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RESUMO

O objetivo deste relatório é estudar a relação entre proteção ao consumidor,


regulação e defesa da concorrência em três setores de infra-estrutura no Brasil:
telecomunicações, energia elétrica e saneamento básico. A Seção I deste relatório
apresenta uma descrição sintética dos três segmentos selecionados. A Seção II
discute aspectos teóricos da relação entre proteção ao consumidor, de um lado, e
regulação e defesa da concorrência, de outro, a partir da experiência brasileira e
internacional. A Seção III apresenta a experiência brasileira de regulação dos três
setores. A Seção IV apresenta algumas estatísticas recentes de reclamações dos
consumidores, ainda não suficientemente exploradas pela pesquisa acadêmica. A
Seção V discute possíveis configurações institucionais entre proteção ao
consumidor, regulação e defesa da concorrência, sugerindo uma explicação para a
configuração atual dessas áreas nos três segmentos de infra-estrutura selecionados.

PALAVRAS-CHAVE

Proteção ao Consumidor; Regulação; Defesa da Concorrência; Infra-Estrutura;


Telecomunicações; Energia Elétrica; Saneamento Básico.

ABSTRACT

This research report aims the study of the relation among consumer protection,
regulation and antitrust in three infrastructure sectors of the Brazilian economy:
telecommunication, electricity and watering services. Section I of this report
presents a synthetic description of the three sectors under analysis. Section II
discusses theoretical aspects of the relation among consumer protection, regulation
and antitrust. Section III presents the Brazilian experience of telecommunication,
electricity and watering services regulation. Section IV analyses recent evidences of

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consumer’s complaints. Section V discusses alternative institutional configuration


among consumer protection, regulation and antitrust, suggesting an interpretation of
the current institutional configuration among these functions in the three analyzed
infrastructure sectors.

KEY WORDS

Consumer Protection; Regulation; Antitrust; Infrastructure; Telecommunication;


Electricity; Watering Services.

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SUMÁRIO

I. Introdução ........................................................................................................ 10

1. Caracterização dos setores de telecomunicações, energia elétrica e


saneamento básico no Brasil. ...................................................................... 11

1.1. Telecomunicações................................................................................ 11

1.2. Setor elétrico ....................................................................................... 15

1.3. Saneamento básico............................................................................... 22

II. A experiência internacional .............................................................................. 30

1. Aspectos teóricos: a proteção ao consumidor. ............................................. 30

2. Aspectos da experiência internacional ........................................................ 38

2.1. Telecomunicações................................................................................ 38

2.2. Setor elétrico ....................................................................................... 42

2.3. Saneamento básico............................................................................... 46

III. A experiência brasileira .................................................................................... 49

1. Regulação do setor de telecomunicações .................................................... 49

1.1. Histórico e antecedentes institucionais. ............................................... 49

1.2. O atual marco regulatório .................................................................... 53

1.3. Regulação e competição no setor de telecomunicações........................ 57

1.4. Regulação e defesa do consumidor no setor de telecomunicações........ 59

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2. Regulação do setor elétrico ........................................................................ 62

2.1. Histórico e antecedentes institucionais ................................................ 62

2.2. O novo marco regulatório. ................................................................... 65

2.3. Regulação e defesa da concorrência no setor elétrico. ......................... 68

2.4. Regulação e defesa do consumidor no setor elétrico ............................ 73

3. Regulação do setor de saneamento básico ................................................... 77

3.1. Histórico e antecedentes institucionais................................................. 77

3.2. O novo marco regulatório .................................................................... 84

3.3. O papel do consumidor na regulação do setor de saneamento básico ... 94

IV. Evolução da proteção do consumidor nos anos 1990: reclamações nos


setores de energia elétrica, saneamento básico e telecomunicações. ................ 97

1. O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor........................................... 97

2. A proteção do consumidor nos setores de telecomunicações, energia


elétrica e saneamento básico. .................................................................... 101

V. Conclusão: a articulação entre defesa da concorrência, regulação e proteção


ao consumidor............................................................................................... 113

1. Defesa da concorrência, regulação e proteção ao consumidor em


perspectiva comparada. ............................................................................. 113

2. O grau de autonomia do consumidor......................................................... 116

2.1. Assimetria de informação: grau de dificuldade de avaliação dos bens


e serviços ........................................................................................... 117

2.2. Custos de organização dos consumidores........................................... 119

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2.3. Poder de mercado nos mercados relevantes........................................ 120

2.4. Classificação dos setores pelo grau de autonomia dos consumidores . 121

3. Articulação entre regulação e proteção ao consumidor.............................. 123

VI. Bibliografia ................................................................................................... 129

VII. Anexos .......................................................................................................... 137

1. Fluxograma do Procon-SP ........................................................................ 137

2. Procon: reclamações fundamentadas em energia elétrica,


telecomunicações e saneamento básico..................................................... 139

2.1. Saneamento básico............................................................................. 139

2.2. Telecomunicações.............................................................................. 140

2.3. Energia elétrica.................................................................................. 143

3. Procon-SP: dados agregados de reclamações e consultas. ......................... 144

4. Resultados de regressões. ......................................................................... 145

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Argentina, Brasil e México: características do setor de


telecomunicações – 1997 .................................................................. 13

Quadro 2 - Previsão de investimentos no setor de telecomunicações no Brasil


(valores em bilhões de reais). ........................................................... 14

Quadro 3 - Não-acesso a serviços públicos básicos no Brasil (%) – 1995 ........... 15

Quadro 4 - Demanda e oferta de energia elétrica ................................................ 16

Quadro 5 - Energia elétrica: consumo de energia elétrica (kWh per capita) ........ 17

Quadro 6 - Perdas de distribuição e transmissão de energia elétrica (% do


produto)............................................................................................ 17

Quadro 7 - Atividades e principais empresas do setor elétrico brasileiro


(1999)............................................................................................... 21

Quadro 8 - Déficit dos serviços de água e esgotos no Brasil – 1998 ................... 23

Quadro 9 - Suprimento de água e esgoto no mundo ............................................ 24

Quadro 10 - Déficit em saneamento básico de domicílios com renda de até dois


salários mínimos – 1996. .................................................................. 25

Quadro 11 - Distribuição regional dos déficits urbanos em saneamento –


1996. ................................................................................................ 25

Quadro 12 - Distribuição regional dos déficits rurais em saneamento – 1996. ...... 26

Quadro 13 - Saneamento básico: perfil do setor – 1996........................................ 28

Quadro 14 - Saneamento básico: operação privada – cidades com mais de 100


mil habitantes – 1999........................................................................ 29

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Quadro 15 - Competência das agências setoriais e articulação com agência de


defesa da concorrência...................................................................... 41

Quadro 16 - Europa: gestão do serviço de saneamento básico – porcentagem da


população abastecida sobre a população total ................................... 47

Quadro 17 - Resultados obtidos pelo Sistema Telebrás (1972 – 1996)................. 50

Quadro 18 - Investimentos e fontes de recursos do Sistema Telebrás


(1974 – 1998). .................................................................................. 51

Quadro 19 - Brasil – cronograma da reforma no setor de telecomunicações ......... 52

Quadro 20 - Regiões estabelecidas pelo PGO. ...................................................... 55

Quadro 21 - Divisão da telefonia celular por regiões e participação de


mercado ............................................................................................ 57

Quadro 22 - Evolução do investimento no setor de energia elétrica e o


descolamento entre consumo de eletricidade e o ciclo econômico .... 63

Quadro 23 - Processo de privatização do setor elétrico brasileiro


(1995 – 1999). .................................................................................. 67

Quadro 24 - Saneamento básico: investimentos realizados – PLANASA –


1971 – 1991 (milhões de dólares) ..................................................... 79

Quadro 25 - Investimento em saneamento básico como % do PIB,


1971 – 1997...................................................................................... 80

Quadro 26 - Principais programas de saneamento: investimentos realizados –


janeiro/1995 – outubro/1998 (R$ milhões). ...................................... 83

Quadro 27 - Organograma do Procon-SP............................................................ 100

Quadro 28 - Procon-SP: quadro demonstrativo de atendimento – 1977 a 2000 ... 102

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Quadro 29 - Procon-SP: quadro demonstrativo de atendimento – 1977 a 2000


(set). ............................................................................................... 103

Quadro 30 - Procon-SP: total de atendimento geral por área – 1994 a 1999. ...... 104

Quadro 31 - Procon-SP – atendimento geral por setor de atividade –


1992-1999. ..................................................................................... 105

Quadro 32 - Procon-SP: total de reclamações fundamentadas em energia


elétrica, telecomunicações (telefonia) e saneamento básico, por
empresa, 1992 a 1999. .................................................................... 106

Quadro 33 - Procon-SP: evolução do total de reclamações fundamentadas em


energia elétrica, telecomunicações e saneamento, 1992 a 1999....... 107

Quadro 34 - Procon-SP: evolução das reclamações fundamentadas nos setores


regulados comparada com a evolução das reclamações dos demais
serviços e das reclamações gerais. .................................................. 108

Quadro 35 - Procon-SP: evolução qualitativa das reclamações fundamentadas


em energia elétrica, saneamento básico e telefonia, 1993 – 1999. ... 110

Quadro 36 - Procon-SP: atendimento de reclamações nos setores de


telecomunicações, energia elétrica e saneamento básico – 1992 –
2000. .............................................................................................. 111

Quadro 37 - Comparação da natureza das funções de defesa da concorrência,


regulação e proteção ao consumidor. .............................................. 114

Quadro 38 - Articulação entre defesa da concorrência e proteção ao


consumidor: configuração institucional ótima................................. 116

Quadro 39 - Tipos de atributos dos serviços ....................................................... 118

Quadro 40 - Resultados da pesquisa sobre percepção de atributos de serviços.... 119

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Quadro 41 - Necessidade de regulação centralizada nos setores de


telecomunicações, energia elétrica e saneamento básico ................. 122

Quadro 42 - Autonomia dos consumidores e articulação entre órgãos de defesa


dos consumidores e autoridade regulatória ..................................... 123

Quadro 43 - Continuum de configurações institucionais entre regulação e


proteção ao consumidor .................................................................. 125

Quadro 44 - Modelos de configuração entre regulação e proteção ao


consumidor. .................................................................................... 125

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A ARTICULAÇÃO ENTRE REGULAÇÃO, DEFESA DA


CONCORRÊNCIA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
NOS SETORES DE TELECOMUNICAÇÕES, ENERGIA
ELÉTRICA E SANEAMENTO BÁSICO*

Gesner de Oliveira

I. INTRODUÇÃO

A articulação entre defesa da concorrência, regulação e proteção ao consumidor


constitui um dos principais desafios para a reforma institucional da economia
brasileira.

O objetivo deste projeto é estudar a relação entre defesa da concorrência, regulação


e proteção ao consumidor em três setores de infra-estrutura no Brasil:
telecomunicações, energia elétrica e saneamento básico.

A Seção I deste relatório apresenta uma descrição sumária dos três segmentos
selecionados. A Seção II discute aspectos teóricos da relação entre proteção ao
consumidor, de um lado, e regulação e defesa da concorrência, de outro, a partir da
experiência brasileira e internacional. A Seção III apresenta a experiência brasileira
de regulação dos três setores.

A Seção IV apresenta algumas estatísticas recentes de reclamações dos


consumidores, ainda não suficientemente exploradas pela pesquisa acadêmica.

*
O NPP agradece aos alunos que participaram da pesquisa que originou o presente relatório como auxiliar de
pesquisas, Sérgio Goldbaum, e como monitor de pesquisas, Rafael Cunha de Rezende.

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A Seção V discute possíveis configurações institucionais entre defesa da


concorrência, regulação e proteção ao consumidor, sugerindo uma explicação para a
configuração atual dessas áreas nos três segmentos de infra-estrutura selecionados.

O presente relatório extrapola em conteúdo o projeto original da pesquisa. As


questões do projeto original foram respondidas principalmente nas Seções II, IV e
V. Entretanto, optou-se em manter no texto do relatório todo o material produzido
no âmbito da pesquisa, e deixar versões sintéticas das principais idéias e conclusões
para artigos que estão sendo preparados para submissão em congressos e
publicações a partir deste relatório.

1. CARACTERIZAÇÃO DOS SETORES DE


TELECOMUNICAÇÕES, ENERGIA ELÉTRICA E
SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

O objetivo desta subseção é oferecer uma primeira apresentação dos segmentos


selecionados: Telecomunicações, Energia Elétrica e Saneamento Básico. Na
Seção III, este quadro será aprofundado, através da análise das mudanças recentes
do marco regulatório vigente nos três segmentos.

1.1. Telecomunicações

O setor de telecomunicações é aquele, entre os três setores estudados, que apresenta


o maior impacto de novas tecnologias, cuja implantação permitiu a completa
reestruturação do mercado. Entre as principais características do setor1, estão:

1
Citadas em Fiúza e Néri (1998, p. 4).

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a) Estrutura vertical complexa: a interconexão entre operadoras locais e


distribuidoras regionais e nacionais confere grande pode de mercado às
primeiras. Ao contrário dos setores de energia elétrica e de saneamento, não
existe em telecomunicações uma “fonte geradora” do serviço, propriamente dita
(com exceção dos serviços de radiodifusão), que pudesse contrapor-se ao poder
de mercado das operadoras locais, em cujas redes passam, em algum momento,
todas as chamadas.

b) Firmas multiproduto: o desenvolvimento tecnológico aumentou a diversificação


dos produtos de telecomunicações. Além dos serviços tradicionais, os quais,
diferentemente dos setores de energia elétrica e de saneamento básico, não são
armazenáveis (isto é, não serão completados se as redes estiverem
congestionadas), as empresas de telecomunicações passaram a oferecer serviços
de valor adicionado, tais como paging, fax, internet, caixas postais de voz,
transmissão de dados, os quais são armazenáveis.

c) Ocorrência de externalidades na prestação de serviços: externalidades positivas


decorrem do fato de que novos usuários de serviços de telecomunicações
beneficiam usuários antigos, na medida em que lhes possibilitam novos
contatos; por outro lado, externalidades negativas decorrem da possibilidade de
que novos usuários aumentem o risco de congestionamento da rede.

Como aponta Fiúza e Néri (1998, p. 5), “o somatório dessas características –


economias de escala e de escopo e externalidades positivas de rede – e dos elevados
sunk costs na sua implantação – cabeamento e planejamento da arquitetura da rede”
leva à conclusão de que “a rede telefônica local ainda é um monopólio natural,
enquanto sua operação não o é, argumento usado para determinar a desintegração
vertical do setor nos Estados Unidos e a abertura do mercado de longa distância a
novas companhias”. A regulação do setor, especialmente a da tarifa de interconexão,
ficou a cargo, nos Estados Unidos, da Federal Communications Commission (FCC).

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No Brasil, entre início da década de 1970 e fins da década de 1990, o setor


desenvolveu-se através do Sistema Telebrás, holding estatal constituída pela
Embratel e por 27 empresas de telecomunicações estaduais. O Sistema Telebrás
logrou, ao longo de 20 anos, desenvolver a telefonia fixa no país, em padrões
comparáveis aos demais países latino-americanos.

Quadro 1

Argentina, Brasil e México: Características do Setor de


Telecomunicações – 1997

Variáveis Argentina Brasil México


Assinantes de TV a Cabo (por mil habitantes) 156,30 16,25 ..
Aparelhos de Fax (por mil habitantes) 1,96 3,13 ..
Ligações internacionais (minutos por assinante) 32,00 28,00 115,00
Usuários da Internet (por dezenas de milhares de
habitantes) 5,32 4,20 3,73
Telefones celulares (por mil habitantes) 56,30 27,50 18,15
Computadores pessoais (por mil habitantes) 39,22 26,25 37,34
Custo médio de uma ligação para os EUA (US$ por
três min) 7,08 4,36 3,79
Custo médio de uma ligação local (US$ por três min) 0,10 0,09 0,14
Linhas de telefone (por mil habitantes) 191,00 107,00 96,00
Linhas de telefone por empregado 295,00 195,00 190,03
Linhas de telefone, tempo de espera (milhares de
linhas) 19,00 2400,00 ..
Linhas de telefone, tempo de espera (anos) 0,03 1,50 0,78
Receita telefônica por linha (US$ correntes) 818,00 882,00 829,00
Aparelhos de TV (por mil habitantes) 288,52 316,25 251,04
Fonte: Banco Mundial (1999).

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O Quadro 1 compara a situação do setor de telecomunicações do Brasil com a de


outros dois países latino americanos, México e Argentina. A densidade telefônica do
país atingiu, em 1997, cerca de 10,7 telefones para cada 100 habitantes, número
modesto quando comparado com os países desenvolvidos (cuja densidade era de
aproximadamente 40 telefones/100 habitantes), mas relativamente comparável aos
de outros países latino-americanos, como México (9,6 telefones/100 habitantes) ou
Argentina (19,1 telefones/100 habitantes). Por outro lado, o elevado tempo de
espera por linhas de telefone no país, em 1997, mesmo se comparado com outros
países latino americanos, configurava um indício da necessidade de implantação de
novas transformações no setor, além da introdução da telefonia celular, ocorrida em
meados da década de 1990.

O setor de telecomunicações no Brasil cresce a um ritmo acelerado. Segundo a


Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no ano de 1999, o setor
movimentou R$ 36 bilhões. O Quadro 2 apresenta as previsões de investimento no
setor para o período de 2000 a 2005.

Quadro 2

Previsão de Investimentos no Setor de Telecomunicações no Brasil


(valores em bilhões de reais)

Itens de investimento 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Período


Serviços Fixos 11,8 9,9 8,8 7,7 7,2 6,8 52,2
Serviços Móveis 4,2 5,5 6,4 7,0 7,4 7,8 38,3
Serviços de Comunicação de Massa 3,0 3,6 3,5 3,8 3,9 3,9 21,7
TOTAL 19,0 19,0 18,7 18,5 18,5 18,5 112,2
Fonte: ANATEL - PASTE 2000.

Como resultado desses investimentos, o déficit de telefonia tem diminuído


sensivelmente. O Quadro 3, compara o “não acesso” a serviços públicos básicos no

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Brasil, em 1996 e em 1998, para o total de domicílios e para os domicílios cujo


rendimento domiciliar média era igual ou inferior a dois salários mínimos.

Quadro 3

Não-Acesso a Serviços Públicos Básicos no Brasil (%) – 1995

Esgoto ** Coleta de Lixo Energia Elétrica Telefone


1996 1998 1996 1998 1996 1998 1996 1998
Domicílios 32,0 34,2 34,8 29,2 9,5 8,1 88,5 84,1
RDM* até
2 s. m.
Total de 26,0 27,3 26,6 21,6 7,0 5,7 74,7 68,4
Domicílios
Fonte: PNAD (1996, 1998). Elaboração Própria.
*. RDM = Renda Domiciliar Média; **. Inclui rede coletora e fossas sépticas.

Observa-se que, embora ainda muito elevado se comparado com o déficit de outros
serviços públicos, o déficit de telefonia é o que apresenta maior redução entre 1995
e 1997. Com a consecução do processo de privatização e os estímulos à
universalização, a tendência de redução do déficit de telefonia foi acelerada.

1.2. Setor elétrico

O parque elétrico brasileiro é de grandes proporções, e foi construído


principalmente ao longo das décadas de 1970 e 1980. Como mostra o Quadro 4 a
seguir, reproduzido de Bielschowsky (1998), o consumo total de energia elétrica em
1996 era sete vezes maior do que em 1970 e o consumo per capita quadruplicou no
mesmo período, atingindo 1736 kWh. A capacidade instalada em 1996 era, por sua
vez, seis vezes maior do que a de 1970.

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Quadro 4

Demanda e Oferta de Energia Elétrica

Ano Consumo Capacidade Instalada


TWh kWh/hab. GW (a)
1970 40 430 10.4
1980 122 1025 30.7
1990 216 1500 55.3 (b)
1996 276 1736 63.8 (b)
Fonte: Bielschowsky (1998, p. 7). (a) O fator de carga médio elevou-se
gradualmente, passando de 59% em 1970 a 66% em 1980, a 70% em
1990 e a 72% em 1995. (b) inclui 50% de Itaipu pertencentes ao Paraguai.

De acordo com o Banco Mundial, o consumo de energia elétrica per capita no


Brasil, comparado com o dos países mais desenvolvidos, é ainda baixo,
representando um décimo do nível norte-americano e cerca de 45% do nível
espanhol. Da mesma forma, as perdas ocorridas na transmissão e distribuição de
energia elétrica são altas quando comparadas com a dos países desenvolvidos, mas
são próximas às observadas em outros países latino-americanos, como México e
Argentina.

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Quadro 5

Energia Elétrica: Consumo de Energia Elétrica (kWh per capita)

Argentina Brasil Chile Espanha EUA Itália Japão México


1991 1.169,66 1.447,39 1.271,65 3.305,51 10.998,29 3.865,47 6.297,93 1.214,26
1992 1.238,40 1.457,97 1.424,67 3.352,54 10.884,07 3.929,47 6.343,42 1.224,91
1993 1.315,75 1.503,36 1.473,95 3.343,74 11.146,47 3.931,80 6.378,12 1.208,17
1994 1.398,72 1.539,81 1.542,48 3.499,10 11.357,49 4.052,77 6.784,60 1.283,16
1995 1.519,19 1.608,68 1.697,70 3.593,76 11.576,27 4.163,21 6.936,71 1.311,36
1996 1.541,17 1.659,79 1.864,02 3.749,36 11.795,73 4.195,83 7.083,21 1.381,44
1997 .. .. .. .. .. .. .. ..
Fonte: Banco Mundial (1999).

Quadro 6

Perdas de Distribuição e Transmissão de Energia Elétrica (% do produto)

Argentina Brasil Chile Espanha EUA Itália Japão México


1991 16,96 15,39 11,17 9,41 6,95 7,83 4,05 12,71
1992 20,90 14,59 10,62 9,44 7,26 7,54 4,01 13,08
1993 21,22 15,22 10,42 9,56 7,45 8,06 4,06 13,57
1994 18,82 16,15 10,96 9,43 6,98 7,48 3,79 13,90
1995 18,02 16,74 10,44 9,64 6,99 7,41 3,79 14,27
1996 18,29 17,08 8,73 8,99 6,91 7,07 3,68 14,55
1997 .. .. .. .. .. .. .. ..
Fonte: Banco Mundial (1999).

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Segundo o Plano Decenal de Expansão da Eletrobrás – 1999/2008 – o crescimento


da capacidade instalada previsto para o período é de 61.300 MW para 104.600 MW,
criando uma necessidade de novos projetos de oferta de geração de energia da
ordem de 4.330 MW por ano, e exigindo nos primeiros cinco anos investimentos
totais da ordem de R$ 8,5 bilhões por ano.

Pires (2000) descreve três características distintivas do setor elétrico brasileiro:

(i) Predomínio hidráulico

Ao contrário da quase totalidade dos países do mundo, a base geradora de energia


elétrica no Brasil é predominantemente hidráulica: cerca de 95% da energia elétrica
produzida no país provém de usinas hidrelétricas.

A absoluta predominância de geração hidrelétrica faz com que o setor de energia


elétrica no Brasil seja um caso bastante particular, e condiciona fortemente tanto a
eficiência do sistema quanto o processo de transição regulatória implementado ao
longo da segunda metade dos anos 1990.

Nos demais países, predomina uma combinação entre hidroeletricidade e


termoeletricidade. Nessa situação, períodos de escassez de oferta de energia elétrica,
eventualmente causados pela insuficiência de chuvas, podem ser compensados pela
reativação de usinas termelétricas sub-utilizadas, que representam uma “reserva” de
energia à disposição dos consumidores. A combinação de hidroeletricidade e
termoeletricidade permite que a adoção do mecanismo de mercado – no qual a
escassez de oferta faz subir o preço, viabilizando a exploração de fontes de energia
mais custosas – promova a eficiência produtiva, entendida como a maximização do
rendimento, ao menor custo, da planta instalada.

No caso brasileiro, dado o predomínio de geração hidroelétrica, não há essa reserva


de capacidade termelétrica instalada para cobrir eventuais déficits de energia. O

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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aproveitamento do potencial hidrelétrico exige um investimento fixo muito alto e


demorado, quando comparado com a energia termelétrica. Mesmo assim, a energia
hidrelétrica é mais econômica do que a termelétrica, por conta dos custos variáveis,
ou seja, do preço do gás natural. O custo marginal da geração de hidroeletricidade,
ainda segundo Bielschowsky, está estimado entre 35 e 40 dólares por MWh,
enquanto a geração de eletricidade a gás, proveniente da Bolívia, deverá custar
aproximadamente 40 dólares por MWh.

Mais importante, no entanto, é que, ao contrário da termoeletricidade, o custo médio


da geração de hidroeletricidade é decrescente, caracterizando um mercado que tende
ao monopólio natural temporário. Nessa situação, a importância da regulação
governamental é ainda mais destacada.

(ii) Estrutura de coordenação de operação (despacho de energia) através de


sistemas de transmissão

Considerando o predomínio da hidroeletricidade no Brasil e a dimensão continental


do país, a otimização da utilização do parque instalado se dá através de uma
estrutura de coordenação de operação (despacho de energia), no qual a transmissão
de energia foi subdividida em três diferentes sistemas elétricos: o
Sul/Sudeste/Centro-Oeste (S/SE/CO), o Norte-Nordeste (N/NE) e os sistemas
isolados.

O sistema S/SE/CO é responsável por 73% da capacidade instalada total. Compõe-


se de 208 usinas hidrelétricas, 23 termelétricas e 1 nuclear. O potencial hidráulico a
ser aproveitado é da ordem de mais 55 GW. O sistema N/NE, por sua vez,
representa 24% da capacidade instalada total, e é constituído de 17 hidrelétricas e 3
termelétricas. Seu potencial hidrelétrico não aproveitado é de mais 57 GW.
Finalmente, os sistemas isolados dispõem de 1.7 GW de potência instalados (2/3
dessa potência é de origem termelétrica), 84% dos quais na Região Norte do país.

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Respondem pela energia de 300 localidades eletricamente isoladas umas das outras,
incluindo Manaus e as demais capitais de estados nortistas, à exceção de Belém.

(iii) Presença significativa de empresas integradas nos segmentos de geração,


transmissão e distribuição de energia elétrica

Cerca de 40% da geração é realizada em quatro subsidiárias da holding estatal


Eletrobrás (constituída pelas empresas Furnas/RJ, Chesf/BA, Eletronorte/PA e
Eletrosul/SC) e 36% provêm das concessionárias estaduais Cesp/SP, Cemig/MG,
Copel/PR e CEEE/RS. A transmissão é realizada principalmente por estas oito
empresas, o que significa que o setor é altamente integrado no que se refere à
geração-transmissão.

