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A MISSÃO DE KARDEC

Paris, 1860, manhã fria de abril. Kardec, encontrava-se exausto, acabrunhado. Embora consolidada a
Sociedade Espírita de Paris, faltavam recursos para a obra a executar, enquanto aumentavam as críticas e
sarcasmos – conta Hilário Silva, por intermédio de Francisco C. Xavier, em O Espírito da Verdade, editado
pela FEB.

Mergulhado em desalento, recebe das mãos de Madame Rivail, sua dedicada esposa, um embrulho que
recentemente chegara. Continha uma carta singela, em que o remetente, manifestando sua gratidão, contava
que, buscando o suicídio nas águas do Sena, em terrível crise de depressão, ao fixar a mão direita na amurada
da Ponte Marie, alta madrugada, tocou em algo que, curiosamente, descobriu tratar-se de um livro.

À luz mortiça de um poste, deparou-se com O Livro dos Espíritos, em cujo frontispício pode ler: “Esta obra
salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito. – A. Laurent”.

Ao finalizar, informava que acrescentara uma nota, autorizando o mestre a fazer o uso que lhe aprouvesse.

Kardec, então, desempacotou o exemplar da obra mandada, lendo logo no início a nota mencionada pelo
missivista: “Salvou-me também. Deus abençõe as almas que cooperaram com sua publicação. Joseph Perrier”.

Após a leitura, emocionado, sentiu-se banhado em nova luz. “Era preciso continuar, desculpar as injúrias,
abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas (...)”

Levantou-se da velha poltrona, abriu a janela e contemplou os passantes: homens, mulheres, velhos e crianças,
a representarem os necessitados que formam a Humanidade e que precisavam do seu esforço, de sua
abnegação.O notável obreiro respirou profundamente, voltou à sua mesa e antes de pegar a caneta para o
trabalho, “levou o lenço aos olhos e limpou uma lágrima (...)”

Todos os espíritas já ouviram falar de Kardec. Muitos leram e, até, se aprofundaram em sua obra, esse tesouro
que a Humanidade ainda não descobriu. Muitos o admiram intelectualmente e não são poucos os que,
atingidos pelas sombras da dor física ou do sofrimento psíquico, encontram no Espiritismo o lenitivo de que
necessitam.

Mas quantos, realmente, são gratos a esse Espírito notável?

Aproximemo-nos do ser humano Hippolyte Rivail e, ao avaliar o tempo e as condições em que operou,
certamente daremo-nos mais conta, ainda, de sua real estatura espiritual.

Vivendo na França de Napoleão III, numa época em que não havia luz elétrica (a lâmpada incandescente
surgiria com Edison, em 1879), nem telefone (descoberto só em 1876, por Bell), rádio (Marconi nasceria só
em 1874) ou telégrafo (só aperfeiçoado por Edison em 1869), e em que os únicos meios de transporte eram os
veículos baseados na tração animal e experimentava-se, timidamente, o trem movido a vapor, com a
preocupação de que sua “incrível” velocidade de cinqüenta quilômetros horários pudesse prejudicar a saúde;
num tempo em que o criacionismo e o fixismo eram tidos por verdades, pois que a teoria da evolução (Darwin
e Wallace), de 1859, só seria conhecida bem mais tarde, e em que a genética sequer era sonhada (os trabalhos
de Mendel, publicados em 1865, só foram percebidos a partir de 1900-02); num período em que o
mecanicismo imperava, soberano, e a Física apenas gatinhava (só em 1913 é que Niels Bohr publicou o seu
modelo quântico do átomo) e, finalmente, em que o domínio da Igreja, apesar da Reforma, de Rousseau e dos
movimentos liberalistas, apresentava-se forte e ostensivo, o gigante Rivail ousou enfrentar todas as
resistências e trabalhar pela renovação da civilização.

E lá estava o mestre, acompanhado pelo carinho de sua companheira – sua “doce Gabi” –, madrugadas
adentro, à luz de velas e tendo como instrumento uma pena primitiva, mergulhado numa incrível tarefa:
mostrar ao mundo a verdadeira natureza espiritual, interexistencial e multiexistencial do ser humano, o seu
processo de evolução, a realidade, enfim, da dimensão espiritual.
Sua genialidade, que transparece, já, na própria formulação das questões que compõem o monumental O
Livro dos Espíritos, é presente em cada parágrafo de sua obra, construída ao longo dos quatorze anos de
trabalho e renúncia.

Referência: 3ª Edição da Revista ABRAME.

Allan Kardec e sua missão

O Professor Rivail

Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, nasceu como Hippolyte Léon DenizardRivail, em Lyon, na
França, dia 03 de outubro de 1804. Recebeu desde o berço educação primorosa. Muitos de seus antepassados
distinguiram-se na advocacia e na magistratura por seu talento e elevada moral. Ele, no entanto, sentiu-se
atraído, desde a juventude, para a Ciência e a Filosofia. Fez os primeiros estudos em Lyon e em seguida
enriqueceu sua bagagem cultural em Yverdon, na Suíça, com o célebre educador Pestalozzi. No Instituto
Pestalozzi desenvolveu as idéias progressistas do Positivismo, que o colocariam mais tarde no rol dos mais
célebres livres pensadores que a Humanidade conheceu. Voltou à França bacharelado em Letras e Ciências.
Como lingüista notável, falava corretamente, além do francês, o alemão, o inglês, o italiano e o espanhol. À
Rue de Sèvres, 35, em Paris, fundou uma instituição de ensino, onde ministrava Química, Física, Astronomia
e Anatomia Comparada. Não cobrava daqueles que não podiam pagar, revelando, desde cedo, seu caráter
humanitário.

Publicou uma rica série de obras na área de educação, principalmente versando sobre matemática e gramática
francesa, numa demonstração de rara versatilidade, iniciando, aos 20 anos de idade, com a edição do Curso
Prático Teórico de Aritmética.Várias de suas respeitadas obras foram integradas ao currículo de estudos da
Universidade de França.

Em 1849, no Liceu Polimático, rege as cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física.

O Professor Rivail era um espírito cético, respeitado por toda a classe acadêmica pelo senso crítico e sua
imparcialidade, características marcantes de seu caráter firme e resoluto.Temperamento infenso à fantasia,
sem instinto poético nem romanesco, todo inclinado ao método, à ordem, à disciplina mental, praticava, na
palavra escrita e falada, a precisão, a nitidez, a simplicidade, dentro de um vernáculo perfeito, escoimado de
redundâncias.

CamilleFlammarion denominou-o: "O bom senso encarnado".

A Missão de Kardec

Após 50 anos de preparação acadêmica e moral, Hippolyte Léon DenizardRivail seria convocado pela
espiritualidade para codificar a Doutrina Espírita.

Em 1854, ouviu falar, pela primeira vez, em mesas girantes. Rivail, que estudara durante muitos anos o
magnetismo mesmeriano, acreditou tratar-se de um fenômeno magnético. "É com efeito muito singular, - diz
Rivail - mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma propriedade
da eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer com que eles se movam."

