Você está na página 1de 8

Opinião

Por Márcio Garcia


PhD por Stanford e professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio, foi pesquisador do Ipea e
coautor do livro “Risco e Regulação”

A dívida pública importa, e muito


Acreditar que não há limites para a expansão fiscal é receita certa para grave crise
econômica

15/01/2021 05h00 · Atualizado há 10 horas

No mesmo dia em que publiquei neste espaço artigo (Valor, 11/12/2020, “Dívida
pública, muito maior e mais curta”) chamando a atenção para os perigos da escalada
da dívida pública, bem como do seu encurtamento, outro artigo na mesma edição
arguia o contrário (Valor, 11/12/2020, “Por que Summers e Bernanke agora defendem
política fiscal expansionista”). Segundo o artigo, a “relação dívida/PIB é um indicador
enganoso, deve ser desconsiderado”.

A ideia de que a razão dívida/PIB deva ser desconsiderada e substituída por outro
indicador simplesmente porque não faria sentido dividir um estoque (dívida) por um
fluxo (PIB) não tem guarida na teoria econômica. Economistas usam vários indicadores
desse tipo. Por exemplo, a relação capital/produto é usada corriqueiramente em
modelos de crescimento econômico.

Políticas públicas que desconsiderem os limites de crescimento


ao gasto público tendem a um resultado nefasto
Claro que um indicador pode ser melhor que outro. E é bom ter vários indicadores que
se complementem. Ecoando publicação internacional recente1 o artigo propõe a razão
entre a dívida e o valor presente dos PIBs futuros como o melhor indicador. Segundo
cálculo no artigo, a dívida bruta, de 85% do PIB, corresponderia a 1,7% do valor
presente dos PIBs futuros, o que seria “insignificante”. Mesmo passando por cima dos
problemas envolvidos no cálculo do valor presente dos PIBs futuros, afirmar que o
valor reduzido do novo indicador mostraria ser a dívida “insignificante” é um erro.

Para se avaliar se o indicador é alto ou baixo, há, pelo menos, que se comparar com os
vigentes em outros países. E o que é ainda mais importante é considerar a trajetória
futura do indicador de dívida, seja ele qual for. E aí, a se manter a atual perspectiva de
déficits fiscais crescentes sem reformas econômicas, todos os indicadores da dívida
crescem sem parar, o que sempre redundou em severa crise.

Artigo recente2 mostra que mesmo com base no novo indicador proposto, o caso
brasileiro é bem menos favorável do que os dos países industriais. O fôlego adicional
que ora temos, por conta dos juros excepcionalmente baixos, é provavelmente
passageiro. Deveria estar sendo usado para reformas econômicas que
redirecionassem os gastos públicos e que detivessem a trajetória explosiva do gasto
agregado.
Argumentar que “o Estado que emite sua moeda fiduciária não tem restrição
financeira” é patentemente falso, na teoria3 e na prática. Mesmo que a dívida pública
brasileira seja em moeda nacional, há sim problemas com sua rolagem, como já
demonstraram alguns leilões do Tesouro no semestre passado.

Dívida pública muito elevada e em crescimento acelerado, e que seja percebida pelo
mercado como insustentável, traria, ao fim e ao cabo, dificuldades insuperáveis ao
Tesouro para rolar e colocar dívida no mercado. Na institucionalidade brasileira, isso
significa que o Tesouro resgataria a dívida, pagando em moeda (e mesmo para isso há
limites, mas vamos desconsiderá-los).

Normalmente, o Banco Central absorveria a moeda excedente via operações


compromissadas, que rendem a taxa Selic. Ou seja, os investidores trocariam “dívida
do Tesouro” por “dívida do BC”. No entanto, caso a taxa Selic venha a ser percebida
como insuficiente frente aos riscos de insustentabilidade fiscal, esse movimento
poderia deflagrar uma fuga do sistema financeiro nacional, ou seja, fuga de capitais.
Restaria ao BC e ao Tesouro praticar juros mais elevados, o que agravaria a trajetória
explosiva da dívida. Mas mesmo os juros altos têm poder limitado, se não ocorresse
melhora inequívoca da postura fiscal.

Nossa região e nosso país têm longa e desastrosa experiência com experimentos
populistas, que desconsideraram as restrições orçamentárias do governo4. Os
resultados foram inflação fora de controle, enormes desvalorizações cambiais,
recessão, desemprego e estagnação.

