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Abril 2023 • N o 142

O novo
arcabouço fiscal
e seus desafios
As últimas semanas foram marcadas
por vários eventos importantes, aqui
e lá fora, com impacto nos mercados
doméstico e global. Destaca-se, no caso
brasileiro, a evolução favorável dos preços dos
ativos, em especial a valorização do real para a
faixa de R$ 4,90-4,95 por dólar.
O novo arcabouço fiscal e seus desafios
Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos

As últimas semanas foram marcadas por vários eventos importantes, aqui e lá fora, com impacto nos merca-
dos doméstico e global. Destaca-se, no caso brasileiro, a evolução favorável dos preços dos ativos, em especial
a valorização do real para a faixa de R$ 4,90-4,95 por dólar.
Do ponto de vista doméstico, o destaque foi o anúncio da proposta do novo arcabouço fiscal, no final de
março. Em linhas gerais, propõe-se um conjunto de regras voltado a manter a taxa de crescimento do gasto
primário entre 0,6% e 2,5% ao ano, ou abaixo de 70% da alta nas receitas, o que for menor. No entanto, caso a
receita tenha um crescimento muito baixo em determinado ano, ainda assim fico garantido ao menos 0,6% de
expansão da despesa acima da inflação.
Esse papel de limitar a alta do gasto público era feito antes principalmente pelo teto de gastos. Em vigor desde o
final de 2016, e com inúmeras alterações ao longo dos últimos anos, esse dispositivo permitiu uma alta real de 1,0%
a.a. nesse gasto em 2017-22, usando o IPCA como deflator, contra um aumento médio de 5,6% a.a. em 2003-16.
O envio do projeto do novo regime é uma exigência da Emenda Constitucional 126 (antiga PEC da Transi-
ção). E isso foi feito no começo da segunda metade de abril, na sequência do envio ao Congresso Nacional do
Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), no dia 15 de abril.
Tanto quando da divulgação do arcabouço fiscal como do envio do PLDO ao Congresso, foram inseridas
projeções que apontam significativa melhora no resultado primário do Governo Central. O arcabouço se propõe
a ser parte de um esforço voltado a zerar o déficit primário no ano que vem, gerar superávit de 0,5% do PIB em
2025 e saldo nas contas públicas de 1% em 2026, com tolerância de 0,25 ponto porcentual para cima e para bai-
xo. Já no envio do PLDO ao Congresso, confirma-se uma meta fiscal zerada para 2024, possibilitando variação
de 0,25% do PIB, conforme prevê a proposta do novo arcabouço. Para 2025 e 2026, o governo propõe meta de
superávit primário de R$ 61,61 bilhões e R$ 130 bilhões, respectivamente.
Os questionamentos ao arcabouço fiscal e às projeções a ele associadas têm focado em três elemen-
tos principais.
Primeiro, a contenção da alta do gasto primário na faixa proposta não garante sozinha que se atinjam as metas
de superávit primário propostas. Para isso, seria necessário significativo aumento da carga tributária. Ainda não
está definido de onde viria esse aumento de arrecadação. Porém, segundo integrantes do Ministério da Fazenda,
o governo federal terá de aumentar as receitas líquidas (descontando transferências para estados e municípios)
em R$ 100 bilhões por ano e o Executivo vai buscar essa arrecadação corrigindo algumas distorções tributárias.
Segundo, parte do aumento da arrecadação poderá vir de receitas não recorrentes, que podem melhorar o qua-
dro fiscal no curto prazo, mas não garantem trajetória sustentável para o primário e a dívida. Além disso, os gastos se-
rão pró-cíclicos, mesmo limitando o crescimento real em 2,5% e tendo o limite de 70% do crescimento das receitas.
Terceiro, o arcabouço fiscal estabelece um teto para o total do gasto primário, mas vem junto de uma série
de medidas que criam pisos para o aumento das despesas com algumas das principais rubricas do orçamento
público, como aquelas com saúde, educação e investimentos. Soma-se a essas o crescimento real esperado do
gasto previdenciário, que deve acelerar com a proposta de elevar o salário mínimo em termos reais. Esses au-
mentos de gastos devem comprimir, talvez bastante, o espaço fiscal para outros gastos. Ou seja, para atender
a todos os compromissos por mais gastos, a única saída é a receita crescer substancialmente, sempre.
Consequentemente, as próximas semanas serão fundamentais para avaliar a viabilidade de as medidas
propostas gerarem a almejada sustentabilidade fiscal. Para isso, seria preciso que o Congresso Nacional, da

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mesma forma que apoiou a elevação dos gastos públicos promovida pela PEC da Transição, também apoiasse
o aumento de carga tributária implicitamente proposto pelo Executivo. Pelo nosso histórico, os congressistas de
diferentes partidos, de esquerda e de direita, quase sempre aprovam medidas de aumento de gastos. Mas, com
relação ao aumento de carga, geralmente não há apoio no Congresso. Há uma extensa descrição de diversas
medidas aprovadas nos últimos anos que corroboram este diagnóstico.1 Se ocorrer de novo, isso poderia gerar
um quadro fiscal bem mais complicado do que caracterizado nas projeções oficiais. A ver.
No front externo, as notícias têm sido favoráveis. Nos EUA, os dados de inflação e de atividade sinalizam
que o ciclo de alta de juros pode estar próximo de seu término. Por um lado, a inflação ao consumidor subiu
0,1% em março, ligeiramente abaixo da expectativa de 0,2%, com a medida de núcleo subindo 0,4%, em linha
com as previsões. O grande destaque é que a inflação de serviços, excluindo aluguéis, caiu de 6,1% em feve-
reiro para 5,1% em março, na variação em 12 meses. É importante destacar que essa medida tem sido um dos
focos do Federal Reserve para a condução da política monetária. Por outro lado, as vendas no varejo se contra-
íram em 1% em março, confirmando tendência de desaceleração gradual da economia.
De acordo com a ata do comitê̂ de política monetária americano (FOMC), alguns membros avaliam que o
ciclo de aperto monetário deve ser finalizado já na próxima reunião, pois o comitê̂ tem incorporado em seu ce-
nário macroeconômico um quadro de recessão. Tudo aponta para mais uma alta de 0,25p.p. na reunião de maio,
levando os juros para 5,25% (no limite superior). As apostas do mercado futuro são, porém, de cortes de juros já
no segundo semestre deste ano. Com isso, o dólar tem mostrado fraqueza em relação às outras moedas.
Com relação ao recente estresse no setor bancário dos Estados Unidos, tudo indica que ele está mais con-
centrado nos bancos regionais, pois sofrem mais o impacto da alta de juros sobre os seus balanços patrimo-
niais, em especial com perda de depósitos. Em geral, os grandes bancos têm mais capital, melhor captação,
mais liquidez e melhor gestão de riscos que os bancos regionais. Até o momento, não houve contaminação dos
grandes bancos e os empréstimos semanais do Fed aos bancos têm recuado, após dispararem em março. Pelo
menos por enquanto, não há sinais de risco sistêmico no setor, ainda que não se descartem novas rodadas de
estresse entre os bancos menores.
Na Área do Euro, o impacto no setor bancário tem sido limitado. Apesar de o núcleo da inflação na região
mostrar pressão na inflação de bens e serviços, o Banco Central Europeu tem adotado uma postura mais caute-
losa devido ao estresse bancário. Não obstante, com o BCE mais atrás da curva que o Fed, os juros ainda têm
mais a subir na Europa do que nos EUA.
Já na China, o processo de reabertura vem acelerando a atividade econômica. De fato, o crescimento do
PIB do primeiro trimestre foi de 4,5% em termos interanuais, acima das previsões de mercado, corroborando a
projeção de um cenário de crescimento de 5,6% em 2023, de acordo com as previsões do pesquisador asso-
ciado do FGV IBRE Livio Ribeiro.
E, por fim, na América Latina, com a proximidade do fim do ciclo monetário nos países desenvolvidos, os efeitos
limitados do estresse bancário sobre a liquidez mundial e a recuperação da economia chinesa, houve um movimento
de valorização das moedas da região. Por enquanto, porém, não há perspectiva de redução de juros, pois a inflação
de núcleos continua bem elevada. De fato, alguns países da região ainda devem finalizar o ciclo de aumento de juros
neste semestre. Porém, o ciclo de aperto monetário na América Latina está em seu estágio final.
Em suma, apesar de melhora no cenário global, a combinação de juros elevados e riscos para a estabili-
dade financeira nos EUA configuram um ambiente internacional desafiador para as economias emergentes, em

1
Ver artigo de Marcos Lisboa e Marcos Mendes em https://braziljournal.com/opiniao-o-executivo-e-o-congresso-distribuiram-presentes-a-
conta-vai-chegar/.

4 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
linha com a previsões do FMI. De acordo com o World Economic Outlook Report” de abril de 2023, com o título
“Uma Recuperação com Desafios”, houve ligeira redução na previsão de crescimento mundial para 2023, de
2,9% (janeiro de 2023) para 2,8%. O documento estima que a economia mundial cresceu 3,4% em 2022. Para
2024, a revisão foi de 3,1% para 3,0%.
E, para o Brasil, o FMI reduziu a previsão de crescimento de 2023, de 1,2% para 0,9%, abaixo da média
prevista para a América Latina e o Caribe, de 1,6%. Segundo o relatório, vários países terão baixo crescimento
este ano, com destaque para a contração no Chile, de 1,0%, e de quase estagnação na Argentina (alta de 0,2%).
É importante destacar que a região cresceu 4% em 2022 e tudo indica um baixo crescimento em 2023.
Avaliamos que, para o Brasil, o FMI segue otimista e que um cenário de crescimento inferior a 0,9% é o mais
provável para este ano. Os dados de curto prazo apontam desaceleração expressiva do setor de serviços, que
foi o grande motor da recuperação da economia brasileira no pós pandemia. Adicionalmente, o mercado de
crédito está arrefecendo, com aumento do custo de financiamento e da inadimplência, em ambiente de elevado
endividamento das famílias. Um dos mecanismos de transmissão da política monetária é o canal do crédito, ou
seja, esperamos que ele continue contribuindo para a desaceleração da demanda doméstica, corroborando
um cenário de crescimento de apenas 0,3% este ano. Para 2024, esperamos recuperação gradual da atividade,
com melhora nas condições financeiras devido aos ciclos de afrouxamento monetário doméstico e internacio-
nal. Porém, o baixo carregamento estatístico de 2023 deve limitar o crescimento e 2024: por isso, esperamos
crescimento de 0,9%, abaixo da previsão do FMI, de 1,5%.
Com essas questões em mente, podemos assim resumir os destaques desta edição do Boletim Macro
FGV IBRE:
ƒƒ Atividade econômica – página 7: Os indicadores de alta frequência de janeiro começam a dar o tom para o
crescimento do ano e, ao que parece, a economia terá uma difícil jornada em 2023, com o setor de serviços
apresentando forte desaceleração na margem e a indústria de transformação e o varejo ampliado andando
de lado. Sem ganhos de produtividade e com grande nível de incerteza na economia, as barreiras a um
crescimento mais robusto em 2023 são grandes, sobretudo considerando que o forte aperto monetário deve
persistir pelo menos até o final do ano. Assim, mantemos nossa previsão de baixo crescimento do PIB em
2023, de apenas 0,3%, aumento essencialmente creditado à agropecuária.

