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FAESA – CENTRO UNIVERSITÁRIO ESPÍRITO-SANTENSE

FACULDADES INTEGRADAS SÃO PEDRO

GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

BRENDA MACHADO CORRÊA

RODRIGO NOVAES ARMINI

CHECKLIST DE DIPTEROFAUNA DE INTERESSE


FORENSE EM FRAGMENTO DE MATA ATLÂNTICA, VILA
VELHA – ES

VITÓRIA

2018
Checklist de dipterofauna de interesse forense em
fragmento de Mata Atlântica, Vila Velha - ES.
Brenda Machado Corrêa¹, Rodrigo Novaes Armini¹, Carlos Augusto Chamoun².

¹ Graduandos em Ciências Biológicas (AEV/FAESA)


² Biólogo (UERJ), Mestre em Microbiologia (UFV), Doutor em Ciências Biológicas (UFRJ/EUA), Perito
Criminal do Espírito Santo e Professor do IFES, e-mail: biochamoun@gmail.com

RESUMO
Entomologia Forense é a ciência que estuda os insetos, relacionando os mesmos a procedimentos
legais. Essa ciência tem grande importância no ramo biológico e criminal, uma vez que os insetos
necrófagos podem ser vestígios e fonte de informação para as investigações. O principal objetivo
desse trabalho foi catalogar adultos das famílias de Diptera, encontradas no cadáver de suíno (Sus
scrofa) durante o processo de decomposição, associando o encontro dessas famílias às variáveis
climáticas e ao intervalo pós-morte do animal. O experimento foi realizado nos entornos do 38º
Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, localizado no bairro da Prainha, Vila Velha – ES, em
uma área de Mata Atlântica, próximo ao mar. O período de coleta foi de 19 dias, na estação chuvosa,
a partir do dia 15 de dezembro de 2016, com término no dia 02 de janeiro de 2017. O animal foi
sacrificado com três disparos de arma de fogo na região cefálica, a fim de simular uma morte violenta.
Foi colocada sobre ele uma armadilha do tipo Malaise, para possibilitar a entrada de insetos adultos e
a posterior coleta dos mesmos. A temperatura média foi de 29ºC e a umidade relativa do ar teve
média de 62,47%. Foram coletados 11.200 insetos, classificados em 14 famílias: Calliphoridae,
Chamaemyiidae, Fannidae, Chloropidae, Culicidae, Heleomyzidae, Lauxanidae, Muscidae,
Sarcophagidae, Phoridae, Stratiomyidae, Syrphidae, Therevidae e Ulidiidae, sendo as três primeiras
as mais abundantes. Obtendo-se um resultado inesperado, uma vez que a Chamaemyiidae não está
classificada como de interesse forense atualmente, e foi a famila de maior abundância. Pode-se
concluir que a Ordem Diptera possui grande atratividade ao corpo em decomposição e são os
pioneiros a colonizar o cadáver, tendo uma grande importância criminal. Estudos em diferentes
localidades do Espírito Santo e abrangendo as duas estações (seca e chuvosa) devem ser feitos, a
fim de contribuir para a Entomologia Forense no Brasil.

Palavras-chaves: Entomologia Forense, Entomofauna Cadavérica, Intervalo pós-morte.

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INTRODUÇÃO

De acordo com Alonso (2015) e Rafael et al. (2012), os insetos constituem o grupo

mais diversificado e numeroso do Reino Animal, representando cerca de 70% das

espécies descritas, com aproximadamente um milhão de espécies catalogadas.

Apresentam grande diversidade morfológica, fisiológica e alimentar e, por isso,

esses animais podem ser encontrados nos mais diversos habitats.

Os insetos necrófagos alimentam-se de cadáveres, sendo que aqueles que se

nutrem dos cadáveres mas também da fauna associada e dos parasitas são ditos

onívoros (Pereira, 2015). Os principais grupos de insetos relacionados à

decomposição cadavérica pertencem às ordens Diptera, Coleoptera e Lepidoptera

(Oliveira-Costa, 2011)., sendo os dípteros os pioneiros a colonizarem um cadáver,

desempenhando importante papel no processo de decomposição (Pereira, 2009).

