Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NA HISTÓRIA DO ESPIRITISMO
WALLACE LEAL V. RODRIGUES
ANUÁRIO ESPÍRITA 75
Um deles reside nas reencarnações de Allan Kardec.
Todos sabemos que foi Zéfiro, um dos espíritos-protetores do Pro-
fessor Rivail quem lhe sugeriu a adoção do pseudônimo de Allan
Kardec. Ele, Zéfiro, o conhecera na encarnação em que assim se cha-
mara, decorrida nas Gálias, quando o Professor Rivail fora um drui-
da. A sugestão foi acatada, pois a entidade era uma das mais expe-
ditas no assessoramento às sessões, das quais as perguntas do Profes-
sor Rivail e as respostas e explicações dos Espíritos superiores, deram
nascimento ao conjunto de obras de onde nasceu o Espiritismo.
Mas, além dessa sugestão, sabe-se que muito mais o espírito Zéfiro
narrou a Kardec. Esses papéis não foram publicados. Consta que
parte deles veio ter ao Brasil, onde estão fechados em caixa-forte.
Outros ficaram com o sr. Leymarie, — mais particularmente em sua
livraria, em Paris. Depois foram levados, com alguns pertences de
Kardec, — seu relógio de bolso etc. — para a Maison des Spirites, recen-
temente vendida. No correr do Congresso Espírita de 1925, — do qual
vou me ocupar nesta tomada-de-vista, — talvez o mais importante
da História do Espiritismo, sei (por haver encontrado na estante de
Caibar Schutel uma relação do que estava exposto) que esse relógio,
outros objetos e papéis, ainda existiam e eram conservados. Depois
veio a Segunda Grande Guerra, Paris foi ocupada pelos nazistas e as
portas da Maison foram abertas a fim de que soldados ali se abrigas-
sem.
76 ANUÁRIO ESPÍRITA
resposta era lacônica e fria, logo seguida por um ponto-final. A
Maison fora pillé pelos alemães
Compreende-se que os alemães tenham alimentado as lareiras de
Maison, com os livros de sua biblioteca, mas é incrível que as precio-
sidades ali existentes, tenham sido largadas para trás. Todavia, tudo
isto fica para o pesquisador que chegar a Paris com tempo e dinheiro
para as buscas necessárias. Toca-me agora tão apenas narrar o que
ouvi e li acerca das reencarnações do Codificador admirável.
For exemplo, Zéfiro teria contado que, como Allan Kardec, o profes-
sor vivera ao tempo da invasão das Gálias por César. Era um sacerdote
druida do culto ao carvalho. Desse culto nasceu a óstia, que era feita
das bolotas da árvore e ministradas aos fiéis. Por esse tempo também
viveu Vercingetorix, o herói-maior da Gália, vencido por Júlio César
mas que, ao tempo mesmo do Professor Rivail, renasceu de um tronco
gaulês como Wellington, que deveria tirar desforra sobre o antigo
César, agora vestido de Napoleão Bonaparte.
Os Espíritos do carvalho eram façanhudos e se manifestavam quando
os fiéis se davam as mãos em torno do tronco da árvore. O vento,
em suas ramas, — coisa que muitas vezes aconteceu na Fazenda San-
ta Maria, perto de Sacramento, ao tempo de Eurípedes Barsanulfo, —
soprava as vozes dos espíritos, quase todos belicosos. Até que um dia
Zéfiro criou o culto pacífico do pinheiro, no qual as Entidades não
apenas pregavam o bem e a paz, mas acendiam também luzes ex-
tra-terrenas. Parece que, enciumado, o sacerdote do carvalho termi-
nou por prender a Zéfiro e a sacrificá-lo na pedra-sagrada, abrindo-
-lhe o ventre e fazendo prognósticos quanto ao futuro, apalpando-lhe
as vísceras ainda quentes.
O tempo passou e a roda-da-reencarnação se moveu inexorável. E, —
sempre presente o carvalho, — o antigo sacerdote nasceu entre os
bosques de carvalhos da Boêmia, no dia 6 de julho de 1369, em Hu-
sinetz, vivendo vida inquieta, — da qual vamos nos ocupar, — e ter-
minando por morrer queimado pela Santa Igreja Católica, amarrado
a um pau de carvalho, em uma fogueira onde ardia achas deste
mesmo vegetal. Esta história pode ser levada mais longe, pois o Pro-
fessor Rivail, ao desencarnar com o rompimento de um aneurisma,
ANUÁRIO ESPÍRITA 77
deixou-se cair exatamente sobre uma mesa de carvalho, com os pés
em forma de tortilhões — e que só Deus sabe onde foi parar.
Aqui, entretanto, é hora de fazer um intermezzo.
•
De todos os homens que viveram ao tempo de Kardec, o principal é
Léon Denis, que, embora tenha encontrado o Professor Rivail duas
ou três vezes — uma quando Kardec visitou sua cidade. Tours, onde
pronunciou uma conferência sobre a obsessão em um jardim de casa
particular, iluminado a lampeão, pois que a polícia de Napoleão III
não admitia aglomeramentos e fechou as portas do salão alugado
para a noite; e outra quando visitou o professor em Paris. Léon Denis
é, — pelo menos ao nosso ver, — o principal porque, senhor de um
estilo leve e muito comunicativo, ele levou ao povo a Doutrina Espí-
rita, formando ao lado de homens que, em certa época, floresceram
na França e se tornaram célebres pelo trabalho de levar ao povo as
ciências ou o conhecimento, — como, por exemplo, Babinet e mesmo
Flammarion. Neste sentido Denis é inimitável.