ƒƒ Expectativas de empresários e consumidores – página 9: A confiança empresarial e dos consumidores


apresentou queda no primeiro trimestre de 2023. Para as empresas, o resultado, apesar de negativo, foi me-
nos intenso que no 4º trimestre de 2022, mas ainda é bastante disseminado, refletindo um nível ainda fraco
de atividade dos segmentos cíclicos da economia. Para consumidores, há uma reversão de sinal que indica
aumento da incerteza com relação aos próximos meses, principalmente das classes de renda mais alta. Há
resiliência da incerteza, com piora das condições em março, o que gera perspectiva negativa nos resultados
prévios das sondagens. Resultados positivos são ainda frágeis e podem ser facilmente revertidos, sugerindo
que os índices podem patinar em patamar negativo por mais tempo.

ƒƒ Mercado de trabalho – página 11: A PNAD Contínua divulgou sua edição de fevereiro, encerrando a fase de atra-
sos, e mostrando taxa de desemprego em 8,6%, 0,3 p.p. abaixo do projetado pelo FGV IBRE. Com ajuste sazonal,
há estabilidade na taxa, em 8,5%, esperando-se sua redução, em termos dessazonalizados, para 8,2% (alta para
8,7% sem ajuste sazonal) em março. No entanto, ainda que a taxa de desocupação tenha caído de novo, há a
contribuição da menor oferta de trabalho. No último trimestre de 2022, pela primeira vez desde o início de 2021, a
taxa de participação caiu, em termos interanuais. O Caged, por sua vez, mostrou novamente aceleração, com a
surpresa positiva de um saldo de 242 mil vagas (143 mil com ajuste sazonal). Espera-se saldo para março na série
com ajuste sazonal sensivelmente menor, com a criação líquida de 83,6 mil vagas (-23,4 mil sem ajuste sazonal).

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ƒƒ Inflação – página 13: O resultado do IPCA de março, 0,71%, animou o mercado financeiro. O índice veio abaixo
da expectativa, cuja mediana estava em 0,77%, e apresentou certo alívio nas estatísticas de núcleo, difusão e
serviços. Segundo o próprio IBGE, a inflação de março seria de 0,25% caso fossem excluídas as contribuições
de gasolina e energia. Apesar disso, temos uma agenda de reajustes importantes para abril, maio e junho.
Como medicamentos, cujos preços ao final deste mês devem subir 5% em média. Em maio será a vez dos
jogos lotéricos: alta de 15%. E, em junho, será a implantação da alíquota única do ICMS sobre os preços da
gasolina, que provocará reajuste médio de 10%. Nessa queda de braços, a expectativa de inflação para o final
do ano não se altera, apesar do crescente otimismo em torno da trajetória futura dos preços.

ƒƒ Política monetária – página 14: Números relativamente animadores referentes à inflação de março, a boa
acolhida que a proposta de arcabouço fiscal tem tido junto ao mercado e a recente apreciação do real são
fatores que trouxeram renovada expectativa de que o BC estaria prestes a dar início a um ciclo de corte da
taxa Selic. Tal assunto é o foco da seção sobre política monetária. A análise vai além desses pontos e traz
para o debate considerações relevantes acerca do cenário sob o qual seria viável reduzir a Selic, sem perda
de credibilidade da autoridade monetária.

ƒƒ Política fiscal – página 16: O tema desta seção é “Ajustes fiscais pela receita”. Os autores mostram que, para
atingir a meta de superávit de 1,0% em 2026, a arrecadação líquida do Governo Federal teria de sair de 18,2%
do PIB para 19,5% do PIB em 2026, um aumento de 1,3 p.p. do PIB. Estimativas apresentadas mostram que
essa proposta de ajuste pelas receitas tende a ser menos contracionista que a feita pelos gastos. Porém é
importante observar o impacto de longo prazo do aumento de carga tributária, com destaque para o aquele
sobre a produtividade da economia brasileira. Em resumo, o que se espera de um bom regime fiscal é que ele
gere incentivos para a ampliação de gastos produtivos, mantendo a dívida sustentável sem distorcer o sistema
tributário. A proposta do governo tenta estabelecer algumas bases para que isso ocorra nos próximos anos.

ƒƒ Setor externo – página 18: O resultado da balança comercial em março de 2023 surpreendeu. Foi o maior sal-
do na série histórica do mês de março. Contribuiu o fim do lockdown na China, que permitiu aumento de 29,6%
no volume exportado para esse país, o que deve ampliar a dependência desse mercado para o crescimento
das exportações brasileiras. Ao mesmo tempo, as taxas de crescimento previstas para a economia brasileira,
abaixo de 1%, desaceleram o ritmo de aumento das importações. É possível que o saldo em 2023 supere o de
2022. A melhora da balança vem acompanhada, porém, de piora dos termos de troca.

ƒƒ Internacional – página 22: A grande dúvida hoje é relativa à desinflação americana e se ela será com dor ou
será indolor. O dado de inflação de março para os EUA gerou certo otimismo, que acabou por desvalorizar
o dólar frente às demais moedas. Uma inflação um pouco mais moderada fortalece o diagnóstico de que
pode haver desinflação indolor, conhecida por pouso suave. O motivo é que as expectativas de longo-prazo
da inflação estão ancoradas. Os dados referentes a março são animadores. Talvez o pouso suave seja uma
possibilidade. A ver.

ƒƒ Observatório Político – página 23: O Observatório Político, de autoria do pesquisador Octavio Amorim Neto,
tem como título “A Natureza Dual do Mandato de Lula”. A oscilação entre a defesa da democracia e a defesa
da economia popular tem tudo para ser a marca distintiva de Lula III. A amplitude e a frequência das oscila-
ções serão determinadas por uma série de fatores, dentre os quais avultam a popularidade presidencial, a
solidez do apoio legislativo do governo e a capacidade disruptiva da extrema direita.

ƒƒ Em foco IBRE – página 25: E, por fim, na Seção Em Foco, de autoria do pesquisador Daniel Duque, o tema
é: “Expansão do Auxílio Brasil gera empregos e reduz participação dos mais jovens”.

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Atividade econômica
Indicadores mensais mostram uma
desaceleração no começo do ano

Silvia Matos, Marina Garrido e Ana Victoria Pelliccione

Os indicadores de alta frequência mostraram sinais de desaceleração na margem da economia brasileira


no começo do ano. O setor de serviços foi o que apresentou a desaceleração mais expressiva. A produção e
consumo de bens continuaram sem dar sinais de melhora, principalmente no setor industrial. Em particular, a
indústria de transformação registrou resultado negativo nos primeiros meses do ano, -0,9% MsM, em janeiro
(-0,1%, se comparado com janeiro de 2022) e -0,5% MsM, em fevereiro (-3,7%, se comparado com fevereiro de
2022). O resultado continua sendo fruto da demanda doméstica fraca, com destaque para os bens duráveis, de
acordo com as Sondagens setoriais do IBRE, que evidenciam perspectivas não animadoras.
O resultado do varejo, no conceito ampliado, em janeiro foi tímido, com crescimento de 0,2% MsM (+0,5% AsA).
É importante destacar que o resultado desfavorável no começo do ano continua sendo influenciado pela política mo-
netária restritiva, já que, se comparado ao conceito restrito, o ampliado é uma atividade mais dependente das condi-
ções de crédito da economia. O varejo, no conceito restrito, teve desempenho positivo no começo do ano, embora a
base de comparação de dezembro fosse bastante favorável (em dezembro, o setor teve queda de 2,8% na margem).
Em janeiro, o varejo restrito cresceu 3,8%, se comparado a dezembro de 2022 (2,6% AsA). Apesar de crescimento
forte logo no começo do ano, a demanda fraca por bens não duráveis e o aumento de estoques excessivos de
materiais eletrônicos no primeiro trimestre de 2023 indicam que o setor terá desafios para manter esse crescimento.
O setor de serviços se contraiu em 3,1% MsM em janeiro (+6,1% AsA). A base de comparação em de-
zembro foi desfavorável (naquele mês, o setor teve crescimento de 2,9% na margem). O destaque positivo foi
o crescimento de serviços prestados às famílias, bem como serviços de informação e de comunicação, que
cresceram, ambos, 1% na margem. Os serviços prestados às famílias tiveram peso importante no crescimento
de serviços durante os últimos dois anos, dado que foi o segmento mais impactado pela pandemia. Mas a defa-
sagem ante o patamar pré-pandemia já está se estreitando e não vemos outro motor para o crescimento desse
segmento este ano. O debate para 2023 continua a ser a capacidade de resiliência do setor de serviços como
um todo, mas as perspectivas para o ano não são muito animadoras: a inflação, os juros altos e a desaceleração
no mercado de trabalho devem atrapalhar o crescimento do setor este ano.
Por fim, o IBC-Br em janeiro apresentou estabilidade na margem, e crescimento de 3,0%, se comparado
com janeiro de 2022. O resultado está um pouco abaixo do IAE-FGV (que teve alta de 0,2% MsM e de 4,3% AsA),
mas em linha com o estimado pelo monitor do PIB do FGV IBRE, que também registrou estabilidade em janeiro,
se comparado a dezembro de 2022 e de 4,1%, em termos interanuais. Como esperado, o monitor do PIB corro-
bora um cenário relativamente de lado para a atividade no começo do ano, excluindo a agropecuária.
Nossa expectativa de crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2023 se manteve em 1,0% TsT (2,7%
AsA), a partir da perspectiva de ambiente próximo da estabilidade para o setor de serviços, leve crescimento da
indústria de transformação e contribuição alta do setor agropecuário (ver Tabela 1). Para o ano de 2023 fechado,
o cenário continua desafiador. Há uma desaceleração global em curso e a política monetária no Brasil deve se
manter restritiva por um tempo mais prolongando, pois as expectativas de inflação estão desancoradas. Por
tudo isso, mantemos a nossa projeção de crescimento de 0,3%, com o destaque de que este resultado só está

