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CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
ÍNDICE
A Proteção de Gênero�����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������2
O Caso Maria da Penha e a Decisão da Corte Americana de Direitos Humanos����������������������������������������3
A Proteção Constitucional da Mulher no Âmbito Penal��������������������������������������������������������������������������������5
Disposições Preliminares da Lei (Arts. 1º a 4º)��������������������������������������������������������������������������������������������������������������7
Âmbito de Aplicação da Lei e a Jurisprudência do STF������������������������������������������������������������������������������������������������7

Lei do Direito Autoral nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998: Proíbe a reprodução total ou parcial desse material ou divulgação com
fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na Internet, sem autorização do AlfaCon Concursos Públicos.
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A Proteção de Gênero
O art. 5º da Constituição Federal tem interessante redação em seu caput, afirmando que “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-
trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade (...)”. Inicialmente, é importante notar que a igualdade é o único direito que aparece
duas vezes no texto, primeiro para referenciar a chamada igualdade formal, no sentido de que todos
são iguais perante a lei, sem quaisquer distinções. Na sequencia, ao reafirmar a igualdade com um
dos direitos fundamentais, o constituinte deixa clara sua intenção de reforçar a necessidade de uma
igualdade material, ou seja, por intermédio da lei, traduzida na conhecida expressão de tratar desi-
gualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
Nos incisos do art. 5º da Constituição, assim, podemos verificar a igualdade entre homem e
mulher da dicção do inciso I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição”, enquanto que no inciso L verificamos a igualdade material: às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamen-
tação.
Assim, temos que a mulher é objetivo de tutela constitucional não só em seus direitos formalmen-
te iguais aos dos homens, mas deve-se reconhecer também na necessidade de uma melhor proteção
em virtude da própria realidade que se mostra sua maior vulnerabilidade nas relações domésticas e
familiares.
Importante, ademais, registrar que a violência doméstica é objeto próprio de dispositivo cons-
titucional, que impõe ao Estado a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º O Estado assegurará a as-
sistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações.

Por fim, não só a Constituição Federal já determina com clareza a necessidade da proteção das
relações domésticas, mas o Brasil já se comprometeu no âmbito internacional a efetivar esforços no
sentido dessa proteção.
O Decreto 1.973, de 1º de agosto de 1995, que promulgou a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho
de 1994, é um desses documentos. De seu texto, vale destacar o art. 3º ao afirmar que “[t]oda mulher
tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
Mais recentemente, por meio do Decreto 4.377, de 13 de setembro de 2002, o Brasil promulgou
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e
revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984, que entende “a expressão “discriminação contra
a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente
de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”
Verifica-se, portanto, que a Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Direitos
Humanos (supralegais) impõe desde muito a proteção da violência doméstica e familiar, o que foi
reforçado pela condenação brasileira no âmbito da Corte Americana de Direitos Humanos.
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O Caso Maria da Penha e a Decisão da Corte


