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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LESTRAS E ARTES


CURSO DE PEDAGOGIA

Patricia Sebastiana Pires Guelles

Os caminhos opostos percorridos por jesuítas e franciscanos


na colonização do Brasil

Maringá, PR
2011
Patricia Sebastiana Pires Guelles

Os caminhos opostos percorridos por jesuítas e franciscanos


na colonização do Brasil

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como


requisito parcial para a obtenção do título de Licenciatura
Plena em Pedagogia, pelo curso de Pedagogia da
Universidade Estadual de Maringá.

Orientador: Profº. Drº. Célio Juvenal Costa

Maringá
2011
Dedico este trabalho aos meus filhos, Gabriel,
Isabela e Davi que com um amor incondicional
me ensinaram a vencer todos os obstáculos
percorridos nesses últimos quatro anos.

Dedico também ao meu esposo Elvio, que


tanto amo.
AGRADECIMENTOS

Com a conclusão deste trabalho encerramos mais uma etapa de nossas vidas.
E como não começar agradecendo a Deus, que me permitiu viver esses quatro
anos de aprendizagem, alegrias e tristezas, guiando e me sustentando em
todos os momentos difíceis.

E como não agradecer pelo apoio incondicional do meu esposo Elvio, que
esteve do meu lado, compartilhando todos os aprendizados e as inseguranças
vividas nesses anos.

Como não agradecer aos meus pequenos: Gabriel, companheiro e amoroso,


Isabela e Davi, que vieram no decorrer desses quatros anos, e que fizeram o
jardim da minha vida brilhar e ser ainda mais perfumando. Amo vocês e sei que
foi difícil aguentar a mamãe que muitas vezes só queria saber de estudar.

Os meus pais, Valto e Neide, foram os que me ensinaram que os melhores


sonhos são aqueles mais difíceis de serem realizados. A vocês dedico todo
meu amor e minha gratidão por trilharem o meu caminho até este momento
especial.

Aos meus irmãos, Petterson, a quem admiro e respeito, e a Fernanda,


companheira, amiga, a tia que sempre esteve presente cuidando dos nossos
pequenos.

Às minhas amigas de sala, Ana Maria, Flavis, Lara, Paula e Pri, vocês foram as
maiores responsáveis por eu não desistir, alegraram as minhas manhãs nesses
últimos quatro anos.

Aos professores que contribuíram na minha formação acadêmica e que eu


admiro e respeito. E como não destacar a Professora Leonor, que como
representante do nosso colegiado sempre esteve disposta a nos ajudar e nos
orientar em qualquer situação.

Agradeço ao meu orientador Professor Célio, pela confiança e pelas reflexões


que me conduziram a finalizar este trabalho.
Por fim, gostaria de agradecer a todos que de certa forma contribuíram para
que eu pudesse concluir essa etapa de minha vida.
Comece fazendo o que é necessário, depois o que é
possível, e de repente você estará fazendo
o impossível.

(Francisco de Assis)
GUELLES, Patricia S. Pires. Os caminhos opostos percorridos por jesuítas
e franciscanos na colonização do Brasil. 2011. Monografia (Trabalho de
Conclusão de Curso) – Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO

A colonização do Brasil foi marcada por intensas atividades que promoveram o


desenvolvimento e a expansão de toda a província. Nesse contexto, diversas ordens
religiosas embarcaram para terras desconhecidas a fim de converter os povos gentios
que aqui se encontravam. Uma Ordem que se destacou por seu trabalho
evangelizador foi a Companhia de Jesus, porém evidenciamos que outras ordens,
como os franciscanos, também desenvolveram atividades importantes no período
colonial. Neste trabalho de conclusão de curso objetivamos analisar as normas que
regem a Companhia de Jesus para compreender a atuação de missionários jesuítas
na Colônia Portuguesa. Intencionamos também, apresentar os Escritos de São
Francisco de Assis para compreender como os franciscanos agiram no processo de
evangelização dos índios. Os livros de história do Brasil sempre defenderam a
participação dos jesuítas como sendo os principais responsáveis por catequisar os
índios, entretanto, a atuação dos franciscanos e até mesmo de outras ordens
religiosas como os carmelitas e os capuchinos, foi significativa e revela a diversidade
da prática educacional da colônia portuguesa.

Palavras-chave: Companhia de Jesus; franciscanos; Educação no século XVI.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9

2. A VIDA DE LOYOLA ATÉ A FORMAÇAO DA COMPANHIA DE JESUS ................ 12

2.1Contextualização histórica da formação da Companhia de Jesus. ..................... 14

2.2. Apresentação e análise das Constituições da Companhia de Jesus ................ 15

3. OS ESCRITOS DE FRANCISCO DE ASSIS ........................................................... 29

3.1. Biografia e conversão de Francisco de Assis .................................................... 29

3.2. Contexto histórico vivido por Francisco de Assis ............................................... 35

3.3. Formação das regras dos frades menores ........................................................ 37

4. AS AÇÕES DE DIVERSAS ORDENS RELIGIOSAS NA AMÉRICA PORTUGUESA


...................................................................................................................................... 46

4.1. A presença jesuítica no Brasil colonial............................................................... 46

4.2. As atividades esquecidas dos franciscanos na colonização da América


Portuguesa ................................................................................................................ 48

4.3 Os diferentes modos de organização dos jesuítas e franciscanos no processo de


evangelização na Colônia Portuguesa...................................................................... 50

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 57

6. REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 59
9

1. INTRODUÇÃO

A vida colonial brasileira, desde 1500, quando aportaram Pedro Álvares Cabral
e sua tripulação, foi marcada pela forte atuação de missionários que almejavam
a conversão dos índios que aqui se encontravam.

Costa afirma que “é inegável a participação dos padres da Companhia de


Jesus na formação da cultura brasileira, na formação do cotidiano colonial
brasileiro, nos valores sociais e na valorização de certas atitudes sociais”.
(2004, p.12). Entretanto o cenário brasileiro foi marcado por atuações de
diversas ordens religiosas que também influenciaram e promoveram a
formação educacional e social da Colônia Portuguesa.

Os manuais da História da Educação descrevem, geralmente, os jesuítas como


únicos no processo educacional dos índios, não sendo relatadas as ações de
outras ordens nesse período. Sangenis (2004) declara que até mesmo a missa
celebrada em 1500 e eternizada na pintura de Victor Meirelles, não é
trabalhada pelos livros como sendo um frade franciscano, o celebrante desse
momento histórico.

Deste modo, nossos questionamentos norteiam a respeito de porque os


jesuítas foram eternizados pelos livros históricos que tratam do período colonial
do Brasil? Quais os motivos que levaram as ações dos missionários
franciscanos serem esquecidas no tempo?

A Companhia de Jesus foi formada em 1534, nas cercanias de Paris, por seis
padres liderados por Inácio de Loyola. Em 1540, o papa Paulo III oficializou a
nova ordem religiosa que tinha como principal objetivo as missões internas pela
Europa, as missões pelas novas terras conquistadas ao cristianismo, a
administração e manutenção de escolas, colégios e universidades, a relação
próxima aos soberanos, materializada na atividade de confessores de reis e
príncipes, e a atuação destacada no Concílio de Trento.

Segundo Rosa (1954), Loyola foi um homem que, ao abandonar a sua vida de
cavaleiro e seguir os ensinamentos de Cristo, buscou edificar-se na fé e
converter os infiéis pecadores na doutrina cristã. O autor afirma que Loyola foi
10

peça fundamental para a formação da Companhia, visto que ele foi o autor das
Constituições, documento que regulamentou criteriosamente a vida dos
jesuítas.

As Constituições da Companhia de Jesus são compostas por dez capítulos,


nos quais são explicitadas as normas para quem quisesse adentrar na Ordem,
para aqueles que estavam e para os que poderiam ser. Os jesuítas deveriam
fazer votos de obediência, pobreza e castidade, e, além disso, a obediência
direta ao Papa era um compromisso inquestionável.

De acordo com Rosa (1954), as Constituições da Companhia de Jesus é uma


obra que confirma toda genialidade de Loyola, pois as dez partes demonstram
uma organização singular. Inácio começou a redigir a Constituições em 1540
com seus primeiros companheiros, depois continuou a organizá-la com seu
secretário Codúrio até 1547. Ele não se preocupava com o tempo. Em 1550,
depois de redigida a primeira fórmula, Inácio convocou os seus companheiros,
dentre eles Francisco de Borja e Lainez, para analisar o texto, sendo que todos
aprovaram com poucas modificações. O papa Gregório XIII aprovou em entre
1583-1584 as Constituições com poucas alterações.

Com relação aos franciscanos, Frei Martino Conte assegura que a conversão
de Francisco não previa constituir uma Ordem religiosa, porém com a procura
de alguns homens para segui-lo em missão, sentiu-se, com a inspiração divina,
uma necessidade em regulamentar o que seria a formação da Ordem dos
Frades Menores.

A Regra não Bulada, como se tornaram conhecidas as regras franciscanas


elaboradas pelo próprio fundador, apresenta como um franciscano deveria
viver, seguindo os preceitos bíblicos, fazendo os votos de pobreza e obediência
ao papa. A regra da Ordem dos Frades Menores é aprovada pela Sé
Apostólica em 1223.

De acordo com Frei Martino Conti, a Regra não Bulada é constituída em 23


capítulos, em suma, são extraídos textos bíblicos, que direcionaram a vida de
São Francisco.
11

Ao compreendermos as normativas dessas ordens religiosas, poderemos,


enfim, analisar as atividades de evangelização do Brasil no período colonial,
nos limitando ao século XVI, visto que esse foi um período de grandes ações
missionarias.

O autor Sangenis (2004) aponta os caminhos percorridos por outras ordens


religiosas no contexto colonial, como carmelitas e capuchinos,
descentralizando a Companhia de Jesus como sendo únicos responsáveis em
evangelizar os índios.

Neste sentido, o nosso trabalho está estruturado em três capítulos, sendo o


primeiro destinado aos estudos da Companhia de Jesus, o segundo aos
Escritos de Francisco e o terceiro será a análise dessas ordens no período
colonial.

A metodologia utilizada nesta pesquisa consiste na investigação bibliográfica


de estudos disponíveis sobre o tema, priorizando os estudos das fontes
documentais do período assim como textos historiográficos. Devemos
esclarecer que escassez de fontes dos estudos dos franciscanos dificultou a
análise de nossa pesquisa.

Entre as fontes documentais elencamos a Constituição da Companhia de


Jesus e Fontes Franciscanas e Clarianas. Para compreender a ação de outras
ordens religiosas no período colonial do Brasil, nos aportamos aos estudos de
Luiz Fernando Conde Sangenis.
12

2. A VIDA DE LOYOLA ATÉ A FORMAÇAO DA COMPANHIA DE JESUS

Segundo Rosa (1954), Loyola não teve uma boa educação, com isso tinha uma
vida regrada de pecados, apesar da sua boa índole. Seguiu carreira militar e foi
em umas das batalhas que ele se feriu ficando entre a vida e a morte. Ao se
recuperar, Loyola começou a ter uma nova visão da vida, ou seja, ele deixou
seus atos mundanos para seguir os preceitos de Cristo. Primeiramente Loyola
dividiu o pouco que tinha entre os mais necessitados, dando sua requintada
roupa de cavaleiro1. Depois deste episódio, ele seguiu sua árdua peregrinação
com muitos obstáculos e provações. Quando Loyola se sentia muito tentado
ele se refugiava entre os pobres.

Segundo Rosa (1954), Loyola tinha um grande desejo de visitar a Terra Santa
e também de trabalhar na conversão dos mulçumanos. Ele chegou a conhecer
Jerusalém, contudo não conseguiu realizar a sua missão, pois o guardião
franciscano de lá, zelando da sua integridade física, o mandou de volta.

Retornando a Gênova, Loyola percebeu que era necessário adquirir novos


conhecimentos, com isso ele resolveu, apesar da idade, estudar. Começou,
primeiramente, a frequentar a escola de gramática, foi neste período que
Loyola tentou fundar a sua primeira associação religiosa, todavia foram
perseguidos, acusados de heresia.

Anos após este episódio Inácio foi para Paris estudar Filosofia e lá, depois de
um rigoroso exame, se tornou professor de Filosofia. Neste período, enquanto
Loyola estava muito desanimado, pois não encontrava ninguém que
compartilhasse dos mesmos pensamentos, apareceram homens que tinham os
mesmos propósitos dele: Pedro Fabro, Francisco Xavier, Diogo Lainez, Afonso
Salmerón, Nicolau Afonso e Simão Rodriguez. Loyola, juntamente com os seis
companheiros, fundou, em 1534, a Companhia dos estudantes parisienses.

Em 1540 foi aprovada a bula que oficializou a nova ordem religiosa com o
nome de Companhia de Jesus, que tinha como objetivo em especial educar
sobre o prisma cristão as crianças e as pessoas rudes. Esta missão seria de

1
As roupas de um cavaleiro simbolizavam sua nobreza, sendo uma tradição a ser honrada.
13

acordo com a vontade do papa, pois além dos votos de obediência, pobreza e
castidade os jesuítas tinham o de obediência direta ao papa.

