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The
Palgrave Handbook of Childhood Studies. England: Palgrave Macmillan, 2009, p. 159- 174.
(p. 159)
Ordem Geracional1
Leena Alanen
Introdução
À medida que abordagens distintamente sociológicas para o estudo da infância foram debatidas
e o novo campo dos estudos da infância começou a emergir nas décadas de 1980 e 1990, a
geração foi identificada, desde cedo, como um conceito-chave para estabelecer essa nova
maneira de pensamento nas ciências sociais. Jens Qvortrup (1985, 1987) foi um dos primeiros a
discutir o caso; ele escreveu que, na sociedade industrial, o conceito de geração adquiriu um
significado mais amplo do que nas formações sociais anteriores, já que "crianças" e "adultos"
assumiram agora atributos estruturais que se relacionam uns com os outros. Foi útil, portanto,
tratar 'infância' e 'idade adulta' como elementos estruturais em uma relação interativa e a
infância como um status social particular (Qvortrup, 1987, 19).
Geração, é claro, não é um termo novo na sociologia. Ele foi conceituado de várias maneiras e
existem vários quadros analíticos para estudar questões geracionais. O mais conhecido deles é
provavelmente o estudo cultural das gerações históricas, introduzido na sociologia por Karl
Mannheim no final da década de 1920 e desfrutando de um renascimento desde o início da
década de 1990 (e.g., Pilcher, 1994, 1995; Becker, 1997; Corsten, 1999; Edmunds e Turner,
2002). O termo também aparece em estudos de categorização de idade, onde tende a ser usado
como sinônimo de 'faixa etária' ou 'coorte'. Há também uma ampla gama de estudos que focam
na mudança nas relações intergeracionais, estes foram particularmente promovidos na década
de 1950, muitas vezes com implicações funcionalistas com foco em relações problemáticas entre
a 'geração jovem' e suas gerações de pais (e.g., Eisenstadt, 1956). Mais recentemente, o foco foi
estendido para abranger uma gama mais ampla de relacionamentos intergeracionais, incluindo
relações multigeracionais (e.g., Liebau e Wulf, 1996; Arber, 2000).
A proposta de Qvortrup para um uso estrutural dos termos ‘infância’ e ‘idade adulta’,
entretanto, aponta em uma direção diferente. Isso marca particularmente uma diferença em
relação aos significados cotidianos de senso comum dos termos, bem como dos significados que
lhes são inerentes na ciência social dominante¹. Nos contextos do discurso cotidiano e das
ciências sociais, os termos infância e idade adulta são principalmente tomados para se referir a
duas “etapas” na biografia de (p. 160) indivíduos humanos: a infância vem em primeiro lugar e
é seguida - através do estágio de transição da juventude - pela idade adulta e, mais tarde, pela
‘velhice’. As relações geracionais denotam, então, as relações entre indivíduos localizados em
diferentes estágios da vida (relações intergeracionais) ou entre indivíduos que compartilham o
estágio da vida (relações intrageracionais). 'Crianças', por exemplo, neste entendimento,
1
Tradução por Angela Scalabrin Coutinho, para finalidade de estudo na disciplina Infância e Relações
Geracionais.
simplesmente denota aqueles indivíduos que atualmente vivem suas vidas dentro do estágio da
infância.
Nas sociedades ocidentais modernas, essa divisão (ou ‘estruturação’; Hockey e James, 1993) do
curso da vida individual em estágios foi padronizada, normalizada e institucionalizada de
múltiplas maneiras pela legislação e pelas instituições do Estado de bem-estar social (e.g., Kobli,
1986). As pessoas estão rotineiramente e na maioria dos domínios sociais, se não todos,
definidas em termos de idade (cronológica) e atribuídas ao estágio de vida apropriado, e seu
comportamento e gerenciamento são predominantemente julgados em relação aos modelos
padrão de seu estágio de vida (e.g., Blatterer, 2007a). Na ciência social, ferramentas conceituais
e metodológicas foram desenvolvidas para estudar o fenômeno do curso da vida, suas divisões
e transições internas, e as mudanças e a realidade atual de cada etapa (e.g., Hockey e James,
1993; Giele e Elder, 1998; Hareven, 1999).
