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https://doi.org/10.15202/1981996x.2019v13n3p66-75

EDUCAÇÃO E CURRÍCULO COMO TERRITÓRIO DE DISPUTAS: AS CRÍTICAS


TECIDAS POR UMA INTELECTUAL NO CAMPO EDUCACIONAL, CECÍLIA
MEIRELES

EDUCATION AND CURRICULUM AS TERRITORY OF DISPUTES: THE CRITICS TISSUES BY AN


INTELLECTUAL IN THE EDUCATIONAL FIELD, CECÍLIA MEIRELES

João Paulo Carneiro*


Mestre em Relações Étnico-Raciais (CEFET/RJ), Especialista em Ensino de
História (UFRJ). Professor Convidado do Programa de Pós-Graduação em Cultura
Afro-Brasileira e Indígena (UCP), Professor de História da Firjan-SESI.
E-mail: professorjp@ufrj.br

Caroline Hoara dos Santos Cavalcante


Professora da educação Básica e Graduanda em Pedagogia (UERJ).
E-mail: carolinehoara@hotmail.com

Káthya Cristina Cabral Mosquera


Bacharel em Biomedicina (UERJ), Graduanda em Pedagogia (UERJ).
E-mail: kathiamosquera@yahoo.com.br

Maria Cristina Silva Ramos


Bacharel em Odontologia (UNIGRANRIO), Bacharel em Jornalismo (UFF),
Especialista em Literatura Infanto Juvenil (UFF), Especialista em Odontopediatria (ABO).
Graduanda em Pedagogia (UERJ).
E-mail: cristina.ramos22@hotmail.com

Maria de Fátima Lopes da Silva


Professora da Educação Básica, Licenciado em História (UNESA).
Graduanda em Pedagogia (UERJ).
E-mail: fatlopes2@gmail.com

*Autor para correspondência

RESUMO

O presente texto tem como principal finalidade discutir a importância da fonte imprensa no
contexto dos debates educacionais, sobretudo na história da educação brasileira. Diante das
demandas do tempo presente priorizou-se neste trabalho a relevância da produção
intelectual em uma perspectiva de ampliar as falas das mulheres. No que tange às críticas
tecidas por Cecília Meireles no campo educacional no cenário político brasileiro, o recorte
encontra-se nos anos de 1930 a 1933. Tendo como fundamento documental as publicações
de Cecília Meireles no Jornal Diário de Notícias, especificamente na “Página de Educação”, no
contexto apontado. Foi considerado o papel de destaque da imprensa no período citado
anteriormente através do suporte historiográfico. Portanto, entre continuidades e

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descontinuidades no processo histórico, foram apontadas as tensões dos debates
educacionais e curriculares como território de disputas.

Palavras-chave: Educação. História da Educação. Imprensa.

ABSTRACT

This text aims to discuss the importance of the press source in the context of educational
debates, especially in the history of Brazilian education. Given the demands of the present
time we prioritize in this paper the relevance of intellectual production in a perspective of
broadening the speech of women. Regarding the criticisms made by Cecilia Meireles in the
educational field in the Brazilian political scenario, the clipping is in the years 1930 to 1933.
Based on the documentary publications of Cecília Meireles in the Jornal Diário de Notícias,
specifically in the “Page of Education”, in the context pointed out. It was considered the
prominent role of the press in the period mentioned above through the historiographic
support. Therefore, between continuities and discontinuities in the historical process, we
point out the tensions of educational and curricular debates as a territory of disputes.

Keywords: Education. History of Education. Press.

1 INTRODUÇÃO

O século XX é interpretado pelo historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) como a “Era


dos Extremos”, ou seja, duas guerras mundiais, extermínios dos judeus, Rússia stalinista e seu
terror, as explosões atômicas, enfim, um processo repleto de paradoxos e ambiguidades, isto
é, progresso e destruição, direitos e atrocidades, tecnologias e barbáries. O historiador
denominou o século XX de: breve; iniciado com a Primeira Guerra Mundial (1914) e a derrota
do socialismo (1991).
Numa dimensão global e destrutiva, tecnológica, de cunho ideológico nacionalista, as
massas envolvidas pela construção nacionalista, enfraquecimento internacional do
socialismo, um processo de deusificação, ou seja, cada civilização acreditando ter o divino
provendo e legitimando suas disputas nacionalistas. Essas são algumas características
elencadas por Hobsbawm (1995). Portanto, o período Entre Guerras trouxe uma angústia
profunda, preferencialmente nas sociedades ocidentais capitalistas e liberais. Sendo assim,
diante de tais angústias, crises e incertezas que diversos educadores iniciam o debate e a
reflexão a respeito de um novo homem, uma nova sociedade, uma educação para a paz no

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contexto e cenário vivenciado pela escola tradicional que de certo modo fora culpabilizada na
construção de uma sociedade para a guerra.