Depois da aprovação do Sumo Pontífice, a Companhia de Jesus necessitava


eleger um superior geral. Foi realizada uma votação e Inácio foi eleito, contudo
ele não aceitou, então, realizaram uma nova votação e ele foi requisitado outra
vez, tentou resistir, mas seguindo os conselhos do Frei Teodósio, seu
confessor, ele assumiu o posto de primeiro superior geral da Companhia de
Jesus.

A primeira casa mãe da Companhia de Jesus ficava perto de uma antiga e


pequena igreja chamada Santa Maria da Estrada. Neste ambiente se instalou a
primeira comunidade jesuítica formada por alguns jovens juntamente com seu
superior. Inácio tinha um relacionamento de paz com os outros jovens, eles
formavam uma grande família.

A Companhia de Jesus era uma ordem religiosa que não tinha como
característica seguir os antigos regulamentos monásticos: não havia longos
coros de cantigas religiosas, não tinha um vestuário específico e também não
era administrada com regras rígidas. Como destaca Rosa (1954), os jesuítas
tinham uma grande preocupação em seguir os preceitos religiosos. Eles
dedicavam uma parte do tempo em estudos religiosos, sobretudo na oração,
outra parte eles utilizam para estudos bíblicos.

Inácio criou várias obras para ajudar e converter os judeus e os pecadores,


como por exemplo, podemos citar o asilo que Loyola fundou para os judeus
convertidos e, também, para aqueles que tinham o desejo de se converter.
Fundou também a Casa Santa Marta para mulheres pobres e pecadoras.

Com o passar dos anos a Companhia de Jesus ia aumentando e Inácio se


preocupava cada vez mais em promover uma formação mais ampla para os
jovens jesuítas, ou seja, ele queria homens capazes de combater as heresias e
que tivessem conhecimento das ciências. Com isso, Inácio fundou as escolas e
as Universidades.
14

As Constituições da Companhia de Jesus é uma obra que confirma toda


genialidade de Loyola, pois as dez partes demonstram uma organização
singular. Inácio começou a redigir a Constituições em 1540 com seus primeiros
companheiros, depois continuou a organizá-la com seu secretário Codúrio até
1547; ele não se preocupava com o tempo. Em 1550, depois de redigida a
primeira fórmula, Inácio convocou os seus companheiros, dentre eles Francisco
de Borja e Lainez, para analisar o texto, sendo que todos aprovaram com
poucas modificações. Primeiramente, as Constituições foram aprovadas
somente para experiência como Loyola desejava. Somente em 1559, após sua
morte, que a elas foram aprovadas pela Congregação Geral.

O papa Gregório XIII para por fim a qualquer oposição dos adversários em
relação à Companhia de Jesus, aprovou duas bulas entre 1583-1584: a
primeira confirmava de forma geral a ordem religiosa, seus privilégios e as
constituições; já a segunda levantava os pontos mais discutidos e que merecia
certas modificações. Desta forma aquele Sumo Pontífice colocava em xeque
qualquer questionamento dos opositores.

De acordo com Rosa (1954), é necessário ressaltar a importância que Inácio


de Loyola teve para a Companhia, pois segundo o Papa Marcelo II, falecido em
1555, ele foi o mais importante dos fundadores de ordens religiosas, pois em
pouco tempo desenvolveu um trabalho grandioso, destacando a Companhia de
Jesus.

2.1. Contextualização histórica da formação da Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus foi um dos instrumentos que a Igreja Romana utilizou,


no século XVI, para colocar em prática a sua Reforma. No fim da Idade Média
a peste negra atingiu a população europeia causando muitas mortes e
desespero na população, diante desta situação as pessoas buscavam cada vez
mais consolo na religião, contudo alguns abusos da igreja católica faziam com
quem a população se afastasse do cristianismo.

Em 1517 um sacerdote chamado Martin Lutero publicou 95 teses que


denunciavam a ilegalidade das indulgências, mas a Igreja Católica o
excomungou, porém de nada adiantou, pois outros nomes surgiram para atacá-
15

la, dentre eles: Calvino e Henrique III. As novas doutrinas encontraram mais
adeptos no norte da Europa, pois esses Estados queriam se afastar do poder
papal que atingia todos os setores dos Estados europeus.

A partir de 1540, a Igreja Católica reagiu contra a reforma protestante criando a


contra reforma que seria um conjunto de medidas para combater o
protestantismo. O papa Paulo III, o mesmo que aprovou a existência da
Companhia de Jesus, criou também outros instrumentos para lutar ideais
contrários ao catlicismo, dentre eles: o Concílio de Trento que estabeleceu
algumas mudanças internas na Igreja, o índex que era uma lista que incluía
algumas obras que eram consideradas impróprias para leitura de um cristão, e
a inquisição, que foi o instrumento mais radical que o cristianismo utilizou para
punir os hereges, pois em muitos casos as pessoas que eram condenadas e
queimadas nas fogueiras eram inocentes.

2.2. Apresentação e análise das Constituições da Companhia de Jesus

Segundo Rosa (1954), as Constituições são consideradas uma obra prima de


organização. Entretanto, a Companhia não pode se sentir superior as outras
ordens, pois os jesuítas como servos de Deus não podem se julgar mais
importantes do que ninguém.

A primeira parte demonstra-nos como deve ser a escolha dos candidatos que
são aptos, depois a maneira pela qual tratar os mesmos candidatos quando
aceitos na casa para a primeira provação.

O superior geral que determina quem pode admitir na Companhia, por


exemplo, os Superiores Provinciais, mesmo distantes, podem admitir novos
membros na Companhia. Os candidatos devem ser examinados com muito
cuidado, o examinador deve prestar muita atenção em todas as qualidades do
candidato.

Tanto o examinador como seu ajudante devem conhecer muito bem a


Companhia de Jesus e suas regras para admitir os candidatos que realmente
se enquadram nos propósitos dela, com isso eles devem ser moderados na
hora da escolha, e esta por sua vez não pode ser movida por paixões. Quando
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o examinador for parente ou amigo de algum candidato ele deve passar a


tarefa para outra pessoa.

Os candidatos que eram admitidos na Companhia deveriam ter algumas


qualidades, tais como: boa memória, ter uma boa oratória, saúde e força para
aguentar os trabalhos nela; idade adequada, por exemplo, para ser admitido
tem que passar dos 14 anos e, para profissão, ter mais de 25. Os títulos de
nobreza, riqueza, bom nome, não valem de nada, o candidato deve ter mesmo
as qualidades citadas acima. Contudo se algum deles não tiver algumas
dessas qualidades como resistência física, idade para profissão, dentre outros
fatores semelhantes, eles podem ser admitidos, mas depois de uma análise
minuciosa do Superior Geral.

Nesta parte o autor relata também quais são impedimentos para ser admitido
na Companhia dentre eles: pessoas com deficiências ou deformidades
notáveis, como por exemplo, corcunda, feridas, pois tudo isso não é compatível
com os propósitos da Companhia e podem atrapalhar a pregação; também não
serão admitidos os candidatos possuírem dívidas que não podem pagar, faltam
das qualidades citadas acima, devoções indiscretas etc.

Se o candidato não estiver certo de seu desejo de se integrar na Companhia,


ele deve ser recebido somente como hóspede, e não para primeira e segunda
provação, e esta hospedagem deve ser de pelo menos três dias, e se na casa
houver noviços a permanência deve ser menor ainda.

Além do examinador, outras pessoas designadas pelo Superior devem


conversar com o candidato, e também devem buscar informações sobre eles
fora da casa e, em alguns casos, julga-se necessário fazer o candidato
frequentar a confissão na igreja dos examinadores antes de começar a viver na
casa.

A segunda parte relata como deve ser a demissão prudente e amigável dos
que não são aptos; descreve também quais as causas morais e físicas e a
maneira pela qual demitir os candidatos que foram mandados embora ou
aqueles que quiseram sair com cautela.
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Há, nas Constituições, vários motivos que levam à demissão da Companhia,


dentre eles: a não declaração de que possua algum tipo de doença, condutas
que possam servir de mau exemplo, ações que de alguma maneira
prejudiquem a Companhia e os superiores. Se o candidato ficar doente depois
de se tornar um membro da Companhia, cabe somente a ele a decisão de nela
permanecer ou não.

Por meio da análise feita da segunda parte das Constituições, no capítulo que
relata como deve ser o modo de despedir os jesuítas, podemos concluir que
Loyola tinha uma grande preocupação em não expor e não causar nenhum
dano psicológico ao demitido. É descrito um ritual que deve ser feito na casa
quando for despedir algum membro, no qual todos devem rezar e pedir para
iluminar esta decisão sem revelar o nome do demitido, faz-se necessário
consultar uma ou mais pessoas para saber a opinião deles sobre a pessoa que
vai ser demitida, entre outros cuidados a fim de não denegrir a identidade do
demitido.

Os demitidos não podem ser vistos pela sociedade com maus olhos, ao
contrário, as pessoas devem sentir pena e rezar por eles. Os membros da
Companhia podem ser demitidos publicamente ou secretamente, no primeiro
caso todos ficam sabendo o motivo pelo qual alguém está sendo mandado
embora da Companhia, já o segundo não é secreto e sim discreto, pois toda
demissão deve ser um fato público, contudo em certos casos, para não
perturbar os outros membros da Companhia, a demissão deve ser cautelosa.

A parte terceira da Constituição determina como deve ser a conservação


daqueles que ainda estão em provação, e reafirma que eles são soldados de
Cristo e que devem estar prontos para qualquer batalha. O noviciado deve
durar dois anos completos e, neste período, eles devem se afastar de todas as
coisas que não são voltadas para o lado espiritual, ou seja, isto inclui a
abnegação de si mesmo e obedecer plenamente à vontade divina,
representada pelas regras estabelecidas por Loyola.

Loyola afirma que na hora das refeições se faz necessário ler algum livro,
sermão ou uma carta edificante para alimentar também o espírito. Essas cartas
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edificantes seriam os relatos dos missionários nas missões entre os povos


gentios e infiéis. Outro fato interessante nesta parte é que depois da revisão na
primeira edição das Constituições os instrumentos musicais deixaram de ser
proibidos nas casas.

Nesta parte, ainda, Loyola relata também como devem ser feitas as correções
e penitências, primeiramente deve-se repreender os culpados com amor e
doçura; já, na segunda vez, o culpado deve se sentir confuso e envergonhado,
mas o repressor deve ser dócil e amoroso; na terceira, a correção deve ser
com amor, mas causando temor no culpado.

Na Companhia não pode haver divergência nenhuma entre os membros, pois a


diversidade para os jesuítas é causa da desunião, com isso não é permitida
qualquer atitude diferente, a regra é a conformidade. Existem algumas
recomendações em relação aos cuidados com o corpo, como, por exemplo,
não pode haver a falta de cuidado, mas o excesso também é proibido.

A quarta parte da Constituição sistematiza como deve ser a formação


intelectual não só dos futuros jesuítas, mas de qualquer aluno que a
Companhia se encarregue de instruir no ensino superior ou secundário nas
missões, seja ela literária ou científica. Esta parte de dezessete capítulos é
quase um esquema do futuro programa jesuítico conhecido como Ratio
Studiorum2.

As universidades e os colégios surgem com o intuito de instruir os jesuítas para


que eles tenham uma formação completa, e que esses conhecimentos possam
ajudá-los a conhecer melhor as leis divinas, enfim, os estudos têm como
objetivo ajudar os membros da Companhia e também o próximo.

Como descrito nas Constituições, nos colégios os estudantes deveriam ter


aulas de retórica, gramática, diversas línguas, lógica, filosofia natural e moral,
metafísica, teologia escolástica e positiva e sobre a Sagrada Escritura. Os
estudos de filosofia natural, moral, metafísica e de lógica devem ser
fundamentados na doutrina de Aristóteles, já as aulas de teologia o único autor

2
Como afirma Costa (2004) o Ratio Studiorum pode ser definido como “construção das regras
pedagógicas e educacionais dos jesuítas” (p.228)
19

que é citado como base teórica é São Tomás de Aquino, isto é válido tanto
para os colégios como para as universidades.

Para os jesuítas a principal finalidade dos estudos é proporcionar uma


formação de boa qualidade para os futuros missionários priorizando sempre a
glória de Deus e bem estar de todas as almas. Nesses colégios não há
obrigação de realizar missas ou cura de almas.

A prioridade dos colégios é instruir os estudantes que lá residem. Seguindo,


contudo, autorização do Superior, eles podem ofertar cursos públicos que
atendam a população em geral.

Os estudantes têm como dever frequentar todas as aulas prestando o máximo


de atenção nos ensinamentos dos professores e ao término de todas as aulas
eles devem repetir o que aprenderam e também anotar. As repetições devem
ser feitas em horários definidos pelo reitor e um aluno de cada vez relata seus
conhecimentos para os outros apontarem os erros e, se eles não souberem o
indicado, devem procurar os professores para sanar suas dúvidas.