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Quadro 7

Atividades e Principais Empresas do Setor Elétrico Brasileiro (1999)

Propriedade Atividades Empresas


Binacional Geração Itaipu (Brasil e Paraguai)
Federal Holding e planejamento Eletrobrás (RJ)
Geração Cgtee (RS)
Geração e transmissão (a) Furnas (RJ)
Geração, transmissão e Eletronorte (PA), Chesf (BA), Manaus Energia
distribuição (a) (AM) e Boa Vista Energia (RR)
Geração e Engenharia Nuclear Eletronuclear (RJ)
Transmissão Eletrosul (SC)
Distribuição (a) Eletroacre (AC), Ceal (AL), Ceron (RO) e Cepisa
(PI)
Pesquisa Cepel (RJ)
Pública Geração Paraná (SP)
Estadual Geração, transmissão e Ceee (RS), Copel (PR) e Cemig (MG) (b)
distribuição
Transmissão Epte (SP)
Distribuição S/SE/CO: Celesc (SC), Celg (GO) e CEB (DF)
N/NE: Ceam (AM), CER (RR), CEA (AP),
Saelpa (PB) e Cemar (MA)
Municipal Distribuição Cenf (RJ), Cataguases (MG)
Privada Geração Gerasul (SC), Paranapanema (SP), Tietê (SP),
Serra da mesa (GO) e Cachoeira Dourada (GO)
Distribuição S/SE/CO: RGE (RS), AES (RS), CPFL (SP),
Elektro (SP), Metropolitana (SP), Bandeirante
(SP, Cerj (RJ), Escelsa (ES), Light (RJ), Enersul
(MS), Cemat (MT) N/NE: Celtins (TO),
Celpa (PA), Coelba (BA), Energipe (SE), Cosern
(RN), Coelce (CE), Celpe (PE)
Fonte: Pires (2000). (a) empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização. (b) 33% do controle
acionário da Cemig são de propriedade privada.

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No que concerne à distribuição, a integração vertical é forte apenas no caso das


quatro grandes empresas estaduais. De resto, a maior parte da distribuição em cada
estado é feita através de uma única empresa por estado, com exceção de São Paulo
(onde há quatro empresas importantes, a CPFL, a Elektro, a Metropolitana e a
Bandeirante) e Rio de Janeiro (onde há duas, a Light e a Cerj). O Quadro 7
apresenta as principais empresas do setor elétrico brasileiro, classificados pela
propriedade e pela atividade.

A presença significativa de integração vertical requer, igualmente, uma série de


medidas regulatórias para a viabilização de um ambiente competitivo nos segmentos
de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

1.3. Saneamento básico

Apesar dos investimentos realizados ao longo dos anos 1970 e 1980 em saneamento
básico, no âmbito do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento Básico), persiste
no Brasil o que Cotelo (2000) denominou de “desbalanceamento na provisão de
serviços de saneamento básico”, isto é, o descompasso entre a abrangência do
serviço de abastecimento de água, que atende 91% da população urbana, e o de
esgotamento sanitário, que atinge apenas 50% dos domicílios urbanos, sendo que
apenas 20% do volume coletado são submetidos a algum tipo de tratamento2. Com
relação à coleta de lixo, o índice de cobertura no meio urbano é de 79%, mas menos
de 30% deste volume têm um destino final adequado (Pena e Abicalil, 1999).

2
O intenso e rápido processo de urbanização observado no Brasil ao longo da segunda metade do século XX é uma
das causas do déficit de serviços. Cotelo (2000) analisa as possíveis causas desse desbalanceamento, enfatizando
uma perspectiva de economia política.

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Quadro 8

Déficit dos Serviços de Água e Esgotos no Brasil – 1998

Número de Rede de Água Rede de Esgotos1


Domicílios Déficit Déficit (%) Déficit Déficit (%)
Total 41.929.992 10.470.070 25,0 23.306.278 55,6
Urbano 34.057.349 3.954.664 11,6 16.670.958 48,9
Rural 7.518.610 6.515.406 82,8 6.635.320 84,3
Fonte: PNAD 1998, IBGE (elaboração própria)
Nota: 1 considera rede coletora para zonas urbanas; e rede coletora e fossas sépticas para zonas rurais.

Considerando também a zona rural, verifica-se um déficit dos serviços mais


acentuado. O Quadro 8 informa que aproximadamente 22,4% dos domicílios não
são atendidos por abastecimento de água. No caso do esgotamento sanitário do setor
rural, considera-se que fossas sépticas podem ser soluções adequadas à disposição
final dos esgotos. Mesmo assim, 56,9% dos domicílios rurais não são atendidos por
esse serviço.

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Quadro 9

Suprimento de Água e Esgoto no Mundo

100 100
96 95
100 92 93
88
85
81
78 77
80
(%) da população

62 60
60
48

40

20

0
América Europa Oceania Am. Lat. Ásia África Brasil
do Norte e Caribe

abastecimento de água esgotamento sanitário

Fonte: OMS, in Torres, S.: “Falta água potável para 18% da população”.
FSP, 23/11/00, p. C12.

Em comparação com outros países, relatório divulgado pela Organização Mundial


de Saúde (OMS), em 2000, informa que o Brasil aparece em situação melhor do que
a média mundial e do que a média da América Latina e Caribe. Segundo essa fonte,
18% da população mundial não é servida por abastecimento de água potável e 40%
não são servidos por esgotamento sanitário. O Quadro 9 sintetiza os dados do
relatório.

A ausência de serviços de saneamento básico no Brasil é maior nos segmentos


populacionais de mais baixa renda. Conforme o Quadro 10, dos 9,4 milhões de
domicílios cuja renda familiar é inferior a 2 salários mínimos, aproximadamente 4
milhões (42,5%) não são atendidos pelo serviço de abastecimento de água,
representando 45% do total de domicílios brasileiros não ligados às redes públicas
de abastecimento de água. Nas áreas rurais, a disparidade é ainda maior,
verificando-se que 85,1% dos domicílios não são abastecidos pela rede de água.

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Quadro 10

Déficit em Saneamento Básico de Domicílios com Renda de até dois Salários


Mínimos – 1996

Total Urbano Rural


No total de domicílios com renda 11,3 milhões(27,1) 7,2 milhões(21,3) 4,1 milhões(54,4)
de até 2 s. m. (% do total de
domicílios)
% do total 100,0 63,9 36,1
Parcela não atendida por 5,4 milhões 1,8 milhão 3,6 milhões
abastecimento de água
% do total 48,0 25,1 88,6
Parcela não atendida por 8,7 milhões 4,9 milhões 3,8 milhões
esgotamento sanitário 1

% do total 76,3 67,5 92,0


Fonte: PNAD 1998, IBGE (elaboração própria).
Nota: 1 considera rede coletora para zonas urbanas; e rede coletora e fossas sépticas para zonas rurais.

Quadro 11

Distribuição Regional dos Déficits Urbanos em Saneamento – 1996

Região Número de Rede de Água Rede de Esgotos1


Domicílios Déficit Déficit (%) Déficit Déficit (%)
Norte 1.670.933 697.182 41,7 1.547.861 92,6
Nordeste 7.207.295 1.391.057 19,3 5.536.224 76,8
Sudeste 17.237.352 978.623 5,7 3.756.615 21,8
Sul 5.490.308 419.026 7,6 4.350.936 79,3
Centro Oeste 2.451.461 468.776 19,1 1.479.322 60,3
Brasil 34.057.349 3.954.664 11,6 16.670.958 48,9
Fonte: PNAD 1998, IBGE (elaboração própria).
Nota: 1 considera rede coletora para zonas urbanas; e rede coletora e fossas sépticas para zonas rurais.

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Outra característica importante do déficit de provisão de serviços de saneamento


básico é com relação às disparidades regionais. Conforme os Quadros 10 e 11, os
índices de atendimento verificados nas regiões mais pobres do país, especialmente
Norte e Nordeste, são significativamente inferiores àqueles verificados nas regiões
mais ricas, como Sul e Sudeste, especialmente quando se comparam as respectivas
áreas urbanas.

Quadro 12

Distribuição Regional dos Déficits Rurais em Saneamento – 1996

Região Número de Rede de Água Rede de Esgotos


Domicílios Déficit Déficit (%) Déficit Déficit (%)
Norte1 102.510 85.029 82.9 100.820 98,4
Nordeste 3.800.888 3.248.545 85,5 3.483.423 91,7
Sudeste 1.970.967 1.558.948 79,1 1.545.951 78,4
Sul 1.416.751 1.138.328 80,3 1.001.517 70,7
Centro Oeste 581.527 484.286 83,3 503.609 86,6
Brasil 7.872.643 6.515.406 82,8 6.635.320 84,3
Fonte: PNAD 1998, IBGE (elaboração própria).
1. Dados referentes somente ao estado do Tocantins. Não há dados disponíveis relativos à cobertura dos
serviços nas áreas rurais dos seguintes estados: Roraima, Acre, Amazonas, Rondônia, Pará e Amapá.

Pela Constituição Federal (CF), (i) a definição de diretrizes gerais para a prestação e
regulação dos serviços de saneamento é competência da União, (ii) os programas
para a melhoria das condições habitacionais são de responsabilidade conjunta entre
União, estados e municípios, mas (iii) a titularidade dos serviços de interesse local
está claramente expressa na CF, sendo uma atribuição dos municípios3 e, onde
predomina o interesse comum na prestação dos serviços (como nas regiões
metropolitanas), nas quais os sistemas são totalmente ou parcialmente integrados,
não há clara definição constitucional.

3
Vide o inciso V do artigo 30. Enquadram-se nesta situação a maior parte dos municípios brasileiros.

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A questão da titularidade dos serviços de saneamento básico está na raiz das


dificuldades envolvidas nas reformas da prestação e regulação dos serviços de
saneamento básico, e será exposta de forma mais detalhada mais adiante, na
Seção III, subseção 3.2.

Com relação às empresas que prestam serviços de saneamento básico, Pena e


Abicalil (1999) descrevem o panorama vigente no país em 1998:

A prestação do serviço está concentrada em 27 companhias estaduais de


saneamento básico (CESBs), que prestam serviços de abastecimento de
água, mediante concessões, em 3.823 municípios (69% do total de
municípios do país). Cerca de 89 milhões de pessoas são atendidas pelas
CESBs, representado 72% da população urbana do país. Essa concentração
é menor nos serviços de esgotamento sanitário. As CESBs são
responsáveis por esses serviços em 1.153 municípios (21% do total). As
empresas estaduais coletam esgotos de aproximadamente 34 milhões de
pessoas, que representam aproximadamente 55% daquelas que têm seus
esgotos ligados às redes coletoras. As CESBs prestam serviços nas capitais,
na maioria dos municípios integrantes das regiões metropolitanas e na
maior parte dos pequenos municípios do país4. (Pena e Abicalil, 1999, p.
116).

Os autores ainda destacam que as CESBs prestam serviços nos municípios mais
pobres do país, atendendo a 92% dos 1.368 municípios prioritários do Programa
Comunidade Solidária. Nos 114 municípios restantes, em 65 (sendo a maioria
localizada no Sul-Sudeste) os serviços são prestados por organizações municipais e
nos outros 49 (a maioria no Norte-Nordeste), as organizações municipais são
vinculadas à Fundação Nacional de Saúde (FNS).

4
Porto Alegre é a única capital cujos serviços são prestados por serviço municipal. Na Grande São Paulo, diversos
municípios são responsáveis pelos serviços de distribuição e coleta de esgotos, ficando, nesses casos, o tratamento e
adução de água e o tratamento de esgotos a cargo da SABESP.

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Os serviços de saneamento básico nos demais municípios brasileiros também são


prestados por organizações municipais, sejam elas autárquicas, vinculadas ao FNS5,
ou privadas. A participação do setor privado, em 1998, ainda estava limitada a
apenas 20 concessões municipais, a maioria no Sudeste, mas as perspectivas
apontavam para o aumento desta participação, quer seja através da participação
acionária nas empresas estaduais, quer seja através de novas formas de organização
para prestação de serviços (contratos de gestão, por exemplo). O Quadro 13 ilustra o
perfil do setor em 1996.

Quadro 13

Saneamento Básico: Perfil do Setor – 1996

Número de localidades Cobertura (% da população urbana)


Água Esgoto Água Esgoto
27 concessionários 4.753 686 75% 64%
estaduais
Municípios Autônomos 2.024 583 nd nd
Municípios com 625 185 nd nd
Autarquias
Concessionários Privados 1 15 nd nd
Total Servido 7.327 1.544 - -
Fonte: Piccinini (1996), como modificações. Apud Turolla (1999).

Entre 1996 e 2000, o número de cidades com operação privada passou de 16 para
28, alcançando aproximadamente 4 milhões de brasileiros. O Quadro 14 elenca
cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes cuja operação do serviço de
saneamento básico é privada.

5
No total, a FNS presta assistência técnica a cerca de 240 municípios, em geral pequenos e localizados nas regiões
Norte-Nordeste.

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Quadro 14

Saneamento Básico: Operação Privada – Cidades com mais de 100 mil


Habitantes – 1999

Município Mil hab. Consórcio Operadora Modalidade Data do Início de Invest. (R$
Local Contrato Operações milhões)
Limeira/SP 217 CBPO, Águas de Plena 1995 1995 110
Lyonnaise Limeira
Riberião 450 CH2M Hill, Rek Ambient Esgoto 1995 45
Preto/SP
Judiai/SP 288 A. Veloso, Cia Trat Esgoto 1996 1998 30
Coveg, Saneamento
Tejofran Jundiaí
Itu/SP 112 Cavo Cavo Itu Esgoto 1996 1998 25
Araçatuba/SP 157 Amafi, Sanear Esgoto 1996 2000 13
Multisrevice
Campos/RJ 350 Developer, Q. Águas do Plena 1996 92
Galvão Paraíba
Paranaguá/PR 110 Carioca, Águas do Plena Sub 1997 1997 60
Developer, Paranaguá concessão
Castilho
Petrópolis/RJ 240 Developer, EIT, Águas do Plena 1997 1998 100
Cowan Imperador
Niterói/RJ 450 Carioca, EIT, Águas de Plena 1997 175
Developer Niterói
Marília/SP 180 Hidrogesp, Águas de Trat Esgoto, 1997 1998 3
Telar, Infra Marília Adutora,
Reservatório
Araruama, 200 Erco, Cowan, Águas de Plena 1997 1998 73
Saquarema e EIT Juturnaíba
S. Jardim/RJ
A. do Cabo, 220; 700 EPAL, Monteiro PróLagos Plena 1998 1998 230
Búzios, C. (verão) Aranha
Frio, Iguaba,
S. P. da
Aldeia/RJ
Cachoeiro do 153 Águia Branca, Águas de Plena 1998 50
Itapemirim/ES Cepemar, Cachoeiro
Hidroport
Nova 175 Multiservice Cia de Plena 1999 12
Friburgo/RJ Águas de N.
Friburgo
Fonte: Adaptado de Turolla (1999).

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II. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Esta seção está dividida em duas partes. Na primeira, são apresentados aspectos
teóricos relacionados à proteção ao consumidor, reunidos a partir da experiência
internacional. Na segunda parte, são apresentados aspectos da experiência
internacional da articulação entre proteção ao consumidor, regulação e defesa da
concorrência nos três setores estudados.

1. ASPECTOS TEÓRICOS: A PROTEÇÃO AO


CONSUMIDOR

Historicamente, a emergência de políticas de proteção ao consumidor esteve


associada ao desenvolvimento da produção e do consumo de massa, que tornou
impessoais as relações de consumo, e ao aumento da renda, que proporcionou o
crescimento do consumo de bens duráveis e intensivos em tecnologia. Nessas
categorias de bens, a avaliação da qualidade do produto, a compreensão das
informações de utilização e a infreqüência da relação comercial constituem fatores
que aumentam a importância de mecanismos institucionais de proteção ao
consumidor.

Nos países desenvolvidos, políticas e instituições voltadas à proteção do consumidor


apareceram ao longo dos anos 1960 e 1970. Nos Estados Unidos, o consumerism6
foi impulsionado por personagens carismáticos como Ralph Nader, cujos ativistas –
os Nader’s Raiders – forçaram, por exemplo, a inclusão de novos dispositivos de
segurança em automóveis.

O aparecimento tardio de políticas de proteção ao consumidor em países latino-


americanos é atribuído por Engel (2000) ao quadro político observado nesses países

6
“Consumerism” pode ser traduzido por “consumismo”, mas também pelo ato de proteger consumidores de preços
injustos, propaganda enganosa, etc... para diferenciar, opta-se pelo neologismo “consumerismo”.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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ao longo do século, onde tendências mais à direita no espectro político estiveram


comprometidas demais com os grandes grupos econômicos para impor-lhes uma
legislação de proteção ao consumidor enquanto tendências mais ao centro e à
esquerda rejeitavam os mecanismos do sistema de mercado. Taschner (1995) analisa
comparativamente a evolução do consumerismo no Brasil, vinculando-a aos
movimentos sociais da segunda metade dos anos 1970, e em países desenvolvidos.

Engel (2000) divide as políticas de proteção ao consumidor em dois tipos: (i) a


política de proteção ao consumidor propriamente dita, que visa modificar o quadro
de informações disponível ao consumidor, e (ii) a promoção do consumidor, que
visa, através da educação do consumidor e da criação ou do estímulo à formação de
instituições e associações de defesa do consumidor.

A difusão de informações de interesse à defesa dos consumidores se dá através da


mídia, inclusive através de revistas especializadas, embora, às vezes, haja conflito
de interesses entre as informações veiculadas e eventuais patrocinadores do meio de
comunicação. Por sua vez, a compensação constitui poderoso mecanismo
institucional de promoção dos consumidores, mas muitas vezes a possibilidade de
obtenção de compensação encontra-se limitada pelos altos custos de transação
envolvidos na ação.

Engel (2000) também divide as políticas de promoção de consumidores em dois


tipos principais: (i) as de iniciativa do governo, quer seja através da instituição de
organismos públicos de defesa dos consumidores, quer seja através da adoção de
medidas que venham a reduzir os custos de transação envolvidos em uma ação de
defesa do consumidor, ou através da instituição de mecanismos alternativos de
resolução de disputas; e (ii) as de iniciativa privada, tais como os serviços de
atendimento ao consumidor das empresas ou como as colunas de defesa do
consumidor patrocinadas por meios de comunicação.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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Na medida em que políticas de defesa e de promoção do consumidor obrigam a


observância de padrões de qualidade por parte das empresas, a existência de
consumidores mais ativos na defesa de seus direitos e de mecanismos institucionais
que permitam sua atuação diminui a necessidade de uma ação regulatória mais
detalhados.

Com relação à liberalização comercial e à concorrência, deve-se destacar que


embora argumentos de defesa do consumidor tenham sido muitas vezes utilizados
como um tipo de barreira não alfandegária7, a liberalização comercial e o aumento
da concorrência em muitos países têm forçado os governos e os exportadores a
aderirem a políticas de defesa do consumidor mais rígidas, seja porque produtores
locais se vêem competindo com produtos importados, cujos requisitos de qualidade
são maiores, ou porque os consumidores locais passam a ter maior acesso a bens
intensivos em tecnologia, cujas dificuldades de informação e de obtenção de
compensação também são maiores.

Finalmente, com relação à competitividade da indústria nacional, embora produtores


nacionais muitas vezes reclamem que uma legislação de defesa da concorrência
pode tornar seus produtos mais caros e portanto menos competitivos, a existência de
consumidores organizados estimula os produtores nacionais a adequarem seus
produtos a padrões de qualidade superiores, aumentando sua competitividade em
mercados mais exigentes e reduzindo, dessa forma, o investimento inicial
necessário para o lançamento de um produto no exterior.

Robert H. Lande (1996) analisa a relação entre antitruste e a lei de proteção ao


consumidor. O autor entende que defesa da concorrência e proteção ao consumidor
compartilham de um objetivo comum: a facilitação do exercício do que chamou de
“soberania” do consumidor ou da efetiva escolha do consumidor. Por “soberania do
consumidor”, o autor entende “o estado no qual os consumidores podem livremente

7
Veja exemplos em Engel (2000).

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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tomar as suas decisões, baseados em seus interesses individuais, e no qual os


mercados responderão ao efeito coletivo dessas decisões” (Lande, 1996, p. 5).

A defesa da concorrência atuaria no sentido de prover o consumidor com um leque


competitivo de opções de escolha, enquanto o sentido da atuação da proteção ao
consumidor seria o de garantir que os consumidores possam efetivamente escolher
entre aquelas opções, “com suas faculdades críticas não prejudicadas por tais
violações como fraude (deception) ou omissão de informação material” (Lande,
1996, p. 2).

Tanto a defesa da concorrência quanto a proteção ao consumidor são justificadas


teoricamente a partir da possibilidade de ocorrência de “falhas de mercado”, tais
como abuso de poder econômico, informação assimétrica, custos de transação,
externalidades, barreiras à entrada e situações de monopólio natural. O autor então
subdivide as falhas de mercado em dois tipos: (i) aquelas que são externas às
relações de consumo, implicando restrições no leque de opções do consumidor, cuja
correção estaria no âmbito da defesa da concorrência; e (ii) aquelas que são internas
às relações de consumo, implicando restrições na capacidade do consumidor de
exercer sua efetiva escolha entre as opções existentes, cuja correção estaria no
âmbito da proteção ao consumidor.

Assim, imperfeições de mercado tais como informação imperfeita e custos


irrecuperáveis de entrada, ou condutas anticompetitivas tais como predação de preço
ou de reputação, estariam no âmbito exclusivo da defesa da concorrência; por outro
lado, no âmbito exclusivo da proteção ao consumidor estariam falhas de mercado
cujo impacto prejudicasse cinco tipos de consumidores: aqueles cuja liberdade de
escolha está sujeita a algum tipo de coerção, os que são membros de um grupo
“vulnerável” (tais como crianças), os que são submetidos a informações falsas,
incompletas, e, finalmente, aqueles que precisam lidar com informações de difícil
apreensão.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 34/145

Em outros termos, casos envolvendo fixação de preço, restrições horizontais, preço


predatório, fusões e restrições verticais seriam do âmbito exclusivo da defesa da
concorrência. Casos envolvendo reclamações relacionadas a características dos
produtos, garantias e cláusulas contratuais, seriam do âmbito da proteção ao
consumidor. Alguns casos, no entanto, não se enquadram em nenhuma das duas
áreas com exclusividade, envolvendo ao mesmo tempo restrições sobre o leque de
opções dos consumidores e a efetividade das escolhas entre as opções existentes: é o
caso dos problemas envolvendo vendas casadas, condutas que resultam em aumento
dos custos de procura, ou manutenção dos preços de revenda, por exemplo.

Por outro lado, leis de proteção ao consumidor parecem às vezes atuar tanto no
sentido de tornar efetiva a escolha do consumidor entre as opções existentes quanto
de aumentar o leque de opções disponíveis aos consumidores. É o caso, por
exemplo, das normas que obrigam produtores a disporem publicamente informações
técnicas das mercadorias. Lande entende que a publicação dessas informações
expulsa do mercado produtos de qualidade inferior, abrindo espaço para a entrada
de novos concorrentes que incrementarão o leque de opções disponíveis aos
consumidores.

Há casos, inclusive, nos quais as duas atividades apresentaram conflitos de


objetivos. O autor reporta que a proibição de imposição de preço mínimo de
revenda, por exemplo, levou à redução da qualidade de produtos de saúde
oferecidos no mercado.

A teoria unificada de Lande possui três implicações práticas. Em primeiro lugar, a


conseqüência de uma estrutura teórica relevante ajudaria as partes envolvidas a
enquadrar um dado assunto em uma teoria legal apropriada.

Em segundo lugar, “uma relação funcional próxima entre ações para preservar
opções e ações para preservar a habilidade de escolha entre opções existentes
mostraria porque a Federal Trade Comission (FTC, a agência norte-americana de

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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defesa da concorrência e do consumidor)8 foi criada e porque seu status deveria


permanecer inalterado” (Lande, 1996, p. 52).

Em terceiro, um corpo teórico unificado permitiria considerar questões que não


envolvem apenas a competição através do mecanismo de preços, tornando a defesa
da concorrência mais sensível a formas de competição que não envolvem preço
(non-price competition), o que seria particularmente importante, por exemplo, no
caso da fusão de órgãos de imprensa9.

A justificativa de Lande para a articulação entre Defesa da Concorrência e Proteção


ao Consumidor é de particular interesse para o presente trabalho. O autor advoga
que ambas as atividades devem ser combinadas em uma única agência:

“the functions of antitrust and consumer protection can and should work
together to safeguard the exercise of consumer sovereignty” (Lande, 1996,
p. 56, ênfase do autor)

Sua justificativa está baseada na própria abordagem teórica que propôs, segundo a
qual os problemas de defesa da concorrência e de proteção ao consumidor são da
mesma natureza, e que haveria convergência de interesses na prática de ambas as
funções.

Como se verá na Seção V, no presente trabalho adota-se visão contrária: entende-se


que ambas as funções se estimulam reciprocamente (como Engel, 2000, veja acima),
mas que não há economias de escopo na consecução de ambas as atividades. E que,
portanto, não há porque submetê-las a rotinas comuns. A perspectiva que será
adotada é antecipada pelo próprio Lande:

8
Deve-se ressaltar, no entanto, que, ao contrário do FTC, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça do EUA
não acumula funções de proteção ao consumidor, especializando-se apenas em defesa da concorrência.
9
A rigor, o artigo de Lande aponta quatro implicações práticas, mas a quarta implicação é muito similar à primeira.

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“It is very tempting to think of these functions as being very different and
only related on the most general and abstract level insofar as both bureaus
ultimately attempt to improve consumer welfare” (Lande, 1996, p. 56, nota
de rodapé 122).

A partir da observação de que mesmo nas jurisdições nas quais a defesa da


concorrência e a proteção ao consumidor ocorrem em uma mesma agência, (como é
o caso do FTC norte-americano e do ACCC australiano), as rotinas seguem
independentes, manter-se-á a posição contrária à de Lande, com a ressalva, no
entanto, de que sua abordagem oferece argumentos importantes a favor de uma
maior participação dos órgãos de defesa do consumidor nas decisões da agência de
defesa da concorrência.

No Brasil, o problema da articulação entre proteção do consumidor, regulação e


defesa da concorrência é ilustrado por Lopes (2001). Em artigo publicado no jornal
O Estado de São Paulo (31/01/01), o autor, que é coordenador de relações com o
consumidor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), critica a proposta de criação
da ANC por relegar a um segundo plano a defesa do consumidor. Segundo o artigo,
“o sistema de proteção de consumidores é primo pobre do direito econômico”, e a
discussão sobre a criação da ANC:

“Mostra apenas que o grande debate está ainda em como defender o capital
do próprio capital, um comitê de interesses apenas dos grandes negócios.
Pouco se disse do consumidor, o lado de fora do capital” (Lopes, 2001).

Lopes critica o anteprojeto de criação da ANC porque não contempla entre os


órgãos da ANC a Diretoria Colegiada ou o Conselho Consultivo de Defesa do
Consumidor (artigo 5o) e porque as funções da diretoria colegiada concentram-se em
tarefas administrativas, exceto pelo inciso II (“editar resoluções sobre matérias de
sua competência”), cuja generalidade não é resolvida em nenhum outro artigo do
anteprojeto.

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EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 37/145

Adicionalmente, Lopes não entende que papel cabe a uma agência federal de defesa
do consumidor se o direito do consumidor constitui-se dentro da arena judicial, a
qual, no arranjo federativo brasileiro, é estadual.

Com relação à regulação, não fica claro, para o autor, a relação entre a ANC e as
agências regulatórias:

“Em todas as agências até agora criadas o campo de atuação era limitado a
um setor econômico. A nova agência não diz respeito a setor algum em
particular. Qual o papel que lhe cabe, visto que lhe sobraria o grande
consumo de setores não regulados? É bom lembrar que as agências
existentes não são órgãos de defesa do consumidor, embora devam levá-las
em conta”.