Segundo Santos (2014) e Romana et al. (2012) a entomologia tem grande

importância no ramo biológico e criminal, uma vez que os insetos necrófagos podem

ser vestígios e fonte de informação de cunho forense, como por exemplo, a

identificação do intervalo pós morte (IPM), baseada na idade dos insetos imaturos

que se alimentam e se desenvolvem nos corpos em decomposição. O

desenvolvimento desses insetos pode ser afetado pela variação de temperatura,

umidade e pela presença de substâncias tóxicas nos tecidos de um cadáver.

As pesquisas na área da Entomologia Forense são realizadas frequentemente em

cadáveres suínos, uma vez que estes animais apresentam grande semelhança com

a estrutura fisiológica, muscular e tecidual do ser humano. Além disso, esse animal

apresenta fases de decomposição similares às encontradas em cadáveres humanos

(Oliveira-Costa, 2011).

A Entomologia Forense vem sendo uma ferramenta útil para as análises da Perícia

Criminal por oferecer dados relacionados às condições e causas das mortes dos

cadáveres encontrados. Para que se possa utilizar efetivamente a entomologia

2
forense na área médico-legal, auxiliando os Peritos Criminais nas investigações

policiais e no processo judicial, é importante o conhecimento sobre a taxonomia,

ecologia e distribuição geográfica das famílias de insetos necrófagos, para que se

possa identificar os táxons e fazer a correlação dos espécimes coletados com os

estágios de decomposição cadavérica.

Desta forma, este trabalho objetivou a identificação e catalogação das famílias de

Diptera encontradas em cadáver suíno em um fragmento de Mata Atlântica, durante

o processo de decomposição, a fim de associar essas famílias ao intervalo pós-

morte do animal e às condições climáticas do local. Dessa forma, visa-se fortalecer a

materialização de provas importantes para as investigações policiais e processos

judiciais, contribuindo para uma melhor e mais justa persecução penal.

MATERIAIS E MÉTODOS

O estado do Espírito Santo é composto por uma área de 45.597 km²,

aproximadamente, toda sua extensão era composta por mata atlântica (Rbma,

2008), sendo que, atualmente os fragmentos florestais desse tipo de bioma somam

cerca de apenas 9% da cobertura vegetal do estado (Passamani & Mendes, 2007).

O experimento foi realizado em um fragmento de Mata Atlântica, pertencente ao

terreno do 38º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, localizado no bairro da

Prainha, município de Vila Velha – ES (-20.326932, -40.282701) (Figura 1), que foi

escolhido por apresentar condições similares às observadas em diversos casos de

cadáveres encontrados em locais ermos da Grande Vitória, dias após o homicídio ter

ocorrido.

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3ª PONTE

Figura 1 - Área de estudo. (A) Localização no Espírito Santo. (B) Localização do 38º Batalhão de Infantaria. (C)

Localização do fragmento de Mata Atlântica. Fonte: https://www.google.com.br/maps e Acervo pessoal.

Foi utilizado o porco doméstico como modelo animal, da espécie Sus scrofa

Linnaeus, 1758, pesando aproximadamente 15kg, adquirido em um criadouro

localizado no município de Cariacica, Espírito Santo. O animal foi sacrificado sem

aplicação de anestésicos, com o uso de três projéteis de arma de fogo, disparados

por uma pistola da marca Taurus, modelo 940 e calibre .40, na região cefálica, a fim

de simular um tipo de morte violenta. Após a morte do animal, foi colocada sobre ele

uma armadilha do tipo Malaise que descrita por René Malaise em 1937 (Figuras 2 e

3), para a captura de insetos adultos e foi modificada para esse estudo. Essa

armadilha evita o acesso de animais carniceiros maiores, como urubus e roedores,

que podem interferir no processo de decomposição e afetar o resultado do

experimento (Steyskal, 1981).


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Esta armadilha foi confeccionada em ferro e forrada com tela galvanizada,

apresentando tamanho de 100cm de comprimento x 60cm de altura x 60cm de

profundidade, sendo 20cm (da altura) sem forro, pois 10cm ficaram fixados ao solo e

os outros 10cm permitiram a entrada dos insetos. No topo da armadilha, acoplou-se

um recipiente, com um funil feito da parte superior de uma garrafa pet transparente,

para assegurar que os insetos fossem atraídos pela luz ficassem presos (Figuras 2,

3 e 4).

