Você está na página 1de 27

Riscos à saúde decorrentes do uso

da maconha e a orientação para as


políticas públicas
Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha: Evidências,
Valores e Fantasias 11 e 12 de junho de 2015

Camila Magalhães Silveira


Professora colaboradora da FMUSP
Pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica (NEP) Ipq HC FMUSP
Evidências dos últimos 20 anos

• Mais estudos coorte e de usuários crônicos para busca


sobre o que vem antes (uso ou efeitos adversos?)
• Estudos longitudinais Christchurch e Dunedin NZ
• Estudos na Austrália, Europa e Reino Unido, EUA com
amostras representativas
• Estudos sobre exposição > doses THC e efeito dose-
resposta
• Aumento de estudos com usuários regulares
• Melhor controle para efeitos confundidores (ex. outras
drogas)
(Hall, 2013; Degenhardt, 2015)
Prevalência de uso 12 meses por região
14
12,4
12 11,2
10,8

10

6 5,7 5,7
5
4,1 4,3
4 3,5 3,4 3,5
2,5 2,6 2,4
2
0,6

Source: UNODC World Drug Repot 2014. Vienna: UNODC.


10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0

0,0
Kenya
Ethiopia
Sudan
Egypt
Zambia
Dominican Republic
Trinidad and Tobago
Jamaica
Barbados
Turks and Caicos Islands
Saint Lucia
Dominica
Guatemala
Nicaragua
Costa Rica
Mexico
United States of America
Venezuela
Brazil
Guyana
Ecuador
Uruguay
Colombia

Source: UNODC World Drug Report 2014. Vienna: UNODC.


Armenia
Georgia
Japan
China, Hong Kong SAR
China, Macao SAR
Lebanon
Nepal
Moldova (Republic of)
Ukraine
Turkey
Albania
Montenegro
Romania
Bulgaria
Norway
Faroe Islands
Cyprus
Greece
Finland
Portugal
Netherlands
Uso na vida em jovens

Denmark
Austria
Liechtenstein
Belgium
Slovenia
Poland
Germany
Monaco
Switzerland
Czech Republic
Vanuatu
Marshall Islands
Australia
Tonga
Mariana Islands
Uso de maconha no Brasil
• Substância mais usada
• Prevalência 12 meses: 2.5%
• Colômbia (3%), USA (12.6%), Spain (10%), France (8.5%)
• Correlatos: homens jovens, solteiros, desempregados, menor privação
social, morando nos grandes centros
• Aumento do uso (população geral):
– Uso na vida 7%  9% (2001 - 2005)
– Uso 12 meses 2%  2.5% (2006 - 2012)
• Diminuição do uso (Estudantes):
– último mês (universitários): 15%  11.5% (período de 13 anos)
– 12 meses ensino médio: 4.6%  3.7% (2004-2010)

Silveira et al., 2015 dados preliminares, Laranjeira et al., 2015; Horta., 2012, Andrade et al., 2010; Carlini et
al., 2007; Samhsa 2013; Emcdda., 2015
Cenário atual
• Baixo uso na população geral, mas...
• Atual política: proibição universal do uso ao invés de
intervenções focadas em riscos e danos específicos para a
saúde pública
• Últimos 5 anos:  prisões por tráfico  1/3 porte de
maconha  70% < 100g
• Abordagem política do uso da maconha ≠ política do álcool (Ex.
bebida e direção), mais orientadas em evidências e dados de saúde
pública (Hall et al., 2007, Room et al., 2005)
• Ferramentas de intervenção (prevenção, tratamento ou
medidas legais) devem ser seletivas, focar em
comportamentos relevantes, embasadas em evidências (Babor
2003)
História natural do uso da maconha
• Início uso: meio ou final da adolescência, + comum
~20 anos
– intermitente e tempo-limitado
– ~ 10% dos usuários  usuários diários
– 20% a 30%  usuários semanais
• Declínio: 25 aos 30 anos
• Riscos de dependência
• 10% dos usuários na vida (NCS study 1990s)
• 15% daqueles que iniciam na adolescência
• 35-50% de usuários diários
Tipos de usuários – LCA
Canadian Addiction Survey (N=13.909; n=1.303 3m)
(Fisher et al., 2010)