Em contraste, a ideia recém-proposta da infância como um elemento da estrutura social requer
ferramentas sociológicas de composição diferente. Estes reconhecem como sua base e ponto
de partida para a (re)conceituação, a metodologia de pesquisa e a exploração empírica, a
natureza fundamentalmente relacional das categorias sociais da infância e da idade adulta. Fitz
e Hood-Williams estavam à frente do seu tempo (1982, 65) quando apontaram que:
Se quisermos entender 'juventude' e infância, temos que proceder não por estudos de
fenômenos distintos, mas por estudos de relações, uma vez que a juventude (ou infância /LA)
não é uma função da idade, mas uma categoria social constituída em relação a, e em oposição
a, categoria adulto (como feminino ao masculino). (ênfase adicionada por LA) 3
Fitz e Hood-Williams (1982, 66) também observam que a família é o principal ambiente
institucional para o relacionamento entre criança e adulto, mas as crianças e os adultos, é claro,
também se encontram em vários outros contextos. Eles sugerem, portanto, que seria mais
apropriado falar da relação criança-adulto e sua constituição4. Para denotar o sistema
estruturado de relações criança-adulto, Fitz e Hood-Williams adotam o conceito de ‘patriarcado’
a partir dos estudos históricos e antropológicos das relações de parentesco e da análise de Max
Weber das relações patriarcais de autoridade (ver também Hood-Williams, 1990). Da mesma
forma, a designação de infância de Qvortrup como um status social particular (Qvortrup, 1987,
19) enfatiza a natureza econômica e política das relações criança-adulto5.
Neste capítulo, a "geração", e não o "patriarcado" ou outros termos derivados do discurso
patriarcal, é adotado como um elemento-chave no desenvolvimento de uma abordagem
estrutural e geracional para o estudo sociológico da infância.
(p. 161)
Ordem geracional
Uma perspectiva geracional foi adotada na pesquisa do projeto internacional ‘Infância como um
Fenômeno Social’ (1987-1992), que foi estabelecido para estudar os aspectos sociais
característicos da infância em vários países ocidentais.
A ideia central na abordagem do projeto era a ideia de relações sociais dinâmicas entre gerações,
que agora eram entendidas como os elementos (ou unidades) de uma estrutura geracional. No
produto final do projeto (Qvortrup et al., 1994) foram apresentadas várias análises sobre as
relações entre a infância e a vida adulta no nível macrossocial, e também foram sugeridos vários
novos conceitos para desenvolver ainda mais o novo pensamento sociológico (Qvortrup, 1994).
A ideia de uma ordem geracional era uma delas; e foi apresentada como uma ferramenta
analítica útil para trabalhar e refinar, e para se desenvolver em um quadro abrangente de
trabalho para o estudo social da infância (Alanen, 1994; também Alanen, 1992, pp. 64-71).
A ideia central na noção de uma ordem geracional é que existe nas sociedades modernas um
sistema de ordenamento social que, especificamente, pertence às crianças como uma categoria
social, e circunscreve para elas determinados locais sociais nos quais elas agem e, assim,
participam da vida social em curso. As crianças estão, assim, envolvidas na 'construção' diária
das suas próprias relações cotidianas e trajetórias de vida.
Entre os cientistas sociais, Philippe Ariés (1962) foi o primeiro a promover a visão de que a
infância só recentemente foi criada como um local distinto (relacional) para os membros mais
jovens da sociedade moderna. Embora tenha havido uma quantidade razoável de debate sobre
o argumento da infância como uma invenção histórica e sobre a adequação da evidência
histórica que Ariés apresentou, seu trabalho tem que ser creditado por preparar o terreno para
discutir o surgimento de uma posição estrutural específica da infância e das crianças como uma
categoria social separada que está inter-relacionada com outras categorias sociais.
Essa ideia de uma relacionalidade interna (necessária) (Sayer, 1992, 88-92) entre categorias
geracionais é uma suposição básica para a nova maneira de pensamento. Sua interdependência
significa que eles estão em uma relação de constituição mútua - eles reciprocamente presumem
um ao outro. Para a prática social, a implicação é que a infância e a idade adulta são produzidas
e reproduzidas nas interações entre os membros das categorias geracionais existentes - em
outras palavras, nas práticas intergeracionais. Através de tais práticas, uma estrutura social
particular também surge recorrentemente. E como essa estrutura é uma organização particular
de relações sociais, neste caso, relações entre categorias geracionais, é apropriado chamá-la de
ordem geracional.
