Sermões de Santos, oferecido a
Manuel Severim de Faria, chantre da Sé de Évora. Esta obra é constituída de vinte e seis
sermões e Frei Cristóvão de Lisboa faz uma dedicatória ao seu irmão Manuel Severim com a
declaração de que se tenha através desta obra a notícia dos seus trabalhos: “e possa Vossa Mercê
julgar sobre publicação das outras obras que intento dar à estampa”( Amorim,2005)
Os sermões constituem, segundo Francisco da Gama Caeiro, um terreno fértil para
“abordagens novas de textos velhos”. Frei Cristóvão de Lisboa inicia seu prólogo com uma
autobiografia e informa aos leitores de que fez em todas as partes por onde passou vários
sermões: “Deles separei para imprimir os que se contêm no presente livro, não por me parecer
que foram os mais aceites que preguei, mas por que não faltou quem os notasse de muito
ásperos.”
Os discursos de Frei Cristovão comparam o cativeiro dos índios a um roubo, uma
usurpação quê revolta os naturais, de modo a que eles se inserjam contra os cristãos e não
queiram seguir-lhes a doutrina.
Frei Cristovão compara os mercadores do sertão a ladrões, que não porão o pé “na
vereda do céu”, citando Jó. Distingue dois tipos diferentes de mercadores e acusa aqueles que
são “ os mais refinados cobiçosos do mundo”, porque são ladrões disfarçados, salteadores e
bestas feras, que se mantém de gente: “Levam estes tais mercadores uma rede defumada, que
não presta para coisa alguma, nem o índio quer. Metem-lhe em casa à força e tiram-lhe dela
maior força o escravo de que se servia”
Estes lançavam mão ao índio livre e, ainda que aquele não o quisesse vender, atiravam-
lhe a rede para o chão e apanhavam-lhe o escravo. Diante disso, Frei Cristóvão de Lisboa
declara que os mercadores cobiçosos não alcançarão o céu, pois o céu não se conquista com o
roubo do alheio. Percebe-se que os sermões pregados no Maranhão, Frei Cristovão revela-se
incisivo nas críticas, sem procurar abrandar o ritmo da acusação., procurando sempre manter o
tom. Como bem percebemos no sermão de Nossa Senhora da Apresentação que compara o mar
ao “ajuntamento dos maus”. Quando os rios “de águas cristalinas, doces e saudáveis” entram
no mar, ou o mar nelas, através das marés, ficam corrompidos.
O missionário ainda persiste na comparação do mar com os homens maus que
contaminam os rios, representantes dos homens bons, os maus são como que corrompe as partes
boas dos rios: “E não basta abster-se de ir buscar aos maus, basta que consistais que vos
busquem eles, para em poucos dias vos contaminarem a consciência”.
Ainda seguindo a linha do discurso do pregador, no movimento das marés, quando esta
vaza e o mar recua, o rio ficará como dantes, “como sucede em muitos os que estão nesta
conquista”. Como descreve a autora, diante desta realidade surgem alguns questionamentos
sobre os sermões do Frei Cristóvão e suas críticas diante da exploração dos nativos e um desses
questionamentos se referia a quem seria o pregador e quem seria como o mar pestilento e como
o rio puro. Seguindo a linha do sermão do missionário e sua explicação os puros são os índios
que se corrompem pelo contato com brancos, ou haveria entre eles, alguns homens bons que se
estragariam em contato com os maus.
Seguindo a lógica do mesmo sermão, Frei Cristóvão provoca os moradores a tratar
bem os seus criados bem como os filhos destes porque senão o fizerem se tornarão pessoas
ruins e viciosos. Ainda nesse contexto o autor faz referência aos “línguas dos sertões”, que são
índios que serviam os capitães e vão pelos sertões apresar outros índios para o patrão:
Esse “língua” vai de aldeia em aldeia, mandado por seu senhor, buscar mais escravos,
e “faz em todas por onde passa mil exorbitâncias e insolências” e comete toda a espécie de
maldade inclusive cometer abusos contra as índias, chegando a desonra-las. Espanca os índios
principais das aldeias e furta-os, fazendo-o triplamente para dividir o seu próprio quinhão, outro
para o cabeça que o conduziu à aldeia e, o terceiro para o amo que o enviou.
“Metem-se nas canoas com trinta tupinambás remeiros que lhe servem em cada
uma de asas, levam as canoas voando, e os que vão dentro levam outras asas
de liberdade e poder para assolar tudo; as unhas das traças e crueldades para
roubar e destruir não lhe faltam, antes lhes crescem cada dia mais, e assim não
deixam coisa que não consumam”.
Neste sermão de Nossa Senhora da Apresentação, o pregador faz uma profunda crítica
como é o cativeiro dos índios e a forma como ocorre sua captura, que é cercada de violência.
Ainda acusa a forma do uso dos índios domésticos, que são levados por seus amos ambiciosos
e sofrem todos os tipos de abusos e ainda denuncia o sistema das entradas que são feitas sem
nenhum controle e deixam os índios do sertão `a mercê dos seus capturadores, sem qualquer
freio.
A autora ainda afirma que no sermão de São Boaventura, Frei Cristovão insiste no tema
do cativeiro dos índios, no modo como se fazia o seu comercio, trocando os seus produtos por
coisa nenhuma, capturando os índios forros e todos os seus haveres:
Assentai para o que passa nestas idas e vindas dos sertões. Vai lá fulano e
cicrano e espantam-se todos de verem homens que não levaram coisa alguma,
de trazerem tantas. Não lhes escapa, forro, que os tais não tragam por cativo,
nem coisa que os índios que lá ficam, possuam, que lhe não apanhem.
Brevemente deixam os índios pelados e esfolados, quando os não fazem
escravos.
Considerações finais
Fontes
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Severim de Faria Chantre da Sé de Évora. Lisboa: António Álvares, 1638. Cartas de Frei
Cristóvão de Lisboa. In: Apêndice documental. In: AMORIM, Maria Adelina. Os
Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará: Missão e cultura na primeira metade de seiscentos.
Lisboa: CLEPUL, CEHR, 2005, p.221-325.
Bibliografia
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https://www.academia.edu/18058850/FREI_CRISTÓVÃO_DE_LISBOA_1583-1652_
Vida_e_Obra_do_primeiro_custódio_do_Maranhão_trabalhos_apostólicos_historiografi
a_e_primeiros_estudos_de_zoologia_amazónica_
SOUSA, Luís Filipe Marques de. Frei Cristóvão de Lisboa (1583-1652) vida e obra do primeiro
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