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Regresso ao Evangelho
Retiro do Advento 2019 com Francisco de Santa Maria

Evangelho de Jesus-Cristo segundo São Mateus (24, 37-44)

«Como foi nos dias de Noé, assim acon-


tecerá na vinda do Filho do Homem. Nos
dias que precederam o dilúvio, comia-se,
bebia-se, os homens casavam e as mul-
heres eram dadas em casamento, até ao dia
em que Noé entrou na Arca; e não deram
por nada até chegar o dilúvio, que a todos
arrastou. Assim será também a vinda do
Filho do Homem. Então, estarão dois ho-
mens no campo: um será levado e outro
deixado; duas mulheres estarão a moer no
mesmo moinho: uma será levada e outra
deixada. Vigiai, pois, porque não sabeis em
que dia virá o vosso Senhor. Ficai saben-
do isto: Se o dono da casa soubesse a que
horas da noite viria o ladrão, estaria vigi-
lante e não deixaria arrombar a casa. Por
isso, estai também preparados, porque o
Filho do Homem virá na hora em que não
pensais.»

1. Comentário evangélico:
«Estai também preparados»

«O Filho do Homem virá na hora em


que não pensais.» Pode parecer pa-
radoxal começar um novo ciclo litúr-
gico com estas palavras a propósito
da vinda de Jesus cujo Advento, pre-
cisamente, não vai deixar de nos falar,
de nos mobilizar! No Advento trata-
se de preparar a vinda ao mundo, no
dia de Natal, do nosso Salvador, o Fil-
ho de Deus, o Filho de Maria. A Incar-
nação é uma vinda; a Parusia (a vinda
de Cristo em glória no fim dos tem-
pos) é outra! E, na realidade, há mui-
tas outras, outras vindas do Senhor
na vida de cada um… O nosso Evan-
gelho está voltado para a Parusia, no
entanto, inaugura um tempo litúrgi-
co que nos conduz primeiramente ao
Natal, à Incarnação do Salvador. Não
há aqui contradição nem confusão: é
simplesmente uma expressão do Mis-
tério d’Aquele que diz três vezes no
livro do Apocalipse (1,8 ; 21,6 ; 22,13):
«Eu sou o Alfa e o Ómega, o princí-
pio e o fim.» No nosso Evangelho que
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inaugura o Advento está claro que se
trata da Parusia.

No versículo imediatamente pre-


cedente a este Evangelho Jesus diz
: «Quanto àquele dia e àquela hora,
ninguém o sabe: nem os anjos do Céu
nem o Filho; só o Pai.» Essa vinda é
imprevisível e, por consequência, é
necessário vigiar, exercitar a nossa vi-
gilância! Se Jesus relaciona os dias do
Natal com a vinda do Filho do Homem,
é porque estes dias apresentam situa-
ções paralelas. No tempo de Noé, sím-
bolo de um tempo turbulento em que
a Humanidade andava à deriva, muitos
poucos homens se preocupavam com
Deus, com a sua relação com o Deus
Criador. Seremos nós diferentes dos
contemporâneos de Noé? Tal como
nos dias de Noé, não estaremos preo-
cupados com as realidades quotidia-
nas básicas : comer, beber, casar-se? O
que, em si, é completamente legítimo:
para perseverar em vida é realmente
preciso tomar tudo isto em conta, não
é? Mas qual é o problema que Jesus
quer apontar? O Evangelho não insiste
sobre a extraordinária má conduta da
geração de Noé (contrariamente ao
que está dito em Gn 6); ele traz à luz
ignorância das pessoas, e não deram
por nada, diz Jesus. Esse é o problema:
a ignorância ou a indiferença, o desinte-
resse para com a verdade profunda da
condição humana, uma humanidade
em perigo que Deus quer salvar. Sim,
o que era verdade na época de Noé e
de Jesus, continua a sê-lo agora: Deus
é ignorado ou incompreendido e, por-
tanto, mal-amado! O lugar que Lhe da-
mos é, ou ridiculamente pequeno, até
ser totalmente inexistente, ou então,
pior, temos d’Ele imagens falsas, per-
vertidas!
Quantas imagens falsas e distorci-
das de Deus nós arrastamos todos,
em qualquer lado, no fundo da nos-
sa consciência, sem falar da parte in-
consciente! O ateísmo moderno, a re-
jeição de Deus, muitas vezes refere-se
a falsas imagens de Deus. Muita gente
se diz ateia, rejeitando Deus, porque
rejeita tal ou tal imagem de Deus. Ain-
da não encontraram aquele que vem
e que os vai surpreender! É uma re-
jeição, uma recusa de uma certa ima-
gem de Deus e também da Igreja com
quem, por vezes, O confundimos. O

