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O código acima faz o download da planilha Dívida líquida e bruta do governo geral
(metodologia vigente a partir de 2008) e lê as respectivas sheets. Detalhes sobre como
escrever esse tipo de código podem ser vistos no nosso curso de Análise de
Conjuntura usando o R, onde ensino o aluno a analisar dados fiscais de maneira
completa.
Uma vez que os dados tenham sido coletados, nós precisamos tratá-los. Primeiro, nós
precisaremos arrumar nossos dados, de modo que cada coluna seja uma variável e cada
linha seja uma observação dessa variável. No caso em tela, cada linha será um dado
mensal, uma vez que estamos lidando com uma série temporal de frequência mensal. E
cada coluna será um item do estoque de endividamento brasileiro, conforme a
discriminação da primeira coluna. Isso quer dizer que teremos de fazer
uma transposição da planilha que acabamos de importar para o R. Uma vez feita essa
transposição, nós precisaremos ainda deflacionar os dados nominais, de modo a poder
comparar o valor de um mês com o outro. O código abaixo faz isso, supondo que o
número-índice do IPCA - o nosso deflator - já foi importado previamente e está salvo
como o objeto ipca, como mostro a seguir.
Feito isso, nós temos enfim a nossa matriz de série temporal arrumada, onde as colunas
estão nomeadas com as descrições da primeira coluna da nossa planilha original e as
linhas representam a observação mensal. O leitor que chegou até aqui poderá ver que a
coluna 31 da nossa matriz refere-se às tais disponibilidades do governo federal no
Bacen. Essas disponibilidades, a propósito, fazem parte do grupo Créditos do governo
geral, subdivididos em créditos internos e externos. Dentro dos créditos internos estão
também, por exemplo, os créditos do Tesouro Nacional junto ao BNDES e outras
instituições financeiras oficiais.
Abaixo, um gráfico que ilustra o comportamento do saldo da conta única do Tesouro ao
longo do tempo.
Observe que desde o início de 2009 o volume desses recursos vem crescendo, com uma
mudança de inclinação a partir de 2015. O que nos leva a perguntar: de onde vem os
recursos que abastecem a conta única?
Mas o que tem a ver o estoque de reservas internacionais com o saldo da conta única?
Pois é, senta que aí vem o truque. Em 2008, foi aprovada a lei 11.803, que regula a
relação entre o Banco Central e o Tesouro Nacional. Dentre as prescrições dessa lei está
uma que normatiza a transferência de lucros e cobertura de prejuízos entre as duas
instituições.
Diz a lei que os lucros advindos da valorização de ativos como as reservas
internacionais devem ser depositados em dinheiro na conta única do Tesouro. Já em
caso de perdas, o Tesouro transfere títulos públicos para a carteira do Banco Central.
Isso mesmo: o impacto na conta única só pode ser positivo ou neutro!
Repare o leitor que as reservas internacionais estão em dólar, de modo que
uma depreciação cambial faz o estoque de reservas em real aumentar, gerando assim
um ganho de capital que é depositado na conta única do Tesouro. Isso dito, não é difícil
notar que (1) o aumento de reservas e (2) a forte desvalorização cambial que tivemos
nos últimos anos teve como corolário o aumento do saldo da conta única, não é mesmo?
Como mostra o gráfico acima, a correlação entre taxa de câmbio e o saldo da conta
única é bastante alto, de cerca de 0,89.
Para resumir...
Você vai notar que (1) as pessoas que defendem o uso desse saldo para estimular a
economia não vão lhe falar que no caso de prejuízo, o Tesouro emite títulos para o
Banco Central, (2) não há evidências de que o uso desses recursos traria como resultado
a recuperação da economia e (3) ao mesmo tempo que o saldo da conta única aumentou,
também aumentou o estoque de endividamento público. Esse último ponto é
particularmente relevante porque o aumento do endividamento tem consequências
graves sobre uma economia emergente como a brasileira, que tem um serviço da dívida
bastante elevado. Sem o chamado teto de gastos, provavelmente estaríamos enfrentando
uma situação particularmente danosa, conhecida entre os economistas como dominância
fiscal.
Em 2019, o Brasil completará o seu sexto ano de déficit primário e ao invés de discutir
a flexibilização da legislação para gerar mais gasto, deveríamos enfrentar o problema
fiscal de frente, entre outras coisas, aprovando a reforma da previdência. Certamente,
não será a bala de prata para a retomada do crescimento, mais cumpre papel importante
na necessária consolidação fiscal.
Torço para que as vozes heterodoxas que defendem esse tipo de coisa sejam
sumariamente caladas pela força da evidência empírica disponível.