Figura 2 - Armadilha Malaise modificada. (A) Desenho da armadilha com os tamanhos especificados. (B)

Armadilha montada e fixada. Fonte: Entomologia Forense: Quando os insetos são vestígios. Janyra Oliveira-

Costa (2011).

As laterais foram cobertas por tecido branco de algodão e o topo foi recoberto por

um tecido mais fino, tipo “escaline”, que permite a entrada de luz e assim a atração

dos insetos para o interior do recipiente superior (garrafa pet transparente), onde os

insetos adultos ficaram aprisionados (Figura 4) (Steyskal, 1981).

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Figura 4 – Armadilha Malaise modificada. (A) Armadilha Malaise após a montagem. (B) Armadilha de garrafa pet

para captura de dípteros adultos.

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A amostragem teve início no dia 15 de dezembro de 2016 e término no dia 02 de

Janeiro de 2017.

 Variáveis Ambientais

Os parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar foram coletados desde o

início do experimento e as coletas de entomofauna começaram 24 horas após o

sacrifício do animal (16/12/2016), sendo realizadas coletas diárias, uma vez por dia,

no período matutino, entre 10h00min e 12h00min, até o dia 02 de janeiro de 2017,

totalizando 18 dias.

A temperatura e umidade relativa do ar foram registradas através de um aparelho

termo-higrômetro digital int/ext (marca Incoterm).

 Estágios de decomposição

Ao longo do período de amostragem, foram tiradas fotos diariamente para que fosse

possível realizar a descrição das alterações sofridas no cadáver do suíno e a

caracterização dos estágios de decomposição, baseando-se na nomenclatura

descrita por Bonnet (1978) que se divide em: Fase fresca, Fase de Coloração ou

Cromática, Fase Gasosa, Fase Coliquativa e Fase de Esqueletização.

 Análise da entomofauna

Os insetos coletados foram sacrificados em álcool 70%, transferidos para recipientes

de vidro e plástico de 300mL e 50mL (Figura 5A e B), respectivamente, com auxílio

de pinças, e levados ao Laboratório de Biologia e Psicologia Experimental,

localizado na FAESA Centro Universitário, localizada em Vitória, Espírito Santo.

A análise em laboratório dos insetos coletados foi feita em duas etapas: na primeira,

foi realizada triagem quantitativa por dia de coleta e, posteriormente, o total ao final

dos 18 dias; na segunda etapa, foi feita a identificação e catalogação com auxílio da

chave de identificação entomológica específica segundo Triplehorn e Johnson

(2011), Rafael et al. (2012) e Borror (2011), através das nervuras e morfologia das

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asas e padrão de antenas, utilizando um microscópico óptico binocular (Figura 5C e

D e Figura 6).

Figura 5 – Acondicionamento e contagem de dípteros. (A) Recipientes de 50 mL com álcool 70%. (B)

Recipientes de 300 mL com álcool 70%. (C) Triagem quantitativa. (D) Triagem quantitativa.

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Figura 6 – Identificação dos insetos. (A) Identificação dos insetos com auxílio de microscópio e chave de

identificação específica. (B) Vista de exemplar coletado em microscópio binocular para ser identificado a partir

das antenas e nervura das asas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação às variáveis ambientais, observou-se a temperatura média durante o

experimento foi de 29ºC; a mínima foi de 24,7ºC, registrada no segundo dia

(16/12/2016) e a máxima, de 32,7ºC no 11o dia (25/12/2016) (Figura 7). A umidade

relativa do ar teve uma média de 62,47%, com mínima de 50%, registrada nos dias

26/12/2016, 30/12/2016 e 02/01/2017, e máxima de 82% registrada no dia

17/12/2016 (Figura 7).

Figura 7 - Temperatura e umidade de cada dia de coleta e suas respectivas médias, mínimas e máximas.

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Foi possível determinar a duração de cada estágio, segundo proposta por Bonnet

(1978), através de análise direta das imagens (Figura 8 e Tabela 1).