A infância, sem mencionar a idade adulta, dificilmente será uma entidade homogênea, dentro
de cada categoria geracional ampla provavelmente surgirá subcategorias. O que essas
subcategorias são em cada caso, e como elas surgem e são reconhecidas, tanto socialmente
quanto na prática, será sempre uma questão empírica a ser estudada. Uma definição síntese
preliminar para a ordem geracional, em qualquer ponto do tempo e lugar é: uma ordem
geracional é uma rede estruturada de relações (p. 162) entre categorias geracionais que estão
posicionadas e agem dentro de inter-relações necessárias entre si.
O que os conceitos de classe e geração compartilham é uma relação formalmente similar a uma
estrutura social, embora para uma estrutura social diferente em cada caso: uma posição de
classe é um elemento constitutivo da estrutura de classes (nos termos de Mannheim: "estrutura
econômica e de poder") e uma 'localização geracional' é um elemento constitutivo de uma
estrutura geracional que Mannheim descreve em termos da base existencial da vida humana e
da sociedade,' governada por fatores biológicos e extra-biológicos '(Mannheim, 1952 [1928],
310).
O sentido de classe ao qual Mannheim se refere parece ser do tipo weberiano: a classe é definida
pela situação das pessoas - a probabilidade de desfrutarem dos benefícios dos bens materiais,
ganhando uma posição na vida e ‘satisfações internas’ como resultado de um controle relativo
sobre bens e habilidades (Weber, 1968 [19221, 302]). Uma classe, então, refere-se a todas as
pessoas que compartilham a mesma situação de classe, isto é: o mesmo conjunto de
propriedades, oportunidades na vida e nos mercados de emprego (Crompton, 1998, 57; Turner,
1999, 225).
Um conceito de classe ligeiramente diferente e alternativo (p. 165) está disponível nas teorias
de classe que se inspiram em Marx e sua teoria do capitalismo e sua compreensão das classes
relacionadas internamente. Este conceito de classe é discutido a seguir.
A ideia para começar é a de ‘classe’ definida pelas relações econômicas de produção, nas quais
os membros de uma classe econômica se posicionam em relação aos membros de outra classe.
O que é importante notar é que essas duas noções - a ‘classe’ weberiana e a marxista - são
relacionais, mas há uma diferença significativa entre os tipos de inter-relações que podem existir
entre membros de diferentes classes sociais. No caso weberiano, as relações entre membros de
diferentes classes tendem a ser externas, ou contingentes, no sentido de que a classe é definida
em termos de um número de atributos compartilhados (idade, renda, educação, atitudes,
chances de vida etc.). Em contraste, as teorias de classe baseadas na dialética marxiana supõem
que a relação entre classes é interna, ou necessária, no sentido de que uma classe é dependente
de sua relação com a outra, e a existência de uma necessariamente pressupõe a outra (Sayer,
1902, 89-90; Ollman, 2003).
A ideia de uma ‘família nuclear’ moderna exemplifica o caso de uma estrutura geracional na qual
as relações também são internas: é um sistema de relações, ligando um ao outro o marido/pai,
a esposa/mãe e seus filhos, todos que podem ser concebidos com posições dentro da rede
estruturada de relações (cf. Porpora, 1998, 343). Internalidade, implica que as relações de
qualquer detentor de uma posição (como a de um pai) não podem existir sem a outra posição
(filho).
O que a parentalidade faz ou se torna - isto é, ação na posição de um pai em suas relações
definidoras - depende da ação recíproca tomada pelo detentor da posição de filho. Da mesma
forma, uma mudança de ação em uma posição provavelmente afetará a mudança em outra
posição. A interdependência do desempenho posicional, bem como da identidade, não funciona
apenas de uma maneira, unidirecionalmente, da posição dos pais para a posição da criança.
Curiosamente, o termo que no exemplo da família corresponde ao desempenho posicional do
portador da posição da criança está ausente, tanto do discurso cotidiano quanto do sociológico,
presumivelmente porque a base culturalmente normativa para entender a relação entre pais e
filhos tende a ser apenas um caminho. Logicamente, ‘childing'2 (Mayall, 1996, 49) seria o contra-
termo necessário para ‘parenting’ (parentalidade).