Logo mais tarde o magnetizador Fortier volta a falar com Rivail e lhe diz que as mesas não só se movem, mas
pensam, respondem perguntas. O cético Rivail diz a Fortier: "Só acreditarei quando o vir e quando me
provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode se tornar uma
sonâmbula."No início do ano de 1855 o Sr. Carlotti diz a Rivail que, no fenômeno das mesas, há influência
das almas dos mortos.
A primeiro de maio de 1855, Rivail presencia uma manifestação espiritual. Uma alma evocada pelo
magnetizador Carlotti se comunica através da médium Sra. Roger. A despeito de seu ceticismo, rendeu-se à
evidência da comunicabilidade dos espíritos, convencido pela característica inteligente das comunicações. Diz
Rivail que "a honradez da médium e a dignidade do magnetizador produziram em mim súbita
conversão à Escola Espiritualista. Eu tinha dado um avanço para a Verdade."

A oito de maio Rivail presencia o fenômeno das mesas girantes. "O mais notável acontecimento da minha
vida", declara ele.

Rivail passou a freqüentar as reuniões, no entanto não se sentia à vontade, pois enquanto muitos se
entretinham em questionar os Espíritos sobre as insignificâncias do mundo material, Kardec se remoía no
desejo de transformar aquela mesa numa cátedra. Ele via, ali, uma revelação transcendental, muito além de
mera manifestação mecânica.

Uma noite, manifestou-se Zéfiro, declarando-se seu Espírito Protetor. Contou-lhe que o conhecera em uma
existência anterior, no tempo dos Druidas, na Gália, quando Rivail se chamara Allan Kardec. Zéfiro revelou a
Rivail sua missão de Codificador da Doutrina Espírita, para a qual seria convocado pelo Espírito de Verdade.

Certa feita, perguntou a Zéfiro se lhe era possível evocar o Espírito Sócrates.

Para espanto dos presentes, a resposta foi positiva. "Você já o consulta amiúde mentalmente", diz Zéfiro.

Em seguida, recebem, através da "Tupia", a mensagem de Sócrates: "A verdadeira Filosofia dos
Espíritos adiantados só poderá ser revelada ao que for digno de receber A VERDADE."

Semanas mais tarde Kardec pergunta o que deve fazer para receber a missão, e obtém como resposta: "O bem,
e dispor-se a suportar corajosamente qualquer provação para defender a VERDADE, ainda que precise...
beber cicuta".

Kardec insiste em saber se está apto ao cometimento.

Resposta: "A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se não fizeres o que for necessário.
Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a
braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais
dedicados; terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua saúde, da
tua vida.",

Kardec responde, simplesmente: "Aceito tudo, sem restrição e sem idéia preconcebida. Está em tuas mãos a
minha vida. Dispõe do teu servo."

O Método

O Professor Rivail percebeu a futilidade das pessoas que participavam das reuniões, apenas interessadas em
divertir-se. Percebeu também que a presença da jovem Caroline Baudin influenciava na qualidade das
manifestações.Já percebera, então, que os Espíritos eram apenas as almas dos mortos, que não diferiam das
almas dos vivos. Alguns sérios, outros galhofeiros; uns sábios, outros ignorantes, e que, aos consulentes que
demonstravam apenas curiosidade, respondiam Espíritos pouco evoluídos, também interessados em divertir-
se.

"Fazia-se mister andar com a maior circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista,
para não me deixar iludir", diz Kardec.

Passou então a reunir-se em casa do Sr. Baudin, pois percebia que a serenidade do ambiente e das pessoas
facilitava a manifestação dos bons Espíritos.
"Tratava os espíritos como tratava os homens."

Allan Kardec utilizou o método racional-intuitivo na investigação e comprovação dos fatos mediúnicos,
bem como na Codificação da Doutrina Espírita. Atentemos para as suas palavras:

 “ (...) Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental;
 nunca elaborei teorias preconcebidas;
 observava cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências;
 dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não
admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão (...).
 Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender;
 percebi naqueles fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e
do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida.
 Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com
a maior circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar
iludir." (1)

O Processo

O Professor Rivail utilizou, para a composição do livro, especialmente as médiuns Caroline Baudin, 18
anos, Julie Baudin, 14 anos e Ruth Japhet, que auxiliou especialmente na revisão da obra.

Caroline Baudin pode contar-nos como tudo aconteceu:

"Quem compôs a obra foram os Guias, o Professor Rivail e o "Roc".

"Amarrava-se o "Roc" na "Tupia" (cesta de vime), Julie ou eu, com outras pessoas consulentes, encostávamos
alguns dedos no bordo da Corbelha. O resto era obra dos Espíritos.

"Roc" era o lápis de pedra com que os Espíritos riscavam diretamente as respostas numa ardósia comum.

"Zéfiro, nosso Espírito familiar riscava as respostas dos consulentes. A casa se enchia de curiosos, num
ambiente de alegria, sem formalismos.

"Certo dia, o Professor propôs que a sessão seria aberta à hora certa, iniciada comuma prece e teria
recolhimento respeitoso para merecer a presença de Espíritos adiantados.

"Dia primeiro de janeiro de 1856 teve início o novo método.

"Muitos consulentes que só vinham para perguntar tolices sobre casos domésticos não voltaram mais.
Ficaram, porém, alguns mais dispostos a aprender.

"Algumas vezes o Professor Rivail recusou lições. Ele discutia com os espíritos como se fossem homens.
Não aceitava o que não estivesse conforme a razão.

"Nas sugestões mais sérias, quando surgia um impasse, evocava o Espírito VERDADE, que muita vez
deu razão ao Sr. Rivail."

Revisão

Colaborou decisivamente na elaboração da obra a médium Srta. Ruth Japhet. Kardec se reunia com a família
Japhet freqüentemente, para revisar as respostas dadas pelos Espíritos. Todas as perguntas e respostas eram
lidas, revistas e corrigidas, se necessário.

A conselho dos próprios Espíritos, outros médiuns, mais de 10, foram utilizados para confirmação das
orientações espirituais.
Era indispensável que nada ficasse incorreto, obscuro, duvidoso.

O Mestre Lionês tinha plena consciência do alcance moral da nova doutrina e de sua missão.

"Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui", afirma.

18 de abril - Lançamento da 1ª Obra

Manhã de primavera na Europa. Bem cedo chega à Livraria Dentu, no BoulevarddesItalien, em Paris, uma
carruagem trazendo os 1.200 exemplares da primeira edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, para a
divulgação da VERDADE revelada pelos Espíritos.

O LIVRO já era esperado. Muitas edições de obras sobre mesas girantes, mesas falantes, mesas que dançam
vinham sendo editadas. O público já não se interessava mais por essa literatura. O Livro dos Espíritos, no
entanto, já era conhecido da Sra. MélanieDentu e do gerente Clément, que sabiam tratar-se de obra edificante
e serena.

À tarde, quando Allan Kardec chegou à Livraria, foi recebido efusivamente. Mais de 50 exemplares já haviam
sido vendidos, além dos volumes doados como propaganda.

À noite, o Prof. Rivail e sua esposa Gabi recebem, em seu modesto apartamento, à RuedesMartyre, 8, as
pessoas envolvidas na edição do LIVRO.

Émile Charles Baudin estranha a mudança do nome do livro, que se intitularia "Religião dos Espíritos".
Kardec explica que esse nome provavelmente seria vetado pela censura. Além do mais, O LIVRO DOS
ESPÍRITOS é apenas a primeira página da Religião dos Espíritos. Por outro lado o nome Livro do Espíritos
tem significado mais abrangente. As pessoas pensarão que se trata do LIVRO de autoria DOS ESPÍRITOS, o
que é uma verdade, porém o verdadeiro significado é O LIVRO que trata DOS ESPÍRITOS.

