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PATRÍCIA PAULA DA SILVA

A ESPACIALIZAÇÃO DAS FESTAS AFRO-BRASILEIRAS EM LONDRINA.

LONDRINA
2009
PATRÍCIA PAULA DA SILVA

A ESPACIALIZAÇÃO DAS FESTAS AFRO-BRASILEIRAS EM LONDRINA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Geografia do Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual
de Londrina como requisito parcial para a obtenção do título em
Bacharel em Geografia.

Orientadora: Márcia Siqueira.


Londrina
Dezembro/2009
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 4
1 AS FESTAS AFROBRASILEIRAS E A GEOGRAFIA 9
1.1 FESTA: DEFINIÇÃO E FUNÇÃO SOCIAL 9
1.2 O SINCRETISMO COMO MEIO DE RESISTÊNCIA CULTURAL 14
1.3 AS DIFERENTES EXPRESSÕES RITUALÍSTICAS 16
1.4 A FESTA E O ESPAÇO 17
1.5 DEFININDO ESPACIALIZAÇÃO 19
2 A ESPACIALIZAÇÃO DAS FESTAS AFROBRASILEIRAS EM LONDRINA 21
2.1 OS TERREIROS EM LONDRINA 21
2.1.1 Tenda de Umbanda do Pai Tomás 25
2.2.2 Terreiro de Candomblé Recanto de Oxalufan 29
2.2.3 O Cantinho de Pai João 31
2.2.4 Ylê Axé Opo Omim 33
2.2.5 Ilé Asé Sàngo Oba Àìyrà Alaketu – Templo de culto aos Òrisà 34
2.2.6 Centro de Umbanda e Condomblé Vovó Cambnda da Angola 41
2.2.7 As festas afro-brasileiras – teoria e prática 47
3 CONCLUSÃO 52
4 REFERÊNCIAS 53
5 ANEXOS 55
5.1 Entrevista Candomblé 55
5.2 Entrevista Umbanda 57
INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a questão negra tem sido colocada em pauta em


várias disciplinas, no entanto na Geografia o tema se desponta com certa timidez.
Sabe-se que a cultura africana desde que chegou ao Brasil sofreu intensa
repressão, assim os negros não foram recriminados e excluídos somente pela sua
condição de escravo, mas por ter cultura diferenciada da católico-européia.

Com isso, suas manifestações culturais foram proibidas pelos


portugueses o que, somado ao fato de os negros terem sido desterritorializados,
dificultando a realização das suas diferentes formas de ritos, colaborou para que
grande parte de sua cultura fosse adaptada e transformada devido ao contato com
o novo território e novas culturas.

Porém, tais fatos não foram suficientes para suprimir por completo
a cultura africana. Os negros criaram estratégias de resistência que, de certa
forma, preservaram alguns elementos da cultura, como é o caso da sincretização
dos santos católicos com os orixás, que trouxe diversos elementos do catolicismo,
do kardecismo e da cultura indígena para dentro da cultura negra.

Embora várias etnias negras tenham chegado ao Brasil sob a


forma do trabalho escravo denominamos no presente trabalho essa reunião como
“cultura negra” ou “cultura africana”, pois não é aqui o momento para a
identificação de cada uma delas e respectiva descrição. Entretanto, devem ser
considerados muitos outros elementos da cultura africana na sociedade brasileira
como um todo, desde a influência lingüística, musical e religiosa, à culinária,
dentre outros.

Pela importância dessa cultura afro-brasileira na formação e na


estruturação da cultura brasileira como um todo, o presente trabalho justifica-se
pela negligência reflexiva a cerca das religiões/festas afro-brasileiras na
abordagem geográfica.

Cabe destacar também que as religiões afro-brasileiras sofrem


ainda hoje incessantes preconceitos, principalmente das religiões pentecostais.
Desse modo, o presente trabalho visa suprir a necessidade de divulgar
conhecimentos acerca do tema, a fim de diminuir a intolerância religiosa e racial.

Nesse propósito, o presente trabalho faz uma reflexão sobre a


espacialização dos locais de culto e de momentos das festas religiosas afro-
brasileiras no município de Londrina, a fim de verificar quais são os processos
sociais referentes aos terreiros de Candomblé e Umbanda que se inserem no
espaço.

Nesse sentido, a festa se exprime como elemento que rompe com


a rotina do cotidiano. Ela tem sempre um espaço especifico onde encontra os
limites de suas “regras” e da falta das mesmas, é onde o lúdico pode se realizar, o
escravo pode ser rei, e o senhor seu súdito. Ela tem função socializante e
revitalizante, é onde os indivíduos tomam fôlego para continuar na caminhada do
dia-a-dia.

Na cultura afro-brasileira há um entrançamento entre festas e


religiosidade, as festas não têm somente a função da fuga do cotidiano, mas
também é símbolo de resistência cultural, principalmente no período colonial.

Mesmo diante da intensa repressão exercida pelos senhores


coloniais, que se empenhavam em dilacerar seus ritos e costumes, os negros
criaram estratégias para a sua sobrevivência não só física, mas também cultural.
Dentre elas destaca-se a associação dos orixás aos santos católicos, que
colaborou na preservação dos rituais, principalmente do Candomblé, e na criação
da Umbanda.

Assim, a existência hoje dessas e outras religiões de matriz


africana marca para muitos autores a resistência cultural de um povo que teve
quase cinco séculos para ser destruído e perdura até os dias atuais.

Apesar dessa linha teórica não acreditamos que a cultura africana


tenha se mantido no seu molde original, enfatizamos o fato de essa cultura ter
sofrido muitas tentativas de destruição e ainda hoje encontramos seus elementos
diluídos na cultura brasileira.

Não somente a mudança de território desses povos e os esforços


dos portugueses colaboraram para a dissolução dos seus elementos culturais,
Milton Santos (2008) ainda destacaria a influência da “psicosfera” que, segundo
ele, é o reino das idéias, crenças e paixões dominado por uma nova racionalidade
imposta pelo meio técnico-científico e, assim fornecendo regras de
comportamento e de pensamento.

A nova racionalidade, dominada pelo urbano, industrial, científico


e informacional, determina novos meios e, conseqüentemente, novas condições
de existência. Dessa forma, os terreiros que antes se localizavam próximos á área
rural e podiam usufruir da mata e das ervas ali encontradas à medida que se
mudam ou mesmo se vêem inseridos pela cidade perdem essa condição natural e
são obrigados a adaptarem os rituais à nova condição de vida. Da mesma forma
que já tinha sido feita quando os africanos foram retirados de sua terra natal e
trazidos para o Brasil.

O procedimento metodológico do presente trabalho teve 3 grandes


fases. Na primeira foi realizado um levantamento bibliográfico na biblioteca da
Universidade Estadual de Londrina, Universidade de São Paulo e endereços
eletrônicos tais como de revistas científicas. Esse procedimento foi seguido de
leituras para compor a parte teórica. Dessa forma, para entender as diferentes
definições, elementos e funções da “festa” utilizaram-se autores como Perez
(2002), a qual aborda festas como forma de sociação, ou seja, de constituição
social; Amaral (1998) descreve os diversos elementos da festa, como a
efervescência, o excesso, a mediação social dentre outros; Durkheim (1968) que
além de abordar os elementos constitutivos da festa como a efervescência e o
excesso, faz uma aproximação entre festas e cerimônias religiosas; a abordagem
de Duvignaud (1983) diferencia dois tipos de festa: a Festa de Participação e a
Festa de Representação.

No âmbito da compreensão dos elementos dos terreiros de


Umbanda e Candomblé teve-se como base bibliográfica autores como Birman
(1983), que disserta acerca da Umbanda, sua definição e elementos e Adolfo
(2007) que trabalha com as diferentes nações do Candomblé.

Oro (1995) tenta identificar as diferentes expressões ritualísticas


nos “cultos” afro-brasileiros.
Autores como Maia (1999, 2001) e Corrêa (2005) foram utilizados,
principalmente, para estabelecer a relação entre festa e espaço.

O conceito de espacialização foi adotado a partir da abordagem


de Milton Santos nos livros “Metamorfoses do espaço habitado” (1996) e
“Natureza do espaço” (2008).

Os trabalhos de Rosendahl (2005) e Correa (2005) colaboraram


numa tentativa de aproximar a categoria “religião” à Geografia.

Não foi feita a definição da escala geográfica, pois o foco do


trabalho foi a espacialização de cada terreiro como um todo, assim foi analisado
sua espacialização interna, externa, local ou regional, quando necessário.

Concomitantemente às análises bibliográficas foram realizados


trabalhos de campo, que compõem a segunda parte do trabalho. Esses tiveram
como principal objetivo averiguar a espacialização das festas afro-brasileiras além
de permitir um conhecimento prático acerca do objeto de estudo, identificar os
principais elementos da festa referenciados no arcabouço teórico.

A princípio o critério de escolha utilizado para selecionar os


terreiros foi por tempo de fundação, ou seja, seria selecionada uma amostra dos
terreiros mais antigos da cidade. No entanto, não existia fonte documentativa que
permitisse inferir informações como a quantidade de terreiros da cidade ou o ano
de sua fundação. Dessa forma, o critério utilizado foi indicação e/ou aproximação
entre o pesquisador e o terreiro.

Terminadas a parte teórica e prática foi feita a composição final do


trabalho, ou seja, a relação entre a análise teórica e prática. Dessa forma, foi
selecionada a bibliografia que atendia à proposição do trabalho, a análise da
espacialização das festas afro-brasileiras em Londrina, e a seleção de
informações colhidas nas entrevistas que fossem pertinentes ao trabalho.

Por fim, foi elaborada uma figura de localização dos terreiros, na


qual foram encontrados alguns problemas para a sua composição. Primeiramente,
não foi encontrado um mapa de Londrina com a divisão de bairros que
correspondessem exatamente aos endereços mencionados pelos dirigentes dos
terreiros. Dessa forma, foi feita uma aproximação do possível “bairro” onde os
terreiros pertencessem.

A base cartográfica (figura 1) foi retirada do site


www.uel.br/atlasambiental e trabalhada no programa do Word Paint, onde os
terreiros foram pontuados conforme a região. A aproximação dos locais foi
realizada a partir do endereço (nome da rua) dos terreiros que foram localizados
no site HTTP://mapsgoogle.com.br e HTTP://wikimapia.org para então realizar a
aproximação por bairros. No primeiro site fez-se a busca dos endereços e no
segundo a identificação com os respectivos bairros.

Não houve problemas quanto à localização na figura 1 dos


terreiros Ilé Asé Sàngo Oba Àìyrà Alaketu – Templo De Culto aos Òrìsà, localizado
no bairro Ernane Moura Lima (número 1), e Centro De Umbanda E Candomblé
Vovó Cambinda De Angola (número 3), localizado no bairro Sabará.