Idade de Frequência Razão para Quantidade Problemas


início uso

Classe 1 (32%) < 21 anos uso ocasional social < PY nenhum


– de 7 dias
último mês
Classe 2 (20%) <17 anos 1-7 dias PM social < PY nenhum
(uso
moderado)
Classe 3 (25%) <17 anos 1-14 dias LM clínica e social < PY nenhum

Classe 4 (22%) <15 anos uso diários clínica e social > PY outras drogas,
de maior problemas de
quantidade saúde, maconha
e direção, abuso/
dependência
As principais evidências
incluem:
• Prejuízos associados ao uso crônico (Uso diário e quase diário)
• Prejuízos cognitivos (atencional, memória, funcionamento executivo e
tomada de decisões) se <15anos
• Dependência
• Acidentes fatais e não fatais por veículos automotores quando indivíduo
dirige sob a influência dos efeitos da maconha
• Prejuízos respiratórios (ex. bronquite crônica)
• Maconha e psicose
• Outros (menos evidências): Uso de outras drogas ilegais, Prejuízo
educacional, Prejuízo de saúde mental (Ansiedade, depressão e TAB,
Suicídio)
Apesar da relevância em saúde pública são muito menores
que os impactos causados por álcool e tabaco

arseneault 2007, hall and solowij 1998, hall and pacula 2003, iversen 200, 2005,
kalant 2004, perkonigg 1999, Fontes 2008, Fontes 2011
Dependência
• Estudo epidemiológicos
• NCS 1 e 2: 4% na vida
• NSMWHB Austrália 1997, 2007: ~2% 12 meses
• SP MEGACITY: 0.5% 12 meses
•  da procura por tratamento Austrália, UE, USA e Holanda
• 2a. causa mais comum após álcool
• Sintomas de abstinência ppal motivação, seguido prejuízos de
memória e cognitivos, prejuízos no trabalho, no relacionamento
com parceiro ou familiares
• Estudos clínicos promissores com CBD para dependência da
maconha
• Poucos estudos sobre remissão e tratamento
Maconha e Acidentes
1. Brasil vs Noruega para uso do álcool e drogas por motoristas
•Bebida e direção uso estimulantes mais comum entre
motoristas brasileiros
•Uso de maconha > motoristas Noruega (0.8% vs. 0.5%)
2. Acidentes por caminhões 2ª. Causa + prevalente em acidentes
totais e custos relacionados no Brasil
9.5% referiram uso drogas: 62% anfetaminas, 24% cocaína e
12% maconha
3. Motoristas vítimas de acidentes de tráfego admitidos em 2
hospitais de emergência no Brasil
• ~80% motociclistas
•Maconha foi a droga ilegal mais encontrada (15%)
•Diagnóstico de dependência de maconha e acidentes prévios
estiveram > associação com recorrência de admissões

1. Gjerde et al., 2014; 2. Leyton et al., 2012; 3. Breitenbach et al., 2014


Maconha e Sintomas Psicóticos
• Evidências razoáveis: Uso exacerba esquizofrenia
• Evidências consistentes:
– Uso (precoce) precipita esquizofrenia em ~3 anos
– RR ~ 2 x maior para sintomas psicóticos em usuários
frequentes e precoces.
– Efeito enfraquece com o tempo
(Achados de estudos longitudinais (+ importante Coorte
Sueca (50.000), 27 anos seguimento) (Zammit et al,
2003)
Questões biológicas
• Interação dopamina-canabinóide?
• Papel do THC nos sintomas psicóticos devido
liberação dopaminérgica?
Maconha e Sintomas Psicóticos
Uso maconha per se não é causa nem necessária
nem suficiente para psicose
– vivência de adversidades na infância (abuso infantil, negligência ou
abandono na infância)  experiências psicóticas e outros
transtornos mentais
– abuso de substâncias por parte dos pais durante o período de
infância dos filhos  manifestação de transtornos mentais na vida
adulta destes
– Privação social
– Questões ambientais: estudo em gêmeos mostraram efeitos amb.
+ significativos que aspectos genéticos para experiências psicóticas
(Shakoor et al 2015)

Shimidt et al., 2011; Martins.S, SPMegacity-preliminary data


Critério: consistência da evidência

• ˜3000 artigos científicos


• Uso agudo da maconha  2x de lesão grave ou morte
• Influência da maconha em colisões menores ainda não clara

