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Curso de Filosofia da Índia 2

FILOSOFIA PURVA MIMANSA

A Terceira Darzana, completando o grupo de Prakriti, é


como vimos, a Purva-Mimansa e seu fundador foi Jaimini.
As linhas anteriores da Purva-Mimansa se perdem nas
noites do tempo.
Porém, é indiscutível que Jaimini foi discípulo de Vyasa, cuja
codificação básica de sua doutrina está contida no Sama-
Veda. Daí o objetivo de Jaimini ser o de favorecer o
entendimento da filosofia exposta nos Vedas. Foi ele um dos
primeiros mestres que revelaram os mistérios da lei de
Causalidade ou Karma. De tal modo este pensador
desenvolveu o mecanismo lógico da Lei Kármica, que chegou
a encontrar os meandros mais secretos nos atos aparentemente
mais vulgares das criaturas, os quais tinham ligação com
causas misteriosas perdidas (mas ativas subjetivamente) de
outras encarnações. Poucos mestres se preocuparam tanto com
as vidas do indivíduo, daí sua filosofia ser chamada muitas
vezes de Karma-Mimansa.
Não esqueçamos o indispensável sentido das palavras, para
nossa melhor compreensão da filosofia. Assim temos:
Purva – Anterioridade ou o mais antigo, o que antecede.
Mimansa – Interpretação, investigação ou meio racional de
expressão.
Purva-Mimansa – a primeira interpretação.
Karma-Mimansa – Interpretação racional da Lei ou Ação.
De fato a Purva-Mimansa tem por cogitação o ato realizado
dentro da Lei codificada pelos Vedas, considerado absoluto
quanto à Verdade, e por isso, infalível. Sistema ríjido que não
deixa margem a súplicas e pedidos de proteção. Considerando
a Lei irrevogável em seus desígnios, admite a retribuição do
bem pelo bem, do mesmo modo, do mal pelo mal.
Logicamente, a ação do indivíduo prende-se a atos perdidos
ou praticados em seu longuínquo passado. O renascimento do
Espírito entra nessa filosofia tão naturalmente quanto o
constatar de que dormimos e acordamos, ou seja morremos e
renascemos.
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Não há para Jaimini, divindade criadora (existe a Lei). Sua


síntese pode ser assim exposta:
1º) Imanência do pensamento no Ser.
2º) Ação do ser no ato praticado.
3º) Do ato sobre a fórmula védica (sempre mágica).
A filosofia de Jaimini coincide perfeitamente, quanto à
imanência, com o pensamento de Le Roy (segundo o seu livro
“Dogme e Critique”, editado em 1907). Para os dois
pensadores separados pelos extremos da terra e pelo tempo
(Jaimini viveu 500 anos A.C.), o conceito é o mesmo. Diz Le
Roy:
“...tudo é interno a tudo no mínimo detalhe da
natureza ou da ciência a análise reencontra toda a
natureza e toda a ciência”.
Para maior identificação dos dois pensadores, levemos em
conta que a ciência moderna de Le Roy é equivalente à magia
védica de Jaimini. Pois o conceito de magia, em termos
modernos seria aplicação das leis naturais (demonstráveis ou
não, mas conhecidos seus efeitos). Jaimini não punha em
dúvida a ciência (ou magia) dos Vedas, como o cientista
moderno não duvida dos conhecimentos experimentados
dentro da física nuclear,
Não é sem razão portanto que G. Tucci, em sua “Storia
della Filosofia Indiana”. Afirma que a Mimansa é
substancialmente uma interpretação da doutrina vedantina,
tendendo a ser uma técnica de libertação. Mostrando o seu
aspecto cientifico o autor analisa a questão da ausência de um
deus criador, em Jaimini, mostrando que este pensador admite
a um só tempo a realidade da matéria e da alma.
O sábio italiano somente esqueceu (ou ignorou) que os
Vedas se dividem em: Rig-Veda, Yajur-Veda, Sama-Veda e
Atharva-Veda, este moderníssimo, portanto desconhecido pela
escola Purva-Mimansa.

Jaimini filiou-se à escola vedantina, com raízes no Sama-


Veda. Em se falando deste pensador indiano, torna-se
indispensável particularizar a questão das revelações
contidas nos Vedas, de fato codificadas por Vyasa. Melhor
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dizendo, são eles a codificação da sabedoria hindu
arquimilenar.
O Sama-Veda, considerado o “livro da Paz”, trata da
magia em termos de som, daí apresentar a potencialidade da
música. Dir-se-ia ter por finalidade o redespertamento da
força imanente pela magia sonora. Jaimini foi igualmente
músico e compositor, além de filósofo. Daí sua filosofia
ligar-se a Vyasa, quanto aos primitivos módulos sonoros dos
Mântrans. Por isso, quando o Verbo Divino ou som sagrado
fala, no Bhagavad-Gita, diz pela boca de Krishna:
“Nos Vedas, sou Sama-Veda (livro de hinos
sagrados); Entre os deuses Védicos, sou Indra (o rei
dos deuses); Entre as faculdades, sou a Razão,e nos
seres vivos, sou a Vida”.
Quando Krishna diz ser o Sama-Veda, equivale a designar-
se como Som, presença musical, hino que estende seu poder
ao Infinito, unindo o Homem ao Eterno. Daí dizer-se que foi
Indra que criou misticamente Arjuna, até que ele pudesse
ouvir a voz ou a tônica do Mestre. Afirmando que é a vida,
Krishna coloca-se como Som ou Mântran-Biha (a semente
mágica), a tônica primeira ou, musicalmente, o acorde
fundamental. Descoberto no interior do Ser este acorde,
atinge a plenitude de Atman.
Precisamente é o Sama-Veda, em sua forma original, não
interpolada por agregações religiosas e inúteis, que apresenta
o sentido exato do Mantran. Por isso foi escrito em versos, ou
cadências, nos quais se destacam sílabas em fôlegos ritimados
com a respiração modulada pelo sentido mágico que se
empresta ao canto. Para Vyasa, o instrumento perfeito é o
homem. O canto deve ressoar em seu aparelho fônico,
manipulado pelos dedos invisíveis da alma. Diz-se mesmo na
Índia, sobre a Música, que o Som percorre a flauta natural,
composta de sete nós, ou seja, a própria coluna vertebral,à
qual estão etericamente presos os sete chakras básicos. Por
isso o canto corre e vibra primeiramente inaudível ao campo
exterior, mas profundamente vibrante dentro do homem, até
que acompanhe o alento e saia com o ar, produzindo na boca a
magia sonora. É nesse instante que o mais miraculoso veículo
da natureza, a criatura humana, interfere em todos os
elementos naturais que a cercam e dos quais complexamente é
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formada. Eis por que, por força do mântran cantado, ocorrem
fatos aparentemente miraculosos; os animais procriam mais
harmonicamente; a vaca solta seu leite, a mulher dá à luz de
forma natural, não dolorosa; as flores abrem-se mais belas, as
sementes polarizam seus mistérios genéticos, as feras
adormecem, as rochas estalam fragmentos elétricos e
fosforescentes, as águas dos lagos tremulam, as ondas do mar
se acalmam (como diante da voz de Jesus). Enfim, a natureza
toda unifica-se ao homem natural quando o Som sai de sua
boca segredando aos elementos o mistério vibrátil da Vida.
Isto para não dizermos o que pode ocorrer como meio
Curador, terapêutico do corpo, principalmente dos nervos e da
alma do indivíduo. Estando aqui o capítulo que parece novo
ao Ocidente, mas que já existe há milhares de anos na velha
Índia. A Musicoterapia , da qual o Sama-Veda deve ser tido
como o tratado inicial. Daí falar-se de tal livro com um
compendio de magia. Se substituirmos esta palavra, por
ciência, teríamos no Sama-Veda, o início da “Ciência das
Vibrações” que tem hoje ocidentalmente seu início, e será em
futuro não distante o único meio eficaz de tratamento de
todas as moléstias. Queira-se ou não, as vibrações contidas
nas substâncias químicas, em termos atômicos, são a causa do
real tratamento. Cada planta ou erva guarda um teor sonoro
oculto (ou de vibrações) que permite curar a carência ou
distúrbio rítmico do órgão ou parte lesada do organismo.
Dos instrumentos fabricados pelas mãos humanas, quanto
ao teor terapêutico, é a flauta ou cana de sete furos a que
mais pode beneficiar o executante. Mesmo até aos que a
escutam. Principalmente as crianças.
Como receita de equilíbrio celular (e atômico portanto)
podemos extrair dos anais da sabedoria do primitivo
comentário de Jaimini aos Vedas, a seguinte receita musical
para o canto, aplicado, também à flauta:

Com relação ao Espírito ou Purucha


SÁ (dó) ----- ondulação ---- GÁ (mi)
descida GÁ (mi) --- descida ---- PÁ (sol)
descida PÁ (sol) --ondulação -SÁ (dó) descida
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Com relação à Matéria ou Prakriti
MÁ (fá) ----- ondulação ---- DÁ (lá)
descida RI (ré) ---descida --- NI
(si) ondulação---descida.