Um exemplo paralelo é facilmente dado pelo sistema estruturado de posições professor-aluno.
O caso pode ser expandido trazendo-se as complexidades em que o detentor de uma posição
de professor também define uma posição apenas dentro de um sistema de ensino mais amplo.
A estrutura da escolaridade (incluindo o sistema familiar) provavelmente existirá em uma
relação igualmente interna com uma estrutura particular do Estado de bem-estar social, ou uma
estrutura de mercado de trabalho, e estas por sua vez estarão internamente relacionadas a
estruturas econômicas e culturais mais amplas que potencialmente se estendem a estruturas
globais. Assim, espera-se que as estruturas geracionais que nos consideramos que existem como
estruturas verdadeiramente relacionais, possam ser incorporadas em cadeias de outras
estruturas relacionais, sejam eles geracionais ou de outra forma (por exemplo, estruturas de
classe ou gênero); assim, as determinações das estruturas e posições geracionais são sempre
dinâmicas e complexas.
A característica distintiva pela qual podemos encontrar estruturas sociais relacionais a existência
e a maneira de ‘determinar’ as possibilidades de desempenho real dos detentores de suas
posições estruturadas é a interdependência. No entanto, como Sayer (1992, 89-91) observa, a
relação não precisa ser, e muitas vezes não é, simétrica em ambas as direções. A estrutura
geracional familiar, por exemplo, é (geralmente) de assimetria, como é a estrutura geracional
de professor-aluno, e muitas outras estruturas de relações embutidas na organização do Estado
de bem-estar social.
Além disso, o conceito marxista de classe econômica ‘é aquele que claramente depende de
relações internas: o capital necessariamente pressupõe trabalho assalariado, e fora dessa
relação, não é mais capital’ (Sayer, 1992, 88-92). Em análises não marxistas, também como no
discurso popular, as classes (ou, mais frequentemente, os estratos) são definidas
diferentemente, principalmente em termos dos atributos que os membros e categorias
compartilham, como renda, educação e status. Então, a estrutura de classes (ou sistema de
2
Nota sobre a tradução do termo: De acordo com Daniel Thomas Cook o termo childing não existe em
inglês nem na maioria das línguas modernas. Mas este verbo existe no grego antigo, como mostra o
fragmento 52 de Heráclito, que diz Aion Pais Paizo ... Asileus paizou ou "O tempo é uma criança, um reino
infantil" (“Time is a child childing, a childish kingdom”). O que Heráclito está dizendo é que “childing” é a
ação de uma criança que ocorre em tempo aiônico, um tempo inerentemente ligado à infância. Esta
entrada examina a relação única das crianças com o tempo e questiona se a criança tem um lugar em
instituições contemporâneas, incluindo escolas e no caso deste texto o lugar das crianças no contexto das
relações parentais. (In: https://sk.sagepub.com/Reference/the-sage-encyclopedia-of-children-and-
childhood-studies/i4732.xml)
estratificação) é uma construção dos pesquisadores, que classificam o indivíduo de acordo com
sua correspondência com os critérios de classe (estrato) escolhidos. As relações entre as classes
(ou seja, as relações entre grupos de detentores de posição de classe), esse modo de análise é
mais provável externo e contingente do que interno e necessário, porque as posições de classe
construídas não se definem e se implicam reciprocamente, como fazem dentro de relações
internas (necessárias).
Aqui é instrutivo pensar em gênero (estruturas de gênero) como sendo composto de relações
internas e então relacionar essa ideia com um conceito de gênero baseado em relações
externas. Connell (1987) faz isso, embora sua terminologia seja diferente do acima referido. Ele
examinou alguns dos trabalhos mais atuais da teoria do gênero, entre eles as teorias que ele
chamou de categóricas (Coonell, 1987, p. 54-61). Em uma análise baseada na teorização
categorial, as categorias de gênero, como existem para homens e mulheres, ou algumas
subcategorias de cada uma delas - são tomadas como ponto de partida e o estudo visa descobrir
como as categorias se relacionam em termos de um aspecto escolhido - por exemplo, chances
de vida ou recursos. O ponto problemático na teorização categorial, conclui Coonell, é que uma
análise que começa por estabelecer uma linha simples de demarcação entre posições de gênero
não é capaz de prestar atenção ao processo de como as categorias de gênero e as relações entre
as categorias são constituídas em primeiro lugar e são subsequentemente reproduzidas ou,
como podem ser, transformadas. A consequência é que as teorias categóricas de gênero são
forçadas a tratar ambos os gêneros em termos de indiferenciação interna, categorias
homogêneas e gerais, convidando, assim, a criticar o falso universalismo e às vezes até a cair no
pensamento biológico. Para resolver esse ‘categoricalismo’, Coonell defende o que ele chama
de teorização ‘baseada na prática’, que enfoca ‘o que as pessoas fazem por meio da constituição
das relações em que vivem’ (Connel, 1987, p. 61-64).