Americana de Direitos Humanos
A lei nº 11.340/06 tem como objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher. Referida lei é conhecida como Lei Maria da Penha, uma menção a Maria da Penha Maia Fer-
nandes que sofreu por anos grave violência por parte de seu marido.
No dia 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza/CE, enquanto dormia Maria da Penha foi
atingida por um tiro de espingarda desferido pelo seu marido, que como consequência a deixou pa-
raplégica. As agressões continuaram, e dias depois do disparo, a vítima sofreu uma nova violência
por parte de seu marido, sendo eletrocutada durante o banho.
O seu agressor, e até então marido, foi denunciado em 28/09/1984, devido aos sucessivos recursos,
sua prisão ocorreu somente 18 anos depois, sendo este condenado somente no mês de outubro de
2002, quando faltava apenas seis meses para a prescrição do crime.
A história de Maria da Penha teve repercussão internacional, de modo que o Comitê Latino
Americano e Caribe para Defesa da Mulher (CLADEM) formalizou a denúncia à Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O Brasil foi condenado em 2001, pela OEA, ao pagamento de 20 mil dólares, em favor de Maria
da Penha, por sua negligencia e omissão frente à violência domestica, e sendo recomendado a adoção
de varias medidas para coibir e prevenir a violência domestica. A partir dai o Brasil passou a cumprir
as convenções e tratados internacionais dos quais é signatário, sendo essa a razão do art. 1º fazer
menção a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Con-
venção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Abaixo, para maior detalhamento do caso, transcreve-se o que se entende como principal teor do
julgamento:
“CASO 12.051
MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES
BRASIL
4 de abril de 2001
Em 20 de agosto de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denomi-
nada “a Comissão”) recebeu uma denúncia apresentada pela Senhora Maria da Penha Maia Fernan-
des, pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de
Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) (doravante denominados “os peticionários”), baseada na
competência que lhe conferem os artigos 44 e 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana) e o artigo 12 da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará ou CVM).
A denúncia alega a tolerância da República Federativa do Brasil (doravante denominada “Brasil”
ou “o Estado”) para com a violência cometida por Marco Antônio Heredia Viveiros em seu domicílio
na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, contra a sua então esposa Maria da Penha Maia Fernandes
durante os anos de convivência matrimonial, que culminou numa tentativa de homicídio e novas
agressões em maio e junho de 1983. Maria da Penha, em decorrência dessas agressões, sofre de pa-
raplegia irreversível e outras enfermidades desde esse ano. Denuncia-se a tolerância do Estado, por
não haver efetivamente tomado por mais de 15 anos as medidas necessárias para processar e punir
o agressor, apesar das denúncias efetuadas. Denuncia-se a violação dos artigos 1(1) (Obrigação de
respeitar os direitos); 8 (Garantias judiciais); 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da
Convenção Americana, em relação aos artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração”), bem como dos artigos 3, 4,a,b,c,d,e,-
f,g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará. A Comissão fez passar a petição pelos trâmites regula-
mentares. Uma vez que o Estado não apresentou comentários sobre a petição, apesar dos repetidos
requerimentos da Comissão, os peticionários solicitaram que se presuma serem verdadeiros os fatos
relatados na petição aplicando-se o artigo 42 do Regulamento da Comissão.
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A Comissão analisa neste relatório os requisitos de admissibilidade e considera que a petição é


admissível em conformidade com os artigos 46(2)(c) e 47 da Convenção Americana e o artigo 12 da
Convenção de Belém do Pará. Quanto ao fundo da questão denunciada, a Comissão conclui neste
relatório, elaborado segundo o disposto no artigo 51 da Convenção, que o Estado violou, em prejuízo
da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes, os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial as-
segurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em concordância com a obrigação geral de
respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento e nos artigos II e XVII
da Declaração, bem como no artigo 7 da Convenção de Belém do Pará. Conclui também que essa
violação segue um padrão discriminatório com respeito a tolerância da violência doméstica contra
mulheres no Brasil por ineficácia da ação judicial. A Comissão recomenda ao Estado que proceda a
uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do
delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para determinar se há outros
fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do respon-
sável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito
nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra mulheres.
(...)
VII. CONCLUSÕES
60. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro as seguintes
conclusões:
1. Que tem competência para conhecer deste caso e que a petição é admissível em conformidade
com os artigos 46.2,c e 47 da Convenção Americana e com o artigo 12 da Convenção de Belém do
Pará, com respeito a violações dos direitos e deveres estabelecidos nos artigos 1(1) (Obrigação de
respeitar os direitos, 8 (Garantias judiciais), 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da
Convenção Americana em relação aos artigos II e XVIII da Declaração Americana, bem como no
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
2. Que, com fundamento nos fatos não controvertidos e na análise acima exposta, a República
Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial,
assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral
de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injus-
tificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.
3. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e
a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir conside-
ravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação
policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher.
4. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Con-
venção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos
8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos
omissivos e tolerantes da violação infligida.
(...)
VIII. RECOMENDAÇÕES
61. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro as seguintes
recomendações:
1. Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável da agressão e tentativa
de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Fernandes Maia.
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2. Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilida-


de pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do
responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes.
3. Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da
agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica
e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso
rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse
atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil.
4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento
discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão reco-
menda particularmente o seguinte:
a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados
para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;
b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo proces-
sual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;
c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos
intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais
que gera;
d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e
dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denún-
cias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus
informes judiciais.
e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da im-
portância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem
como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.
5. Apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dentro do prazo de 60 dias a
partir da transmissão deste relatório ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomen-
dações para os efeitos previstos no artigo 51(1) da Convenção Americana.”