Quanto às repetições, procure o Reitor que elas se façam em


hora determinada, na escola ou em casa. Um repetirá e os
outros escutarão; proporão as dificuldades que ocorrerem, e
recorrerão ao professor quando não souberem resolvê-las
entre si. O Reitor cuidará também das discussões escolares e
de outros exercícios que se julgarem oportunos, conforme as
matérias de que se trata (LOYOLA, 1997, p.128).

Os reitores vão definir uma vez por semana, depois das refeições, um aluno de
teologia escolástica e artes para defender uma tese que eles irão determinar
um dia antes da discussão, todos podem participar e haverá um presidente
para organizar o debate. É importante ressaltar a importância dessas
discussões para os alunos adquirirem mais conhecimentos, pois nestes
momentos os alunos tiram suas dúvidas e também exercitam a inteligência.

[...] É bom que haja no colégio cada domingo, ou em algum


outro dia da semana, depois da refeição, um estudante de cada
classe de artes e de teologia, designado pelo Reitor, para
defender algumas teses, a não ser que se dêem razoes
especiais em contrário. As teses serão afixadas na véspera à
tarde, à porta das aulas, afim de que os que quiserem possam
participar no debate ou assistir a ele. Depois de provadas
brevemente as teses, poderão argüir todos os que quiserem,
20

de casa ou de fora. Haverá um presidente para dirigir a


discussão, resolver as questões e deduzir com clareza a
doutrina de que se trata, para utilidade dos presentes [...]
(LOYOLA, 1997, p.128).

Nas universidades, a Faculdade de Teologia é muito valorizada, pois é


principalmente por meio dela que a Companhia forma estudantes aptos para
ajudar ao próximo e salvar as almas.

Os professores das universidades, além de conhecer os princípios da Sagrada


Escritura e da literatura que engloba gramática, retórica, poesia e história,
devem também conhecer diversas línguas, a fim de atender as necessidades
das diversas regiões nas quais os missionários são enviados.

Além das matérias citadas acima, nas universidades deve-se ensinar a lógica,
a física, a metafísica, moral e as matemáticas, sem desviar do objetivo principal
da Companhia de Jesus. As faculdades de Medicina e de Direito não são
ofertadas pelas universidades jesuíticas, pois não se enquadram nos fins da
Companhia.

Em alguns cursos como de Humanidades e de Línguas não é indicado limitar


um tempo para concluir os estudos devido à diferença de talentos que existe
entre os estudantes, com isso, fica a cargo do Reitor ou do Chanceler avaliar
cada situação.

Os estudantes só alcançam os graus de Mestre em Artes e de Doutor em


Teologia depois de passar por rigoroso exame que será realizado em público.
Para se tornarem Mestres ou Doutores, os estudantes não podem ser
ambiciosos almejando com esses graus serem mais importantes que os
demais membros da Companhia, pois para ela todos são filhos de Deus e
merecem o mesmo respeito.

Os padres que estão em missões pelo mundo devem seguir os mesmos rituais
realizados na Companhia, ou seja, não significa que por estar longe, em muitos
casos quase sem comunicação, que os princípios das Constituições não
devem ser seguidos.
21

A quinta parte da Constituição relata que depois de formados e escolhidos os


indivíduos são agregados em um dos diferentes graus da Companhia, somente
aos jovens sacerdotes é imposto um terceiro ano de provação, isto ocorre
depois dos estudos. Esta parte das Constituições discorre bastante sobre esse
caso em particular.

A autoridade máxima para admitir componentes na Companhia de Jesus é do


superior geral, contudo em alguns casos, devido à distância, outros membros
podem assumir esta responsabilidade dentre eles: os superiores provinciais, os
chefes provinciais, os reitores e visitadores. Em determinadas situações
pessoas relacionadas com a Igreja Católica, como os bispos, podem também
agregar novos membros à Companhia. Deve-se ressaltar que a autoridade do
superior geral só pode ser substituída nos países distantes como as Índias.

Os candidatos que desejam serem confessores devem realizar os três votos


solenes e possuírem características raras, pois como não se enquadram nas
exigências feitas para serem professos eles devem dar boas provas de si,
demonstrando sua enorme devoção.

A admissão dos candidatos na Companhia, depois de todas as provações e


exames, será a seguinte: primeiramente diante das pessoas da casa e de fora
dela os jesuítas declamam as suas confissões, em seguida eles devem ler em
voz alta os votos de sua profissão que são descritos nas Constituições.

Eu N. faço a Profissão e prometo a deus Onipotente, na


presença da Virgem sua Mãe, e de toda a Corte Celestial, e de
todos os presentes; e a ti, Reverendo Padre N., Superior Geral
da Companhia de Jesus, que tens o lugar de Deus, assim
como aos teus sucessores ( ou: a ti, Reverendo Padre N.,
representante do Superior Geral da Companhia de Jesus e dos
seus sucessores, que tens o lugar de Deus), pobreza,
castidade e obidiencia perpétuas. E, em conformidade com
esta obediência, prometo um cuidado particular pela educação
da infância (B). Tudo segundo a regra de vida contida nas
Letras Apostólicas da Companhia de Jesus e nas suas
Constituições. Prometo, além disso, obediência especial ao
Sumo Pontífice no que respeita as missões (C), segundo o
conteúdo das mesmas Letras Apostólicas e Constituições
(LOYOLA, 1997, p.156).

A educação das crianças e das pessoas sem cultura, conforme os ideais da


Constituições, está presente no voto dos jesuítas, a fim que eles não deixem de
22

lado a educação e valorizem somente os sermões, confissões, enfim a


pregação. Os jesuítas devem ter uma dedicação singular com a educação, pois
este serviço para a Companhia é de suma importância.

Em relação à obediência ao Superior Geral, as Constituições são bem claras,


afirmando que ela não se refere somente aos jesuítas que seguirem a profissão
de professo, ou seja, os jesuítas missionários. É neste fator que os três votos
se diferenciam dos quatro votos solenes.

O noviciado é prolongado por dois anos e, depois de terminado, os futuros


jesuítas não são admitidos à profissão com os votos solenes imediatamente
como nas outras ordens religiosas, primeiramente são os votos simples. Neste
estado de voto simples, os candidatos permanecem até a Companhia julgar
que eles possuem virtudes e boas disposições para nela ingressarem
definitivamente. Os modos pelos quais os candidatos são incorporados na
Companhia são: para os estudantes como escolásticos ou a profissão solene
de quatro votos, em alguns casos três votos quando eles não forem enviados
às missões. A profissão simples de três votos é para os coadjutores espirituais
e temporais e estes últimos serão chamados mais tarde de coadjutores
formados.

Os candidatos são incorporados na Companhia em determinados graus como


foi citado acima e, de forma alguma, eles podem questionar a decisão dos
superiores, cabe a eles somente se aperfeiçoar em sua profissão seja ela qual
for. Na Companhia de Jesus apenas o Superior tem a capacidade de julgar o
que é bom para cada membro, os jesuítas deveriam compreender que as
determinações do Superior equivaleriam às vontades e aos desejos de Jesus
Cristo.

A sexta parte explica como deve ser a vida dos que foram admitidos e
incorporados na Companhia, demonstrando aspectos relacionados à pobreza,
castidade e obediência.

A castidade, nas Constituições, é citada brevemente afirmando somente que


ela não necessita de interpretações, que os jesuítas têm que “[...] imitar a
pureza dos anjos com a integridade de corpo e alma” (LOYOLA, 1997, p.161).
23

As Normas Complementares aprovadas pela Congregação Geral XXXIV tem a


mesma temática das Constituições, contudo nelas foram retirados assuntos
considerados ultrapassados e superficiais e ampliaram alguns temas como a
castidade que é tratada em cinco itens abordando com detalhes assuntos
relacionados com esse tema como: a proibição do matrimônio, a renúncia de
ter filhos etc. Neste sentido, observa-se uma maior preocupação com a
castidade devido às contradições impostas pelo mundo contemporâneo.

Pelo voto de castidade, consagramo-nos a Deus e a seu


serviço com um amor total que exclui o matrimônio e qualquer
outra relação humana de tipo exclusivo, bem como a
expressão e satisfação genital da sexualidade. Assim o voto
implica a obrigação da continência completa no celibato por
causa do reino dos céus. Seguindo o conselho evangélico da
castidade, aspiramos a tornar mais profundos nossa
familiaridade com Deus, nossa configuração com Cristo, nossa
amizade com nossos irmãos jesuítas, nosso serviço aos
demais, e, ao mesmo tempo, a crescer em maturidade pessoal
e capacidade de amar (LOYOLA, 1997, p.282).

Em relação à obediência, as Constituições da Companhia de Jesus são bem


incisivas, afirmando que todos os membros da Companhia têm como obrigação
obedecer em primeiro lugar o Sumo Pontífice e em segundo o Superior Geral.
Os jesuítas têm que obedecer com amor e alegria seus superiores, executando
todas as suas ordens, enfim respeitando eles como se fossem seus pais.

De acordo com as Constituições, a obediência para ser perfeita tem que ser de
execução, de vontade e entendimento, ou seja, o individuo deve realizar o que
lhe é ordenado com a mesma vontade de quem manda e também deve ser
consciente que está sendo bem mandado.

Há obediência de execução, quando se cumpre a ordem dada;


obediência de vontade, quando aquele que obedece quer a
mesma coisa que aquele que manda; obediência de
entendimento, quando sente com ele, e acha estar bem
mandado aquilo que se manda. A obediência é imperfeita
quando há execução, mas não há conformidade de querer e
sentir entre quem manda e quem obedece (LOYOLA, 1997,
p.162).

A Companhia de Jesus, no que diz respeito à pobreza, tenta não cometer os


mesmos erros das outras ordens religiosas, com isso os professos devem
24

prometer que nunca alteraram as regras relativas à pobreza, só o fazendo se


for para torná-las mais rígidas.

As casas ou igrejas da Companhia não podem possuir nenhum bem material


ou renda além do que for necessário para garantir a sobrevivência dos seus
membros. A Companhia de Jesus pode ter, por exemplo, um sítio desde que
seja para o bem de seus membros e que seus frutos sejam aproveitados pelas
casas e nunca vendidos.

A sétima parte determina a colocação de cada um no seu devido posto de


combate, ou seja, das missões extraordinárias, que vem do superior ou do
Papa, ou nas ocupações ordinárias e permanentes para o bem de todos.

Os jesuítas podem ser enviados para diferentes lugares do mundo de acordo


com a vontade do Sumo Pontífice ou de seu Superior Geral, eles também
podem desempenhar suas funções sem sair das casas, colégios e
universidades jesuíticas.

O quarto voto de obediência ao Papa é uma garantia para os missionários não


se desviarem de suas missões, pois eles fazem um juramento no qual
prometem obedecer à vontade do Sumo Pontífice, com isso os jesuítas não
podem questionar a decisão do Papa e acabam indo para as diferentes regiões
do mundo entre os infiéis e gentios sem questionar, ao contrário, eles têm que
ficar felizes e realizar da melhor forma possível a sua missão evangelizadora
de converter os povos rudes e infiéis.

[...] Com efeito, os primeiros da Companhia, vindos de diversas


províncias e reinos, não sabiam a que países ir, entre fiéis ou
infiéis; e para não erraram nos caminhos do Senhor,
obrigaram-se, por promessa ou voto, a deixar ao Sumo
Pontífice o cuidado de os distribuir, para a maior glória de
Deus, conforme a sua disposição de ir por todo o mundo. Se
não encontrassem num sítio o fruto espiritual que desejavam,
passariam a outro, e outro, procurando sempre a maior glória
de Deus Nosso Senhor e o maior bem das almas (LOYOLA,
1997, p.176).

As diferentes regiões do mundo necessitam de professos com qualidades


específicas para atender as particularidades de cada país. O Superior Geral é
que os distribui de acordo com suas qualidades para as diferentes localidades.
25

Os professos mais inteligentes são enviados para os lugares nos quais a


população é mais instruída como, por exemplo, a China, já os mais experientes
devem ir para os lugares em que há mais perigos etc.

Os professos serão enviados para algumas regiões como pobres, a pé e sem


dinheiro ou, em alguns casos, o Superior geral pode financiar a viagem deles
dando-lhes cartas de recomendações; enfim, a maneira pela qual os professos
serão encaminhados para as suas missões fica a cargo do Superior que
decidirá priorizando sempre “[..] o maior serviço de Deus nosso Senhor [...]
(LOYOLA, 1997, p.176).

A oitava parte das Constituições afirma que deve haver a união de todos com o
chefe e entre si, indica o meio para promovê-la e preservá-la, regras as
congregações das diversas províncias e as de toda ordem (Congregações
Gerais).

Manter a união entre os membros da Companhia é uma tarefa difícil, pois


muitos deles são enviados para lugares distantes que a comunicação é
escassa e, também, por serem homens cultos, eles acabam tendo a admiração
de príncipes e outros mandatários, com isso, eles ficam nessas regiões devido
ao prestígio que adquirem.