O risco de tratamento indiferenciado dos membros da categoria também é evidente nas
abordagens estruturais da infância que partem da categoria social das crianças como sua
unidade e demarcam essa unidade (principalmente) com base na idade cronológica (p. 167) (ver
Qvortrup, 1994, 2000). As crianças, assim como as suas contrapartes na análise (por exemplo,
adultos), são de fato trazidas para a análise como categorias de idade demográfica ou conjuntos
de coortes de nascimento. A tradução da geração para o construto social da idade aproxima a
análise baseada em coortes (estatística) da análise geracional. Na abordagem estrutural de
Qvortrup, as relações (contingentes) entre as categorias de crianças e adultos recebem uma
interpretação econômica, e os processos (macro)econômicos são trazidos para a análise para
explicar a situação econômica da categoria crianças definida pela idade. Desse modo, a
abordagem da Qvortrup poderia ser vista como uma modificação da análise geracional de
Mannheim, só que agora as crianças se mostram não como uma geração cultural, mas
econômica, na medida em que compartilham um conjunto de riscos e oportunidades
econômicas. Nessa visão, a definição de sua natureza geracional - infantil - parece basear-se em
uma similaridade observável ou atributo compartilhado, ou conjuntos deles, entre crianças
individuais e, portanto, mais externas do que internas.
Há também outra característica interessante em análises baseadas em categorias em que o foco
está nos aspectos econômicos ou na relação geracional. Um exemplo é o enquadramento
instigante das atividades de crianças de David Oldman (Oldman, 1994); seu objetivo é mostrar
como nas sociedades capitalistas as relações entre as classes (geracionais) de crianças e adultos
se organizaram como relações econômicas. A sugestão de que adultos e crianças são categorias
sociais que existem principalmente por sua oposição econômica em relação uns aos outros, e
na capacidade da classe dominante (adultos) de explorar economicamente os ativistas da classe
subalterna (crianças). As crianças, através de suas várias atividades cotidianas, de fato produzem
valor para os adultos, que realizam 'trabalho infantil', que é um trabalho no qual as crianças são
objetos do trabalho dos adultos (Oldman, 1994, 43-47). Como a família é apenas um dos muitos
lugares onde ocorre essa oposição e exploração de classes (escola sendo outra), Oldman conclui
que existe um modo de produção geracional distinto que se articula com outros dois modos de
produção existentes: o modo capitalista que domina a esfera industrial e o modo patriarcal que
domina na esfera doméstica (ibid., 55-58).
Em sua interpretação ousada das relações entre criança e adulto, Oldman claramente limita a
ordem geracional das relações sociais sob a lógica da produção. Muitas das análises que
focalizaram as relações estruturais entre a infância e a vida adulta seguiram a mesma ideia ao
delinear as estruturas evolutivas das relações econômicas entre as duas categorias geracionais
de crianças e adultos (e.g., Qvnrtrup, 1995; Wintersberger, 19981 2005; Hengst, 2000; Olk e
Wintersberger, 2007). Em contraste, a noção de ordem geracional promovida neste capítulo
pretende fornecer um quadro de análise, deixando-o ao estudo empírico para descobrir o que
realmente é o princípio constitutivo no ordenamento social, e organizado, das relações criança-
adulto em cada caso (e.g, nacional) e em diferentes campos sociais. Em alguns casos, pode ser
primordialmente econômico; no caso de outras estruturas, o cultural pode dominar. Em
qualquer caso, esta abordagem permite uma conceituação mais dinâmica de estruturas
geracionais do que parece possível se o ponto de partida é baseado em categorias geracionais.