Finalmente, Lopes ainda adverte que acoplar o sistema de defesa do consumidor à


Agência da Concorrência pode relegar a defesa do consumidor a um papel
secundário. Segundo seu artigo, vários casos chegaram ao Conselho Administrativo
de Defesa da Concorrência (CADE) por iniciativa dos consumidores, mas que, no
entanto, as decisões nunca lhes foram diretamente favoráveis. Lopes lembra do
processo no. 46/92, julgado em 1998, no qual o consumidor conseguiu anular em
juízo cláusula contratual abusiva (fixação unilateral de preços). No órgão de defesa
da concorrência, decidiu-se que o assunto seria analisado sob dois ângulos apenas:
1) se a prática do agente econômico interferia na concorrência e 2) se os efeitos da
prática de aumentos de preço seriam a real ou potencial eliminação dos
concorrentes. O julgamento, conclui Lopes, foi desfavorável ao consumidor.

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2. ASPECTOS DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

2.1. Telecomunicações 10

Nos Estados Unidos, a intervenção regulatória no mercado de telecomunicações


atual é o resultado de um longo período de transição entre um modelo de monopólio
privado para outro mais aberto, com enfoque no estímulo à convergência
tecnológica e a abertura de todos setores das telecomunicações.

O Telecommunications Act de 1996 é o instrumento que provoca essa mudança na


estrutura regulatória nos EUA, criando uma série de mecanismos para promover
uma rápida competição no setor, estimulando a convergência de diversos segmentos
como telecomunicações, tecnologia de informação, mídia e entretenimento, e,
principalmente, a abertura no setor de telefonia local, até então tradicionalmente
considerado um monopólio natural.

A estrutura regulatória norte-americana está calcada na atuação de órgãos


reguladores presentes em níveis distintos da administração pública. A Federal
Communication Commission (FCC) no nível federal, as PUCs (Public Utilities
Commission) no nível estadual, e o apoio complementar das autoridades antitruste, o
Departamento de Justiça (DOJ) e a Procuradoria Geral (AG) respectivamente nos
níveis federal e estadual.

Mantendo a tradição conciliatória jurídica norte-americana o Telecom Act, removeu


as barreiras à entrada na telefonia local e permitiu que as empresas locais
estabelecidas (Incubent Local Exchange Carriers – ILEC) pudessem operar em
negócios dos quais estavam anteriormente excluídas. De acordo com a legislação, as
ILEC estão autorizadas a fornecer serviços de longa distância caso cumpram um
check list que indique a existência de competição naquele mercado local; por outro
10
Esta subseção contou com a colaboração de Luis Fernando Rigatto Vasconcellos.

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lado, estão livres dos controles tarifários existentes, os quais foram substituídos por
uma regulação por incentivos. Cabe ressaltar que a capacidade de pressão das ILECs
é muito mais forte que das operadoras de longa distância (IXCs – Interexchange
Carriers), resultando numa forte dependência, no nível estadual, das PUCs.

Além da remoção das barreiras à entrada, destaca-se a o fortalecimento da


competição nos demais segmentos, tais como: (i) na telefonia de longa distância
com a perspectiva de entrada de diversas ILEC além da permissão dessas empresas
atuarem nos mercados de longa distância localizados fora de suas áreas de
fornecimento local; (ii) na telefonia celular, segmento no qual os processos de
licenciamento de freqüências foram agilizados e fusões e aquisições no setor foram
permitidas; (iii) em mídia e entretenimento, onde a entrada de novas empresas foi
liberalizada e as fusões e aquisições foram permitidas.

No que refere a política tarifária, o novo modelo institucional dos EUA, emprega o
mecanismo de price-cap, o que permite uma maior flexibilidade em uma ambiente
de maior competição. Quanto às tarifas de interconexão, os mecanismos
tradicionais, que incorporavam subsídios cruzados na alocação de custos fixos
comuns de rede, foram substituídos por mecanismos que refletem os custos do uso
efetivo do serviço, evitando que as empresas entrantes sejam penalizadas com a
inclusão de custos históricos pelas empresas estabelecidas.

Finalmente, o Telecomm Act estabeleceu uma comissão conjunta (joint board)


constituída por representantes das PUCs, da FCC e dos consumidores, para criar
uma estrutura que permitisse a universalização dos serviços sem comprometer a
competitividade no setor. A Federal Trade Commision (FTC) permaneceu como a
única agência federal que investiga, regulamenta e adimplementa tanto questões de
proteção ao consumidor quanto de defesa da concorrência.

Diferentemente dos EUA, o setor de telecomunicações nos países europeus


apresenta historicamente uma estrutura baseada no monopólio estatal nos serviços

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locais e de longa distância, com as relações interpaíses limitando-se a acordos de


interconexão com as operadoras nacionais.

A estrutura regulatória européia tendia a estabelecer objetivos difusos e divergentes,


tais como: cumprimentos de metas macroeconômicas, metas de universalização e
obtenção de ganhos de eficiência. No entanto, a abertura internacional dos mercados
forçou a UE a implementar reformas em seu aparato regulatório de maneira a
uniformizar as políticas de acordo com as normas da OMC, viabilizando ganhos de
escala, maior eficiência e reduzindo o preço dos serviços.

Embora esforços têm sido feitos para a criação de uma autoridade regulatória pan-
européia, a oposição de alguns países membros tem impedido que essa intenção se
concretize.

Diferentemente das agências reguladoras norte-americanas, a regulação na UE tende


a ser menos abrangente e menos transparente na incorporação dos diversos
interesses envolvidos, visto que as agências européias não são independentes.
Segundo Pires (1999), as diretrizes da UE estabelecem os seguintes princípios para
a constituição das autoridades regulatórias:

• Separação entre as funções regulatórias e as atividades operacionais;


• Independência em relação aos poderes; e
• Criação e atribuições baseadas legalmente no princípio da subsdiaridade, em que
matérias não regulamentadas nacionalmente podem ser submetidas às leis da
comunidade européia.

No que se refere à regulação da concorrência, uma das medidas mais relevantes


tomada pela UE, no sentido de homogeneizar suas políticas, é a criação de uma
medida comum de poder de mercado: a significant market power – SMP. Embora
cada autoridade nacional tenha competência para classificar se uma operadora tenha
ou não poder de mercado, existem 3 aspectos básicos a serem considerados na

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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determinação da SMP: a participação do mercado (25% do mercado relevante), a


existência de barreiras à entrada e as condições de preço/lucro conjuntamente com
as relações verticais na indústria. À semelhança da política regulatório nos EUA, a
regulação na Europa possui um claro viés de defesa da concorrência, ou seja, há
uma assimetria em favor das empresas entrantes, de maneira a estimular a entrada
de novos agentes no mercado. O Quadro 15 ilustra a competência das agências
setoriais e sua relação com as agências de defesa da concorrência. Pode-se verificar
que em muitos países as agências setoriais não têm independência nem a articulação
desejada com as agências de defesa da concorrência.

Quadro 15

Competência das Agências Setoriais e Articulação com Agência de Defesa da


Concorrência

País Poderes da agência setorial Órgão concorrente


Alemanha • Papel consultivo na definição de condições Agência Federal para Cartéis
especiais nas licenças;
• Colabora na definição de mercado
relevante
Espanha • Não tem poderes antitrustes Departamento do Ministério da
Economia
França • Limitados poderes de investigação Conselho de Competição do
Ministério da Economia
Itália • Papel consultivo em relação à defesa da Comissão Antitruste (para
competição nas telecomunicações; telecomunicações)
• Amplos poderes sobre radiodifusão
Reino Unido • Poderes concorrentes com o OFT na Office of Fair Trading (OFT)
proibição de ações anticompetitivas
(aplicação de sanções etc.);
• Poderes limitados de investigação
Fonte: Pires (1999).

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De acordo com o que ocorre em outros setores regulados, a reestruturação do setor


de telecomunicações no Reino Unido merece destaque pelo seu caráter pioneiro. A
reforma foi iniciada em 1980 com a privatização da empresa monopolista Britsh
Telecom (BT) e prosseguiu, durante toda década de 90, até uma política mais intensa
de regulação da concorrência em sintonia com a dos demais países europeus.

O setor é regulado pelo Diretor Geral de Telecomunicações (DGT), formalizado em


1984 pelo Telecom Act. Com o suporte técnico do Oftel – Office of
Telecommunication, o DGT concentra todas decisões regulatórias e tem amplo
poder discricionário e autonomia para monitorar o comprimento das licenças
concedidas às operadoras. Tais licenças podem ser alteradas pelo DGT, após um
processo de consultas, os quais podem ser contestados pelas operadoras, junto a
Monopoly and Mergers Commision (MMC), que arbitra os conflitos entre as
empresas e o Oftel.

2.2. Setor elétrico 11

À semelhança do que ocorre no setor de telecomunicações, o setor de energia


elétrica vem atravessando um período de intensas mudanças estruturais, que produz
reformas nas estruturas regulatórias de uma ampla variedade de países em todos
continentes, com a finalidade de tornar o setor mais aberto e mais eficiente tanto
técnica como economicamente.

Os Estados Unidos, maior mercado de energia elétrica do mundo, é o país pioneiro


na implantação dessas reformas, marcadas também pelo gradualismo e pelo
pragmatismo na solução de problemas que envolvem uma ampla variedade de
interesses muitas vezes divergentes.

11
Esta subseção contou com a colaboração de Luis Fernando Rigatto Vasconcellos.

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Os principais marcos regulatórios do país são: (i) o Public Utilities Regulatory


Policy Act (Purpa Act), de 1978, que reduziu as tarifas e o excesso de capacidade
instalada das empresas de energia elétrica, encorajou a conservação de energia e
estimulou a entrada de produtores independentes de eletricidade com base em fontes
renováveis de energia; e (ii) o Energy Policy Act de 1992, cujos objetivos foram o
de impulsionar a competição na geração de energia e o do desenvolvimento de um
mercado atacadista em várias regiões do país. Adicionalmente, estabeleceram-se
dois princípios regulatórios para a superação dos problemas gerados pelo Purpa Act:
a garantia de livre acesso aos sistemas de transmissão e a constituição de um
mercado atacadista entre produtores e consumidores livres (distribuidoras de energia
e grandes consumidores).

O setor de energia elétrica nos EUA é regulado por uma estrutura tripartite. No
âmbito federal, tem-se a Federal Energy Regulatory Commission (Ferc) e no nível
estadual, as PUCs. A ação é complementada pelo Departamento de Justiça (DOJ) e
pela Procuradoria Geral (AG), respectivamente na esfera federal e estadual. Cabe
ainda destacar, a importância da participação de grupos de interesse nas fases de
consulta pública, onde predomina a tradição jurídica norte-americana de check and
balances, que procura maximizar a área de consenso na tomada de decisões.

No que se refere especificamente aos consumidores, há o reconhecimento explícito


de organismos representativos de usuários (associação de consumidores, agências e
advogados independentes) que participam de debates públicos em sessões das PUCs
e das AGs. Em contrapartida, as decisões regulatórias acabam sofrendo toda sorte de
influências políticas, visto que as diretorias da Ferc e das PUCs são nomeadas,
respectivamente, pelo presidente e pelos governadores e seus orçamentos são
determinados pelo Congresso, cujos representantes recebem ajuda justamente das
empresas que sofrerão regulação por parte das agências.

Quanto à defesa da concorrência, existe uma certa fragilidade do aparato


regulatório. Embora medidas tenham sido tomadas para promover e ampliar o

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mercado atacadista de energia elétrica, o segmento mais complexo do ponto de vista


concorrencial, não há uma autoridade setorial específica capaz de coibir a
concentração de mercado, tanto vertical como horizontalmente.

Diferentemente dos Estados Unidos, o mercado de energia elétrica dos países


pertencentes à União Européia apresenta, tradicionalmente, infra-estrutura de
administração pública, na qual a relação internacional restringe-se a acordos
bilaterais para a conexão de rede e compra e venda de eletricidade. A grande
diversidade entre países membros impõe dificuldades adicionais à adoção de uma
política regulatória comum.

Alguns aspectos dessa diversidade condicionam o comportamento dos agentes no


mercado elétrico na UE. Grandes consumidores de países cujo preço da eletricidade
é relativamente elevado pressionam por maior abertura do mercado e maior
liberdade de escolha de fornecimento. Consumidores de países cujas tarifas são
baixas pressionam pela manutenção do mercado fechado. Outros fatores, tais como
(i) a dificuldade de quebra de monopólios naturais de propriedade pública, (ii) a
inexistência de órgãos reguladores independentes. (iii) o grande poder de mercado
das empresas estabelecidas e (iv) a longa tradição de políticas nacionais
supostamente estratégicas criam dificuldades adicionais à liberalização do mercado
de energia elétrica nesses países.

Entretanto, a liberalização comercial internacional e a necessidade de obtenção de


ganhos de produtividade no setor forçaram uma mudança na estrutura do mercado
de energia elétrica. A partir de 1996, o Parlamento Europeu adotou uma série de
diretrizes que alteraram significativamente os segmentos de geração, transmissão e
comercialização, e introduziram regras para a regulação da concorrência no
mercado, dentre as quais aquelas descritas em Pires (1999b):

• Estados membros podem definir obrigações de serviços públicos para as


empresas de eletricidade de acordo com interesse econômico geral;

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• Adoção de requerimentos de desagregação das atividades de geração,


transmissão e distribuição de energia;

• Estabelecimento das funções e das regras de funcionamento do operador de rede,


que deve ser independente dos demais agentes do segmento de transmissão;

• Fixação de procedimento para a entrada no segmento de geração de energia


(construção de novas plantas);

• Constituição de autoridade regulatória nos estados membros com características


de independência para prevenir abusos de posição dominante e concorrência
desleal, arbitrar disputas e negociações contratuais e monitorar o livre acesso dos
agentes ao grid de transmissão;

• Possibilidade de aplicação de regime de transição para determinados estados


membros em razão do tamanho do sistema elétrico, do nível de interconexão e da
estrutura da indústria.

A reforma regulatória implementada no Reino Unido destaca-se pela sua


radicalidade e pelo seu radicalismo. O principal marco regulatório britânico é o
Electricity Act de 1989, o qual introduziu profunda mudança setorial, privatização
intensa e a montagem da estrutura regulatória, constituída pelo Diretor Geral de
Energia Elétrica (Director General of Electricity Supply – DGES), que conta com a
assistência técnica do Office of Electricity Regulation – Offer.

Diferentemente da Ferc norte-americana, onde diversas atribuições são atribuídas a


um colegiado, no caso do Reino Unido o DGES concentra sobre si todas
responsabilidades regulatórias, com o Offer dando-lhe apenas suporte técnico. Em
segundo lugar, não há organismos regulatórios estaduais no Reino Unido, o que gera
mais eficácia e agilidade nas decisões do Executivo.

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Posteriormente, em maio de 1999, inicia-se a fusão das instituições regulatórias do


mercado de energia e de gás natural, quando foi constituído o DGEGS (Director
General of Electricity and Gas Supply), o qual dispõe do suporte técnico do Offer e
do Office of Gas Supply (Ofgas) e tem como função principal regular os monopólios
naturais (transmissão e distribuição de energia elétrica e gás natural) e promover a
competição nos demais segmentos desses setores no Reino Unido.

Além desses agentes apontados acima, ainda há o Monopoly and Mergers


Commission (MMC), que arbitra conflitos entre as empresas e o DGEGS no
julgamento do interesse público e examina fusões setoriais, o Office of Fair Trading
(OFT), que articula junto com DGEGS a livre competição nos mercados envolvidos
e, finalmente o Her Majesty´s Inspectorate of Pollution (HMIP), responsável pelas
questões ambientais.

2.3. Saneamento básico 12

Na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, a gestão do saneamento


básico está a cargo do setor público, de competência do poder local. Na Espanha, a
participação privada é superior à média européia, mas não se configura em uma
exceção à regra. A tendência geral entre os países europeus é o aumento da
participação privada. Na França e na Inglaterra, entretanto, vigoram outros modelos
de gestão do serviço. No primeiro caso, o modelo é o de gestão privada através de
concessões públicas comerciais. No segundo caso, verifica-se a privatização integral
e regulada dos serviços. O Quadro 16 relaciona a porcentagem da população
abastecida com relação à população total com a forma de gestão do serviço de
saneamento básico.

12
Esta subseção contou com a preciosa colaboração de Frederico Turolla.

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Na Inglaterra, até 1973, o setor de saneamento básico era fragmentado. Naquele


ano, o Water Act configurou-se em um marco na evolução do setor: criou dez
autoridades de água sob o conceito de gestão integrda de bacia, centralizou a
administração da água, esgoto e uma vasta linha de funções ambientais e
regulatórias, incluindo controle de poluição, inundações e conservação de água em
autoridades regionais. Os governos locais perderam os ativos, não obtiveram
compensação por esta perda , mas passaram a desempenhar papel importante na
autoridade regional.

Em meados dos anos 80, o movimento de privatização do setor começou a ganhar


força. Em 1989, o governo inglês, impulsionado pela vitória do partido conservador
em 1987 e pela necessidade de adequar a qualidade do serviço aos rígidos padrões
de qualidade da Comunidade Européia, privatizou o setor: transformando as dez
autoridades de bacia em empresas públicas limitadas, com abertura de capital e
oferta pública.

Quadro 16

Europa: Gestão do Serviço de Saneamento Básico – Porcentagem da População


Abastecida sobre a População Total

Gestão Pública Gestão Privada


Direta Delegada Direta Delegada
Inglaterra - - - 100
França 23 2 75 -
Espanha 51 12 37 -
Alemanha 51 31 18 -
Itália 95 1 4 -
Portugal 93 - 1 -
Noruega 6 94 - -
Dinamarca 67 33 - -
Áustria 100 - - -
Fonte: Corrales (1998), a partir de dados da União Européia, apud Turolla (1999).

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Os órgãos envolvidos na regulação do serviço de saneamento básico na Inglaterra


são o Office of Water Services (Ofwat), que concentra amplos poderes
discricionários na regulação do setor, o Monopoly and Mergers Commission, na
concorrência, a National Rivers Authority e a Drinking Water Inspectorate, cujas
atribuições podem se superpor às da Ofwat. O modelo de tarifação segue o padrão
price-cap, comrevisão de limites de preços a cada dez anos, ou cinco anos, se
requerida pela Ofwat ou pelas empresas. Além dos órgãos reguladores britânicos, os
órgãos reguladores europeus também atuam na regulação da qualidade da água.

No modelo francês, a participação privada nasceu no fim da década de 1920, mas


ganhou corpo nos anos 1950. Em 1954, a participação privada era de 31%, mas
cresceu a 60% em 1980 e a 75% na década de 1990. A titularidade dos serviços é
das comunas, que totalizam 34.749 unidades no território francês. Não há agência
reguladora, mas o modelo criou a necessidade de competência em nível local para a
análise dos contratos. Os contratos se anteciparam à lei, a qual incorporou as
inovações a posteriori. Há vários tipos de contratos além da concessão. A
competição se dá a partir de um marco legal geral adaptado às condições locais em
contratos de delegação dos serviços.

O preço do serviço prestado pelas operadoras privadas é geralmente superior aos das
áreas operadas diretamente pelos setor público (a diferença chega a 44%). Parte
dessa diferença se deve aos impostos sobre o concessionário privado. Além disso,
muitas comunas só concedem o serviço diante da necessidade de significativos
investimentos. Atualmente, cinco empresas abastecem 75% da água e 40% do
esgoto produzido no país. As operadoras desenvolveram estreita ligação com o s
governos locais, central e entre si. Casos de corrupção e de conluio são
freqüentemente divulgados pela imprensa francesa. Apesar disso, o modelo gerou
um sistema descentralizado, eficiente e moderno, além de criar a maioria das
empresas privadas de tamanho e vocação internacional do setor.

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III. A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

1. REGULAÇÃO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES

1.1. Histórico e antecedentes institucionais

O Sistema Nacional de Telecomunicações no Brasil (SNT), que vigorou até o início


dos anos 1990, começou a ser formulado em 1962, com a aprovação do Código
Nacional de Telecomunicações (Lei no 4.117/62). O SNT seria financiado pelo
Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT), e era constituído pelo Conselho
Nacional de Telecomunicações (Contel, órgão federal com atribuições normativas,
de fiscalização e de planejamento), pela Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel, a empresa operadora estatal, cujo funcionamento só viria a ocorrer em
1965), pelo Ministério das Comunicações, e, principalmente, pelo sistema Telebrás,
holding criada em 1972 (Lei 5.792/72) formada por 27 empresas-pólo (uma para
cada estado, à exceção do Rio Grande do Sul) e pela operadora nacional Embratel.
Além disso, havia quatro empresas independentes, mas tecnicamente integradas ao
sistema: a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT, do estado do Rio
Grande do Sul), a Centrais Telefônicas de Ribeirão Preto (CETERP), a Serviços de
Comunicações de Londrina (Sercomtel, Londrina/PN), e a Companhia Telefônica do
Brasil Central (CTBC, a única empresa privada, operando na região do Triângulo
Mineiro). Os Quadros 17 e 18 mostram alguns relutados obtidos pelo sistema
Telebrás.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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Quadro 17

Resultados Obtidos pelo Sistema Telebrás (1972 – 1996)

Serviço Unidade 1972 1996


Telefonia Fixa Milhões de acessos 1,4 14,9
Telefonia móvel Milhões de acessos - 2,5
Telefone Público Milhares de telefones 10,3 446
Localidades atendidas Mil localidades 2,5 20,9
Fonte: Almeida e Crossetti (1997).

Observa-se que o Sistema Telebrás logrou, ao longo de 20 anos, desenvolver a


telefonia fixa no país, em padrões comparáveis aos demais países latino-americanos.
Como mostrou o Quadro 1, a densidade telefônica do país atingiu, em 1997, cerca
de 10,7 telefones para cada 100 habitantes, número modesto quando comparado com
os países desenvolvidos (cuja densidade era de aproximadamente 40 telefones/100
habitantes), mas relativamente comparável aos de outros países latino-americanos,
como México (9,6 telefones/100 habitantes) ou Argentina (19,1 telefones/100
habitantes).

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Quadro 18

Investimentos e Fontes de Recursos do Sistema Telebrás (1974 – 1998)

Ano Investimentos Financiamento – Participação relativa (%)


(R$ milhões de Recursos Empr. e Auto- Rec.
1995) Próprios Financ. Financ. Fiscais
Média 1974 – 1982 4086
Média 1983 – 1987 3057
1988 4231 55 25 18 4
1989 4383 24 42 33 1
1990 2783 69 6 25 0
1991 3263 52 22 26 0
1992 4272 64 23 13 0
1993 4285 55 33 12 0
1994 4414 64 20 17 0
1995 4532 58 27 15 0
Fonte: Almeida e Crossetti (1997).

Com relação ao investimento, observa-se que o setor também sofreu as


conseqüências da crise financeira que atingiu o setor público na década de 1980. No
início dos anos noventa, os critérios utilizados na cobrança de tarifas (que priorizara
o controle inflacionário) e uma certa acomodação em função do monopólio e da
falta de competição no setor seriam os responsáveis pela relativa deterioração do
setor.

No início dos anos 90 o setor já havia iniciado a recuperação dos investimentos aos
níveis observados nos primeiros anos de 1970. Entretanto, a recuperação do
investimento a partir de 1992, como aponta Almeida e Crossetti, já fazia parte dos
preparativos da desestatização do setor. Ao contrário dos demais países latino-
americanos, a privatização do setor no Brasil foi precedida pelo aumento do
investimento.

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Quadro 19

Brasil – Cronograma da Reforma no Setor de Telecomunicações

Fases Marco Regulatório/Características Órgão


Regulador/Característic
as
1. Preparação(1995- Emenda Constitucional no. 8 :
96)
• Permite a privatização de serviços
públicos
Lei Mínima de Telecomunicações:
• Regulamenta a telefonia celular (leilão
da banda B)
2. Liberalização Lei Geral de Telecomunicações:
controlada(1997-2001)
• Desmembramento e privatização do
sistema Telebrás
• Regulamentação do mercado de ANATEL
telecomunicações 1. autonomia legal
• Cobertura social 2. sistemas de
Plano de Outorgas: competências
• Estrutura de mercado da telefonia fixa complementares
3. Concorrência Lei Geral de Telecomunicações:
Regulada(a partir de
2001) • Abertura do mercado de telefonia celular
a partir de 2001 (leilão das bandas C, D
e E)
• Abertura do mercado de telefonia fixa a
partir de 2002).
Fonte: Oliveira, 2000.

O processo de mudança no setor de telecomunicações no Brasil pode ser dividido


em três fases, conforme descrito no Quadro 19: preparação do marco regulatório,

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 53/145

liberalização planejada e competição regulada. Os marcos legais da primeira fase,


de preparação para as reformas, foram a aprovação da Emenda Constitucional n o 8,
de 15/08/95, que eliminou a exclusividade de concessão para exploração dos
serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal, e da Lei Mínima das
Telecomunicações (Lei 9.295/96), a qual permitiu o estabelecimento emergencial de
critérios para concessões dos serviços de telefonia móvel celular, os serviços
limitados, os de transporte de sinais de telecomunicações por satélite e os de valor
adicionado.

1.2. O atual marco regulatório

A fase de liberalização planejada teve como marco fundamental a Lei Geral de


Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97). A LGT é composta por quatro partes: o
Livro I, sobre os Princípios Fundamentais, o Livro II, sobre o órgão Regulador, o
Livro III, sobre a organização dos serviços de Telecomunicações, e o Livro IV,
sobre a reestruturação e desestatização das empresas federais de telecomunicações.

O Livro II da LGT criou o órgão regulador, a Anatel (art. 8o), conferindo-lhe o


status de autarquia especial vinculada ao Ministério das Comunicações, “a quem
compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e
para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras” (art. 19o). Entre outras
atribuições, destacam-se a de implementar a política nacional de telecomunicações,
a de elaborar e propor ao Poder Executivo o Plano Geral de Outorgas das áreas de
concessão de telefonia fixa e o Plano Geral de Metas de Universalização e a de
expedir normas, celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação
de serviços nos dois regimes jurídicos definidos no início do Livro III, inclusive
controlar as tarifas dos serviços prestados no regime público.

De acordo com o Título III do Livro II, a Anatel seria constituída de dois
organismos superiores, o Conselho Diretor e o Conselho Consultivo, e, de acordo

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 54/145

com o Título V do Livro II (art. 47o a 53o), suas receitas seriam obtidas a partir do
Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel, Lei 5.070/66, cuja
administração passa a ser exercida pela Anatel), do Fundo de Universalização de
Telecomunicações (Fust, criado pela Lei 9.998/00) e a partir do Orçamento Geral da
União.