Caroline Baudin, jovem médium de 18 anos de idade, conta à jovem visitante ErmanceDufaux, também
médium, como se realizaram as comunicações que resultaram na edição da obra.

O Prof. Rivail fala aos presentes sobre cada passo das revelações, e de como se envolveu com a missão.

Os companheiros presentes também se manifestam sobre suas participações nos acontecimentos que
propiciaram o aparecimento da obra.

Muita emoção envolve a todos, conscientes da verdadeira missão assumida pelo Prof. Rivail, bem como da
extraordinária importância da obra que acabava de vir a lume.

Rivail faz uma comovida prece, que emociona.

ErmanceDufaux recebe extensa e profunda mensagem de S. Luís, que diz, para motivar os presentes, entre
outras coisas:

"Sabemos que nos cumpre vencer o principal inimigo da VERDADE: o Materialismo. À luta, pois! Cada um
de nós em seu setor, combatamos todos, sem hesitação, o Rancor oposicionista. Batalhemos todos, sem temor,
contra a Rotina retardatária. Guerreemos todos, sem arrefecimento, a Perseguição. Mas, na luta, empreguemos
somente as armas nobres dos Cavaleiros da VERDADE: A Humildade, a Prudência, a Tolerância, a
Persistência. Sim, essas as nossas armas.

Na batalha da Luz contra a Treva outras não são permitidas que as do Evangelho."

Quase meia-noite, Rivail, antes de recolher-se ao leito, escreve, em seu caderno de memórias:
"Mais de cem exemplares de O LIVRO DOS ESPÍRITOS já se foram neste primeiro dia, doados ou vendidos.
Cada volume será um grão de vida nova lançado ao coração de um homem velho. Se algumas sementes
caírem em corações maduros haverá, por certo, gloriosas ressurreições. Mil e duzentas sementes da
VERDADE serão lançadas no terreno da opinião. Se uma só frondejar, nosso esforço não terá sido em vão."

E, de castiçal em punho, rumou para o leito, na ponta dos pés, para não despertar Gabi.

O Livro

O LIVRO DOS ESPÍRITOS constitui-se no mais excelente repositório de ensinamentos sobre a existência e a
natureza dos Espíritos e suas relações com o mundo corpóreo.

Organizado metodicamente por Allan Kardec, que marcou a obra com o sinete de sua profunda capacidade
pedagógica, apresenta um insofismável desenvolvimento didático.

Allan Kardec questionou muitos Espíritos manifestantes desencarnados e recebeu milhares de informações de
outros centros espíritas, das mais diversas partes do mundo. Analisou-as, ponderou, selecionou, classificou e
abandonou muitas delas por suas características duvidosas. Aproveitou apenas o que era lógico e racional,
com bom senso e espírito crítico.

Composto de perguntas e respostas, num encadeamento de idéias perfeito, O LIVRO DOS ESPÍRITOS foi
organizado, em sua primeira edição (18.04.1857), com 501 perguntas e respostas, em 913 itens. Em
18.03.1860 foi publicada a segunda edição, revista e ampliada, com 1019 perguntas e respostas, em 1193
itens.

Divide-se O LIVRO DOS ESPÍRITOS em quatro partes que mais tarde, desenvolvidas originaram as outras
quatro Obras da Codificação:

 Primeira parte - Das causas primárias


Deus, O Universo, A Criação.
 Segunda parte - Do mundo dos Espíritos
Origem e Natureza dos Espíritos
Encarnação e Desencarnação
Pluralidade das Existências
Emancipação da Alma
Influências dos Espíritos Sobre os Encarnados.
 Terceira parte - Das Leis Morais
Da Lei Divina ou Natural
Das Leis de Adoração, Trabalho, Reprodução, Conservação, Destruição, Sociedade, Progresso,
Igualdade, Liberdade, Justiça, Amor e Caridade.
Da Perfeição Moral
 Quarta parte - Das Esperanças e Consolações
Das Penas e Gozos Terrenos
Das Penas e Gozos Futuros (Paraíso, Inferno, Purgatório).

Em O LIVRO DOS ESPÍRITOS estão contidos os princípios fundamentais da Doutrina Espírita, em seus três
aspectos: Científico, Filosófico e Religioso, tais como transmitidos pelos próprios Espíritos, verdadeiros
autores, pelo que não se considera a obra de um homem, Allan Kardec, mas da espiritualidade, cabendo ao
Codificador a incumbência de classificar, selecionar e organizar os itens em uma seqüência lógica.

É um livro que abre novas perspectivas ao homem, pelas interpretações que dá da vida, sob o prisma das Leis
Divinas, eternas e imutáveis; pela revelação clara e objetiva das vidas sucessivas, num processo contínuo de
crescimento, na busca do aperfeiçoamento, através do aprendizado constante e contínuo, pelo trabalho, pelas
provas e pelas expiações.
Seus ensinamentos conduzem o homem à redescoberta de si mesmo, fornecendo-lhe recursos para que
compreenda, sem mistérios, quem é, de onde veio e para onde vai.

A Codificação

O conhecimento do Espiritismo deve partir das cinco obras básicas, codificadas por Allan Kardec, cuja
publicação se deu na seguinte ordem:

 O LIVRO DOS ESPÍRITOS, 1857


 O LIVRO DOS MÉDIUNS ou Guia dos Médiuns e dos Evocadores, 1861
 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, 1864
 O CÉU E O INFERNO ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo, 1865
 A GÊNESE, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, 1868

O LIVRO DOS ESPÍRITOS resume toda a Doutrina, enquanto os demais se dedicam a assuntos
especializados, oriundos da necessidade de desdobramento de cada uma das partes de O Livro dos
Espíritos.

O LIVRO DOS MÉDIUNS tem sua fonte na segunda parte de O Livro dos Espíritos. Trata da parte
experimental da doutrina. Trata do gênero de todas as manifestações, da educação da mediunidade e das
dificuldades e tropeços que ocorrem na prática do Espiritismo.

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO é decorrência da terceira parte de O Livro dos Espíritos. Seu
conteúdo sintetiza as explicações das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas
aplicações às diversas circunstâncias da vida.

O CÉU E O INFERNO contém o exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal para a
vida espiritual; as penas e recompensas futuras; os anjos e os demônios; as penas eternas, etc., seguido de
numerosos exemplos sobre a situação real da alma, durante e após a morte. Decorre da quarta parte de O Livro
dos Espíritos, e coloca ao nosso alcance o mecanismo da Justiça Divina, em consonância com o princípio
evangélico: "A cada um segundo as suas obras."

A GÊNESE, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo trata dos problemas genésicos e da evolução
física da Terra. Abrange as questões da formação e desenvolvimento do globo terreno e as referentes a
passagens evangélicas e escriturísticas. Explica, à luz da razão, os milagres do Evangelho.