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que está errado, porque jamais a Igreja
se confundiu com Deus. Embora a Igre-
ja seja o Corpo de Cristo, ela continua
a ser também humana. Os seus mem-
bros pedem ao Espírito Santo que os
guie, mas não estão livres de erros e
de faltas…
O livro do Génesis (6,9) diz de Noé: «
9Esta é a descendência de Noé. Noé
era um homem justo e perfeito, entre
os homens do seu tempo, e andava
sempre com Deus.» Assim, a presença
de Deus no mundo é reconhecida por
alguns e não por outros. No entanto,
o Senhor vem e vem para todos. Ele
faz-Se presente a todos mas é com
cada um de nós o fazer-se presente
a Ele e tornar efetivo esse encon-
tro. Para haver um encontro são ne-
cessários dois, pelo menos! Homem
ou mulher, ninguém escapa a isso e é
no meio das ocupações da vida quoti-
diana – nos campos, ou o moinho, os
exemplos remetem naturalmente para
o mundo rural de Jesus – que se faz
a escolha decisiva, um será tomado e
outro será deixado. Quando deixamos
de estar ignorantes sobre isto, conse-
guimos, de facto, escutar o apelo de
Jesus à vigilância.
«Vigiai, pois, porque não sabeis em que
dia virá o vosso Senhor.» Vigiar não si-
gnifica: aumentar seguranças, barricar-
se dentro de casa, tentar prevenir as
agressões e os perigos através de dis-
positivos de alarme engenhosos. Com-
preendamos o espírito da parábola do
ladrão. Vigiar significa: estar lá para
enfrentar os acontecimentos. É uma
espera ativa e um empenhamento no
caminho da vida, o caminho da salva-
ção. Tudo o que acontece na vida e que
contém uma ameaça ou um limite: a
doença, a morte de um ser querido, o
fracasso ou a angústia ou até, simples-
mente, toda a atividade da vida quo-
tidiana, são ocasiões para exercermos
vigilância! Estaremos nós vigilantes e
numa atitude de oração ou estaremos
antes como os contemporâneos de Noé
e os nossos, preocupados unicamente
com os interesses pessoais, de costas
voltadas para os outros, escondendo de
nós mesmos a verdade da nossa condi-
ção e do nosso destino? Que este novo
Advento que começa seja um tempo em
que, segundo a palavra de Isaías, nos
decidamos a caminhar à luz do Senhor!

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2. Meditação: A vigilância de
Maria à escuta do seu Filho

• Texto de Francisco de Santa Maria


(Visage de la Vierge, Éditions du Carmel, 2001, p. 3-5) :

Antes de mais é ao Evangelho que deve-


mos ir se quisermos conhecer a Virgem.
Santa Teresa do Menino Jesus recorda isso
com muita força nos Novissima Verba [Últi-
mas Palavras]. Ela contrapõe a vida «real»
de Maria tal como o Evangelho a deixa
«entrever» à sua «suposta» vida tal como
demasiadas vezes é descrita na obras pie-
dosas.

Mas como, diremos nós, como conhecer


uma alma – sobretudo essa alma – a partir
de uns poucos factos e de algumas pala-
vras? Esta objeção teria considerável im-
portância se se tratasse de um texto pu-
ramente humano. Nesse caso, ninguém
aceitaria ressuscitar uma personagem a
partir de tão poucos dados.

Mas as passagens do Evangelho que dizem


respeito à Virgem têm como autor o Es-
pírito Santo, nosso hóspede íntimo. Ele
sabe comentá-las todas connosco, faz-nos
ver nelas «horizontes infinitos», segundo a
expressão de Teresinha. Então, as poucas
confidências arrancadas ao silêncio da Vir-
gem pelos evangelistas, tornam-se pesa-
das de significados profundos.

De resto, o Evangelho está todo lá para


nos ajudar a interpretá-las melhor. Quan-
do Cristo, nos Seus sermões e nas Suas
parábolas, descreve o comportamento
do cristão, Ele desenha diante de nós a
face d’Aquela que foi a filha da luz por
excelência. Além disso, os Seus atos e os
Seus gestos completam o esclarecimen-
to sobre a fisionomia de Maria. Ver Jesus
é, de certa forma, ver Sua Mãe. Não foi
ela que Lhe deu as feições humanas, ao
mesmo tempo que Ele a modelava à Sua
imagem de Deus? Nesta troca admirável
é consumada a semelhança destes dois
seres. Transformada no seu Filho, Maria
não tem mais nada de si própria que essa
transparência, esta limpidez que permite
à alma de Jesus refletir-Se nela com todas
as Suas perfeições e imprimir-Se nela de
forma viva. Observando a vida e a oração
de Jesus aprendemos a conhecer melhor
a Sua Mãe.

Uma certa fisionomia da Virgem se des-


prende então do Evangelho. Algumas per-
sonagens e alguns textos do Antigo Tes-
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tamento, interpretados simbolicamente
pela liturgia ou pela tradição, acrescentam
alguns traços a este desenho. Parece que
assim já sabemos o suficiente para «entre-
ver» a vida real de Maria. (…)

Mas o facto de ela ser sublime não pode


levar-nos a esquecer que a Virgem conti-
nua muito próxima de nós. Não satisfeita
de nos ter engendrado para a vida divina,
ela continua a formar-nos, com a ajuda do
Espírito Santo. E quer-nos unir mais estrei-
tamente a si para prosseguir, através de
nós, a sua missão terrestre.

