Você está na página 1de 6

Cidadão Global

ESPECIAL PUBLICITÁRIO

“Assim que as coisas melhorarem, o comportamento


pode voltar piorado”, diz Wolf
Para Eduardo Wolf, doutor em Filosofia pela USP, onde é pesquisador, e fundador do Estado da
Arte, a pandemia não deve levar a uma sociedade diferente da que se vê hoje

Por Santander
11/12/2020 19h29 · Atualizado há 12 horas

Foto: Getty Images

A experiência de enfrentar uma pandemia durante meses deverá causar mudanças profundas na
sociedade. No entanto, apesar da reviravolta causada pela necessidade de isolamento e o medo
de contágio pelo novo coronavírus, nem tudo deve passar por uma transformação positiva. A
avaliação é de Eduardo Wolf, doutor em Filosofia pela USP, onde é pesquisador, e fundador do
Estado da Arte.

Apesar de a pandemia ter provocado uma onda solidária global logo nos primeiros meses, Wolf
não acredita que o medo do vírus e da morte vão minar os movimentos populistas e o risco à
democracia.

Nesta entrevista, o filósofo fala como os antigos pensadores podem ajudar a compreender
melhor os tempos atuais, o comportamento nas redes sociais e os governos no pós-pandemia. A
seguir, os principais trechos da conversa.

Quais são os filósofos que melhor traduziriam o comportamento da sociedade nos últimos
anos?

Raramente foi tão importante ler os gregos antigos como agora. Não sei se são os melhores para
traduzir o atual cenário, mas seriam importantes para refletir sobre o que estamos passando.
Primeiro porque ao longo de 2020 vimos como nossa existência é frágil: a pandemia provou isso.
Não apenas em termos de nossa fragilidade física: percebemos que há muita coisa que
simplesmente não está sob o nosso controle. Mesmo nossos planos mais comuns, seja sobre
nossa vida profissional, seja sobre nossa vida pessoal, tudo isso é muito frágil, é contingente:
todos tínhamos planos, mas veio a pandemia e tudo mudou em uma escala impressionante. Os
gregos mostram muito bem isso, o caráter indeterminado do futuro. Em março, bastaram alguns
dias para tudo ficar diferente. Em função de uma renovada consciência da fragilidade do nosso
destino, da nossa tomada de decisão, visitar pensadores como Aristóteles ajuda a entender
melhor a natureza de nossas ações e a nossa própria condição.

As pessoas vão desacelerar? Vão optar por um modo de vida com mais prazer e menos
estresse?

Sou cético em relação a essas mudanças. Grandes acontecimentos que causam profundos
impactos, como a pandemia, sempre têm a característica de mudar o comportamento das
pessoas. Seria de se esperar algo assim em nossa atual situação. Mas acho que não será bem
assim. Primeiro por causa da rapidez das transformações e da facilidade de contornar essas
dificuldades: em menos de um ano, já temos até vacina. Em segundo lugar, porque parece haver
uma espécie de demanda represada pelos velhos hábitos: assim que as coisas melhorarem, o
comportamento pode voltar piorado. É o que temos visto pelo mundo, de festas a protestos de
quem não quer ficar mais em casa. Depois da primeira grande leva de vacinação, acredito que as
pessoas vão se soltar ainda mais e retomar o padrão de comportamento anterior, por isso não
apostaria de forma significativa em transformações comportamentais. Claro que vemos
pontualmente alguns exemplos de mudanças, como pessoas que estão curtindo mais suas casas
durante a pandemia, mas não será algo significativo a ponto de virar um padrão.

Mas não foi assim em outras crises do passado, foi?

Vimos no passado, depois de momentos de grave crise, muita gente querendo mostrar o seu
melhor, com força e união, como aconteceu na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, e mesmo
após 1945, quando houve um esforço global coordenado para evitar que as pessoas vivessem em
condições miseráveis como as que tinham ocasionado a ascensão do nazi-fascismo que resultara
na guerra. Mas o momento é diferente. Vemos agora, com a pandemia, pessoas indo fazer dança
com caixão em frente a hospitais e uma guerra política em torno da vacina, o que reflete bem que
o comportamento da sociedade mudou muito. Não creio que estejamos testemunhando “o
melhor” das pessoas.

O que explica a negação de parte das pessoas em relação à pandemia e à eficácia das
vacinas?

É porque não existem mais mediadores: imprensa e instituições de “filtragem” e equilíbrio estão
enfraquecidas. Triunfou o que eu chamo de sufrágio universal da opinião permanente e
veiculada. As pessoas têm opinião o tempo todo a respeito de tudo — e têm meios de veiculá-las.
Ideias que antes eram apontadas como bizarras, que apareciam aqui e ali, agora estão o tempo
todo nas redes e podem facilmente alcançar milhares, quando não milhões de pessoas. Por isso
falo em sufrágio universal da opinião permanente e veiculada. É claro que desde há muito, todo
mundo tem direito a opinião em uma democracia — sempre foi assim. Mas nunca antes
prevalecera a tese de que as opiniões tivessem o mesmo peso, de que elas se equivaliam — a de
um epidemologista e a de um palpiteiro de rede social, por exemplo. Agora, não só têm o mesmo
peso como são trabalhadas como conteúdo para diferentes públicos, viraram um negócio nas
mãos de poucos. Isso tudo coincidiu com um momento de fragilidade das instituições
mediadoras, de filtragem e de pesada intervenção de uma nova tecnologia — a internet, os smart
phones, as redes sociais — que alterou a forma como as pessoas se relacionam com conteúdo.