A Proteção Constitucional da Mulher no Âmbito Penal


A materialização da proteção constitucional da mulher no âmbito penal se deu, especialmente,
com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que já em seu art. 1º prevê que essa lei:
“cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa
do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e es-
tabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Nesse sentido, caracteriza-se como importante fator de proteção da mulher no âmbito penal,
buscando a realização da proteção de gênero no âmbito legal. Reconhecendo esse esforço, também a
jurisprudência a ele se refere:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – VIAS DE FATO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – COM-


PROVADA A MATERIALIDADE E SUFICIENTES INDÍCIOS DE AUTORIA – NECESSIDADE
DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – REITERADAS AGRESSÕES – DESCUMPRIMENTO
DA MEDIDA PROTETIVA IMPOSTA – DECISÃO QUE CONCEDEU A LIBERDADE PROVI-
SÓRIA CASSADA – PROVIDO. A decisão que concedeu a liberdade provisória ao recorrido está
fundamentada no prognóstico do apenamento em caso de condenação. Olvidou-se o julgador mo-
nocrático que o caso é de violência doméstica que, inclusive, segundo consta da certidão de antece-
dentes acostada aos autos, já perdura por anos. Além de condenação pelo crime de furto e imputação
pelo crime de roubo, constam o total de 10 registros em face do recorrido nas 1ª e 2ª Varas de Vio-
lência Doméstica e Familiar contra Mulher, dentre lesões corporais, vias de fato, ameaça e pedido de
medidas protetivas formulados pela mesma vítima, com a qual conviveu maritalmente por 14 anos,
estando atualmente separados. O recorrido descumpriu medida protetiva determinada nos autos n.
0032422-30.2014, que proibia a aproximação e contato com a vítima, vindo a praticar as vias de fato
ora em análise na data de 30.05.2015. Ouvida perante a autoridade policial, a ofendida narrou que
as agressões são incessantes. A demora da providência judiciária é manifesta, inclusive nos autos n.
0042411-60.2014, que apura crime de lesões corporais, a audiência está marcada para 28.11.2016.
O que se verifica em face da vítima é o típico descaso que gerou a Lei n. 11.340/2006, a qual
decorreu de recomendações da CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos) que em, 2001, responsabilizou o Brasil por omissão, ne-
gligência e tolerância, no caso da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, o que levou
à criação de uma legislação adequada a esse tipo de violência no país. A necessidade da segregação
cautelar se encontra fundamentada na garantia da ordem pública em razão da periculosidade do
recorrente, caracterizada pela reiteração da violência em face da vítima, revelando a contumácia
delitiva, bem como para garantir a segurança da ofendida e evitar a prática de novas agressões pelo
réu. Presentes estão os requisitos do art. 312 e 313, III, ambos do Código de Processo Penal, que jus-
tificam o decreto da prisão cautelar. Com o parecer, dou provimento ao recurso ministerial, para
cassar a decisão que concedeu a S. F. a liberdade provisória mediante fiança, determinando que em
seu desfavor se expeça mandado de prisão preventiva. Comunique-se com urgência ao juiz da causa.
(TJMS, 3ª Câmara Criminal, RSE 00208391420158120001, rel. Des. Dorival Moreira dos Santos, j.
27.08.2015, DJe 09.09.2015).
A edição da lei e de suas medidas protetivas de urgência, contudo, embora caracterizem já um
avanço, se mostraram, na prática, insuficientes, especialmente em razão do descumprimento das
medidas impostas com fundamento nessa Lei. Para tanto, em 2018 foi editada a Lei 13.641, que criou
o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, com a seguinte redação:
Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º. A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
§ 2º. Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
§ 3º. O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.
Esse crime permite, assim, que além de ser decretada a prisão preventiva daquele que descum-
priu a medida protetiva (que pelo descumprimento se tornou ineficaz), poderá ainda ser processado
pela prática do delito transcrito, que apesar de sua pena relativamente baixa, ao menos permite asse-
gurar uma maior repressão às medidas protetivas prevista na lei.
Registre-se que o dispositivo se aplica mesmo se o juiz que decretou a medida for civil, o que é
incomum, mas não impossível, vedando-se, ainda, a concessão de fiança pela autoridade policial –
que em regra pode fazê-lo nos crimes afiançáveis com pena de até quatro anos.
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Importante ressaltar que embora pela pena em abstrato o delito pudesse ser de menor potencial
ofensivo, a Lei 9.099/95 não é aplicável à hipótese, por vedação do art. 41 da Lei Maria da Penha.
Esse crime, lembre-se, é de ação penal pública incondicionada, posto que se trata a rigor de um
crime contra a administração da justiça, protegendo-se o respeito às decisões judiciais, no qual será
adotado o procedimento comum sumário. É um crime próprio, posto que somente pode ser pratica-
do pelo agente que estava obrigado a cumprir a medida.