Segundo Londoño (2002), Loyola determinou algumas regras para ajudar na


manutenção da união entre os membros da Companhia, dentre elas podemos
destacar: a relação de obediência que deveria partir dos súditos para com seus
superiores, a “união dos ânimos” e a comunicação que deveria ser mantida por
meio das cartas, pois era muito importante para a vida da Companhia de Jesus
a existência de uma rede de comunicação que seria uma forma de trocar
opiniões, reunir fatos que aconteciam nas missões e receber as ordens vindas
dos superiores. Neste sentido, a comunicação na Companhia era essencial
para manter ou pelos ajudar na sustentação da uniformidade das ações.

Segundo as Constituições, não é recomendado admitir muitas pessoas na


Companhia, pois em muitos casos os indivíduos não deixaram de lado seus
vícios e acabam colocando em risco a união e a ordem na Companhia.
26

A obediência é o principal pilar que dá sustentação para a manutenção da


união entre os membros da Companhia. Para os professos a obediência é uma
virtude muito importante, pois se eles não forem obedientes devem ser
demitidos ou transferidos para outras regiões. Aqueles que ocupam os cargos
mais importantes da Companhia têm como obrigação ter uma conduta singular
tanto na obediência como nos outros princípios que a ela defende.

A união, para ser mantida, precisa da obediência que, por sua vez, está ligada
com a subordinação, neste sentido é essencial que todos os membros da
Companhia com suas funções específicas tenham consciência que todos os
seus atos dependem da autorização de seus superiores, com isso, quem vive
em um colégio ou casa está subordinado à vontade do Reitor ou do Superior
Geral, já aqueles que vivem em alguma Província deve consultar sempre o
Provincial ou algum Superior Local. Os superiores Locais e os Reitores devem
sempre se comunicar e consultar os Provinciais, e esses, por sua vez, depende
das ordens do Superior Geral.

O Superior Geral tem que possuir algumas qualidades para manter a união
entre ele e seus companheiros, dentre elas: a boa estima, a autoridade, o amor
e a dedicação, demonstrando sempre que tem capacidade para governá-los da
melhor maneira possível.

Os Reitores e os Superiores Locais que estão próximos de seus Superiores


Provinciais devem escrever cartas relatando sobre suas missões uma vez por
semana, já aqueles que estão no exterior é recomendado escrever cartas uma
vez no mês. O Superior Geral deve se esforçar para escrever pelo menos uma
vez por mês para os Provinciais e estes por sua vez para os Reitores e
Superiores locais.

A nona parte é reservada para o Superior Geral e ao governo que dele


depende, pois, para o bom andamento da Companhia, torna-se essencial a
existência de um Superior Geral vitalício. Foi declarado nas Normas
Complementares 362, 366 que o Superior Geral tem que ser eleito por toda
vida e não por um tempo determinado.
27

As eleições realizadas para eleger os Superiores Gerais por tempo


indeterminado proporcionam algumas vantagens para a Companhia e para o
Geral como: mais autoridade para o Superior, a não existência de
pensamentos e atitudes ambiciosas e as pessoas de fora acabam conhecendo
mais o Geral.

Nas Constituições constam algumas qualidades que os Superiores devem


possuir dentre elas: a fé e a união que ele deve ter com Deus na realização de
todas as suas atividades e nas orações; a caridade com os próximos e com a
Companhia, sendo humilde e amável; ter inteligência e juízo para governar a
Companhia, não deixando de lado a prudência e a experiência; o Geral não
deve ser muito novo devido a falta de experiência que acomete a juventude,
contudo a idade não pode ser muito avançada; enfim, o Superior deve ser o
homem que mais possua virtudes da Companhia, que seja amável, bondoso e
justo.

Na Companhia de Jesus o Superior Geral tem total autoridade, pois para o bom
funcionamento dela o Geral tem que ser o detentor do poder, dele deve partir
todas as decisões, mesmo delegando poderes aos outros superiores
dependentes, ele pode revogar qualquer decisão deles. Todos têm como
obrigação obedecer plenamente e respeitar o Superior, pois ele é o
representante de Cristo na Terra.

De acordo com as Constituições, o Superior Geral necessita de ajudantes que


são os ministros que têm como missão auxiliar o Superior em questões
particulares e mais gerais próprias de sua função, pois ele não teria
inteligência, memória e forças suficientes para comandar sozinho a Companhia
de Jesus.

A décima parte, e última, ratifica alguns temas que são de suma importância
para a Companhia de Jesus, dentre eles: a obediência que é a base
sustentadora da união e a comunicação entre os membros mesmo estando em
diferentes regiões do mundo. Isto é observado neste trecho das Constituições:

O que ajuda para a união dos membros desta Companhia,


entre si e com a cabeça, ajudará também muito para a manter
em seu bom estado. Em especial o vínculo das vontades, ou
28

seja, da caridade e do amor mútuo. Para isto concorrerá que


todos comuniquem freqüentemente uns com os outros, e
recebam notícias uns dos outros, professem a mesma doutrina,
e guardem, tanto quanto possível, a uniformidade em tudo.
Todavia, o fator mais forte de união, será o vínculo da
obediência a unir os súditos com os Superiores, e os
Superiores locais entre si e com o Provincial, e uns e outros
com o Geral, de forma que seja cuidadosamente respeitada a
subordinação de uns com relação aos outros (LOYOLA, 1997,
p. 226).

Para tanto, as normas que regulamentavam a vida dos jesuítas foram escritas
para que o membro se edificasse na fé, obediência e na união entre os irmãos
que estivessem em peregrinação pelo mundo. A pobreza é um dos pontos que
Loyola destaca como sendo fundamentais para garantir a essência de
Companhia, COSTA (2004) afirma que “todo professo fará uma promessa de
nunca alterar as regras da Companhia no que se refere à pobreza, e se mesmo
assim o fizer, será somente para ser mais rigorosa.” (p.123). Com isto, Inácio
de Loyola garante que os erros de outras Ordens religiosas não repetiriam na
Companhia de Jesus.
29

3. OS ESCRITOS DE FRANCISCO DE ASSIS

Segundo Frei Martino Conti3, os escritos de Francisco de Assis podem ser


distribuídos em três grupos: um primeiro é atribuído a Francisco como
Fundador e Pai (Regra não Bulada, regra Bulada, Regra de Vida para os
Eméritos, Testamento, Testamente de Sena, Admoestações, Forma de Vida,
Última Vontade); um segundo é atribuído a ele como evangelizador e
conselheiro espiritual (as cartas); um terceiro grupo é-lhe atribuído como cantor
e orante (Louvores e Orações).

A autobiografia de Francisco de Assis só aparece no Testamento, sendo um


discurso pertencente ao gênero literário, são eles: discurso de adeus ou
despedida e testemunho de Francisco de Assis, discursos de adeus bíblico,
recordações, exortações-admoestações e conclui-se com a “benção”, que se
divide em: recordações pessoais e comunitárias, exortações e benção.

3.1. Biografia e conversão de Francisco de Assis

Francisco nasceu em Assis no fim de 1181, ou no inicio de 1182, filho de Pedro


Bernadone, um rico proprietário e comerciante de tecidos, e de Joana. Durante
uma viagem de negócios do pai, o menino nasceu e sua mãe lhe da o nome de
João, porém ao retornar, seu pai começa a chamá-lo de Francisco.

Sua mãe é a responsável por ensinar a doutrina cristã ao pequeno Francisco


de Assis. Ao completar idade para ler e escrever ele é encaminhado à escola
de São Jorge, em Assis. Francisco tinha o domínio da língua francesa, o latim
era pouco desenvolvido, artefato que cultivou com o passar do tempo na
Ordem, como pode ser afirmado nos testemunhos de Hugo de Digne e de São
Boaventura. Aprendeu as habilidades de comerciantes com o pai, exercendo
esse ofício até os 25 anos, quando “a mão do Senhor pousou sobre ele e a
destra do Altíssimo o transformou” (1 Celano, 21 (FF 320) AF X, 6-7, apud
CONTI, 2004, p.18).

3
Frei Martino Conti pertence à Ordem dos Frades Menores, é conhecido por divulgar os
escritos de São Francisco de Assis, a partir do Concílio Vaticano II, propaga o retorno das
fontes primárias do que consiste a inspiração de Francisco para a dedicação da vida em
caridade.
30

Em 1202 Francisco participa da guerra comunal entre Assis e Perúgia. Na


batalha de Ponte San Giovanni os assisenses são derrotados e são feitos
prisioneiros, Francisco permanece no cárcere por um ano, quando retorna a
Assis fica doente, é nesse período que ele decide mudar de vida.

A visão que Francisco de Assis, segundo Frei Martino Conti, tinha do castelo
de armas, o inspira a tornar-se um nobre cavaleiro. Em 1205 ele decide unir-se
a um homem nobre de Assis que almejava um cargo de cavaleiro. Em uma
viagem a Espoleto, como ocorreu com Paulo, descrito nas Sagradas Escrituras,
Francisco recebe um chamado de Cristo, pedindo que deixe o servo e passe o
seguir a Cristo. Francisco de Assis volta para Assis e aguarda que Cristo se
manifeste e revele a sua vontade.

Francisco de Assis rompe as velhas amizades e se prostra em orações numa


gruta na periferia da cidade, pedindo que Cristo faça conhecê-lo e ensinar a
sua vontade. A convivência com os leprosos o faz ser mais humilde e Cristo o
revela as palavras do evangelho: “Se queres vir após mim, renega-te a ti
mesmo, toma a tua cruz e segue-me” (Mt 16-24) (SÃO BOA VENTURA,
Legenda Maior, 11-5 (FF 1034-1035) AF X, 562. apud CONTI, 2004, p.20)

No fim de 1205, Francisco relata que entra numa igreja chamada de São
Damião, guiado pelo Espírito Santo e faz uma oração; do crucifixo da igreja
chega-lhe uma voz: “Francisco, vai e restaura minha casa que está em ruína”
(CONTI, 2004, p.21). As palavras comovem Francisco e ele encontra o
caminho que havia pedido Cristo.

O pai inconformado com a decisão do filho vai ao tribunal eclesiástico e exige


que Francisco rejeite toda sua herança. Todavia, em um ato inesperado,
Francisco retira toda sua veste e nega tudo o que tinha e passa a seguir os
passos do Cristo, vivendo como um eremita4.

Francisco passa um tempo em um mosteiro beneditino São Verecundo, viaja


para Gúbio e recebe de um velho amigo uma pobre túnica. Em 1206, retorna a
Assis e inicia a reconstrução da Igreja de São Damião, assume um hábito
semelhante ao de eremita e se consagra a Deus diante de toda a comunidade
4
Os eremitas eram conhecidos por viverem em locais afastados, em oração e penitência.
31

eclesiástica, que o reconheceu como sendo um religioso. Após o término da


reforma da igreja, Francisco reforma a igreja de São Pedro e uma capela antiga
dedicada à Bem-aventurada Virgem mãe de Deus.

Enquanto Cristo não se manifestava, Francisco se mantem ocupado nas


reformas das igrejas e no convívio diário das celebrações eucarísticas. No ano
de 1208, na proclamação do evangelho, Francisco é tocado pelo Espírito
Santo, quando Cristo anuncia aos discípulos para pregar o evangelho a todos;
com a ajuda de um sacerdote, Francisco entende que a reforma na igreja de
Cristo significava a evangelização de todos os povos. Ele renuncia a o hábito
eremita e dá início a missão de evangelizar, levando a paz e a conversão a
todos as pessoas.

O projeto de Francisco, segundo Frei Martino Conti, não era de constituir uma
Ordem religiosa, porém seu dom de ser um líder de um movimento apostólico
acontece naturalmente e seus exemplos de bom homem desperta à vontade de
outras pessoas segui-lo, os primeiros são: Bernado de Quintavalle e Pedro
Cattani, depois Egídio e rapidamente muitos outros jovens decidem seguir
Francisco.

Para seguir os caminhos de Cristo, Francisco propõe que os missionários


escutem a voz do evangelho, e, numa manhã, eles vão à Igreja de São
Nicolau, e retiram do evangelho o que deveriam fazer: “Se queres ser perfeito,
vai e vende tudo o que tens e dá aos pobres”. (Mt 16,24), “Nada leveis pelo
caminho”. (Lc 9,3 apud CONTI, 2004 p. 23). E foi com essa inspiração divina
que os jovens seguiram a caminho de proclamar o evangelho.

Frei Martino Conti afirma que os primeiros atos da nova ordem religiosa são
marcados por três experiências missionárias: a primeira na Marca de
Acogrupo, a segunda no Vale de Rieti, e a terceira depois que o grupo já tinha
o número de oito, seria o chamado dois a dois nas quatro direções do mundo.
Com o avanço da fraternidade da ordem, Francisco escreve para ele e para a
ordem uma regra, ou forma vitae, que no ano seguinte recebe exame e
aprovação do Papa.
32

O Papa Inocêncio III, preocupado com a situação eclesial daquele período,


aprova a “forma de vida” do grupo seguido por Francisco, criando uma nova
instituição religiosa. Ela teria o mandamento de pregar a penitência e se uniria
às três preexistentes, conhecida como instituição eremítica, do qual Francisco
já fizera parte, a instituição monástica e a instituição dos cônegos. O fato do
Papa ter instituído uma nova ordem religiosa transformou a vida dos
franciscanos e da Igreja Católica, o próprio Francisco escreve em seu
testamento a importância do Papa ter confiado a ele e a seus companheiros
serem propagadores da oração e da penitência.