O inicio da fase fresca deu-se no 1º dia após a morte do suíno, uma vez que este se

apresentava fresco, tendo duração de dois dias (Figura 8A). A fase de coloração

iniciou-se a partir do 3º dia, em que foi possível notar uma coloração verde azulada

no abdômen do animal e um leve inchaço na face, com os lábios entreabertos, com

duração de um dia (Figura 8B). Entre o 4º e o 5º dia, iniciou-se a fase gasosa, em

que o cadáver estava com um aspecto de balão, os gases romperam uma pequena

parte no abdômen e no local rompido, narinas e lábios saíam sangue e um líquido

viscoso de odor forte e fétido (Figura 8C). No 6º dia, o animal não estava mais com

aspecto inchado, dando início à fase coliquativa. A pele estava mais escura e seus

tecidos estavam moles, os fluidos corporais extravasavam com maior intensidade

para o solo, criando uma espécie de poça. Oliveira-Costa (2013) chama isso de

saponificação, em que esses fluídos começam a formar uma adipocera no solo.

Essa fase teve duração de dois dias (Figura 8D). A partir do 8º dia, iniciou-se a fase

de esqueletização, onde a quantidade de tecido ficou bem reduzida e os ossos

começaram a aparecer, dando um aspecto mais seco ao cadáver (Figura 8E). Esse

é o ultimo estágio de decomposição e durou até o último dia de amostragem.

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Figura 8 – Estágios de Decomposição, segundo a proposta Bonnet (1978). (A) Fase Fresca. (B) Fase de

Coloração. (C) Fase Gasosa. (D) Fase Coliquativa. (E) Fase de Esqueletização.

Tabela 1 - Duração dos diferentes estágios de decomposição no cadáver de porco Sus scrofa, através da

observação das fotografias.

ESTAGIO DE INTERVALO DE CADA TEMPERATURA UMIDADE


DIAS
DECOMPOSIÇÃO ESTÁGIO MEDIA MEDIA
Fresco 15/12/16 a 16/12/16 2 26,35ºC 73%
Coloração 17/12/16 1 27,1ºC 75%
Gasoso 18/12/16 a 19/12/16 2 28ºC 69,33%
Coliquativo 20/12/16 a 21/12/16 2 28,75ºC 58%
Esqueletização 22/12/16 a 02/01/17 12 30ºC 54,25%

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Ainda em relação aos diferentes estágios de decomposição, observou-se que a fase

em que foi recolhida o maior número de indivíduos foi no Estágio Fresco; já a fase

em que foi recolhida o menor número de indivíduos foi no Estágio de Coloração, que

teve duração de apenas um dia (Tabela 2).

Tabela 2 – Abundância de dípteros coletados em carcaça de suíno, relacionada a temperaturas e umidades

médias, e duração de cada estágio de decomposição.

Estágios de decomposição Fresca Coloração Gasoso Coliquativo Esqueletização


Tempo de duração (dias) 2 1 2 2 12
Temperatura média (ºC) 26,35ºC 27,1ºC 28ºC 28,75ºC 30ºC
Umidade média (%) 73% 75% 69,33% 58% 54,25%
Calliphoridae 316 233 549 45 106
Chamaemyiidae 2593 221 2055 690 909
Chloropidae 1 0 0 0 0
Culicidae 1 0 1 3 20
Fanniidae 203 74 490 248 222
Heleomyzidae 1 0 0 0 0
Lauxaniidae 306 19 130 62 89
Muscidae 0 0 44 27 52
Sarcophagidae 44 13 61 74 168
Phoridae 147 10 25 12 128
Stratiomyidae 1 0 1 1 7
Syrphidae 7 0 0 2 8
Therevidae 0 0 0 0 1
Ulidiidae 20 28 91 150 491
Total 3640 598 3447 1314 2201

Segundo Oliveira-Costa (2013), a temperatura ótima para a putrefação está entre

21ºC e 38ºC, enquanto temperaturas mais baixas atrasam o processo de

decomposição. Portanto, no Brasil, um país Neotropical, sem sazonalidade e com

grande variação de temperatura de uma região para a outra, é quase impossível

estabelecer com precisão a duração dos estágios de decomposição.

Ainda, de acordo com Oliveira-Costa (2013), os valores indicados como início e

duração dos estágios de composição são valores médios fornecidos pela literatura,
12
que na prática sofrem influência de diversos fatores, como por exemplo, temperatura

e umidade. Neste trabalho, foi observado que a temperatura e umidade nos dias do

experimento apresentaram-se elevadas, o que explica a duração de cada um dos

estágios de decomposição.