Kardec ainda publicou a Obra O QUE É O ESPIRITISMO em 1869, devido a uma dificuldade inicial no
entendimento de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, pois muitos desejavam saber, pelo menos, do que se trata e se
valeria a pena ocupar-se com esta Nova Doutrina. Assim, O QUE É O ESPIRITISMO abrange resumidamente
as respostas a algumas das principais perguntas dirigidas ao Mestre Lionês na época, sendo para o leitor uma
primeira iniciação.
A missão de Kardec na terra 13/08/2007
Francisco Aranda Gabilan

Na história da civilização do nosso Planeta, há criaturas que nasceram em épocas imemoriais e que trouxeram
largas luzes para a humanidade. Exemplos marcantes existem em profusão: os filósofos e pensadores gregos,
tais como Tales de Mileto, Demócrito, Protágoras, Xenofonte, Aristóteles, Sócrates; vultos espiritualizados,
como Buda, Confúcio, Fo Hi, Zoroastro, Krishna, Isaías, Jeremias; cientistas, como Galileu Galilei, Kepler,
Copérnico, Isaac Newton.

Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que, dada a impossibilidade de eles terem obtido tais e tantos
conhecimentos em encarnações anteriores aqui no nosso planeta dado o grau de atraso ou de embrionário
desenvolvimento das épocas em que nasceram e viveram , somente podem ser qualificados como
missionários. Ou seja: vieram de outras esferas, trazendo consigo todo o conhecimento angariado em
milenares encarnações em mundos mais adiantados, aqui reencarnando exatamente com a missão de auxiliar
no desenvolvimento da humanidade terráquea, como num impulso adicional para provocar uma mais rápida
evolução.

Isso já houvera ocorrido com civilizações inteiras que foram beneficiadas com a vinda de seres de outros
sistemas estelares, como dá conta o livro A Gênese, no capítulo XI, itens 35 e seguintes, explicitando o modo
como se deram imigrações de verdadeiras colônias de Espíritos de outras esferas mais adiantadas, dando
origem à raça adâmica aqui no planeta, que, ao depois, Emmanuel esclareceu (A Caminho da Luz) que se
tratavam de Espíritos vindos de orbes purificados física e moralmente do sistema de Capela, estrela lá da
longínqua Constelação do Cocheiro, (veja-se a analogia constante do Livro dos Espíritos, questão 786, em
belíssima figura de metáfora).

Fatos como esse é o que conceituamos como “socorro do alto”, ou seja: quando a humanidade não se
desenvolve convenientemente por seus próprios meios, a Lei Natural ou Divina imediatamente providencia os
recursos necessários para suprir a deficiência e impulsionar a evolução mais rápida e eficazmente. Confira-se
no Livro dos Espíritos, questão 783.

Pois, então! Partindo do fato histórico libertário da revolução francesa, desde o início do século XIX, a
espiritualidade encarregada da evolução do nosso planeta e da sua humanidade verificou o verdadeiro
marasmo em que se encontravam as coisas por aqui e houve uma decisão literalmente revolucionária:
reencarnariam como que de uma vez só, ao largo do século, Espíritos evoluídos, luminares em suas
respectivas atividades. Em todos os ramos da Ciência surgiram iluminados que fincaram as bases do
conhecimento moderno: na Biologia, na Química, na Matemática, na Física, na Arquitetura e na Engenharia,
na Astronomia, na Medicina, tais como Mendel, Laplace, Pascal, d’Alembert, Maxwell, Ampère, Foucault,
Coulomb, Doppler, Edison, Franklin, Faraday, Galvani, James Watt, Lamarck, Darwin, Flammarion, e tantos
outros. Igualmente nas Artes: na música, na prosa, na poesia, na pintura, como Toulouse Lautrec, Renoir,
Vincent Van Gogh, Frederic Chopin, George Sand, Monet, Flaubert, Victor Hugo, Baudelaire, Rimbaud,
Verlaine, Guy de Maupassant, ProsperMerimée, Leon Tolstoi... e assim por diante!
Era o século das luzes, em oposição às trevas e dos grilhões da ignorância que se estabeleceram com a
Inquisição, desde cerca do ano 1400. E a França era o centro da libertação cultural, da renovação do
conhecimento e da cultura universal. Os que lá não eram nascidos, para lá foram desenvolver suas habilidades
e seus misteres. De lá irradiavam para o mundo todo esse manancial de novos conhecimentos da civilização
terrena. Era um novo socorro do Alto!

É nesse palco de grandes transformações, mas que poderia sucumbir diante do despotismo a que se lançara
Napoleão -- que, por seu turno falhara como missionário da reorganização do povo francês e do
estabelecimento de uma paz mundial ,que o mundo espiritual se preparou para fazer com que o a Terra
recepcionasse o Consolador que fora prometido por Jesus. “Apelos ardentes são dirigidos ao Divino Mestre,
pelos gênios tutelares dos povos terrestres. Assembléias numerosas se reúnem e confraternizam nos espaços,
nas esferas mais próximas da Terra. Um dos mais lúcidos discípulos do Cristo baixa ao planeta, compenetrado
de sua missão consoladora, e, dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se imperador, obrigando o papa
Pio VII a coroá-lo na igreja de NotreDame, em Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804, com a
sagrada missão de abrir caminho ao Espiritismo, a grande voz do Consolador prometido ao mundo pela
misericórdia de Jesus-Cristo.” (Emmanuel, A Caminho da Luz, cap. XXII).

Allan Kardec -- cognome assumido pelo Prof. Hyppolite Léon DenizardRivail, um dos mais aplicados
discípulos de Pestalozzi fora o espírito talhado para essa tarefa: antigo druida que vivera na Gália com esse
nome, ao tempo de Júlio César; e, segundo os historiadores, fora em outra encarnação João Huss, um
reformador religioso que viveu por volta de 1400, com fervoroso opositor aos dogmas da igreja reinante.

“O Espiritismo vinha, desse modo, na hora psicológica das grandes transformações, alentando o espírito
humano para que se não perdesse o fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no esforço penoso da
civilização. Com as provas da sobrevivência, vinha reabilitar o Cristianismo que a Igreja deturpara, semeando
de novo, os eternos ensinamentos do Cristo no coração dos homens.Com as verdades da reencarnação, veio
explicar o absurdo das teorias igualitárias absolutas, cooperando na restauração do verdadeiro caminho do
progresso humano (...) para concluir que a única renovação apreciável é a do homem íntimo” (...) ao ensinar
“a fraternidade legítima dos homens e das pátrias, das famílias e dos grupos” (...) de sorte que “só o
Espiritismo pode representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à edificação do porvir”.(idem)

No resumo do Espírito Manoel P. de Miranda, recepcionado pela mediunidade de Divaldo P. Franco (Loucura
e Obsessão, cap. 17), foi o codificador “o missionário escolhido para trazer o Consolador, unir a Ciência à
Religião, colocar a ponte entre a Razão e a Fé, legando à Humanidade essa Obra ímpar, que é o Espiritismo.”

Eis, assim, a difícil, mas meritória, missão de Kardec na Terra: instrumento do Alto para fazer evoluir o Ser
Imortal, mediante o esclarecimento de onde veio, porque existe e para onde vai, aperfeiçoando-se moral e
intelectualmente rumo à inevitável perfeição!

Francisco Aranda Gabilan

Publicado na Revista Espiritismo & Ciência

MÉTODO DE KARDEC

Kardec nasceu no início do século XIX,numa fase de aceleramento do processo cultural em nosso mundo.
Formou-se na cultura do século, sob a orientação de Pestalozzi, o mestre por excelência. Especializou-se em
Pedagogia, que podemos chamar de Ciência da Cultura, e até aos cinqüenta anos de idade exerceu intensas
atividades pedagógicas, tornando-se o sucessor de Pestalozzi na Europa. Não se fez padre nem pastor, mas
cientista e filósofo, na despretensão e na humildade de quem não procurava elevadas posições, mas aprimorar
os seus conhecimentos. Adquiriu no estudo, nas atividades teóricas e na prática, o mais amplo conhecimento
dos problemas culturais do seu tempo.