No entanto, o bairro informado pelos dirigentes dos terreiros


restante não possuíam referencia na figura de localização utilizado na pesquisa. O
Terreiro de Candomblé Recanto de Oxalufan (número 5) localiza-se no bairro
Lagoa Dourada, conforme a dirigente informou, com isso, segundo o seu
endereço, foi referenciado no Jardim Piza. O terreiro Ylé Asé Opo Omim (número
2) localiza-se no Bairro Maria Cecília e faz parte da área dos conjuntos
habitacionais denominado “Cinco Conjuntos”. O Terreiro de Umbanda do Pai
Tiãozinho (número 7) localiza-se no Jardim Morumbi e foi referenciado no bairro
Interlagos. O terreiro Tenda de Umbanda do Pai Tomás (número 4) localiza-se no
Bairro Balarotti e foi referenciado na Vila Recreio. Por fim, o Cantinho do Pai João
(número 6) se localiza no distrito Espírito Santo no extremo sul do município, cerca
de 15 km distante da sede de Londrina, e não existe nenhum bairro na figura 1
que se aproxime deste local, pois está fora do perímetro urbano.

Dessa forma, o critério utilizado para referenciá-lo foi colocá-lo no


ponto mais extremo em direção à região sul do município, somente para se ter
uma noção espacial de sua localização.
1. AS FESTAS AFRO-BRASILEIRAS E A GEOGRAFIA

1.1 Festa: Definição e função social

Priore (2000, p.10) destaca a importância da alegria da festa tanto


como algo que ajuda a suportar o trabalho, “o perigo e a exploração” presentes no
cotidiano, quanto permite aos indivíduos restabelecer os laços de solidariedade e
marcar suas especificidades e diferenças. Para a autora “a festa se faz no interior
de um território lúdico onde se exprimem igualmente as frustrações, revanches e
reivindicações dos vários grupos que compõem uma sociedade”. (PRIORE, 2000,
p.9).

Segundo Perez (2002),

A festa é, antes de mais nada e acima de tudo, um ato coletivo extra-


ordinário, extra-temporal e extra-lógico. Significa dizer que a condição da
festa é dada pela confluência de três elementos fundamentais,
interdependentes um do outro, que se con-fundem uns com os outros, a
saber: um grupo em estado de exaltação (leia-se fusão coletiva e
efervescência) que consagra sua reunião a alguém ou a uma coisa (toda
festa é sacrifício) e que, assim precedendo, liberta-se das amarras da
temporalidade linear e da lógica da utilidade do cálculo, pois a festa é
uma sucessão de instantes fugidios, presididos pela lógica do excesso,
do dispêndio, da exacerbação, da dilapidação. Em resumo: a festa
instaura e constitui um outro mundo, uma outra forma de experiênciar a
vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das
emoções – com um forte acento hedonista e agonístico – e, mesmo, em
grande medida, pelo não-social. É pela con-junção dessas três
características constitutivas da festa que podemos defini-la como
paroxismo, dado que ela é fundamentalmente transgressora e
instauradora de uma forma de sociação, na qual o acento é dado pelo
estar-junto, pelo fato mesmo da relação. (PEREZ, 2002, p. 19, grifo da
autora)
Segundo o mini-dicionário Aurélio (2000), o termo paroxismo pode
ser entendido como “a maior intensidade, o auge”, daí a autora definir a festa
como “transgressora e instauradora” das formas de sociação, ou seja, de
constituição social. Tem-se, então, como alguns dos elementos da festa a fuga do
cotidiano, a satisfação, o excesso e a efervescência.

Amaral (1998) aponta o caráter de utilidade/fucionalidade da festa


enquanto elemento de revigorização das energias para se voltar para a “vida
séria”. Segundo a autora, a festa, bem como o ritual, daria mais “coragem” e
“disposição” para enfrentar o dia-a-dia, restabelecendo as energias da sociedade.

Durkheim (1968) observa que a “efervescência”, alcançada pelo


ápice da energia coletiva na festa, proporciona alterações na atividade psíquica,
provocando a exaltação extrema das sensações e das paixões, e a
superexcitação das energias vitais. Amaral destaca que,

Para garantir este estado de alma, contribuem fortemente os elementos


presentes em todas as festas: música, bebidas, comidas específicas,
comportamentos ritualizados, danças, sensualidade etc. Neste estado o
homem não se reconhece como tal. Ele se reintegra à natureza de que
teria se separado ao fundar a sociedade. (AMARAL, 1998, p. 39)

O contato entre esta exacerbada energia e a “diluição da


individualidade no coletivo” estreita a ligação entre divertimento e violência.
(AMARAL, 1998)

Tanto Del Priore (2000) quanto Amaral (1998) apontam para os


elementos de violência e conflito passíveis de serem gerados numa festa, tendo
em vista a co-existência e partilhamento de valores, normas, sentimentos e
conhecimentos coletivos, o que, segundo Priore “Servem ainda de exutórias à
violência contida e às paixões, enquanto queimam o excesso de energia das
comunidades” (DEL PRIORE, 2000, P.10). Amaral (1998) relaciona a violência e o
conflito à “destruição das diferenças” que ocorre entre os indivíduos no momento
da festa, pois, segundo a autora, são as diferenças que mantêm a ordem, “todos
os indivíduos, desejando os mesmos objetos, tornam-se rivais e violentos”
(AMARAL, 1998, p. 40).

A supracitada autora adentra na questão de as festas oscilarem


entre a cerimônia, “como forma exterior e regular de um culto” e a festividade
“como demonstração de alegria e regozijo”. Ambas distinguem-se “dos ritos
cotidianos por sua amplitude e do mero divertimento pela densidade” (AMARAL,
1998, p. 45).

Perez (2002) também estabelece uma distinção entre ritual,


diversão e festa. Para a autora “É a densidade da festa – seu caráter de
efervescência coletiva, de exaltação das paixões comuns – e seu caráter extra-
temporal e extra-lógico que a distinguem tanto do ritual quanto da simples
diversão” (PEREZ, 2002, p. 20, grifo da autora). Destaca no entanto que tal
distinção não exclui o aspecto ritualístico da festa, que é, também, uma cerimônia,
e do divertimento, que contem função expressiva, recreativa e estética na festa.

Mediante Priore (2000), é possível captar a aproximação entre


festa e religiosidade, pois afirma que “As festas nasceram das formas de culto
externo, tributado geralmente a uma divindade protetora das plantações, realizado
em determinados tempos e locais.” (PRIORE, 2000, p.13). Daí se pensar
manifestações afro-religiosas como festas.

Nesse mesmo caminho, Durkheim ressalta que,

(...) toda festa, mesmo quando puramente laica em suas origens, tem
certas características de cerimônia religiosa, pois, em todos os casos ela
tem por efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas
e suscitar assim um estado de efervescência, às vezes mesmo de delírio,
que não é desprovido de parentesco com o estado religioso.[...] Pode-se
observar, também, tanto num caso como no outro, as mesmas
manifestações: gritos, cantos, música, movimentos violentos, danças,
procura de excitantes que elevem o nível vital etc. Enfatiza-se
freqüentemente que as festas populares conduzem ao excesso, fazem
perder de vista o limite que separa o lícito do ilícito. Existem igualmente
cerimônias religiosas que determinam como necessidade violar as regras
ordinariamente mais respeitadas. Não é, certamente, que não seja
possível diferenciar as duas formas de atividade pública. O simples
divertimento, [...] não tem um objeto sério, enquanto que, no seu
conjunto, uma cerimônia ritual tem sempre uma finalidade grave. Mas é
preciso observar que talvez não exista divertimento onde a vida séria não
tenha qualquer eco. No fundo a diferença está mais na proporção
desigual segundo a qual esses dois elementos estão combinados.
(DURKHEIM, 1968, p. 567-568)

Assim, para Durkheim (1968), as festas populares e as cerimônias


religiosas estão muito próximas em suas formas, já que ambas possuem as
mesmas manifestações, o que levaria ao mesmo estado de transe e
efervescência, e, em algumas vezes, se assemelham também quanto às
transgressões de regras. Com isso, o autor ressalta que na verdade, divertimento
e cerimônia se mesclam em diferentes proporções.

Ainda Amaral (1998) observa que, tanto para Durkheim quanto


para outros autores depois dele, as principais características de festa são: “(1) a
superação das distâncias entre os indivíduos, (2) - a produção de um estado de
'efervescência coletiva' e (3) - a transgressão das normas coletivas.” (AMARAL,
1998, p. 38). A idéia de 'objeto sério' ou 'finalidade grave' foi abandonada.

A autora aponta dois critérios classificatórios da festa: o tempo e a


participação. Sendo toda festa um ato coletivo, para sua efetivação não basta
apenas a presença dos indivíduos, mas sua participação, o que diferencia a festa
do puro espetáculo. Quanto ao tempo como elemento classificatório, destaca que,
no momento da festa, tudo é festa, “o que faz dela um fato social total” (AMARAL,
1998, p. 46).

O aspecto de participação também é entendido por Duvignaud


(1983) como elemento fundamental da festa. Assim, para esse autor haveria dois
tipos de festas: as Festas de Representação, em que se tem “atores” e
“espectadores”, sendo que os primeiros participam diretamente da festa,
organizada para os “espectadores” que participam de forma indireta. Todos são
conscientes do que esta acontecendo, mas cada um exerce seu papel, assim
poderia ser as cerimônias e os rituais; e nas Festas de Participação, em que toda
a comunidade participa diretamente e são conscientes de todos os mitos e
símbolos que ai ocorre. O autor cita como exemplo as festas do Candomblé no
Brasil.

Outro elemento da festa apontado por Duvignaud (1983) e Da


Matta (1997) é o aspecto da inversão, caracterizado pela troca de papéis sociais
dos participantes no momento da festa. Segundo Duvignaud (1983) os transes e
as danças proporcionam um caráter de inversão e subversão dos códigos sociais,
pois se tem de um lado a vida cotidiana, o trabalho repetitivo, as normas,
momentos em que os desejos são contidos. Enquanto que por outro lado, na festa
encontra-se um espaço de diversão, em que as emoções e as paixões podem se
manifestar, os excessos, a efervescência e a sensualidade são permitidos.

Da Matta (1997) sugere o caráter de inversão no “ritual” do


carnaval, em que o pobre pode ser príncipe, o homem pode ser mulher.

(…) no Carnaval é possível a exibição, e uma inversão entre os que


fazem e os que olham. Então, os pobres se exibem como nobres, para os
ricos (que olham e cobiçam), vestidos de pobres (com roupas comuns,
simples) (DA MATTA, 1997, p. 140)

No carnaval os valores sociais são amenizados para dar espaço à


imaginação e ao espírito lúdico. Na festa do Candomblé o caráter de inversão
também pode ser observado, já que é possível um quadro no qual a lavadeira é a
“rainha” e a patroa é quem pede ajuda.