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em patamar positivo graças à contribuição de 0,6 p.p. Tabela 1: PIB projeções
da agropecuária. 2023.I 2023.I
Pelo lado da oferta, a indústria deve sofrer contração Atividades 2023
(TsT) (AsA)
no primeiro trimestre deste ano (-0,7% TsT e 0,8% AsA), Consumo das
-0.1% 3.2% -0.6%
apesar de a indústria de transformação ter desempenho Famílias
levemente mais positivo e sua participação chegar a Consumo do
-0.5% -0.1% 1.3%
Governo
mais de 50% do total do setor. A atual previsão é de que
a indústria fechará o ano com queda de 0,5%, apenas Investimento -3.0% 1.4% 0.0%
com construção civil tendo contribuição positiva. Exportação -4.6% -0.8% 2.9%
Ainda pelo lado da oferta, o setor de serviços
Importação -6.1% 0.0% 0.6%
deve começar o ano com estabilidade no primeiro tri-
PIB 1.0% 2.7% 0.3%
mestre (0,0% TsT) e crescimento de 2,2% AsA. É im-
portante notar que serviços de administração pública Agropecuária 10.7% 12.9% 8.0%
terminaram o ano passado ainda abaixo do patamar Indústria -0.7% 0.8% -0.5%
pré-pandemia, isto é, o do quarto trimestre de 2019.
Extrativa -1.4% 2.5% -0.4%
Os serviços de administração pública ainda estão 1%
abaixo do patamar pré-pandemia e nossa projeção Transformação 0.2% 0.2% -1.0%
considera que fecharão a defasagem entre o nível Eletricidade e Outros -0.3% 0.4% -0.3%
atual e o pré-covid ao longo deste ano. Consequen-
Construção Civil -0.3% 2.2% 1.1%
temente, entendemos que existe ainda algum espaço
para a normalização dessa atividade, o que mitigará a Serviços 0.0% 2.2% -0.1%
queda nos serviços agregados. Em resumo, o cenário Fonte: IBGE. Elaboração: FGV IBRE.
é desafiador para o ano fechado, inclusive devido ao
fato de que a base de crescimento é desfavorável, já que os serviços cresceram muito acima do PIB em 2022,
e agora devem registrar ligeira contração de 0,1% em 2023.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias deve ter ligeira contração de 0,1% TsT (+3,2% AsA) no pri-
meiro trimestre de 2023, diante da elevação do custo de crédito e o do alto nível de inadimplência na economia.
No agregado, o cenário deve mudar este ano, se comparado a 2022 (assim como o setor de serviços), com o
consumo das famílias terminando 2023 em contração de 0,6%. Além disso, o investimento deve cair no primeiro tri-
mestre de 2023 (-3,0% TsT e +1,4% AsA), considerando as nossas projeções de queda na absorção de máquinas
e equipamentos no começo do ano. O investimento deve terminar 2023 com estabilidade, após crescer 0,9% ano
passado. Projetamos contração nas exportações de 4,6% TsT (-0,8% AsA), e um resultado ainda inferior nas im-
portações: esperamos queda de 6,1% TsT (0,0% AsA). A contribuição positiva do setor externo deve se manter em
2023, com exportação crescendo 2,9% e importação, 0,6%. Por fim, o consumo do governo deve ter crescimento
mais baixo do que no trimestre anterior: queda de 0,5% na margem, fechando o ano com crescimento de 1,3%.
Como mencionado anteriormente, nossa projeção de crescimento do PIB em 2023 é de 0,3%. No entanto,
é importante destacar que, não fossem as projeções otimistas de crescimento do setor agropecuário para este
ano, teríamos contração do PIB de 0,2%. Esse cenário resulta da desaceleração iniciada no terceiro trimestre de
2022 e que deve perdurar, pelo menos, até o final de 2023, tendo em vista os efeitos defasados da política mo-
netária restritiva, além dos impactos cumulativos da desaceleração global, também presente em 2023. Ademais,
o baixo nível de ociosidade na economia, em especial no mercado de trabalho, conjuntamente à desancoragem
atual das expectativas de inflação – contratando uma inflação corrente ainda elevada –, sugere que pressões
inflacionárias no setor de serviços demorarão a se dissipar.

8 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Expectativas de empresários e consumidores
Confiança em queda no primeiro trimestre de 2023

Anna Carolina Gouveia, Rodolpho Tobler e Viviane Seda Bittencourt

A confiança empresarial e dos consumidores apresentou queda no primeiro trimestre de 2023. Para as
empresas, o resultado, apesar de negativo, foi menos intenso que no 4º trimestre de 2022, refletindo ainda um
nível fraco de atividade dos segmentos cíclicos da economia. Essa dinâmica é disseminada entre os setores,
com exceção da Construção, em que a queda da confiança entre os trimestres se intensificou.

Tabela 2: Diferença trimestral em pontos em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal)

Período Indústria Serviços Comércio Construção Empresarial Consumidor


2o Trim. 22 2,7 6,8 6,2 4,1 5,4 2,1
3o Trim. 22 0,4 3,4 6,4 1,7 3,3 6,3
4o Trim. 22 -6,1 -6,1 -8,0 -1,6 -6,7 3,3
1 Trim. 23
o
-0,5 -4,9 -5,6 -3,2 -3,8 -1,5
Fonte: FGV IBRE.

A confiança empresarial caiu em 76% dos 49 segmentos integrantes do ICE, percentual menor do que o
observado no trimestre anterior. Apesar desse cenário um pouco menos pessimista, o resultado tem sido mais
influenciado pela calibragem das expectativas do que pela melhora efetiva da atividade. A aceleração da queda
do Índice de Situação Atual Empresarial (ISA-E) reforça que ainda prevalece o cenário desafiador de condições
macroeconômicas comprometidas, com elevadas taxas de juros e inflação, e demanda fraca.

Gráfico 1: Índices de Situação Atual e de Expectativas trimestrais


(variação em pontos das médias trimestrais em relação ao período exatamente anterior)
4,0
2,0
0,0
-2,0
-1,6
-4,0
-3,8
-6,0
-6,0
-8,0
-10,0
Índice de Confiança Índice da Situação Atual Índice de Expecta�vas (IE)
Empresarial (ISA)
3T22 4T22 1T23
Fonte: FGV IBRE.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 9
Pelo lado dos consumidores, a confiança, que vinha apresentando melhora ao longo dos trimestres, regis-
trou queda neste início de 2023, motivada pela piora da percepção sobre a situação atual e das expectativas
para os próximos meses. Por faixas de renda, esse resultado tem sido influenciado pela perda da confiança dos
consumidores com renda mais alta, desde outubro de 2022, enquanto que, para as faixas de renda mais baixas,
a confiança se estabilizou na faixa dos 80 pontos desde o final do ano passado.
Assim como para os consumidores, o cenário de incerteza no primeiro trimestre de 2023 piorou frente ao
cenário do fim de 2022. Esse resultado, porém, foi fortemente influenciado pelo dado de março, no qual o indi-
cador subiu 5 pontos, afetado pelos ruídos em torno da taxa de juros e pela crise bancária dos Estados Unidos
e da Europa.
Uma prévia das sondagens feita exclusivamente para o Boletim Macro do IBRE, com dados até o dia 13 de
abril, sinaliza recuo da confiança empresarial e dos consumidores, puxado pela piora das expectativas e ma-
nutenção da percepção sobre a situação atual. Na prévia, o ICE e o ICC recuam em 1,7 e 1,2 ponto, para 89,7
e 85,8 pontos, respectivamente. A queda do ICE seria influenciada pelo recuo do Comércio e Serviços, com
Indústria e Construção caminhando em sentido oposto.

Gráfico 2: Índices de Confiança Empresarial e dos Consumidores


(Com ajuste sazonal, em pontos – Dados prévios de abril)
120

110

100

90 89,7
85,8
80

70

60

50
abr/08
out/08
abr/09
out/09
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out/10
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out/11
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out/12
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out/13
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out/14
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out/15
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out/16
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out/17
abr/18
out/18
abr/19
out/19
abr/20
out/20
abr/21
out/21
abr/22
out/22
abr/23

ICE ICC
Fonte: FGV IBRE.

O resultado da prévia mostra que ainda estamos longe de observar o retorno de uma trajetória ascendente
dos índices de confiança, sem uma melhora consistente das principais variáveis macroeconômicas. Resultados
positivos são ainda frágeis e podem ser facilmente revertidos, sugerindo que os índices podem patinar em pa-
tamar negativo por mais tempo.

1 0 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Mercado de trabalho
Desemprego mantém queda em ritmo lento, e tendência deve
continuar nos próximos meses. Desigualdade continua caindo,
puxada por altas dos rendimentos em setores com trabalhadores
menos escolarizados. Caged acelera na margem em fevereiro de
2023, mas em nível ainda baixo

Daniel Duque

O IBGE regularizou sua edição mensal da PNADC, pondo fim aos atrasos devidos aos esforços de coleta do
Censo Demográfico. A edição de fevereiro de 2023 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNADC), mostrou que o trimestre móvel da taxa de desemprego fechou em 8,6%, abaixo do projetado pelo
FGV IBRE (8,9%). Em termos dessazonalizados, o percentual se manteve estável entre a edição divulgada e
a anterior, no nível de 8,5%. Em março, por sua vez, projeta-se alta para 8,7%, o que, por outro lado, significa
redução para 8,2% em seu nível dessazonalizado.

Gráfico 3: Taxa de Desemprego 2020-23 (em %)


16
15
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13
12
11
10
9
8
7
mar/20
mai/20
jul/20
set/20
nov/20
jan/21
mar/21
mai/21
jul/21
set/21
nov/21
jan/22
mar/22
mai/22
jul/22
set/22
nov/22
jan/23
mar/23

TD TDSA
Fonte: PNADC (IBGE). Elaboração: FGV IBRE.

A taxa de desemprego, no entanto, teve trajetória beneficiada pela redução da taxa de participação, que
pela primeira vez caiu, em termos interanuais, desde 2020.4. A queda foi de 0,5 ponto percentual (pp) em rela-
ção ao mesmo trimestre do ano anterior, e 0,6 pp frente ao trimestre anterior. Na seção Em Foco, são investiga-
dos os principais mecanismos dessa trajetória de oferta de trabalho.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 11
Gráfico 4: Taxa de Participação
0,66

0,64

0,62

0,6

0,58

0,56

0,54
2018,1
2018,2
2018,3
2018,4
2019,1
2019,2
2019,3
2019,4
2020,1
2020,2
2020,3
2020,4
2021,1
2021,2
2021,3
2021,4
2022,1
2022,2
2022,3
2022,4
Taxa de Par�cipação Média Móvel Anual Nível pré pandemia
Fonte: PNADC (IBGE). Elaboração: FGV IBRE.

O Caged, por fim, mostrou em fevereiro 2023 um saldo de 242 mil vagas, acima do projetado pelo FGV IBRE,
de 212 mil, mostrando nova surpresa positiva, e aparentemente revertendo a tendência do segundo semestre de
2022. Com ajuste sazonal, o saldo cresceu de 92 mil para 113 mil, revertendo a desaceleração que ocorreu duran-
te o segundo semestre de 2022. Para março, projeta-se saldo de -23,4 mil postos de trabalho, o que corresponde
a um crescimento de 83,6 mil quando aplicado ajuste sazonal.