Vivendo em Paris, considerada então como o cérebro do mundo, impôs-se ao consenso geral como homem de
elevada cultura, um intelectual por excelência. Colocado num momento crucial da evolução terrena, viu e
viveu o drama cultural da época. E só aos 50 anos de idade, maduro e culto, deparou com o problema nodal do
tempo e procurou solucioná-lo em termos culturais. Esse problema se resumia no seguinte: a cultura clássica,
religiosa e filosófica, desabava ao impacto do desenvolvimento das Ciências, sem a menor capacidade para
enfrentar o realismo científico e salvar os seus próprios valores fundamentais.

Formado na tradição cultural do Século XVIII, herdeiro de Francis Bacon, René Descartes e Rousseau,
compreendeu claramente que o problema do seu tempo repousava na questão do método. Os fenômenos
espíritas se verificavam com intensidade, como uma espécie de reação natural aos excessos do empirismo, no
bom sentido do termo, que era a aplicação do método experimental a todo o Conhecimento. A tradição
espiritual rejeitava esses excessos mas não dispunha de armas para combatê-los. Kardec resolveu aplicar o
método experimental ao estudo dos fenômenos espíritas.

Logo aos primeiros resultados verificou que o nó do problema estava no seguinte: o método experimental se
aplicava apenas à matéria, excluindo-se o espírito que era considerado como imaterial e portanto inverificável.

Mas se havia fenômenos espíritas eraevidente que o espírito, manifestando-se na matéria, tornava-se
acessível à pesquisa. Tudo dependia, pois, do método. Era necessário descobrir um método de investigação
experimental dos fenômenos espíritas. Era claro que esse método não podia ser o mesmo aplicado à pesquisa
dos fenômenos materiais, considerados como os únicos naturais. Mas porque os únicos? Porque as
manifestações do espírito eram consideradas como sobrenaturais, regidas por leis divinas.

Já Descartes, no Século XVII, lutando contra o dogmatismo escolástico, mostrara a unidade de alma e corpo
na manifestação do ser humano e advertira contra o perigo de confusão entre esses dois elementos
constitutivos do homem. Kardec se sentia bem esteiado na tradição metodológica e conseguiu provar que os
fenômenos espíritas eram tão naturais como os fenômenos materiais. Ambos estavam na Natureza, espírito e
matéria correspondiam a força e matéria, os dois elementos fundamentais de tudo quanto existe.

Daí sua conclusão, até hoje inabalada, e confirmada na época pelas manifestações dos próprios Espíritos que
o assistiam: a Ciência do Espírito correspondia às exigências da época. Mas era necessário desenvolvê-la
segundo a orientação metodológica da Ciência da Matéria, pois essa orientação provara a sua eficiência. A
questão era simples: na investigação dos problemas espirituais o método dedutivo teria de ser substituído pelo
método indutivo. Mas essa questão se tornava complexa porque a tradição espiritualista, cristalizada nos
dogmas das igrejas, repelia como herética e profanadora a aplicação da pesquisa científica aos problemas
espirituais.

Kardec enfrentou a questão com extraordinária coragem. Enfrentou sozinho, sem o apoio de nenhum poder
terreno, todo o poderio religioso da época. Teve então de colocar-se entre os fogos cruzados da Religião, da
Filosofia e da Ciência. Os teólogos o atacavam na defesa de seus dogmas, a Filosofia o considerava um
intruso e a Ciência o condenava como um reativador de superstições que ela já havia praticamente destruído.
A vitória de Kardec definiu-se bem cedo. A Ciência Psíquica Inglesa, a Parapsicologia Alemã e a
Metapsíquica Francesa nasceram da sua coragem e das suas pesquisas. Mais de cem anos depois, Rhine e Mac
Dougal fundariam nos Estados Unidos a Parapsicologia moderna, seguindo a mesma orientação metodológica
de Kardec. E a sua vitória se confirmou plenamente em nossos dias, quando as pesquisas parapsicológicas
endossaram as conclusões de Kardec e logo mais a própria Física e a Biologia fizeram o mesmo. A palavra
paranormal,criadapor Frederic Myers e hoje adotada na Parapsicologia, substituiu em definitivo, no campo
científico, a classificação errônea de sobrenatural dada aos fenômenos espirituais.

O espírito como objeto

Kardec transformou o espírito, entidade metafísica, em objeto específico da pesquisa científica. Nem mesmo
a reação kantiana, nos séculos XVIII e XIX, com a crítica da razão, estabelecendo os supostos limites do
conhecimento em termos do Empirismo inglês, impediu essa transformação. Na própria Alemanha o Prof.
Frederico Zollner, da Universidade de Leipzig, submeteu o espírito à investigação kardeciana e Schrenck Von
Notzing, em Berlim, instalou o primeiro laboratório de pesquisa espírita do mundo. Hoje os cientistas
soviéticos, na maior fortaleza ideológica do materialismo no mundo, provaram sem querer a existência do
espírito e de seu corpo espiritual, a que passaram a chamar de corpo bioplasmático. As pesquisas realizadas
com o fenômeno da morte mostrou-lhes que o corpo material é vitalizado por ele e por ele mantido em função.
A última novidade da Biologia soviética é essa descoberta que atenta contra o materialismo de Estado.

O espírito convertido em objeto de investigações físicas e biológicas é hoje a prova inegável da vitória de
Kardec. Mas Kardec avançou além dessa posição atual. Ele não se limitou a pesquisar o espírito como objeto
acessível à percepção sensorial. Da mesma maneira por que o pensamento, na Lógica, é um objeto não-físico -
e hoje na Parapsicologia um objeto extrafísico - Kardec submeteu o espírito a pesquisas psicológicas e provou
a sua realidade energética, a sua natureza dupla, de energia espiritual pura manifestada no corpo espiritual, de
natureza semimaterial. Os instrumentos de que se serviu para essa audaciosa pesquisa constituem hoje os
campos de força da percepção extra-sensorial, cuja realidade palpável foi demonstrada pelas experiências de
laboratório dos mais eminentes parapsicólogos. A aparelhagem mediúnica das pesquisas de Kardec,
ridicularizadas pelos sabichões do tempo, como Richet os classificou, é hoje cientificamente reconhecida,
tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, na Alemanha quanto na URSS.

Kardec desenvolveu o seu método de pesquisa tendo por base o processo de comunicação. Hoje estamos na
época da comunicação e essa palavra adquiriu um valor científico de importância básica. Mas a palavra
comunicação já era, no tempo de Kardec, uma categoria da Filosofia Espírita e designava um elemento
fundamental da pesquisa espírita. A comunicação mediúnica abriu para o homem uma nova dimensão na sua
concepção do mundo e da vida. E Kardec dedicou-lhe todo um tratado, com O Livro dos Médiuns,
estabelecendo as regras metodológicas da comunicação entre os vivos da Terra e os supostos mortos do
Além.Nenhum tratado atual de Parapsicologia conseguiu superar o que Kardec descobriu e expôs nesse
volume.