Quando falamos de sociedade, a cooperação deverá ter mais relevância?

Não deve acontecer. Acho que, no nível governamental, pode ter algum nível de moderação no
discurso pró-mercado e tecnocrata. Nessa esfera, vão ser buscados caminhos intermediários que
reconstruam o tecido social. Do contrário, o caos pode explodir, seja pela extrema direita, seja
pela extrema esquerda. Não diria que vai haver uma mudança com força suficiente, como vimos
no pós-Segunda Guerra Mundial e a construção do Estado de Bem Estar Social depois. Mas deve
haver uma recomposição da economia e das relações internacionais em outras bases.

As redes sociais serviram de vitrine para um novo comportamento social e intensificaram


a polarização. Por outro lado, tornaram a cultura, a educação e a informação mais
disponíveis. Você acredita que poderá haver alguma mudança relevante de
comportamento nos próximos anos?

A tendência é que esse comportamento polarizado, tribal, continue por um bom tempo. Temos
nas redes sociais uma arena global de veiculação de informação, mas também de fake news e de
opiniões as mais disparatadas. Imaginava-se que em algum momento existiria um filtro que
permitisse separar as coisas. Infelizmente, no entanto, o que temos é a concentração dos
negócios das redes sociais nas mãos de poucas empresas, que preferem os cliques aos fatos e à
verdade, e que não aceitariam mudar seu modelo de negócios. Para que esse filtro possa existir,
para que haja algum controle mediado, será preciso que venha acompanhado de uma legislação,
inspirada preferencialmente nos moldes europeus, com a responsabilização legal efetiva por
crimes cometidos nesse ambiente, mas salvaguardando a liberdade de expressão.

O que a literatura, as séries, o cinema, a música, o teatro e a TV poderão trazer de novo no


pós-pandemia?

No sentido tradicional de cultura, que prevaleceu até meados do século XX – as grandes


expressões poéticas, literárias, filosóficas – isso acabou, já vinha acabando. O que resta disso é
uma espécie de museu. A capacidade que nós revelamos de produzir nesse patamar, com esses
efeitos, foi inviabilizada pela grande sociedade de massa, tecnológica. Quer dizer que as pessoas
que se interessam por cultura nesse sentido antigo terão cada vez mais o olhar do antiquarista,
do bibliófilo, do apaixonado por música erudita. O público diminuiu e será cada vez mais nichado.

CONTEÚDO DE RESPONSABILIDADE DO ANUNCIANTE

Mais do Valor Econômico


Dólar recua com exterior e juros futuros
rondam os ajustes após ata do Copom
Investidores se mantêm atentos a Brasília, à espera de
indicações relativas à trajetória da dívida pública
15/12/2020 09:44 — Em Finanças

BMG diz que Márcio Alaor de Araújo renunciou ao cargo de vice-presidente


Banco diz que iniciativa se deu a fim de colaborar para transparência de trabalhos de comitê de compliance, após
instituição ser alvo de operações da PF e da Receita
15/12/2020 09:42 — Em Finanças

Emenda ao PLP 101/2020 institui “gatilho” para acionar medidas de ajuste


Emenda é patrocinada pelo governo e deve ser apresentada por um parlamentar de sua base política
15/12/2020 09:35 — Em Brasil

Múltis de alimentos e varejistas ampliam pressão contra a compra de soja


de áreas desmatadas do Cerrado
Em manifesto enviado a tradings, empresas ameaçam impor sanções a partir de 2021 mesmo se o desmate for
legal
15/12/2020 09:33 — Em Agronegócios

França pode manter restaurantes e


bares fechados por mais tempo
País decidiu trocar o confinamento rígido por um toque de
recolher noturno
15/12/2020 09:29 — Em Mundo
Ouro sobe na esteira das restrições pela
covid-19 na Europa
Negociações sobre pacote nos EUA merecem
acompanhamento dos agentes financeiros
15/12/2020 09:15 — Em Finanças

Congresso americano mantém impasse


sobre proteções a empresas em pacote
de estímulos
Negociações devem se estender até sexta-feira, quando o
Congresso precisa aprovar um novo orçamento federal
15/12/2020 09:15 — Em Mundo

Petróleo opera estável, mas próximo


das máximas desde março
AIE divulgou revisão para baixo nas estimativas de demanda
para 2021
15/12/2020 09:14 — Em Finanças

VEJA MAIS

Você também pode gostar