Gráfico 5: Saldo de Vagas do Caged em 2021-23


600.000 Saldo Caged

400.000

200.000

-200.000

-400.000

-600.000

-800.000
mar-23
mar-22
mar-21

nov-22
nov-21

mai-22
mai-21

ago-22
ago-21

dez-22
dez-21

out-22
out-21

abr-22
abr-21

jun-22
jun-21

set-22

fev-23
set-21

fev-22
fev-21

jan-23
jan-22
jan-21

jul-22
jul-21

SALDO NSA SALDO SA


Fonte: CAGED (MTE). Elaboração: FGV IBRE.

12 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Inflação
Sejamos otimistas, mas com moderação

André Braz

O resultado do IPCA de março animou o mercado financeiro. O índice veio abaixo da expectativa, cuja me-
diana estava em 0,77%, e apresentou certo alívio nas estatísticas de núcleo, difusão e serviços. Mas será que há
espaço para tal otimismo? Aparentemente, o IPCA precisará acumular mais alguns bons resultados antes de o
atual otimismo se transformar numa redução da expectativa de inflação para 2023 e 2024.
Segundo o próprio IBGE, a inflação de março seria de 0,25%, caso fossem excluídas as contribuições de gasoli-
na e energia. Se o IPCA permanecesse em torno desse patamar pelos próximos 12 meses, a inflação convergiria para
3% a.a., alcançando a meta. No entanto, a participação de preços administrados na inflação de 2023 será expressiva,
tanto pela volta da cobrança de impostos federais suspensos em 2022, quanto por novos reajustes propostos para
inúmeros itens desse segmento. Aliás, os preços administrados serão destaque frente às outras classe de despesa,
respondendo por aproximadamente 35% do resultado geral do IPCA em 2023, cuja previsão é de 6,20%.
Entre os resultados que contribuíram para o IPCA de março ter sido bem recebido, estão as desacelerações
registradas para os núcleos de inflação e para os serviços livres. A inflação subjacente finalmente cedeu, indi-
cando o início de uma fase de maior descompressão dos preços. As principais medidas de núcleo registraram
desaceleração na apuração de março, revelando, depois de muitos meses, arrefecimento mais consistente da
inflação, sobretudo entre os bens duráveis. O mesmo foi possível observar, de forma moderada, para os servi-
ços livres, grupo que apresenta maior persistência.
Para as próximas apurações, a inflação acumulada em 12 meses seguirá em desaceleração. Em abril, o Mo-
nitor da Inflação antecipa alta de 0,55% para o IPCA, número bem abaixo do apurado em 2022, quando o índice
subiu 1,06%. Essa dinâmica deverá se sustentar até junho, quando o IPCA registrará sua menor distância para
a meta de inflação. A partir do segundo semestre, o IPCA acumulado em 12 meses voltará a acelerar, devendo
encerrar o ano em 6,2%.
A redução da oferta de petróleo anunciada pela OPEP representa novo desafio à frente. Os preços dos
combustíveis – gasolina, diesel e GLP – podem avançar em resposta à redução da oferta. Sem contar que o
petróleo é matéria-prima para diversos insumos (asfalto, tecidos e plásticos) utilizados pela grande indústria, o
que tende a potencializar os efeitos desse aumento sobre outros segmentos.
Além disso, temos uma agenda de reajustes importantes para abril, maio e junho. Esses reajustes – apesar de
relevantes – não devem impedir a já citada desaceleração da taxa em 12 meses, mas serão reajustes permanentes
que irão integrar a inflação de 2023 sem possibilidade de reversão. O primeiro – que já aparece nos relatórios de infla-
ção de abril – é o reajuste dos medicamentos, cujos preços ao final do mês devem registrar avanço médio de 5%. Em
maio será a vez dos jogos lotéricos, com reajuste médio de 15%. E, em junho, será a vez da implantação da alíquota
única do ICMS sobre os preços da gasolina e do etanol, que provocará um reajuste médio de 10% nos preços.
Todos esses movimentos, concentrados em preços administrados, só reforçam a sua destacada participa-
ção na inflação de 2023, mitigando efeitos favoráveis de descompressão do IPCA que derivam da desacelera-
ção das taxas interanuais de alimentos (de 13,72% para 7,04%) e bens duráveis (de 14,97% para 2,78%). Nessa
queda de braços, a expectativa de inflação para o final do ano não se altera, apesar do crescente otimismo em
torno da trajetória futura dos preços.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 13
Política monetária
Existe espaço para dar início ao
afrouxamento da política monetária?

José Júlio Senna

É fácil detectar o elevado grau de ansiedade que presentemente toma conta de políticos (especialmente os
governistas), empresários e participantes do mercado financeiro em torno da possibilidade de o Banco Central
dar início a um afrouxamento da política monetária. Como é notório, esta se encontra em território contracionista
desde o último trimestre de 2021. São mais de seis trimestres consecutivos de aperto monetário.
Na margem, a inflação tem recuado, como ilustra, por exemplo, o comportamento da média móvel trimestral
do IPCA, estimada com base em dados dessazonalizados e anualizada. Por essa métrica, a inflação passou
de um pico recente de 15,0% a.a., no começo do ano passado, para 8,0% presentemente. A média dos cinco
núcleos de inflação acompanhados de perto pelo BC recuou de aproximadamente 13,0% em meados de 2022
para 6,1% agora em março. São números animadores, mas o fato é que o aperto da política monetária ainda
não rendeu os frutos esperados por todos, em particular pelo Banco Central. Atingir a meta de 3,0% ao ano, de
maneira sustentável, é o objetivo das autoridades monetárias.
Embora haja amplo reconhecimento da constatação acima apontada, o elevado nível a que chegaram os
juros reais na economia brasileira é notoriamente insustentável. Em algum momento, a política atual terá de ex-
perimentar reversão. O drama é que, como já assinalado, o trabalho do Banco Central está longe de concluído
e, além disso, eventual afrouxamento da política monetária em desacordo com os protocolos de atuação de um
BC praticante do regime de metas acabaria por tornar o quadro inflacionário ainda mais grave, exigindo, mais
adiante, a retomada do aperto, possivelmente em escala mais severa – a menos, evidentemente, que optásse-
mos por viver num ambiente de inflação elevada.
A complexidade desse quadro faz com que muitos mobilizem suas lupas num esforço para vislumbrar sinais
de espaço para o Banco Central dar início a uma fase de redução da Selic, sem que isso acarrete a perda de
credibilidade da autoridade monetária.
Será que a divulgação da inflação de março, que veio abaixo do esperado e do topo da margem de tolerân-
cia da inflação de doze meses, seria um sinal relevante? Até que ponto a boa vontade com que os participantes
de mercado têm recebido a proposta oficial do chamado arcabouço fiscal daria respaldo ao BC para reduzir a
Selic? E que dizer dos efeitos deflacionários da apreciação do real diante do dólar, verificada em meados deste
mês de abril?
Na edição de fevereiro último do Boletim Macro, chamamos a atenção para o fato de que, muito provavel-
mente, a inflação de doze meses de 2023 apresentaria um formato em U, caindo até meados do ano, e voltando
a subir no segundo semestre. O primeiro movimento derivaria da retirada de três elevadas taxas mensais de
inflação ocorridas em 2022, a saber: 1,01% em fevereiro, 1,62% em março e 1,06% em abril. O segundo mo-
vimento decorreria da retirada do cálculo da inflação de doze meses de três deflações mensais, relativas ao
período julho-setembro do ano passado.
Isso significa que a inflação de doze meses referente a março de 2023 precisa ser vista com cuidado, devido
à influência de um efeito puramente estatístico. Por essa mesma métrica, a inflação subirá significativamente no
segundo semestre do ano.

14 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
No tocante à boa acolhida do projeto oficial de arcabouço fiscal, não há dúvida de que se trata de um fator
importante. Mas a proposta ainda não foi examinada e aprovada no Congresso, razão pela qual teremos de
aguardar um pouco mais para sabermos a real dimensão de sua influência sobre eventuais movimentos do
Banco Central.
Quanto aos efeitos da recente apreciação do real, é fato amplamente conhecido que a influência do câmbio
sobre a inflação fica geralmente restrita ao curto prazo, ou seja, podem ser desconsiderados eventuais impactos
de alterações cambiais a médio e longo prazo.
Dado que, na realidade, o regime de metas de inflação é o mesmo que um regime de metas de projeção
de inflação, faz-se necessário, neste ponto, lembrar as projeções oficiais, recentemente divulgadas pelo BC. Os
números a seguir referem-se a inflações de doze meses e foram estimados com base no cenário básico e numa
taxa cambial de R$ 5,25/US$: 5,8% para dezembro de 2023, 3,8% para setembro de 2024 (até agora considera-
do o “período relevante”), 3,6% para dezembro de 2024, e 3,2% para 2025.
Segundo estimativas da MCM Consultores, tais números alteram-se muito pouco, quando estimados com
base num câmbio de R$ 4,95/US$. Na verdade, a única estimativa que efetivamente se modifica é a referente a
dezembro de 2023, que cai para 5,7%. Esse exercício simplesmente confirma o fato de que, em geral, alterações
cambiais têm efeito apenas a curto prazo.
Contudo, simulações com base na hipótese de Selic constante permitem constatar importante alteração
no panorama geral. As projeções para setembro de 24, dezembro de 24 e todo o ano de 2025 alteram-se para:
3,3%, 3,0% e 2,4%, respectivamente. Em poucas palavras, na hipótese de a Selic permanecer em 13,75%, a
meta seria atingida em 2024. E, em 2025, a inflação ficaria abaixo da meta. Indiscutivelmente, isso abre uma boa
perspectiva de redução da Selic nos próximos meses, pois eventual manutenção dos 13,75% acabaria levando
a inflação para um número inferior ao almejado.
Para que tal cenário de fato possa se concretizar e, principalmente, ter continuidade, o ideal seria poder
contar com dois complementos importantes.
Na ata da última reunião do Copom, o BC explicitou algo que já se sabia: a simples discussão recente em
torno de alteração das metas de inflação, promovida, diga-se de passagem, pelo próprio governo, tem contri-
buído para a piora das expectativas de inflação, para vários horizontes de tempo. Dado que tais expectativas
constituem insumo fundamental dos exercícios de projeção de inflação, resta a possibilidade de o governo se
convencer do custo que o seu discurso tem acarretado e, diante disso, afirmar categoricamente que as metas
não serão alteradas. Obviamente, para ser crível, teria de ser um movimento que transmitisse total convicção.
A possibilidade de que novos passos sejam dados, envolvendo o Congresso Nacional, no sentido de ge-
rar expectativas cada vez melhores acerca do futuro do arcabouço fiscal combina perfeitamente bem com a
hipótese de uma atitude enérgica do governo no sentido de manter intocadas as atuais metas de inflação. Em
conjunto, ambas atuariam para reduzir as expectativas de inflação, possibilitando projeções abaixo da meta.
Estaria viabilizado, assim, o início da redução dos juros básicos da economia. Resta torcer para que as coisas
efetivamente caminhem nessa direção.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 15
Política fiscal
Ajustes fiscais pela receita