A execução deste mântran pode ser feita


indefinidamente. Sempre porém cantado ou soprado
quase que inaudivelmente. Seu efeito sobre os
doentes e crianças, bem como sobre os animais e
vegetais, é surpreendente. Não se deve porém, por
efeito da magia mental unida ao som, pensar nunca
na cura. Deixemos ao Som seu mistério e seu efeito
natural. Quer cantando ou soprando a flauta, a
respiração deve ser somente pelo nariz.
A universalidade desse mantran, de Jaimini, é o módulo
básico da música indiana, ligada às forças naturais. A
justificativa ou documentos escritos do que afirmamos quanto
ao gráfico exposto, nós não os possuímos, já que esta matéria
foi-nos transmitida oralmente, para figurar neste estudo dos
Mistérios da Índia que ora escrevemos. O crédito ser-nos-á
dado por quantos comprovarem a realidade do que expomos.
Disto não temos dúvida. No entanto, para engrandecer,
enobrecendo nossas palavras, nada melhor do que transcrever
o que H.P. Blavatsky diz em sua “Doutrina Secreta”, o maior
monumento literário de que se tem conhecimento sobre a
sabedoria oculta, principalmente da Índia:
“Mantrans ou encantamentos, salmos etc. são certas
combinações de palavras ritmicamente dispostas,
mediante as quais se originam certas vibrações que
produzem determinados efeitos ocultos.
Esotericamente os mântrans são, mais
apropriadamente, invocações mágicas que orações
religiosas”.
Justificando o que afirmamos, quanto ao efeito do Som
prossegue HPB.:
“Como ensina a ciência esotérica, cada som no
mundo físico desperta um som correspondente nos
reinos invisíveis e incita à ação alguma força no lado
oculto da natureza”.
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A insigne Mestra vai mais longe ainda:
“O som é o mais eficaz e poderoso agente mágico e
a primeira das chaves para abrir a porta de
comunicação entre os mortais e os Imortais... Por
outro lado, cada letra tem seu significado oculto e
sua razão de ser; é uma causa e um efeito de outras
causas precedentes, e a combinação destes produzem
com muita frequência os mais mágicos efeitos. As
vogais, sobretudo, contêm as potências mais ocultas e
fantásticas”.
Observamos assim o miraculoso poder que Vyasa exerceu
na psique dos indianos, ao compilar e codificar a Sabedoria
exposta no Sama-Veda. Bem como não pode ser jamais
esquecida a Purva-Mimansa, como escola filosófica e mesmo
precedentemente cientifica da Índia e da Humanidade. Já que
ninguém ignora o valor do Som, como música e canto, quer
para louvar o Eterno ou passar pelo tempo, na estrada da
Vida. Tudo canta em a natureza. Tudo é musica no Cosmos. E
a poesia, transfeita e revestida de versos habitados por
palavras, traz o mistério do encantamento. E o que somos sem
nos encantarmos? Nada. Instrumentos vazios, sem vibração,
sem som, sem música, sem Amor.
Quanto ao valor das palavras, desde a longínqua
antiguidade, revelaram-se fatos extraordinários, não só nos
textos tidos como sagrados, mas até nos versos e vocábulos
escritos e pronunciados com Amor. Há farta documentação,
incluindo-se os trabalhos de Plínio, da cura conseguida pelo
encantamento exercido pelos versos de Homero. Mesmo os
Latinos, colocando em seu idioma trechos da Ilíada,
acreditavam curar inúmeras moléstias e até debelar
epidemias. Espécie de exorcismo conseguido pela Poesia. De
fato, todos os povos em suas tradições e crendices possuem
“orações mágicas” para todos os males, desde as doenças do
corpo até o mau-olhado ou quebranto... De uma forma ou de
outra, faz parte do conhecimento intuitivo da alma o valor da
palavra, da música e do canto.Daí dizerem nossos irmãos
portugueses:
“Quem canta - seus males espanta”.
Por isso o canto, o ritmo dos atabaques até às orquestras,
os corais e os foles dos órgãos prateados erguidos à amplidão
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em todos os povos, os deuses e Deus são louvados pelos
crentes de todos os credos e cultos. Desde os cristãos
primitivos até os cantos gregorianos, a liturgia não prescinde
da voz e dos instrumentos humanos. Daí o valor dos hinos
védicos, cuja simplicidade toma o mesmo curso dos sons
produzidos pela natureza. Isto torna-se mais evidente quando
no vedismo, sem praticamente cosmogonia ou teogonia, os
deuses personificam os fenômenos, as forças naturais. De
modo geral os deuses mostrados pelos Vedas terminam por
misturarem suas características com o poder do Fogo e deste
com o Sol. Enfim, Agni é o poderoso meio entre o homem e a
Eternidade. No Rig-Veda, por exemplo, quase que na
totalidade os hinos são consagrados a Agni.
No sentido religioso, por vezes profundamente místico,
os Vedas produzem uma mitologia de elevado e doce sabor
poético.
Agni sintetiza o fogo da Terra, o relâmpago do Céu e o
Sol. – Surya, espécie de olho eterno de Dyôs, o pai do todo e
de tudo, esposo de Prithivi – a Terra, e, também casado com
Aditi, o Espaço sem Fim, que acaba por exercer poder sobre
seu amado. Daí os indianos colocarem, tantas vezes, Aditi
com a glória de tudo ordenar e dirigir, tornando-se a Mãe
Suprema, venerada com Natureza ou Mãe Divina.
O sol também surge como Varuna, isto, de noite, quando
oculto no céu noturno, parece vigiar as atitudes dos homens.
Rudra também é lembrado pelas tempestades e como protetor
dos rebanhos. A Aurora surge com o Uchas. O Crepúsculo
toma o nome de Azvins. Vayu sopra os ventos, Yama agasalha
os mortos, os Maruts nos olham pelos relâmpagos. Por fim
tantos e tantos deuses, revestimentos primitivos de tudo que é
natural e brilhante, tomando o nome de Devas.
Assim na letra dos hinos todos, esse nome e deuses entram
como palavras e se transformam em cânticos. Descobrir o
valor vibratório e musical das primeiras divindades indianas
foi tarefa de Jaimini.
Admite-se que os Vedas sejam, das obras escritas, as
mais antigas da Índia. Afirmação sobre a qual não
concordamos. Cremos que perdidas nos anais do tempo,
muitas compilações de ensinamentos devam ter sido feitas
pelos sábios e rishis atentos às Vozes Supremas de seus
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Arautos. Realmente, tudo na Índia é sempre mais antigo do
que possa a imaginação humana conceber.
Que foram os Vedas as primeiras Escrituras concatenadas
em forma definitiva de transmissão da Sabedoria, estamos
perfeitamente de acordo.
A julgar pela palavra Vedas - traduzível como revelação e
tendo, como já sabemos, origem no radical sânscrito Vid
(conhecer).
Parece-nos surgir misterioso quadro tendo por cenário as
Montanhas Sagradas do Tibet e, em primeiro plano, o
Manasa-Sarovara com suas águas espelhando os cumes
gelados, e aquelas nuvens lentas e pesadas como barcas que
levassem deuses no oceano dos céus... Realmente Manasa
Sarovara é o nome evocativo do lago sagrado, a cuja margem
eram compilados os livros sagrados. Ali os mais sábios e
elevados seres viviam e ensinavam aos peregrinos os
mistérios da Sabedoria Eterna ou mesmo da Gupta-Vidya, a
Ciência Oculta, somente revelada àqueles que vislumbravam o
selo do Eterno em seus corações plenos de Amor.
À margem do Manasa-Sarovara, Vyasa escreveu os
Vedas, dando forma definitiva aos fragmentos de luz retidos
pela Árvore do Tempo. Durante muito tempo confirmou-se
como verdade a lenda que contava a história de sete cisnes
brancos que desciam dos céu para singrar as águas do Lago
Sagrado. Muitos místicos afirmavam que os cisnes eram a
corporificação mayávica dos sete rishis nascidos de sete
estrelas que refletiam cintilações sobre o espelho líquido.
Cantores e poetas descreviam o lago como origem da fonte
que se transformava em cascata no interior da terra... Do
himalaya junto aos filetes líquidos que desciam, formando o
lago, vinha a interpretação do nome Manasa-Sarovara:
emanação da mente do Eterno. Os sábios explicavam o
mistério das águas retidas como da divindade ou Naga ,
serpente, que expressava a presença de um supremo Ser que
ali, expunha a grandeza da Eternidade, em seus ensinamentos.
Certamente esta serpente sagrada era a figuração simbólica do
rishi Veda Vyasa. Foi à beira das águas descidas do Himalaya
que, certamente, o suave Jaimini ouviu pela primeira vez a
música dos deuses ou o canto dos cisnes, despedindo-se das
ilusões do mundo.
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Antes de darmos início à quarta Darsana, a Sânkhia. Escola