Amaral (1998) destaca ainda o aspecto de mediação social que a


festa exerce
(...) a festa é uma das vias privilegiadas no estabelecimento de
mediações da humanidade. Ela busca recuperar a imanência entre
criador e criaturas, natureza e cultura, tempo e eternidade, vida e morte,
ser e não ser. A presença da música, alimentação, dança, mitos e
máscaras atestam com veemência esta proposição. A festa é ainda
mediadora entre os anseios individuais e os coletivos, mito e história,
fantasia e realidade, passado e presente, presente e futuro, nós e os
outros, por isso mesmo revelando e exaltando as contradições impostas
à vida humana pela dicotomia natureza e cultura, mediando ainda os
encontros culturais e absorvendo, digerindo e transformando em pontes
os opostos tidos como inconciliáveis. A festa é a mediação, o diálogo da
vultura consigo mesma. (AMARAL, 1998, p. 54)

1.2 O sincretismo como meio de resistência cultural

A festa exerce relevante função social e enquanto tal foi um dos


meios encontrados pelo escravo africano para preservar sua religião. Em
documento organizado pela CNBB (1976) sobre os “cultos afro-brasileiros”, o
padre Valdeli Carvalho da Costa aponta que um dos elementos católicos que
entrou no sincretismo com as religiões afro foi o culto aos santos, os quais foram
identificados aos Orixás como forma de conservação religiosa. Já que os
portugueses não toleravam as religiões afro. Os Orixás eram associados aos
santos segundo características externas ou de história de vida que se
assemelhavam. (COSTA in CNBB, 1976).

Sohiet (2002) aborda a trajetória de repressão e resistência dos


populares para preservar a festa da Penha, no Rio de Janeiro, desde o período
colonial. Santos (2005) destaca que um dos motivos para os terreiros de
Candomblé se estabelecerem longe das cidades, no século XIX em Salvador, era
fugirem da repressão policial. Assim, longe dos meios urbanos “não provocavam
tanto os olhos e ouvidos das residências senhoriais” (SANTOS, 2005, p.217).
Nascimento (2006) descreve a situação do negro após a abolição
na cidade do Rio de Janeiro em plena política de modernização e
“branqueamento” do que se pretendia a “Paris Tropical”. Dentro de um ambiente
de repressão e exclusão imposto pela cidade moderna, os negros se adaptavam
as situações e faziam “acomodações emergenciais” (NASCIMENTO, 2006, p.104),
como é o caso das comunidades de terreiro e dos grupos festeiros que
misturavam princípios herdados da cultura africana e “mecanismos de defesa”
(NASCIMENTO, 2006, p.104) desenvolvidos nas senzalas, ou seja, elementos do
catolicismo imposto.

Diante disso pode-se pensar no sincretismo religioso como uma


das formas de resistência cultural e sobrevivência das religiões afro-brasileiras.
Têm-se os congos, descritos por Priore (2000), como “um bailado tradicional com
entretrecho dramático, misturava tradições africanas e elementos de bailados e
representações populares luso-espanholas.” (p.56). Fundem-se “costume africano
dos cortiços”, “a celebração das lutas contra os mouros e elementos da vida
marítima.” (Idem) Essa festa ocorria concomitante às épocas do Natal e de Reis, e
nas festas de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo.
Cabe ressaltar ainda o caráter de inversão dessa festa, bem como de retorno à
própria cultura africana, o qual Priore (2000) destaca “... a sagração de um rei
negro [...] Mas é justamente essa capacidade de expor outras realidades que
devolvia a festiva dignidade aos negros e à sua cultura.” (p.83). Dessa forma,
inverte-se a condição do negro de escravo para rei levando-o ao encontro da sua
cultura ancestral.

É possível observar uma relação de sincretismo e resistência tanto


na manifestação dos “Congos” descritos por Priore, quanto na sincretização entre
os orixás e os santos católicos. O trabalho de Nascimento (2006) também
corrobora na fala de seus entrevistados que relatam serem fiéis ao ritual da
Semana Santa, mas que no nascimento de familiares realizam batismos com
rituais africanos. Uma entrevistada afirma “A Bahia tem 365 igrejas, só que todo
mundo é macumbeiro”. (p.106).

Amauri Nogueira (2008) sublinha que “As religiões criadas ou


praticadas pelos negros no Brasil permitiam a socialização não só espiritual, mas
também possibilitavam a criação de espaços políticos de resistência à escravidão”
(NOGUEIRA et al, 2008, p.31).
1.3 As diferentes expressões ritualísticas.

Oro (1995) divide as religiões afro-brasileiras em três diferentes


“expressões ritualísticas”. A primeira delas cultua os orixás africanos (nagô), são:
o Candomblé da Bahia, o Xangô de Recife, o Batuque o Rio Grande do Sul e a
Casa de minas do Maranhão. Segundo este autor o candomblé, surgido na Bahia
no princípio do século XIX, foi a primeira religião afro-brasileira a se estruturar no
Brasil, freqüentada por escravos e descendentes se espalhou daí para o restante
do país, o que originou as demais expressões citadas, as quais “embora sejam
hoje seguidas por grupos étnicos variados, representam a melhor expressão no
Brasil do patrimônio religioso negro-africano.” (ORO, 1995, p.70)

A segunda expressão teria surgido no Rio de Janeiro, no final do


século XIX, a partir do candomblé mas no seu “processo de 'abrasileiramento' e de
adaptação à vida urbana brasileira” (ORO, 1995, p.70), ou seja, já com as
incursões do sincretismo e tendo que adaptar os rituais que utilizam elementos da
natureza às limitações impostas pela vida urbana. A princípio foi chamada de
macumba, mas seu nome foi se reescrevendo conforme as diferentes regiões
brasileiras como quimbanda, linha negra, magia negra, umbanda cruzada e linha
cruzada, cultua os Exus e as Pombagiras, “entidades de intermediação entre os
homens e os orixás” (ORO, 1995, p.70).

Também surgida no Rio de Janeiro ,na década de 1920, a terceira


forma ritual é a umbanda a qual se estruturou a partir de uma construção
sincrética que envolve “elementos provenientes das tradições religiosas católica,
africana, indígena, kardecista, oriental, além de integrar princípios e idéias da
psicologia e da parapsicologia, da Teosofia e da Rosacruz.” (ORO, 1995, p.70).
Seus cultos centralizam-se em torno da figura dos caboclos e pretos-velhos, no
entanto os elementos de sua doutrina variam conforme as regiões e centros
“dependendo da ênfase que os fiéis dão ao espiritismo, orientalismo, africanismo,
etc.” (ORO, 1995, p.70). Birman (1983) cita ainda as “crianças” e os “exus” como
entidades que fazem parte do culto umbandista.
Tentando traçar um perfil dos seguidores da Umbanda Birman
(1983) aponta que, em geral, terreiros que possuem maior influência do
candomblé, marcado por elementos africanizados, são mais freqüentados por
pessoas da classe popular. Enquanto que os terreiros que possuem uma
influência maior do espiritismo são mais freqüentados pela classe média. Um dos
motivos apontados pela autora é que no primeiro há uma visão menos moralizante
e as entidades têm caráter mais ambíguo e polivalente. E o segundo teria
interpretações que destacam o “valor moral das entidades e é maior a
preocupação com a 'evolução' dos seres espirituais e terrestres” (BIRMAN, 1983,
p. 85).

Oro (1995) aponta que

Embora não haja unanimidade entre os estudiosos, parece que no Brasil


a maioria dos terreiros, cerca de 80% deles, cultua as três formas de
rituais, 15% praticam exclusivamente a umbanda e 5% exclusivamente o
candomblé. (p.70).

Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como principal


objetivo averiguar a espacialização das festas afro-brasileiras no município de
Londrina. Para tanto, será realizada breve discussão acerca da relação espaço e
festa e do conceito de espacialização na geografia.

1.4 A festa e o espaço


Dessa forma, a festa se coloca não somente como o espaço de
inversão dos “papéis” sociais, mas também de mediação entre esses diferentes
papéis, marca o intervalo da vida ordinária, suspende a “realidade” cotidiana.
Possui espaço e tempo determinados. Maia (2001), ao escrever sobre o “retorno
para a festa” dos migrantes nordestinos em São Paulo, aborda a questão da
importância do espaço da festa para essas pessoas. Dessa forma, aponta que a
necessidade do deslocamento para a festa pode levar as pessoas a tomar atitudes
extremas como pedir demissão no emprego, fazer empréstimos, gastar o dinheiro
reservado para emergências etc. (MAIA, 2001), seja como motivo aquela romaria,
seja para tocar na banda de sua cidade.

Tendo em vista os elementos da festa, o seu retorno “... faz parte


do mundo ritual, e não da vida cotidiana.” (MAIA, 2001, p.182), sendo que, para
que haja o deslocamento é necessária a suspensão da rotina, bem como deixar-
se levar pelas emoções.

Em outra oportunidade, Maia (1999) aponta que “As vésperas das


festas são instantes de 'vigia' e 'preparo' marcados pela extrema expectativa.”
(p.202). Assim, observa o autor, esse tempo de espera pela festa torna-se
demorado, pois a relação “mágico-emocional” impera sobre a “psíquico-racional”.

O supracitado autor discorre que, o retorno para a festa marca a


mudança de apreensão dos espaços, pois se desloca do cotidiano - no qual se
tem o objetivo de “trabalhar, estudar, dormir etc” - para a festa - em que objetiva-
se “brincar, celebrar, comemorar, dançar, 'zoar' etc” (MAIA, 2001, p.183). Com
isso, “Impulsionado pela 'disposição' (aqui definida como a passagem da rotina ao
ritual), o migrante, à medida que caminha para a festa, faz do próprio caminhar
uma festa” (Idem).

Assim, destacam-se as palavras de Sayad

[...] mudar de espaço – deslocar-se no espaço, que é sempre um espaço


qualificado – é descobrir e aprender simultaneamente que o espaço é,
por definição, um espaço nostálgico, um lugar aberto a todas as
nostalgias, isto é, carregado de afetividade [...] (SAYAD apud MAIA,
2001, p. 185).
Maia (2001) argumenta que, pelo fato de o mundo festivo ser
constituído magicamente é possível ao migrante, quando sua presença física não
é permitida, adentrar na festa, pertencente a sua terra natal, por meio da televisão.
Segundo o autor esse “retorno imaginativo”, sendo via de regra apenas uma
aproximação da festa, mistura os sentimentos de prazer e dor: “Prazer ao saber
que 'a festa é lá', e dor em razão de não poder ir corporalmente” ( p.187).