Manoel Pires e Carolina Resende

O governo anunciou uma nova proposta de regra fiscal. Em linhas gerais, a proposta consiste em melhorar o
resultado primário de um déficit de 0,5% do PIB em 2023 para superávit de 1% do PIB em 2026, esforço fiscal de 0,5
p.p. por ano. Haverá um intervalo de confiança de 0,25 p.p. do PIB para verificação do cumprimento da meta. Essa
última ideia é antiga, pois, como na política monetária, a política fiscal também está sujeita a choques e incerteza.
O orçamento será elaborado por uma regra de despesa flexível e seu crescimento equivalerá a 70% do cres-
cimento da receita do ano anterior, com piso de 0,6% e teto de 2,5%. Assim, se o crescimento da receita estiver
fora da faixa de 0,86%-3,6%, aplica-se, respectivamente, o piso ou o teto na despesa. A flexibilidade se justifica
em função dos mínimos constitucionais – parte relevante do orçamento – estarem vinculados à receita. A ideia
é evitar a compressão de outros gastos. O piso se aproxima do crescimento populacional, o que tenderia, nos
piores cenários, a manter o gasto primário per capita estável. A abrangência é ampla, excluindo-se apenas o
FUNDEB e o piso da enfermagem. Deveria excluir créditos extraordinários, pois são imprevisíveis e necessários,
como mostrou a pandemia.
Haverá um piso para os investimentos, em princípio, de aproximadamente R$ 70 bilhões, para proteger esse
item de despesa. Se a meta de resultado primário for descumprida, a regra de despesa será ajustada para 50%
do crescimento da receita, em vez de 70%. Se houver excesso em relação à meta, é possível reverter o saldo
para novos investimentos. Existem dúvidas sobre o que ocorre se houver conflito entre o piso de investimentos
e o limite estabelecido para o gasto, e se o excedente da meta revertida para investimentos é incorporado ao
piso ou se estará restrito ao limite da despesa. A reversão dos investimentos para o exercício seguinte também
pode conflitar com uma meta de primário mais arrojada.
As simulações preliminares indicam que, considerando um cenário de consenso de mercado, a aplicação
da regra de despesa resulta em melhora bastante gradual do resultado primário, que sairia de déficit de 0,6%
do PIB em 2023 para déficit de 0,1% do PIB em 20262. Para elaboração desse cenário, considerei as projeções
do Relatório Focus de 3 de abril de 2023, o conceito de arrecadação líquida acumulada de julho a junho e uma
diferença entre IPCA e deflator do PIB de 0,5 p.p. Os dados estão disponíveis no blog do IBRE3.
O alcance das metas de resultado primário, na ausência de crescimento econômico mais acelerado, requer,
portanto, aumento de carga tributária recorrente, e o governo tem sido bastante claro com relação a isso. Em
simulação alternativa, incorporei ao cenário base um acréscimo de arrecadação estrutural de R$ 70 bilhões em
2024, R$ 50 bilhões em 2025 e R$ 35 bilhões em 2026. Os resultados indicam que as metas seriam cumpridas,
atingindo 1,0% do PIB em 2026. Nesse cenário, a arrecadação líquida do Governo Federal sairia de 18,2% do
PIB para 19,5% do PIB em 2026, um aumento de 1,3 p.p. do PIB.
Qual o impacto de uma estratégia fiscal de ampliação de receitas? As evidências empíricas sugerem que
os multiplicadores de arrecadação são negativos, porém menos contracionistas do que o ajuste pelo lado das

2
O Relatório bimestral divulgado em março apontou uma estimativa de déficit primário de 1% do PIB. No anúncio da nova regra fiscal foi
apontado pelo Governo que o déficit fiscal deve ser de 0,5% do PIB.
3
https://blogdoibre.fgv.br/posts/limites-desafios-e-algumas-sugestoes-para-nova-regra-fiscal

16 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
despesas. Pires (2014) encontrou multiplicadores fiscais de -0,3 para a carga tributária líquida. Castelo-Branco,
Lima e Paula (2017) encontraram evidências de multiplicadores de arrecadação de -0,16, enquanto Peres e El-
lery (2009) encontraram um multiplicador de -0,29. Em todos os casos citados, as evidências para o Brasil indi-
caram multiplicadores de receita com menor impacto sobre a atividade do que os multiplicadores de despesa.
É importante ressaltar que a evidência dos multiplicadores de receita, contudo, é mais incerta do que a dos
gastos. A quantidade de estudos é menor e é mais difícil separar a relação de dupla causalidade, pois o PIB
também afeta o nível de arrecadação, gerando um viés positivo de estimação. Nesse sentido, Alesina, Favero e
Giavazzi (2019), em um estudo para países desenvolvidos, encontram evidências de que planos fiscais basea-
dos em receitas produzem efeitos menos contracionistas do que planos baseados em gastos, um resultado na
contramão da literatura de multiplicadores fiscais.
Se por um lado, essa proposta de ajuste tende a ser menos contracionista, é importante observar o impacto
de longo prazo do aumento de carga tributária, na medida em que o imposto gera peso morto sobre a produção
e uma série de distorções sobre o sistema econômico. Em outras palavras, é importante atentar para o impacto
das medidas tributárias sobre a produtividade da economia brasileira.
As propostas apresentadas pelo Ministério da Fazenda, até o momento, atuam no sentido de reduzir as dis-
torções tributárias. A oneração de setores subtributados, como jogos eletrônicos, a coibição da prática de “profit
shifting” e a redução de incentivos fiscais produzem maior harmonização da tributação e redução de suas distor-
ções, o que é positivo. Nesse aspecto, tudo indica que é possível obter alguns recursos fiscais com baixo custo
marginal. Por outro lado, esses recursos sendo utilizados para financiar a ampliação do Bolsa-Família, aumentar
investimentos públicos produtivos e elevar o resultado primário, para corrigir a trajetória de endividamento e redu-
zir a taxa de juros, podem resultar em elevado benefício marginal, justificando a escolha da regra fiscal.
Sempre existem dúvidas importantes e justificáveis sobre a qualidade da despesa pública. No entanto,
como a experiência recente do Teto de Gastos mostrou, uma regra fiscal restritiva não substitui uma boa gestão
pública. Essa avaliação não deve se confundir com o papel da regra fiscal. A preservação de um nível mínimo
de gastos sociais, um dos objetivos declarados do novo arcabouço, dependerá de priorizações orçamentárias,
dadas as múltiplas restrições ao crescimento de despesas estabelecidas pela nova regra.
O que se espera de um bom regime fiscal é que ele gere incentivos para a ampliação de gastos produtivos,
mantendo a dívida sustentável sem distorcer o sistema tributário. A proposta tenta estabelecer algumas bases
para que isso ocorra nos próximos anos.

Referências

Alesina, A.; Favero, C.; Giavazzi, F. (2019). “Effects of Austerity: Expenditure- and Tax-Based Approaches.” Jour-
nal of Economic Perspectives, 33 (2): 141-62.
Matheson, T.; Pereira, J. (2016). “Fiscal Multipliers for Brazil,” IMF Working Papers 2016/079, International Mo-
netary Fund.
Peres, M. A.; Ellery Jr, R. (2009). “Efeitos dinâmicos dos choques fiscais do governo central no PIB do Brasil.”
Pesquisa e Planejamento Econômico, 39.
Pires, M. (2014). Política fiscal e ciclos econômicos no Brasil. Economia Aplicada, v.
18, n. 1, p. 69-90.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 17
Setor externo
O possível aumento da dependência do mercado chinês para o
crescimento das exportações em 20234

Lia Valls

O resultado da balança comercial em março de 2023 surpreendeu. O saldo de US$ 10,9 bilhões foi o maior
na série histórica deste mês, com aumento de US$ 3,3 bilhões em relação a março de 2022. Em valor, as expor-
tações totais aumentaram em 12,3%, e as importações em 1,4%.
A melhora do desempenho exportador foi liderada pelo aumento do volume exportado, que cresceu 17,5%
na comparação mensal, enquanto os preços exportados recuaram em 4,7%. No caso das importações, o volu-
me importado caiu 1,4% e os preços subiram 2,8%.
No primeiro trimestre deste ano, o saldo da balança comercial foi de US$ 15,8 bilhões, superior ao do
primeiro trimestre de 2022, que foi de US$ 12,2 bilhões. Em valor, as exportações aumentaram 4,8% e as im-
portações recuaram 0,3%. A variação no volume exportado (4,7%) explica o desempenho positivo em valor das
exportações. O recuo das importações foi liderado pela queda do volume (-4,0%), pois foi registrado aumento
de preços de 3,8% (Gráfico 6).

Gráfico 6: Variação (%) nos índices dos fluxos comerciais: jan-mar. 2022/2023
4,8 4,7
3,8

0,4

-0,3

-4,0
Valor Volume Preços
Exportações Importações
Elaboração: FGV IBRE. Base ICOMEX. Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Economia.

O desempenho exportador por setor, em termos de volume, mostra que, em março, a indústria extrativa lide-
rou o percentual de variação em relação a março de 2022, 59%, seguida da agropecuária (11%) e da indústria
de transformação (8,1%). O principal produto exportado da extrativa foi o petróleo em bruto, com variação em
tonelada de 102,7%. Em termos de variação dos preços, houve recuo para a extrativa (-20%) e aumento de 2,9%

4
Esse texto é parte do Boletim ICOMEX da FGV/IBRE de abril de 2023.

18 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
para a agropecuária e de 1,2% para a transformação. Ressalta-se que, em março, a participação da extrativa
no valor exportado total (25,8%) ficou próxima à da agropecuária, 26,9%, e a da transformação foi de 47,3%. A
variação positiva do volume em todos os setores, em especial o aumento acima de 50% da extrativa, contribuiu
para o aumento do volume exportado em 17,5% entre março de 2022 e 2023.
Na comparação interanual trimestral, a extrativa liderou a variação no volume exportado, com 19,5%, se-
guida de aumento em 1,3% da agropecuária e de 0,4% na transformação. Os preços caíram para a extrativa
(-13,3%) e aumentaram para a agropecuária (7,6%) e transformação (4,1%). No trimestre, foi destaque a varia-
ção de 174% das exportações de milho (Gráfico 7).
Entre março de 2022 e 2023, o volume importado caiu para a agropecuária (-18,4%), extrativa (-15,8%) e au-
mentou 0,5% para a transformação. A variação dos preços foi positiva, mas abaixo de 3% para todos os setores.
Na comparação dos trimestres, o volume importado caiu para todos os setores e os preços aumentam para a
agro (8,6%) e transformação (4,5%), e recuaram na extrativa (-0,8%).