indiana de Filosofia submetida a Purucha, apresentamos um
poema, não simplesmente pela poesia que possamos ter
colocado em seu texto, mas também pela recordação que se
fará dos termos nele empregados. O leitor certamente
emprestará o valor que os versos livres possam encerrar, na
mais pura intenção de louvar a mãe Índia, em seus
encantadores mistérios e fontes miraculosas de sabedoria,
como são as escolas que ora estamos estudando. Sem
entusiasmo é mesmo impossível a continuidade da jornada
que colocamos ante os passos de nossa vontade.
....Eis o poema:.....

Índia
Mergulho em teus mistérios
e procuro o que ficou de mim:
Franjas de nada, maya, ilusão.
Teus rishis absorvem meus dias
e pergunto se passei pela Terra
ou se meus pés se arrastaram,
confundidos com a poeira
dos caminhos.
Entre Purucha e Prakriti,
o mântran sagrado mostra-me
que a liberdade do samadhi
tem como porta os braços abertos
de Aditi, onde encontro
a fusão do jivâtman
à coroa ígnea de Surya.
Foi isto que fizeste de mim.
Velha Mãe Aryavarta.
Tento o caminho do Karma
e Kâma, o Amor,
só aponta, para meu destino,
beber das águas do Sarovara
onde os sete Ansas brancos
mostram-me, em seu vôo,
os montes níveos do Himalaya.
(L.G.)
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FILOSOFIA SANKYA

Têm sido as escolas filosóficas principais da Índia


apresentadas como definidas em sua peculiariedades
doutrinárias. No entanto, fora acréscimos indispensáveis a
cada escola, há entre elas pontos básicos niveladores do
pensamento Hindu, tal como é próprio das características
místicas da raça indiana. A escola Sânkya é bem o exemplo
do que afirmamos. Kapila, seu fundador, não é um
transformador das idéias básicas dos sábios antigos. Ele, mais
do que outro filósofo indu, vai buscar seu sistema no passado
remotíssimo, tanto na prática como no pensamento místico.
Krishna se refere e este ponto, dizendo no Bhagavad-Gita:
“Os inexperientes que principiam a estudar a
Verdade costumam designar o conhecimento e as
obras, ou abstenção da ação e a prática da reta ação,
como duas coisas diferentes; mas os sábios as
reconhecem como uma coisa só; pois quem tem o
conhecimento há de ter também as obras, e quem tem
obras, terá igualmente o conhecimento”.

Isto que o Mestre (Krishna) afirma ao discípulo


(Arjuna) é bem a que se reduzem os processos do pensamento,
quer na prática ou na teoria, ou seja a uma só verdade. Na
prática, a escola Sânkya pode encontrar, como veremos,
acréscimos dignos de nota. Na essência, a filosofia é a
mesma. Tanto que leigos, não familiarizados com os
meandros filosóficos da Índia, reduzem o pensamento de
Kapila, como G. Tucci, a um sistema que mostra duas
substâncias opostas: Purucha e Prakriti. Isto não apresentaria
nada de novo a todos os sistemas indianos. Realmente,
nenhum pensador hindu é inovador. Todos eles tornaram-se,
pelo contrário, mais autênticos, quanto mais mergulharam
fundo no passado formador do Pensamento da Raça. E aqui
reside a profundidade de Kapila, estranha personagem que
passa de grande sábio a ser confundido com um deus
prodigioso. Acreditando-se que os Puranas a ele já se
referiam, como possuidor de poderes tais que a um simples
olhar fulminava seus inimigos. A humanidade, guardando
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sempre a criança em seu seio, conta histórias acalentadoras
ou fantásticas para esconder a Verdade, nem sempre aceita
pelo homem. Ora, a julgar pela disnastia divina ou hierarquia
dos Vyasas, cujo último apareceu, na terra, por volta de 1400
anos antes de Cristo, se Kapila é de fato a figura semilendária
descrita nos Puranas, não resta sobre ele a dúvida de ser um
dos pensadores mais antigos da Índia. Isto porque foi um
Vyasa também o coordenador e escritor dos Puranas. Daí
talvez a interpretação dada ao olhar fulminante de Kapila,
capaz de num instante desfazer a ação das paixões desejos –
inimigos do sábio que busca a senda reta da Verdade.
Importante, porém, é investigarmos o que desenvolveu
Kapila como filósofo e o que expressa o sistema Sânkya.
Primeiramente, veríamos que esta palavra sânscrita pode ser
traduzida como teoria da enumeração ou numeração ,
somente. Tem sido esta escola definida como metafísica,
analítica e racionalista.
Como metafísica, a Sânkya se enquadra perfeitamente no
conceito ocidental exposto por Kant. Pois assume tal área
filosófica “uma ciência de conceitos puros” e ainda mais,
“uma ciência que pode ser obtida independentemente da
experiência”. Mesmo no conceito geral de metafísica, esta
escola indiana enquadra-se de modo exato no conceito
metafísico geral, como a ciência primeira que procura o
objeto comum ou o princípio que condiciona a validade de
todos os princípios aparentemente dispersos.
Kapila desenvolve sua metafísica descendo à analise
científica com sua teoria de retorno natural dos seres
chamados animados ou inanimados (para ele, sempre vivos e
animados, ou seja, possuidores de alma).
Sobre o conceito que Kapila empresta a Purucha e
Prakriti, básico em sua filosofia, H.P.B. os aceita e os coloca
na “Doutrina Secreta”:
“Segundo a filosofia secreta, o Purucha e o Prakriti
são os dois primitivos aspectos da divindade Una e
desconhecida”.
Expõe mais adiante a Mestra, na mesma obra citada,
referindo-se a Purucha e Prakriti”.
“Em sua origem são uma só coisa; porém ao chegar
ao plano diferenciado, cada um assume a evolução
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em direção oposta caindo o Espírito gradualmente
na matéria e ascendendo esta à sua condição
original, de pura substância espiritual”.