Disposições Preliminares da Lei (Arts. 1º a 4º)


A Lei Maria da Penha assegura a igualdade entre as mulheres, garantindo que não haja qualquer
tratamento diferenciado entre elas, de modo que toda mulher, não importando sua condição ganhe
a proteção dessa lei.
Ainda, se nota que a Lei 11.340/06 tem caráter protetivo, preventivo e programático. Além de
visar proteger e prevenir a violência contra a mulher, ela traz como dever do Estado o desenvolvi-
mento de politicas capazes de assegurar às mulheres o exercício de direitos fundamentais, de modo
ainda a expandir para a família e a sociedade o dever de criar condições que auxiliem o efetivo exer-
cício desses direitos.
De acordo com o art. 2º da Lei 11.340/2006, toda mulher, independentemente de classe, raça,
etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos funda-
mentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver
sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Ademais, para levar esse direito à concretização, diz o art. 3º que serão asseguradas às mulheres as
condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação,
à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à
dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Ademais, ainda termina a lei que o poder público desenvolverá políticas que visem garantir os
direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de res-
guardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício
dos direitos enunciados no caput.
Registre-se, por fim, que na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se
destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.

Âmbito de Aplicação da Lei e a Jurisprudência do STF


Houve grande polemica com a edição da Lei 11.340/2006 no que se refere a lesão corporal leve
praticada no contexto da violência doméstica e familiar, tendo o Supremo Tribunal Federal pacifi-
cado o entendimento segundo o qual no crime de lesão corporal resultante de violência doméstica a
ação penal será pública incondicionada, isto é, não dependerá de representação da vítima.
O julgamento foi assim ementado: “AÇÃO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A
MULHER – LESÃO CORPORAL – NATUREZA. A ação penal relativa a lesão corporal resultante
de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada – considerações.” (STF, Pleno, ADI
4424, rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.02.2012, DJe 31.07.2014)
Interessante consignar os termos do voto do Ministro Relator ao justificar a posição adotada no
julgamento:
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“Eis um caso a exigir que se parta do princípio da realidade, do que ocorre no dia a dia quanto à
violência doméstica, mais precisamente a violência praticada contra a mulher. Os dados estatísticos
são alarmantes. Na maioria dos casos em que perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher,
agredida, a um só tempo, física e moralmente, acaba, talvez ante óptica assentada na esperança, por
afastar a representação formalizada, isso quando munida de coragem a implementá-la.
Sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas não vêm, na maioria dos casos, de
fora. Estão em casa, não na rua. Consubstanciam evento decorrente de dinâmicas privadas, o que,
evidentemente, não reduz a gravidade do problema, mas a aprofunda, no que acirra a situação de
invisibilidade social. Na maior parte dos assassinatos de mulheres, o ato é praticado por homens
com quem elas mantiveram ou mantêm relacionamentos amorosos. Compõe o contexto revelador
da dignidade humana o livre agir, a definição das consequências de certo ato. Essa premissa con-
substancia a regra, mas, para confirmá-la, existe a exceção. Por isso mesmo, no âmbito penal, atua
o Ministério Público, na maioria dos casos, sem que se tenha como imprescindível representação,
bastando a notícia do crime. No tocante à violência doméstica, há de considerar-se a necessidade
da intervenção estatal. Conforme mencionado na peça primeira desta ação, no Informe nº 54/2001,
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, em
análise sintomática da denúncia formalizada por Maria da Penha Maia Fernandes, assentou-se que
o Brasil violara os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial da peticionária, considerada
violência que se apontou como a encerrar padrão discriminatório, tolerando-se a ocorrência no meio
doméstico. Então, recomendou-se que prosseguisse o processo de reformas visando evitar a tole-
rância estatal e o tratamento discriminatório relativo à violência doméstica contra as mulheres. Foi
justamente essa condenação de insuplantável teor moral que levou o País a editar a denominada Lei
Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006
Antes dessa lei, chegou-se a disciplina específica mediante a introdução, no artigo 129 do Código
Penal, a encerrar o crime de lesão corporal, dos parágrafos 9º, 10 e 11, criando-se causas de aumento
da pena sob o subtítulo “Violência Doméstica”. Eis os preceitos inseridos: [...] § 9º Se a lesão for pra-
ticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou
tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. § 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a
3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3
(um terço). § 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for
cometido contra pessoa portadora de deficiência. [...]
não bastasse a situação de notória desigualdade considerada a mulher, aspecto suficiente a le-