Após a aprovação do Papa, Francisco e seus irmãos de fé voltam para Assis;


no caminho, em um vilarejo, eles resolvem parar e é ali que Francisco tem a
inspiração divina que sua missão é a de anunciar o evangelho aos povos
infiéis, que não conheceram a palavra divina.

São muitas as tentativas de Francisco em viajar para lugares distantes e


propagar o evangelho, porém não consegue e apenas em 1219 ele realiza seu
desejo e vai para a Palestina, Egito e outros países, pregando o evangelho a
todos os povos.

Antes de realizar essas viagens, na noite de Domingo de Ramos em 1212,


Francisco acolhe uma jovem em Santa Maria dos Anjos, chamada Clara de
Favarone, na qual a consagrou a Deus e partilhou seu ideal apostólico, dando
vida à ordem das “Senhoras Pobres de São Damião ou a conhecida Segunda
Ordem”.

Com a morte de Inocêncio III e da elevação de Onório III em Peúgia no ano de


1216 o cardeal Jacques de Vitry5 envia uma carta aos frades menores e das
Irmãs Menores oferecendo-se como descritor da nova Ordem religiosa. O
cardeal/historiador demonstrou, por meio da carta, conhecer bem a rotina

5
Jacques de Vitry, Segundo Frei Martino Conti, foi um cardeal francês, chamado a Roma para
ser consagrado bispo de São João de Acre, encontrou a corte pontíficia em Perusa,
enfrentando a morte de Inocêncio III e a eleição de Honório III. Aproveitou a oportunidade para
conhecer os novos movimentos religiosos que havia na região e foi, assim, a primeira
testemunha que, sem pertencer à Ordem, deixou um escrito sobre os franciscanos dos
primeiros tempos.
33

daqueles homens que se reunião uma vez por mês e destes encontros tiravam
diversos benefícios e, no encerramento, dividiam-se nas regiões próximas
evangelizando e ganhando novos irmãos. Como afirma Frei Martino Conti,
Francisco recebe do recém-eleito papa Onório III a indulgência da Porciúncula,
chamada de “Perdão de Assis”.

Em 1217 ocorre um marco para a vida da ordem franciscana, foi o conhecido


Capítulo de Pentecoste, no qual foram tomadas algumas decisões importantes
tais como as missões para além do Alpes no Oriente Médio, a divisão da
fraternidade em províncias e a nomeação dos ministros provinciais.

De acordo com Frei Martino Conti, o início da ordem franciscana não foi muito
fácil, visto que havia chegado a noticia que em Marrocos estavam em martírio
Frei Berardo e mais 16 companheiros. Com todos os acontecimentos,
Francisco resolve voltar para Itália, renunciando o cargo no governo da Ordem.
Para relatar essas dificuldades, Jacques de Vitry nota que “a Ordem dos
Frades Menores contém em si um gravíssimo perigo, devido principalmente ao
fato de serem mandados dois a dois por todo o mundo não somente os
perfeitos, mas também os jovens e imaturos.” (CONTI, 2004, p. 29). Com isso,
as missões poderiam estar ameaçadas e, a partir de então, Francisco
estabelece maior disciplina interna na ordem, pedindo pessoalmente auxilio ao
Papa Honório III que nomeia o cardeal Hugolino como defensor da Ordem dos
Frades Menores.

Os acontecimentos levaram Francisco a pensar na escrita das leis que regiam


a Ordem, nomeando Cesário de Espira, que era doutor na Sagrada Escritura,
para reelaborar “com palavras simples” (CONTI, 2004, p. 30) o texto da Regra,
que passou por “exame e à aprovação do Capítulo de Pentecoste de 1221”
(Conti, 2004 p. 30). Para ajudar aqueles que gostariam de realizar suas
orações e penitências em suas casas e que por algum motivo não poderiam
seguir junto com a Ordem, Francisco, com a ajuda de Hugolino, estabelece a
“norma de vida” (CONTI, 2004, p.30), tornando os leigos membros atuantes da
Ordem dos Frades Menores.
34

A regra da Ordem dos Frades Menores é aprovada em 1223 pela Sé


Apostólica, porém Frei Martino Conti aponta que Francisco não queria uma
versão definitiva da Ordem, desejando realizar algumas mudanças. Com a
ajuda de Fonte Colombo e de Hugolino escreve um novo texto que é levado a
aprovação do Capítulo de Pentecoste, e em 29 de novembro de 1223, “com a
Bula Solet annuere, Honório III aprova a Regra dos Frades Menores, cujo texto
chegou até nós sem variações” ( CONTI, 2004, p. 32).

Com os rumos da Ordem decididos em documento e aprovados pelo Papa,


Francisco decide retomar o caminho da evangelização. Três anos antes de sua
morte, em uma aldeia perto de Grécio, resolve reviver o nascimento do próprio
Cristo (criando o presépio de natal), a fim de inspirar nas pessoas o amor e a
devoção no Menino Jesus.

O amor e a conversão em Cristo Ressuscitado impulsionou a vida de


Francisco. Desde sua conversão ele buscou “carregar a Cruz conforme o
próprio Senhor”, e seu desejo de viver como Cristo foi intenso ao ponto de,
como afirma Frei Martino Conti, na festa de exaltação da Cruz, em 1224
“enquanto encontrava em oração sobre o monte, apareceu-lhe a imagem do
Crucificado que deixou no seu corpo (mãos, pés e lado) os sinais dos estigmas
de Jesus Cristo” (CONTI, 2004, p. 33). Essa nova experiência fez com que o
estado de saúde de Francisco piorasse e ele sentiu a necessidade de retornar
e viver junto com seus irmãos, descendo do monte em um burro e investe seus
esforços em uma viagem para Úmbria e Marca.

Ao retornar para Assis, Francisco faz uma visita à Irmã Clara em São Damião,
no qual permanece algum tempo para se curar, porém, cedendo às pressões
de Hugolino para fazer um tratamento, em 1226 realiza cirurgias de
cauterização nos olhos na cidade de Sena. Os cardeais, ao observarem a
fragilidade de Francisco, pedem-lhe que faça uma benção em um memorial, no
qual rapidamente registra sua vontade no conhecido “Testamento de Sena
(abril-maio de 1226)” (CONTI, 2004, p. 34).

Como os médicos já haviam avisado que Francisco de Assis não aguentaria


muito tempo, ele pede para voltar em Porciúncula, para “entregar sua vida a
35

Deus lá onde pela primeira vez tinha conhecido o caminho da verdade”


(CONTI, 2004 p.34). É neste momento que ele dita o que ficou conhecido como
o discurso de adeus, fazendo, no texto, uma homenagem conhecida como
Cântico ao Sol.

A morte de Francisco foi marcada pela leitura do Evangelho, pedido dele, que
em volta dos seus irmãos de fé despede-se deste mundo. A noticia de sua
morte é dada à toda Ordem por uma carta escrita por Frei Elias, tecida por
muitas esperanças e escritos bíblicas. Seu corpo é levado para a igreja de São
Jorge, e lá ele é sepultado honrosamente.

Dois anos após a morte de Francisco o Papa Gregório IX escreve o nobre


homem que fundou a Ordem Menor nos inscritos de Santo. Em 1230 os
despojos mortais são levados da Igreja de São Jorge para uma basílica
construída em sua homenagem.

3.2. Contexto histórico vivido por Francisco de Assis

Como alega Frei Martino Conti, quando nasce Francisco, em 1181/1182, a


sociedade civil e a Igreja Católica estão passando por uma grande crise social,
econômica, política e religiosa.

O sistema feudal encontrava-se em profundo declínio, dando espaço às novas


e revolucionárias transações comerciais, de pessoas que trabalham, viajam e
ganham seu próprio dinheiro. As feiras de comerciantes se empalharam
rapidamente, o consumo e a venda de alimentos aumentam, os artesãos
fabricam seus objetos para serem vendidos nessas feiras.

Frei Martino Conti afirma que a transformação foi tão radical que até mesmo a
língua falada, o latim, foi substituída para o que foi conhecido como língua
vulgar. Um novo povo surge buscando liberdade para governar suas vidas,
realizar viagens para adquirir novos produtos e para comercializar seus
produtos, os locais onde esse povo se reunia e vivia ficou conhecido como
comuna, como explica Frei Martino Conti, significando núcleos de cidadãos que
trabalham e comercializam produtos.
36

O dinheiro era o objeto de maior desejo entre as pessoas, entre os


comerciantes. A nova sociedade buscava e almejava, como contesta Frei
Martino Conti, que o dinheiro era o meio para viver melhor e para ter uma vida
social melhor. O dinheiro destrói a paz entre as cidades, no qual cada um
busca a lideranças dos mercados. É esse o motivo da guerra entre Assis e
Perúgia em 1202, do qual Francisco fazia parte, os assisenses são derrotas e
Perúgia ganha maiores poderes econômicos e de monopólio.

No âmbito religioso, Frei Martino Conti argumenta qye os mosteiros que


fizeram com que a Palavra de Cristo fosse propagada por todo o Império não
ganhou público no novo modelo social em que as comunas estavam
organizadas. Os monges não conseguiam levar a boa nova aos trabalhadores
das comunas, nem aos comerciantes que faziam longas viagens em busca de
novos produtos. Cresce, então, um novo movimento na Igreja, são os
chamados hereges, que viajam pregando o evangelho aos povos, e que falam
a mesma língua da população, visto que os monges falavam apenas o latim. A
Igreja se transforma; os padres, os bispos e até mesmo o papa deveria levar
uma vida mais simples, com um compromisso de evangelização, de trabalho
missionário e de comunhão de bens.

Existe uma preocupação da Igreja em conter a heresia entre a população das


comunas, neste sentido, são realizados dois movimentos dentro da Igreja: um
em busca de reavivar os movimentos apostólicos, e, outro em busca de lançar
novas formas de vida religiosa nas praças das cidades, nas aldeias mais
distantes, a fim de evangelizar o povo de Deus.

Neste contexto, Frei Martino Conti afirma que surge a vocação de Francisco de
Assis, o qual rapidamente ganha apoio da Igreja. O Papa Inocêncio III
reconhece nele um homem mandado por Deus para defender e propagar a
Palavra do Cristo. O Papa cria uma nova ordem, chamada de apostólica,
diferente da eremítica, monástica e canonical que já existiam, a nova Ordem
traria para a sociedade vigente um novo sentido de evangelização.
37

3.3. Formação das regras dos frades menores

A nova Ordem estabelecida pelo Papa Inocêncio III em 1209/1210 confirmada


no Concílio de Lateranense IV, em 1215, como afirma Aguiar (2010), ela
expressa como Francisco e seus primeiros irmãos e companheiros gostariam
de viver suas vidas, segundo a vontade de Deus.

Como argumenta Frei Martino Conti, as regras constituídas no decorrer dos


tempos tinham uma inspiração da vida religiosa, sendo que a de São Bento era
monástica, a de São Basílio e de Santo Agostinho era clerical, enquanto que a
Regra dos Frades Menores tinham inspiração apostólica. O próprio Francisco
não queria que seu nome estivesse ligado às outras ordens religiosas, visto
que sua vontade era de pregar o evangelho com simplicidade, inspirada na
vida apostólica, que significa pregar na pobreza, virtudes que Francisco não
encontrou em nenhuma outra ordem.

Frei Martino Conti declara que Francisco, ao receber o chamado de Cristo, não
tinha a intenção de criar uma ordem religiosa, sua vontade era apenas de
seguir sua convocação de Cristo, porém, quando alguns homens resolveram
seguir a caminhada junto com ele é que, Francisco inspirado nas Escrituras da
Bíblia, dita o que seria o modo de vida dele e de quem resolvesse seguir seus
passos.

Como o número de membros da companhia crescia, Francisco escreve com


simplicidade e brevidade uma forma de vida, composta quase que
exclusivamente de passagens bíblicas, que foi passada por análise e
aprovação de Inocêncio III.

O termo “regra” é usado nos escritos de Francisco de Assis por diversas vezes,
ela representa a norma de vida que os irmãos frades deveriam seguir, segundo
a Palavra de Cristo.

Os autores que no decorrer da historia reescreveram as Regras de Francisco


de Assis apontam três momentos distintos no desenvolvimento dessas regras,
Frei Martino Conti esclarece:
38

Termo a quo, eles indicam a Forma vitae ou Proto-Regra,


aprovada vivae vocis oraculo por Inocêncio III em 1209/10, e
como termo ad quem apontam a Regra bulada, confirmada por
Honório III, no dia 29 de novembro de 1223, com a Bula Solet
annuere (2004, p.180).