Como se depreende, Purucha e Prakriti são uma só mesma


energia diferenciada apenas pelo grau de descida e subida de
si mesma.
Dir-se-ia que Prakriti na subida, no Espírito, é Purucha e
este, na descida, na matéria, é Prakiti. Assim fica
estabelecido o sentido do retorno ou do movimento, para não
dizer da Vida. Conceito por demais aceito desde longínqua
data, esposado também pela filosofia de Lao-Tse.
Lembrando Thot, o Hermes Egípcio, quando diz:
“O que está em cima é como o que está em baixo”.
Quando ao lado de Kanada, Kapila é também reconhecido
como filósofo preso à escola Atômica. Creio que no campo da
descrição moderna da Energia e da Matéria, com graus
diferenciados de uma mesma presença, o mestre da Escola
Sankya sobrepõe-se ao criador da Escola Vaizechika.
Realmente se nós, místicos, dizemos que tudo é Vida ou
Deus, os pensadores materialistas afirmam que tudo é matéria
– mas não negam que tudo possa ser também Energia. Do
mesmo modo poderíamos, diante do movimento da roda da
Vida, dizer que tudo é Purucha ou que tudo é Prakriti.
Acreditamos que Kapila afirmasse mais facilmente que tudo é
Purucha, enquanto Kanada disse que tudo é Prakriti. Daí
talvez a sutil diferenciação em termos energéticos e atômicos
das duas escolas similares da Índia. Havendo
indubitavelmente um avanço e alcance metafísico muito maior
na escola Sankya. Daí termos nos reservado a falar mais de
Kapila e menos de Kanada.
Kapila prende à sua metafísica a presença de Pradhâna,
que ele coloca anexada particular e parcialmente a Prakriti.
Embora Pradhâna seja a matéria em seu estado atômico não
definido. Apressadamente se diria caótico. Mas não. Ela é o
estado ou substância de que se formam todas as coisas.
Melhor seria compararmos esta substância ao Akasha (ou
Âkâza) e mesmo ao Mulaprakriti dos vedantinos. Não
esquecendo que Mula (sânscrito) tem o sentido de causa,
base ou raiz. Assim Prakriti se vale da base ou causa
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substancial – Âkâza – para criar ou dar forma àquilo que o
espírito ou Purucha imprime em seu plano material .

A extensão dos termos filosóficos, em sânscrito, na Índia


tomam muitas vezes tantos sentidos que o estudante mal
avisado se perde em meio do caminho. Daí estarmos
procurando a lógica dos vocábulos, dentro da expressão dos
mesmos, em cada escola filosófica. Cremos com isso, ajudar a
quem busca a Luz da Sabedoria Oriental.
Importantíssimo ao estudo de Kapila é destacar o valor
que ele empresta às Gunas - palavra que assinala as
qualidades da matéria. São elas também atributos formadores
e próprios dos caracteres humanos. Este ponto destacamos
como notável. Kapila não faz separação entre as formas e
qualidades da matéria e as variações que dão nascimento às
características éticas da pessoa humana. Alma e corpo
obedecem, para ele, a mesma lei da vida.
Assim temos as três gunas: Sattva - Rajas - Tamas .
Tudo quanto existe e se manifesta nasce da combinação
desses três elementos constitutivos da natureza. Sempre com
a variaçao de intensidade de um ou de dois elementos.
Quando as três qualidades tornam-se sem a preponderância de
uma delas, dizem os orientais, a natureza entra em inação, ou
seja, aparentemente adormece. Seu íntimo harmônico porém
esconde toda a sua potência e energia. Kapila se refere a esse
estado como o mistério (aparentemente sem vida) da semente.
Não há uma só forma, cor ou som que não seja a manifestação
diferenciada que permite ao corpo, do mineral ao homem, a
expressão do trabalho oculto das Gunas.
No Todo Infinito, as gunas definem as manifestações dos
planos, do Espírito à Matéria, de Purucha a Prakriti:
A) Sattva assume proporções maiores sobre Rajas e
Tamas, no mundo dos deuses e seres imateriais.
B) Rajas destaca-se proporcionalmente a Satva e Tamas
nos atributos que geram os seres humanos.
C) Tamas é a qualidade que prepondera sobre Satva e
Rajas, para formar os minerais, os vegetais e os
animais.
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Deve-se notar que o destaque de uma guna não inclui a
ausência das outras duas, pois nada existiria sem a presença,
em graus de intensidade diferenciados, das três gunas.
Sobre a formação íntima, subjetiva e mesmo psicológica,
temos os três tipos básicos do indivíduo, quanto a seu caráter
e reações próprias do temperamento humano:
1) Satva:
- harmonia interior
- lucidez quanto ao entendimento da verdade
- atitudes de desprendimento e bondade.
-
2) Rajas:
- amor e paixão
- atividade mental e criatividade
- atitudes de solidariedade, mas passiveis de
sofrimento subjetivo.
3) Tamas:
- egoísmo
- passionalidade e pensamento mesclado de
imagens emocionais
- atitudes de avareza e de vingança.

Não é necessário dizermos que todo ser possui,


psicologicamente, reações próprias das três gunas. Havendo
porém preponderância de uma ou duas. Seres há que se
elevam a ponto de atingir somente o estado relativo a Satva.
Dize-se que estes não têm mais razão de retornarem à Terra, a
não ser pelo amor que têm a seus irmãos. Voltam à
encarnação desejosos de libertá-los. Outros seres existem que
se mantêm tanto tempo em Tamas (principalmente presos a
vícios mentais e físicos) que se transformam em verdadeiros
animais. No espaço, após a morte, são cascorões ou Kama-
Rupas (corpos densos) que atrapalham seus amigos e
parentes. Os espíritas os chamam acertadamente de
“obsessores”. ( Referência aos que não têm a centelha de luz).
Há também verdadeiros obsessores-Tamasicos, em vida,
perturbando a paz de seus irmãos na Terra.
Diz ainda Krishna, no Bhagavad-gita:
“Os Vedas descrevem Asvattha, que é uma árvore
invertida, com as raízes para cima e os galhos para baixo.
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É imperecível, e suas folhas correspondem aos hinos
védicos. Quem a conhece é conhecedor dos Vedas. Seus
galhos alçam-se para o céu e vergam-se até a Terra; sua
seiva nutriz representa as gunas, e seus rebentos
equivalem aos objetos sensórios. Suas radículas pendentes
significam as ações engendradas no mundo dos homens,
que os reatam com laços cada vez mais apertados”.

Nota: não esqueçamos que o ser humano é uma árvore


cujas raízes (cabelos) estão no céu.

As gunas ou triguna podem expressar não só as três cores


básicas, vermelho, azul e amarelo; como o ritmo, a melodia e
a harmonia; bem como a emoção, o sentimento e o
pensamento.
Sattva – amarelo (ouro) – harmonia – pensamento
Rajas – azul (anil) – melodia – sentimento
Tamas – vermelho (sangue) – ritmo – emoção

Encontramos nítida relação do exposto, sobre a triguna


com a divisao do homem dada pelo Egito: Cabeça , Peito e
Ventre. E também com a de Platão: Gnose (pensamento),
Kardia (sentimento) e Epitimia (emoção).
Cremos que as notas da triguna formem o acorde
composto de Dó, Mi, Sol e seja correlato às cores vermelho,
amarelo e azul.

Acreditamos que com tal composição ternária todas as


forças da natureza encontrem atributos à criatividade dos
reinos naturais, dentro do equilíbrio das gunas.