Pois muito bem: recentemente traduzimos o livro de Mademoiselle
Claire Baumard, que foi sua secretária e amiga fiel nos anos de sua
cegueira, isto é de 1918 até a sua morte. As revelações contidas em
Léon Denis Intime e outras do próprio Denis, contêm informações
imensamente curiosas. Até 1925, por exemplo, o Espírito de Allan
Kardec se comunicava nas sessões de Denis, em Tours, como se vai ler
no livro que entregamos à Edicel Editora.
Em Le Génie Celtique et le Monde Invisible, ainda não lançado em
português porque, na obra de Denis esse é um livro que interessa mais
particularmente aos celtas, aos franceses, etc, encontramos um gran-
de número de comunicações de Kardec, quase sempre presente às reu-
niões do grupo de Tours. E a prova de que era realmente o Professor
Rivail, pode ser tida por este episódio: Denis fora convidado para
ser o Presidente do Congresso Espírita Internacional de 1925, como
de resto o foi. Ora, em uma das sessões em Tours, logo após ter rece-
bido o convite, apresentando-se o Espírito de Kardec, Denis reclamou:
estava velho, cego, enfermo; a viagem a Paris era muito cansativa e,
78 ANUÁRIO ESPÍRITA
também, cansativo, seria o Congresso Espírita Internacional. Porque
não convidaram Camille Flammarion?
E lá veio a resposta de Kardec, rápida e seca: "Camille Flammarion
não estará lá." Denis encheu-se de espanto: Mas como? Flammarion
não participaria do Congresso?
E o Espírito de Kardec, sem dar mais explicações: "Camille Flammarion
não estará lá!" E sucedeu que, realizando-se o Congresso de 6 a 13 de
setembro de 1925, não pôde realmente ser assistido por Camille
Flammarion, que desencarnara, inesperadamente, no Observatório de
Juvissy, em julho.
Aí está uma prova provada. Entretanto não apenas Kardec compa-
recia às sessões de Tours. Também, e regularmente, o Espírito de Je-
rônimo de Praga que era o guia espiritual de Denis.
ANUÁRIO ESPÍRITA 79
Ora, Jerônimo de Praga fora o grande e o melhor dos amigos de
João Huss, o antigo Allan Kardec. Aqui temos dois personagens. Va-
mos achar um te'rceiro antes de continuar a exposição. Quem fora
Denis? Dizia e escrevia ele que fora um monge com muito de guerrei-
ro. E eu me atrevo a concluir que ele se referia a John Wycliffe. Os
três, isto é, João Huss, Jerônimo de Praga e John Wycliffe foram tal-
vez, os mais importantes personagens da Reforma.
80 ANUÁRIO ESPÍRITA
Examinemos esse relacionamento.
Jerônimo de Praga era conterrâneo de João Huss e se dirigira à In-
glaterra para completar seus estudos teológicos. Ali foi aluno de Wy-
cliffe o primeiro a denunciar os excessos, a cobiça e a vilania da
Igreja Romana. Wycliffe comovia suas audiências, malhando e
denunciando a opressão e a decomposição religiosa, conscientizando o
povo e proclamando a necessidade de uma reforma. Ele convencia e
exaltava os ânimos.
ANUÁRIO ESPÍRITA 81
trou Huss satisfeito com a Igreja, que explorava o povo ao ponto de
vender lugares à direita ou à esquerda do trono de Deus, variando
os preços conforme essa proximidade. Os dois amigos tiveram longas
conversas e Huss leu os escritos de Wycliffe. Grande pregador, em
breve Huss levantava o povo de seu país contra a Tirania de Roma.
Seria longo narrar os caminhos e descaminhos que levaram João Huss
a um Julgamento na cidade suíça de Constança. Sereno e tranquilo
enfrentou os seus julgadores. Jerônimo o acompanhara.
82 ANUÁRIO ESPÍRITA
um mártir cristão, com o nome de Jesus nos lábios. Suas cinzas foram
atiradas ao Rio Reno. Tudo fora, por parte de Roma, uma intriga
cavilosa e terrível.
ANUÁRIO ESPÍRITA 83
um excelente orador, em praça pública, denunciou os julgadores de
João Huss, louvou a sua virtude e vituperou impiedosamente os des-
mandos da Igreja Romana. Foi preso e levado a julgamento. Negou-se
a arredar de sua posição: centenas de pessoas assistiram às suas ar-
remetidas firmes e corajosas contra o Clero. Como João Huss, foi en-
carcerado e torturado. Tudo infrutífero. Sentindo que perdiam ter-
reno, seus julgadores condenaram-no à morte. Foi queimado em praça
pública e igualmente, suas cinzas foram atiradas no Rio Reno. Jerô-
84 ANUÁRIO ESPÍRITA
nimo de Praga e João Huss morreram em 1415. John Wycliffe já ha-
via desencarnado, em 1384. Mas, para completar o quadro dessas almas
afins, nesse mesmo ano de 1415 o Concilio de Constança ordenou
que os ossos de Wycliffe, que fora enterrado no adro da igreja de
Lutterworth, fossem exumados, levados à fogueira, reduzidos a cinzas
e, em seguida, atiradas estas às águas do rio Swift.
ANUÁRIO ESPÍRITA 85