Não foram apenas esses momentos apontados acima que Francisco escreve
para regulamentar a norma franciscana e, segundo alguns relatos de
companheiros, ele escrevia diversas regras e as colocava em prática, a fim de
garantir uma vivência melhor de seus irmãos.

A elaboração da regra franciscana percorreu um longo caminho de elaboração


e de maturação, iniciando em 1209 e finalizado apenas em 1223. Nesse
período Francisco teve a inspiração divina para escrevê-la, sendo
testemunhada pelos seus companheiros e com a aprovação da Igreja.

A chamada Forma vitae ou Proto-Regra passou por aprovação de Inocêncio III,


no ano de 1209/10, porém sua composição, como relata Frei Martino Conti, é
desconhecida ou se perdeu nas modificações realizadas na Regra não bulada.
Sabe-se apenas que a Forma vitae tinha, na sua maioria, trechos bíblicos, que
evidenciavam a vida dos apóstolos em pregar o evangelho aos pobres e leva-
los à conversão e ao reino dos céus.

Outro aspecto que os historiadores afirmam ser da regra primitiva seria a


organização da vida comunitária para viverem suas vocações e missões. Frei
Martino Conti aponta o jejum como sendo um dos principais aspectos da forma
de vida dos companheiros franciscanos. Tendo a aprovação da igreja, os
irmãos frades poderiam jejuar na quarta e sexta-feira, tendo a permissão de
Francisco em jejuar na segunda-feira e no sábado.

Com o aumento sucessivo da Ordem franciscana, a Forma vitae tornou-se


inadequada para regulamentar os frades, para tanto Francisco escreve a Regra
não bulada, aprovada no ano de 1221. Até mesmo a pessoa de Francisco, que
era a forma viva da regra, de como seguir os passos para ser um
evangelizador não alcançava mais todos os frades franciscanos. Deste modo,
uma regra mais minuciosa de como ser um frade segundo o modelo de
Francisco tornava-se uma necessidade para a manutenção da Ordem, havia
39

também uma preocupação em esclarecer e determinar as competências dos


cargos.

As leis que regulamentavam a vida dos frades podiam ser mudadas, conforme
apareciam as dificuldades. Frei Martino Conti apresenta um trecho dos escritos
de Jacques de Vitry, em que:

Os homens desta Religião reuniam-se uma vez por ano num


lugar estabelecido para alegrarem-se no Senhor e coerem
juntos, tirando destes encontros notáveis benefícios. Aí,
valendo-se do conselho de pessoas peritas, eles formulam e
promulgam leis santas que submetem as Papa para aprovação
(Jacques de Vitry 11: 2208 apud CONTI, 2004 p.185).

Deste modo, a Regra Geral era um espaço em que os frades poderiam fazer as
alterações necessárias para o bom andamento da Ordem. É neste âmbito
ainda, que a fraternidade se dividiu em províncias e que se elegeram ministros
provinciais. Frei Martino Conti afirma, ainda, que é nesse contexto que são
escolhidos custódios para atribuições da Ordem, como exemplo, “guardar os
frades no seu ideal de vida apostólica, para que nenhum deles se perca”
(CONTI, 2004 p.185). É, também, nesse ambiente que surgem os primeiros
lugares que são chamados de casa, ou conventos, que são destinados a
formação inicial e continuada dos frades a fim de prepara-los para o exercício
do mandato de evangelizar.

De acordo com Frei Martino Conti, a Regra não Bulada é constituída em 23


capítulos, teve a aprovação do Capítulo de Pentecoste em 1221 e é proposta
para toda a Ordem. O centro da discussão continua sendo o mesmo da Forma
vitae, muitas citações bíblicas, entre outros. A seguir faremos um pequeno
esboço dos capítulos que compunham a Regra não Bulada, de acordo com as
Fontes Franciscanas.

O primeiro capítulo apresenta que os irmãos devem viver sem propriedade, em


castidade e obediência. Neste capítulo, Francisco de Assis reafirma os votos
que ele mesmo fez, admoestando que quem quisesse segui-lo deveria fazer
como ele, ou seja, tirar suas roupas, adotar a pobreza.

No segundo capítulo são atribuídos como seria a apresentação dos novos


irmãos aos ministros e as vestes que deveriam usar. O candidato deveria
40

distribuir seus pertences aos pobres, não podendo ficar com dinheiro, não
podendo dar este aos membros da Ordem e, quanto a roupa, “o ministro
conceda-lhe as vestes de provação por um ano, a saber duas túnicas sem
capuz, o cíngulo, calções e o caparao” (FONTES FRANCISCANAS, 2008
P.166). Após este primeiro ano de provação o candidato seria recebido, não
podendo frequentar outra religião ou desrespeitar a obediência da Ordem.
Francisco de Assis esclarece que as vestes devem ser baratas.

No terceiro capítulo são descritos o ofício divino e o jejum. São relatados


trechos da Bíblia que demonstram que os demônios são vencidos com a força
do jejum e da oração; neste sentido, Francisco pede que os irmãos, tanto
clérigos quanto os leigos façam uma rotina de orações e de leituras, para os
que não sabiam ler, que rezem ainda mais aquelas orações conhecidas. O
jejum deveria ser desde a festa de todos os Santos até o Natal, e desde a
Epifania até a Páscoa, já nos tempos comuns que eles não sejam obrigados a
jejuar, se não na sexta-feira.

O capítulo quarto trata de como deveriam ser dispostos os ministros e outros


irmãos. Os ministros e servos da Ordem deveriam seguir os passos de Cristo,
na humildade e sabedoria, eles eram responsáveis por cuidar dos frades e
iriam responder pelos seus atos, principalmente se algum companheiro se
perder por culpa do mau exemplo.

O capítulo quinto esclarece a correção dos irmãos na ofensa:

E cuidem todos os irmãos, tanto os ministros e servos como os


demais, para não se perturbarem ou se irritarem por causa do
pecado ou do mal do outro, porque o demônio quer, por causa
do pecado de um só, corromper a muitos; mas ajudem
espiritualmente, como melhor puderem, aquele que pecou
(FONTES FRANCISCANAS, 2008 p.169).

Neste sentido, Francisco prepara os ministros e irmãos para o que poderiam


acontecer no interior da Ordem, quando um deles caísse em tentação e como
seria o convívio com esse pecador. É esclarecido o modo que os irmãos
deveriam viver, sem que houvesse um mandando no outro, pois todos estavam
lá para servir e viver em obediência.
41

O sexto capítulo esclarece o recurso dos irmãos aos ministros e que ninguém
se chame de pior, mas que todos se achem irmãos menores, assim, todos
seriam tratados igualmente, um servindo ao outro.

No sétimo capítulo Francisco apresenta o modo de servir e trabalhar, em que


os irmãos não deveram assumir cargos de liderança, nem mesmo cargos de
destaques, todos devendo ser humildes e servir, em qualquer lugar que estiver.
Aponta ainda que, “pelo trabalho possam receber todas as coisas necessárias,
menos o dinheiro” (FONTES FRANCISCANAS, 2008 p.170). Deste modo, os
irmãos deveriam trabalhar, mas não poderiam receber recompensa, apenas
comida para de alimentar.

O oitavo capítulo exprime a vontade de Francisco em que seus irmãos não


recebam dinheiro:

Por isso, nenhum dos irmãos, onde quer que esteja e para
onde quer que vá, de modo algum apanhe nem receba nem
faça receber dinheiro ou moedas, nem por motivo de vestes
nem de livros nem como salário de algum trabalho,
absolutamente por nenhum motivo, a não ser por causa de
manifesta necessidade dos irmãos enfermos, porque não
devemos ter nem considerar no dinheiro e nas moedas maior
utilidade do que nas pedras (FONTES FRANCISCANAS,
2008 p.171).

Neste sentido, Francisco de Assis limita seus irmãos a receberem apenas o


que lhe é necessário, não podendo guardar ou arrecadar dinheiro, nem para
seu bem, nem para os outros.

O nono capítulo propõem que se necessário os irmãos deveriam pedir


esmolas, e que se os homens não quiserem dar-lhes esmolas, que recebam a
benção do céu. Francisco de Assis pede que os irmãos vivessem no meio dos
pobres, doentes, aqueles que são marginalizados pela sociedade, e que vivam
com alegria e transmitam a fé de Cristo.

O décimo capítulo diz respeito aos irmãos que caírem na enfermidade, que
deverão ser cuidados pelos irmãos com saúde, que ninguém seja abandonado,

No décimo primeiro capítulo, Francisco de Assis pede que os irmãos não


blasfemem nem se difamem, mas se amem uns aos outros, respondendo
42

sempre com humildade e simplicidade, “não julguem, não condenem”


(FONTES FRANCISCANAS, 2008, p.174), mas todos os irmãos da Ordem
devem servir com alegria, sem murmurações.

O décimo segundo capítulo é composto pela conduta do mau olhar e da


frequência de mulheres. Os irmãos franciscanos não podem comer, andar ou
permanecer em lugares na presença de mulheres, e Francisco esclarece que
os irmãos sejam sínceros aos sacerdotes e dizer sempre o que aconteceu,
para que sejam devidamente punidos.

No décimo terceiro capítulo os irmãos devem ser evitados à fornicação, ou


seja, ao contato com a prostituição e, se isso acontecer, o irmão deve ser
despojado do hábito e expulso da Ordem, cumprindo sua penitência longe dos
irmãos.

O décimo quarto capítulo explica como devem ir os irmãos ao mundo. Eles não
devem levar nada e, se chegarem a um lugar e forem pedidos suas coisas,
mesmo que sejam suas vestes, eles devem entregar e se alegrar, pois devem
sempre servir aos irmãos o que forem necessários.

O décimo quinto capítulo proíbe que os irmãos andem a cavalo, ou que tenham
qualquer animal, a não ser por motivo de enfermidade.

O décimo sexto capítulo pede para que os irmãos que desejam conviver com
sarracenos ou infiéis que peçam permissão aos seus ministros, e que eles
concedam a permissão, que os irmãos possam se apresentar como filhos de
Deus e propagar o evangelho.

O décimo sétimo capítulo relata a forma que os pregadores deveriam se


expressar. Os irmãos devem pregar segundo a vontade da Igreja, com a
permissão do ministro, sendo que aqueles que não conhecem os
mandamentos de Cristo devem pregar com serviço, e todos da Ordem devem
divulgar o evangelho. Francisco de Assis afirmou, ainda, que os irmãos devem
se proteger, por meio de orações diárias, contra a força do inimigo, que busca
desestabilizar os irmãos e leva-los ao pecado da carne.
43

No décimo oitavo capítulo é apresentado como os ministros devem se reunir.


Os encontros deveriam acontecer todos os anos, na festa de São Miguel
Arcanjo, mas o lugar não foi estipulado visto que os ministros se espalharam
por diversos lugares, e aqueles que estiverem nas regiões mais distantes
deveram vir, a cada três anos, na Igreja de Porciúncula.

No décimo nono capítulo é prescrito que os irmãos devem viver catolicamente,


ou seja, nos costumes segundo a Igreja Católica, sendo que aqueles que
perderam a fé deveriam ser expulsos da Ordem.

No vigésimo capítulo são apresentadas a penitência e a recepção do Corpo e


do Sangue de Cristo. Francisco Assis pede que tanto os clérigos quanto os
leigos confessem seus pecados aos sacerdotes, que recebendo a punição de
seus pecados são absorvidos de qualquer culpa e, cumprindo sua penitência,
poderem receber o Corpo de Cristo com humildade e reverência.

No vigésimo primeiro capítulo Francisco de Assis traz trechos bíblicos


demonstrando como os irmãos deveriam realizar a lauda6 e exortação ao
Cristo. Os irmãos deveram cantar e exultar as bênçãos de Cristo.

O vigésimo segundo capítulo é dedicado à admoestação aos irmãos. Francisco


de Assis orienta que Jesus amou e cuidou daqueles que o traiu, deste modo,
os irmãos também deveram cuidar e amar aqueles que lhe tragam desgosto e
vergonha, praticando o martírio.

Os irmãos deveriam tomar cuidado para não caírem em tentação, tampouco


serem terras inférteis que não produzem fruto algum, ao contrário, eles
deveriam ser luz para os que não conhecem a palavra de Deus, que os irmãos
“esforcem-se por servir, amar, honrar e adorar a Deus com o coração limpo e
com a mente pura, pois é isto que ele deseja acima de tudo” (FONTES
FRANCISCANAS, 2008, p.182). Francisco de Assis coloca a oração como um
meio para fortificar a fé, o Evangelho como sendo o guia para todas as horas.

6
“A lauda era, no contexto medieval italiano, uma espécie de exortação religiosa em forma de
canto.” (FONTES FRANCISCANAS, 2008, p. 179, nota de rodapé)
44

O vigésimo terceiro capítulo apresenta a oração e ação de graças, os irmãos


deveram realizar orações diárias, bendizendo e agradecendo pelo dom da vida.
Francisco de Assis expõe:

E a todos os que querem servir ao Senhor Deus na santa Igreja


Católica e a todas as seguintes ordens: sacerdotes, diáconos,
subdiáconos, acólitos, exorcistas, leitores, hostiários e todos os
clérigos, a todos os religiosos e religiosas, a todos os
conversos e pequeninos, pobres e indigentes [...], a todas as
nações e a todos os homens de qualquer parte da terra, aos
que existem e que existiram, nós os frades menores todos,
servos inúteis, humildemente rogamos e suplicamos para que
perseveremos todos na verdadeira fé e penitência, porque de
outra maneira ninguém pode salvar-se (FONTES
FRANCISCANAS, 2008 p.184, 185).