***

FILOSOFIA PATANJALI ou YOGUE

(5) A Escola de Pantanjali ou de Filosofia Yogue surge,


segundo alguns tratadistas, uns duzentos anos antes da nossa
era. Blavatsky admite que Pantanjali já existia 600 anos a.c.
55
Cremos que isto se aproxime mais da realidade. Pantanjali
fazia parte do grupo de sábios que caracterizava o círculo de
Panini, o maior gramático da Índia, e quiçá o orientador do
critério analítico e filosófico que permitiu o cultivo da pureza
do Sânscrito, bem como estabeleceu os meios e regras de
observação dos idiomas da humanidade. Nenhum filósofo que
se preze pode ignorar as 3996 regras apresentadas por Panini.
Daí seus escritos exercerem grande influência sobre o
Sânscrito clássico e logicamente sobre o modo de escrever de
Pantanjali.
Não perderíamos tempo se analisássemos a ação que
Panini exerceu sobre a linguagem das pessoas cultas (blasha)
quando esta passava a sofrer a influência inferior dos
múltiplos idiomas populares (prakritos). Panini criou a
(blasha) ou literatura básica que se distinguiu da escrita e da
pronúncia do povo. Foi ele que racionalizou e dividiu o
alfabeto, fez a distinção entre as consoantes: surdas e
sonoras. Deve-se também a ele a apofonia, ou seja, a mudança
do radical de um verbo em certos tempos de conjugação . A
palavra para este mestre tomava acepção sagrada. Falar era
retransmitir força, vibração e vida. Daí talvez seu esforço na
cooperação com o idioma Sânscrito. Foi tal a admiração que o
indiano teve pelo filósofo, contemporâneo de Pantanjali, que
sua obra Paninijam foi tida como ditada pelo deus Shiva.
A importância de citarmos Panini, está em lograrmos
saber que a palavra, em Pantanjali, assume as mesmas
proporções mágicas do grande filosofo, seu contemporâneo.
De fato, para expor tão magno tema – a Yoga – mister se faz
que a linguagem acompanhe a profundidade do pensamento
que se pretende declarar em palavras, exatas. E este, entre
outros, foi o mérito do rishi Patanjali.
A filosofia da yoga é baseada nos Sutras de Patanjali.
Sabemos que sutra quer dizer aforismo - palavra de origem
grega usada como definição. Assim os sutras de Patanjali
enquadram-se na filosofia por serem expostos como sentenças
ou fórmulas gerais . Possuem em seu magnífico estilo
concisões próprias para serem gravadas pelo homem, quanto
às suas idéias particulares . Como aforismos, os sutras são
pequenas sínteses resultantes da experiência. Patanjali fugiu
aos axioma s (que atendem mais à matemática , e fugiu da
56
aplicação das máximas cuja finalidade é mais moral que
científica, os sutras corporificam a filosofia da ciência das
funções psíquicas e, por vezes físicas, do comportamento
sensorial e espiritual do Ser. Por isso, em Patanjali, a ética
assume o papel de meio e não finalidade. Daí muitos autores
colocarem os Axiomas de Patanjali mais como obra científica
(prática) do que filosófica e teórica . Nós descobrimos os dois
atributos, científico e filosófico, em seu todo, quanto ao meio
e à finalidade dos sutras da Yoga. G. Tucci, em sua já citada
”Storia della filosofia indiana” , admite que os textos
principais do sistema Yoga, com base na Yoga-sutra, de
Patanjali, são compilações feitas sobre documentos mais
antigos - o que de fato é verdade - cuja filosofia coincide
igualmente com o Sistema Sankhya. Sendo porém a destacar
os exercícios graduais ( ou ciência apli cada às funções do
corpo) atinentes a libertação do Indi víduo.
Realmente a alma e o corpo mesclam-se num to do, na
filosofia de Patanjali. Assim como no pensamento de Sankhya
as gunas se aplicam à natureza e ao caráter do indivíduo . A
prova disto está nos graus fundamentais exigidos por
Patanjali para o indivíduo atingir a plenitude espiritual:

1) - Restri ção
2) - Cultura baseada nos textos antigos
3) - Posições (asanas) convenientes à perfeita meditação.
4) - Controle da respiração (ou pranayama)
5) - Controle dos sentidos
6) - Concentração
7) - Atenção continuada
8) - Recolhimento absoluto (ou samadhi) no qual
desaparece a dualidade entre quem contempla e o objeto
contemplado.

Esta síntese acima não implica em destacarmos como


condição básica do sistema de Patanjali o uso devido da
mente. Tanto que a primeira de suas regras estabelece como
definição íntima de seu sistema o seguinte:
“ Yoga é a cessação de todas as modificações da mente”.
Este aforismo é de grande importância na auto-realização
total do indivíduo. Pois tendo por base o sistema de Patanjali
57
a busca do EU, é necessário paralisar as múltiplas vibrações
da matéria que interferem na vivência secreta do Ser. Nosso
Ego inferior é como uma planta agitada pela ventania,
dificilmente sabendo a direção certa que devem tomar seus
galhos, suas folhas e suas flores. Isto quando não estala e
tomba mortalmente.
A supressão das ondas mentais inferiores é pois, o
objetivo precípuo da descoberta de Deus no Homem .
Para Patanjali os estados superiores da consciência só podem
ser atingidos quando da supressão dos múltiplos estados
mentais, ora em exaltação, ora em depressão.
Referindo-se a este estado superior da consciência,
escreve Annie Besant:
“Se alguém deseja, pois, praticar a Yoga, é
absolutamente necessário desenvolver o que se chama
Vairagya, isto é a ausência dos desejos pelos objetos
exteriores . Este é o primeiro passo . A palavra Vairagya
está composta do vocábulo Raga, paixão (estou
apaixonado por tal ou qual objeto), e de um prefixo
privativo. O primeiro passo é, pois, o “não-
apaixonamento”, a ausência de paixão por todos aqueles
objetos que despertam os desejos no homem comum “.

Tudo que a insigne autora afirma está sintetizado no


primeiro grau exigido por Patanjali: - Restrição - Realmente
a filosofia deste rishi tem por objetivo o domínio da mente,
para propiciar ao Espírito a libertação dos laços da matéria .
Já que o ponto final que o mestre oferece é a união com a
Divindade . Dir-se-ia, em termos da escola Sankhya, que
Patanjali pretende a separação de Purucha e Prakrit.
Colocando Purucha em plenitude vital. Daí o cuidado que os
discípulos devem ter com os Siddhis .
Os Siddhis expressam os poderes psíquicos . Tais poderes
podem tomar dupla direção. Ora, os Siddhis apresentam o
sentido superior do homem, mostrando-lhe a grandeza de suas
faculdades relativas à função subjetiva do Eu Divino ou
Jivatman. Ora, os Siddhis apresentam ao indivíduo apenas
atrações grosseiras e até bestiais .
H.P.B. encontra ilações entre os Siddhis (sânscrito) com
o Iddhi (pali), segundo lemos em ”A Voz do Silêncio.”
58
À guisa de curiosidade, vale a pena perguntar: - teria
Freud se valido da palavra pali ”iddhi ” quando coloca na
psicanálise o seu ID ? Ou quem sabe do próprio sâns crito –
siddhi?
Realmente o ID freudiano encontra certas ilações com o
ponto de vista oriental, quanto ao que atende apenas ao eu
inferior (do qual Freud não saiu em sua Psicanálise). O id,
deste psicólogo é o ”componente arcaico e inconsciente do
sistema de energias mentais” . Até aqui não é outro o sentido
emprestado pela Yoga aos Siddhis ou Iddhis. Quando Freud
liga seu ID ao campo da libido, temos o sentido oriental dos
Siddhis inferiores, numa idêntica interpretação dada a estes
pelos Rishis. Fal tou a Freud o conhecimento das escolas
orientais em seus meandros secretos.
Procuremos agora seguir os passos reais de Patanjali ou da
Yoga-sutrani, como também são conhecidos os aforismos
deste pensador hindu . Sua obra básica consta de quatro livros
1) Samadhi
2) Samadhi-prapti ou Sadhana
3) Vibhuti
4) Kaivalya
O primeiro trata da Concentração; o segundo, dos meios
de obter a Concentração; o terceiro mostra os Siddhis ou
poderes psíquicos e o quarto, versa sobre a Uni dade e a
libertação do Ser.
Dentro de sua exposição clara e fecunda, como sábio e
perfeito clássico da língua sânscrita, expõe em síntese as
regras que de início enumeramos, mas que podem estar
melhor sintetizadas nas seguintes expressões ou Yogangas :
l) - yama
2) - niyama
3) - asana
4) – pranayama
5) - pratyahara
6) - dharana
7) - dhyana
8) - samadhi
1 – Yama - poder que contêm os impulsos ou sidhis em
termos de desejo . Daí surgirem certos precei tos úteis ao
equilíbrio do indivíduo:
59
a) não fazer mal a nenhum ser vivente
b) sinceridade
c) não desejar ou apropriar-se dos bens alhei os
d) continência ou castidade
e) desinteresse ou renúncia a tudo que desvie a
atenção do interior

2 - Niyana - meios internos e externos :


a) higiene mental
b) higiene corporal
c) 0privações, jejuns e até mortificações (usadas,
mas não aconselhadas por Patanjali)
d) estudo dos textos sagrados
e) abandono do ser à divindade.

3 - Asana - atitude própria à verdadeira meditação.


a) quanto à posição do corpo
b) atendimento à respiração perfeita.

4 - Pranayama - domínio total da respiração.


(mais particularmente, de prana - alento da vida
anexado ao ar), subtendendo:
a) puraka - inspiração demorada) guardando todo o ar
captado pelos pulmões
b) rechaka – expiração, deixando esvaziar totalmente os
pulmões
c) kumbhaka - paralisação da entrada e da saída de ar
dos pulmões
obs: as três etapas são repetidas, uma após outra, sempre,
porém, iniciando pela primeira ou puraka .
Krisha se refere ao pranayama quando diz, no Bhagavad-
gita :
”Outros praticam a respiração sagrada, e pondo em
harmonia o habito interior e o exterior, dominam a
aspiração e a expiração pelo poder da vontade, ”

5 - Pratyahara - alheamento e abstração total da mente .