No Livro III, de Organização dos Serviços de Telecomunicações, o Título I


reclassifica os serviços de telecomunicações (arts. 62o a 68o da Lei 9.472) quanto à
abrangência de interesses (coletivo ou restrito) e quanto ao regime jurídico (público
ou privado). Os serviços de interesse restrito devem sempre ser prestados em regime
privado, enquanto os de interesse coletivo podem ser explorados concomitantemente
nos dois regimes. O Título II, por sua vez, trata dos Serviços Prestados em Regime
Público, especificamente (i) do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e
da criação do Fust (Capítulo I), (ii) das condições de concessão de exploração,
incluindo a elaboração do Plano Geral de Outorgas (que viria a ser estabelecido
através do Decreto 2.534/98, veja abaixo), dos princípios do modelo tarifário, o qual
prevê a fixação das tarifas no contrato de concessão, veda a aplicação de subsídios
cruzados entre as modalidades de serviços e segmentos de usuários, admite a prática
de descontos não discriminatórios, determina o compartilhamento com os usuários
dos ganhos econômicos decorrentes da modernização (através da adoção de um
regime de price-cap), e possibilita a mudança para o regime de liberdade .vigiada,
após decorridos cinco anos de vigência do contrato, desde que exista efetiva
competição entre os prestadores do serviço, a juízo da Anatel (art. 100); e (iii) das
condições de permissão de exploração daqueles serviços.

O Título III trata das diretrizes de prestação dos serviços no regime privado. Dentre
essas condições, destacam-se (i) a da preferência a ser observada em favor dos
prestados sob regime público, a do respeito aos usuários e a do desenvolvimento
tecnológico e industrial do setor (art. 127) e (ii) a liberdade de preços dos serviços
privados, reprimindo-se apenas a prática prejudicial à competição e o abuso do
poder econômico (art. 129).

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O Livro IV, finalmente, autoriza o Poder Executivo a promover a reestruturação e


desestatização das empresas federais de telecomunicações.

Em abril de 1998, o Decreto no. 2.534 do Poder Executivo aprovou o Plano Geral de
Outorgas (PGO), que fixou os parâmetros gerais para o estabelecimento da
concorrência no serviço telefônico fixo comutado, definindo as áreas regionais de
atuação das empresas prestadoras de serviços (art. 4o, veja Quadro 20). As regiões
definidas pelo PGO serviram de base para a reestruturação do Sistema Telebrás,
com o desmembramento da estatal em três grandes holdings de concessionárias de
serviços locais de telefonia fixa (a Telesp, a Tele Centro-Sul e a Tele Norte-Leste,
sendo mantida a Embratel, nacional), e para a licitação dos termos de autorização
para a operação de empresas “espelho” nas mesmas áreas de atuação das
concessionárias de telefonia fixa oriundas do Sistema Telebrás.

Quadro 20

Regiões Estabelecidas pelo PGO

Região Área Geográfica


I Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas e
Roraima
II Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre
III São Paulo
IV Nacional
Fonte: Plano Geral de Outorgas.

No PGO, estabeleceu-se que as estruturas de mercado para a telefonia fixa, até


2002, seriam as seguintes:

• Telefonia fixa local: duopólio em cada uma das três regiões;

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 56/145

• Telefonia fixa intra-região: competição entre as concessionárias da respectiva


região, a Embratel e sua empresa espelho, no caso, a Intelig;
• Telefonia fixa inter região: duopólio entre a Embratel e a Intelig;
• Telefonia fixa internacional: duopólio entre a Embratel e a Intelig.

Após 2002, prevê-se livre entrada em todas as regiões, mantendo-se parâmetros


regulatórios mínimos (art. 10o).

Com relação à telefonia móvel, a Lei Mínima permitiu a criação de oito


concessionárias de telefonia celular da Banda A, serviço que antes era oferecido
pelas subsidiárias da Telebrás, e definiu, através da licitação da chamada Banda B, a
estrutura de mercado de duopólio. O edital de licitação da Banda B dividiu o país
em dez áreas geográficas de atuação, levando-se em conta o tamanho dos
respectivos mercados (veja Quadro 21). A partir de 2001, o mercado de telefonia
móvel seria aberto, através do leilão das bandas C, D e E.

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Quadro 21

Divisão da Telefonia Celular por Regiões e Participação de Mercado

Áreas Região Empresa Banda A Participaçã Empresa Banda B Participação


o no no Mercado
Mercado
1 SP capital 56,4% BCP 43,6%
TELESP Celular
2 SP interior 78,3% TESS 21,7%
Atl Algar Telecom
3 RJ e ES Tele Sudeste 67,1% 32,9%
Leste
4 MG TELEMIG Celular 80,0% MAXITEL 20,0%
5 PR e SC Tele Celular Sul 86,7% Global Telecom 13,3%
6 RS 84,4% TELET 15,6%
DF, GO, TO, MS, Tele Centro Oeste
7 79,3% AMERICEL 20,7%
MT, RO e AC Celular
AM, AP, PA, MA e NORTE BRASIL
8 Tele Norte Celular 89,7% 10,3%
RR TELECOM
9 BA e SE Tele Leste Celular 66,0% MAXITEL 34,0%
Tele Nordeste
10 PI, CE, RN, PB e AL 69,2% BSE 30,8%
Celular
Fonte: Paste 2000 e BNDES (2000).

1.3. Regulação e competição no setor de telecomunicações

A relação entre a Anatel e a defesa da concorrência é definida de forma explícita no


art. 19o, inciso XIX, da LGT, que atribui à agência a função de “exercer,
relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle,
prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as
pertencentes ao CADE”.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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Tecnicamente, uma das características mais importantes da reestruturação do setor


de telecomunicações no Brasil, para Pires (1997), foi a adoção de um conjunto de
instrumentos regulatórios assimétricos que favoreceram a entrada de novas firmas
no mercado, a fim de incrementar a competição no mercado. O conceito básico foi a
promoção gradual de um ambiente mais competitivo, no qual os desequilíbrios de
mercado são atenuados através da atuação da Anatel, preparando o setor para a
abertura após 2002.

A assimetria regulatória utilizada pela Anatel é caracterizada por cinco critérios:

1. Definição do regime de exploração dos serviços: enquanto as empresas


estabelecidas estão sujeitas ao regime público, serão concedidas às firmas
entrantes, após o término de seus contratos iniciais, autorizações exclusivas
do regime privado. Isso significa, por exemplo, que as metas de
universalização, o controle tarifário e as condições de financiamento são mais
flexíveis para as firmas entrantes.

2. Critério de autorização para expansão das atividades: as estabelecidas estão


impedidas de expandir suas atividades até 2004, enquanto as autorizadas
podem expandir suas atividades já a partir de 2003. As empresas que forem
autorizadas a partir de 2001 não terão que obedecer a nenhuma restrição de
atividade.

3. Incentivo para universalização dos serviços: a antecipação do prazo para a


permissão de entrada em outros setores, que previsto pelo PGO, deverá
ocorrer, na prática, somente para as autorizadas.

4. Possibilidade de diversificação: em contraste com as autorizadas e as


empresas espelho, as concessionárias não poderão adquirir empresas de TV a
cabo e devem constituir subsidiárias para a diversificação dos serviços.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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5. Uso de novas tecnologias: Uma reserva temporária de Mercado foi criada


pela Anatel, até 2001, permitindo apenas às entrantes o acesso à tecnologia
WLL (Wireless Local Loop Technology).

1.4. Regulação e defesa do consumidor no setor de


telecomunicações

Do ponto de vista institucional, a relação entre regulação e defesa do consumidor


aparece em três momentos: no Conselho Diretor (órgão máximo da Anatel), através
da Assessoria de Relações como Consumidor; no Conselho Consultivo, onde
representantes dos consumidores têm direito a assento; e através da Ouvidoria, que
fiscaliza as atividades da Anatel. O papel do consumidor na regulação está definido
principalmente em dois documentos: a própria LGT e o Regimento Interno da
Anatel.

Logo no art. 3o do Livro I (Princípios Fundamentais) da LGT, os direitos dos


consumidores são definidos. Entre os direitos do usuário dos serviços de
telecomunicações, destacam-se: “o acesso aos serviços de telecomunicações, com
padrão de qualidade e regularidade em qualquer ponto do território nacional”, “a
liberdade de escolha de sua prestadora de serviço” de forma não discriminatória, “a
inviolabilidade de sua comunicação”, “ao prévio conhecimento das condições de
suspensão de serviço”, o direito de “resposta às suas reclamações pela prestadora de
serviço” e o de “peticionar contra a prestadora de serviço perante o órgão regulador
e os organismos de defesa do consumidor”. No art. 5o, reafirma-se o princípio
constitucional da defesa do consumidor.

O artigo 8o do Livro II da LGT dota a agência de Conselho Diretor, Conselho


Consultivo, Procuradoria, Corregedoria, Biblioteca e Ouvidoria. O artigo 19o atribui
ao órgão a função de reprimir infrações dos direitos dos usuários (inciso XVIII). O
art. 20º determina que as sessões do Conselho Diretor que se destinam a resolver

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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pendências entre agentes econômicos e consumidores devem ser públicas e poderão


ser gravadas. O Conselho Consultivo será integrado por representantes dos poderes
Executivo e Legislativo e por entidades representativas da sociedade e dos usuários.
O Ouvidor, por fim, será nomeado pelo Presidente da República e terá acesso a
todos os assuntos e produzirá apreciações críticas sobre a atuação da Agência,
encaminhando-as aos Conselhos Diretor e Consultivo, ao Ministério das
Comunicações e aos Poderes Executivo e Legislativo. O Comitê de Defesa dos
Usuários dos Serviços de Telecomunicações, criado pela res. 107/99, inclui um
representante da Ouvidoria. De acordo com o relatório da Ouvidoria de março de
2000, “a interação da Ouvidoria com o Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços
de Telecomunicações possibilitará a adoção de ações conjuntas visando a defesa dos
direitos do cidadão para melhor observar a Instituição com os olhos do usuário”.

As obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de


serviços no regime público serão, de acordo com o art. 79o, reguladas pela Agência,
enquanto o descumprimento dessas obrigações ensejará, segundo o art. 82o, a
aplicação de sanções de multa (que podem ser de até cinqüenta milhões de reais
para cada infração cometida), caducidade ou intervenção, conforme o caso. A
vinculação da política tarifária ao interesse do consumidor é estabelecida nos artigos
105o e 108o, nos quais adota-se o sistema de price-cap para o reajuste da tarifa,
transferindo para os consumidores ganhos econômicos decorrentes de modernização
ou de diminuição de tributos.

O Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução 001 de 17 de dezembro de


1997, em seu título IV (Da Estrutura Organizacional da Agência), vincula à
Presidência do Conselho Diretor da Anatel quatro assessorias, além da Procuradoria
e da Corregedoria: Internacional; Técnica; Parlamentar e de Comunicação Social; e
a de Relações com os Usuários. As atribuições deste último estão no art. 96 do
regimento:

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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I. assistir os órgãos da Agência em relação aos assuntos de defesa e proteção dos


direitos dos usuários;

II. receber, responder ou encaminhar internamente solicitações, queixas ou


comentários por parte de usuários dos serviços de telecomunicações;

III. desenvolver e implementar métodos e procedimentos destinados ao relacionamento


entre a Agência e os usuários dos serviços de telecomunicações.

Como se observa, a Agência toma para si a responsabilidade de defender os


interesses dos consumidores. A esta ação, soma-se a imposição dos planos de metas
de universalização e de qualidade dos serviços prestados no regime público. O
Decreto no 2.592/98 aprovou o PGMU do serviço telefônico fixo comutado prestado
no regime público, enquanto a Resolução no 30/98, aprovou o Plano Geral de Metas
de Qualidade para o mesmo serviço.

As metas de universalização na telefonia fixa envolvem a instalação de 33 milhões


de acessos e de 981 mil telefones públicos, no país, até 2001. Já as metas de
qualidade envolvem metas de qualidade de serviço, de atendimento às solicitações
de reparos, de atendimento às solicitações de mudança de endereço, de atendimento
por telefone ao usuário, de qualidade para telefone de uso público, de informação do
código de acesso ao usuário, de atendimento à correspondência do usuário, de
atendimento pessoal ao usuário, de emissão de contas e de modernização da rede.

O relatório da Ouvidoria de março de 2000 informa que a Central de Atendimento


ao usuário da Anatel recebeu no período de novembro de 1998 a fevereiro de 2000,
222.751 reclamações, queixas ou denúncias. Deste total, 34,4% haviam sido
resolvidos em até 30 dias, 34,1% haviam sido resolvidas em mais de 30 dias, e
31,5% continuavam pendentes. A ampla maioria das reclamações (82,53%) dizia
respeito ao serviço de telefone fixo comutado/público, enquanto 10,11% referiam-se
à telefonia móvel celular.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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O relatório de avaliação das metas de universalização de janeiro de 2001 mostra que


tais metas foram atingidas; com relação às metas de qualidade, entretanto, verificou-
se resultados insatisfatórios em 20 dos 34 quesitos, sendo que em 12 deles os
resultados continuavam insatisfatórios em dezembro de 2000.

2. REGULAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO

2.1. Histórico e antecedentes institucionais

A estrutura institucional do setor elétrico no Brasil sempre foi centralizada,


principalmente após 1964, quando foi criada a Eletrobrás. A estatal transformou-se
em holding das quatro geradoras federais e assumiu as funções de coordenação do
planejamento e da operação e de agente financeiro do setor. O modelo de
financiamento, baseado no tripé recursos do Tesouro, autofinanciamento e recursos
externos, começou a dar mostras de esgotamento a partir das crises do início dos
anos 1980.

A partir de meados da década de 1980, a combinação de diversos fatores, como a


crise financeira da União e dos Estados, a má gestão das empresas de energia
(provocada pela inexistência de órgão regulatório, pela utilização do sistema
tarifário como instrumento de controle inflacionário e por uma estrutura de
incentivos que obstruía a eficiência produtiva), o crescimento contínuo e o
descolamento do consumo de energia elétrica dos ciclos econômicos, precipitou a
implementação de reformas institucionais no setor.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 63/145

Quadro 22

Evolução do Investimento no Setor de Energia Elétrica e o Descolamento entre


Consumo de Eletricidade e o Ciclo Econômico

1971-80 1981-90 1991-93 1993-96


Investimento em R$ bi de 1996, média 10.7 12.6 8.3 5.0
anual de cada período (a)
Investimento como % do PIB, média 2.1 1.5 0.9 0.6
anual de cada período (b)
Adição média anual de capacidade 2.0 2.5 (c) 1.1 1.8
(GW)
Expansão do PIB 8.6 1.5 2.3 3.6
Expansão do consumo de energia 11.8 5.9 3.7 5.1
elétrica
Fonte: Bielschowsky (1998), Eletrobrás. (a) na média de 1996, um real = um dólar. (b) preços constantes de 1995.
(c) inclui parte paraguaia de Itaipu.

O Quadro 22 ilustra o impacto desses fatores sobre o investimento no setor elétrico.


Observa-se que enquanto os investimentos no setor, tanto em termos absolutos
quanto como percentagem do PIB, diminuíam, a expansão do consumo sempre se
mostrou significativamente superior à expansão do PIB.

As primeiras medidas neste sentido começaram a ser tomadas a partir do início dos
anos 1990, mas a configuração mais consistente de um novo modelo só apareceu a
partir de 1998, com a Lei 9.648/98. As principais medidas regulatórias que
antecederam a configuração do novo modelo regulatório são as seguintes:

• Lei 8.631/93, que extinguiu o regime de remuneração garantida (vide artigo 7o),
promoveu o encontro de contas entre empresas estatais e governos (parágrafo 3o
do referido artigo) e autorizou as empresas concessionárias de distribuição a
celebrarem contratos de suprimento com as fornecedoras com base em tarifas

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 64/145

diferenciadas (artigo 14o). Os objetivos dessas mudanças eram o de eliminar os


subsídios cruzados, estancar a fonte da dívida do governo central para com as
concessionárias e evitar o estímulo a uma situação de sobre-oferta de energia.

• Decretos 915/93 e 1.009/93, que permitiram a formação de consórcios de


geração hidrelétrica entre concessionárias e auto-produtores e criaram o Sistema
Nacional de Transmissão de Energia Elétrica (Sintrel), o qual permitiu o livre
acesso à malha federal de transmissão, embora sem definir, o mecanismo de
tarifação.

• Decreto 1.503/95, que incluiu o sistema Eletrobrás no Programa Nacional de


Desestatização.

• Leis 8.987/95 (Lei das Concessões) e 9.074/95, as quais (i) viabilizaram o início
da privatização no setor (com a venda da Escelsa em 1995 e da Light em 1996),
(ii) dispuseram sobre o regime concorrencial na licitação das concessões para
projetos de geração e transmissão de energia elétrica, estabelecendo o prazo de
30 anos para as concessões de distribuição e transmissão e 35 anos para as de
geração (vide artigo 4o da lei 9.074), (iii) criaram a figura do produtor
independente de energia elétrica (vide artigo 11o da referida Lei), estabelecendo
a possibilidade de os consumidores livres13 terem direito à contratação de energia
de produtores independentes e, após cinco anos, de qualquer concessionária de
energia (artigos 15o e 16o).

13
Isto é, todo aquele consumidor que tenha carga igual ou superior a 10MW e que sejam atendidos em tensão igual
ou superior a 69 KV que optarem por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente
de energia elétrica.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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2.2. O novo marco regulatório

A Lei 9.427/97, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Lei
9.648/98 inauguraram uma nova fase na regulação do setor.

A Lei 9.427/96 conferiu à Aneel o status de autarquia especial vinculada ao


Ministério de Minas e Energia, atribuindo mandato aos gestores e as funções de
regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica, ao órgão. O artigo 11o da referida lei instituiu a Taxa de
Fiscalização sobre Serviços de Energia Elétrica, que, juntamente com os recursos
oriundos do Orçamento Fiscal da União, constituem as principais fontes de receitas
da Aneel. Os artigos 20o, 21o, e 22o procuram estimular a descentralização do
exercício regulatório por intermédio do estabelecimento de convênios entre a Aneel
e as agências estaduais. Complementada pela Lei 9.648/98, a Lei 9.427/96
estabeleceu regras para coibir a concentração de mercado de forma articulada com a
Secretaria de Direito Econômico.

Paralelamente, o processo de privatização foi intensificado, inicialmente focado nas


empresas de distribuição. Além de vender as distribuidoras federais Light/RJ e
Escelsa/ES, o governo federal criou o PEPE – Programa de Estímulo às Privatização
Estaduais – o qual estimulou a privatização de empresas distribuidoras estaduais
através de antecipações de recursos do BNDES. Como resultado desse esforço, até o
início de 2000, 17 empresas de distribuição, representando cerca de 65% do
mercado nacional de distribuição, já haviam sido privatizadas – com participação
expressiva de grupos norte americanos e europeus. Entre as empresas privatizadas,
destacam-se, além das federais citadas, as paulistas CPFL, Metropolitana, Elektro e
Bandeirante e a baiana Coelba.

Com relação ao segmento de geração, até o início de 2000, quatro empresas já


haviam sido privatizadas (Cachoeira Dourada/GO, Gerasul/SC, Paranapanema/SP e
Tietê/SP), representando aproximadamente 17% do mercado nacional. Conforme

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determinação da lei 9.648/98 (artigo 5o), o governo vem tentando promover as


cisões de Furnas (duas geradoras e uma transmissora), Chesf (três geradoras e uma
transmissora) e da Eletronorte (duas geradoras isoladas, uma geradora integrada,
duas transmissoras isoladas e uma transmissora integrada), para posterior
privatização. No âmbito estadual, espera-se a venda da estadual paulista Cesp
Paraná, empresa que detém 16,4% do mercado nacional de geração. O Quadro 23
apresenta o processo de privatização do setor elétrico brasileiro entre 1995 e 1999.

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Quadro 23

Processo de Privatização do Setor Elétrico Brasileiro (1995 – 1999)

Empresa Ano da Venda Principais acionistas Participação no mercado


nacional (%)
I. Distribuição Sul-Sudeste-Centro-Oeste
1. Escelsa/ES 1995 Iven (BR), GTD (BR) 2,2
2. Light/RJ 1996 EDF (FR), AES (EUA), 9,0
Houston (EUA)
3. Cerj/RJ 1996 Endesa (CHI), Chilectra 2,4
(CHI), Endesa (ESP), EDP
(POR)
4. RGE/RS 1997 VBC (BRA), CEA (EUA) 1,9
5. AES Sul/RS 1997 AES (EUA) 2,4
6. CPFL/SP 1997 VBC (BRA), Bonnaire 7,1
(BRA)
7. Enersul/MS 1997 Iven (BRA), GTD (BRA) 1,0
8. Cemat/MT 1997 Grupo Rede/Inepar (BRA) 0,95
9. Metropolitana/SP 1998 EDF (FRA), AES (EUA), 13,7
Houston (EUA)
10. Elektro/SP 1998 Enron (EUA) 4,1
11. Bandeirante/SP 1998 VBC (BRA), Bonaire (BRA, 9,2
EDP (POR)
II. Distribuição Norte-Nordeste
12. Coelba/BA 1996 Iberdrola (ESP), Previ 3,3
(BRA)
13. Energipe/SE 1997 Cataguases (BRA), CMS 0,6
(EUA)
14. Cosern/RN 1997 Iberdrola (ESP), Previ 0,9
(CHI)
15. Coelce/CE 1998 Endesa (CHI), Chilectra 1,9
(CHI), Endesa (ESP), EDP
(POR)
16. Celpa/PA 1998 Grupo Rede/Inepar (BRA) 1,2
17. Celpe/PE 2000 Iberdrola (ESP, Previ 2,4
(BRA)
III. Geração
18. Cachoeira Dourada/GO 1996 Endesa (CHI) 0,03
19. Gerasul/SC 1998 Tractebel (BEL) 6,8
20. Paranapanema/SP 1999 Duke Energy (EUA) 4,9
21. Tietê/SP 1999 AES (EUA) 5,6
Fonte: Pires (2000).

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2.3. Regulação e defesa da concorrência no setor elétrico

Segundo Pires (2000), a política de promoção da competição na geração e


comercialização de energia elétrica adotada pelo governo envolve dois pontos
principais:

(i) Na geração, o estímulo à entrada de novos agentes, através de alterações nos


critérios de licitação para construção de novas plantas (vide alterações na Lei
8.987 promovidas pelo artigo 2o da Lei 9.648) e da possibilidade, a critério da
Aneel, de “extensão do regime de produção independente para os casos de
privatização de empresa detentora de concessão ou autorização de geração de
energia elétrica” (Pires, 2000, p.18, vide alterações promovidas na Lei 9.047
pelo artigo 3o da lei 9.648);

(ii) Na comercialização, o estímulo à livre escolha do fornecimento de energia


por parte dos grandes consumidores. Nesse sentido, a Lei 9.648/98 (vide
artigos 10o e 12o) criou o Mercado Atacadista de Energia (MAE), o qual foi
regulamentado pelo Decreto 2.655/98 (vide capítulo IV, artigos 12o a 23o).
No âmbito do MAE se processam a compra e a venda de energia elétrica entre
seus participantes, tanto através de contratos financeiros de curto prazo
(mercado spot14) como de longo prazo (contratos bilaterais), tendo como
limites os sistemas interligados S/SE/CO e N/NE.

O Acordo de Mercado do MAE, previsto na Lei 9.648 e no Decreto 2.655,


determina que os participantes do MAE são: (i) as usinas geradoras com
capacidades instaladas iguais ou superiores a 50 MW, os distribuidores de energia
com mercado igual ou superior a 100 GWh/ano, os titulares de autorização para
importação ou exportação de energia elétrica em montante igual ou superior a 50
MW. A participação dos demais titulares de concessão ou autorização para

14
Segundo previsões do governo, o total de energia a ser comercializada no mercado spot não deve ultrapassar de
10% a 15% do total de energia transacionada no MAE, em virtude da oscilação do preço da energia.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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exploração de serviços de geração, distribuição, importação ou exportação de


energia elétrica, e dos consumidores livres é facultativa.

Para diminuir os riscos hidrológicos decorrentes dos efeitos da otimização


centralizada do sistema sobre os níveis de geração de cada usina participante do
MAE, foi instituído o MRE – Mecanismo de Realocação de Energia. O MRE
consiste em um mecanismo financeiro de compartilhamento de riscos hidrológicos,
segundo o qual as hidrelétricas que produzem energia em excesso, sob uma tarifa
regulada (tarifa de otimização) vendem energia às usinas que tenham gerado aquém
da energia assegurada.

Por outro lado, para diminuir os efeitos de um possível choque nos preços da
eletricidade decorrente da implantação do MAE, o governo estabeleceu um período
de transição, no qual vigorariam contratos iniciais entre geradores e compradores,
como duração de nove anos. Durante este período, nos primeiros 5 anos (até 2003),
a competição no segmento de geração ficará restrita a toda a energia nova que for
acrescida ao sistema pelos novos investimentos. Após essa data, a concorrência nos
demais segmentos será gradualmente estimulada.

Com relação à transmissão, as atividades de coordenação e controle da operação da


geração e transmissão da energia elétrica nos sistemas interligados passaram a ser
executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), pessoa jurídica de
direito privado integrada por titulares de concessão, permissão ou autorização e
consumidores15 (vide art. 13o da Lei 9.648), a quem foram transferidas as atividades
e atribuições anteriormente exercidas pelo Grupo Coordenador para Operação
Interligada (GCOI), cuja coordenação era anteriormente efetuada pela Eletrobrás.

15
Segundo o art. 7o do Estatuto do ONS, ele será constituído por membros associados (agentes de geração com
usinas despachadas centralizadamente, agentes de transmissão, agente importador, agente exportador, agentes de
distribuição e os consumidores livres) e membros participantes (o Ministério das Minas e Energia e os conselhos
dos consumidores).

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Cabe ao ONS o controle operacional da rede básica, a qual foi definida pela
resolução 66/99 da Aneel como todas as linhas de empresas do setor elétrico em
tensões de 230 kV ou superiores. Por meio de um contrato de Prestação de Serviços
de Transmissão (CPST), os proprietários das redes básicas de transporte fazem uma
cessão de direitos de controle operacional dos seus ativos para o ONS, mediante o
pagamento de receitas que lhe remuneram os custos e os investimentos realizados.

Outras medidas tomadas para estimular a concorrência no setor visaram a


obrigatoriedade do livre acesso às redes de transporte (transmissão e distribuição), a
definição de tarifas não discriminatórias de uso e conexão.

Com relação à rede básica, a metodologia aplicada à cobrança de tarifas de uso das
instalações de transmissão, componentes da rede básica e dos sistemas de
distribuição pretende evitar o risco de ocorrência do fenômeno de pancaking16
através da definição de valores de tarifas de acesso de acordo com critérios “por
zona” e fazer com que as tarifas emitam sinais econômicos para a localização ótima
de investimentos e de grandes consumidores.

No que se refere à rede não básica, estabeleceu-se um regime de revenue-cap, no


qual a receita permitida inicial seria reajustada pela variação inflacionária menos
um fator de eficiência para estimular ganhos de produtividade.

Com relação à prevenção de abuso do poder dominante, a Aneel, adotou três


mecanismos básicos: a desagregação vertical (obtida através da fragmentação da
Chesf, de Furnas e da Eletronorte e de algumas estaduais, como a Cesp), a
separação contábil (que se realizou em algumas empresas com capacidade de
geração expressiva que não efetuarem separação estrutural, tais como a Cemig/MG
e a Copel/PR) e a ação preventiva e de monitoramento dos atos de concentração de
mercado.

16
O fenômeno de Pancaking é definido como aquele no qual o preço final das “tarifas de pedágio” torna-se maior
do que o valor da transação efetuada, inviabilizando-a economicamente.