Com essa descoberta Kardec revolucionou o campo central das estruturas religiosas. O problema da
Revelação, que representava uma fortaleza aparentemente inexpugnável da Religião, o seu mistério essencial
e fundamental, foi cruamente esclarecido. E a posição metodológica de Kardec enriqueceu-se com a
possibilidade de investigar as próprias bases da Religião. Mostrando que a fonte da Revelação é a
comunicação mediúnica, Kardec pôde estabelecer a relação entre Ciência e Religião de maneira definitiva.
Existe, explicou ele, a Revelação Espiritual, que consiste no ensino de leis do mundo espiritual através da
comunicação mediúnica, e existe a Revelação Científica, que consiste na explicação de leis do mundo material
através da comunicação científica, feita pelos pesquisadores. A Ciência Espírita utilizou-se dessas duas formas
de revelação e estabeleceu a conjugação de ambas para o controle do conhecimento da realidade, que é o
objetivo direto da Ciência.

Foi assim que Kardec, adotando uma orientação metodológica segura e nunca dela se afastando, conseguiu,
finalmente, desdobrar a moderna concepção do mundo, revelando a face oculta da própria Terra em que
vivemos e aniquilando o último reduto do maravilhoso ou sobrenatural. Graças a ele, ao seu trabalho
gigantesco e ao sacrifício total da sua existência, os cientistas atuais poderão prosseguir no desenvolvimento
das Ciências, sem tropeçar nas barreiras supersticiosas, mitológicas, mágicas e teológicas do passado. Kardec
completou a Ciência com a sua contribuição espantosa. Fez, praticamente sozinho, no campo do espírito, e em
apenas quinze anos de trabalho, o que milhares de equipes de cientistas, no campo da matéria, realizaram
através de pelo menos três séculos.

E a precisão do seu método se confirma nas conclusões inabaladas e inabaláveis a que chegou sozinho,
muitas vezes criticado pelos seus próprios companheiros, que o acusavam de personalismo centralizador.
Faltava aos próprios companheiros o espírito científico que o sustentou na batalha sem tréguas. Os que hoje
desejam confundir as coisas, ignorando o problema metodológico em Kardec, aceitando mistificações
grosseiras de espíritos pseudo-sábios, servem apenas para provar, ainda em nossos dias, como e quanto
Kardec avançou no futuro, superando de muito o seu tempo e o nosso tempo.
Só a ignorância orgulhosa ou a inteligência vaidosa e interesseira podem hoje querer superar Kardec, quando a
própria Ciência e a própria Filosofia atuais estão ainda rastreando as conquistas de Kardec, nos rumos de
futuras descobertas. O Espiritismo evolui, como tudo evolui no Universo. Esse é um axioma espírita. Mas a
obra de superação de Kardec pertence às gerações do amanhã, pois a geração atual não revelou ainda
condições sequer para compreender Kardec. Por outro lado, é bom lembrar que a superação de Kardec não
será mais do que o prosseguimento do seu trabalho, o desdobramento da sua obra, na medida em que o
homem se torne mais apto a compreender o que Kardec ensinou. O atraso atual do movimento espírita nos
sugere, mesmo, que talvez o próprio Kardec tenha de voltar à Terra, como os Espíritos lhe disseram na
ocasião em que esteve entre nós, para completar a sua obra, que homem nenhum foi capaz até o momento de
ampliar em qualquer sentido.

Os leitores que desejarem verificar as comprovações parapsicológicas atuais das pesquisas de Kardec poderão
fazê-lo em duas fontes: a nossa tradução anotada de O Livro dos Médiuns e o nosso livro Parapsicologia
Hoje e Amanhã,em sua quarta edição. Neste último encontrarão um capitulo especial sobre a descoberta do
corpo bioplasmático pelos físicos e biólogos soviéticos.

Fotografias da aura das coisas e dos seres têm sido apresentadas como fotografias da alma e justamente
rejeitadas pelas pessoas de bom senso. Essas fotos pertencem à fase da efluviografia nas experiências com as
câmaras Kyrillian. As fotografias do corpo bioplasmático são as que realmente correspondem à alma.

O Método Científico.

Em 1854 Allan Kardek se deparou uma família de pessoas com capacidade de entrar em contato com espíritos
– que na época pensavam ser uma brincadeira. Seriamente Allan Kardec tratou o assunto com máxima
cautela, pesquisou, observou, repetiu e posteriormente comprovou com método científico que o fenômeno
natural observado se tratava de uma comunicação com espíritos. Pois repetiu o feito (comunicação com um
espírito) repetidas vezes e através de pessoas capazes diferentes e ainda em locais diferentes.

Sua confiança era a mesma de Galileu justamente pelo emprego do método científico na observação, repetição
e comprovação da existência da comunicação com espíritos e de toda uma Doutrina se criava naquele
momento de tal descoberta. A cada nova investigação, a cada entrevista e observaçao comprovava mais e mais
a certeza absoluta do fato pelas suas experiências. E não foi uma semana ou alguns meses de pesquisa. Foi
toda sua vida dedicada a observação e codificação em livros desse fato da natureza.

Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei um dia o magnetizador, Senhor
Fortier, a quem eu conhecia desde muito tempo e que me disse: Já sabe da singular propriedade que se acaba
de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas
também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade. — “É, com efeito, muito singular,
respondi; mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de
eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam.”