Ao relacionar espaço e festa Maia (1999) observa que no


momento de ocorrência da festa podem-se fornecer novas funções às formas
espaciais, como é o caso do carnaval do Rio de Janeiro que utiliza uma escola
pública como Sambódromo, ou mesmo praças, terrenos baldios etc; ou pode
haver o reforço das formas espaciais prévias, “extremando o seu significado”
(AMARAL, 1999, p. 204), como é o caso das festas religiosas serem realizadas
em igrejas.

Correa (2005) disserta sobre como os signos delimitam o espaço


como festivo e alega à festa uma carga político-ideológica. Assim o autor relata,

(...) os signos são apresentados como marcas que delimitam o espaço


como festivo, e o sentido é legado à festa por meio do exercício de seu
papel político, de sua carga ideológica (calcada, principalmente, pelo
sagrado e por valores culturais) e do valor de trocas simbólicas e
econômicas. Com isso pode-se descobrir signos espaciais a partir de
uma identidade entre o grupo social que festeja e o espaço. (p. 148).

Desse modo, pode-se dizer que a festa e o espaço festivo servem


como um dos suportes para se criar identidades tanto individuais quanto coletivas.

1.5 Definindo espacialização


Para Milton Santos (1996) todos os espaços são geográficos por
serem determinados pelo movimento da sociedade, pela sua produção. O espaço
seria produzido a partir da ação dos homens sobre o próprio espaço, sejam ações
mediadas por objetos artificiais ou naturais. Assim, o autor define espaço como
“um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações”
(SANTOS, 2008, p. 22), sendo, esses, pares “solidários” e “contraditórios” que não
podem ser considerados isoladamente, pois “De um lado, os sistemas de objetos
condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, os sistema de ações
leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes”
(SANTOS, 2008, p. 63).

O autor destaca que, como para o geógrafo os objetos são tudo


que é externo ao homem, considera-se o objeto como uma extensão contínua,
pois cada objeto, isoladamente, não faz sentido. Ainda aborda a “ação” como um
sistema dotado de propósito e, como tal, reclama sempre um gasto de energia.

O supracitado autor estabelece uma relação entre espaço e


paisagem para melhor compreensão do tema. Com isso, discorre,

A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem


as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre
homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as
anima. (...) A paisagem existe através de suas formas, criadas em
momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual. No
espaço, as formas de que se compõem a paisagem preenchem, no
momento atual, uma função atual, como resposta às necessidades atuais
da sociedade. (SANTOS, 2008, p. 103; 104).

Assim, a paisagem seria o conjunto das formas, enquanto que, o


espaço seria “forma-conteúdo”, ou seja, a inserção das relações e significações
humanas sobre as formas. A paisagem é o resultado da acumulação histórica dos
meios de trabalho. “O espaço humano é a síntese, sempre provisória e sempre
renovada das contradições e da dialética social” (SANTOS, 2008, p. 108). Nesse
sentido, Santos (2008) exemplifica que o simples fato de montanhas, lagos,
florestas, existirem como formas, ou seja, como paisagem, não é suficiente. A
paisagem se torna espaço quando é utilizada socialmente, assim, deixa de ser
forma e passa a ser “forma-conteúdo”.
Em “Metamorfoses do espaço habitado” Santos (1996) define
espacialização como sendo o momento em que a sociedade incide sobre
determinado arranjo espacial. O espaço é a paisagem somada à ação da
sociedade, ou seja, é a forma que ganhou conteúdo. A espacialização é quando
os processos sociais se inserem territorialmente no espaço. A espacialização é
momentânea, mutável e produto de mudanças estruturais ou funcionais.

A espacialização não é o resultado do movimento da sociedade apenas,


porque depende do espaço para se realizar. No seu movimento
permanente, em sua busca incessante de geografização, a sociedade
está subordinada à lei do espaço preexistente. Sua subordinação não é à
paisagem, que, tomada isoladamente, é um vetor passivo. É o valor
atribuído à cada fração da paisagem pela vida – que metamorfoseia a
paisagem em espaço – que permite a seletividade da espacialização.
(SANTOS, 1996, p.74).

Desse modo, a espacialização não é autônoma, ela depende das


relações sociais para surgir, e das “leis” do espaço para se manifestar.

2. A ESPACIALIZAÇÃO DAS FESTAS AFRO-BRASILEIRAS EM LONDRINA

2.1 Os terreiros em Londrina


Foram visitados 7 terreiros, dentre eles 3 de Candomblé – Terreiro
de Candomblé Recanto de Oxalufan, Ylé Axé Opo Omim e Ilé Asé Sàngo Oba
Àìará Alaketu – Templo de culto aos Òrisá; 3 de Umbanda – Cantinho do Pai
João, Tenda de Umbanda do Pai Tomás e o Terreiro do Pai Tiãozinho; e 1 que se
auto-denominava terreiro de Candomblé e Umbanda – Centro de Umbanda e
Candomblé Vovó Cambinda de Angola. As entrevistas (segue em anexo) foram
realizadas em todos os terreiros com exceção do Terreiro de Umbanda do Pai
Tiãozinho.

Essas entrevistas foram direcionadas aos dirigentes dos terreiros,


pais ou mães-de-santo, já que segundo a hierarquia da Umbanda e do Candomblé
são esses que detêm todo o conhecimento sobre os “fundamentos” do terreiro,
além de ser a pessoa mais apta para informar a cerca da territorialidade do
terreiro.

As entrevistas foram gravadas e subseqüentemente transcritas.


Tendo a bibliografia como base elaborou-se um roteiro de questões específico, um
para Umbanda e um para o Candomblé.

A princípio o critério escolhido para selecionar os terreiros foi o


ano de fundação, assim privilegiar-se-ia os mais antigos. No entanto, após ir à
prefeitura de Londrina com um oficio da Universidade solicitando a localização dos
terreiros na cidade, ou mesmo falar com o presidente da Federação Umbandista
de Londrina e não obter nenhum resultado o critério foi alterado. O presidente
explicou que existem muitos terreiros irregulares, que não são filiados, outros que
são apenas familiares e ainda os que mudaram o endereço e não atualizaram na
Federação.

Com isso, o novo critério utilizado foi a indicação. O presidente da


Federação, o senhor Oscar Nascimento elaborou uma lista com 11 terreiros, dos
quais só foi possível contato efetivo com três: Ilé Asé Sàngo Oba Ìyrà Alaketu –
Templo de Culto aos Òrìsà, Tenda de Umbanda do Pai Tomas e Terreiro de
Umbanda do Pai Tiãzinho. Neste ultimo não foi possível realizar a entrevista, pois
após um breve encontro em seu terreiro o dirigente não respondeu mais aos
telefonemas.

O Cantinho do Pai João foi indicado por pessoas próximas que o


freqüentavam, bem como o Centro de Umbanda e Candomblé Vovó Cambinda de
Angola foi indicado por uma pessoa que morava no mesmo bairro e sabia sua
localização. A visita e o conhecimento do terreiro Ylé Axé Opo Omim foi prévio à
pesquisa. A dirigente desse ultimo indicou o terreiro de Candomblé Recanto de
Oxalufan.

A realização das visitas tinha como principal objetivo identificar a


localização dos terreiros, bem como a disponibilização espacial interna dos seus
objetos e presenciar o momento da festa para assim observar os seus diferentes
elementos descritos na pesquisa teórica. Na figura 1 pode ser observada a
localização dos terreiros pesquisados na cidade de Londrina.

Porem cabe ressaltar que o terreiro número 6, o Cantinho do Pai


João, não está corretamente representado na figura 1, pois a sua localização real
é o distrito Espírito Santo, no extremo sul do município, que não possui referencia
na figura abaixo.

Foram procurados mapas que representassem o município de


Londrina, no entanto foram encontrados apenas mapas com a representação da
cidade de Londrina.

O terreiro do Pai João localiza-se fora do perímetro urbano e não


possui representação na figura. Dessa forma, fez-se a localização por
aproximação, foi escolhido o ponto mais extremo da figura em direção à sua
localização real.
Figura 1: Localização dos terreiros de Candomblé e Umbanda na cidade de
Londrina.

Fonte: www.uel.br/atlasambiental
2.2.1 Tenda de Umbanda do Pai Tomás

O terreiro Tenda de Umbanda do Pai Tomás foi visitado no dia 17


de outubro de 2008, foi fundado em 1985 e está localizado na região central da
cidade. O dirigente afirmou que o principal critério para a sua localização foi onde
pudesse separar o terreiro de sua residência, e este local lhe pareceu perfeito.
Segundo ele o atendimento dentro de casa não é bom, pois se trabalha com muita
carga de energia ruim.

O espaço interno do terreiro é bem pequeno. Do lado de fora


existe uma pequena casinha de madeira que “é a casinha das almas, é firmada
com uma vela antes de começarem a chegar os consulentes e os médiuns, é uma
das ferezas do terreiro.” (Trabalho de Campo, 2008).

Na parte interior tem-se um altar (ver figura 2) com poucas


imagens, a sua direita existe um banquinho que é onde a entidade que incorpora
no dirigente se senta durante as “consultas”. Do lado esquerdo tem um quarto que
é onde “se cultua a esquerda: Exu e Pomba-Gira”, pois a esquerda não se mistura
com as outras entidades, o dirigente explica da seguinte forma

o Exu não gosta muito de ficar desse lado1, eles não se misturam, ficam
cada um na sua. Porque os Exus mexem com a sujeira e os da direita
mexem com a casa limpa. Ele pega e leva embora os maus fluidos que
as pessoas trazem para o terreiro. Ele ta na esquerda porque ele ta
pagando um débito passado, então estar na esquerda é uma missão dele
de pagar esse débito. (Trabalho de campo, 2008).
1 Nesse caso, o lado do Gongá (o altar).

CONGÁ CENTRAL DA TENDA DE UMBANDA DO PAI TOMAS EM LONDRINA

Figura 2: Gongá da Tenda de Umbanda do Pai Tomás.

Fonte: http://www.tendadeumbandadopaitomas.com.br

A cerimônia é iniciada com cânticos e palmas que têm como


intuito primeiramente chamar “os caboclos” em seguida “os preto-velhos”, os
médiuns ficam disponibilizados em filas, de um lado homens e do outro mulheres.
Segundo o dirigente essa separação é simplesmente “uma questão de ordem”.