Motivando até a ausência das funções sensoriais:
a) esquecimento do eu inferior
b) siddhis voltados para Eu superior ou. Jivatman
60
Após ter conseguido o estado de Pratyahara o discípulo
pode galgar a posição superior da mente ou Manas - isto pela
purificação mental atingida. Os outros três graus seguintes
mostram a iluminação espiritual: Dharana, Dhyana e
Samadhi .
Sobre o que, de fato, expressam Dharana, Dhyana e
Samadhi, diz o ”kurma Purana” - um dos puranas dedicados
ao deus Shiva:

”A mente se concentra em um ponto concreto


(dharana) . Então começam a se elevar ondas mentais
de uma classe especial. Não são absorvidas as demais
ondas do pensamento, pois que, pouco a pouco se
tornam dominantes, ao passo que as outras retrocedem
e acabam por desapare cer. Logo, a multiplicidade
dessas ondas deixa o sítio à unidade. Na mente
permanece uma só (dhyana). Quando já não faz falta
nenhuma base; quando o conjunto do espírito se
converteu numa Única, eis que se produz a suprema
contemplação espiritual (Samadhi ) . Privado de toda
localização de extensão e de centro, só está presente o
sentido do pensamento (isto é a parte inferior da
percepção cujo objeto era o efeito). Se o Espírito pode
se fixar no centro durante doze segundos, eis que se
produz Dharana . Doze Dharanas desta classe formam
uma Dhyana e doze Dhyanas conduzem ao Samadhi ...
que é a felicidade pura do espírito ”.
Após este trecho do ”Kurma Purana” quase nada
teríamos que acrescentar sobre os três estados superiores
do Ser. Será útil porém, que sintetizemos as três
caracter ísticas finais.
6 - Dharana - atenção total da mente em ponto determinado
pela vontade, sem que haja interrupção de tempo, a não ser
determinado pela vontade do indivíduo.
7 - Dhyana – literalmente, é contemplação. Na prática,
meditação. Enfim é mais do que ambos , pois vive como um
estado interior indefinível . Diz-se mesmo que é o último
grau para a terra e o penúltimo para o espírito, tal a sua
grandeza e a dificuldade de atingí-lo. Nos afo rismos,
Patanjali define claramente :
61
”Dhyana é a contínua, prolongada corrente de
pensamento dirigida a um objeto determinado até
chegar a absorvê-lo ou unificar-se com ele.”
8 - Samadhi - contemplação estática ou supremo estado de
inação. Samadhi é derivado de sam e adha tendo o sentido
de posse de si mesmo. Quer dizer: o Eu vive em plenitude
nele e dele mesmo.
Diz Annie Besant:
“O samadhi é um estado em que a
consciência se encontra tão distanciada do corpo
que este perm anece insensível. É um estado de
arrebatamento ou de êxtase em que a mente é por
completo consciente de si mesma, e da qual volta
a este corpo com os conhecimentos e as
experiências que adquiriu no plano super-
físico...”
Para Patanjali, segundo suas próprias palavras ”a
Yoga é o controle das idéias do espírito”.
Isto faz acreditar que haja em nosso ser oculto idéias
que não podem ser atingidas sem a união (ou yoga) entre o eu
menor e o Eu Maior . Deve, segundo esse rishi, haver
“identifi cação com as próprias idéias”.
Diz patanjali: ”Controla -se o Ser pela prática e pelo
desprendimento”. Acrescentando: “O desprendi mento é mais
elevado quando o desejo das qualidades da na tureza
desaparece forçado pelo conhecimento do homem re al”. Este
homem real - dizemos nós - é o Verdadeiro Eu.
Patanjali apresenta duas formas de conhecimento,
dizendo : ”O conhecimento adquirido por testemunho e
inferência diz respeito às coisas comuns. Aquele adquiri do
pelo Samadhi é de ordem muito mais elevada, pois é ca paz de
penetrar onde o testemunho e a inferência não são capazes de
atingir. A impressão que resulta do Samadhi triunfa de todas
as outras impressões”.
O grande místico preocupava-se com o sofrimento
humano. Afirma nos seus Aforismos :
“A Yoga da vida corrente comporta a concentração
em Deus. S0eus fins são os de facilitar a
contemplação e de provocar a redução das fontes da
62
dor. As fontes da dor são: a ignorância, o egoísmo,
o desejo, a aversão e a idéia de posse”.
Acreditava Patanjali que as ”Fontes da dor podiam
encontrar meios de extinção: suas formas podem ser
dispersadas pela meditação”.
Para este filosofo viver e reviver a tristeza não levaria a
nada. Textualmente diz: ”A alegria permite obter a mais alta
forma de felicidade”.
Acredita-se que Patanjali tenha tido igualmente
conhecimento dos plexos ou padmas (ou chakras) do
indivíduo. Ass im lemos nos Aforismos: ”Pela prática do
Samyama sobre o círculo do umbigo se logra o conhecimento
do corpo”. Igualmente são assinalados pontos que levaram
Manilal Dvivedi , no ”Comentários dos Aforismos de
Patanjali” a mostrar o conhecimento deste mestre sobre os
mistérios das forças vitais do corpo físico-etérico e astral do
indivíduo. Aliás sobre as funções orgânicas da criatu ra
humana Patanjali se torna notável por seu “Tratado de
Medicina”. Por tudo que nos é revelado sobre tão respeit ável
Mestre, somos obrigados a crer que sua Escola Filo sófica foi,
de fato, uma torrente de luz sobre o Oriente, transbordando de
claridade sobre nossa alma ocidental .