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Nesse sentido, a Resolução 94/98 estipulou uma série de limites à composição


acionária, à propriedade cruzada e à política de compra de energia entre os agentes.
Segundo essa resolução, é vedado aos agentes de mercado: (i) deter mais do que
20% da capacidade instalada nacional ou 25% e 35%, respectivamente, da
capacidade existente nos sistemas interligados S/SE/CO e N/NO; (ii) deter mais do
que 20% do mercado nacional de distribuição ou 25% e 35%, respectivamente, do
mercado de distribuição dos sistemas interligados S/SE/CO e N/NO; (iii) possuir
participação cruzada na geração e distribuição que resulte em percentual superior a
30% considerando-se o somatório aritmético da participação nos dois mercados.

A regulação do setor elétrico prevê uma redução progressiva do segmento de


consumidores cativos, porém em um ritmo bastante suave quando comparado com a
experiência de outros países17. Como o percentual de consumidores cativos (os quais
não têm acesso ao MAE) se manterá elevado no Brasil por alguns anos ainda, a
importância da regulação tarifária é ainda mais destacada. Para coibir o abuso do
poder econômico das empresas distribuidores que gozam de mercados cativos, a
Aneel adotou três medidas básicas: (i) reversão dos ganhos no MAE para os
consumidores, por meio dos “Valores Normativos”, definidos por tipo de energia,
que limitam o repasse dos preços livremente negociados na aquisição de energia no
mercado de atacado, para as tarifas de fornecimento cobradas do consumidor cativo;
(ii) regulação tarifária com base no regime price-cap para as tarifas de fornecimento
cobradas do consumidor final; e (iii) adoção de cláusulas de fiscalização da
qualidade dos serviços nos contratos de concessão das distribuidoras. Com relação a
essas últimas, o enfoque dos contratos de concessões dos distribuidores incide
principalmente na manutenção dos níveis atuais de fornecimento em padrões de
qualidade adequados, ao invés de incidir sobre metas de universalização. Isto
decorre do fato de que os níveis de atendimento já são relativamente elevados.

17
A partir de meados de 2000, todos os consumidores com carga mínima de 3MW e atendidos em tensão igual ou
superior a 69 KV puderam iniciar a comercialização de energia no âmbito do MAE. Já a partir de 2003, a Aneel
poderá estabelecer reduções desses limites para aumentar, assim, a abrangência de consumidores com essa opção.

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Sintetizando, Pires (2000) vislumbra que, no curto prazo, a competição no setor


elétrico no Brasil será bastante reduzida, por conta das necessidades de preservação
do caráter coordenado do despacho do sistema hidráulico brasileiro e de intervenção
governamental para suprir a ausência de investimentos.

No segmento da geração, a competição entre as hidrelétricas na prática não existe: o


regime de cooperação é consubstanciado no MRE, como visto anteriormente.
Considerando o preço internacional do gás natural, a construção de usinas
termelétricas não deve alterar o quadro. Seu aproveitamento deverá ser apenas
complementar ao das usinas hidrelétricas. A possibilidade de ocorrência de déficit
de energia elétrica no curto prazo fez com que a estratégia de liberalização do
mercado elétrico sofresse um retrocesso, com a Aneel e o BNDES tomando uma
série de medidas de estímulo ao investimento e de proteção para mitigar aquele
risco, tais como a autorização concedida à Eletrobrás para atuar como
comercializadora de energia, celebrando contratos de compra antecipada de energia
com os investidores em geração térmica, denominados Power Purchase Agreement
(PPA). No segmento de transmissão, o risco de concentração de mercado e da
apropriação de rendas de congestão ainda persiste, apesar da atuação da ONS.
Dificuldades políticas e legais obstruem o andamento do processo de
desverticalização da Chesf e de Furnas.

Pires (2000) considera, portanto, necessário “aprofundar a utilização de


instrumentos de defesa da concorrência, sob pena de não se viabilizar a introdução
progressiva de competição”, tal como vem fazendo a Aneel. Algumas medidas
sugeridas pelo autor incluem o desenvolvimento e a ampliação do MAE, o
aprofundamento do processo de desverticalização na geração e na transmissão, a
articulação da Aneel com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o CADE para a
regulação do mercado de gás natural, a adoção de mecanismos de regulação por
desempenho e o desenvolvimento de sistemas de medição independentes dos
realizados pelas empresas.

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2.4. Regulação e defesa do consumidor no setor elétrico

Três características distinguem o papel do consumidor na regulação do setor


elétrico: (i) a divisão entre consumidores livres e consumidores cativos; (ii) a
atuação do Diretor Ouvidor da Aneel; e (iii) a atuação dos Conselhos de
Consumidores na ONS.

Cronologicamente, a participação do consumidor na regulação do setor aparece na


legislação já a partir da Lei 8.631 de 1993 (que dispôs sobre a fixação dos níveis das
tarifas para o serviço público de energia elétrica e extinguiu o regime de
remuneração garantida), a qual antecipava essa participação através do artigo 13o, o
qual determina que “o concessionário de distribuição de energia elétrica criará no
âmbito de sua área de concessão ‘Conselhos de Consumidores’ de caráter
consultivo, composto por igual número de representantes das principais classes
tarifárias, voltado para orientação, análise e avaliação das questões ligadas ao
fornecimento, tarifas e adequacidades dos serviços prestados ao consumidor final”.

Direitos básicos dos consumidores de serviços públicos em geral foram dispostos na


Lei 8.987 de 1995, cujo capítulo III (art. 7o), “Dos Direitos e Obrigações dos
Usuários” garante aos consumidores, entre outros, os direitos de “receber serviço
adequado18”, “informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos”,
“liberdade de escolha entre os vários prestadores de serviços, quando for o caso” e
“levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de
que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado”.

A Lei 9.074 de 1995, como visto, dividiu os consumidores em dois grupos: os


consumidores livres (isto é, aqueles que demandam energia elétrica com carga igual
ou maior do que 3.000 KW e são atendidos em tensão igual ou superior a 69 KV),
os quais podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com

18
isto é, aquele que “satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas” (art. 6o).

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produtor independente de energia elétrica no âmbito do MAE, e os consumidores


cativos. O subconjunto de consumidores livres deve aumentar gradativamente ao
longo dos próximos anos, com a redução da carga mínima de 10.000 KW para poder
fazer parte do grupo.

Por sua vez, a Lei 9.427 de 1996, que cria a Aneel, determina no artigo 17o que “a
suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a
consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade
sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público
local ou ao Poder Executivo Estadual”, o qual deve tomar medidas para preservar a
população dos efeitos da suspensão do fornecimento de energia, sem prejuízo das
ações de responsabilização pela falta de pagamento que motivou a medida.

A Estrutura Regimental da Aneel, aprovada pelo decreto 2.355 de 1997, afirma, em


seu artigo 4o, que compete à Aneel, entre outras atribuições, “dirimir, no âmbito
administrativo, as divergências entre concessionários, permissionários, autorizados,
produtores independentes e autoprodutores, entre esses agentes e seus
consumidores, bem como entre os usuários dos reservatórios de usinas hidrelétricas”
(item XIX). No mesmo documento, o art. 5o define a estrutura básica da Aneel,
como composta de Diretoria, Procuradoria Geral e Superintendência de Processos
Organizacionais, sendo que a estruturação desta última deverá contemplar (art. 6o) a
consulta aos agentes, aos consumidores e à sociedade, o atendimento de
reclamações de agentes e consumidores, a informação e educação institucionais dos
agentes e consumidores e a comunicação com os agentes setoriais, consumidores e
demais segmentos da sociedade.

Ainda de acordo com a Estrutura Regimental, a diretoria será composta por um


Diretor Geral e quatro diretores (art. 9o), sendo que um deles será incumbido da área
de atendimento de reclamações de agentes e consumidores, sendo-lhe atribuída a
responsabilidade final pela cobrança da correta aplicação de medidas pelos agentes
no atendimento às reclamações (par. 1o).

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O art. 14o especifica que as “ações de proteção e defesa do consumidor de energia


elétrica serão realizadas pela Aneel, observado, no que couber, o disposto no
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei no. 8.078 de 1990,
na Lei 8.987 de 1995 e no Decreto 2.181 de 1997”. O parágrafo único do referido
artigo especifica que para o aperfeiçoamento de suas ações, “a Aneel deve articular-
se com as entidades e os órgãos estatais e privados de proteção e defesa do
consumidor”. Finalmente, o art. 21o da estrutura regimental afirma que processos
decisórios que implicarem efetiva afetação de direitos dos agentes econômicos do
setor elétrico ou dos consumidores, decorrente de ato administrativo da Agência ou
de anteprojeto de lei proposto pela Aneel devem ser precedidos por audiências
públicas.

A Estrutura Regimental da Aneel é detalhada no Regimento Interno da Aneel,


aprovado pela resolução no 349 de 1997. Neste documento, os arts. 5o e 23o
associam “a regulação econômica de mercado e o estímulo à competição à
Superintendência de Regulação Econômica e à Superintendência de Estudos
Econômicos do Mercado”; e “as relações com o mercado e ouvidoria à
Superintendência de Mediação Administrativa Setorial e à Superintendência de
Comunicação Social”.

A seção III do Regimento Interno é toda dedicada às atribuições do Diretor Ouvidor.


Apoiado pela Superintendência de Mediação Administrativa Setorial o Diretor
Ouvidor está incumbido de “zelar, diretamente ou por meio dos órgãos estaduais
descentralizados e conveniados, pela qualidade do serviço público de energia
elétrica e supervisionar o acompanhamento da satisfação dos agentes e dos
consumidores, segundo padrões regionais; receber, apurar e solucionar, diretamente
ou por meio dos órgãos estaduais descentralizados e conveniados, as reclamações
dos usuários de energia elétrica, por meio de processos de trabalho e decisão
apropriados; coordenar as ações de proteção e defesa dos consumidores de energia
elétrica, de incumbência da Aneel; (...) e contribuir para a implementação de
mecanismos de compartilhamento com a sociedade nos processos organizacionais

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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ligados à regulação” (art. 17o). O parágrafo único do mesmo artigo afirma que o
Diretor Ouvidor “será o responsável final pela cobrança da correta aplicação de
medidas estabelecidas para cada agente, no atendimento às reclamações de
consumidores e demais envolvidos”.

Na Lei 9.648 de 1998, que cria o MAE e o ONS, a proteção do consumidor aparece
no art. 12o, no qual se atribui à Aneel a definição das regras de participação no
MAE, bem como os mecanismos de proteção ao consumidor. O MAE é
regulamentado e as regras do ONS são definidas no Decreto 2.655 de 1998. Neste,
determina-se que um dos membros participantes do ONS será “os representantes
indicados pelo Conselho de Consumidores, constituídos na forma da Lei no. 8.631
de 1993”, isto é, de acordo com o art. 13o visto no início desta subseção.
Finalmente, o Estatuto do ONS, em seu art. 7o, divide os seus constituintes em
membros associados (que incluem os agentes de geração, de transmissão, de
importação, de exportação, de distribuição e os consumidores livres) e membros
participantes (que incluem o Ministério das Minas e Energia e os Conselhos de
Consumidores). Ao contrário dos representantes dos consumidores livres, os
Conselhos de Consumidores, de caráter consultivo, não terão direito a voto na
Assembléia Geral do órgão, a qual delibera as decisões que lhe são encaminhadas
pelo Conselho de Administração.

Finalmente, a Resolução 456 de 29/11/00, que “estabelece , de forma atualizada e


consolidada, as condições gerais de fornecimento de energia elétrica”, detalha, entre
outras regulamentações, as tarifas e as responsabilidades das concessionárias de
energia elétrica. Com base nessa resolução, a ANEEL fez circular, em 27 de outubro
de 2000, um informativo que descreve 27 direitos do consumidor, e que se encontra
em anexo.

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3. REGULAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO

3.1. Histórico e antecedentes institucionais

a) Instituição e crise do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento): 1971 – 1992

A política de saneamento básico que vigorou no país entre 1971 e 1992


consubstanciava-se no PLANASA (Plano Nacional de Saneamento), o qual
priorizava os investimentos destinados à universalização do serviço de saneamento
básico nos núcleos urbanos.

O plano centralizava as funções normativa, fiscalizadora e de financiamento no


BNH (Banco Nacional de Habitação), no âmbito do governo federal. As principais
fontes de recursos eram o FGTS e o Orçamento Fiscal. Os estados, por sua vez,
deveriam fortalecer as CESBs e constituir Fundos de Financiamento de Água e
Esgoto – FAEs, estaduais. Os municípios que não concedessem seus serviços às
CESBs ficariam excluídos do acesso aos recursos do PLANASA. Adicionalmente, o
PLANASA também contou com recursos de empréstimos externos do BIRD, do
BID e do KFW, do governo alemão.

As tarifas cobradas pelas CESBs deveriam cobrir todos os custos, incluindo uma
remuneração (taxa de retorno) compatível com a sustentação financeira do setor e
uma taxa administrativa. O PLANASA instituiu um sistema de subsídios cruzados
entre categorias de consumidores (por exemplo, indústrias e comércio subsidiavam
usuários residenciais) e entre faixas de consumo (fazendo com que usuários de
maior consumo subsidiassem usuários de menor consumo). Da mesma forma, o
subsídio cruzado foi estendido aos municípios de menor rentabilidade através da

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adoção de uma tarifa estadual única19. Na prática, as regiões metropolitanas e as


capitais transferiam recursos para as cidades menores e do interior.

Esse sistema criava algumas distorções de ordem alocativa. Por exemplo, através
dele, uma família numerosa subsidiava um casal sem filhos, cujo consumo de água
era menor, mas cuja renda familiar era maior. Entretanto, esse sistema possibilitou a
ampliação e a realização de investimentos durante toda a década de 1970, atingindo
o ápice nos primeiros anos da década de 1980, conforme mostra o Quadro 24.

A crise dos primeiros anos da década de 1980, entretanto, também afetou o


PLANASA. A partir de 1982, os recursos do FGTS começaram a diminuir, os
estados não podiam mais alocar recursos para os FAEs, e os investimentos em
saneamento básico começaram a cair. Nesse quadro de escassez de financiamento,
os problemas do PLANASA começaram a aparecer. Em primeiro lugar, a não-
adesão de algumas cidades grandes, principalmente no Rio Grande do Sul (onde a
capital Porto Alegre e outras cidades grandes, como Caxias do Sul não aderiram),
dificultava o equilíbrio financeiro de algumas CESBs.

19
No início, essa tarifa era fixada de acordo com critérios estabelecidos pelo BNH; a partir de 1978, o CIP
(Conselho Interministerial de Preços) e o Ministério do Interior também passaram a influenciar a tarifa, sendo que a
decisão final cabia a este último.

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Quadro 24

Saneamento Básico: Investimentos Realizados – PLANASA – 1971 – 1991


(milhões de dólares)

Ano Aplicação de recursos Origem dos recursos


Água Esgotos Total FGTS FAE Outros Total
1971 51,8 3,7 55,5 21,7 19,4 14,4 55,5
1972 90,3 40,5 130,8 41,2 42,7 46,9 130,8
1973 230,4 62,8 293,2 106,5 103,2 83,5 293,2
1974 195,2 114,1 309,3 104,2 107,9 97,2 309,3
1975 325,6 121,9 447,5 183,0 157,3 107,2 447,5
1976 386,8 116,6 503,4 223,3 236,7 43,4 503,4
1977 487,1 157,6 644,7 285,4 320,0 39,3 644,7
1978 523,4 254,6 778,0 341,6 366,7 69,7 778,0
1979 467,9 307,1 775,0 362,3 368,9 43,8 775,0
1980 599,4 241,8 841,2 365,1 332,6 143,5 841,2
1981 851,5 342,0 1.193,5 602,0 509,8 81,7 1.193,5
1982 702,5 337,8 1.040,3 556,0 403,8 80,5 1.040,3
1983 448,7 156,0 604,7 380,2 172,4 52,1 604,7
1984 300,1 80,0 380,1 236,1 113,6 30,4 380,1
1985 442,3 166,6 608,9 463,4 135,4 10,1 608,9
1986 383,1 252,5 635,6 359,4 150,5 125,7 635,6
1987 478,1 401,4 879,5 568,9 186,1 124,5 879,5
1988 705,9 449,8 1.155,7 960,3 153,2 42,2 1.155,7
1989 476,9 282,1 759,0 677,0 58,0 24,0 759,0
1990 607,9 297,2 905,1 826,0 0,0 79,1 905,1
1991 472,0 143,3 615,3 530,6 0,0 84,7 615,3
Total 9.226,9 4.329,4 13.556,3 8.194,2 3.938,2 1.423,9 13.556,3
Fonte: Abicalil (1998), a partir de dados da SEPURB/MPO.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 80/145

Depois, a necessidade de conter a inflação, especialmente a partir dos anos 1980,


fez com que o Governo Federal, através do CIP, adotasse uma política de contenção
das tarifas de serviços públicos, agravando a fragilidade financeira das CESBs. A
própria política tarifária, baseado nos custos dos serviços, não contribuía para a
eficiência do sistema.

Quadro 25

Investimento em Saneamento Básico como % do PIB, 1971 – 1997

Período Investimento em SB (% do PIB)


1970 – 1979 0,34
1980 – 1989 0,28
1990 – 1994 0,10
1995 – 1997 0,17
Fonte: Abicalil (1998), com base em SEPURB, PMSS e SNIS/PMSS.

Neste mesmo período, o investimento em saneamento básico como porcentagem do


PIB começou a declinar, como mostra o Quadro 25. Isto significa uma queda da
importância relativa do investimento no setor a partir de meados da década de 1980.

Fatores de ordem política também agravaram a crise do PLANASA. Em 1979 foi


permitido o acesso dos municípios autônomos aos recursos do PLANASA, e foi
criado um novo programa, o PROSANEAR, destinado a comunidades urbanas de
baixa renda, contando com recursos oriundos de empréstimos do BIRD, no valor de
US$ 80 milhões. Com a Constituição de 1988, o Congresso passou a influir na
definição e alocação dos recursos previstos pelo Orçamento Geral da União,
pulverizando os investimentos na rubrica saneamento geral, de acordo com as
emendas dos parlamentares.

Do ponto de vista institucional, após a extinção do BNH, em 1986, a


responsabilidade pelo PLANASA foi sendo transferida sucessivamente para o

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 81/145

Ministério de Desenvolvimento Urbano (MDU), Ministério de Habitação,


Urbanismo e Meio Ambiente (MHU), Ministério do Bem Estar Social (MBES) e,
finalmente, para o Ministério de Ação Social (MAS), o qual, por sua vez, foi extinto
em 1992.

b) A transição dos anos 90

A década de 1990 se iniciou sob o governo Collor, que incluiu metas de


universalização do serviço de saneamento básico em seu Plano Plurianual (PPA).
Após o impeachment de Collor, o PPA foi revisto pelo Governo Itamar Franco, que,
no entanto, manteve as metas de universalização do serviço de saneamento contida
no plano de seu antecessor.

O Plano de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), instituído em 1993 pelo


Governo Itamar Franco com verbas do BIRD, reordenou financeiramente o setor e
introduziu os conceitos de descentralização decisória, flexibilização da prestação de
serviços (como ampliação da participação do setor privado na prestação dos
serviços e no financiamento dos investimentos) e estímulos à competição no setor.
Esses conceitos constituem a base da Política Nacional de Saneamento, formulada
em 1995, já no âmbito da Secretaria de Política Urbana do Ministério do
Planejamento e Orçamento (SEPURB-MPO), e ainda em vigor.

As ações da política de saneamento compreendem três eixos estratégicos,


interdependentes e complementares: (i) modernização; (ii) retomada de
investimentos e novo padrão de financiamento; e (iii) ações compensatórias, que
focalizem o atendimento às demandas da população de baixa renda.

Entre as principais ações previstas para a modernização estão a instituição de


legislações adequadas e a estruturação do poder público para o exercício das
funções de regulação e controle nos três níveis de governo. A modernização implica
no fim do sistema de subsídios cruzados e a adoção de uma política que aproxime as

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 82/145

tarifas do custo efetivo do serviço de saneamento prestado. Entre os instrumentos


criados para esta finalidade, destaca-se a institucionalização do Sistema Nacional de
Informações em Saneamento, (SNIS).

Os principais instrumentos para a execução desses objetivos são o PMSS (cujos


recursos provêem do BIRD), o PRÓ-SANEAMENTO (FGTS), o FCP-SAN
(Programa de Financiamento a Concessionários Privados de Saneamento, instituído
em 1998, também com recursos do FGTS, com o objetivo de financiar
investimentos em concessões operadas por agentes privados), o PQA-SEPURB
(Programa de Qualidade da Água, com recursos do BIRD), o PROGEST (Programa
de Apoio à Gestão de Resíduos Sólidos) e o PNCDA (Plano Nacional de Combate
ao Desperdício de Água), ambos com recursos do Orçamento Geral da União
(OGU). 20

Para a retomada dos investimentos em saneamento, o governo federal reabriu as


contratações com recursos do FGTS, suspensas desde 1991 e reestruturou os
mecanismos de financiamento. Com isso, o governo federal viabilizou investimento
em saneamento no valor total de R$ 5,6 bilhões no período entre 1995 e junho de
1998, entre recursos financiados, fiscais e contrapartidas (veja Quadro 26). O
governo federal também está promovendo o fortalecimento da integração entre os
órgãos definidores das políticas e as agências financiadoras, tais como CEF,
BNDES e BNB, especialmente.

20
Calmon, Amparo, Morais e Fernandes (1999) analisam as características dos principais programas
governamentais de incentivo ao saneamento básico.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 83/145

Quadro 26

Principais Programas de Saneamento: Investimentos Realizados –


Janeiro/1995 – Outubro/1998 (R$ milhões)

Programa
Valor do Empréstimo Valor da Valor do
ou Repasse Contrapartida Investimento
PRÓ-SANEAMENTO 2.657,2 945,9 3.603,1
PASS 758,3 174,1 932,4
PROSEGE 225,2 70,3 295,5
PMSS 206,0 220,0 426,0
PQA 4,3 0,8 5,1
PNDCA 0,9 0,2 1,1
PROGEST 0,4 0,5 0,9
TOTAL 3.852,3 1.411,8 5.264,1
Fonte: Calmon, Amparo, Morais e Fernandes (1999)/SEPURB-MPO.

Com relação ao eixo das políticas compensatórias, concentrou-se o atendimento aos


déficits de prestação de serviços de saneamento nos segmentos sociais de menor
renda e nas regiões menos desenvolvidas, especialmente no que se refere aos
serviços de esgotamento sanitário, através dos recursos do PRÓ-SANEAMENTO.
Destaca-se que em 1997, os investimentos em esgotamento sanitário superaram
aqueles em abastecimento de água pela primeira vez desde o estabelecimento do
PLANASA. O principal programa que viabiliza as ações compensatórias é o PASS
(Programa de Ação Social em Saneamento, criado em 1996, com recursos do OGU,
BID e BIRD)21, complementado pelos programas PROSANEAR e PROSEGE.

Adicionalmente aos três eixos mencionados, a Política Nacional de Saneamento


estabeleceu as seguintes metas de eficiência:

21
O PASS atende especialmente municípios ligados ao Programa Comunidade Solidária.

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EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 84/145

• Redução do nível médio das perdas de faturamento para 30%, assegurada a


melhoria de no mínimo 25% no índice médio de cada região.

• Elevação dos níveis de macro e micromedição para 90%.

• Edição e/ou revisão das normas técnicas para implantação de sistemas de


abastecimento de água e de instalações hidráulicas em edificações,
estimulando a adoção de métodos, técnicas e equipamentos que visem à
redução dos desperdícios de água.

3.2. O novo marco regulatório

Arretche (1999) sintetiza o atual estágio do processo de reestruturação do setor de


saneamento básico no Brasil:

“...considero que está em curso no Brasil, na área de saneamento, um


processo de reforma sem reforma. Isto é, um conjunto de fatores (entre os
quais uma série de medidas tomadas pelo próprio governo federal) têm
gerado fortes incentivos à reestruturação das condições institucionais de
oferta desses serviços. Mas esse processo tem-se caracterizado por uma
sucessão de marchas e contramarchas, e carrega incertezas quanto à
preservação do interesse público e a realização das metas de
universalização dos serviços” (Arretche, 1999, p. 79).

Por outro lado, como mostra Araújo (1999), não existe um modelo consensual de
gestão dos serviços sanitários: enquanto nos EUA, de tradição liberal, a prestação de
serviços de saneamento básico é majoritariamente pública, na França, onde a
intervenção estatal se faz mais presente, a prestação daqueles serviços é, desde o
século passado, de responsabilidade de empresas privadas. As experiências de

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 85/145

privatização, como na Inglaterra e na grande Buenos Aires, por exemplo, ainda são
recentes.

As principais dificuldades no Brasil com as quais os esforços de reestruturação do


setor se deparam estão relacionadas ao financiamento do investimento no setor, aos
passivos financeiros das CESBs e, destacadamente, à questão da titularidade dos
serviços de saneamento básico. Ao contrário de outros setores, como
telecomunicações ou energia elétrica, nos quais a titularidade da prestação dos
serviços estava ligada, com variações, ao governo federal22, no caso do saneamento
básico há uma pulverização da titularidade do serviço.

a) A questão da titularidade da prestação dos serviços

Conforme adiantado, o inciso V do artigo 30o da CF atribui aos municípios a


competência de “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo,
que tem caráter essencial.”

Assim, o serviço de saneamento básico, quando for de interesse local (situação que
abrange a maioria dos municípios brasileiros), é de inequívoca competência dos
municípios. Ainda que, em alguns casos, decisões de municípios possam afetar
negativamente o consumo de água de outros municípios, essas situações podem ser
cobertas pela legislação ambiental e pela lei de recursos hídricos (Lei 9.433/97),
mantendo-se assim a jurisdição municipal sobre a prestação de serviços de
saneamento básico.

O problema da titularidade se manifesta, entretanto, nas regiões metropolitanas e


nos aglomerados urbanos. Nesses casos, o “abastecimento de água é viabilizado,
com elevada freqüência, mediante sistemas produtores cuja finalidade é o

22
No caso da energia elétrica, como se viu, existia e existem empresas estaduais, mas que são concessionárias do
governo federal.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 86/145

atendimento a dois ou mais municípios, caracterizando uma função de interesse


mais claramente comum” (Araújo, 1999).

Exemplos dessa situação podem ser encontrados na Região Metropolitana de São


Paulo (RMSP), onde sete sistemas de produção cobrem o fornecimento de água a 30
cidades, entre elas a capital, a região do ABC, Guarulhos, Osasco e Mogi das
Cruzes; no Rio de Janeiro, onde o sistema Guandu é responsável pela maior parte do
abastecimento da capital e da Baixada Fluminense; na Região Metropolitana de
Curitiba; e em Niterói e três municípios próximos que são atendidos por um sistema
produtor próprio.

O caso da RMSP é emblemático: enquanto a captação, o tratamento, a adução e a


reservação de água ficaram sob responsabilidade da concessionária estadual
SABESP23, a distribuição de água permaneceu sob competência municipal. A
SABESP faz entrega por atacado de água tratada, enquanto as redes de distribuição
são operadas ou por organizações municipais ou pela própria SABESP, quando,
como no caso da capital, esta detém a concessão municipal dos serviços.