Os relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marselha e em algumas outras
cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade do fenômeno. Algum tempo depois, encontrei-me
novamente com o Sr. Fortier, que me disse: Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue
que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde. — Isto agora,
repliquei-lhe, é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro
para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais
do que um conto para fazer-nos dormir em pé.
Era lógico este raciocínio: eu concebia o movimento por efeito de uma força mecânica, mas, ignorando a
causa e a lei do fenômeno, afigurava-se-me absurdo atribuir-se inteligência a uma coisa puramente material.
Achava-me na posição dos incrédulos atuais, que negam porque apenas vêem um fato que não compreendem.
Há 50 anos, se a alguém dissessem, pura e simplesmente, que se podia transmitir um despacho telegráfico a
500 léguas e receber a resposta dentro de uma hora, esse alguém se riria e não teriam faltado excelentes razões
científicas para provar que semelhante coisa era materialmente impossível. Hoje, quando já se conhece a lei
da eletricidade, isso a ninguém espanta, nem sequer ao camponês. O mesmo se dá com todos os fenômenos
espíritas. Para quem quer que não conheça a lei que os rege, eles parecem sobrenaturais, maravilhosos e, por
conseguinte, impossíveis e ridículos. Uma vez conhecida a lei, desaparece a maravilha, o fato deixa de ter o
que repugne à razão, porque se prende à possibilidade de ele produzir-se.
Eu estava, pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da Natureza e que a minha
razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e
dignas de fé, confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade do efeito puramente material; a idéia,
porém, de uma mesa falante ainda não me entrara na mente.
No ano seguinte, estávamos em começo de 1855, encontrei-me com o Sr. Carlotti, amigo de 25 anos, que me
falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que consagrava a todas as idéias
novas. Ele era corso, de temperamento ardoroso e enérgico e eu sempre lhe apreciara as qualidades que
distinguem uma grande e bela alma, porém desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro que me falou na
intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer,
aumentou-me as dúvidas. Um dia, o senhor será dos nossos, concluiu. Não direi que não, respondi-lhe;
veremos isso mais tarde.
Passado algum tempo, pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr.
Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles fenômenos me
falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era
funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada,
isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências
que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, aceitei imediatamente. A reunião
foi marcada para terça-feira1 de maio às oito horas da noite.
Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em
condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito
imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam longe de
precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes
futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de
uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.
Bem depressa, ocasião se me ofereceu de observar mais atentamente os fatos, como ainda o não fizera. Numa
das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que residia então à
ruaRochechouart. O Sr. Baudin me convidou para assistir às sessões hebdomadárias que se realizavam em sua
casa e às quais me tornei desde logo muito assíduo.
Eram bastante numerosas essas reuniões; além dos freqüentadores habituais, admitiam-se todos os que
solicitavam permissão para assistir a elas. Os médiuns eram as duas senhoritas Baudin, que escreviam numa
ardósia com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta e que se encontra descrita em O Livro dos Médiuns.
Esse processo, que exige o concurso de duas pessoas, exclui toda possibilidade de intromissão das idéias do
médium. Aí, tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes,
até, a perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.
Eram geralmente frívolos os assuntos tratados. Os assistentes se ocupavam, principalmente, de coisas
respeitantes à vida material, ao futuro, numa palavra, de coisas que nada tinham de realmente sério; a
curiosidade e o divertimento eram os móveis capitais de todos. Dava o nome de Zéfiro o Espírito que
costumava manifestar-se, nome perfeitamente acorde com o seu caráter e com o da reunião. Entretanto, era
muito bom e se dissera protetor da família. Se com freqüência fazia rir, também sabia, quando preciso, dar
ponderados conselhos e manejar, se ensejo se apresentava, o epigrama, espirituoso e mordaz.
Relacionamo-nos de pronto e ele me ofereceu constantes provas de grande simpatia. Não era um Espírito
muito adiantado, porém, mais tarde, assistido por Espíritos superiores, me auxiliou nos meus trabalhos.
Depois, disse que tinha de reencarnar e dele não mais ouvi falar.
Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos, ainda, por meio de revelações,
do que de observações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca
elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava,
deduzia conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico
dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão.
Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes
de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos,
a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu
procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas idéias e nas crenças; fazia-se mister,
portanto, andar com a maior circunspeção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me
deixar iludir.
Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que
as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que
dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o
valor de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de
crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora
dito por um ou alguns deles.
O simples fato da comunicação com os Espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a existência do
mundo invisível ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo aberto às nossas explorações, a chave
de inúmeros fenômenos até então inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era que aquela
comunicação permitia se conhecessem o estado desse mundo, seus costumes, se assim nos podemos exprimir.
Vi logo que cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de seus conhecimentos, me desvendava uma
face daquele mundo, do mesmo modo que se chega a conhecer o estado de um país, interrogando habitantes
seus de todas as classes, não podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Compete ao observador
formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e
comparados uns com outros. Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com homens. Para mim,
eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados.
Tais as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre. Observar, comparar e julgar,
essa a regra que constantemente segui. Até ali, as sessões em casa do Sr. Baudin nenhum fim
determinado tinham tido. Tentei lá obter a resolução dos problemas que me interessavam, do ponto de vista da
Filosofia, da Psicologia e da natureza do mundo invisível. Levava para cada sessão uma série de questões
preparadas e metodicamente dispostas. Eram sempre respondidas com precisão, profundeza e lógica. A partir
de então, as sessões assumiram caráter muito diverso. Entre os assistentes contavam-se pessoas sérias, que
tomaram por elas vivo interesse e, se me acontecia faltar, ficavam sem saberem o que fazer. As perguntas
fúteis haviam perdido, para a maioria, todo atrativo. Eu, a princípio, cuidara apenas de instruir-me; mais tarde,
quando vi que aquilo constituía um todo e ganhava as proporções de uma doutrina, tive a idéia de publicar os
ensinos recebidos, para instrução de toda a gente.
Foram aquelas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, constituíram a base de
O Livro dos Espíritos.
No ano seguinte, em 1856, freqüentei ao mesmo tempo as reuniões espíritas que se celebravam à rua
Tiquetone, em casa do Sr. Roustan e Srta. Japhet, sonâmbula. Eram sérias essas reuniões e se realizavam com
ordem. As comunicações eram transmitidas por intermédio da Srta. Japhet, médium, com auxílio da cesta de
bico. Estava concluído, em grande parte, o meu trabalho e tinha as proporções de um livro. Eu, porém, fazia
questão de submetê-lo ao exame de outros Espíritos, com o auxílio de diferentes médiuns. Lembrei-me de
fazer dele objeto de estudo nas reuniões do Sr. Roustan. Ao cabo de algumas sessões, disseram os Espíritos
que preferiam revê-lo na intimidade e marcaram para tal efeito certos dias nos quais eu trabalharia em
particular com a Srta. Japhet, a fim de fazê-lo com mais calma e também de evitar as indiscrições
e os comentários prematuros do público.
Não me contentei, entretanto, com essa verificação; os Espíritos assim mo haviam recomendado. Tendo-me as
circunstâncias posto em relação com outros médiuns, sempre que se apresentava ocasião eu a aproveitava para
propor algumas das questões que me pareciam mais espinhosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram
concurso a esse trabalho. Da comparação e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas e muitas
vezes retocadas no silêncio da meditação, foi que elaborei a primeira edição de O Livro dos Espíritos,
entregue à publicidade em 18 de abril de 1857.
Pelos fins desse mesmo ano, as duas Srtas. Baudin se casaram; as reuniões cessaram e a família se dispersou.
Mas, então, já as minhas relações começavam a dilatar-se e os Espíritos me multiplicaram os meios de
instrução, tendo em vista meus ulteriores trabalhos.