Esse trecho demonstra a vontade de Francisco em evangelizar todos os povos,


aonde todas as pessoas sem distinção tivessem a oportunidade de conhecer a
Deus.

No vigésimo quarto capítulo são realizados as considerações finais, em que


Francisco pede que, em nome de Cristo, “todos os irmãos que aprendam o teor
e o sentido destas coisas que foram escritas nesta [forma de] vida para a
salvação de nossa alma” (FONTES FRANCISCANAS, 2008 p.186). Ele pede
que os irmãos continuem unidos pela fé e vivam na caridade e humildade.

As regras, como afirma Frei Agostinho Salvador Piccolo, demostram a


orientação que Francisco de Assis gostaria de transmitir aos seus irmãos. A
Regra não Bulada trata-se da experiência de anos de Francisco e de sua
devoção evangélica de viver em castidade e pobreza.

Aguiar (2010), por sua vez, aponta que a Regra não Bulada não trata de uma
simples regra que fundamenta a vida dos frades que iriam viver fechados em
conventos, mas trata de um projeto de evangelização. Francisco de Assis, em
cada capítulo, dirige-se para aqueles irmãos que estivessem em missão
evangelizadora e que deveriam seguir os mesmos pressupostos de todos os
irmãos da Ordem. O texto busca a transformação da vida dos fiéis, uma
transformação apostólica de toda a sociedade.
45

Os capítulos da Regra não Bulada possuem um caráter disciplinador, no qual,


segundo Aguiar (2010), a pobreza é um modo de vida ideal, que tenta conter
os avanços da riqueza material da Igreja Romana e da burguesia do seu
tempo. Francisco de Assis determina que todos devessem evangelizar
converter e moralizar a sociedade, compromisso tanto para os clérigos quanto
para os leigos.
46

4. AS AÇÕES DE DIVERSAS ORDENS RELIGIOSAS NA AMÉRICA


PORTUGUESA

O século XVI foi marcado pela forte presença dos missionários católicos em
busca de evangelizar os povos gentios encontrados no Brasil Colonial. Os
jesuítas tornaram-se conhecidos pela atividade de evangelizar e educar os
índios, segundo os moldes da Igreja Católica e os costumes europeus.

Os destaques da ação jesuíta, como aponta Sangenis (2004), foi a fundação do


Colégio da Companhia de Jesus que deu origem a cidade de São Paulo, e a
ação dos padres jesuítas Manoel da Nobrega e José de Anchieta, sendo os
primeiros protagonistas na educação evangelizadora dos índios.

O que a história deixou de apresentar foram as ações de diversas outras


ordens religiosas que buscaram evangelizar os índios, em missões, como os
franciscanos, beneditinos, carmelitas, mercedários, entre outros religiosos.

Sangenis (2004) questiona quais os motivos que levaram ao silêncio dessas


missões no cenário brasileiro do século XVI. Os livros didáticos de História da
Educação não apresentam imagens ou textos e, tão pouco, referências que
demonstrem a ação de franciscanos no período colonial, mesmo a primeira
missa realizada em 1500, com a presença do Frei Henrique Soares Coimbra,
um franciscano, é esquecida por historiadores.

Como salienta Sangenis (2004), não há de se negar o trabalho educacional dos


jesuítas no primeiro século de colonização do Brasil, queremos apenas apontar
que houve uma considerável ação de outros seguimentos da Igreja Católica,
como o apresentado grupo de frades franciscanos.

4.1. A presença jesuítica no Brasil colonial

Com a aprovação da Companhia de Jesus pelo Papa Paulo III, os jesuítas


tinham como principal objetivo disseminar a fé católica pelo mundo, sendo que,
neste período a reforma protestante contagiava muitos fiéis católicos a
mudarem sua religião.
47

Conforme aponta Costa (2004), os jesuítas desembarcaram em terras


brasileiras comandados por Manuel da Nóbrega “em 29 de março de 1549,
juntamente com Tomé de Souza, o primeiro Governador-geral” (p.58). Porém
em documentos oficiais, é apenas em 01 de janeiro de 1551 que o Rei D. João
III declara a presença de missionários jesuítas no Brasil.

A missão jesuítica que chegou ao Brasil em 1549 era composta pelos padres
Manuel da Nóbrega, Leonardo Nunes, João Azpilcueta Navarro e Antonio
Pires; pelos irmãos: Vicente Rodrigues e Diogo Jacome. A embarcação trouxe
também Tomé de Souza, nomeado primeiro governador do Brasil; a frota
aportou na Bahia após oito semanas de viagem.

Os jesuítas desenvolveram muitas atividades, visto que a Colônia era grande e


necessitava de muitos trabalhos. Costa (2004) argumenta que os jesuítas,
como possuíam muitas casas, colégios e reduções indígenas necessitavam da
criação de uma Província no Brasil, então, em uma carta escrita por Inácio de
Loyola pode-se verificar a criação de segunda Província no Novo Mundo,
sendo Manuel da Nobrega nomeado o primeiro Provincial. A carta data de 09
de julho de 1553 e demonstra a rápida organização dos jesuítas na Colônia
Portuguesa.

Foram fundados diversos colégios, escolas, capelas, nos quais muitos índios e
descendentes portugueses recebiam instrução e formação. Em 200 anos de
colonização, a Companhia de Jesus tornou-se a maior educadora e missionária
do Brasil.

De um modo em geral, Costa (2004) afirma que as primeiras impressões dos


gentios foram boas, a catequização transcorreu pela palavra, e não pela força,
os primeiros relatos das cartas dos jesuítas informavam que os gentios não
professavam a fé cristã por não a conhecer, os bons costumes cristãos
deveriam ser ensinados aos aborígenes. Costa (2004) alega que:

Nas cartas jesuíticas do Brasil não raro encontra-se a alusão à


alma dos índios como sendo papel em branco (Nóbrega, carta
de 1551 a D. João III) ou cera branca (Ruy Pereira, carta de
1560). Evangelizar os gentios da terra não era difícil, pois eles
não tinham, de fato, nenhuma religião estruturada ou
complexa, como era o caso, por exemplo, dos hindus, dos
48

japoneses e dos chineses. Como a natureza do gentio é boa,


apesar de seus maus costumes, a sua alma é como uma folha
em branco em que se pode escrever o que se quiser (p. 189).

Deste modo, a evangelização dos gentios não foi motivo de conflito para os
jesuítas, o trabalho pautou-se em convertê-los aos modos e costumes
europeus. Ao passar do tempo os jesuítas perceberam a dificuldade em
transformar os costumes dos índios, então passaram a usar da força e do
temor para convertê-los.

Os padres Anchieta e Nóbrega fundaram o Colégio de São Paulo, com


instalações rústicas, sendo que a instituição também servia de casa para os
jesuítas. Após as devidas instalações, os jesuítas iniciaram a catequese, que
segundo relatos de Anchieta, cerca de 130 índios iniciaram a catequese e 36
foram batizados, pois estes já eram instruídos e repetiam as orações cristas em
português e na sua própria língua.

Os trabalhos dos jesuítas na Colônia Portuguesa pautaram-se em converter os


índios aos costumes portugueses e cristãos e, como aponta Sangenis (2004),
não há como negar a obra missionária e evangelizadora dos jesuítas,
organizados em uma complexa rede de escolas elementares e colégios,
contando com um plano uniforme e planejado conhecido como Ratio
Studiorum, os jesuítas implantaram uma ação pedagógica reconhecida e que
perdurou por mais de dois séculos.

4.2. As atividades esquecidas dos franciscanos na colonização da


América Portuguesa

Como já apresentamos, os franciscanos tiveram presença marcante na


colonização do Brasil, como na primeira missa celebrada em 1500, porém não
foram registradas as missões desses frades na evangelização dos gentios.

O autor Sangenis (2004) expõe a ação dos franciscanos no Brasil desde 1585,
quando foi criada a Custódia de Santo Antônio do Brasil, com sede em Olinda,
os frades tinham como objetivo catequizar os índios que moravam nessa
região.
49

O prefácio encontrado no “Livro dos Guardiães do Convento de São Francisco


de Assis da Bahia”7 , escrito por Frei Venâncio Willeke, apresenta algumas
pistas do que seriam os primeiros relatos das atividades dos franciscanos na
cidade da Bahia.

Frei Venâncio Willeke relata ainda que, em 1516, Frades Menores anônimos
embarcaram na catequização dos índios Tupiniquins, em Porto Seguro,
“levantando a primeira igreja e batizando os primeiros filhos da selva”. Em
1549, ainda de acordo com Frei Venâncio Willeke, morre afogado, no Sul da
Bahia, um franciscano anônimo, que tinha como objetivo catequisar os índios
daquela região; o rio que transpassa aquela região ficou conhecido como Rio
do Frade.

Já em 1586 foi criado um internado para curumins, em que aprendiam “a


doutrina cristã, eram ensinados a ler, escrever, fazer contas, cantar e tocar
instrumentos musicais” (SANGENIS, 2004, p. 99). Esses índios viajavam com
os missionários em outras aldeias ajudando os franciscanos na evangelização
de outros índios.

Os franciscanos realizaram suas missões em Pernambuco, Rio Grande do


Norte, Alagoas, Paraíba e Maranhão. Como destaca Sangenis (2004), os
frades logo erguiam uma escola, uma capela e a residência, e o objetivo, como
revelou Frei Vivente Salvador, seria, depois de aprender os princípios
religiosos, ensinar ler e escrever, a fim de ensinar outros membros de suas
tribos. A música era um forte instrumento na evangelização, sendo capaz de
encontrar índios “a tocar e cantar nos atos religiosos”. (SANGENIS, 2004 p.
99).

Os franciscanos tiveram diversas atividades desenvolvidas no período colonial,


entretanto não foram encontradas muitas fontes documentais que relatam o
trabalho desses missionários no Brasil. Como afirma Sangenis (2004, p. 48)

7
Este livro apresenta as atividades dos Frades Menores na cidade da Bahia, no período de
1587 a 1862. São relatos dos franciscanos que não se perderam com o tempo, os
organizadores o julgam incompleto, pelo fato de que nem todos os franciscanos chamados de
Guardiães registraram seus feitos nos documentos oficiais. Ao analisar os relatos podemos
averiguar as ações dos frades nos primeiros anos de colonização do Brasil, visto que a Bahia
era um ponto de referência nesse período.
50

“São Francisco de Assis, quando fundou a Ordem, não desejava que seus
frades possuíssem livros e muito menos se dedicassem aos estudos”. Deste
modo, o modelo franciscano não almejava e tampouco se preocupava em
redigir suas ações evangelizadoras, o principal objetivo era a conversão desse
povo gentio a fé cristã.

4.3 Os diferentes modos de organização dos jesuítas e franciscanos no


processo de evangelização na Colônia Portuguesa

Com a análise da Constituição da Companhia de Jesus e dos Escritos de


Francisco de Assis podemos perceber a diferença na organização interna
dessas Ordens religiosas.

Os jesuítas priorizavam a comunicação entre os irmãos que estavam em


evangelização, a fim de edificarem na fé e compartilhar dos desafios a serem
enfrentados em suas missões.

Em contraponto, os franciscanos, seguindo os ensinamentos de seu mestre


Francisco de Assis, não tinham a preocupação de escrever seus atos
religiosos, pois o que importava eram os serviços em função da evangelização
e do amor ao evangelho. O que devemos acentuar é que deste o século XIII os
frades franciscanos ocuparam lugares nas universidades medievais e nas
casas de estudos.

O autor Sangenis (2004) aponta que antes da ação dos jesuítas, os


franciscanos eram responsáveis pela Universidade de Lisboa em 1453. Com a
expansão marítima, os franciscanos embarcaram no ensino dos povos gentios,
em lugares distantes, porém o autor apresenta que “a Companhia de Jesus
obteve o monopólio do ensino secundário e os franciscanos continuaram a
lecionar as primeiras letras em todas as ilhas” (p. 25). Deste modo, o trabalho
dos franciscanos deixou de ser apoiado pela Coroa portuguesa, que destinou
aos jesuítas o trabalho de evangelizar os gentios.

Um questionamento levantado por Sangenis (2004) seria: o silêncio histórico


da ação dos franciscanos nos primeiros anos de colonização do Brasil seria
decorrente do apoio da Coroa portuguesa nos trabalhos da Companhia de
51

Jesus, ou por se tratar de uma Ordem que predominou a ação evangélica do


qual o que uma mão faz a outra não pode saber?