Certamente há hoje no mundo muito mais dívida, pública e privada. Mas há limites,
embora não saibamos ainda exatamente quais. Mesmo que prenhes de boas
intenções, como aumento de investimentos públicos em infraestrutura e de gastos
sociais, políticas públicas que desconsiderem os limites de crescimento ao gasto
público tenderiam a produzir, cedo ou tarde, o mesmo resultado nefasto dos
experimentos anteriores. Não é hora de repetir erros amargos do passado.
1 Furman, J. e L. Summers, “A Reconsideration of Fiscal Policy in an Era of Low Interest
Rates”, disponível em www.piie.com/system/files/documents/furman-
summers2020-12-01paper.pdf

2 Bacha, E., “The Furman-Summers Fiscal Sustainability Metric: A Note on the Case of
Brazil”, disponível em iepecdg.com.br/wp-
content/uploads/2020/12/201228DebtDynamics.pdf.

3 Para uma esclarecedora resenha,s18798.pcdn.co/albertobisin/wp-


content/uploads/sites/16384/2020/10/KeltonByBisin.pdf .

4 Vide artigo de Sebastián Edwards: www.project-


syndicate.org/commentary/modern-monetary-theory-latin-america-by-
sebastian-edwards-2019-05 .

Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, professor titular do Departamento de


Economia da PUC-Rio, Cátedra Vinci Partners, escreve mensalmente neste espaço
(sites.google.com/view/mgpgarcia).

Conteúdo Publicitário Links patrocinados por taboola

LINK PATROCINADO

Anvisa libera uso de pílula emagrecedora natural para gordura profunda


LIPOSIL

LINK PATROCINADO

3 Alimentos que podem estar roubando a sua energia na quarentena


DR. RAFAEL FREITAS

LINK PATROCINADO

O segredo para comprar na Nike que as pessoas não sabem


CUPONOMIA
LINK PATROCINADO

O jogo mais viciante do ano!


FORGE OF EMPIRES - JOGO ONLINE GRÁTIS

LINK PATROCINADO

Pacotes com 50, 75 ou 100 máscaras. Preço de atacado


HAYLO MÁSCARAS

LINK PATROCINADO

Câmera de segurança de elevador captura mais do que o esperado


CAR NOVELS

Conteúdo Publicitário

VALOR INVESTE

Ter banco permite à XP mais que dobrar de tamanho sem trazer clientes novos, diz Benchimol

VALOR INVESTE

Razão para demora do início da vacinação no país é pergunta a ser respondida por Bolsonaro, diz Doria

VALOR INVESTE

Morre Raymundo Magliano, ex-presidente da bolsa


Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole
os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.

Acesse sua Conta Globo e participe da conversa

Entre e Participe da Conversa

Mais novos 

Claudio Franceschi há 9 horas

Poderia me explicar a dívida dos EUA? Se explicar, o artigo é válido.

 Curtir  Responder  Denunciar

Mais do Valor Econômico

Bancos restrigem atendimento presencial, mas seguirão abertos em


Manaus
15/01/2021 15:31 — Em Finanças

Alvo de tentativa de interferência de Bolsonaro, delegado da Receita


perde poderes e pede demissão
15/01/2021 15:29 — Em Política

SP vai entregar na segunda 4,5 milhões de doses da Coronavac ao


Ministério da Saúde
15/01/2021 15:27 — Em Brasil
Mundo ultrapassa marca de 2
milhões de mortes por covid-19
EUA são o país com o maior número de mortes
causadas pela doença (389,5 mil), seguidos por Brasil
(207 mil) e Índia (151,9 mil), de acordo com a Johns
Hopkins
15/01/2021 15:23 — Em Mundo

3M providencia transporte aéreo de


150 mil máscaras e insumos para
Manaus
Itens doados foram fabricados em planta no interior
de São Paulo
15/01/2021 15:21 — Em Empresas

Doria fala em “genocídio” e pede


reação do Congresso a Bolsonaro
“Opção pelo negacionismo” é responsável pela falta
de oxigênio em Manaus, disse o tucano
15/01/2021 15:15 — Em Política

Bolsas da Europa fecham em queda


com avanço da covid e acumulam
perdas na semana
Ações aprofundaram perdas no fim da sessão com
notícias de que a Pfizer vai reduzir a entrega de
vacinas nas próximas semanas
15/01/2021 15:14 — Em Finanças
Cade pode barrar fusão de Localiza
e Unidas, diz agência
Se aprovado em seu formato atual, a fusão criaria
uma empresa com 60% de participação de mercado
que poderia sufocar outras firmas do setor, segundo
uma fonte familiarizada com o assunto
15/01/2021 15:03 — Em Empresas

VEJA MAIS

Você também pode gostar