* * *

FILOSOFIA UTTARA MIMANSA ou VEDANTA

(6) Chegamos à 6ª Darsana, Escola Filosófica denominada


Utara-Mimansa ou Vedanta.
Como já vimos anteriormente, Uttara-Mimansa é o
segundo dos Mimansa; O primeiro, já estudado, é 0 Purva-
Mimansa. A Vyasa cabe o desenvolvimento do segundo
Mimansa - mais conhecido como Vedanta. Certamente a
escola de maior influência no pensamento filosófico da Índia .
Nenhum passo seria dado no todo do conhecimento da
revelação da sabedoria hindu sem nos ligarmos à Escola que
tocou fundo na alma dos grandes transmissores do misticismo
63
oriental . Tanto assim que a Vedanta é chamada pelos rishis
como “a coroa dos Vedas.”
A escola Uttara-Mimansa ou Vedanta é aquela que se
caracteriza por buscar o sentido místico metafísico dos
Upanichads. - O que são os Upanichads?
Na tradução, pelo sentido que expressa, segundo os
sábios, Upanichad é “o que apaga a ignorância, permitindo a
libertação”. Lembrando aqui a frase de Jesus : ”Conhecereis a
Verdade, e a Verdade vos libertará ”.
Libertar de que? - Logicamente da treva dos desejos e
paixões, para lograr a libertação do Espírito .
São os Upanichads considerados as primitivas
revelações da sabedoria fora os Vedas, é claro. Portanto
discutir o período ou data de seu aparecimento é tão ocioso
quanto dizer como certos orientalistas, que eles foram
escritos somente há 600 anos a. c . Pelo contrário a julgar
pela influência exercida no pensamento dos mais antigos
sábios e obras escritas - a sua antiguidade está perdida em a
noite dos tempos . Basta dizer que são mais antigos que os
Brahmanas - obras compostas para os sacerdotes Brahmanes
guardando os segredos dos
rituais e só verdadeiramente compreendidos pelo dwija
(regerado ou duas vezes nascido). Quer dizer, aquele que
encontrou Deus em si mesmo. O mesmo que iniciado e
iluminado a um só tempo. Isto porque o indivíduo pode ser
um iniciado, sem ter logrado atingir a iluminação (encontro e
vivência consciente do EU ou Jivatman).
Os Upanichads são eminentemente metafísicos.
Abordam as conexões entre Purucha e Prakriti (Espírito e
Matéria). O Jivatman e Alma (buddhi) são expostos de modo
peculiar às obras de grandes revelações.
A Vedanta é também chamada Brahma-Jnana ou
Sabedoria Divina . Jnana expressa o conhecimento adquirido
por livros ou transmissão oral dos mestres . Diferente do
sentido dado a Vijnana que é o conhecimento direto ou
adquirido pela percepção espiritual (intuitiva) daqueles que
atingiram a intimidade do EU. Assim Jnana unida a Brahma
(Brahma-jnana) é o conhecimento tradicional ministrado
pelos seguidores das obras clássicas da sabedoria .
Evidentemente os comentadores ou explicadores das obras
64
clássicas, como os Upanichads, eram possuídos de vijnana,
como no caso dos Vyasas - onde samapti (ou intuição) se
manifestava em toda plenitude . (É sempre bom lembrarmos
que não houve só um Vyasa, como já foi dito).
Segundo os ensinamentos hindus, o indivíduo depois de
atingir paravairagya - desprendimento total e ausência de
desejos - mediante sua paz interior, adquire o poder intuitivo:
tudo se fazendo como é, sem variações mayávicas ou
ilusórias. Mais que conhecer , então, o indivíduo sabe, sem
recorrer a meios racionais (ou de manas inferior). Manas em
toda sua grandeza mergulha no mar da Sabedoria Divina. Não
porque o indivíduo aprende, mas sim porque ele apreende a
verdade, por si mesmo.
Possuído, portanto do sexto sentido próprio dos
verdadeiros rishis, Vyasa pôde apreender nos Upanichads a
revelação real quanto ao meio filosófico relativo à
investigação (ou mimansa) . De qualquer forma a Vedanta é a
expressão filosófica do Brahmanismo. Daí sua maneira
metafísica de ser.
Tem-se dito que a Vedanta representa o pensamento da
aristocracia espiritual . Embora sendo tal afirmação certa, isto
não quer dizer que ela justifique o valor das castas. Pelo
contrário, seu intento é iluminar ou dar conhecimentos que
possam atenuar as divisões hindus (porque não dizer
universais?) no campo psicológico e social . Tanto isto é
verdade que a Vedanta, com toda sua aristocracia filosófica,
pôde por muitos, ser tida como a religião preferida. Daí dizer
Max Müller que: ”a Vedanta é a mais sublime de todas as
filosofias e a mais confortante de todas as religiões .”
Quanto à definição filosófica da Vedanta até a gora, a
melhor que conheço foi enunciada por Abhedananda:
”Muitas pessoas têm uma idéia errônea de que a
filosofia Vedanta, significa uma filosofia limitada
exclusivamente aos Vedas ou as Escrituras Sagradas da Índia;
porém no presente caso o termo “Veda” não significa livro,
mas “Sabedoria” e “anta” quer dizer ”fim”. Vedanta significa,
portanto, ”o fim da sabedoria”, e filosofia, chamada Vedanta,
porque explica qual é esse fim e como pode ser obtido”.
65
A afirmação de Abhedananda dizendo que a Vedanta
não se prende somente aos Vedas e às Escrituras Sagradas é
tão real que Krishna declara:
“Eu estou em cada religião como o fio através
dum rosário de pérolas . Sempre que virdes
extraordinária santidade e extraordinário poder
brotando e purificando a humanidade, sabei que ali
estou Eu.”
É interessante lembrar que Krishna fala como se Deus
enunciasse a verdade por seus lábios. Isto aliás é próprio de
todos os manifestantes do poder e sabedoria de Deus.
O mais recente exemplo disto vemos no magnífico
profeta persa Baha’u’lláh.

E o próprio Vyasa diz:


“Achamos homens perfeitos também além das
fronteiras da nossa casta e de nosso credo “.
Realmente a Vedanta engendra em si mesma um sentido
universal que não perde oportunidade de descobrir fi losofia
na religião ou de encontrar religião na filos ofia. Isto porque o
conceito vedantino de religião prende-se, de fato, ao sentido
etimológico de nossa palavra religião: religamento – união.
Nos orientais, religião verdadeira é a própria Yoga (também
no sentido de União).
Quando estudamos a Vedanta, os termos religião ou
filosofia são variações ou sinônimos de um mesmo sentido e
significado da verdade.
Vivekananda, expressando esse ponto luminoso da
unificação proposto pela Vedanta, cita as palavras de um
velho hino hindu:
”Assim como os diferentes arroios têm suas
fontes em diferentes pontos e vertem todos suas águas
no mar, assim, oh! Senhor! as diferentes sendas que os
homens tomam por diferentes tendências, por diversas
que pareçam, tortuosas ou retas, todas conduzem a
Ti.”
Inegavelmente, só a doutrina isenta de paixões e
dogmas como a Vedanta, pode apresentar, principalmente no
confronto com as religiões e filosofias do oriente, tão grande
poder de unificação . Não pelas ramas apresentadas pelos
66
muitos credos e princípios e por ensinos dogmáti cos - mas
sim uma unificação realizada pelas raízes que se entrelaçam
num todo de Amor e Vida.
Aliás toda essa grandeza espiritual que enobrece a raça
humana está calcada no tempo. As primeiras sementes da
Sabedoria e do Amor prenunciam a idade dos Vedas .

Diz H.P.B.:
”Sem sombra de dúvida, perdidos e ignorados
entre povoamento de memórias fenomenais e cérebros
metafísicos, existem hoje em dia na Índia modestos
shastris e panditas cujos conhecimento lhes é
permitido provar, irrefutavelmente para muitos, que os
Vedas são os livros mais antigos do mundo”.
Pasmem os leitores desavisados sobre os números e o
tempo, na Índia. Diz a mesma escritora:
Um destes investigadores ou shastris antes citados,
publicou no ”the theosophist” (agosto/ l881) um engenhoso
trabalho no qual demonstra astronômica e matematicamente
que: se o exame crítico das obras pós-Vedicas , desde os
Upanichads e Brahmanas até os Puranas, nos revelaram 20000
anos antes de Cristo, resulta que os Vedas devem ter sido
escritos uns 30000 anos antes da era cristã data que devemos
admitir atualmente como a idade desse ”livro dos livros”.
O encaminhamento da filosofia vedantina toma as duas
acepções enunciadas no Mundakya-Upanishad:
”A ciência popular, através das suas
diversas ramificações estuda e explica os
fenômenos; a ciência mais elevada, a
realização do Uno ImperecÍvel”.
Diz ainda o vedantino Abhedananda:
“... a mesma realidade se expressa no mundo
objetivo como matéria, e no mundo subjetivo co mo
mente: - naquele , como gravitação, eletricidade ,
calor e movimento; neste, como inteligência,
compreensão, emoção, vontade etc. A realidade é
uma, mas as suas manifestações são várias . Por
conseguinte, a conclusão última da ciência é a
unidade na variedade”.
67
Este mesmo conceito é defendido igualmente por
Vivekananda, tendo em vista o pensamento da escola Uttara-
Mimansa:
“Que quero dizer então por ideal duma religião
universal? Não quero dizer uma filosofia universal,
nem uma mitologia universal, um ritual universal,
porém sim que este mundo, esta intrincada máquina,
muito intrincada, muito assombrosa, deve andar em
boa ordem .
Que podemos fazer nós? Podemos fazer que ela
ande suavemente. Podemos diminuir a atrição,
podemos engraxar as rodas, digamos. E como?
Reconhecendo a variedade . Do mesmo modo que te mos
reconhecido também a variedade, devemos aprender
que a verdade deve ser expressada de cem mil modos
distintos, não obstante ser cada um certo”.
Vemos que a Vedanta engendra em si uma filosofia plena de
tolerância.
De fato foi Shankaracharya (ou Sankara) o gran-
divulgador da filosofia vedanta, no século oitavo de nossa
era. Atribuem-se a ele numerosas obras, 1nclusive os
comentários, plenos de Sabedoria, sobre o ”Bhagavad -gita e
os Upanichads. Sendo a mais importante de suas obras os
estudos, por ele feitos, sobre os Aforismos de Vyasa. Era tão
grande seu saber e sua luz que muitos admitem ter sido este
Mestre uma encarnação de Gautama, o Buddha.
É indispensável que saibamos que a Vedanta se divide
em três escolas básicas :
1 ) Dvaita (dualista)
2) Vizichtadvaita (também dualista)
3) Advaita (monista, não dualista, da qual
Shankaracharya foi o mestre e fundador).