Em Niterói, tal arranjo não é possível, pois a segmentação das redes de distribuição
de água por município exigiria investimentos vultosos; nas demais situações, o
arranjo da SABESP não foi necessário, pois as concessionárias estaduais obtiveram
também as concessões municipais24.

Por que não reconhecer a divisão de responsabilidades estabelecida em São Paulo?


Uma primeira dificuldade é que se o status quo de São Paulo fosse reconhecido, um
processo de reestruturação do setor deveria organizar licitações específicas para as
partes comuns do sistema e outras para os sistemas de distribuição de cada
município, aumentando muito a complexidade do sistema.

23
Cuja titularidade foi definida como estadual por exclusão.
24
Duas exceções são Betim, na Grande Belo Horizonte, e porto Alegre, cujos serviços de água e esgotos sempre
estiveram sob administração municipal.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 87/145

Por outro lado, se for adotado uma divisão na qual o estado se responsabiliza pelas
áreas de interesse comum e os municípios pelas áreas de interesse local, os riscos de
ocorrência de problemas causados pela propriedade comum aumentam: “nada
indicaria que o esforço de um governo municipal para controlar o consumo de água
na área de sua jurisdição não possa ser anulado pela ausência de uma ação
semelhante por parte de outro município vizinho” (Araújo, 1999, p. 54).

b) A questão das CESbs

A hipótese de reconhecimento do arranjo institucional paulista ainda permite ilustrar


outros problemas. Em primeiro lugar, alguns dos municípios têm dívidas com a
SABESP, mas a SABESP não tem outro recurso jurídico de cobrar esta dívida senão
através do corte do fornecimento (a CF não permite, por exemplo, a possibilidade de
retenção de repasses do ICMS).

Depois, poucas concessionárias estaduais dispõem de um contrato de concessão dos


serviços de saneamento das capitais dos estados, e os contratos existentes com
outros municípios, metropolitanos ou não, foram assinados na década de 1970 e
devem ser encerrados até 2004/2005.

Em segundo lugar, a viabilidade financeira do sistema e a universalização da


prestação do serviço de saneamento estão associadas à prática de subsídios
cruzados. Esta prática inclui a situação na qual regiões mais desenvolvidas e
densamente povoadas subsidiam as regiões menos desenvolvidas. Assim se o
abastecimento de água da capital de um estado for retirado de um sistema integrado
e se a prática de subsídios cruzados for abandonada, a manutenção dos serviços de
uma companhia e as metas de universalização podem ser inviabilizadas.

Isto é, há uma escala mínima de produção, abaixo da qual companhias de


saneamento não serão financeiramente viáveis. Segundo estimativas apresentadas
por Araújo (1999), para que um município apresente um mercado rentável, sua

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 88/145

população urbana deve exceder 50 mil habitantes, e para que atinja o ponto de
equilíbrio, 100 mil habitantes. Segundo dados do Censo do IBGE de 1991, apenas
186 dos 4.491 municípios brasileiros tinha população superior a 100 mil habitantes,
sendo que quase a metade se localizava na região Sudeste. Os casos que se situarem
abaixo do ponto de equilíbrio necessitarão de aporte fiscal, mas uma solução
definitiva para o problema ainda parece distante.

Ademais, caso se tente municipalizar o serviço de saneamento básico,


provavelmente haverá dois problemas de difícil solução. Em primeiro lugar, é
possível que as CESBs contestem juridicamente essa decisão, baseando-se no direito
adquirido sobre a prestação desses serviços às capitais; depois, esse tipo de solução
envolverá um acerto de contas entre os municípios e as CESBs, “tão vultuoso
quanto pouco provável de ser obtido” (Araújo, 1999, p. 55).

Diante dessas incertezas, Araújo (1999) concorda com a citação anterior de


Arretche:

“...dada a descentralização do setor (dito de outra forma, o modelo


PLANASA tende a ser substituído por um não modelo, formado pela
justaposição de estratégias variadas), iniciativas de mudanças ocorrem aqui
e acolá, dificultando ações estruturadoras de ordem mais geral. De certa
maneira, a flexibilidade institucional desejada para o setor, oposta à rigidez
do PLANASA, aparece menos como um objetivo eleito, e mais como o
resultado plausível das variáveis envolvidas no processo de dispersão de
poder” (Araújo, 1999, p. 58)

Exemplos de iniciativas de mudança “aqui e acolá” incluem a tentativa tumultuada


de concessão privada dos sistemas operados pela CEDAE do Rio de Janeiro, os
arranjos institucionais similares da Região dos Lagos no Rio de Janeiro e da Região

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 89/145

Metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, e a estratégia empresarial agressiva da


SABESP, em São Paulo25.

A regulação do setor de saneamento no Brasil dirigiu-se, até agora, ao problema da


qualidade e da quantidade dos serviços prestados, evitando-se, assim, políticas mais
gerais sobre a privatização do setor e sobre o estímulo à competição. Esse tipo de
atenção, por outro lado, termina por ampliar a responsabilidade e a autonomia do
poder concedente municipal.

c) Limitações do poder municipal para o exercício da função regulatória

A pergunta central que condiciona a estruturação de um marco regulatório no setor


de saneamento diz respeito à possibilidade de controle social e de defesa dos
interesses dos consumidores, mantendo-se a titularidade do poder local ao
município e a despeito dos problemas de assimetria de poder e de informação entre
concedente e concessionário.

A questão envolve três riscos: (i) a eventual multiplicação de atos de concessão,


cada um deles especificamente localizado, pode levar ao descontrole administrativo;
(ii) a capacidade técnica e gerencial dos municípios pode não ser suficiente para
administrar contratos de prazos mais longos e de assimetrias de informação mais
acentuada; e, finalmente, (iii) que os ciclos eleitorais possam resultar no desrespeito
das cláusulas contratuais poder concedente.

A assimetria de informação, no caso, refere-se ao à situação na qual o


concessionário terá acesso a informações mais precisas sobre o verdadeiro estado da
rede de saneamento do que o concedente, podendo pleitear condições contratuais
que aufira aos concessionários ganhos extraordinários.

25
Arretche (1999) apresenta uma análise das estratégias adotadas pelas principais companhias estaduais de
saneamento básico, dividindo essas estratégias em três tendências: o fortalecimento da companhia estadual (caso da
SABESP, da SANEPAR/PR e da CAGECE/CE), a desestatização (caso do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), e a
municipalização (caso da SANEMAT/MT).

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 90/145

A solução possível, para Araújo (1999), seria uma atuação complementar entre o
poder concedente municipal e um organismo regulador estadual a ser criado, cujas
funções poderiam abranger não apenas a regulação da prestação de serviços de
saneamento nas regiões metropolitanas e nos aglomerados urbanos, mas também
exercício – através do estabelecimento de convênios com municípios26 – do
acompanhamento dos contratos de concessão, e de funções suplementares, tais como
a assistência técnica e a criação de condições para uma efetiva competição por
parâmetros de desempenho entre os vários concessionários municipais, com base no
trabalho de coleta, análise e publicação das informações relacionadas à qualidade,
quantidade e aos níveis tarifários cobrados pelos serviços pertinentes ao setor.

A conclusão, para Araújo (1999) é que não há muitas opções para o


encaminhamento da questão da regulação do setor de saneamento básico no Brasil:

“Ou se reúnem forças políticas suficientes para a redução do grau de


dispersão das competências para a prestação dos serviços ou caminha-se
para entendimentos sucessivos e localizados entre estados e municípios que
venham a permitir mudanças de qualidade na organização executiva das
atividades do setor” (Araújo, 1999, p. 74).

d) Estado atual: tramitação de projeto de lei

Em dezembro de 2000, o Poder Executivo, através do secretário da Presidência, o


deputado Aloísio Nunes Ferreira, encaminhou o projeto de lei 4.147/01 sobre a
regulação da prestação dos serviços de saneamento básico, cujo texto foi elaborado
a partir de propostas e contribuições anteriores, tais como o Projeto de Lei (PL) do
Senado 266/96, do senador José Serra e o PL da Câmara do deputado Adolfo
Marinho. O governo atribuiu ao projeto regime de urgência, devendo o projeto ser
votado na Câmara de Deputados até 07 de Abril. Entretanto, o governo já anunciou
que vai retirar a urgência para votação do projeto. Os deputados Sergio Novais
26
nos quais a titularidade dos serviços, a qual é indelegável, seria mantida pelos municípios.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 91/145

(PSB-CE) e Maria do Carmo Lara (PT-MG), encaminharam o PL 2.763/00, que teve


apensado o PL 4.147/01 e que recebeu 209 sugestões de emendas.

O PL de Aloísio Nunes Ferreira considera a diversidade das condições locais de


prestação do serviço enfatiza a intenção de descentralização da regulação. O texto
determina os objetivos gerais da Política Nacional de Saneamento (art. 2o), entre
eles a universalização do acesso ao serviço, para cuja consecução a União
“promoverá ações apoiando e articulando as atividades, iniciativas, órgãos e
entidades que promovam o desenvolvimento do setor (...) implantará programas de
cooperação técnica [e] cooperação financeira”. A União coordenará a Política
Nacional de Saneamento em âmbito nacional, e de forma integrada às políticas de
saúde, de meio ambiente e de recursos hídricos, cuja responsabilidade é da Agência
Nacional de Águas, a ANA.

Com relação à defesa da concorrência, o §2 do art. 9 estabelece que “os órgãos e


entidades federais defesa da concorrência poderão, ouvido o órgão ou entidade
federal encarregada da Política Nacional de Saneamento, bem como os órgãos ou
entidades similares estadual, distrital ou municipal, definir as condições gerais de
prestação dos serviços públicos de saneamento básico”.

A implementação da Política Nacional de Saneamento assim como a gestão do


Fundo Nacional para a Universalização dos Serviços de Saneamento Básico e do
Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) ficará sob
responsabilidade do Conselho Nacional de Saneamento, o qual terá representantes
do governo federal, dos governos estaduais, do governo distrital e dos governos
municipais e dos prestadores e usuários de serviços. Os estados, o distrito federal e
os municípios deverão formular políticas próprias de saneamento básico,
estruturando seus próprios sistemas de informações em saneamento.

O Fundo Nacional para a Universalização dos Serviços de Saneamento Básico é


instituído pelo PL com o objetivo de subsidiar a realização de investimentos

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 92/145

necessários à implantação ou expansão dos serviços de saneamento básico às


camadas da população de mais baixa renda e nos municípios e regiões mais pobres
do país. A receita desse fundo será proveniente principalmente da lei orçamentária,
de operações de crédito interna e externa e de repasses decorrentes de convênios.

O capítulo VI do Projeto de Lei é todo dedicado à questão da titularidade. O artigo


27 determina que a titularidade dos serviços de saneamento básico será exercida
integralmente pelo ente federado competente segundo uma ordem na qual o
município têm a prioridade, seguido pelo estado ou distrito federal e pela União.

Várias formas diferentes de associação são vislumbradas pelo projeto, com especial
estímulo às três últimas: (i) a delegação legal (na qual a titularidade ou a prestação
de serviços é outorgada a entidade pública ou governamental da administração
indireta), (ii) a concessão ou permissão (quando esta outorga é dirigida a entidades
do direito privado), (iii) a gestão local (na qual os serviços de saneamento básico
são integralmente regulados, gerenciados e prestados pelo município), (iv) a gestão
associada (em que os entes da federação se associam mediante convênios de
cooperação ou consórcios públicos) e (v) a gestão regional integrada (quando os
serviços de saneamento básico são prestados no âmbito de regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas ou microrregiões).

No caso da gestão regional integrada, a titularidade dos serviços ficará sob


responsabilidade do Estado. Por outro lado, quando ocorrer manifesta incapacidade
do estado e do distrito federal de exercer a competência de qualquer dos serviços
dos sistemas públicos de abastecimento de água potável e de esgotos sanitários, a
União poderá exercer a função supletivamente, enquanto perdurar esta incapacidade.

Os estados, o distrito federal e os municípios definirão as normas, os critérios e os


procedimentos técnicos que deverão ser observados para a adequada regulação e
fiscalização da prestação dos serviços de saneamento básico, e as penalidades a que
estarão sujeitos os seus prestadores em caso de descumprimento. No caso de

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 93/145

concessão ou permissão de serviços públicos de saneamento básico, as


características básicas da lei que as autorizem serão de responsabilidade do poder
concedente, que observará alguns critérios básicos. Entre eles, destaca-se que as
licitações para concessão ou permissão de serviços de saneamento básico serão
julgadas objetivamente em conformidade com as metas de atendimento à população
e com os seguintes critérios para a definição do licitante vencedor: o menor valor da
tarifa do serviço a ser prestado, a maior oferta de pagamento ou a combinação dos
dois critérios, sendo que os saldos dos valores investidos em bens reversíveis pelos
concessionários ou permissionários dos serviços constituirão créditos do investidor
perante o poder concedente, a serem negociados para pagamento imediato ou
parcelado ou recuperados mediante exploração dos serviços, na forma e nos prazos
estabelecidos no contrato.

Com relação ao regime tarifário, garantiu-se a possibilidade de fixação diferenciada


de tarifas em função das características técnicas e dos custos específicos
provenientes do atendimento aos distintos segmentos do serviço prestado e de
usuários atendidos. A tarifa dos serviços concedidos ou permitidos de água e
esgotamento sanitário será fixada pelo titular dos serviços, com base na proposta
vencedora da licitação, e preservada por meio das regras de reajuste. Esses reajustes
podem ser periódicos (anuais) ou extraordinários (quando ocorrerem fatos não
previstos nos contratos) e não poderão incluir, em sua composição, preços sob
controle dos prestadores de serviço o resultado final não poderá ser superior a
índices oficiais de variações de preços ao consumidor. O índice de reajustamento
das tarifas será definido em um sistema de price-cap, pela fórmula IRT = IVP – X +
Y, onde IRT é o índice de reajustamento de tarifas, IVP é o índice de variação de
preços especificado no contrato, limitado a índices oficiais de variações de preços
ao consumidor, X é o fator de desconto do índice de reajuste tarifário decorrente dos
ganhos de produtividade e Y é o fator de acréscimo do índice de reajuste tarifário
decorrente de investimentos em capital que resultem em antecipação de metas de
expansão e qualidade dos serviços, em especial aquelas específicas para as

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 94/145

populações de mais baixa renda, limitado a, no máximo, metade do valor de X


(X/2).

Adicionalmente, estabelece-se que os valores de X e de Y serão nulos nos quatro


primeiros anos de vigência do contrato de concessão e que o valor Y será nulo a
partir de metade do período de vigência do contrato de concessão.

Grandes usuários, definidos pelo poder concedente ou pela entidade ou órgão


regulador, poderão ter suas tarifas de água e esgoto objeto de livre negociação com
o prestador dos serviços, mediante contrato específico.

3.3. O papel do consumidor na regulação do setor de saneamento


básico

O projeto de lei de autoria do deputado Aloísio Nunes Ferreira destaca os direitos


dos consumidores ao longo do texto, mas não contempla uma estrutura institucional
de defesa do consumidor: em geral, uma estrutura institucional de defesa do
consumidor aparece nos regimentos internos das agências. Como ainda não há uma
agência definida para o setor, o PL resume-se a observar os direitos básicos dos
consumidores.

Assim, logo no artigo 3o, “a observância dos direitos dos usuários” e “participação
da população, através de entidades e representantes comunitários no planejamento,
no processo de decisão e no acompanhamento da prestação dos serviços nos termos
da legislação pertinente” são listadas como princípios fundamentais nos quais a
prestação dos serviços de saneamento básico será baseada.

Mais adiante, no parágrafo único do artigo 11o, estabelece-se que os usuários dos
serviços farão parte do Conselho Nacional de Saneamento. No item XI do artigo
16o, “a proteção e participação dos usuários dos serviços de saneamento” constitui

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 95/145

uma das diretrizes gerais obrigatórias para todos os agentes e órgãos públicos e
entidades privadas envolvidas em atividades de prestação de serviços públicos de
saneamento básico; enquanto “a participação do usuário no processo regulador” e “a
proteção do consumidor contra a prática de preços abusivos, de serviços de
qualidade precária e acesso restrito” constituem objetivos específicos para o
desenvolvimento do setor no Brasil. Finalmente, “a existência de mecanismos e de
instâncias de participação e ouvidoria dos usuários” como princípio a partir do qual
deve atuar a entidade ou órgão regulador e fiscalização de prestação do serviço é
enfatizada no artigo 35o.

Acrescenta-se que, de acordo com o parágrafo único do artigo 18o, veda-se à União,
aos estados e às entidades das respectivas administrações indiretas “transferir ou
repassar recursos financeiros, no que couber, a estados, distrito federal e
municípios, bem como a entidades de suas respectivas administrações indiretas que
não cumpram as diretrizes da Política Nacional de Saneamento, seus princípios,
objetivos e normas gerais” (grifo adicionado).

Mas é no capítulo X do Projeto de Lei, “Dos Direitos e Obrigações do Usuário”, que


a questão da proteção dos direitos dos consumidores ganha relevo.

Logo no artigo 52o, são listados os direitos dos usuários dos serviços de saneamento
básico, que incluem o recebimento de “serviços adequados, em especial quanto aos
padrões de qualidade dos serviços e a níveis eficientes de custo”, o exercício do
“direito de queixa, ou denúncia aos poderes públicos competentes”, o atendimento
“com cortesia e eficiência, inclusive recebendo as informações solicitadas sobre o
serviço e as providências requeridas para resguardar seus direitos à prestação
adequada do mesmo”, o recebimento de “manual de prestação de serviços e de
atendimento ao usuário, elaborado pelo prestador dos serviços e aprovado pela
entidade ou órgão regulador” e de “informações esclarecedoras acerca da
modificação dos valores tarifários e suas causas”.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 96/145

No parágrafo 2º, estabelece-se que “a não prestação dos serviços a qualquer


solicitante (...) implicará no pagamento, pelo prestador dos serviços, de
compensações financeiras aos solicitantes não atendidos”, mas que “a continuidade
dos serviços poderá ser afetada mediante interrupções, restrições e racionamentos,
programados ou imprescindíveis para a segurança dos serviços, na forma autorizada
pelo poder concedente ou entidade ou órgão regulador, nos termos da legislação
pertinente, garantida a comunicação aos usuários afetados”.

Por outro lado, a suspensão fornecimento dos serviços por inadimplência do usuário
somente poderá ser aplicada a usuários que “acumulem duas ou mais contas
vencidas, mediante prévio aviso, não inferior a quinze dias da data prevista para a
suspensão”.

Da mesma forma que a regulação do setor está sendo antecipada pelos contratos,
uma estrutura institucional de defesa do consumidor de saneamento básico também
parece antecipar-se à lei: como exemplo de possível parceria entre uma agência
regulatória para o setor e os órgão de defesa do consumidor, há que se registrar a
parceria firmada entre o Procon-SP e a Sabesp, em fevereiro de 2001, no âmbito da
Câmara Técnica Permanente Procon-Sabesp, formada por técnicos do Procon,
Diretoria, Ouvidoria e funcionários da Sabesp. Como resultado da parceria, alguns
procedimentos foram alterados: a multa por atraso foi escalonada, o fornecimento
prévio de orçamento para todo tipo de serviços passou a ser obrigatório e a
interrupção no fornecimento após 45 dias de inadimplência passou a depender de
emissão de extrato de cobrança no valor do débito no 35 º dia de atraso.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 97/145

IV. EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NOS


ANOS 1990: RECLAMAÇÕES NOS SETORES DE ENERGIA
ELÉTRICA, SANEAMENTO BÁSICO E
TELECOMUNICAÇÕES

Nesta parte do estudo objetiva-se verificar as tendências recentes de reclamações de


defesa do consumidor, visando captar peculiaridades dos segmentos regulados e em
particular dos setores de infra-estrutura selecionados.

1. O SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO


CONSUMIDOR

Segundo Taschner (1996) e Lopes (2001), a estruturação de um sistema nacional de


defesa do consumidor (SNDC) se deu em meio aos movimentos sociais e de
ampliação do acesso à justiça que eclodiram em fins da década de 1970 e início da
década de 1980, no bojo do processo de redemocratização do país.

Destacam-se quatro momentos importantes nesta evolução: a aprovação das leis dos
juizados de pequenas causas (1984), da ação civil pública (1985), a aprovação do
Código de Defesa do Consumidor, de 1990 (Lei 8.078/90), e o Decreto 2.181/97,
que cria o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).

O SNDC é integrado pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça


(por meio de seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC) e
pelos demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as
entidades civis de defesa do consumidor.

Entre as competências do DPDC, elencadas no art. 3o do decreto 2.181/97, destaca-


se o inciso XII: “provocar a Secretaria de Direito Econômico para celebrar
convênios e termos de ajustamento de conduta”. Exemplificando esta atribuição o

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 98/145

DPDC e a Sociedade Brasileira de Prestadores de Serviços de Teleinformações


(Sitel), associação de classe dos provedores de serviços de valor adicionado,
assinaram, em julho de 1999, um termo de compromisso de ajustamento de conduta,
no qual a Sitel se compromete a manter obrigações “positivas” e “negativas” no que
se refere à prestação de seus serviços e à relação com os consumidores.

Lopes (2001) é crítico em relação ao desenho institucional do SNDC, que inclui


órgãos do Executivo e instituições com recursos de poder diferentes (como o
Ministério Público e ONGs,) e à articulação entre esses órgãos. Segundo o artigo, o
sistema foi, em um primeiro momento, excessivamente centralizado (Decreto
861/93) e, posteriormente, excessivamente fragmentado (Decreto 2.181/97).

A Política Nacional de Relações de Consumo é definida no artigo 5o da Lei


8.078/90, que consagra o direito à assistência jurídica integral e gratuita para o
consumidor carente (através dos juizados especiais de pequenas causas, atuais
juizados especiais cíveis), institui promotorias de justiça de defesa do consumidor,
bem como delegacias especializadas. Adicionalmente, o artigo 5o da Lei também
prevê o estímulo à criação de Associações Civis.

Além do DPDC, o SNDC também é constituído por órgãos governamentais


(federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal) e entidades civis de defesa do
consumidor, que incluem a Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, o
Sistema Procon. Tal sistema é constituído por 27 sedes estaduais e por mais de 500
municipais.

Os seguintes pontos da Lei 8.078 merecem destaque:

• Eximem-se os consumidores carentes de custos judiciais e taxas (art. 5o);

• Incentivam-se associações civis a pleitearem compensações para


consumidores , eximindo-as de custos judiciais e taxas (art. 87);

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 99/145

• Faculta-se ao governo encaminhar casos a julgamento quando interesses


coletivos ou difusos estiverem em pauta (art. 81);

• Atribui-se ao importador responsabilidade por acidentes relacionados ao


produto importado (art. 12).

No âmbito do Estado de São Paulo, a atual Fundação Procon-SP surgiu em 1978,


através do Decreto 7.890/78, que criou o Sistema Estadual de Proteção ao
Consumidor e, posteriormente, com a Lei Estadual 1.903/78, que formulou e
institucionalizou a política de defesa do consumidor.

Em 1982, o Procon-SP foi reestruturado, a partir da ação do Grupo Executivo de


Proteção ao Consumidor. Em 1983 foi criada a Promotoria de Justiça de Proteção ao
Consumidor do Ministério Público, que funcionou inicialmente junto com o Procon.
Em 1985, o órgão foi ampliado, e estabeleceu convênios com prefeituras do interior
do Estado e com entidades civis. Em 1987, foi criada a Secretaria de Defesa do
Consumidor, na qual surgiu o Serviço de Inspeção, que atualmente é a Diretoria
Adjunta de Fiscalização e Defesa do Consumidor.

Em 1991, o Procon-SP recebeu a denominação de Coordenadoria de Proteção e


Defesa do Consumidor, sendo então subordinada à Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania. Finalmente, a Lei 9.192/95 instituiu a Fundação Procon, sendo
regulamentada através do Decreto 41.170/96.

De acordo com o Decreto 41.170/96, a Fundação Procon-SP é uma pessoa jurídica


de direito público, cujos recursos provêm do orçamento do Estado, de subvenções,
de doações, de receitas próprias e da renda proveniente da aplicação de penalidades
às infrações.

O Quadro 27 apresenta o Organograma da Fundação Procon-SP. Os órgãos


superiores são o Conselho Curador, constituído de onze membros (entre eles o

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 100/145

diretor executivo da fundação, o secretário da justiça e da defesa da cidadania,


quatro representantes de secretaria estaduais do governo do Estado de São Paulo,
um representante do Dieese e dois representantes de associações civis de defesa dos
consumidores) e a Diretoria, integrada pelo Diretor Executivo e por seis Diretorias
Adjuntas: a Diretoria Adjunta Administrativa e Financeira, a Diretoria Adjunta de
Atendimento ao Consumidor, Diretoria Adjunta de Fiscalização da Defesa do
Consumidor, a Diretoria Adjunta de Estudos e Pesquisas, a Diretoria Adjunta de
Programas Especiais e a Diretoria Adjunta de Relações Institucionais.

Quadro 27

Organograma do Procon-SP

Secretaria da Justiça e
Defesa da Cidadania

Conselho
Curador
Diretoria
Executiva
Assessoria
Técnica Assessoria de
Comunicação Social
Apoio
Administrativo Centro de
Informática
Ouvidoria

Dir. Adjunta Dir. Adjunta Dir. Adjunta Fiscal. Dir. Adjunta Dir. Adjunta Dir. Adjunta
Administrativa Atend. ao da Defesa do Estudos e Programas Relações
e Financeira Consumidor Consumidor Pesquisas Especiais Institucionais.

Assistência Assistência Assistência Assistência Assistência Assistência


Técnica Técnica Técnica Técnica Técnica Técnica

Grupo Grupo Grupo Grupo Grupo


Técnico Técnico Técnico Técnico Técnico
Gerência
Gerência Gerência
Fin/Orç RH Administ.

Fonte: Fundação Procon-SP.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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2. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NOS SETORES DE


TELECOMUNICAÇÕES, ENERGIA ELÉTRICA E
SANEAMENTO BÁSICO

Os Quadros 28 e 29 apresentam o número total de consultas e de reclamações no


Procon-SP de 1977 a setembro de 2000. Os dados estão separados em duas
categorias, consultas e reclamações. As reclamações constituem-se nas consultas
que não foram resolvidas através de pronto atendimento ou emissão de cartas ao
fornecedor, sendo então encaminhadas às áreas técnicas27.

Note-se que o método de agregação variou ao longo dos anos. Por exemplo, até
1995 as “consultas” incluíram “Pronto Atendimento e Cartas Emitidas”, enquanto
de 1996 a 2000, aquelas categorias, às vezes denominadas “Cartas M1A”, foram
incluídas em “reclamações”.