MÉTODO DE ANALISE DAS COMUNICAÇÕES FEITA POR KARDEC

Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, quer nos pedindo conselho e julgamento de
suas tendências, quer, da parte de alguns, na esperança de as verem publicadas na Revista.
Todas nos foram entregues com a faculdade de delas dispor como melhor entendêssemos para o bem da causa.
Fizemos o seu exame e classificação e esperamos que ninguém haja de se surpreender ante a impossibilidade
de inseri-las todas, considerando-se que, além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que,
sozinhas, teriam absorvido cinco anos completos da Revista, sem contar um certo número de manuscritos
mais ou menos volumosos, dos quais falaremos adiante.
A apreciação crítica deste exame nos fornecerá matéria para algumas reflexões, que cada um poderá tirar
proveito.
Em grande número encontramo-las notoriamente más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos
ignorantes, obsessores ou mistificadores e que juram pelos nomes mais ou menos pomposos com que se
revestem.
Publicá-las teria sido dar armas à crítica. Circunstância digna de nota é que a quase totalidade das
comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados, e não de grupos.
Só a fascinação os poderia levar a tomá-las a sério e impedir que vissem o lado ridículo. Como se sabe, o
isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade das opiniões.
Todavia, reconhecemos com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena
minoria.
A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos, sem significar que todas devam ser
publicadas, e isto pelos motivos que vamos expor.
Os bons Espíritos ensinam mais ou menos a mesma coisa em toda parte, porque em toda parte há os mesmos
vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar.
Eis um dos caracteres distintivos do Espiritismo; muitas vezes a diferença está apenas na correção e elegância
do estilo.
Para apreciar as comunicações, tendo em conta a publicidade, não se deve considerá-las de seu ponto de vista,
mas do do público.
Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa, mas
além do fato de que certas pessoas podem ter ilusão sobre o mérito intrínseco, não se pensa que em cem outros
lugares se obtêm coisas semelhantes, e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a
massa.
Além disso, é preciso considerar que, de algum tempo para cá as comunicações adquiriram, em todos os
aspectos, proporções e qualidades que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos.
Aquilo que então era admirado parece pálido e mesquinho junto ao que se obtém hoje. Na maioria dos centros
realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo.
Desde que por toda parte são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar
apenas sob a condição de apresentar qualidades adicionais, como forma ou como alcance instrutivo.
Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas.
Outrora, a menor conversa espírita era uma novidade que atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns
não se contam mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela
vastidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres do escolar o são pelo trabalho do
adulto.
Temos à vista a coleção de um jornal publicado no princípio das manifestações sob o título de A Mesa
Falante, característico da época. Diz-se que o jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes, cifra enorme para a
época.
Continha uma porção de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que, então, atraíam profundamente
a curiosidade.
Aí procuramos em vão alguma coisa para reproduzir em nossa Revista; tudo quanto tivéssemos colhido seria
hoje pueril e sem interesse.
Se o jornal não tivesse desaparecido, por circunstâncias que não vêm ao caso, só poderia ter vivido com a
condição de acompanhar o progresso da ciência e, se reaparecesse agora nas mesmas condições, não teria
cinqüenta assinantes.
Os espíritas são imensamente mais numerosos do que então, é verdade; mas são mais esclarecidos e querem
um ensinamento mais substancial.
Se as comunicações não emanassem senão de um único centro, sem dúvida os leitores se multiplicariam em
razão do número de adeptos.
Mas não se deve perder de vista que os focos que as produzem se contam aos milhares e que por toda parte
onde são obtidas coisas superiores não pode haver interesse pelo que é fraco ou medíocre.
Não falamos assim para desencorajar as publicações; longe disso.
Mas para mostrar a necessidade de uma escolha rigorosa, condição sinequa non do sucesso.
Aprofundando os seus ensinamentos, os Espíritos nos tornaram mais difíceis e mesmo exigentes.
As publicações locais podem ter imensa utilidade, sob duplo aspecto: espalhar nas massas o ensino dado na
intimidade e mostrar a concordância que existe nesse ensino sobre diversos pontos. Aplaudiremos isto sempre
e os encorajaremos toda vez que forem feitas em boas condições.
Antes de mais, convém dela afastar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele que lhe
concerne; depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas idéias, ou pueril pelo assunto.
Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser
entregue ao público exige condições especiais.
Infelizmente o homem é propenso a imaginar que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros.
O mais hábil pode enganar-se; o importante é enganar-se o menos possível.
Há Espíritos que se comprazem em fomentar essa ilusão em certos médiuns; por isso nunca seria demais
recomendar a estes últimos que não confiassem em seu próprio julgamento.
É nisto que os grupos são úteis: pela multiplicidade de opiniões que eles permitem colher. Aquele que, neste
caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais iluminado que todos, provaria sobejamente a má
influência sob a qual se acha.
Aplicando esses princípios de ecletismo às comunicações que nos são enviadas, diremos que em 3.600 há
mais de 3.000 que são de moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número nem 300
merecem publicidade e apenas 100 têm mérito fora do comum.
Como essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou
menos geral.
Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se
quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da
opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos
ou trabalhos de fôlego que nos remeteram, entre os quais não encontramos, em trinta, mais que cinco ou seis
de real valor.
No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros.
Tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada, a dar excelente conselho particular, mas incapaz de
produzir um trabalho de conjunto completo, passível de suportar um exame, sejam quais forem suas
pretensões e o nome com que se disfarce como garantia. Quanto mais alto o nome, maior o cuidado.
Ora, é mais fácil tomar um nome que justificá-lo; eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos,
encontram-se, muitas vezes, idéias excêntricas e traços inequívocos da mais profunda ignorância.
É nessas modalidades de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão, dos quais um dos
mais freqüentes é a injunção por parte do Espírito de os mandar imprimir; e alguns pensam erradamente que
tal recomendação é suficiente para encontrar um editor atencioso que se encarregue da tarefa.
É principalmente em semelhante caso que um exame escrupuloso é necessário, se não nos quisermos expor a
fazer discípulos à nossa custa.
É, ainda, o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e pseudo-sábios, que se retiram inevitavelmente
quando não encontram instrumentos dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos de fé.
A intromissão desses Espíritos nas comunicações é, fato conhecido, o maior escolho do Espiritismo.
Toda precaução é pouca para evitar as publicações lamentáveis.
Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.
Em suma, publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil.
Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem. Uma consideração não
menos importante é a da oportunidade.
Algumas há cuja publicação seria intempestiva e, por isso mesmo, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu
tempo.
Várias das que nos são dirigidas estão neste caso e, conquanto muito boas, devem ser adiadas.
Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo.

FONTE: (Texto de Allan Kardec, transcrito de RevueSpirite, maio de 1863).


1- Fontes fenomênicas observadas e estudadas por Kardec:

Psicografia indireta (através principalmente do uso da "cesta pião", e da "cesta de bico", que
descreverei mais abaixo).

Psicografia direta (médium escrevendo com a própria mão a mensagem do suposto espírito).

Outras fontes (médiuns videntes, sonâmbulos, etc.).

2- Método experimental:

Observação.

Perguntas-questionamentos aos "espíritos".

Cuidado com os excessos de credulidade.

Cuidado com possíveis fraudes.

Respeito ao seu objeto de estudo (ou seja, aos "espíritos").

3- Postura epistemológico-filosófica:

Nunca partir de idéias pré-concebidas.

Uso da "indução", ou seja, prosseguir no sentido das observações para as teorizações (em
determinada ocasião, Kardec se referiu a este procedimento como "dedução").

4- Conteúdo das observações-comunicações-revelações:

Fatos do mundo objetivo (Material ou espiritual. Por exemplo, há vida em Marte; ou, há
espíritos puros).

Fatos do mundo moral (certo e errado).

Fatos do mundo filosófico (reflexões sobre os dois acima).

5- Critérios para aceitação das mensagens:

Concordância entre as mensagens: recebidas por vários "espíritos" diferentes; recebidas por
vários médiuns diferentes; recebidas de vários locais diferentes; recebidas em várias épocas
diferentes.

Fundo lógico, e não conflitante com o conhecimento cientificamente estabelecido.

Revelado por "espíritos superiores" (ou que sejam, pelo menos, competentes para se
pronunciarem sobre o conteúdo da mensagem específica).
6- Critérios para classificação dos espíritos superiores:

Uso de linguagem digna (educada, respeitosa, benévola, não coercitiva).

Ausência de contradição.

Ausência de maldade.

Conteúdo lógico, sem falhas de lógica.

Demonstração por parte do "espírito" de possuir elevado conhecimento científico (ou de não
desconhecer o conhecimento científico estabelecido), e de possuir elevada moral (ou seja, ser
um mestre do bem).

É interessante, nesse contexto, olharmos um resumo da cronologia dos acontecimentos desde os contatos
iniciais de Kardec com os fenômenos espíritas até a confecção da primeira edição do Livro dos Espíritos e,
posteriormente, da segunda edição. Bem como citar algumas das pessoas mais importantes (médiuns,
principalmente) envolvidas nesse período.

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