O que o autor questiona ainda, seria a visão de historiadores nas primeiras


experiências educacionais do Brasil, tendo apenas uma visão de como
decorreu esse processo. Atenta-nos ainda para que não tenhamos apenas um
panorama de como ocorreu o processo de colonização dos índios, bem como
das primeiras experiências educacionais no nosso país.

Sangenis (2004), ao analisar as cartas do padre jesuíta Manuel da Nobrega de


1549 identificou o testemunho da atuação de frades franciscanos no trabalho
de evangelizar índios carijós, sendo estes índios edificados na fé católica e nos
costumes europeus. Deste modo, as fontes jesuíticas eram tão minuciosas que
foi possível destacar a ação dos frades no período colonial.

O período colonial foi um momento histórico marcado pela ação de


missionários, como salienta Sangenis:

No período colonial, o missionário, seja qual fosse a sua


filiação religiosa, foi também o educador. E, quanto aos
franciscanos, por tradição mais remota ou por relevância da
sua produção intelectual e acadêmica, gozariam dos mesmos
legítimos direitos de se deixarem qualificar de mestres
educadores (2004, p. 95).

Deste modo, os missionários, que tinham a missão de educar, constituíram o


primeiro cenário da educação do Brasil. Os documentos históricos catalogaram
os jesuítas como sendo os principais responsáveis por esse fenômeno
educacional, esquecendo-se de que os franciscanos embarcaram junto com os
portugueses e espanhóis nas expedições marítimas que culminaram na
colonização de diferentes povos.

Um aspecto que diferenciou a ação dos franciscanos e jesuítas no projeto de


evangelização do Brasil colonial é destacado por Sangenis (2004) como sendo
a escolha dos lugares no qual seriam realizadas essas expedições. Enquanto
os franciscanos escolheram o interior do país para se instalarem, os jesuítas
estabeleceram suas casas e colégios nos centros das cidades, é o caso da
cidade de São Paulo que se desenvolveu com o colégio jesuíta.
52

Todos os pontos elencados nesse capítulo levam-nos a refletir no ideal que


Francisco de Assis transmitiu em seus escritos, no qual um frade deveria servir
e viver na obediência a Deus e aos seus superiores e, nesse sentido, as
missões deveriam contemplar a ação em comunidade e na caridade.

No que diz respeito as jesuítas, Loyola deixa claro na Constituições a


obrigatoriedade de relatar todas as missões que ocorrera, era uma forma de
garantir que os irmãos jesuítas compartilhassem seus desafios com toda a
Ordem. Como argumenta Sangenis (2004, p. 101), “o que marca a diferença
dos jesuítas das demais Ordens foi a sua eficácia na produção e na difusão
dos seus textos, através do uso da imprensa”.

Neste contexto, os jesuítas são os autores requisitados por historiadores que


refazem a história do Brasil no período colonial, sendo esquecidas as
atividades de outros seguimentos religiosos na colonização e na evangelização
dos índios.

Um diferencial na colonização do Brasil seria o financiamento das Ordens


religiosas para o projeto de evangelização dos índios. Como analisamos nas
Constituições da Companhia de Jesus, os missionários jesuítas pertenciam a
uma Ordem mendicante, Loyola esclareceu que os irmãos poderiam pedir
esmola para seu sustento, que não fosse para nutrir nenhum luxo, em que o
autor relata ao que diz respeito à pobreza, os jesuítas não poderiam modificar a
lei, ao menos se fosse para torná-la mais rigorosa.

Quanto as Casas e Igrejas, evidenciamos nas Constituição que os membros


não poderiam ter nenhum bem material, todos deveriam viver da esmola, nem
aqueles que trabalhavam, pois os esforços seriam para a manutenção da
Ordem ou para ajudar um irmão necessitado. No que diz respeito aos Colégios,
Loyola afirmou que poderiam ter rendas, frutos e propriedade, desde que
fossem aplicados para a educação dos estudantes.

Na manutenção das missões, Sangenis assegura que o Padroado português


destinava impostos e tributos para este fim, o autor apresenta:

No caso brasileiro, a Coroa consignava uma verbal mensal de


um cruzado para o sustento de cada missionário, fornecia
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viveres e apoiava a construção de templos, residências e


colégios. Apesar do apoio oficial e particular do governador
geral e da generosidade de alguns colonos, nem sempre se
obtinham os recursos suficientes para uma rápida expansão
das atividades missionarias (2004, p.127).

Para tanto, os jesuítas recebiam o apoio da Coroa portuguesa para a


manutenção das atividades no Brasil, entretanto o dinheiro era insuficiente.
Neste sentido, Sangenis afirma que Tomé de Souza, em 1550, destinou terras
para que os jesuítas plantassem e vendessem alimentos a fim de garantir seu
próprio sustento e, como o número de jesuítas era insuficiente, os Padres
enviaram uma carta ao rei Dom João III para que enviassem alguns escravos
da África, visto que era inconveniente escravizar os índios.

A fim de justificar tal pedido, o padre Manuel da Nóbrega, em carta ao


Provincial assegurou que a terra no Brasil era fértil, podendo plantar qualquer
coisa e, com a ajuda desses homens escravos, poderiam alimentar e vestir
muitos meninos órfãos que lhes pediam ajuda.

Ao desembarcar no Brasil, Padre Luís Grã, nomeado Provincial do país,


desaprovou as ações do Padre Nóbrega. Sangenis (2004) argumenta que o
perfil do Padre Grã seria de um jesuíta conservador, que seguia a risca as
normas das Constituições, do princípio da pobreza, não concordando com o
fato de a Companhia possuir bens, jugando desnecessário a presença de
órfãos nos Colégios.

Portanto, Nóbrega foi impulsionado a mudar sua estratégia de ação na


colonização dos índios, mas com o apoio de outros jesuítas logo retornou a
realizar suas atividades, expandindo os Colégios e a utilização de mão de obra
escrava para as atividades internas.

O cenário brasileiro, com afirma Sangenis (2004), constitui-se em dois projetos


distintos dentro de uma mesma Ordem: de um lado Nóbrega com a expansão
de Colégios jesuítas, com o uso de trabalho escravo; de outro lado, Luís Grã,
com ideal de pobreza estabelecido por Loyola nas Constituições.
54

Este embate entre os jesuítas a favor de obter bens materiais e o que eram
contra teve reações diversas de jesuítas moralistas que viviam na Europa que
eram contrários a aquisição de fazendas, gados e uso de mão de obra escrava.

As fazendas se desenvolveram e os jesuítas, como Sangenis (2004) salienta,


embarcaram na indústria açucareira. Em 1593 o Padre Leonardo Armínio
declara que nunca pensou ver os jesuítas usarem de tal recurso para
evangelizar. Esse investimento da Companhia de Jesus desencadeou em
muitos conflitos dentro da Ordem, mas não abalando o aumento e o
crescimento dos seus bens durante muitos anos.

No modelo franciscano a mendicância não era recomendada por Francisco,


como evidenciamos em seu Testamento, pois servia apenas quando não tinha
alternativa e para manter a subsistência do frade. A Regra escrita por
Francisco apresenta o trabalho como meio de sobrevivência, de prestar serviço
aos pobres e os frades não poderiam receber dinheiro, mas poderiam ter suas
ferramentas para que fosse possível trabalhar.

Como afirma Sangenis (2004), as missões franciscanas no Brasil eram


financiadas por si próprias, ou seja, cada missão devia prover a sua
subsistência. O autor afirma que os frades “mantinham uma légua quadrada de
terra para o plantio” (p.144), porém, esse espaço era insuficiente para o plantio
e o cuidado com o gado.

Os frades recebiam ajuda da população das cidades, Sangenis (2004)


apresenta o exemplo de uma família chamada Dias d’Ávila, no qual recebiam
auxílio financeiro. Os franciscanos recebiam apoio da Colônia como sendo
ordinárias, que eram impostos cobrados pela Coroa para a manutenção do
culto divino. As viagens realizadas pelo litoral e todas as ações da Ordem eram
financiadas com o auxilio colonial.

Os índios trabalhavam nas lavouras das casas dos franciscanos e, com o


aumento das missões pelo Brasil, os frades ensinaram vários ofícios aos
índios, como “[...] oleiros, pedreiros carpinteiros, tecelões, vaqueiros,
barqueiros, etc. (SANGENIS, 2004, p.145). Ao ensinar novas aptidões aos
índios, eles trabalhariam para os colonos em troca de salário. Esse dinheiro era
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investido, muitas vezes, na manutenção das Igrejas e nos materiais utilizados,


no sustento dos missionários em medicamentos e vestuário.

Sangenis (2004) argumenta que a utilização da mão de obra dos índios


ocasionou polêmica entre os colonos, governantes e alguns franciscanos
contrários a este plano de ação. Para tentar regulamentar as ações envolvendo
os índios o autor descreve:

[...] vigoraram sucessivas leis para as missões. Prescreviam,


além das regras de administração das missões “no espiritual e
no temporal”, a forma como os missionários das diferentes
ordens deveriam repartir os índios descido dos sertões, entre o
trabalho nas aldeias e nas vilas, a serviço dos colonos e das
administrações, bem como regulavam o tempo de serviço e
descanso e os salários que deviam ser pagos. ( SANGENIS,
2004, p.145)

Foram muitos os relatos, por meio de cartas encaminhadas aos superiores da


Ordem dos Frades Menores, de que os missionários franciscanos estariam
liberando o mínimo de índios estabelecido pela lei para trabalharem juntos aos
colonos, em maioria, os índios eram explorados e trabalhavam sem descanso.

As missões de jesuítas e franciscanos no Brasil no século XVI nos impulsionam


a várias reflexões. Os objetos estabelecidos pelas Constituições da Companhia
de Jesus bem como a Regra não Bulada escrita por Francisco de Assis
almejavam que seus missionários partissem para um mundo desconhecido a
fim de propagar o Evangelho, converter os povos gentios que desconheciam a
Palavra de Cristo.

Ao analisarmos a ação dessas Ordens evidenciamos que os missionários, para


alcançarem seus objetivos, buscaram alternativas que muitas vezes não
condiziam com os valores defendidos pelos mesmos. O questionamento
daqueles que não aceitavam o modo de agir com os índios demonstra que
esses homens foram criticados por pessoas do seu tempo, mas que isso não
os impediu de continuar com o seu projeto de evangelização.

No caso dos jesuítas, o desenvolvimento foi extenso e considerado como uma


representação do poder financeiro e educacional da Colônia Portuguesa. Os
franciscanos, mesmo obtendo o esforço físico dos índios, não adentraram na
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economia da colônia, esforçando-se, muitas vezes, na evangelização de tribos


que viviam no interior do país.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os objetivos do trabalho de conclusão de curso pautaram-se nos estudos da


Constituição da Companhia de Jesus bem como da formação da Ordem dos
Frades Menores, com a análise dos escritos de Francisco de Assis. Este
material contribui para que pudéssemos analisar a presença de jesuítas e de
outras ordens religiosas no processo de colonização do Brasil, no século XVI.

Durante todo o percurso do curso de Pedagogia foi possível analisar os


caminhos percorridos pelo processo de alfabetização do Brasil, evidenciamos
que na História devemos ter um espírito investigativo, questionando com os
autores que narraram esses momentos, se de fato a história aconteceu como
descrito nos livros e manuais de História, assim, este trabalho me possibilitou
um olhar diferente para um momento histórico específico da alfabetização do
Brasil, que foi o período colonial.

As atividades realizadas pelas diversas ordens religiosas neste período


demonstram a diversidade que compôs o cenário brasileiro. A educação
indígena foi dirigida por essas ordens que constituíram a identidade da colônia
portuguesa.

Costa (2004) afirma que na há como negar a intensa participação dos padres
da Companhia de Jesus na história brasileira no século XVI. Com a sua
formação rigorosa transmitiram o ensino das primeiras letras em todo o Império
Português, principalmente no Brasil.

Porém, evidenciamos que houve a participação dos franciscanos na história de


evangelização do Brasil. O fato de serem os franciscanos os primeiros
missionários que embarcaram para as terras brasileiras já seria um bom motivo
para que historiadores destacassem a ação desses frades nos livros didáticos.

Mesmo que os manuais dos livros históricos destaquem que a catequização


dos índios tenha ocorrido a partir de 1549, data que os jesuítas aportaram em
terras brasileiras, é relevante apontar o trabalho de franciscanos em aldeias
indígenas muito antes, pois já em 1516 houve relatos de frades trabalhando na
evangelização de tupiniquins.
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As cartas escritas periodicamente contribuíram para que as ações de padres


jesuítas fossem usadas como fontes documentais para historiadores,
entretanto, não é motivo para que os livros que retratam a História da
Colonização e da Educação no Brasil não registrem o trabalho evangelizador
das diversas ordens religiosas, principalmente da retratada neste trabalho,
como os franciscanos.
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6. REFERÊNCIAS

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movimento Franciscano: Regulae e Testamentum (1210-1323). Dissertação
de Mestrado USP, 2010. Disponível em:
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origens. Tradução de Celso Márcio Teixeira. Petróplis, RJ: Vozes, 2004.

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doutoramento. Piracicaba: Universidade Metodista de Piracicaba, 2004.

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