Gráfico 7: Variação (%) dos índices de volume e preços por tipo de indústria jan-mar. 2022/2023
19,5

7,6 8,6
4,1 4,5
1,3 0,4

-0,8 -0,5
-5,9

-13,3

-26,1
Preço Volume Preço Volume
Exportações Importações
Agropecuária Extra�va Transformação
Elaboração: FGV IBRE. Base ICOMEX. Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Economia.

O recuo nas importações está associado à expectativa menos favorável em relação ao crescimento eco-
nômico do país. A projeção do modelo IBRE é de crescimento do PIB de 0,3% para 2023. Nesse cenário, é
esperado que as importações desacelerem. O Gráfico 8 mostra que as importações de bens intermediários
para a indústria e a agropecuária recuaram em 9,2% e 1,7%, respectivamente. A menor queda da agropecuária
é coerente com as expectativas de crescimento positivo para o setor e negativo para a indústria. Vale notar a
variação nos preços, queda de 23,1% para a agro e aumento de 3,5% para a indústria. Nesse mesmo período
em 2022, em relação a 2021, os preços de bens intermediários da agro cresciam 123% e da transformação,
32%. No primeiro caso, era o efeito da Guerra da Ucrânia sobre adubos e fertilizantes, e, no segundo, o reflexo
dos gargalos ainda existentes nas cadeias produtivas relacionadas à COVID 19.
As expectativas favoráveis para a agropecuária explicam o aumento das compras de bens de capital
(127,7%,) que estão associados em parte a máquinas necessárias para a colheita. Para a indústria, o aumento
dos bens de capital foi de 6,7%.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 19
Gráfico 8: Variação (%) de volume e preços importados das máquinas/equipamentos e de bens
intermediários utilizados na agropecuária e na indústria de transformação jan-mar. 2022/2023
127,7

12,0 16,4
6,7 3,5

-1,7
-9,2
-23,1
Bens de Capital na Bens Intermediários na Bens Intermediários na Bens de Capital na
FBCF indústria agropecuária agropecuária

Preço Volume
Elaboração: FGV IBRE. Base ICOMEX. Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Economia.

Do lado das exportações, a melhora no desempenho é explicada pelo comportamento nos prinicipais mer-
cados. Na comparação interananual do mês de março, o volume exportado para a China foi de 29,6%, e, na
comparação do primeiro trimestre, de 9,6%, mostrando que o efeito do fim do lockdown está começando a
impactar. Para os Estados Unidos, na comparação mensal, o aumento foi de 9,7% e, no trimestre, de 8,8%. Para
o terceiro principal mercado de exportação, a Argentina, o aumento foi de 20,9% (mensal) e 11,4%, trimestral. A
variação mensal para a União Europeia foi de 19,8%, e de 7,1% no trimestre.
Observa-se que, para a Argentina, o crescimento está associado ao desempenho do setor automotivo.
Entre os primeiros trimestres de 2022 e 2023, as exportações de partes e peças para veículos aumentaram em
valor, 38,6%, e a de veículos de passageiros, 52,9%. Os dois itens explicam 22% das exportações brasileiras
para a Argentina.
O aumento de volume está ajudando a variação posiitva do valor exportado neste primeiro semestre. Por
outro lado, a queda de preços mais acentuada nas importações tem levado à queda nos termos de troca. Como
pode ser observado no Gráfico 9, após ligeira recuperção a partir de janeiro de 2022, os termos de troca em
bases trimestrais mostram tendência de queda desde dezembro de 2022.

2 0 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Gráfico 9: Média móvel trimestral dos índices de termos de troca
130

125

120

115

110

105

100

95

90
mar/15
mai/15
jul/15
set/15
nov/15
jan/16
mar/16
mai/16
jul/16
set/16
nov/16
jan/17
mar/17
mai/17
jul/17
set/17
nov/17
jan/18
mar/18
mai/18
jul/18
set/18
nov/18
jan/19
mar/19
mai/19
jul/19
set/19
nov/19
jan/20
mar/20
mai/20
jul/20
set/20
nov/20
jan/21
mar/21
mai/21
jul/21
set/21
nov/21
jan/22
mar/22
mai/22
jul/22
set/22
nov/22
jan/23
mar/23
Elaboração: FGV IBRE. Base ICOMEX. Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Economia.

As previsões são de desaceleração do produto mundial. Segundo o FMI, a taxa de crescimento do PIB glo-
bal vai passar de 3,4% para 2,8% entre 2022 e 2023. Nos Estados Unidos, a variação do PIB cai de 2,1% para
1,6% e, na zona do euro, de 3,5% para 0,8%. No principal mercado de destino das exportações brasileiras, a
China, a tendência é inversa. Com o fim da política de lockdown associada à COVID 19, o crescimento aumenta
de 3,0% para 5,2%.
Os dados sugerem que a dependência da China para a melhora das exportações deverá se acentuar este
ano. Já se os acordos comerciais assinados entre Brasil e China irão ou não incrementar os fluxos de comércio,
é prematuro afirmar. Os governos podem assinar os acordos, mas são os exportadores e importadores privados
no Brasil que precisarão aderir a esse comércio, dado que não há obrigações pelos acordos do uso da moeda.
A União Europeia tem elevado sua participação na pauta brasileira com as restrições da Guerra da Ucrânia,
mas a desaceleração esperada na região sugere que a contribuição desse mercado não deve aumentar. Nos
Estados Unidos, a desaceleração na taxa de crescimento não cria expectativas favoráveis para o crescimento
das exportações. Por fim, temos a Argentina, com crescimento de compras brasileiras, em especial do setor
automotivo. Como esse é um comércio administrado, decisões das multinacinais podem estar influenciando os
resultados, apesar da crise econômica do país vizinho.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 2 1
Internacional
Incertezas na desinflação americana

Samuel Pessôa

O dado de inflação de março para os EUA gerou certo otimismo, que acabou por desvalorizar o dólar frente
às demais moedas. Uma inflação um pouco mais moderada fortalece o diagnóstico de que pode haver desin-
flação indolor, conhecida por pouso suave.
Antes de revermos em mais detalhe a divulgação da inflação de março, vale repassarmos os cenários da
economia americana hoje.
A experiência do pós-guerra indica que, em geral, cada ponto percentual de desinflação requer um ponto
percentual de elevação da taxa de desemprego. Essa é o tamanho da dor, conhecido por razão de sacrifício,
para a desinflação.
Como nos EUA tudo indica que a inflação irá se estabilizar em torno de 4-5%, a desinflação adicional neces-
sária é da ordem de 2 pontos percentuais para que chegue próxima à meta de 2%. Consequentemente, a eleva-
ção da taxa de desemprego requerida será da ordem de 2 pontos percentuais, dos atuais 3,5% para 5,5%.
Pela lei de Okun, para que o desemprego se eleve em 2 pontos percentuais, a economia precisa crescer em
determinado período 4 pontos percentuais a menos do que a taxa de crescimento do produto potencial, dada
por 2% ao ano.
Para que a economia cresça aquém do produto potencial por um tempo suficientemente longo para
gerar a elevação requerida da taxa de desemprego, a política monetária terá que ser apertada por um ano
pelo menos.
O mercado considera que será possível haver desinflação sem grandes dores. O motivo é que as expecta-
tivas de longo prazo da inflação estão ancoradas. A diferença do atual ciclo inflacionário ante o ciclo anterior, o
do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, é que, no atual, apesar da elevação da inflação, as expectativas
de longo prazo não se deterioraram.
Assim, essa é a grande dúvida que temos hoje relativa à desinflação americana: será com dor ou será indolor?
No dia 14 de dezembro, após a divulgação da decisão do Comitê de Política Monetária do Fed, o presidente
Jerome Powell afirmou:
“... você pode dividir a inflação em três conjuntos. A primeira é a inflação de mercadorias, e vemos agora ...
a inflação de mercadorias caindo ... Então você vai aos serviços de habitação ... essa inflação cairá no próximo
ano. A terceira peça, que é algo como 55% do… PCE Core Inflation Index, são os serviços não relacionados à
moradia. E isso é realmente função do mercado de trabalho ... e vemos um mercado de trabalho muito, mui-
to forte, em que não vimos muito afrouxamento, em que o crescimento do emprego é muito alto, em que os
salários são muito altos. As vagas estão em níveis bastante elevados e ... há um desequilíbrio no mercado de
trabalho entre oferta e demanda. Portanto, é provável que essa parte, que é a maior parte, levará um período
substancial para cair. O outro ... a inflação de mercadorias virou muito rapidamente agora, depois de não virar
por um ano e meio. Agora parece estar virando. Mas há uma expectativa ... de que a inflação dos serviços não
desça tão rapidamente, para que tenhamos que permanecer e, talvez, tenhamos que aumentar os juros ainda
mais para chegar aonde queremos ir. E é por isso que estamos apontando esses juros mais elevados e porque
esperamos que eles tenham que permanecer altos por um tempo”.

2 2 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Depois dessa fala, todo o mercado passou a olhar com lupa a inflação de serviços que exclui aluguéis. No
dado de março, ela veio particularmente baixa. Em 12 meses, esse item caiu de 6,1% em fevereiro para 5,1%.
Em três meses, a queda foi ainda mais expressiva, de 5,3% para 2,7%, considerando taxas anualizadas.
Como meu colega Paulo Grahl notou, esse indicador considera os serviços ligados ao setor de energia,
cuja inflação caiu muito em março. Assim, se consideramos serviços excluindo aluguéis e serviços de energia,
a inflação em 12 meses foi de 6% para 5,6%, uma queda ainda respeitável. Para a inflação acumulada em três
meses, a queda foi de 4,7% para 4,1% (sempre considerando a taxa anualizada). Para horizontes mais longos
de tempo, a desinflação de serviços excluindo aluguéis e serviços de energia tem sido maior. A inflação trimes-
tral nesse item caiu de 8,8% em junho de 2022 para 4,1% em março de 2023. Talvez o pouso suave seja uma
possibilidade. A ver.