Quando indagado a cerca de quais locais ele considera sagrados,


respondeu

todos os lugares em que nós chamamos uma entidade é sagrado, porque


é uma entidade de luz. Qualquer lugar que tiver incorporação é sagrado.
(...) o cemitério é local sagrado, é lá que estão as almas, está o cruzeiro.
Cruzeiro é onde se encontram as almas desencarnadas. Quando se
morre a matéria vai para a tumba, o espírito vai para o cruzeiro para ser
encaminhado. Ali é que ele vai escolher o caminho também, se ele fez o
bem ele vai escolher o bem. Poderiam ser considerados não sagrados os
terreiros que trabalham com o mal. (Trabalho de Campo, 2008).

Ele salienta que o ritual da festa é diferente do que se realiza


semanalmente no terreiro, quando ocorre atendimento ao publico externo, que
também é tido como desenvolvimento espiritual do médium. Assim explica o
dirigente

No dia da festa não se faz atendimento, mas se permite que a pessoa


tome passe, não consulta. (...) A diferença é que no começo do ritual nós
temos que chamar o chefe espiritual do terreiro, que não são todos os
trabalhos que ele vem; depois nós chamamos Ogum, que é o chefe
espiritual da Umbanda, depois nós chamamos os pretos-velhos, que é a
linha espiritual da casa. Termina com o homenageado. Se é o dia das
crianças, nós fazemos uma mesa bem comprida com doces, com as
guloseimas todas, daí nós chamamos as crianças, elas vem abençoam
tudo isso e depois a festa é nossa. Daí as crianças se retiram e a festa é
das pessoas que estão ali. (Trabalho de Campo, 2008).

Para ele a importância da festa esta no sentido de que simboliza


um

agradecimento às entidades pelo que elas fazem por nós. Nós jamais
vamos fazer uma troca com as entidades, mas elas só nos auxiliam
desde que nós sejamos merecedores, desde que eu esteja plantando o
bem. Então as entidades vão me ajudar, então o mínimo que eu posso
fazer é agradecer a entidade em forma de oferenda. (Trabalho de
Campo, 2008).

Quanto à realização das festas o dirigente pontua


Nossas celebrações começam com Oxossi, dia 20 de Janeiro, dia de São
Sebastião, nós vamos para a mata e fazemos uma festa na mata. 23 de
abril, São Jorge, então vamos festejar Ogum; 27 de setembro, Cosme e
Damião, festa das crianças; 12 de outubro Nossa Senhora Aparecida,
festa para Oxum, vamos à cachoeira; 4 de dezembro Yansã; 31 de
dezembro povo da água, então nós vamos para a praia. (Trabalho de
Campo, 2008)

Nas figuras 3 e 4 podem ser observadas respectivamente as


festas de Oxum e a de Iemanjá. Para a realização da festa de Oxum a prefeitura
cedeu uma mata com cachoeira próxima ao Shopping Catuaí, zona Leste da
cidade. Na figura 3 observa-se a oferenda de flores para a entidade. Na figura 4
tem-se flores e bebidas, como o champanhe.

VISTA PARCIAL DA FESTA A OXUM DE 2008

Figura 3: Festa de Oxum.

Fonte: http://www.tendadeumbandadopaitomas.com.br
PAI TOMAS ABENÇOANDO A MESA EM HOMENAGEM A IEMANJÁ, 31 DEZEMBRO
DE 2008

Figura 4: Oferenda à Iemanjá

Fonte: http://www.tendadeumbandadopaitomas.com.br

2.2.2 Terreiro de Candomblé Recanto de Oxalufan

O Recanto de Oxalufan foi visitado no dia 21 de outubro e está


localizado na zona leste da cidade, mais especificamente sudeste, local bem
afastado do centro. Foi fundado em 2005, mas a dirigente é mãe-de-santo há 30
anos. Antes de ter seu próprio terreiro auxiliava seu pai biológico, que também era
pai-de-santo. Conta que a raiz do seu terreiro é “Viva Deus” 2 da Bahia.

2 Terreiro de Candomblé da Bahia que tem fundamento Angola.


A disposição externa do terreiro é bem simples e muito bonita,
possui um “assentamento” para Exu, que fica bem ao lado do portão de entrada,
segundo a dirigente “ele fica na frente porque ele abre as portas” (Trabalho de
campo 2008). Tem também representações de alguns orixás como o Tempo.
Nesse local não foi possível o acesso ao terreiro (parte interna) propriamente dito,
pois a dirigente não permitiu abri-lo sem haver trabalhos, e não haveria tempo
hábil suficiente até o fim da pesquisa para retornar ao local.

Quando indagada a respeito dos locais sagrados a dirigente


afirmou que são “os quartos-de-santo”:

Oxalá esta num quarto só branco, que só tem ele; as Yabás3 estão em
outro quarto; os Aborós4 em outro; Nanã e Abaluaê [...] porque não pode
misturar dois orixás diferentes num lugar só, não pode por Abaluaê, que
é orixá da morte, da doença, junto com Xangô, que é de vida. Mas o orixá
esta na cabeça de cada um, ali é onde foi feita a obrigação para ele.
(Trabalho de Campo, 2008)

3 Orixás femininos.

4 Orixás masculinos.

Para ela o “cemitério é um local sagrado para Egum, que é das


almas. [...] Vai lá pede licença e entra [...] tem orixá que a personalidade do orixá
com a pessoa gosta de um cemitério tem outros que não.” (Trabalho de Campo,
2008)

Ela não faz festa na mata, ou na praia, todas as festas são


realizadas dentro do terreiro, segundo ela é a Umbanda que costuma fazer festa
fora do “barracão”. As festas ocorrem conforme são feitos os trabalhos, se realiza
da seguinte forma:

Dá em torno de 4 festas por ano. Tem um ano que dá para Xangô, outro
para Oxóssi, outro para Ossanha. Daí vem uma pessoa que quer dar
obrigação, daí dá o toque para aquela pessoa, para o santo dessa
pessoa. Joga o Búzios, daí, por exemplo, ela tem que fazer um Ebó, que
é uma limpeza. Às vezes ela só vem fazer o Ebó para a vida dela andar
né, mas se ela gosta daqui daí ela continua. Até ela ver que o orixá dela
ta virando daí ela tem que fazer o santo. (Trabalho de Campo, 2008)

Dessa forma, a festa é realizada conforme as necessidades das


pessoas que a dirigente vai atendendo, se no jogo de búzios o filho-de-santo foi
orientado a dar oferenda para o seu santo, então a festa acontece. Quanto ao
sentido da festa ela argumenta que é “como se fosse (homenagear mesmo) o
aniversario de uma criança e se faz uma festa para ela.” (Trabalho de Campo,
2008).

2.2.3 O Cantinho do Pai João.

A entrevista com o dirigente do Cantinho do Pai João foi realizada


no dia 24 de outubro de 2008. O terreiro está localizado no sudoeste de Londrina,
área bastante distante do centro urbano da cidade, foi fundado em 1970. O
dirigente afirma que a principio ele “atendia” na sua própria casa, que se localizava
no centro da cidade, mais tarde comprou um sitio (atual terreiro) para ampliar a
área de “atendimento”.

A primeira visita, realizada no dia 13 de outubro de 2008, foi para


observação da prática e da disposição dos seus elementos. Toda segunda-feira é
realizado no terreiro o atendimento ao público externo, da seguinte forma: o
terreiro possui em torno de 60 médiuns que “atendem” cerca de 100 “filhos”, a fim
de realizar curas físicas e psíquicas. Conforme as pessoas vão chegando elas
pegam uma senha para serem atendidas.

O terreiro é dividido em duas partes: uma onde se localiza os


médiuns e o altar e outra onde o publico aguarda o “atendimento”. As paredes
próximas ao altar (fundo) possuem pinturas de anjos, Jesus cristo etc. O altar
possui muitas imagens, santos, orixás, caboclos, preto-velho.
Terminada a entrega das senhas e quando as pessoas estão
acomodadas dentro do terreiro, os médiuns, todos de branco, entram em fila e se
posicionam em colunas próximas ao altar. O dia em que o terreiro foi visitado era
dia de incorporação de marinheiro, entidade que faz cura física.

Segue a explicação do desenvolvimento do ritual nas palavras do


dirigente5

5 Entrevista realizada no dia 24 de outubro de 2008.

6 Entidade que incorpora no dirigente e orienta a organização e decoração dos rituais.

A primeira coisa que se faz no nosso ritual é preparar o ambiente, então


é feita a defumação com incenso, que é para limpar o ambiente, digamos
que seja uma assepsia, tira as energias ruins. (...) O sininho na hora do
ritual ele toca para chamar a atenção dos médiuns, se estiverem falando
demais. Quando a Vó Luiza6 incorpora ela pega a bengala e abençoa
todo mundo. Depois de chegarem as macas (no ritual do marinheiro) (...)
e coloca-se copos d.água perto deles, que é para substituir a bebida,
para uma reposição porque o médium vai se desgastando, o ectoplasma
dele, que ele usa para curar, então ele precisa hidratar isso ai. Água ou
pinga, mas nós substituímos. Antes o marinheiro que eu recebia tomava
uísque. Fica chato né atender alguém com bafo de álcool, daí ele mesmo
sugeriu que substituísse. A Vó Luiza toma água com açúcar. Conforme a
entidade pede. O lençol branco no ritual do marinheiro se usa para não
expor a pessoa que esta sendo atendida, e é sinal de limpeza também. A
cura é feita pelo toque da mão do médium no local de doença da pessoa,
que através de fluidos vai curar a pessoa. (...) Os baianos trazem muita
alegria, muita vibração gostosa. E depois do trabalho dos marinheiros a
gente fica muito para baixo, daí os baianos vêm para repor essa energia.
Daí ele dança, pula e a gente fica bem. (Trabalho de Campo, 2008).
Na entrevista realizada no dia 24/10/2008 procurou-se identificar
qual é a espacialização do terreiro, ou seja, quais são os processos sociais
referentes ao terreiro que se inserem territorialmente no espaço.
Dessa forma, questionou-se a cerca dos locais que são utilizados
para fazer trabalhos7 como a encruzilhada8, cuja explicação do dirigente foi a
seguinte: “Porque é convergência de energias, vem pessoas de todos os lados e
se cruzam.” (Trabalho de Campo, 2008).

7 Oferendas às Entidades com o intuito de ser atendida alguma prece.

8 Local de cruzamento entre vias onde comumente são feitas oferendas de comida, como a
galinha
preta, bebidas, charutos etc.

9 A dirigente limitou essa informação, pois, segundo ela, é necessário ser iniciado no Candomblé
para ter certos conhecimentos.

Indagou-se sobre a classificação de locais sagrados e ele afirmou


“Não existe local não sagrado, tudo é sagrado. [...] O cemitério tem vibração de
morte, onde tem energia boa e ruim, tem espírito sofrendo.” (Trabalho de Campo,
2008).