• Meditação

No texto que acabou de ler não está


explicitamente em questão o tema cen-
tral do Evangelho do primeiro domin-
go do Advento: a vigilância, a disponi-
bilidade, a escuta da palavra de Deus.
Francisco de Santa Maria faz-nos aqui
uma introdução ao seu livrinho de me-
ditação sobre a Virgem Maria. A sua pri-
meira afirmação é central : « Antes de
mais é ao Evangelho que devemos ir se
quisermos conhecer a Virgem». Eis que
fica claro: ir ao Evangelho para conhe-
cer Maria, ir ao Evangelho para conhe-
cer Jesus, ir ao Evangelho para conhe-
cer Deus e a Sua vontade.

O conhecimento do Evangelho não é


ele, em si mesmo, precisamente a res-
posta ao apelo à vigilância que Jesus faz
no Evangelho deste dia? Ler o Evangel-
ho e toda a Escritura, meditá-los, «tra-
balhá-los», sempre com a ajuda do Es-
pírito Santo, não é isso que Jesus pede
no Evangelho? E o que Maria vivia?

Sem cair no erro, segundo Teresinha,


da «suposta» vida de Maria, ousemos
dizer que Maria vivia em vigilância espi-
ritual, pronta, sem dúvida, a responder
às moções do Espírito Santo com Quem
ela tinha «uma relação especial». Pron-
ta, sobretudo, a responder a Jesus, seu
Filho, com Quem ela se parecia e que
Se parecia com ela também, como diz,
de outra forma, Francisco de Santa Ma-
ria.

Retenhamos, enfim, deste texto, que


Maria, cuja de vida de graça é luminosa,
continua a estar próxima de nós. Maria,
neste início do Advento, diz-nos, com
o Evangelho, como nos faz bem vigiar,
orar, meditar e estar disponíveis para a
vinda do Filho do Homem.
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Conselho Espiritual

Neste Advento verifico o tempo que


posso consagrar à oração e à medi-
tação da palavra de Deus, de forma a
alimentar-me o suficiente, sem exces-
so nem carência, da doçura de Maria,
tendo em vista o essencial: o alegre
encontro com Deus, na espera da vin-
da do Seu Filho.

Fr. Robert Arcas, ocd (convento de Paris)

Oração em cada dia da semana


Semana 1
Segunda-feira, 2 de dezembro: ousar ter confiança

« Le Christ et le centurion » Sebastiano Ricci, 1726-1729, Naples

«Maria, dois mil anos depois continua a inclinar-se do


alto sobre todas as misérias da terra para nos conso-
lar e para nos curar.» Visage de la Vierge, p. 14
«Senhor, eu creio! Aumenta a minha pouca fé!»
Mc 9, 2

Como eco à fé do centurião faço um ato de fé, de


confiança, de abandono à infinita ternura de Deus.

Terça-feira, 3 de dezembro: abrir-se à ação da graça

«A Virgem apreciará a nossa oração apresentando-a


ela mesma a Deus…
Ela nos ensinará a orar como ela própria rezava ao Pai,
com muito silêncio.»
Visage de la Vierge, p. 51

«E Deus viu que isto era bom.» Gn 1,10

Dou graças pelo que foi bom e belo neste meu dia.

Quarta-feira, 4 de dezembro: abrir a Fonte

« Jésus et la Samaritaine au puits de Jacob » Angelica Kauffmann, 1796

«Todo o esforço humano deve consistir em se dispor a re-


ceber, sempre a receber essas natividades que vêm do Alto
e nos transformam, de luz em luz.»
Conseils pour la vie intérieure, p. 27
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«A minha alma tem sede de ti, todo o meu ser anela por ti,
como terra árida, exausta e sem água.»
Ps 62, 2
Na oração deixo que venha ao de cima a profunda espera
que me habita.

Quinta-feira, 5 de dezembro: apoiar-me sobre a rocha

«Maria nutriu-se da Escritura em profundidade.» Visage de


la Vierge, p. 12

«Tu és o meu rochedo e a minha fortaleza!»


Ps 30, 4

Questiono-me: sobre que rocha construí a minha vida?


Que Palavra de Deus que é, na minha vida, o sólido fundamento?

Sexta-feira, 6 de dezembro : invocar o Seu auxílio

« Lamentation du Christ » Hugo van der Goes, 1480, Saint-Pétersbourg

«Ela será, até ao fim ‘aquela que crê’, até aos pés da cruz.»
Visage de la Vierge, p. 20

«Na verdade, Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carre-


gou as nossas dores.» Is 53, 4

De todo o meu coração clamo ao Senhor o medo, a an-


gústia, o sofrimento que me habitam, com simplicidade e
confiança.

Sábado, 7 de dezembro : decidir sob o Seu olhar

«A Virgem pensa mais em ‘deixar que se faça’ atra-


vés dela - sem deixar que se misture nem que seja
um pouco de si mesma - do que em ‘fazer’» Visage
de la Vierge, p. 24

«A lei do Senhor é perfeita, reconforta o espírito; as


ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria ao ho-
mem simples.»Ps 18B, 8

Decido habituar-me a orar antes de tomar qualquer


decisão importante.
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