27
Um fluxograma detalhado do processo de atendimento ao cidadão no Procon-SP encontra-se no apêndice.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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Quadro 28

Procon-SP: Quadro Demonstrativo de Atendimento – 1977 a 2000

ANO CONSULTAS RECLAMAÇÕES TOTAL


1977 272 1.270 1.542
1978 462 2.031 2.493
1979 2.509 3.704 6.213
1980 4.326 3.921 8.247
1981 3.528 5.334 8.862
1982 9.893 6.114 16.007
1983 14.756 5.913 20.669
1984 23.853 3.725 27.578
1985 40.362 4.487 44.849
1986 113.396 11.301 124.697
1987 118.445 6.559 125.004
1988 96.085 6.458 102.543
1989 132.520 8.496 141.016
1990 104.988 7.908 112.896
1991 115.407 7.679 123.086
1992 180.801 11.320 192.121
1993 160.741 11.506 172.247
1994 256.631 12.826 269.457
1995 279.419 11.182 290.601
1996* 247.381 55.447 302.828
1997 184.382 53.942 238.324
1998 287.870 80.564 368.434
1999 235.463 54.411 289.874
2000** 258.826 26.401 285.227

Fonte: Procon-SP. * de 1996 a 2000, os dados incluem consultas


fornecidas no cadastro de fornecedores, pesquisas de preços e da cesta
básica. ** divisão entre recl. e consultas obtida por extrapolação dos
dados até setembro de 2000.

Observe-se que o número total de reclamações e consultas aumentou especialmente


em dois momentos, após os anos de 1985 e de 1994, provavelmente em função das
mudanças institucionais, descritas na subseção anterior, que os precederam.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 103/145

Quadro 29

Procon-SP: Quadro Demonstrativo de Atendimento – 1977 a 2000 (set)

400.000
300.000
200.000
100.000
0
77

79

81

83

85

87

89

91

93

95

97

99
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19
CONSULTAS RECLAMAÇÕES
Fonte: Procon-SP, elaboração própria.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 44, determinou a divulgação anual


pelos órgãos de defesa dos consumidores do Cadastro de Reclamações
Fundamentadas28. Este cadastro é publicado desde 1992 no Diário Oficial do Estado
de São Paulo, sendo que naquele ano o cadastro só apresentava os números relativos
ao período compreendido entre março e dezembro. No cadastro, há informações
sobre o atendimento geral e sobre as reclamações fundamentadas divididas pelas
empresas envolvidas. Tanto as consultas quanto as reclamações estão divididas em
seis áreas: “Alimentos”, “Saúde”, “Habitação”, “Produtos”, “Serviços” e “Assuntos
Financeiros”, além de, em alguns anos, os itens “Extra-Procon” (casos que são
encaminhados a outros órgãos), “Fiscalização” (que constitui área técnica
especializada na função) e “CAD/PESQ”, isto é, as consultas ao cadastro do Procon-
SP.

28
Reclamações Fundamentadas são todas as consultas que não foram atendidas no “pronto atendimento” nem
através da emissão de cartas aos fornecedores, sendo portanto encaminhadas às áreas técnicas do Procon-SP. O
fluxograma do processo de atendimento no Procon-SP encontra-se no anexo.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 104/145

O Quadro 30 apresenta o total de atendimento geral em cada área no período de


1992 a 1999, enquanto o Quadro 31 mostra a evolução do atendimento geral, por
área, para os anos de 1994 a 1999, em termos percentuais, excluindo-se as
reclamações “Extra Procon”, as de “Fiscalização” e as de “CAD/PESQ”. Observe-se
que a diminuição das consultas e reclamações fundamentadas na área de
“Habitação” foi mais do que compensada pelo aumento das consultas e reclamações
em “Serviços” e, em menor escala, em “Assuntos Financeiros”.

Quadro 30

Procon-SP: Total de Atendimento Geral por Área – 1994 a 1999

ÁREAS 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

ALIMENTOS 2.649 2.193 1.374 1.353 1.902 692 788


SAÚDE 22.088 11.667 23.374 15.401 18.376 16.244 17.771
HABITAÇÃO 115.588 114.537 54.015 25.090 23.336 13.344 11.660
PRODUTOS 34.506 44.760 47.853 43.672 57.863 34.864 42.487
SERVIÇOS 46.943 58.641 66.159 58.140 113.666 115.299 93.767
ASS. FINANCEIROS 22.965 23.836 25.290 24.853 62.576 49.951 44.437
FISCALIZAÇÃO 321 321 343 228 329 0
EXTRA-PROCON 24.396 34.646 32.451 33.726 56.835 67.641 74.317
CAD-PESQ 0 0 51.969 35.861 33.551 0

TOTAL 269.456 290.601 302.828 238.324 368.434 298.035 285.227

Fonte: Procon-SP, elaboração própria.

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Quadro 31

Procon-SP – Atendimento Geral por Setor de Atividade – 1992-1999

100%
80%
60%
%
40%
20%
0%
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
ANOS
ALIMENTOS SAÚDE HABITAÇÃO
PRODUTOS SERVIÇOS ASS. FINANCEIROS

Fonte: Procon-SP, elaboração própria.

As reclamações fundamentadas nos setores de telecomunicações, energia elétrica e


saneamento básico estão incluídas na área de “Serviços”. O Quadro 32 apresenta o
total de reclamações fundamentadas nos três setores entre os anos de 1992 a 199929.
No caso de telecomunicações, restringiu-se a pesquisa à telefonia fixa e celular. No
mesmo Quadro, as reclamações fundamentadas nos três setores são comparadas com
as reclamações nos demais serviços e com as reclamações gerais.

O problema da inclusão das “cartas emitidas” em “consultas” ou em “reclamações”


também se manifestou na elaboração deste Quadro: dados desagregados para as
reclamações em serviços e para as reclamações gerais, destacando as “cartas
emitidas”, estão disponíveis apenas para os anos de 1994 a 1998, excluindo-se 1995.
Em conseqüência, são apresentadas duas colunas para “serviços” (E e F) e para
“reclamações gerais” (H e I), excluindo ou incluindo as “cartas emitidas”; além
disso, os dados desagregados para o ano de 1995 foram obtidos através de

29
As reclamações fundamentadas divididas pelas empresas e pelos tipos de reclamações estão no apêndice.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 106/145

interpolação. Os dados agregados de reclamações e consultas, incluindo “cartas


emitidas” (quando disponível) estão na Seção VII, Anexo 3.

É possível observar que o total de reclamações fundamentadas nos três setores


analisados arrefeceu no ano de 1995, mas que tal diminuição não foi acompanhada
de redução proporcional do total de reclamações de “serviços” (coluna E) nem do
total de “reclamações gerais” (coluna H). Em 1999, o total de reclamações
fundamentadas em Telecomunicações (Telefonia) explodiu, chegando a representar
32,4% do total de reclamações de “serviços” (coluna F) e 19,4% do total de
“reclamações gerais” (coluna I), respectivamente30.

Quadro 32

Procon-SP: Total de Reclamações Fundamentadas em Energia Elétrica,


Telecomunicações (Telefonia) e Saneamento Básico, por Empresa, 1992 a 1999

TOTAL DE RECL. FUND. POR SETOR TOTAL TOTAL TOTAL TOTAL TOTAL TOTAL
ANO EN ELET TELECOM SANEAM A + B + C SERVIÇOS SERVIÇOS (F - D) RECL. GERAL RECL. GERAL
(A) (B) (C) (D) (E) (F) (G) (H) (I)
1992 76 198 320 594
1993 261 461 1.299 2.021
1994 114 412 525 1.051 3.319 12.195 11.144 12.825 40.473
1995 10 62 122 194 3.276 14.834 14.640 11.182 47.850
1996 77 292 347 716 6.286 17.794 17.078 21.768 55.447
1997 48 396 421 865 6.883 18.886 18.021 20.924 53.940
1998 104 1.987 845 2.936 12.620 33.513 30.577 30.813 80.564
1999 268 10.577 1.414 12.259 32.647 20.388 54.411
2000 619 999 388 2.006 18.739 16.733 53.539
TOTAL 1.577 15.384 5.681 20.636 32.384 129.869 111.848 97.512 332.685
MÉDIA 175 1.709 631 2.580 6.477 21.645 18.641 19.502 55.448
DESV PAD 189 3.376 455 4.009 3.813 9.165 6.642 7.888 13.536
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.
SERVIÇOS (E) e RECL GERAL (H) excluem cartas emitidas
SERVIÇOS (F) e RECL GERAL (I) incluem cartas emitidas
SERVIÇOS (F) e RECL GERAL (I) para o ano de 1995 foram obtidos a partir de interpolação.

30
No ano seguinte, as reclamações fundamentadas em telecomunicações somaram 999. Pode-se atribuir a redução
no número de reclamações à entrada em funcionamento da Central de Atendimentos da Anatel.

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Quadro 33

Procon-SP: Evolução do Total de Reclamações Fundamentadas em Energia


Elétrica, Telecomunicações e Saneamento, 1992 a 1999

12.000

10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Energia elétrica Telecomunicações Saneamento

Fonte: Procon-SP, elaboração própria.

É possível observar alguma diferença na evolução das reclamações nos setores


analisados quando esta evolução é comparada com a dos demais setores de serviços
ou com a do número total de reclamações? O Quadro 34, a seguir, ilustra a questão.

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Quadro 34

Procon-SP: Evolução das Reclamações Fundamentadas nos Setores Regulados


Comparada com a Evolução das Reclamações dos Demais Serviços e das
Reclamações Gerais

EV OLUÇÃO DE RECLAM AÇÕES FUNDAM ENTADAS NOS S ERV IÇOS ES TUDADOS , DEM AIS S ERV IÇOS E
GERAIS

90000

0,0525x
80000 y = 39494e
2
70000 R = 0,2984
60000

50000

40000 0,088x
y = 10382e
2
30000 R = 0,3782
20000

0,2304x
10000 y = 412,2e
2
0
R = 0,2928
1 2 3 4 5 6 7 8 9
ANOS

S E RV E S TUDA DOS DE M A IS S E RV IÇOS RE CL GE RA L (I)

Fonte: Procon/SP; Elaboração própria.

O gráfico do Quadro 34 mostra a evolução das reclamações fundamentadas nos


serviços regulados analisados (telefonia, energia elétrica e saneamento básico), nos
demais serviços e a das reclamações fundamentadas gerais. Para responder a esta
questão, regrediu-se as reclamações fundamentadas contra os anos nos três casos, a
partir de uma especificação semi-logarítmica.

Os resultados corroboram a hipótese de que o aumento das reclamações nos setores


regulados ao longo dos anos foi proporcionalmente maior do que o das reclamações

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 109/145

gerais e o das reclamações nos demais serviços. O valor do coeficiente para a


evolução das reclamações nos serviços regulados foi de 0,2304, enquanto que nos
demais serviços foi de 0,088 e nas reclamações gerais, 0,0525. Esses valores
significam que a taxa de aumento do número de reclamações nos três setores, nos
demais serviços e das reclamações gerais é de 23%, 8,8% e 5,25%, respectivamente,
para períodos compreendidos entre 1992 e 200031.

Ressalve-se, no entanto, que: (i) as estatísticas t não rejeitam a hipótese de que os


coeficientes são nulos a 90% de significância: os p-values são de 13%, 14% e 20%,
respectivamente; (ii) em virtude da disponibilidade dos dados, as reclamações nos
demais serviços e as reclamações gerais incluem as “cartas emitidas”, ao contrário
das reclamações nos setores estudados, o que superestima o aumento das
ocorrências nestas variáveis; e (iii) entre as “reclamações gerais” incluem-se as
reclamações de outros serviços também regulados, como os serviços financeiros e
os de saúde, o que enfraquece a conclusão a respeito do comportamento das
reclamações nos setores regulados.

Para analisar a evolução das reclamações em uma perspectiva qualitativa, dividiu-se


o total de reclamações fundamentadas de cada setor em dois grupos. O primeiro
reúne as reclamações associadas à qualidade do serviço prestado; o segundo
contempla problemas de cobrança de tarifas. A evolução da participação dos dois
tipos de reclamações em cada setor estudado está nos gráficos do Quadro 35.

31
Veja regressões no apêndice.

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Quadro 35

Procon-SP: Evolução Qualitativa das Reclamações Fundamentadas em


Energia Elétrica, Saneamento Básico e Telefonia, 1993 – 1999

Energia Elétrica

100%
80%
60%
40%
20%
0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total Qualidade Total Cobrança

Saneamento Básico

100%
80%
60%
40%
20%
0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total Qualidade Total Cobrança

Telecomunicações (Telefonia)

100%
80%
60%
40%
20%
0%
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total Qualidade Total Cobrança

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Procon-SP.

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EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 111/145

Finalmente, os gráficos do Quadro 36 permitem comparar o atendimento das


reclamações nos três setores no período compreendido entre os anos de 1992 e
2000. Em termos percentuais e considerando todo o período, o atendimento de
reclamações foi mais efetivo no setor de telecomunicações, no qual 86% das
reclamações foram atendidas; nos setores de energia elétrica e de saneamento
básico, o percentual de reclamações atendidas foi de 38% e de 64%,
respectivamente.

Quadro 36

Procon-SP: Atendimento de Reclamações nos Setores de Telecomunicações,


Energia Elétrica e Saneamento Básico – 1992 – 2000

TELE C OMU N IC AÇ ÕE S

100%
% DAS RECL FUND

247 631
131 105 122 375
80%
43
60% 182 411
1740 9946
40% 949
281 187 274
20% 19
16 50
0%
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
ANOS

A TE ND NÃ O A TE ND

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EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 112/145

E N E R GIA ELÉ TR IC A

100% 0
% DAS RECL FUND

8 6
29
80%
142 157
60% 70 245 111 9
40% 69 42
75
20% 126 134

0% 6 16 3
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
ANOS

A TE ND NÃ O A TE ND

SANEAMENTO BÁSICO
% DAS RECL FUND

100% 12 10 38
22 184 52
80%
60% 358
1.049
319 335 411 807
40% 100 1.230 336
20% 167
250
0% 1
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
ANOS

ATEND NÃO ATEND

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Procon-SP.

Os gráficos do Quadro 36 permitem observar uma tendência mais importante: o


aumento da participação relativa das reclamações atendidas em todos os setores ao
longo dos anos. Este fato sugere um aumento da aplicação e importância da defesa
do consumidor no Brasil.

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V. CONCLUSÃO: A ARTICULAÇÃO ENTRE DEFESA DA


CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR

1. DEFESA DA CONCORRÊNCIA, REGULAÇÃO E


PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM PERSPECTIVA
COMPARADA

O Quadro 37 compara a natureza das funções de defesa da concorrência, regulação e


proteção ao consumidor. Os objetivos da função regulatória são mais abrangentes,
envolvendo regulação técnica, sanitária, ambiental, econômica, além de fiscalização
e ação preventiva. Sua atuação envolve a substituição dos mecanismos de mercado e
é preponderantemente anterior à consumação das transações de mercado.

O método adotado na proteção ao consumidor também envolve a substituição dos


mecanismos de mercado, mas seus objetivos são mais restritos e sua atuação é
preponderantemente posterior à realização dos negócios.

Finalmente, os objetivos da defesa da concorrência são também restritos, mas para


sua consecução adota-se um método que prioriza a utilização dos mecanismos de
mercado.

As três atividades são justificadas do ponto de vista da teoria econômica pela


presença de falhas de mercado. Estas últimas têm origem em problemas de poder de
mercado, informação assimétrica, existência de bens públicos ou de externalidades.

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Quadro 37

Comparação da Natureza das Funções de Defesa da Concorrência, Regulação e


Proteção ao Consumidor

Defesa da Regulação Proteção ao


Concorrência consumidor
Objetivos Mais restritivo: Mais abrangente: Mais restritivo: defesa
eficiência alocativa universalização dos dos interesses dos
serviços, integração consumidores
regional, meio
ambiente...
Método Utiliza mecanismos de Substituição dos Substituição dos
mercado mecanismos de mecanismos de
mercado mercado
Timing e Freqüência “ex-post” (conduta) e Preponderantemente Preponderantemente
da Intervenção “ex-ante” (estrutura) “ex ante” “ex post”
Tipos de Medidas estruturais e Medidas Medidas
recomendação Comportamentais Comportamentais

Regulação Ação Preventiva


Econômica Fiscalização

Regulação
Defesa da Técnica Proteção do
Concorrência Consumidor

Autoridade Órgãos de
Autoridade
de Defesa da Defesa do
Regulatória
Concorrência Consumidor

Fonte: Elaboração própria.

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Os objetivos gerais das três atividades são convergentes (promoção do bem estar do
consumidor) e cada esfera de atividade especializa-se na consecução de suas
respectivas funções específicas. Há, entretanto, funções comuns às atividades de
regulação e defesa da concorrência (a regulação econômica) e funções comuns às
atividades de regulação e proteção ao consumidor (fiscalização e ação preventiva).

Com relação à articulação entre defesa da concorrência e proteção ao consumidor,


embora seus objetivos gerais sejam convergentes e ambas as atividades se reforcem
mutuamente , o exercício de suas funções não apresenta um grande número de
rotinas comuns. Assim, não haveria razão para sugerir, pelo menos do ponto de vista
dos macro-processos administrativos, a unificação das duas atividades.32

Se houver economias de escopo na consecução das atividades comuns e se os custos


de transação forem baixos, então haverá estímulos para que a atuação das entidades
seja compartilhada. Por outro lado, se os custos de transação forem altos e não
houver economias de escopo, então deve-se observar a atuação separada das
entidades. O Quadro 36 ilustra a questão. A articulação entre Regulação e Proteção
ao Consumidor combina baixas economias de escopo com baixas economias de
custos de transação. Neste caso, a atuação em separado parece mais eficiente.

Por sua vez, tanto a articulação entre Regulação e Defesa da Concorrência, quanto
entre Regulação e Proteção ao Consumidor combinam baixas economias de escopo
com altos custos de transação. Em ambos os casos, a configuração institucional mais
eficiente é indefinida.

32
Da mesma forma, as atividades de defesa da concorrência e de manutenção da estabilidade macroeconômica ou
de atração de investimentos estrangeiros diretos se estimulam mutuamente, o que não significa que mecanismos de
ação coordenadas devem ser instituídos entre o CADE e o Banco Central e o Ministério da Fazenda.

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Quadro 38

Articulação entre Defesa da Concorrência e Proteção ao Consumidor:


Configuração Institucional Ótima

Custos de Transação Alta Baixa


Economia de Escopo
Alta Agência única
Baixa Atuação em separado(Defesa da
Concorrência e Proteção ao
Consumidor)
Fonte: Elaboração própria.

As possíveis configurações institucionais entre regulação e defesa da concorrência


já foram estudadas em outro trabalho do NPP33. No presente estudo a ênfase recai
sobre a relação entre regulação e proteção ao consumidor. Conforme visto,
observam-se funções específicas e precípuas tanto para a atividade regulatória (por
exemplo, cassação de contratos de concessão) quanto para a atividade de proteção
ao consumidor (por exemplo, defesa do consumidor individual). Mas há também
funções comuns às duas atividades, notadamente as funções de fiscalização e de
prevenção, que podem ser compartilhadas.

2. O GRAU DE AUTONOMIA DO CONSUMIDOR

O objetivo desta subseção é discutir os fatores que poderiam afetar o grau de


autonomia do consumidor. Este último conceito pode ser entendido como a medida
na qual inexistiriam falhas de mercado e que portanto o consumidor prescindiria de
uma proteção mais sistemática do Estado.

33
Ver Oliveira (2001).

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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As razões pelas quais a proteção ao consumidor se justifica do ângulo econômico


podem ser resumidas em três grupos:

- assimetria de informação;

- custo de organização na proteção de interesses difusos;

- poder de monopólio nos mercados.

A hipótese deste trabalho é a de que nas economias modernas estes fatores tendem
a ganhar importância e que, portanto, o consumidor necessita proteção do Estado.
Assim, o grau de sua autonomia deveria variar conforme o setor de acordo com os
critérios mencionados. As próximas quatro subseções discutem a autonomia dos
consumidores de telecomunicações, saneamento básico e energia elétrica conforme
cada um destes critérios.

2.1. Assimetria de informação: grau de dificuldade de avaliação


dos bens e serviços

Evrard e Rodrigues34 classificaram os serviços de acordo com o grau de


informação disponível ao consumidor. A partir desta classificação, os serviços
podem ser caracterizados por três tipos de atributos:

(i) atributos de procura: serviços cujos atributos podem ser prontamente


inspecionados pelos clientes através de seu preço e/ou qualidade, antes da
aquisição;

34
Evrard, Y e Rodrigues, A: “Uma classificação de serviços baseada na teoria microeconômica da informação”.
(http://read.adm.ufrgs.br/read01/artigo/evrard.htm#evrard).

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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(ii) atributos de experiência: serviços cujo conhecimento e avaliação advêm


da experiência, após a sua realização;

(iii) atributos de credibilidade: serviços cuja complexidade é tão grande que a


avaliação da qualidade do serviço é difícil mesmo após a sua prestação.

Esta classificação está sintetizada no Quadro 37, enquanto o Quadro 39 mostra os


resultados da pesquisa que os autores realizaram sobre a percepção de atributos de
serviços selecionados: serviços de telefonia, de energia elétrica e de encanamento,
sendo que esse último procura compensar a ausência de informações sobre o serviço
de saneamento básico.

Quadro 39

Tipos de Atributos dos Serviços

Atributos de Procura Atributos de Experiência Atributos de Qualidade


Atributos identificáveis antes Atributos identificáveis Atributos dificilmente
da prestação somente após ou durante a identificáveis, mesmo após a
Exemplos: aspecto visual do prestação do serviço prestação
local da prestação do serviço; Exemplos: cortesia e gentileza Exemplos: precisão do
apresentação pessoal dos do pessoal da empresa; trabalho cirúrgico, utilização
funcionários. rapidez na prestação do de peças originais em
serviço determinadas reparações
mecânicas de automóveis.
Fonte: Evrard e Rodrigues.

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Quadro 40

Resultados da Pesquisa sobre Percepção de Atributos de Serviços

Exemplo de serviço Tipo de atributo


Procura Experiência Credibilidade
Serviço de 4 (4,4%) 67 (72,8%) 21 (22,8%)
Encanamento
Serviço de gás e 33 (35,9%) 43 (46,7%) 16 (17,4%)
energia elétrica
Serviço telefônicos 18 (19,6%) 60 (65,2%) 14 (15,2%)
Fonte: Evrard e Rodrigues.

De acordo com o Quadro 40, embora os consumidores percebam


predominantemente atributos de experiência nos três serviços, é possível observar
uma gradação nesta classificação. No serviço de encanamento35, é também
significativa a percepção dos atributos de qualidade (22,8%). De fato, trata-se de um
serviço cuja avaliação, comparativamente aos demais, é mais difícil de ser realizada.
Com relação ao serviço de gás e energia elétrica, atributos de procura dividem com
os de experiência as taxas de percepção mais altas. Comparativamente aos demais
serviços, a avaliação do serviço de energia elétrica é mais imediata. Finalmente, as
telecomunicações representam um caso intermediário, com predomínio absoluto dos
atributos de experiência propriamente ditos e equilíbrio dos outros dois atributos.

2.2. Custos de organização dos consumidores

É possível também classificar a relação entre a prestação dos serviços de


telecomunicações, energia elétrica e saneamento básico e os consumidores de

35
O serviço de encanamento foi utilizado para representar o serviço de saneamento, devido à natureza próxima de
ambos.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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acordo com os custos de organização dos consumidores. Os critérios relevantes para


os custos de organização dos consumidores estão associados aos custos de
mobilização de interesses que se encontram previamente difusos e aos custos
judiciais envolvidos em eventuais ações coletivas.

Quanto maiores forem a pulverização geográfica dos interesses envolvidos e os


custos judiciais, menor será a autonomia dos consumidores individuais para o
exercício de sua proteção. O problema teórico envolvido na questão dos interesses
difusos é o do free rider: na medida em que os custos de organização são maiores do
que os benefícios individuais decorrentes de uma ação judicial, há um
subinvestimento dos agentes individuais neste tipo de ação. Os agentes individuais
preferem esperar que outros agentes individuais movam estas ações, e que possam,
oportunisticamente , “pegar carona” no esforço alheio.

Uma proxy possível para estimar o custo de organização dos serviços seria
considerar a dispersão geográfica dos consumidores envolvidos. Assim, por
exemplo, seria possível imaginar que os consumidores de saneamento básico e de
energia elétrica que enfrentam um problema de qualidade do serviço prestado estão,
em geral, geograficamente concentrados, ao contrário dos consumidores de
telecomunicações, especialmente no caso da telefonia celular.

Por outro lado, a viabilização de ações coletivas por parte dos órgãos de proteção ao
consumidor públicos e privados diminui os custos de organização e ameniza a
ocorrência do problema de free rider nas questões de proteção ao consumidor.

2.3. Poder de mercado nos mercados relevantes

Um último critério de classificação dos serviços do ponto de vista da autonomia do


consumidor no exercício de sua proteção está associada ao grau de concorrência dos
mercados envolvidos. Conforme visto na Seção II, as atividades de proteção ao

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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consumidor e de defesa da concorrência estimulam-se reciprocamente: economias


mais competitivas permitem uma proteção ao consumidor mais efetiva na medida
em que oferecem ao consumidor alternativas de consumo e padrões de comparação.

Dessa forma, quanto maiores forem o grau de concorrência vigente e o poder de


barganha dos consumidores em um determinado mercado relevante, maior o grau de
autonomia do consumidor. No setor de saneamento básico, os consumidores do
serviço ainda estão submetidos ao monopólio da Sabesp; os consumidores de
telecomunicações, por outro lado, já gozam dos benefícios decorrentes de maior
concorrência no setor, tanto no caso da telefonia celular quanto no segmento da
telefonia fixa; no caso da energia elétrica, por sua vez, importa diferenciar os
consumidores livres, os quais já usufruem de algum grau de concorrência, dos
consumidores cativos, os quais ainda não têm opções de escolha distintas.

2.4. Classificação dos setores pelo grau de autonomia dos


consumidores

O Quadro 41 mostra uma possível classificação dos três setores estudados de acordo
com os critérios acima delineados: Quanto mais pontos uma atividade totalizar,
menor será a autonomia local dos consumidores no exercício de sua proteção e
maior será a necessidade de regulação centralizada no nível federal.

Algumas explicações são necessárias para a compreensão do Quadro 41. O critério


“dificuldade de avaliação” foi pontuado de acordo com a classificação de Evrard e
Rodrigues. A proxy para a pontuação dos custos de organização dos consumidores
em cada serviço foi a dispersão geográfica. Assim, os custos de organização são
maiores em telecomunicações pois os consumidores desse serviço estão, em geral,
geograficamente mais dispersos, o que torna sua coordenação, para as instituições
de defesa do consumidor, mais custosa.

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Quadro 41

Necessidade de Regulação Centralizada nos Setores de Telecomunicações,


Energia Elétrica e Saneamento Básico

Dificuldade de Custos de (Ausência de) Total


avaliação organização Poder de
Barganha dos
Consumidores
Saneamento +++ + +++ 8
Básico
Telecomunicações ++ +++ ++ 10
Energia Elétrica + + +++ 6
(cativos)
Fonte: Elaboração própria.

O “poder de mercado” pode ser aquilatado indiretamente por um dos indicadores da


concentração de mercado, como o Índice de Concentração Simples, como o CR4, e
o Índice Herfindahl Hirschmann. Quanto maior for o poder de mercado mais pontos
são atribuídos ao serviço.

Considerando a influência dos três critérios, quanto mais pontos um serviço


totalizar, menor será a autonomia dos consumidores para o exercício de usa
proteção. De acordo com o mesmo Quadro 39, os consumidores de
telecomunicações são os que detêm menor autonomia, enquanto os consumidores de
energia elétrica são os que detêm maior autonomia36, 37.