1.1 A escola nova

Perante o cenário avassalador, aterrorizador e repleto de incertezas fora surgindo por


toda a Europa, EUA, Ásia e América, o movimento da escola nova. Não se tencionou no
presente texto um aprofundamento no que diz respeito às origens e o processo da escola
nova, principalmente devido à complexidade do movimento por diversos países, pensadores
e, sobretudo pela heterogeneidade das correntes de pensamentos pedagógicos entre seus
propagadores. No entanto, é de fundamental importância apontar que entre os especialistas,
inúmeros pensadores trazem valorosas contribuições: Adolphe Ferriè (1889); Cecil Reddie,
Francisco G. de los Ríos (1876); Leon Tolstói (1859), escola precursora da Pedagogia Libertária;
Jean-Ovide Decroly (1907); Maria Montessori (1906); nos EUA, na escola de Chicado com John
Dewey (1890); na Índia, Robindronath Tagore (1901); Colômbia com Augustín N. Caballero
(1914) e no Brasil figuras como Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Cecília Meireles entre
muitos outros1.
Dito isto, o grande questionamento no seio do movimento da escola nova de cunho
internacional girava em torno de respostas sobre a quem culpabilizar? O Movimento da Escola
Nova, com seus educadores propuseram hipóteses para a construção de um novo modelo
social no que tange a questão educacional.

1.2 A Escola Nova no Brasil a partir de 1930

Após a Primeira Guerra Mundial nasceu uma nova potência, os EUA. Se de um lado o
ano de 1920 estabeleceu um momento glorioso na economia, na produção, na tecnologia, por
outro lado cresceu também as desigualdades sociais.
Neste contexto de sociedade de massas, surge uma sociedade de consumo, o sonho
americano, o sucesso do sujeito individual, o individualismo apregoado pelo liberalismo, e a
desigualdade como uma condição natural, ou seja, a negação da desigualdade produzida pelo

1
Dentre os 26 participantes do Movimento da Escola Nova no Brasil, dois quais somente 3 eram mulheres.

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sistema. Para Hobsbawm (1995) sem a Depressão de 1929 não haveria Hitler. A crise do
mundo seria incompreensível sem o impacto econômico dessa fase. Em síntese, o mecanismo
da crise fora gerado por uma produção acelerada, porém, pouco consumo, ocasionando uma
superprodução e um círculo vicioso, isto é, um menor consumo, uma menor produção e um
maior número de desempregados gerando menor consumo. Portanto, tais aspectos são
relevantes para a compreensão do contexto internacional da época em que os debates
educacionais foram travados e tecidos.
Momento em que o socialismo imune à crise, põe o capitalismo em dúvida no cenário
mundial. Assim, o liberalismo precisa receber freios, ou seja, uma intervenção estatal na
economia para gerar um estado de bem-estar social, denominado pelos historiadores de um
novo curso (New Deal). Entretanto, alguns regimes alternativos surgem no processo histórico
diante das crises das democracias liberais, o comunismo na Rússia, o fascismo na Itália e mais
adiante, o nazismo na Alemanha. Todo este caldo histórico de conflitos e frustrações ecoa no
conturbado Brasil de 1930.
As concepções ideológicas que perpassam o contexto histórico deste período
reverberam nas políticas públicas, sobretudo no currículo, pois ambos estão imbricados.
Aparelhamento de Estado, rádio, imprensa, filmes, propaganda, uma verdadeira
fábrica de consenso, comemorações, festas cívicas, cerimônias militares, competições
esportivas, redundam nas técnicas de espetacularização ideológica.
Assim dito, os debates educacionais são travados no Brasil diante deste cenário,
principalmente na figura de Anísio Teixeira, aluno de John Dewey da corrente da escola
pragmática nos EUA. No contexto brasileiro Anísio Teixeira se torna um dos maiores
oposicionistas da corrente tradicional representado pelos católicos. Portanto, a batalha sobre
os rumos da educação brasileira dar-se-á fervorosamente entre os intelectuais da escola nova
e os intelectuais da corrente ligada à Igreja Católica. Cecília Meireles surge como uma das
protagonistas neste território em disputa (ARROYO, 2011).
O antagonismo entre o grupo de intelectuais no âmbito dos católicos e os
escolanovistas (autodenominados pioneiros da educação nova)2 encontravam-se cada vez
mais acirrados nas disputas no campo educacional. De maneira sintética de um lado os
católicos inclinados aos setores da educação privada, sobretudo, no que tange a questão do