gitimar o necessário tratamento normativo desigual, tem-se como base para assim se proceder a
dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III –, o direito fundamental de igualdade – artigo
5º, inciso I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória
dos direitos e liberdades fundamentais – artigo 5º, inciso XLI. A legislação ordinária protetiva está
em fina sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a
Mulher, no que revela a exigência de os Estados adotarem medidas especiais destinadas a acelerar o
processo de construção de um ambiente onde haja real igualdade entre os gêneros. Há também de
se ressaltar a harmonia dos preceitos com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erra-
dicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará –, no que mostra ser a violência
contra a mulher uma ofensa aos direitos humanos e a consequência de relações de poder historica-
mente desiguais entre os sexos. Nas palavras de Leda Maria Hermann, em Maria da Penha: lei com
nome de mulher : Reconhecer a condição hipossuficiente da mulher vítima de violência doméstica
e/ou familiar não implica invalidar sua capacidade de reger a própria vida e administrar os próprios
conflitos. Trata-se de garantir a intervenção estatal positiva, voltada à sua proteção e não à sua tutela.
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Sob o ângulo constitucional explícito, tem-se como dever do Estado assegurar a assistência à
família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações. Não se coaduna com a razoabilidade, não se coaduna com a proporcionali-
dade, deixar a atuação estatal a critério da vítima, a critério da mulher, cuja espontânea manifestação
de vontade é cerceada por diversos fatores da convivência no lar, inclusive a violência a provocar o
receio, o temor, o medo de represálias. Esvazia-se a proteção, com flagrante contrariedade ao que
previsto na Constituição Federal, especialmente no § 8º do respectivo artigo 226, no que admitido
que, verificada a agressão com lesão corporal leve, possa a mulher, depois de acionada a autoridade
policial, atitude que quase sempre provoca retaliação do agente autor do crime, vir a recuar e a retra-
tar-se em audiência especificamente designada com tal finalidade, fazendo-o – e ao menos se previu
de forma limitada a oportunidade – antes do recebimento da denúncia, condicionando-se, segundo
o preceito do artigo 16 da Lei em comento, o ato à audição do Ministério Público. Deixar a cargo da
mulher autora da representação a decisão sobre o início da persecução penal significa desconsiderar
o temor, a pressão psicológica e econômica, as ameaças sofridas, bem como a assimetria de poder
decorrente de relações histórico-culturais, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a
prorrogação da situação de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implica relevar
os graves impactos emocionais impostos pela violência de gênero à vítima, o que a impede de romper
com o estado de submissão. Entender que se mostra possível o recuo, iniludivelmente carente de es-
pontaneidade, é potencializar a forma em detrimento do conteúdo. Vejam que, recebida a denúncia,
já não pode haver a retratação. Segundo o dispositivo ao qual se pretende conferir interpretação
conforme à Carta da República, ocorrida a retratação antes do recebimento da denúncia, embora
exaurido o ato agressivo, a resultar em lesões, é possível dar-se o dito pelo não dito e, com grande
possibilidade, aguardar, no futuro, agressão maior, quadro mais condenável.
Descabe interpretar a Lei Maria da Penha de forma dissociada do Diploma Maior e dos tratados
de direitos humanos ratificados pelo Brasil, sendo estes últimos normas de caráter supralegal
também aptas a nortear a interpretação da legislação ordinária. Não se pode olvidar, na atualida-
de, uma consciência constitucional sobre a diferença e sobre a especificação dos sujeitos de direito,
o que traz legitimação às discriminações positivas voltadas a atender as peculiaridades de grupos
menos favorecidos e a compensar desigualdades de fato, decorrentes da cristalização cultural do pre-
conceito. Alfim, é vedado aplicar a norma de forma a revestir a “surra doméstica” de aparências de
legalidade ou de tolerância – “A Lei Maria da Penha”, Eliana Calmon, Revista Justiça & Cidadania,
10 ed., junho de 2009. Procede às inteiras o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República,
buscando-se o empréstimo de concretude maior à Constituição Federal. Deve-se dar interpretação
conforme à Carta da República aos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da
Penha – no sentido de não se aplicar a Lei nº 9.099/95 aos crimes glosados pela Lei ora discutida,
assentando-se que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que consideradas de natureza leve,
praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, atua-se mediante ação penal pública incondicio-
nada.”
Exercícios
01. A Lei Maria da Penha assegura às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à
vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça,
ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivên-
cia familiar e comunitária.
Certo ( ) Errado ( )
02. Segundo o que dispõe a Lei 11.340 cabe somente ao poder público criar as condições necessá-
rias para o efetivo exercício dos direitos nela previstos.
Certo ( ) Errado ( )
Gabarito
01 - Certo
02 - Errado
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