Observatório político
A Natureza Dual do Mandato de Lula

Octavio Amorim Neto – Professor da FGV EBAPE

Em 2022, pela primeira vez na história brasileira, disputaram a chefia do Poder Executivo federal o titular do
cargo e um ex-presidente da República. Foi uma disputa entre o legado de cada um. Apesar da relevância da
questão democrática durante a campanha, sobretudo no segundo turno, Lula venceu por conta da percepção
de que era o mais capaz de enfrentar os problemas socioeconômicos que afligem os mais vulneráveis. O legado
positivo de combate à pobreza que Lula deixara em seus dois primeiros mandatos foi decisivo para a vitória.
A incompetência de Bolsonaro no combate à pandemia e seu descaso com as políticas públicas vitais para o
bem-estar da população de baixa renda cobraram-lhe um preço alto. Portanto, o mandato de Lula III oscilará
entre dois eixos: melhorar a vida do eleitorado pobre e defender a democracia.
A defesa da democracia começou com a formação da chapa Lula-Alckmin em dezembro de 2021, foi se
expandindo ao longo do primeiro semestre do ano seguinte, vindo a consolidar-se no segundo turno da disputa
presidencial. Assim que Lula venceu a corrida ao Planalto em 30 de outubro de 2022, outro aspecto marcante
da defesa da democracia emergiu. Tratou-se da formação de uma ampla aliança diplomática de enfático apoio
à vitória de Lula e à integridade do processo eleitoral brasileiro, aliança que incluiu, entre vários outros países,
Estados Unidos, Argentina, Portugal, Espanha, Alemanha, França e México. Pela primeira vez desde janeiro de
1985, isto é, quando Tancredo Neves fora eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral, encerrando o
regime militar, a constituição de um novo governo brasileiro precisou de sustentação internacional, sinal claro
de o quanto o mundo estava ciente da extensão da ameaça bolsonarista à democracia.
Sobreveio, então, a fracassada tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. A intentona bolsonarista for-
taleceu tanto o respaldo nacional quanto o internacional à defesa da democracia. Além disso, o esforço de
reversão do desmonte do Estado promovido por Bolsonaro consumiu boa parte da energia despendida pelo
novo governo em seus três primeiros meses. O que, como mostrou o jornalista Daniel Haidar, fica claro a partir
de uma pesquisa acadêmica: “Nunca antes um presidente da República teve de concentrar tantos esforços em
revogar atos de seu antecessor. É o que revela um levantamento feito para a coluna pelo grupo PEX—Network

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 2 3
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenado pela professora Magna Inácio. Dos 136 decretos
presidenciais editados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até agora, 83 buscaram revogar atos de Jair Bolsonaro
(PL). O criticado ‘desmonte’ do Estado brasileiro não deu menos trabalho. Lula precisou editar 40 decretos para
reestruturar órgãos, cargos e funções, ainda de acordo com o levantamento”.5
Convém destacar que o desmantelamento do Estado empreendido pelo governo anterior não tinha a ver
apenas com uma suposta política liberal de redução da burocracia federal. Era também componente funda-
mental de um projeto de erosão das bases administrativas e organizacionais do Estado de Direito. Portanto, a
revogação dos atos de Bolsonaro encaixa-se na defesa da democracia.
Passando para o outro eixo do mandato de Lula, seu governo já tomou uma série de medidas para melhorar
o bem-estar da população mais pobre, com destaque para o restabelecimento do Bolsa Família e o aumento
do salário-mínimo. É sobre esse mesmo eixo que correm as reiteradas críticas de Lula ao presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, e às altas taxas de juro que este tem praticado. Lula – plenamente ciente da
maior relevância, para sua sobrevivência política, de criar benefícios tangíveis aos eleitores de baixa renda – está
ansioso por aquecer a economia no curto e médio prazo.
No dia 30 de março do corrente, Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, apresentou o novo arcabouço
fiscal com o qual o governo tenciona gerar superávit primário com limite de despesas. O arcabouço promete
um ajuste fiscal gradual, ao contrário do que deseja a maioria das vozes do mercado. O gradualismo fiscal de
Haddad corre também sobre o eixo da defesa do bem-estar dos eleitores pobres. Um ajuste mais acelerado
poderia ter impacto negativo sobre esses eleitores.
Dada a ansiedade de Lula para melhorar a vida material dos eleitores de baixa renda, por que o novo ar-
cabouço fiscal não foi apresentado antes? A resposta já se encontra nos parágrafos acima: os três primeiros
meses do novo governo foram percorridos predominantemente sobre o eixo constituído pela defesa da demo-
cracia. De maneira contrafactual, pode-se afirmar que, se não fosse pelo perverso legado transmitido pelo bol-
sonarismo, Lula poderia ter investido, no começo do seu terceiro mandato, muito mais tempo e energia política
no enfrentamento de questões econômicas.
A oscilação entre a defesa da democracia e a defesa da economia popular tem tudo para ser a marca
distintiva de Lula III. A amplitude e a frequência das oscilações serão determinadas por uma série de fatores,
dentre os quais avultam a popularidade presidencial, a solidez do apoio legislativo do governo e a capacidade
disruptiva da extrema direita.

Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.

5
Ver Daniel Haidar, “Em 3 meses, Lula editou 83 decretos para revogar atos de Bolsonaro”, Terra, 31/03/2023, disponível em https://www.
terra.com.br/noticias/daniel-haidar/em-3-meses-lula-editou-83-decretos-para-revogar-atos-de-bolsonaro,6843213fe90c9e55114bd94583a4
402e06wjtnah.html.

2 4 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Em foco IBRE
Expansão do Auxílio Brasil gera empregos e
reduz participação dos mais jovens

Daniel Duque

A participação na força de trabalho representa a população em idade ativa empregada ou em busca ativa
de emprego. Fatores que impulsionam a oferta de trabalho incluem opções dentro e fora do mercado de tra-
balho. Dentro, são fatores como a probabilidade de encontrar emprego e salários mais altos que aumentam
a oferta de trabalho. Outros atrativos abrangem qualidade do emprego e condições de trabalho. Já opções
externas, ou seja, alternativas à participação no mercado de trabalho, incluem normas sociais, programas de
apoio à renda, educação e benefícios de aposentadoria/pensão. A educação pode reduzir temporariamente
a oferta de trabalho, mas pode criar uma força de trabalho mais qualificada a longo prazo. As opções de
aposentadoria afetam a participação de trabalhadores mais velhos, dependendo do valor do benefício e da
acessibilidade das aposentadorias.
A pandemia da COVID-19 causou disrupções significativas nos mercados de trabalho em todo o mundo,
afetando a oferta de trabalho, as condições do mercado e levando à expansão dos programas de bem-estar
social. O Brasil, desde a pandemia, tem enfrentado desafios significativos em relação à participação na força
de trabalho, com os níveis de participação nunca tendo retornado aos patamares anteriores à pandemia, e
estabilizando-se em torno de 1 ponto percentual abaixo dos níveis de 2019.
No final de 2022, a situação piorou ainda mais, com uma diminuição na participação da força de trabalho,
impulsionada principalmente pelas coortes mais jovens. Os jovens enfrentam desafios específicos no mercado
de trabalho, como falta de experiência, habilidades limitadas e maior vulnerabilidade a flutuações econômicas.

Gráfico 10: Taxa de Participação por faixa etária


Taxa de Par�cipação (% da PIT) Diferença interanual da taxa de par�picação
90% 5%
80%
4%
70%
60% 3%
50% 2%
40%
30% 1%
20% 0%
10%
-1%
2012,1
2012,4
2013,3
2014,2
2015,1
2015,4
2016,3
2017,2
2018,1
2018,4
2019,3
2020,2
2021,1
2021,4
2022,3

-2%
Total 14 a 17 18 a 24 25 a 39 40 a 59 60 anos
Total 14 a 17 anos anos anos anos anos ou mais
18 a 24 anos 25 a 39 anos
2022.1 2022.2 2022.3 2022.4
40 a 59 anos 60 anos ou mais
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 2 5
Aquela tendência poderia ser reflexo de um aumento da educação dos jovens, que decidem se escolarizar
em vez de buscar opções no mercado de trabalho. No entanto, essa explicação abrange apenas cerca de 60%
da redução da taxa de participação dos mais jovens, como mostra o gráfico abaixo, uma vez que o percentual
dessa população fora da força de trabalho e de instituições de ensino aumentou 0,8 ponto percentual (pp).

Gráfico 11: Percentual dos Jovens (14 a 24 anos) Fora da Força de Trabalho
40% 35,6% 36,3%
35,3% 34,2% 34,8%
35%
30%
25%
20%
12,0% 13,3% 12,4% 12,2% 12,8%
15%
10%
5%
0%
2021,4 2022,1 2022,2 2022,3 2022,4
Fora da FT, em alguma Ins�tuição de Ensino Fora da FT e de Ins�tuições de Ensino
Fonte: PNADC.

Desse modo, é importante compreender fatores explicativos da oferta de trabalho nesse último período,
para o qual serão testadas hipóteses a partir do caráter longitudinal da PNAD Contínua.

Metodologia

Analisar os determinantes da participação na força de trabalho em nível individual pode ser alcançado
acompanhando os indivíduos ao longo de um período. Essa abordagem permite que se identifiquem fatores
específicos, como mudanças nas habilidades, educação ou circunstâncias pessoais, que influenciam a decisão
de um indivíduo de participar do mercado de trabalho.
Além da análise em nível individual, os dados longitudinais podem ser usados para analisar os deter-
minantes da participação na força de trabalho em nível local. Essa abordagem envolve a coleta de dados
agregados em diferentes regiões ao longo do tempo, fornecendo informações sobre o papel das condições
do mercado de trabalho local, políticas regionais e fatores culturais na participação na força de trabalho.
Comparar regiões com características variadas pode ajudar a identificar fatores que promovem ou dificul-
tam a oferta de trabalho.
Os modelos de efeitos fixos podem ser usados para abordar algumas fontes de endogeneidade, controlan-
do os fatores não observados invariantes no tempo que podem estar correlacionados com as variáveis explica-
tivas. Ao se concentrar na variação de cada indivíduo ou dentro da região ao longo do tempo, os modelos de
efeitos fixos ajudam a isolar os efeitos causais dos determinantes da participação na força de trabalho, conside-
rando a heterogeneidade não observada.
Desse modo, em nível local, será explorado principalmente o canal das transferências de renda relaciona-
das ao Auxílio Brasil (AB), uma vez que, a partir de 2022, tal programa representou grande alta nos rendimentos
das famílias em relação ao seu antecessor, o Bolsa Família. O ráfico abaixo mostra que o programa teve grande

2 6 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
expansão em dois momentos: do final ao 2021 para o início de 2022, quando o benefício mensal aumentou para
um valor mínimo de R$ 400 (além de um aumento do número de famílias atendidas), e na segunda metade do
ano, quando cresceu para R$ 600.

Gráfico 12: Distribuição geográfica do percentual das transferências de


renda em relação à massa de rendimentos
20

15
Densidade

10

0 -1 -2 -3
Transferências do Auxílio Brasil (% da massa de rendimentos)

2021.4 2022.1 2022.2 2022.3 2022.4


Fonte: Elaboração Própria com dados do Ministério da Cidadania e da PNADC Anual de 2021.

Para estimar o efeito da expansão dessas transferências, será explorada a possibilidade de a PNAD Contí-
nua Trimestral poder se subdivida entre 75 áreas geográficas, a partir de Capitais, Regiões Metropolitanas asso-
ciadas a estas primeiras, e o restante das Unidades da Federação. Com isso, a partir dessas áreas, será testado
o efeito local do Auxílio Brasil sobre a média da taxa de participação e do total de ocupações. A equação abaixo
demonstra a estratégia empírica aplicada.