2
Em 1932 o grupo lança um documento dirigido ao povo e ao governo conhecido como “O Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova.

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ensino religioso. Do outro lado os escolanovistas que defendiam uma escola laica, pública,
gratuita e obrigatória.
Diante de tais disputas, foram observadas nas constituintes de 1934/1937,
características que evidenciavam os debates de ambos os grupos, especificamente o ensino
de religião facultativo (VIDAL; FARIA FILHO, 2007). Católicos e escolanovistas vão adentrar
décadas de disputas acirradas, oscilando entre governos autoritários ou democráticos 3.

2 CECÍLIA MEIRELES: UMA INTELECTUAL NO CAMPO EDUCACIONAL


Cecília Meireles (1901-1964) vai ser mais reconhecida como poetiza do que educadora
de acordo com Lôbo (2010). Não se tencionou uma descrição biográfica da educadora e
poetiza. Porém, para tal empreendimento sugere-se a leitura de Lôbo (2010) na referência
bibliográfica.
Entre as mais variadas produções foram analisadas as crônicas redigidas no Jornal
Diário de Notícias na cidade do Rio de Janeiro. A educadora geriu a “Página de Educação”. O
Diário de Notícias foi um matutino de tamanho standard (maior formato, 55 cm) lançado a 12
de junho de 1930 no Rio de Janeiro (RJ). Surgido com a redação, oficinas e administração no
nº 154 da Rua Buenos Aires, o Diário de Notícias se inscrevia no conturbado contexto político
de 1930 e circulou até 1976.
Diante de suas inúmeras publicações e de acordo com o recorte proposto neste
trabalho tratou-se aqui, especificamente de duas publicações da autora. Jornal Diário de
Notícias, 17 de março de 1931. Crônica: “A inquietação da Escola Nova e a renovação do
mundo”. Jornal Diário de Notícias, 02 de maio de 1931. Crônica: “Como se originam as guerras
religiosas”4.
Antes da discussão a respeito das crônicas da autora, torna-se necessário uma breve
reflexão teórica na dimensão do papel da imprensa como fonte e preferencialmente o
protagonismo feminino no cenário contextual.

2.1 Imprensa, fonte e o protagonismo feminino

3
Entretanto, este texto concentra-se apenas no recorte histórico de 1930-1933.
4
Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 10 jun. 2019.

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No percurso do século XX, muitos historiadores lançaram mão dos escritos de impressa
como uma fonte relevante para as descobertas do pensamento educacional brasileiro (VIDAL,
2008).
A imprensa apresenta inúmeras características no que tange o sistema educacional,
especialmente a questão do currículo, do pensamento pedagógico, das práticas educacionais
e da participação de outras agências educativas (NÔVOA, 2002). A imprensa assume um papel
de suma importância no campo historiográfico, sobretudo na dimensão da História da
Educação através das reflexões que permitiram à ampliação no entendimento de tais fontes
na perspectiva dos debates realizados pela Escola dos Annales5. Portanto, ocorre uma nova
dimensão para o olhar do historiador no que abarca o homem, ou seja, novas possibilidades
no fazer historiográfico que ampliam o gradiente, isto é, novos olhares para novas fontes que
outrora eram desprezadas (BURKE, 1997). Sendo assim, possibilitou o debate com outros
saberes, ou seja, filosofia, sociologia, antropologia, psicologia, enfim, um diálogo que ampliou
novas reflexões e problematizações no campo historiográfico (CHARTIER, 2002).
Ampliações que extrapolam os documentos escritos, isto é, “o que o homem diz ou
escreve, tudo o que fabrica tudo o que toca pode e deve informar-nos sobre ele (LE GOLF,
2003, p. 107). Segundo os historiadores o jornal está classificado como uma fonte primária,
embora também possa ser considerado como secundária6. “Os documentos não falam, se não
quando se sabe interrogá-lo” (BLOCH, 2001 p. 79). Assim dito, o campo da História da
Educação torna-se uma área de “estudo que propõe a pesquisar sujeitos e objetos que cercam
o processo educativo e sociedades passadas” (VIDAL, 2008, p. 3). Entretanto, Vidal (2008)
adverte sobre a importância de se analisar outras narrativas que vão além dos aspectos
educacionais, ou seja, “instituição privada ou pública, feita pelo Estado, Sindicatos,
Associações, Igreja ou qualquer outro setor” (Ibid., p. 4).
No que tange os aspectos do papel feminino como intelectual exercido por Cecília
Meireles nos anos de 1930 merece destaque as ponderações realizadas por Perrot (2017).
Pois, o espaço público para as mulheres consistia excludente, isto é, para os homens uma