Ao final da pesquisa, foram coletados 11.200 insetos dípteros, distribuídos em 14

famílias, em ordem decrescente de abundância de exemplares: Calliphoridae,

Chamaemyiidae, Fanniidae, Chloropidae, Culicidae, Heleomyzidae, Lauxaniidae,

Muscidae, Sarcophagidae, Phoridae, Stratiomyidae, Syrphidae, Therevidae e

Ulidiidae (Tabela 3).

Tabela 3 - Abundância das famílias no período de 16 de Dezembro de 2016 a 02 de Janeiro de 2017, onde (N) =

abundância absoluta e (%) = abundância relativa.

Família N %
Chamaemyiidae 6468 57,75
Calliphoridae 1249 11,15
Fanniidae 1237 11,04
Ulidiidae 780 7,0
Lauxaniidae 606 5,41
Sarcophagidae 360 3,21
Phoridae 322 2,87
Muscidae 123 1,10
Culicidae 25 0,22
Syrphidae 17 0,15
Stratiomyidae 10 0,09
Chloropidae 1 0,01
Heleomyzidae 1 0,01
Therevidae 1 0,01
Total 11200 100

Segundo Gaimari (2012), a família Chamaemyiidae é constituída por

aproximadamente 355 espécies, sendo que muitas são predadoras e suas larvas

são frequentemente utilizadas para controle biológico de pulgões, cochonilhas, entre

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outros sugadores. Essa família foi a mais abundante (Tabela 3; Figura 9) e esteve

presente em todos os dias de amostragem (Tabela 4), o que não era esperado, visto

que essa família não é citada como de interesse forense. Algumas literaturas dizem

que larvas de Chamaemyiidae são predadoras ou saprófagas, ou seja, que se

alimentam de matéria orgânica em decomposição, excrementos e substâncias

semelhantes, ocorrendo em locais com bastante cobertura vegetal (Gaimari, 2012).

A pesquisa de Marques (2008) analisou a entomofauna associada ao cadáver de

Sus scrofa em Portugal, e nela também foram encontrados espécimes dessa família.

O local da pesquisa em questão foi em um fragmento de Mata Atlântica com pouca

influência antrópica direta, uma vez que se encontra em uma área de acesso restrito

apenas ao 38º Batalhão de Infantaria; no entanto caracteriza-se por apresentar

antropização indireta por haver em suas proximidades escoamento de esgoto

urbano. Mesmo com essa influência indireta, a abundância dessa família é

comprovada por ser característica de locais assim.

A segunda família mais abundante foi Calliphoridae (Tabela 3; Figura 9). Segundo

Oliveira-Costa (2011), essa família possui grande importância forense e apresenta

maior interesse pelos estágios iniciais de decomposição, sendo em muitas vezes os

primeiros insetos a chegarem ao cadáver ou carcaça (Carvalho & Linhares, 2001). A

maioria dos califorídeos é saprófaga e muitos são necrófagos. Moscas desse grupo

põem seus ovos nos cadáveres de animais e humanos e suas larvas se alimentam

desse material em decomposição (Oliveira-Costa, 2011). Essa família esteve

presente durante todo o período de coleta, confirmando sua grande importância

forense (Tabela 4).

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Tabela 4 – Distribuição das famílias de dípteros coletados em relação ao período pós-morte de suíno Sus scrofa

em fragmento de Mata Atlântica do Espírito Santo.

De acordo com Oliveira-Costa (2013), a família Fanniidae entra na classificação de

interesse forense. Os adultos são encontrados em florestas sobre arbustos ou em

flores, e na zona rural próximo a granjas e estábulos. As larvas apresentam hábito

saprófago e desenvolvem-se em diferentes substratos, como fungos, fezes e matéria

orgânica animal e vegetal em decomposição (Smith, 1986). O local onde o estudo

foi feito era próximo à vazão de esgoto para o mar de Vila Velha e apresentava

constante presença de urubus e cachorros, o que pode estar relacionado com a

grande frequência dessa família durante todo o período de coleta do experimento

(Tabela 3).