Em que é a área geográfica, é o trimestre (do 4º de 2021 ao 2º de 2022), Y é a variável dependente de


interesse, T é o percentual de transferências no mês central do trimestre, em proporção ao total de rendimentos
do quarto trimestre de 2021 na área geográfica, X éé um vetor de controles (escolaridade dos adultos, total de
adultos), e, finalmente, e são efeitos fixos de trimestre e área geográfica.
Por outro lado, para compreender os mecanismos do movimento da população nos últimos anos em nível
individual, há desafios, como a não publicação ainda dos dados da PNAD Contínua Anual para o ano de 2022,
que contém informações de rendimento do não trabalho – como o próprio Auxílio Brasil. Portanto, para não se
perder tal dimensão, será avaliada a probabilidade, na PNAD Contínua Anual no último trimestre de 2021, de um
domicílio receber pelo menos um benefício em cada Estado.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 2 7
Calculando a média dessa probabilidade ao longo dos cinco trimestres entre 2021.4 e 2022.4, é performada
uma regressão com efeitos fixos, em que a variável dependente é um indicador de se ele está participando da
força de trabalho. A equação abaixo demonstra a especificação.

Em que i é o indivíduo, é o trimestre (do 4º de 2021 ao 2º de 2022), Y é a variável dependente de interesse,


T é a mesma variável anteriormente exposta, é a média da probabilidade de a família ser beneficiária do
Auxílio Brasil, é o logaritmo da soma da População Ocupada na área geográfica a, X é um vetor de
controles, e, finalmente, e são efeitos fixos de trimestre e indivíduo. Dentre os controles estarão escolari-
dade, idade, se está estudando (e se é jovem), dentre outros.

Resultados

A tabela abaixo mostra que o aumento das transferências de renda teve forte impacto no nível de ocupa-
ções (+22,4%). No entanto, em relação à taxa de participação, não há efeito agregado, mas uma queda expres-
siva (-10p.p.) para jovens de 14 a 24 anos. As estimativas são apresentadas com seus respectivos erros-padrão
entre parênteses.

Tabela 3: Resultados das Regressões a Nível Local

PO (ln) TP TP (jovens)
0.224*** -0.008 -0.106*
Transferências do AB
(0.064) (0.039) (0.061)
-0.759*** -0.271** 0.145
Idosos (%)
(0.19) (0.116) (0.182)
0.692*** 0.406*** 0.395
Homens (%)
(0.262) (0.16) (0.251)
0.079*** 0.048*** 0.02
Anos de Estudo de adultos
(0.014) (0.008) (0.013)
Obs: Os asteriscos indicam níveis de significância estatística: * para 10%, ** para 5% e *** para 1%.
Efeitos Fixos de área geográfica e trimestres implícitos.

A tabela apresenta os resultados de uma análise que investiga, em nível individual, a relação entre diferentes
níveis de escolaridade, frequência escolar, renda, população ocupada na área, e transferências do programa de
Auxílio Brasil (AB) com a taxa de participação (TP) e as horas trabalhadas.

2 8 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Tabela 4: Resultados das Regressões a Nível Individual

TP Horas Trabalhadas
0.021** 0.107
Fundamental incompleto
(0.008) (0.349)
0.018* -0.104
Fundamental completo
-0.009 (0.405)
0.032*** 0.237
Médio incompleto
(0.01) (0.436)
0.049*** 1.082**
Médio completo
(0.01) (0.441)
0.054*** 1.73***
Superior incompleto
(0.012) (0.527)
0.088*** 2.625***
Superior completo
(0.013) (0.553)
0.007 0.474*
Frequenta Escola
(0.009) (0.274)
-0.063*** -2.158***
Frequenta Escola x Jovem
(0.009) (0.389)
0.257*** 9.278***
ln(PO per Capita)
(0.017) (0.764)
0.006*** 0.304***
Renda per Capita de Outros no Domicílio
(0) (0.012)
-0.066 -2.181
Transferências do AB
(0.048) (2.126)
Transferências do AB x Probabilidade de ser 0.019** -3.511
beneficiário (0.07) (3.07)
0.34*** 23.509***
Transferências do AB x Jovem
(0.113) (4.966)
Transferências do AB x Probabilidade de ser -0.301* -24.874***
beneficiário X Jovem (0.157) (6.891)
-0.008 -0.71
Crianças no Domicílio
(0.011) (0.483)
0.025*** 0.961***
Idade
(0.003) (0.141)
0*** -0.011***
Idade2
(0) (0.001)
Obs: Os asteriscos indicam níveis de significância estatística: * para 10%, ** para 5% e *** para 1%.
Efeitos Fixos de indivíduo e trimestres implícitos.

A b r i l 2 02 3 | B o l e t i m M a c r o 2 9
Os resultados mostram que, em comparação com a categoria de referência, todos os níveis de escola-
ridade estão em geral positivamente relacionados à taxa de participação e às horas trabalhadas. A relação
entre a frequência escolar e a taxa de participação não é estatisticamente significativa, mas a interação entre
frequência escolar e ser jovem apresenta relação negativa e significativa com a taxa de participação e as
horas trabalhadas.
A variável emprego per capita (PO per capita) está positivamente relacionada tanto à taxa de participação
quanto às horas trabalhadas, indicando que um aumento no emprego per capita está associado a um aumento
na taxa de participação e no número de horas trabalhadas. Isso sugere que as áreas com maior emprego per
capita tendem a apresentar maior participação na força de trabalho e mais horas trabalhadas por indivíduo.
As transferências do programa Auxílio Brasil apresentam relação negativa, porém não significativa, com a
taxa de participação e as horas trabalhadas. No entanto, a interação entre transferências do AB, a probabilidade
de ser beneficiário e ser jovem revela efeito negativo com oferta de trabalho.

Interpretação dos Resultados

Como argumentado anteriormente, a expansão de programas sociais pode melhorar as opções fora do
mercado de trabalho ao fornecer renda adicional. Isso pode levar a uma redução na oferta de trabalho, à medida
que as pessoas optam por não participar do mercado de trabalho e desfrutar desses benefícios.
No entanto, caso tais transferências gerem efeito de aumento da demanda e do emprego, esse fenômeno
pode levar a um aumento na probabilidade de estar empregado e também de salários mais altos. Esses fatores
atuam como incentivos para que os indivíduos entrem no mercado de trabalho e busquem emprego, aumen-
tando assim a oferta de trabalho.
Quanto aos efeitos da expansão dos programas sociais de redução e aumento da oferta de trabalho, o
efeito líquido pode ser nulo no agregado. No entanto, jovens geralmente enfrentam taxas de desemprego mais
altas, pois são mais propensos a trabalhar em setores com maior rotatividade ou serem afetados pelas flutua-
ções do ciclo econômico. A expansão dos programas de bem-estar pode, portanto, ser especialmente efetiva
para esse grupo em reduzir a oferta de trabalho.
Adicionalmente, alguns programas de bem-estar oferecem apoio financeiro para que os indivíduos pos-
sam buscar oportunidades educacionais ou de formação profissional. Os jovens podem aproveitar mais esses
programas, já que estão no início de suas carreiras e podem ver os benefícios a longo prazo em investir em
educação e desenvolvimento de habilidades.
Por último, os jovens podem ter salários de reserva mais baixos devido a fatores como experiência de traba-
lho limitada, despesas de subsistência mais baixas ou responsabilidades financeiras menores em comparação
com os trabalhadores mais velhos. A disponibilidade de programas de bem-estar pode afetar mais fortemente
os salários de reserva dos jovens, fornecendo uma fonte alternativa de renda que pode influenciar sua decisão
de participar do mercado de trabalho.

3 0 B o l e t i m M a c r o | A b r i l 2 02 3
Instituição de caráter técnico-científico, educativo e filantrópico, criada em 20 de
Instituto Brasileiro de Economia
dezembro de 1944, como pessoa jurídica de direito privado, tem por finalidade
atuar no âmbito das Ciências Sociais, particularmente Economia e Administração,
bem como contribuir para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Diretor
Praia de Botafogo, 190 – CEP 22250-900 – Rio de Janeiro – RJ Luiz Guilherme Schymura de Oliveira
Caixa Postal 62.591 – CEP 22257-970 – Tel.: (21) 3799-4747
Vice-diretor
Primeiro Presidente e Fundador Vagner Ardeo
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Carlos Ivan Simonsen Leal Boletim Macro IBRE
Vice-presidentes: Clovis José Daudt Darrigue de Faro, Francisco Oswaldo Neves Coordenação geral e técnica
Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque Silvia Matos
Conselho Diretor
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Dornelles, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque Editoria de arte
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Neto, José Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Marcílio Marques Moreira,
Roberto Paulo Cezar de Andrade Equipe Permanente
Suplentes: Aldo Floris, Alexandre Koch Torres de Assis, Antonio Monteiro de Castro Aloisio Campelo Jr.
Filho, Ary Oswaldo Mattos Filho, Carlos Eduardo de Freitas, Gilberto Duarte Prado, André Braz
José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, José Ermírio de Moraes Neto, Marcelo José Armando Castelar Pinheiro
Basílio de Souza Marinho, Willy Otto Jordan Neto Daniel Duque
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Presidente: João Alfredo Dias Lins (Presidente em exercício)
Livio Ribeiro
Vice-presidente: João Alfredo Dias Lins (Klabin Irmãos & Cia.) Manoel Pires
Vogais: Antonio Alberto Gouvea Vieira, Cid Heraclito de Queiroz, Eduardo M. Marina Garrido
Krieger, Estado da Bahia, Estado do Rio Grande do Sul, Federação Brasileira de Mayara Santiago
Bancos (Isaac Sidney Menezes Ferreira), IRB – Brasil Resseguros S.A. (Antônio Cássio Rodolpho Tobler
dos Santos), Luiz Carlos Piva, Luiz Ildefonso Simões Lopes, Marcelo Serfaty, Marcio Samuel Pessôa
João de Andrade Fortes, Maria Tereza Leme Fleury, Miguel Pachá, Pedro Henrique Viviane Seda
Mariani Bittencourt, Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Resseguros
e de Capitalização nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ronaldo
Mendonça Vilela), Souza Cruz S/A (Jorge Irribarra) Advertência
Suplentes: Almirante Luiz Guilherme Sá de Gusmão, Carlos Hamilton Vasconcelos As manifestações expressas por integrantes dos quadros da
Araújo, General Joaquim Maia Brandão Júnior, Leila Maria Carrilo Cavalcante Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação
Ribeiro Mariano, Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de co-
Motta Filho, Monteiro Aranha Participações S.A., Nilson Teixeira, Raphael José de municação em geral, representam exclusivamente as opiniões
Oliveira Barreto, Ricardo Gattass, Sul América Companhia Nacional de Seguros dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional
(Patrick de Larragoiti Lucas) da FGV.
Instituto Brasileiro de Economia Este Boletim foi elaborado com base em estudos internos e
Diretor: Luiz Guilherme Schymura de Oliveira utilizando dados e análises produzidos pelo IBRE e outros de
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