5
Movimento historiográfico francês em 1929, responsável pela publicação do periódico Annales. Seus
fundadores foram os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre. Rompem com a história positivista e ampliam
para novas narrativas a respeito das fontes. Para aprofundamento da temática sugere-se a leitura do livro: A
Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia de Peter Burke.
6
Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT1%20PDF/PESQUISA%20DE%20FONT
ES%20PRIM%C1RIAS%20ALGUMAS%20REFLEX%D5ES.pdf. Acesso em: 15 jun. 2019.

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honra, porém para as mulheres uma desonra. Entretanto, a cidade nos séculos XIX e XX
representa para as mulheres um deslocamento, ou seja, uma espécie de fuga do
confinamento imposto pela estrutura machista. Um processo de liberdade e rupturas das
tutelas aprisionantes de suas famílias. A cidade como perdição e amplitude de destinos, uma
questão de salvação (PERROT, 2007).
Embora, o cenário pesquisado por Perrot (2007) concentra-se na Europa, não deixam
de ter interrelações no cenário social e estrutural brasileiro, pois a produção intelectual
predominante de homens, brancos, cristãos, católicos, são os responsáveis por tais
construções imagéticas e sociais no Ocidente. Levando em consideração esses aspectos,
observa-se o papel fundamental de Cecília Meireles como mulher, educadora, poetisa,
colunista, enfim, uma intelectual protagonista num espaço extremamente excludente 7.

2.2 Análise das fontes


[...] Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:


praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(Cecília Meireles)

As inquietações apontadas pela autora na “Página de Educação”, no dia 17 de março


de 1931, dialogam com as preocupações a respeito da escola referente à modernidade, ou
seja, o âmbito de renovar o mundo através da educação. A premissa da escola e da educação
como transformação social torna-se um dos pilares debatidos por diversas correntes e
pensadores que persistem até os dias atuais8.
A educação surge como prioridade e para o contexto da época num tom salvacionista.
Seguindo os debates de circulação mundial, sobretudo alinhado na corrente escolanovista, a
defesa a respeito de uma educação para uma nova sociedade e cultura.

7
No século XXI ainda há muitas conquistas para as mulheres na construção de sua trajetória, sobretudo no
mercado de trabalho no sentido das desigualdades salariais. O caso se torna ainda mais agravante para as
mulheres negras, pois além do preconceito de gênero há o racial.
8
APPLE, M. W. A educação pode mudar a sociedade? Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

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O poema citado na epígrafe traça um clima melancólico e de tristeza, mas por outro
lado de denúncia e de esperança. “De modo que, uma escola moderna, uma escola consciente
é, na verdade, um grito de alarme contra este mundo superficial, mentiroso, traiçoeiro,
impuro e interesseiro em que desgraçadamente se vive [...]” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1931).
Os rancores, as frustrações, os erros, as injustiças, e, especialmente o debate para uma
nova educação para uma nova humanidade se conecta numa dimensão dialógica (BAKHTIN,
2014), isto é, a interação verbal com os movimentos da escola nova que enunciam as
mudanças por toda a Europa, América e Ásia.
O principal foco do debate sobre a publicação do dia 2 de maio de 1931 refere-se às
discussões e embates com o movimento de intelectuais católicos a respeito do ensino
religioso.
No Decreto nº 19.9419, 30 de abril de 1931, o Artigo 1º: Fica facultado, nos
estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião. “É
justamente em atenção aos sentimentos de fraternidade universal que a escola deve ser laica”
(DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1931). A questão do ensino religioso é um dos temas de maiores
tensões entre escolanovistas e católicos por um longo processo no cenário educacional
brasileiro. Portanto, as crônicas de Cecília Meireles (1901-1964) marcam o debate ferrenho
do pensamento escolanovista permeado num contexto conflituoso e de intensas disputas
ideológicas no campo educacional.
Confrontos que extrapolam o contexto aqui tratado, pois adentram as sucessivas
décadas e ainda permeiam os atuais debates no campo educacional, sobretudo trazendo
continuidades e descontinuidades no pensamento pedagógico brasileiro. As disputas vão
permear no processo de construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB -1961, 1971,
1996). Para Magaldi (2018) 10 as discussões serão retomadas no “Movimento Escola sem
Partido”11 referente ao tempo presente.