36
Para efeitos de comparação, não foram considerados os consumidores livres de energia elétrica, cujos custos de
organização, poder de barganha e dificuldade de avaliação do serviço prestado os tornam muito mais autônomos
para o exercício de sua proteção do que os consumidores cativos de energia elétrica.
37
As evidências de atendimento de reclamações apresentadas no Quadro 35 parecem refutar essa conclusão. O
atendimento de reclamações foi percentualmente maior no setor de telecomunicações e menor no de energia
elétrica.

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Qual é a maneira mais eficiente de articulação entre proteção do consumidor e


regulação em cada caso? A próxima subseção apresenta um menu de configurações
institucionais possíveis entre regulação e proteção ao consumidor.

3. ARTICULAÇÃO ENTRE REGULAÇÃO E PROTEÇÃO


AO CONSUMIDOR

O objetivo desta subseção é o de elaborar modelos alternativos de configuração


institucional entre regulação e proteção ao consumidor. Uma hipótese subjacente à
construção dos modelos de articulação entre estas atividades é a de quanto menor
for a autonomia dos consumidores, a proteção ao consumidor tenderá a ser mais
articulada com a regulação. Esta hipótese está representada no Quadro 41.

Quadro 42

Autonomia dos Consumidores e Articulação entre Órgãos de Defesa dos


Consumidores e Autoridade Regulatória

Autonomia
dos
Consumidores
A*

Articulação entre Proteção


ao Consumidor e Regulação

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No Quadro 42 acima, A* representa o máximo de autonomia que os consumidores


podem obter no exercício de sua proteção. A limitação da autonomia do consumidor
significa que algum nível mínimo de regulação será sempre necessário, seja ela de
natureza sanitária (exercida, por exemplo, pelo Serviço de Inspeção Federal – SIF –
do Ministério da Agricultura) ou relacionada à segurança e aos padrões técnicos
(exercido, por exemplo, pelo Instituto Nacional de Metrologia, normalização e
qualidade industrial – Inmetro – do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior).

Conforme discutido na Seção V, subseção 1, há uma área de intersecção no escopo


de funções exercidas pelas as atividades de regulação e de proteção ao consumidor.
Enquanto algumas das funções exercidas pela regulação e pela proteção ao
consumidor são específicas dessas atividades, outras funções podem ser
compartilhadas entre ambas as atividades. Por exemplo, as funções de fiscalização e
de prevenção são funções que estão no escopo de atuação de ambas as atividades.

Considerando-se que essas funções comuns podem ser concentradas em uma ou


outra esfera de atividade, é possível conceber um continuum de configurações
institucionais entre regulação e proteção ao consumidor, conforme mostra o
Quadro 43.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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Quadro 43

Continuum de Configurações Institucionais entre Regulação e Proteção ao


Consumidor

PROTEÇÃO AO
REGULAÇÃO CONSUMIDOR

Proteção Perito do Proteção Suporte Desregulamentação


Regulada Consumidor Compartilhada Técnico

Fonte: Elaboração própria.

O Quadro 43 define assim cinco modelos ideais de configuração entre regulação e


proteção ao consumidor: Proteção Regulada, Perito do Consumidor, Proteção
Compartilhada, Suporte Técnico e Desregulamentação. Cada um desses modelos se
caracteriza por uma divisão alternativa na execução das funções específicas e nas
comuns. Serviços nos quais a autonomia dos consumidores no exercício de sua
defesa é menor (maior) tendem a adotar modelos mais à esquerda (direita).

Quadro 44

Modelos de Configuração entre Regulação e Proteção ao Consumidor

a) Proteção Regulada
Regulação Ação Preventiva Fiscalização Proteção ao
Consumidor
Autoridade Regulatória X X X (X)
Órgãos de proteção ao X
consumidor

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b) Perito do Consumidor
Regulação Ação Preventiva Fiscalização Proteção ao
Consumidor
Autoridade Regulatória X X X (X)
Órgãos de proteção ao X X
consumidor

c) Proteção Compartilhada
Regulação Ação Preventiva Fiscalização Proteção ao
Consumidor
Autoridade Regulatória X X X (X)
Órgãos de proteção ao X X X
consumidor

d) Suporte Técnico
Regulação Ação Preventiva Fiscalização Proteção ao
Consumidor
Autoridade Regulatória X X
Órgãos de proteção ao X X X
consumidor

e) Desregulação
Regulação Ação Preventiva Fiscalização Proteção ao
Consumidor
Autoridade Regulatória –
Órgãos de proteção ao X X X
consumidor
Fonte: Elaboração própria.

Os cinco modelos estão esquematizados no Quadro 44. No modelo de Proteção


Regulada, todas as funções comuns são exercidas pela autoridade regulatória. Em
alguns casos, até a função específica de Proteção ao Consumidor pode ser
compartilhada com autoridade regulatória.

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No modelo de Perito do Consumidor a maioria das funções são exercidas pela


autoridade regulatória, menos a de fiscalização, a qual é compartilhada com os
órgãos de proteção ao consumidor. É um modelo adequado para as situações nas
quais a autonomia dos consumidores é pequena e o conhecimento técnico requerido
é muito complexo. Nesse caso, os órgãos de defesa do consumidor investem na
figura do perito que os auxiliará na consecução da fiscalização do serviço. Neste
modelo, a função específica de proteção ao consumidor também pode ser
compartilhada com a autoridade regulatória. É um modelo adequado, por exemplo,
para a proteção ao consumidor na área de telecomunicações, que envolve pouca
autonomia dos consumidores e conhecimento técnico complexo.

O terceiro modelo é o de Proteção Compartilhada. Neste modelo, as funções comuns


de fiscalização e de prevenção são compartilhadas, muitas vezes através de
convênios com autoridades regulatórias estaduais. É um modelo adequado para a
proteção ao consumidor no setor de saneamento básico, onde, apesar da titularidade
municipal, sua regulação dependerá de mecanismos de coordenação estadual e
regional, envolvendo assimetria de informação entre autoridade regulatória e
empresa regulada.

O quarto modelo é denominado de Suporte Técnico. Neste modelo, a maioria das


funções são exercidas no nível local/estadual, com exceção da função de prevenção,
a qual é compartilhada com a autoridade regulatória. O razoável nível de
conhecimento técnico do setor e a necessidade de coordenação entre os segmentos
implica na participação de uma autoridade regulatória centralizada, mas a facilidade
de avaliação dos serviços e os baixos custos “geográficos” de organização dos
consumidores permitem um tipo de exercício da atividade de proteção ao
consumidor mais descentralizada.

Finalmente, o último modelo é o de Desregulação. Trata-se de um modelo no qual


não há atividade regulatória, e todas as funções são conduzidas pelos órgãos de
defesa do consumidor em um nível local/estadual. Considerando-se que sempre

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 128/145

haverá algum nível de regulação, este modelo seria apenas uma possibilidade
teórica.

À luz da proposta relação inversa entre autonomia do consumidor e centralização da


proteção, e considerando o grau de autonomia dos setores de telecomunicações,
saneamento básico e energia elétrica disposto no Quadro 40, associa-se a relação
entre regulação e proteção ao consumidor em telecomunicações a uma configuração
institucional mais centralizada, tal como a “proteção regulada” ou o “perito do
consumidor”. De fato, o exercício da proteção ao consumidor neste setor parece
estar se concentrando no âmbito da Anatel, conforme discutido na Seção IV.

Por sua vez, nos setores de saneamento básico e de energia elétrica, tal relação tende
a configurações do tipo “proteção compartilhada” e “suporte técnico”,
respectivamente, dada a natureza local da prestação dos serviços, de um lado, e a
maior dificuldade de avaliação da qualidade do serviço de saneamento básico, o que
exigiria maior fiscalização centralizada, de outro.

Convém, por fim, ressaltar os resultados obtidos nesta pesquisa:

as reclamações dos consumidores aumentaram significativamente no período


recente;

a taxa de crescimento foi maior nos segmentos regulados;

a necessidade de proteção do consumidor depende de seu grau de autonomia


que, por sua vez, depende da combinação da dificuldade de avaliação, poder de
mercado e custos de organização;

quanto menor o grau de autonomia do consumidor, maior a necessidade de uma


proteção centralizada e consequentemente maior o grau de envolvimento em
questões do consumidor por parte da agência regulatória setorial;

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 129/145

as configurações encontradas entre os órgãos de defesa do consumidor e de


regulação para os segmentos de infra estrutura selecionados (telecomunicações,
energia elétrica e saneamento) estão em conformidade com a hipótese
desenvolvida neste trabalho;

não há configurações claramente determinadas entre os órgãos de regulação e de


defesa da concorrência;

a combinação entre baixas economias de escopo e baixos custos de transação


sugere a operacionalidade de agências separadas para a defesa do consumidor e
para a defesa da concorrência.

VI. BIBLIOGRAFIA

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Agência Nacional de Telecomunicações e dá outras providências.

BRASIL. Decreto n. 2.534, de 02 de abril de 1998. Aprova o Plano Geral de


Outorgas – PGO.

BRASIL. Decreto n. 2.592, de 15 de maio de 1998. Aprova o plano geral de metas


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BRASIL. Decreto n. 2.655, de 02 de julho de 1998. Regulamenta o Mercado


Atacadista de Energia Elétrica, define as regras de organização do Operador

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 131/145

Nacional do Sistema Elétrico, de que trata a aLei no. 9.648, de 27 de maio de


1998, e dá outras providências.

BRASIL. Decreto no. 2.181, de 20 de março de 1997. Dispõe sobre a organização


do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, SNDC, estabelece as normas
gerais de aplicação doas sanções administrativas previstas na Lei n. 8.078 de 11
de setembro de 1990, revoga o decreto no. 861, de 9 de julho de 1993 e dá outras
providências.

BRASIL. Lei n. 5.070, de 7 de julho de 1966. Cria o Fundo Nacional de


Telecomunicações – FISTEL e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 8.631, de 04 de março de 1993. Dispõe sobre a fixação dos níveis
de tarifas para o serviço público de energia elétrica, extingue o regime de
remuneração garantida e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de


concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da
Constituição Federal, e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 9.074 de julho de 1995. Estabelece normas para a outorga e


prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras
providências.

BRASIL. Lei n. 9.295, de 19 de julho de 1996 (Lei Mínima de Telecomunicações).


Dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua organização, sobre o órgão
regulador e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 9.427 de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de


Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços
públicos de energia elétrica e dá outras providências.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 132/145

BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de


Recurso Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 1º da CF e altera o art. 1o Lei n.
8.001, de 13 março de 1990, que modificou a Lei n. 7.990, de 28 dezembro de
1989.

BRASIL. Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações).


Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e
funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos
termos da Emenda Constitucional no. 8, de 1995.

BRASIL. Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998. Altera dispositivos das Leis n. 3.890-
A, de 21 de junho de 1993, n. 8987, de 13 de fevereiro de 1995, n.9.074, de 7 de
julho de 1995, n. 9427, de 26 de dezembro de 1996, autoriza o Poder Executivo
a promover a reestruturação da Centrais Elétricas Brasileiras – ELETROBRÁS e
de suas subsidiárias e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 9.691, de 22 de julho de 1998. Altera a tabela de valores da taxa de


fiscalização da instalação por estação, ...

BRASIL. Lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência


Nacional de Águas – ANA, entidade federal de implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 9.998, de 17 de agosto de 2000. Institui o Fundo de Universalização


dos Serviços de Telecomunicações – FUST.

BRASIL. Projeto de Lei n. de 4.147/01. Institui diretrizes Nacionais para o


saneamento básico e dá outras providências.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


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RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 137/145

VII. ANEXOS

1. FLUXOGRAMA DO PROCON-SP 38
Procon Cidadão

Denúncia Consulta

Reclamação
de Ofício Carta ao
fornecedor

Resposta

Não concorda Concorda

Arquivamento
Áreas especializadas
(não aparece no
Fiscalização cadastro)

alimentos habitação saúde financeiro produtos serviços

Parecer Ato Audiência de Conciliação


Técnico Fiscalizatório

Não resolvido Resolvido

Auto Juizado Especial


Ação judicial Cível Reclamação
de Infração resolvida

AÇÃO PREVENTIVA

Fonte: Elaboração própria.

38
A elaboração deste fluxograma contou com a colaboração da técnica de defesa do consumidor do Procon/SP
Maria Isabel Vergueiro Pupo.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 138/145

• Descrição do processo de encaminhamento de consultas ao Procon/SP

Qualquer cidadão pode encaminhar uma consulta ou uma denúncia ao Procon. O


Procon, por sua vez entra em contato (através do Pronto Atendimento) ou envia uma
carta ao fornecedor do bem ou serviço denunciado, o qual pode concordar ou não
com a reclamação do consumidor. No primeiro caso, a denúncia é arquivada e não
constará do cadastro de reclamações fundamentadas do Procon. Por outro lado, se o
denunciado não concordar com a reclamação, o caso é encaminhado para estudos
nas áreas especializadas do Procon, que são seis: alimentos, habitação, saúde,
assuntos financeiro, produtos e serviços (públicos e privados). Após a realização
dos estudos, as partes são convocadas a uma audiência de conciliação. Se a
reclamação for resolvida nessa instância, o caso entra para o cadastro como
“reclamação atendida”. Caso contrário, o caso entra para o cadastro como
“reclamação não atendida”, e, dependendo da natureza e do valor da causa, o caso
pode ser encaminhado diretamente para o Juizado Especial Cível, onde será julgado,
ou pode ser recomendado ao denunciante que encaminhe pessoalmente uma ação
judicial.

O próprio Procon, como órgão de defesa do consumidor, pode encaminhar uma


reclamação de ofício. Nesse caso, a reclamação é encaminhada para o setor de
fiscalização, que, com o apoio das áreas técnicas, emite um parecer ou procede a um
ato fiscalizatório, podendo redundar em um auto de infração.

Finalmente, a análise do conjunto de reclamações estudadas pelo Procon estimula a


ação preventiva do órgão, que consiste na formação de grupos setoriais de discussão
dos padrões de oferta de bens e serviços. Um dos exemplos bem sucedidos é o do
setor de turismo, o qual padronizou formulários e procedimentos adotados pelas
agências de turismo, com a finalidade de prevenir problemas recorrentes na oferta
de pacotes de turismo.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 139/145

2. PROCON: RECLAMAÇÕES FUNDAMENTADAS EM


ENERGIA ELÉTRICA, TELECOMUNICAÇÕES E
SANEAMENTO BÁSICO

2.1. Saneamento básico


A. SABESP
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Má prestação de serviços 211 88 47 103 66 99 2 616
Montagem/colocação 6 3 3 3 15
Não entrega do produto ou serviço 26 9 13 41 20 109
Serviço executado sem autorização/aprovação 2 1 1 4
Dano pessoal/material decorrente do serviço 4 3 2 3 2 8 4 26
Não fornecimento documentos (N.F./orçamento, etc) 3 1 1 5
Contrato/proposta (cuprimento/entrega/rescisão, etc) 1 3 4
Produtos/serviços entregues com danos/defeitos 1 1
Falta de documentação/registro 1 1
Abandono do serviço/obra 3 1 4
Garantia (descumprimento, prazo, etc) 1 1
Orçamento não cumprido/forn./impreciso/etc. 5 4 9
Outros 12 37 49
Serviço em desacordo com norma/lei 2 2 4
Contrato - cláusula abusiva/em desacordo com a legislação 87 3 90
Não entrega do contrato 1 1
Recusa injustificada em prestar serviço 8 3 11
Serviço não concluído/fornecimento parcial 1 1 2
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 30 21 51
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 31 23 54
Aumento (prestação, mensalidade, etc) 271 24 9 52 62 129 547
Devolução de valores (reserva/sinal/prestação, etc) 3 3 1 7
Contrato (não cumprimento, alteração, transf., irregularidade, recisão, etc) 65 65
Contrato recisão/alteração unilateral 2 1 3
Pagamento (atraso, recusa, alteração) 276 106 12 66 37 56 553
Procedimento de cobrança violenta/difamatória 1 1
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 288 14 302
Não devolução de caução 3 3
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 136 166 302
Cobrança indevida/abusiva 267 146 413
Cobrança abusiva mediante constrangimento, ameaça. 2 2
TOTAL 320 818 232 88 273 197 321 938 388 3.575
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

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2.2. Telecomunicações
A. TELESP
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Má prestação de serviços 89 12 7 67 62 227 464
Montagem/colocação 12 4 4 13 33
Não entrega do produto/serviço 149 14 3 73 110 1.062 1.411
Serviço executado sem autorização/aprovação 7 1 1 9
Dano pessoal/material decorrente do serviço 1 1 2 9 1 14
Não fornecimento documentos (N.F./orçamento, etc) 2 2 4
Contrato/proposta (cumprimento/entrega/rescisão, etc) 99 300 8 27 49 383 866
Produtos/serviços entregues com danos/defeitos 3 3 2 9 17
Falta de documentação/registro 1 2 1 1 5
Propaganda enganosa/oferta/venda 1 1
Abandono do serviço/obra 2 2
Garantia (dsecumprimento, prazo, etc) 1 1
Serviço em desacordo com norma/lei 15 15
Outros 3 1 3 7
Garantia - descumprimento prazo 7 7
Contrato - cláusula abusiva/ em desacorda com a legislação 35 1 36
Não entrega do contrato 189 189
Recusa injustificada em prestar serviço 48 4 52
Serviço não concluído/fornecimento parcial 77 77
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 2.810 49 2.859
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 5.920 150 6.070
Contrato (não cumprimento, alteração, transf., irregularidade, recisão, etc) 181 181
Contrato recisão/alteração unilateral 30 30
Contrato/pedido/orçamento (recisão, descumprimento, erro, etc.) 1 1
Documentos: não fornecimento (escolares, recibo, nota fiscal, etc.) 2 2
Consulta sobre serviços (pesquisa, cartilha, endereços, outros) 2 2
Cobrança indevida 65 80 29 96 151 178 272 871
Pagamento (atraso, recusa, alteração) 26 6 15 16 9 17 89
Aumento (prestação, mensalidade, etc) 1 5 6
Devolução de valores (reserva/sinal/prestação, etc) 3 3 4 10
Procedimento de cobrança violenta/difamatória 1 1
Orçamento não cumprido/forn./impreciso/etc. 2 2
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 30 30
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 92 255 347
Cobrança indevida/abusiva 323 228 551
Cobrança abusiva mediante constrangimento, ameaça. 0
TOTAL 198 461 412 62 292 396 1.906 10.045 688 14.262
* a Empresa Telesp passou ao controle da Telefônica da Espanha a partir de 1998.
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

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B. TELESP CELULAR
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Má prestação de serviços 6 6
Contrato/proposta (cumprimento/entrega/rescisão, etc) 4 4
Publicidade enganosa 2 1 3
Desistência de compra (cancelamento da compra) 1 1
Contrato - cláusula abusiva/ em desacordo com a legislação 8 8
Não entrega do contrato 16 16
Recusa injustificada em prestar serviço 7 3 10
Serviço não concluído/fornecimento parcial 2 3 5
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 44 32 76
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 18 5 23
Contrato (não cumprimento, alteração, transf., irregularidade, recisão, etc) 9 9
Contrato recisão/alteração unilateral 4 4
Contrato/pedido/orçamento (recisão, descumprimento, erro, etc.) 0
Documentos: não fornecimento (escolares, recibo, nota fiscal, etc.) 1 1
Publicidade abusiva 1 1
Venda/oferta/publicidade enganosa 2 2
Cobrança indevida 6 19 25
Pagamento (atraso, recusa, alteração) 1 1
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 2 2
Roubo/furto 1 1
Venda/oferta/publicidade enganosa 2 2
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 13 23 36
Cobrança indevida/abusiva 23 22 45
TOTAL 19 167 95 281
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

C. BCP
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Má prestação de serviços 26 26
Não entrega do produto / serviço 3 3
Dano pessoal/material decorrente do serviço 1 1
Não fornecimento documentos (N.F./orçamento, etc) 1 1
Devolução de valores (reserva/sinal/prestação, etc) 1 1
Contrato/proposta (cumprimento/entrega/rescisão, etc) 11 11
Publicidade enganosa 1 2 3
Roubo/furto 5 5
Serviço em desacordo com norma/lei 1 1
Contrato - cláusula abusiva/ em desacordo com a legislação 3 3
Não entrega do contrato 18 18
Recusa injustificada em prestar serviço 2 2
Serviço não concluído/fornecimento parcial 4 4
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 64 31 95
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 22 6 28
Contrato (não cumprimento, alteração, transf., irregularidade, recisão, etc) 33 5 38
Contrato recisão / alteração unilateral 4 4
Venda/oferta/publicidade enganosa 5 5
Discordância na indenização (seguros em geral) 1 3 4
Cobrança indevida 16 14 30
Aumento (prestação, mensalidade, etc) 1 1
Pagamento (atraso, recusa, alteração) 2 2
Não pagamento de indenização (seguros em geral) 64 42 106
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 3 3
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 47 55 102
Consumidor negativado inddevidamente nos serviços de proteção ao crédito 2 2
Cobrança indevida/abusiva 72 35 107
TOTAL 62 365 179 606
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 142/145

D. EMBRATEL
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Serviço não concluído/fornecimento parcial 1 1
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 5 5
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 6 6
Cobrança abusiva mediante constrangimento, ameaça 1 1
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 165 165
Cobrança indevida/abusiva 150 150
TOTAL 328 328
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

E. INTELIG
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 1 1
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 12 12
Cobrança indevida/abusiva 9 9
TOTAL 22 22
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

E. VESPER
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 2 2
Contrato - Rescisão/alteração unilateral 1 1
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 5 5
Cobrança indevida/abusiva 3 3
TOTAL 11 11
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 143/145

2.3. Energia elétrica


A. ELETROPAULO
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Má prestação de serviços 44 11 4 16 15 14 104
Montagem/colocação 2 2
Não entrega do produto/serviço 2 1 2 7 12
Serviço executado sem autorização/aprovação 2 2 1 5
Dano pessoal/material decorrente do serviço 18 16 1 13 7 29 40 23 147
Não fornecimento documentos (N.F./orçamento, etc) 1 1
Contrato/proposta (cumprimento/entrega/rescisão, etc) 1 18 19
Garantia - descumprimento prazo 1 1
Serviço em desacordo com norma/lei 1 2 3
Contrato - cláusula abusiva/em desacordo com a legislação 17 5 22
Contrato - Rescisão unilateral 2
Não entrega do contrato 1 1
Recusa injustificada em prestar serviço 3 1 4
Serviço não concluído/fornecimento parcial 3 3
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 6 10 16
Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 7 2 9
Cobrança indevida 99 68 1 20 8 34 33 263
Pagamento (atraso, recusa, alteração) 33 8 2 12 7 7 69
Aumento (prestação, mensalidade, etc) 58 4 15 8 13 98
Devolução de valores (reserva/sinal/prestação, etc) 2 2
Não devolução do caução 1 1
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 28 15 43
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 43 114 157
Cobrança indevida/abusiva 46 81 127
Cobrança abusiva mediante constrangimento, ameaça. 1 1
TOTAL 76 261 109 9 77 48 104 249 255 1188
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

B. EMPRESA BANDEIRANTE DE ENERGIA


DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Dano material/pessoal decorrente do serviço 3 3
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 1 2 3
Contrato - clásula abusiva em desacordo com a legislação 3 3
Cobrança indevida 1 1
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 2 1 3
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 14
Cobrança indevida/abusiva 6 7 13
TOTAL 16 24 26
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

C. CESP
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Cobrança indevida 5 1 6
Reajuste abusivo (preço, taxa, mensalidade, etc.) 2 2
TOTAL 5 3 8
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 144/145

D. ELEKTRO
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Dano pessoal/material decorrente do serviço 2 2
Vício de qualidade (mal executado, inadequado, impróprio) 1 1
Orçamento não cumprido/não fornec./impreciso/imcompleto/serviço não solicitado. 1 1
Cobrança indevida/abusiva 3 3
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 4 4
TOTAL 76 0 0 0 0 0 0 0 7 7
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

E. CPFL
DESCRIÇÃO NÚMERO DE RECLAMAÇÕES
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TOTAL
Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento 1 1
TOTAL 76 0 0 0 0 0 0 0 1 1
Fonte: Procon/SP. Elaboração própria.

3. PROCON-SP: DADOS AGREGADOS DE


RECLAMAÇÕES E CONSULTAS

1994 1995 1996


ÁREAS CONS. PA/CE RECLAM. TOTAL CONS. RECLAM. TOTAL CONS. CART/MIA RECLAM. TOTAL

ALIMENTOS 2.221 36 392 2.649 1.523 670 2.193 1.056 20 298 1.374
SAÚDE 15.094 2.959 4.035 22.088 10.462 1.205 11.667 15.480 3.813 4.081 23.374
HABITAÇÃO 110.633 4.124 831 115.588 112.788 1.749 114.537 49.268 3.172 1.575 54.015
PRODUTOS 23.650 7.988 2.868 34.506 41.571 3.189 44.760 29.745 11.022 7.086 47.853
SERVIÇOS 34.748 8.876 3.319 46.943 55.365 3.276 58.641 48.365 11.508 6.286 66.159
ASS. FINANCEIROS 18.241 3.665 1.059 22.965 23.064 772 23.836 19.047 4.144 2.099 25.290
FISCALIZAÇÃO 0 0 321 321 0 321 321 0 0 343 343
EXTRA-PROCON 24.396 0 0 24.396 34.646 0 34.646 32.451 0 0 32.451
CAD-PESQ 0 0 0 0 0 0 0 51.969 0 0 51.969

TOTAL 228.983 27.648 12.825 269.456 279.419 11.182 290.601 247.381 33.679 21.768 302.828

1997 1998 1999 2000


CONS. CART/MIA RECLAM. TOTAL CONS. CART/MIA RECLAM. TOTAL CONS. RECLAM. TOTAL CONS. RECLAM. TOTAL

948 78 327 1.353 1.480 106 316 1.902 692


9.674 2.607 3.120 15.401 12.750 3.265 2.361 18.376 16.244
21.825 2.085 1.180 25.090 19.385 2.460 1.491 23.336 13.344
25.414 11.383 6.875 43.672 38.533 11.775 7.555 57.863 34.864
39.254 12.003 6.883 58.140 80.153 20.893 12.620 113.666 115.299
17.682 4.860 2.311 24.853 45.183 11.252 6.141 62.576 49.951
0 0 228 228 0 0 329 329 0
33.726 0 0 33.726 56.835 0 0 56.835 67.641
35.861 0 0 35.861 33.551 0 0 33.551 0

184.384 33.016 20.924 238.324 287.870 49.751 30.813 368.434 298.035 285.227

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001


EAESP/FGV/NPP - N ÚCLEO DE P ESQUISAS E P UBLICAÇÕES 145/145

4. RESULTADOS DE REGRESSÕES

A forma funcional é log-linear, do tipo:

y = Aeβx
onde y é o número de reclamações e x são os anos.

A tabela abaixo mostra o resultado das regressões:

Serviços Demais Reclamações


Estudados Serviços Gerais
Intersecção 6,02 9,25 10,58
d. p. 0,76 0,32 0,23
Beta 0,23 0,09 0,05
d. p. 0,14 0,05 0,04
F 2,90 3,04 2,13
R2 0,29 0,38 0,30
Número de
Observações 9 7 7

RELATÓRIO DE PESQUISA Nº 54/2001

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