As festas nesse terreiro são sempre realizadas internamente, ou


seja, não se faz festa para Yemanjá na praia ou para Oxum na cachoeira. O
dirigente explica que não é contra, mas a sua formação como “Pai-de-Santo” não
proporcionou isso. E explica que “As festas tem o intuito de homenagear naquele
dia aquele orixá.” (Trabalho de Campo, 2008).

2.2.4 Ylé Axé Opo Omim


Nesse terreiro a visita foi realizada no dia 7 de novembro de 2008,
e ele está localizado na zona norte da cidade, também bastante distante da área
central. Foi fundado em 1988. A disponibilização interna do terreiro é bem simples:
na parte central existe um grande vaso de flores que é o Axé, a força do terreiro9,
os atabaques e vários quadros dos orixás dispostos nas paredes.

Quanto às festas ela diz que

todas as casas tem suas raízes e tem seu orixá certo pra ser
homenageado, aqui nós temos uma agenda que são 5 orixás no ano [...]
Ogum, segundo sábado de abril; ultimo sábado de julho é de Xangô;
domingo é marinheiro; segunda-feira Olubajé; segundo sábado de
dezembro é a festa maior da casa que é pra deusa da casa e do herdeiro
do axé que é Oxum e Oxóssi [...] eles são as raízes da casa. (Trabalho
de Campo, 2008)

A festa “quer dizer o agradecimento ao orixá desde o dia em que a


gente nasce até aquele momento e o tempo que temos pra viver.” (Trabalho de
Campo, 2008).

Nesta entrevista não foi possível obter muitas informações, pois a


dirigente alem de ser mãe-de-santo, cuidar de questões sociais também é
banqueteira e ainda participa de discussões acadêmicas10 que tangem a religiões
afro-brasileiras e mesmo a questão negra. Dessa forma, por sua pouca
disponibilidade de tempo a entrevista foi de apenas 30 minutos, o que não
possibilitou a obtenção de algumas informações.

10 Possui ligação com o departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Londrina.

11 Terreiro que ainda funciona.

No entanto, é possível inferir que a espacialização do terreiro é


relativamente abrangente quanto às questões sociais.

2.2.5 Ilé Asé Sàngo Oba Àìyrà Alaketu – Templo De Culto Aos Òrìsà
A entrevista foi realizada no dia 6 de novembro. O terreiro está
localizado na zona leste da cidade, relativamente afastado da área central.
Fundado em 1976, dos terreiros de Candomblé que ainda “tocam”11 em Londrina
esse é o mais antigo, declara a dirigente “existem terreiros mais antigos mas não
„tocam. mais”. A dirigente mora no bairro Aeroporto, também na zona leste, mas o
terreiro fica no Ernani Moura Lima. Assim ela explica a localização do terreiro
Eu vim passear aqui, o bairro era novo, estava inaugurando, daí passei
aqui e vi essa casa e perguntei na brincadeira para o vizinho quanto que
era e ele falou. Daí eu falei “mas aqui dá pra eu comprar, o dinheiro que
eu tenho dá”. E fiz o negócio no mesmo dia. [...] Quando comprei a casa
não tinha a intenção de montar o terreiro, comprei só para ter mais uma
casa para investir, daí meu caboclo veio e disse “essa casa é minha” e
está até hoje. (Trabalho de Campo, 2008)

Na entrada do terreiro existe “quarto” para três entidades “Exu,


Ogum e Caboclo porque eles tomam conta da casa”12 (figura 5) diz a dirigente.

12 Os quartos de Ogum e Exu estavam fechados e não foi possível fotografar.

Figura 5: Quarto de Caboclo na entrada do terreiro.

Fonte: SILVA, (2008)


Na parte interna do terreiro, que é relativamente pequeno,
encontra-se a cadeira de Xangô13 e do lado direito o Roncó14 (figura 6), os
atabaques utilizados nas cerimônias (figura 7) e nas paredes imagens dos 16
orixás cultuados (figura 8). Nos fundos encontram-se os quartos de outras
entidades como Xangô e a cozinha onde as festas são preparadas.

13 Santo de cabeça da dirigente do terreiro

14 Quarto todo branco onde a pessoa se retira para fazer a iniciação, que é o chamado
“recolhimento”.

Figura 6: “Trono” de Xangô e à direita da foto o Roncó.

Fonte: SILVA, (2008)


Figura 7: Atabaques sagrados utilizado nos cultos para “chamar” as entidades.

Fonte: SILVA, (2008)


Figura 8: Imagem dos orixás dispostas pelas paredes do terreiro. A primeira, no
canto superior esquerdo, é Oxum, seguida por Xangô, Iansã e Oxossi.

Fonte: SILVA, (2008)

As festas de Exu, Ogum, Xangô e Oxossi são obrigatórias


anualmente, pois:

Esses são os que têm mais fundamento dentro da casa, é axé da casa.
Todo ano no mês 6 eu tenho por obrigação dar a festa pra Xangô. Eu não
dou festa pra todos os orixás porque são muitos. Então conforme vai
dando a gente dá a festa. Na lenda nossa são 16 orixás.” (Trabalho de
Campo, 2008).

Sobre o sentido da festa a dirigente diz

A festa a gente faz para o orixá, então geralmente nas festas todas as
pessoas que tem orixá vem pra cá, a gente prepara a comida, se for dar
festa de Oxum então prepara tudo que é de Oxum. Então a gente está
louvando o orixá, está chamando o orixá pra casa, está agradecendo por
tudo aquilo que ele faz pra gente. A gente faz a festa pra isso, pra louvar,
pra engrandecer o orixá e agradar. Nós temos por obrigação de fazer a
festa. (Trabalho de Campo, 2008)

No dia 8 de novembro foi possível presenciar um “Toque para


Exu”, no entanto, segundo a dirigente, Exu não permite tirar fotografias durante o
ritual por isso tirou-se somente antes. Nesse ritual tem muita bebida, cigarro
(figura 9) que são as oferendas que a entidade pede. Pois, segundo os dirigentes,
Exu é a entidade que possui mais ligação com a materialidade é o que faz a
comunicação entre os orixás e o ser humano. Esse é um dos motivos pelo qual se
explica o fato de em todas as cerimônias Exu ser o primeiro a ser “cantado”
(louvado, chamado) Assim diz a dirigente do Recanto de Oxalufan “o Exu já cuida
da parte material mais direto, os orixás só do espiritual” (Trabalho de Campo,
2008)
Figura 9: Preparação para o Toque de Exu.

Fonte: SILVA, (2008)

A dirigente foi indagada sobre a diferença entre Corte, Toque e


Festa e explicou

Toque é só um toque, não é festa. Quando é festa a gente dá comida, dá


bebida tudo no fim. Porque a gente tem de obrigação dar os toques,
precisa dar pelo menos uma vez por mês. Nesse mês para esquerda,
depois pra caboclo, depois um toque de santo. O sentido de homenagear
é o mesmo, daí eles vêm, eles cantam, eles dançam, eles bebem. O
corte vai dar uma obrigação pra Ogum, daí ele come o cabrito daí a gente
dá o sangue, porque é a vida. O corte é o ritual de sacrifício ao orixá.
(Trabalho de Campo, 2008).

A dirigente explica cada orixá

Exu, quem é Exu? Ele é o dono das porteiras, ele que cuida tudo aí fora,
ele é que nem um guarda, um vigia da casa. Então o que ele come? É
matança, mel, bebida, dendê, farofa. Ogum: é o orixá trabalhador, todos
nós precisamos de Ogum, ele que trabalha pelas estradas, nos nossos
caminhos, defende nós do mal, da feitiçaria, da bruxaria, abre nossos
caminhos pra trabalho, pra negócio. Ele come feijoada, cará, matança
também. Oxossi, é das matas, gosta de frutas, milho, coco, ele gosta de
muita fruta, doces. Ossanha é a deusa da mata, só vive na mata, é
arisca, desconfiada, sem Ossanha a gente não pode recolher15 ninguém,
porque nós precisamos das folhas, ela é dona das folhas, então quando a
gente precisa a gente vai lá na mata, bate paó16, pede licença pra
recolher as folhas. Na mata ela está dentro do palácio dela. Todas as
festas são no terreiro, na mata é só oferenda, mas prepara na casa e
depois leva pra lá. A gente leva muita fruta no mato pra Oxossi. Abaluaê,
deus da cura, deus de muita fartura e de muita prosperidade. Xangô
come amalá, comida feita com quiabo, rabada de boi, camarão e
amendoim. Daí a comida fica arriada 3 dias no pé do orixá, depois a

15 Procedimento para se fazer iniciação no Candomblé.


16 Segundo a dirigente “bater paó” é uma forma de cumprimentar o santo.

gente leva na mata, no rio, na estrada. Oxum, deusa do amor, da


prosperidade, da fertilidade, é a orixá que gera as nossas crianças.
Yansã é dona dos ventos, dos raios, do trovão. Come acarajé. Iemanjá,
deusa do mar, mãe das mães, mãe de todos nós, ela é a dona do nosso
ori17. Nanã é uma avó, é um orixá velho. O pessoal fala que ela é a deusa
da morte, mas eu não considero não, pois eu considero ela muito linda.
Oxalá é nosso pai supremo. Todos os orixás viveram na terra, todos
cumpriram sua missão, todos tinham sua aldeia. Isso tudo nasceu dos
escravos, da escravidão, daquele povo lá do antigo, povo sofrido no
mundo, batido, amarrado. Oxalá é o deus cristão. Os santos católicos e
os orixás são os mesmos, só que os católicos cultuam de um jeito e nós
de outro. Eles viveram na África, foi de lá que eles vieram. Eles viraram
orixá, pois receberam luz, dons espirituais, eles fizeram muita coisa boa
aqui na terra, pelos sacrifícios que eles viveram aqui na terra. (Trabalho
de Campo, 2008).

2.2.6 Centro de Umbanda e Candomblé Vovó Cambinda da Angola

A visita nesse terreiro foi realizada no dia 18 de novembro de


2008, está localizado na zona oeste, relativamente próximo a área central da
cidade e bastante próximo à Universidade Estadual de Londrina. Foi fundado em
1987, por uma dirigente já falecida e a entrevistada é sua sucessora.

Explica que Candomblé e Umbanda são diferentes, principalmente


porque a Umbanda trabalha com os preto-velhos que fazem cura e caridade

A junção do Candomblé e da Umbanda já vem da minha mãe [...] então o


Candomblé é tocado aqui na casa a cada um ano e meio. Então a minha
avó de santo vem lá de salvador, porque minha mãe foi feita lá em
Salvador. Mas eu direciono mesmo para a Umbanda, porque os guias da
minha mãe fazem essa parte da caridade, cura de crianças e idosos.
17 Ori: cabeça.