9
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-
518529-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 10 jun. 2019.
10
A autora faz um recorte posterior referente o contexto aqui tratado, ou seja, os anos de 1950/60, analisando
o documento impresso: “O Boletim Servir”; pelos pensadores católicos ligados à Associação de Educação
Católica (AEC).
11
“É uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica
das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”. Disponível em:
http://www.escolasempartido.org/quem-somos. Acesso em: 30 jun. 2019.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste texto foi a discussão da imprensa como uma importante
fonte para o campo da historiografia educacional brasileira, preferencialmente a respeito das
crônicas produzidas por Cecília Meireles no Diário de Notícias.
Priorizou-se a dimensão da fala feminina, no sentido de ampliar e exemplificar a
relevância deste aspecto, sobretudo na escolha temática, pois diante de um contexto
machista, heteronormativo (PERROT, 2007), especialmente na década de 1930, uma
intelectual, educadora, poetisa, escritora, colunista responsável pela “Página de Educação” é
de suma relevância e contra hegemônico.
Considerando o papel de destaque da imprensa no período dos anos de 1930 através
do suporte historiográfico (BURKE, 1997; CERTEAU, 2003; CHARTIER, 2002; LE GOFF, 2003;
NÓVOA, 2002), nos fora possível vislumbrar problematizar e refletir a respeito do pensamento
educacional brasileiro neste contexto. Portanto, entre continuidades e descontinuidades no
processo histórico (BLOCH, 2001), apontou-se as tensões dos debates educacionais e
curriculares como território de disputas (ARROYO, 2011), processos que permearam e ainda
permeiam o debate educacional e pedagógico brasileiro. Então, conclui-se que, as principais
bandeiras defendidas pelo movimento da escola nova e reverberada por Cecília Meireles no
Diário de Notícias de maneira resumida são: uma escola pública para todos, gratuita, laica e
obrigatória.

REFERÊNCIAS

APPLE, M. W. A educação pode mudar a sociedade? Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.


ARROYO, M. G. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2014.
BLOCH, M. Apologia da História: ou ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL. Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-
digital/>. Acesso em: 10 jun. 2019.
BRANDÃO, I. C. de J. Pesquisa de fontes primárias: algumas reflexões. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT1%20PDF/PESQUI
SA%20DE%20FONTES%20PRIM%C1RIAS%20ALGUMAS%20REFLEX%D5ES.pdf>. Acesso em:
15 jun. 2019.

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BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. São
Paulo: Editora da UNESP, 1997.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto 19.941. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-
518529-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 10 jun. 2019.
CERTEAU, M. A invenção do Cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
CHARTIER, R. À Beira da Falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2002.
HOBSBAWM, E. J. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. Rio de Janeiro:
Companhia das letras, 1995.
LE GOFF, J. História. In: _____, História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, p. 17-
171, 2003,
LÔBO, Y. Cecília Meireles. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
MAGALDI, A. M. B. de M. Em torno da “Liberdade de Ensino”: refletindo sobre os debates
educacionais brasileiros a partir da Associação de Educação Católica – AEC (1950/60).
Disponível em: <http://www.sitioftp.com/EventosOPC/programa/1demarzoiinn.html>.
Acesso em: 27 jun. 2019.
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português. In: BASTOS, Maria Helena Câmara; CATANI, Denise Barbara. (ORGS.). Educação em
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VIDAL, D. G.; FARIA FILHO, L. M. A escolarização no Brasil: cultura e história da educação.
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