Asbridge et al., 2012


Desempenho escolar

Dados contraditórios

•Estudos longitudinais Nova Zelândia & USA


Uso de maconha como fator de risco para
abandono escolar

•Metanálise de 3 estudos australianos


Prejuízo do desempenho escolar e uso pelos pares
aumentou a chance do uso de maconha
Cancer pulmão vs Maconha

Poucos dados
•A maconha: via fumada mais comum, pode
haver interação e confusão com o tabaco em
muitos países
•Gerações mais velhas: maconha sem tabaco
mais comum
•Câncer: difícil controlar os efeitos do tabaco
Cannabis, Depressão e Suicídio
• Relação com depressão: RR=2 ~estudo brasileiro com
2207 adolescentes de escolas públicas
• Correlação com maior risco de suicídio em alguns
estudos: limitado poder estatístico
• Incerteza se estes estudos:
• Controlados para fatores confundidores
• Separaram causa e efeito
• Depressão requer atenção em dependência de
maconha
Santos-Silva et al., 2014
Maconha e outros
transtornos mentais
• Maiores prevalências de uso de maconha:
• TAB e ansiedade
• Causa e efeito fatores não claros:
– Estudos transversais, mais frequentes em
populações clínicas
– Poucos estudos longitudinais: controle limitado
para fatores confundidores
– Auto medicação é uma hipótese ainda plausível
Impacto no embrião e no feto
1. Uso regular maconha durante a gravidez: pouco
relatado
• Amostra: 1.000 adolescentes 3o. Trimestre gravidez
• 4% maconha em amostras de urina
• Fatores de risco: < 14 anos, comorbidades (TAB,
PTSD, transtornos somatoformes)
2. 561 recém nascidos de termo 24-72 h de vida -
mães adolescentes
4.6% dos recém nascidos expostos com piora do
desempenho neurocomportamental

Bessa et al., 2010; Moraes Barros., 2006


% média deTHC da cannabis no
USA
Fonte: Mehmedic et al, 2010
Efeitos potenciais do aumento THC
• Aumento dessa discussão no mundo porém estudos ainda
insuficientes
• Efeitos confundidores nos padrões de uso
• Iniciação precoce e uso pesado
• Para usuários ocasionais:
• + disforia ou experiências psicóticas?
• Maiores taxas de descontinuação?
• Maiores taxas de acidentes?
• Para usuários regulares:
• < risco se thc for titulado
• > risco de dependência entre usuários precoce?
• > prejuízo cognitivo?
• + sintomas psicóticos?
Políticas Públicas
• Problemas de saúde pública decorrentes do uso da maconha são limitados
se comparados ao uso do álcool e tabaco (Hall et al., 1999, Null et al.,
2007; Fisher et al., 2010)
• Dados epidemiológicos sugerem que os problemas de saúde descritos
somente se manifestam em uma parcela relativamente pequena de
usuários
• Há diferentes padrões entre os usuários
• Análises epidemiológicas sugerem que determinadas características estão
relacionadas a esses prejuízos:
– Frequência (diariamente ou mais)
– Uso crônico
– AOO < 15-16 anos

Chen et al., 2005; Hall and Paula., 2003., Henquet et al., 2005., Patton et al., 2002., Perkonigg et
al., 2008
Políticas Públicas voltadas
ao uso da maconha
• Dessa forma...
• Políticas guiadas por evidências científicas capazes de:
– Ex. evitar experimentação precoce e uso de grandes
quantidades, orientar mulheres grávidas, condutores e
portadores de transtornos mentais graves sobre riscos
– Debate aberto e qualificado com representantes de
diversos setores e interesses a sociedade
• Experiências exitosas
Brasil na contramão das
evidências
camilams@usp.br
Discussão das polítcias
Seja
• Uso da maconha não traz riscos e então precisa ser legalizada
ou
• Uso da maconha é prejudicial então precisa ser proibida
• Evidencias extraídas desses dois pontos de vista:
• Os defensores do status quo focados em danos para usuários
• Reformistas focam nos prejuízos da criminalização
• O impacto da legalização na saúde pública, especialmente por conta
da percepção de riscos e mudanças nas normas sociais são pouco
conhecidos
• Há posições e evidências contrárias: aumento do uso se mudança da
percepção, efeito de substituição
• Políticas guiadas por evidências científicas capazes de:
– Ex. Protejer os jovens, evitar experimentação precoce e uso
de grandes quantidades, orientar mulheres grávidas sobre

Você também pode gostar