18 Nesse caso da dirigente já falecida, fundadora do terreiro.

Então eu trabalho com a Umbanda por causa dos preto-velhos, eu


incorporo a vovó Rita, vovó Cambinda é o guia da minha mãe que fundou
a casa. (Trabalho de Campo, 2008).

Acerca da disponibilização externa a dirigente diz que os espaços


sagrados dos santos na casa são:

a primeira casinha ali na frente é de Ogum, que guarda a nossa frente


aqui. No candomblé é de Exu a primeira na entrada. Ogum corre a ronda,
como Exu, que temos aqui também uma casinha. Tem uma casinha para
o senhor Boiadeiro e para Ossanha.

O Senhor Boiadeiro e Ossanha são as entidades de “fundamento”


da casa, ou seja, são as entidades tidas como protetoras do dirigente18 e por isso
possuem um local especial no terreiro para serem cultuados.

Internamente a disposição dos elementos é bem simples, do lado


direito da entrada está o altar (figura 10, 11), no centro está o que a dirigente
chamou de “entorno”, mas também é conhecido como o Axé (figura 11), do lado
esquerdo do altar estão localizados os atabaques (figura 12) e nas laterais
encontram-se imagens dos orixás19 (figura 13).

Na figura 10 se observa diversas imagens, do lado esquerdo para


o direito está uma Iemanjá, um marinheiro, alguns santos católicos (melhor
representados na figura 11), um caboclo, dentre outros. Essa é uma
representação típica do sincretismo que ocorre na Umbanda entre religiões afro-
brasileira, católica, Kardecista e Indígena.
19 Os 13 orixás do Candomblé, segundo a dirigente.

Figura 10: Altar ao fundo e “entorno” no centro da imagem

Fonte: SILVA, (2008)


Figura 11: Altar

Fonte: SILVA, (2008)


Figura 12: Atabaques, instrumento sagrado utilizado para “chamar” as entidades.

Fonte: SILVA, (2008)


Figura 13: Imagens dos 13 orixás cultuados no terreiro da Vovó Cambinda.

Fonte: SILVA, (2008)

Quanto à festa a dirigente explica que tem o sentido de


agradecimento “cada um que ajuda esta agradecendo” (Trabalho de Campo).
Nesse sentido, ela realiza quatro festas por ano e explica

dia 20 de janeiro é comemorado Oxossi, que é São Sebastião. Porque


São Sebastião? Porque quando os negros vieram para o Brasil eles não
podiam cultuar a religião deles, entre nós os brancos com as imagens
dos nossos santos. Então os negros olhavam essas imagens falavam
esse parece o nosso santo de lá, então vamos colocar o nome dele de
Oxossi. Em maio tem uma festa para preto-velho. Na festa de janeiro é
servido frutas para o pessoal, que simboliza a comida que o orixá
carrega, come né. Frutas, pamonha, bolo de milho, sempre a casa
oferece acarajé, abenin, que são do santo. Na festa de maio é servido
feijoada. Por quê? Porque naquela época (escravidão) os brancos
desperdiçavam do porco, o rabo, o pé, o focinho. Daí os negros pegavam
e botavam no meio do feijão deles, que é a famosa feijoada nossa. Então
junto com a feijoada a gente serve acarajé, aberê e o bolo, que nunca
falta, sempre tem o bolo, não tem uma festa aqui que não é servido. Dia
27 de setembro é comemorado Cosme e Damião, daí tem doce, bala,
caruru, vatapá, acarajé, tudo isso é servido. E agora dia 20 de dezembro
a gente tem a festa de boiadeiro e baiano, então nessa festa vai ter
costela assada, que é referente ao boiadeiro, que é da falange de Oxossi,
que corre as matas, daí tem os baianos também que correm as matas.
Então a casa é de Umbanda então a gente faz a festa pro orixá que
fundou a casa (Oxossi). Daí nessa festa tem farofa de carne seca, bolo,
caruru, vatapá, acarajé, aberem. Mas tem também o ritual aqui da terra,
então vem o papai Noel. A “mulecada” já sabe que nessa festa tem doce,
tem presente, então aqui ferve de criança. (Trabalho de Campo, 2008).

Indagou-se se a festa de Oxossi era realizada na mata, já que


esse é o local ao qual esse orixá é referenciado, assim a dirigente respondeu:
“Faço a festa de Oxossi na mata sim, mas aqui tem aquele negócio: ou pára
policia, ou pára alguém para perguntar o que nós estamos fazendo ali. O ano
retrasado eu fiz na mata, mas esse ano não mais.” (Trabalho de Campo, 2008).

2.2.7 As festas afro-brasileiras: teoria e prática


Para entender a definição, os elementos e a “função” das festas
teve-se como base teórica os trabalhos de Priore (2000), Amaral (1998), Perez
(2002), Durkheim (1968) e Duvignaud (1983). Com isso entende-se que a festa é
um momento que rompe com o cotidiano, que ajuda a suportar o dia-a-dia, é um
ato coletivo que proporciona euforia, excesso e efervescência. Segundo Perez
(2002) “a festa instaura e constitui um outro mundo, uma outra forma de
experiênciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das
emoções”, ou seja, na festa os indivíduos “saem” da estrutura cotidiana do
trabalho como meio de sobrevivência, do estresse e da individualidade.

Os elementos da festa apontados pelos referidos autores puderam


ser melhor observados no chamado “Toque de Exu”, realizado no dia 8/11/2008
no terreiro Ilé Asé Sàngo Oba Àìyrà Alaketu – Templo De Culto Aos Òrìsà, tais
como o excesso, a efervescência e a euforia. Por ser uma festa para a “esquerda”
(Exu e Pomba-Gira) havia muitos charutos, cigarros, bebidas como o uísque, a
cerveja, a pinga, e eram consumidos em excesso pelos membros do terreiro que
estavam incorporados.

A efervescência e a euforia eram observadas no batuque e nas


danças incessantes, o ritual perdurou por horas sem que as pessoas parassem de
dançar ou batucar. Esse é o momento em que os orixás se juntam às pessoas,
“então eles vêm, dançam, comem, bebem, brincam.” (Trabalho de Campo), ou
seja, o ato coletivo no sentido dessas religiões não se limita entre as pessoas que
participam do terreiro, mas entre elas e seus orixás, estes e os outros orixás e as
outras pessoas.

A dirigente do terreiro Ylé Axé Opo Omim mostra como a


realização da festa rompe com o cotidiano das pessoas, pois não se limita apenas
ao momento em si

[...] semanas antes pra que aquela festa aconteça é necessário os ebós,
os sacrifícios, que são criticados, mas são necessários para que os orixás
se fortaleçam, através das ervas, pra banho, para enfeitar. Então você
tem que chegar e sentir a boa energia da casa e não a minha porque
hoje eu posso esta bem e amanha não. O ambiente da casa tem que
está bom e para isso começa toda uma preparação [...] (Trabalho de
Campo).
A preparação da festa começa semanas antes e todos os
membros são chamados a ajudar. Essa mesma dirigente declara “Quem entra
aprende o yorubá, a escolher feijão, a ralar, a descascar [...] aqui dentro é uma
escola.” (Trabalho de Campo, 2008). A dirigente do Ilé Asé Sàngo reforça “nas
festas todas as pessoas que tem orixá vem pra cá e a gente prepara a comida, se
for dar festa de Oxum então prepara tudo que é de Oxum.” (Trabalho de Campo,
2008).

O argumento do padre Valdeli Carvalho da Costa (in CNBB, 1976)


foi corroborado na entrevista com os dirigentes, como na fala já citada da dirigente
do Centro de Umbanda e Candomblé Vovó Cambinda e do dirigente do Cantinho
do Pai João:

[...] os africanos quando vieram para o Brasil, uns usavam pedras [...]
quando o senhor não permitia eles pegavam mamãe Oxum, que é Nossa
Senhora da Aparecida, e punham lá, daí veio o sincretismo religioso, os
santos da igreja católica foram batizados no ritual dos negros
representando o orixá de origem, que a pedra era a imagem. Então o
orixá é um espírito de luz, de muita grandeza. Oxossi é representado por
são Sebastião, porque ele foi morto a flechada num pé de manga, então
tem uma história de vida parecida entre os orixás e os santos católicos.
(Trabalho de Campo, 2008).

Segundo ele, quando os africanos foram trazidos para o Brasil


trouxeram uma pedra representando os seus orixás. Como aqui no Brasil os
portugueses não permitiam o culto dos africanos então eles pegavam as pedras e
colocavam embaixo da imagem dos santos e diziam que era Nossa Senhora que
estavam cultuando, quando na verdade era Oxum, representada pela pedra sob a
imagem.

Durkheim (1968) disserta sobre a aproximação das festas


populares e da cerimônia religiosa, nas festas observadas em campo ambas
acontecem num único espaço: uma cerimônia religiosa mediante uma festa
popular. No sentido em que a cerimônia religiosa vai se desenvolver enquanto os
populares ofertam a “Festa de Exu”, a “Festa de Iemanjá etc.
Conforme declara Durkheim, tanto a cerimônia religiosa quanto a
festa “tem por efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas”.
Nesse sentido, Maia (2001) disserta sobre os migrantes nordestinos em São Paulo
e a importância do espaço da festa para essas pessoas, que para se deslocarem
de volta à sua terra natal e participarem da festa local tomam atitudes extremas
como pedir demissão de emprego, fazer empréstimos, dentre outros.

A dirigente do terreiro Recanto de Oxalufan explica que “Vêm


pessoas de São Paulo, para as festas” (Trabalho de Campo, 2008). Isso porque o
seu terreiro tem origem no “Viva Deus” da Bahia, que foi fundado por sua mãe
biológica em São Paulo e por seu pai biológico em Londrina. Dessa forma, existe
estreita ligação entre os terreiros e quando as “festas de santo” ocorrem vêm
pessoas de São Paulo para participar.

Nas palavras de Correa (2005)

os signos são apresentados como marcas que delimitam o espaço como


festivo (...) Com isso pode-se descobrir signos espaciais a partir de uma
identidade entre o grupo social que festeja e o espaço. (CORREA, 2005,
p. 148).