A análise visaria identificar as relações internas que ligam as crianças ao mundo social, as
posições (relacionais) (p. 168) que definem a criança em cada tempo-espaço histórico e as
práticas sociais (relacionais) (cf. Coonell, 19R7) em que as posições constitutivas do que
caracteriza as crianças são simultaneamente produzidas e mantidas, e ocasionalmente
transformadas. A pesquisa de gênero fornece alguns exemplos e ferramentas para desenvolver
um quadro dinâmico e relacional para análise geracional.
Do gênero à geração
A elaboração de novas ferramentas analíticas que, desde a década de 1970, ocorreu nos
‘women’s/feminist studies’ fornece uma fonte rica para propor e também elaborar conceitos
geracionais (Alanen, 1992, 26-52). A invenção do gênero em particular, com suas muitas
derivações na teoria e pesquisas feministas, é, além disso, um poderoso recurso para o
desenvolvimento conceitual do estudo da geração.
As crianças também têm gênero, mas a utilidade da noção de gênero está além disso. Gênero é
essencialmente um conceito relacional, como também é geração. Como "homens" e
"mulheres", as "crianças" e "adultos" também denominam duas categorias sociais que estão
posicionadas em relação umas às outras, a primeira em uma relação de gênero, a segunda em
uma relação geracional. Ao elaborar a lógica relacional do gênero, uma compreensão relacional
mais clara da geração também pode se desenvolver.
A noção de gênero permitiu que estudiosas feministas se movessem de uma visão paralela na
sociologia das mulheres em relação à sociedade masculina e recuperassem tais questões. A
explicação para a existência da categoria social mulheres foi buscada pelo estudo da
historicidade e da construção social das "mulheres”. Essa pesquisa levou a uma visão de gênero
como uma formação estrutural de relações de poder que existe, além das interações situadas
face a face de homens e mulheres individuais (e.g., Connell, 1987; Marshall, 1994; Ferree et al.,
2000). A assunção de tal sistema de poder implica, por sua vez, processos estruturantes, isto é,
de gênero - os processos sociais que efetuam a regulação, organização e posicionamento das
pessoas em diferentes localizações sociais dentro da estrutura de gênero ou ordem de gênero
(Coonell, 1987). O posicionamento diferencial por sua vez implica, e ajuda a explicar, o acesso
diferenciado de mulheres e homens à participação na vida social, que ao longo do tempo
resultou em divisões sociais e desigualdades padronizadas entre homens e mulheres, e
identidades, experiências e conhecimentos específicos de gênero (Marshall , 1994). Além disso,
as relações sociais mostram-se marcadas por gênero em todos os "níveis" e, da mesma forma,
os sistemas existentes de símbolos e significados ou significados que constituem a dimensão
cultural e discursiva inerente ao gênero.
A imensa produção teórica sobre a distinção sexo/gênero para a elaboração da socialidade de
gênero sugere que também a geração, como fenômeno social e relacional, pode ser teorizada
de maneira proveitosa ao se usar termos paralelos. Ao, conceitualmente, privilegiar a assimetria
entre as crianças e adultos, infância e idade adulta, o espaço é aberto para explorar
empiricamente:
Conclusão
Os princípios básicos da ordem social - isto é, as maneiras pelas quais os membros de uma
sociedade se relacionam entre si e com toda a sua sociedade - também incluem o (p. 171)
arranjo de relações entre grupos geracionais. Nesse sentido, a ordem social também é sempre
uma ordem geracional (e.g., Bühler-Niederberger, 200S, 9; cf. llonig, 1996, 1999, 190).
Seria então inevitável que, se a sociologia da infância avançasse teoricamente, a noção de ordem
geracional merecesse ser desenvolvida e testada e aperfeiçoada empiricamente. Isso parece
crítico mesmo para a sociologia da infância, uma vez que luta para se tornar reconhecida como
um campo de estudo que também é indispensável para o amplo esforço sociológico de explicar
a organização da vida social, suas divisões (variáveis), suas interseções e as resultantes da
complexidade da vida individual e das relações sociais. Além disso, se o corpo de conhecimento
na sociologia geral permanece ignorante ao ordenamento geracional como um princípio
organizador distinto de relações sociais, o estudo social da infância corre o risco de permanecer
isolado das principais áreas da pesquisa social.
Notas:
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