De acordo com Mcalpine et al. (1987) e Marchiori & Silva (2000), os principais

representantes da família Ulidiidae são polinizadores, mas geralmente são atraídos

por matéria orgânica em decomposição, como troncos, fezes e carcaças para a

postura de ovos, com larvas principalmente saprófagas. Essa família também esteve

presente em todo o período de coleta do experimento (Tabela 2), e isso pode


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relacionar-se com o fato de que a carcaça estava em um local com muita cobertura

vegetal e bastante matéria orgânica em decomposição (Figura 3-a).

Segundo Oliveira-Costa (2013), a família Lauxaniidae não se enquadra na categoria

das famílias de interesse forense no Brasil. Entretanto, foi observada uma frequência

elevada dessa família no experimento (Tabela 2; Figura 9). Essa família tem como

característica a reprodução em substratos em decomposição, e sua presença está

diretamente ligada à vegetação.

Oliveira-Costa (2011) afirma que Sarcophagidae é uma família de grande

importância nos estudos da entomologia forense, uma vez que esses insetos podem

ser utilizados como bioindicadores no intervalo pós-morte em cadáveres humanos

em decomposição. Os sarcofagídeos são insetos ovovivíparos, uma vez que os ovos

se chocam dentro das fêmeas e ao depositarem os filhotes, eles já saem como

larvas em primeiro ínstar. A grande maioria dos sarcofagídeos é saprófaga na fase

larval, mas alguns podem parasitar outros invertebrados (Marchiori et al. 2003). Os

dias em que foi coletada a maior quantidade desses insetos, as temperaturas

estavam mais baixas, o que favorece o aparecimento das espécies desse grupo ,

que colonizam carcaças principalmente nas épocas mais secas do ano (Souza &

Linhares, 1997).

Outra família com grande importância forense é Muscidae, que esteve presente em

quase todo o período do experimento, em 13 dos 18 dias (Tabela 2). Segundo

Oliveira-Costa (2013), as espécies associadas a carcaças são geralmente escuras e

pequenas; entretanto, ocasionalmente podem ocorrer espécies de cor metálica,

sendo confundidas com Calliphoridae.

Phoridae é uma família de dípteros pequenos (em média 2mm), muito semelhante

às moscas-das-frutas (Drosophilidae). De acordo com Brown (2012) e Disney

(1994), essa família é considerada uma das mais ricas em diversidade de hábitos

larvais dentre os insetos, podendo ser predadoras, parasitoides, herbívoras,

16
saprófagas e fungívoras. Ela esteve presente em 17 dos 18 dias de coleta desse

estudo (Tabela 2), podendo comprovar seus hábitos saprófagos e parasitoides,

sendo assim considerada de interesse forense (Carvalho & Mello-Patiu, 2008). O

substrato possuía carcaça de suíno em decomposição e diversas formigas, que são

alvos de muitas espécies da família Phoridae.

Culicidae é composta por animais conhecidos vulgarmente por mosquitos. São

capazes de detectar e podem ser atraídos por odores exalados pelos hospedeiros

vertebrados, como por exemplo, dióxido de carbono, amônia e ácido lático em

humanos (Forattini, 2002; Neves et al. 2000). A família Culicidae é de interesse

forense, e as espécies hematófagas podem ser utilizadas em diferentes casos, como

de crimes sexuais com a detecção de DNA humano no seu trato digestório

(González-Andrade et al. 2006). Durante essa pesquisa, foram coletados 25

indivíduos dessa família, com a presença de pelo menos um indivíduo em quase

todos os dias de coleta. Isso pode estar relacionado com os odores e líquidos

liberados pela carcaça e, também, pela presença de humanos no local. Oliveira-

Costa (2013) diz que se houverem hospedeiros disponíveis, essa família tende a

permanecer no local por mais tempo.

A família Syrphidae teve uma totalidade de 17 indivíduos durante todo o experimento

(Tabela 2) e, de acordo com Triplehorn & Johnson (2011) e Rafael et al. (2012), os

adultos alimentam-se basicamente de pólen e néctar, e são, portanto, importantes

polinizadores de diversas espécies de plantas. Entretanto, suas larvas tem ampla

variedade de hábitos alimentares, como saprofagia, fitofagia, predação. Oliveira-

Costa (2011) diz que as larvas da espécie Ornidia obesa são predadoras de outros

insetos e desenvolvem-se em matéria pútrida. Nessa pesquisa, todos os 17

indivíduos foram identificados como Ornidia obesa. Assim, justifica-se seu

aparecimento em um substrato em decomposição, promovendo a degradação da

17
matéria orgânica, além do estudo ter sido feito em um local com presença de

diversas espécies vegetais.