A entrevista no Recanto de Oxalufan também permitiu observar


outra forma de se delimitar o espaço através dos signos, assim diz a dirigente à
respeito das festas:

Exu eu não dou, porque a casa é de Oxalá, então nós cortamos para
Exu, cantamos para Exu, louvamos ele, mas lá mesmo na casa dele, é
um ritual mas não é aqui na “roça”20. Porque na festa para Exu tem
muitas coisas que não pode ter na festa de Oxalá, não pode ter muita
bebida, cigarro. (Trabalho de Campo, 2008)

20 Dentro do terreiro.
Com isso, observa-se a relação entre o sagrado e o espaço, entre
a festa e a significação do seu respectivo espaço, não somente nesta declaração,
mas da mesma forma no fato de alguns terreiros realizarem as festas para cada
orixá em seus locais sagrados, como é o caso do terreiro Tenda de Umbanda do
Pai Tomás que realiza a festa de Oxum nas cachoeiras (figura 3) e a festa de
Iemanjá na praia (figura 4).
Os terreiros de Umbanda e Candomblé estão localizados de norte
à sul, de leste à oeste do município de Londrina. Desde o Ylé Axé Opo Omim, ao
norte, ao Cantinho do Pai João, no extremo sul do município, o Centro de
Umbanda e Candomblé Vovó Cambinda no extremo oeste da cidade e o Ilé Asé
Sàngo no extremo leste do limite urbano. Todos relativamente distantes da área
central. Os mais próximos da área central são o do Pai Tomás e do Pai Tiãozinho.

Nas entrevistas percebeu-se que essa descentralizada


espacialização dos terreiros não carrega os motivos de repressão social/policial
destacados por Santos (2005) em seu trabalho sobre os terreiros de Candomblé
em Salvador no século XIX. Ao contrário, a localização dos terreiros pesquisados
em Londrina está muito mais ligada à residência dos próprios dirigentes. Ou
possui como critério de escolha um local espaçoso, ou que o terreiro e a
residência não estejam juntos, como é caso do dirigente da Tenda de Umbanda
do Pai Tomás.

Dessa forma, a localização dos terreiros pesquisados pode estar


mais ligada ao fato de seus dirigentes fazerem parte da classe popular e morarem
em áreas mais afastadas do centro por serem mais viáveis economicamente, do
que necessariamente à repressão ou rejeição social. Ao mesmo tempo em que
nenhum dos dirigentes reclamou sofrer ataques verbais ou físicos dos vizinhos por
conta do terreiro.

A espacialização das religiões afro-brasileiras se constituem de


diversas maneiras: quando o Ylé Axé Opo Omim agrega as crianças do entorno
do seu bairro para ensinar capoeira dentro do terreiro, ou quando o Cantinho do
Pai João recebe pessoas das cidades vizinhas e de varias regiões de Londrina
para serem atendidas pelos seus médiuns e então passam a freqüentar o local,
participam da festa e ajudam na manutenção do terreiro. Ou ainda quando
indivíduos que não fazem parte dos terreiros participam da festa como um
momento de descontração.

A espacialização dos terreiros atinge ainda as praias, mesmo


Londrina estando a mais de 300 quilômetros de distância da mais próxima, nas
cachoeiras e matas espalhadas pelo município e encontram as encruzilhadas,
ponto estrategicamente utilizado para a realização dos “trabalhos” “Porque é
convergência de energias, vêm pessoas de todos os lados e se cruzam.”
(Trabalho de Campo, 2008). Chegando aos cemitérios, local considerado sagrado
por todos os dirigentes, “é lá que estão as almas, está o cruzeiro” (Trabalho de
Campo, 2008), desse modo a espacialização dos terreiros atinge o cemitério na
medida em que seus membros o significam conforme suas crenças religiosas e o
tomam como local sagrado.

3. CONCLUSÃO

Os trabalhos de campo realizados tiveram grande importância no


âmbito da observação dos diversos elementos das festas afro-brasileiras, bem
como nas suas respectivas formas de espacialização.

No “Toque para Exu” pudemos observar elementos como o


excesso, a efervescência e a euforia, causados pelas bebidas, danças e cantos
que acompanhados pelos atabaques harmonizam os movimentos que sacralizam
o espaço da festa. Pois constituem o ritual que “chama” os orixás para se
confraternizarem com seus “filhos”.

O rompimento com o cotidiano tão relatado nos textos pôde ser


revelado nas palavras da dirigente do terreiro Ylé Axé Opo Omim, quando
menciona que a preparação da festa começa semanas antes dela acontecer e
para isso é necessário a colaboração de todos os membros do terreiro.

Assim esse rompimento se inicia com a preparação da festa e


culmina no dia da sua realização, quando as pessoas se vestem
glamourosamente para homenagear seu santo, tornam-se reis ou rainhas, comem
e bebem a “comida de santo”, dançam e cantam excessivamente.

A sincretização observada pelo padre Valdeli Carvalho da Costa,


bem como a sua explicação foi referida por mais de um dirigente, como é possível
ser observado nas palavras da dirigente do terreiro Vovó Cambinda.
Tendo em vista que a espacialização é a inserção dos processos
sociais no espaço, nos terreiros ela se dá de diversas maneiras. No deslocamento
das pessoas para a festa, essas que chegam de São Paulo ou de outro extremo
da cidade; na localização dos terreiros diretamente ligada à situação social dos
seus dirigentes.

Os terreiros se espacializam ainda pelas praias, cachoeiras,


matas, no momento da festa e caracteriza a busca dos elementos da natureza
como representação das entidades sacralizando aquele espaço; pelas
encruzilhadas na realização de “trabalhos”. Assim os signos delimitam o espaço
como festivo ou como sagrado, como no caso dos cemitérios ou da casa de Oxalá
que não realiza festa para Exu, ou ainda, na Umbanda quando as entidades da
“esquerda” não compartilham do mesmo espaço que os outros Orixás.

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WIKIPAMIA. Disponível em: http://wikimapia.org Acesso em: 30/11/2009.

5. ANEXOS
5.1 Entrevista Candomblé

Entrevistado (nome):

Idade:

Profissão:

Lugar de origem:

1) Quando o terreiro foi fundado?


2) Quem o fundou? Sabe a motivação ou por que esta pessoa o fundou?
3) Sua localização sempre foi essa? Pensando que aqui seria um terreiro, qual
foi o critério de escolha desse lugar?
4) Conte a história da formação do terreiro.
5) O terreiro esteve ou está ligado a algum movimento negro?
6) Em que bairros (ou cidades) moram os médiuns?
7) Quais são as celebrações/rituais que ocorrem no terreiro? (Indicar dias da
semana e épocas do ano, tentando perceber a motivação das mesmas).
8) Como se inicia, desenvolve e o que determina o fim de um ritual de festa?
9) Qual é o significado das festas? Quando elas são realizadas?
10) As festas são destinadas para quais entidades? Explique.
11) Explique a organização das festas. Como são distribuídas as atividades
para a sua realização?
12) As entidades possuem locais sagrados específicos dentro do terreiro? Em
caso positivo explicar a lógica de tais alocações.
13) Fale sobre as entidades religiosas da Umbanda (quais e quantas são as
entidades religiosas, o que regem, quais são os dias da semana que lhes são
dedicados, cor equivalente entre outras informações).
14) Quais são as oferendas destinadas a cada orixá? Eles possuem locais
específicos na casa e nas cerimônias?
15) Existe equivalência dos orixás com os santos católicos? Se sim, como ela
se processa (ocorre)?
16) Quem são e o que representam os pretos-velhos, os caboclos, os exus e
as crianças?
17) Existem hierarquias entre as entidades?
18) Quais são os espíritos considerados inferiores?
19) Se incorpora orixás?
20) Os médiuns da casa possuem funções? Como elas são atribuídas? Existe
uma hierarquia?
21) O que significa ser escolhido como “cavalo”?
22) Existem locais sagrados no terreiro? Quais são eles? Explique porque são
locais sagrados. Como os outros espaços são considerados?
23) O que significam as guias (colares), a quantidade que cada médium usa e
as cores?
24) Qual o significado dos pontos de giz no chão feitos no inicio da sessão?
25) Como surgiram os orixás para a Umbanda?
26) Porque as entidades são baianos, marinheiros, pretos-velhos e não
doutores, advogados?
27) O que é “tomar passe”?

5.2 Entrevista Umbanda


Entrevistado (nome):

Idade:

Profissão:

Lugar de origem:
28) Quando o terreiro foi fundado?
29) Quem o fundou? Sabe a motivação ou por que esta pessoa o fundou?
30) Conte a história da formação do terreiro.
31) Sua localização sempre foi essa? Pensando que aqui seria um terreiro, qual
foi o critério de escolha desse lugar?
32) O terreiro esteve ou está ligado a algum movimento negro?
33) Em que bairros (ou cidades) moram os filhos de santo?
34) Quais são as celebrações/rituais que ocorrem no terreiro? (Indicar dias da
semana e épocas do ano, tentando perceber a motivação das mesmas).
35) Como se inicia, desenvolve e o que determina o fim do um ritual de festa?
36) Qual é o significado das festas? Quando elas são realizadas?
37) As festas são destinadas para quais orixás? Explique.
38) Explique a organização das festas. Como são distribuídas as atividades
para a sua realização?
39) Quais são as celebrações, em quais dias da semana e épocas do ano?
40) Quais são as oferendas destinadas a cada orixá? Eles possuem locais
específicos na casa e nas cerimônias?
41) Quais são as características dos locais tidos como ideais para as práticas
religiosas?
42) As entidades possuem locais sagrados específicos dentro da casa? Em
caso positivo explicar a lógica de tais alocações).
43) Fale sobre os orixás (quais e quantas são as entidades religiosas, o que
regem, quais são os dias da semana que lhes são dedicados, cor equivalente
entre outras informações).
44) Existe equivalência dos orixás com os santos católicos? Se sim, como ela
se processa (ocorre)?
45) Trabalha com pretos-velhos, caboclos, exus e as crianças? Se sim, quem
são eles?
46) Existem hierarquias entre as entidades?
47) Os participantes /freqüentadores da casa possuem funções? Como elas
são atribuídas? Existe uma hierarquia?
48) No candomblé acredita-se em pecados? Quais são eles?
49) Como são os rituais de iniciação? Existe reclusão? Se sim, de quanto
tempo, com qual objetivo?
50) Há alguma exigência para os seguidores que participam dos rituais?
51) Há algum problema em participar das celebrações da casa e freqüentar
outras religiões/terreiros?
52) Quais são as nações do candomblé? Qual é a nação do candomblé da
casa?
53) A casa já sofreu algum tipo de repressão policial ou ação da população
local?
54) É cobrado algum preço para se realizar trabalhos? Qual a finalidade dessa
cobrança? Como variam os preços?
55) O que é Buri?
56) O que significa “fazer o santo”?
57) O que é “bater Paó”?
58) O que é “catular”?
59) O que são as linhas para o Candomblé?
60) Qual a diferença entre “corte para o santo”, “toque para o santo” e “festa
para o santo”?
61) O que é o Ybá? O que é o Inxé?
62) Quem é Orumilá? Quem é Ifá? Quem é o Egum?
63) Qual é o Exu da casa? Explique a localização da casa de Exu.
64) Qual o sentido/objetivo da incorporação?
65) Durante os rituais os cânticos para os orixás são cantados em português?

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