A família Stratiomyidae totalizou 10 indivíduos. De acordo com Oliveira-Costa

(2013), os indivíduos dessa família reproduzem-se principalmente em matéria

orgânica em decomposição e possui interesse forense. A família Stratiomyidae

ocorre em regiões tropicais e temperadas de todo o mundo, sendo encontrados com

maior facilidade em clima tropicais úmidos e chuvosos, como da área de estudo.

Foi coletado um indivíduo para cada uma das famílias Chloropidae, Therevidae e

Heleomyzidae, as quais têm interesse forense (Oliveira-Costa, 2013). Os adultos de

Chloropidae, também chamados vulgarmente como mosquinha-lambe-olho (Carrera,

1991), são muito comuns e abundantes em material orgânico em decomposição.

Algumas espécies são frequentemente encontradas em flores, enquanto outros

incomodam o homem e animais pelo comportamento de pousar nos olhos ou orelhas

e também por alimentarem-se em secreções corporais como feridas ou ferimentos

abertos, incluindo sangue e pus (Triplehorn & Johnson, 2011).

As larvas de Therevidae são predadoras de larvas de outros insetos, como

besouros, borboletas e algumas espécies são canibais (Majer, 1997). A família

Heleomyzidae apresenta moscas de tamanho mediano e seus indivíduos são

encontrados em locais úmidos e sombreados. As larvas dessa família desenvolvem-

se em matéria orgânica em decomposição (animal e vegetal), fungos, ninhos de

aves e tocas de mamíferos (Brown et al. 2009). Desta maneira, pode-se explicar a

razão do aparecimento desse grupo, uma vez que o trabalho foi feito em um local

com matéria orgânica em decomposição (cadáver suíno e vegetação) e cercado por

vegetação de Mata Atlântica.

A pequena ocorrência das famílias Chloropidae, Therevidae e Heleomyzidae nessa

pesquisa pode estar associada à grande quantidade de indivíduos da família

Chamaemyiidae, uma vez que, como dito anteriormente, as larvas dessa família

18
podem ser predadoras de estágios imaturos de outros insetos, prejudicando desta

forma o desenvolvimento destas famílias e de outras.

Figura 9 – Abundância relativa das famílias encontradas em experimento realizado em cadáver suíno Sus scrofa

em fragmento de Mata Atlântica no Sudeste do Brasil.

CONCLUSÃO

Conclui-se com o presente trabalho que insetos da ordem Diptera são importantes

nas investigações criminais, pois possuem grande atratividade por corpos em

decomposição e são considerados grandes indicadores do padrão de intervalo pós-

morte. Presentes durante toda a amostragem, os animais só apresentaram uma

diminuição significativa a partir da fase de esqueletização, uma vez que nesse

estágio não há tecidos moles em quantidade suficiente para o seu desenvolvimento.

No que se refere ao levantamento da entomofauna cadavérica, foi demonstrada

elevada diversidade de famílias, em quantidades variadas, o que pode auxiliar na

correlação com o intervalo pós-morte. Além da grande abundância da família

Chamaemyiidae, o que não era esperado, pois atualmente não está classificada

como de interesse forense.

19
Importante ressaltar que este trabalho por si só não garante um levantamento

completo da dipterofauna necrófaga da região, uma vez que há uma carência de

pesquisas relacionadas no estado do Espírito Santo, fazendo-se necessário o

desenvolvimento de mais estudos, nas estações seca e chuvosa e em diferentes

localidades para se obter um panorama mais amplo sobre a ocorrência e influência

das moscas cadavéricas em locais de morte violenta. Em locais que possuem

fragmentos de Mata Atlântica e que são favoráveis para a realização desses

estudos, um olhar mais atento a esta temática poderá contribuir significativamente

para o avanço e eficácia da Entomologia Forense no Brasil.

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REFERÊNCIAS

ALONSO, M. A; Desenvolvimento de imaturos de espécies de importância

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