A Escola Dvaita-Vedanta, sustenta a separação do


espírito individual (Jivatma ) do espírito-universal.
(Paramatma ).
A Escola Vizichtadvaita (ou vizichta-dvaita vedanta),
dualista também, julga atingir detalhes, dizendo-se mais
profunda em seus conceitos.
68
Por fim a Escola Advaita, a mais próxima da grandeza
do espírito de Vyasa . Resume seus enunciados na expressão -
Tat Twan Asi - li teralmente “TU ËS AQUELE” . No caso,
Jivatma e Paramatman se identificam. O Eu parte de Deus.
Sempre a sabedoria de Jesus : ”Eu e o Pai somos Um”.
É da escola Advaita que os sábios extraem a es sência
mais pura do que Vyasa descobrira nos Vedas, como Religiao-
filosofia.
Helena Petrovna Blavatsky, na ”Doutrina secreta”
apresenta uma magnífica síntese da Escola Vedantina sob a
luz Advaita de Shankaracharya da qual extraímos os seguintes
fragmentos:
1) Reúne e acumula a Doutrina Esotérica dispersa nas Obras
sagradas. Descobre o poder do Simbolismo oculto.
Destaca a contemplação luminosa daqueles videntes que
penetraram no íntimo da matéria e analisaram a alma das
coisas. Unifica as tradições transmitidas oralmente de
uma raça mais antiga a outra, sobre os ensinamentos dos
seres superiores que velaram sobre a infância da
humanidade: Homens sábios da Quinta raça pertencentes
aos grupos salvos e livres do último cataclismo e
alterações dos continentes, os quais passaram aprendendo
os Mistérios da Sabedoria, submetidos espiritualmente a
homens que aperfeiçoaram ao grau superior suas
organizações físicas, mentais, psíquicas e espirituais.
2) O Sistema Filosófico toma como Lei Funda mental a idéia
de um princípio substancial , uno, homogêneo e divino
tendo por base a Causa Radical e Única ao redor da qual
tudo se faz e se torna dependente. Princí pio substancial que
se converte no estado do universo manifestado. Princípio
no Espaço visível e invisível, sem começo nem fim,
abstrato, Realidade Onipresente. Impessoal, porque contém
tudo e cada uma das coisas . A impersonalidade é o conceito
fundamental do sistema. Está latente em todos os átomos
do universo e é o universo em si mesmo.
3) O universo é a manifestação periódica da Essência
Absoluta e desconhecida, melhor seria dizer-se Aquilo,
como não sendo nem espírito, nem matéria , senão ambos de
uma só vez. Parabrahman e Mulaprakriti, são Uno em
realidade, se bem que sejam Dois no conceito universal do
69
Manifestado, até o conceito do Logos Uno, a primeira
“manifestação”, a qual como demonstra o próprio
Skaracharya, em “Notas acerca do Bhagavad-gita”. Aquilo
aparece desde o ponto de vista objetivo como Mulaprakriti
e não Parabrahma; como seu véu ilusório, e não como a
Realidade Una oculta atrás dele mesmo, a qual é
incondicionada e absoluta .
4) O universo, em tudo que contém, é chamado Maya, porque
tudo nele é temporal, desde a vida efêmera de uma fagulha,
até a do sol. Comparado com a eterna imutabilidade do
Uno, e com a imutabilidade do Princípio, o Universo, com
suas formas efêmeras em permutas perpétuas não deve ser,
para a inteligência de um filósofo, mais que um fogo fátuo.
No entanto o universo é suficientemente real para os seres
conscientes que nele residem, os quais são tão ilusórios
quanto ele mesmo.
5) Cada uma das coisas no universo, através de todos os seus
reinos, é consciente ; isto é, se acha dotada de uma
consciência de sua espécie própria e em seu plano de
percepção . Devemos ter presente que, só porque nós não
percebemos nenhum sinal de consciência nas pedras , por
exemplo, não é por isso que temos direito de dizer que
nenhuma consciência existe ali . Não existe nenhuma coisa
como matéria ”morta” ou ”cega”, nem tampouco existe
alguma lei ”cega” ou ”inconsciente”. Tais idé ias não
encontram lugar entre os conceitos da Filosofia Oculta.
Esta jamais se detém ante aparências superficiais, e para
ela possuem mais realidade as essências noumenais que
suas contrapartes objetivas.
6) O Universo é dirigido de dentro para fora. Tal como é em
cima é embaixo , assim nos céus como na ter ra ; e o
homem, o microcosmo é a cópia em miniatura do
macrocosmo, é o testemunho vivo da Lei Universal e de sua
maneira de agir. Vemos que cada movimento externo,
ação, seja de modo voluntário ou mecânico, orgânico ou
mental, é precedido e produzido por um sentimento ou
emoção internos , por vontade e volição e pelo pensamento
ou mente. Pois nenhum movimento ou troca, quando é
normal, no corpo externo do homem, pode acontecer a
menos que seja provocado por um impulso interno, por uma
70
das três funções citadas; e o mesmo sucede no Universo
externo e manifestado . Todo o Cosmo é dirigido, vigiado e
animado por séries quase intermináveis de hierarquias de
Seres sensíveis, tendo cada um deles uma missão a cumprir.
Estes Seres são ”Mensageiros” ou agentes das leis
Karmicas e Cósmicas. São graus de consciência e
inteligência que assumem gradações infinitas. Cada um
desses seres encontra possibilidades de manifestação
humana na Terra, nem que para tanto esperem distantes
Manvantaras . O que diferem certos seres de hierarquias
superiores dos homens é que eles se acham livres do
sentimento de personalidade e da natureza emocional e
humana; por isso são menos influenciados por Maya.
Admite porém tal metafísica que o homem pode retornar ao
reino das Hierarquias Superiores, perdendo a densidade
emocional e os desejos que o prendem a Maya (ou ilusão).
Acredita o sistema Vedanta que há seres (os Rishis e
Adeptos Superiores) que conservam suas personalidades,
mesmo vivendo entre os seres humanos, tendo totalmente
separadas sua parte espiritual e sua parte física. Por isso
estão conscientemente, no Céu ou na Terra segundo o
estado de consciência a que se ligue voluntariamente. Dir-
se-ia que estes são Mensageiros Encarnados.

Assim chegamos ao término do estudo sintetizado das


seis escolas básicas de filosofia da Índia. Evidentemente
muito poderia ter sido dito em seus detalhes e meandros do
riquíssimo pensamento Indu.
Acreditamos ter reservado matéria elucidativa sobre os
temas abordados em capítulos que desenvol veremos no
transcorrer de nossos estudos .

**
71
ANÁLISE DAS ESCOLAS FILOSÓFICAS

Terminada a exposição sintética das seis grandes escolas


Filosóficas da Índia, perguntamos:
Como reagiu nosso espírito ocidental ante os enunciados
de Kananda, de Gautama, de Jaimini, de Kapila de Patanjali e
de Vyasa?
Certamente ficamos entre seduzidos e abismados.
Seduzidos, porque o mundo misterioso, mesclado à
revelação místico-filosófica dos pensadores hindus, fun dem
numa amalgama luminosa os deuses e os homens, a na tureza e
a alma, o Espírito e a Matéria, Purucha e Prakriti.
Abismados, porque após o longo estudo que demanda
uma vida (ou mil encarnações) para assimilar os enunciados e
sistemas da Sabedoria Indiana, sentimo-nos semelhantes a um
grão de poeira dourada perdido na radiosidade de Surya.
O que toma o Oriente como meio de busca da Verdade
não pode fugir do bem. No Ocidente a cultura e qualquer tipo
de caráter são atributos conciliáveis . No oriente não. A
Filosofia e a Ciência são apenas reveladas aos puros de
coração, em seus meandros esotéricos e secretos . É claro que,
no Evangelho de Jesus, como nos diálogos de Platão, nós
vemos fartas considerações a este respeito. Isto sem falar em
Pitágoras cuja influência sofrida pelos rishis é notória e
sabida por todos os estudiosos. O mesmo descobrimos em
Roma, nos seus legítimos pensadores, como Cícero e tantos
outros. Mas as cátedras, as universidades que se seguiram aos
ensinos organizados da F ilosofia e da Ciência, no ocidente,
seguiram os caminhos da própria Religião - abrindo suas
portas ao ensino da verdade (será mesmo verdade? ) Aos bons
e maus, aos deuses humanizados e aos demônios
personificados . Haja vista em que culminou a religião , nas
mãos dos irresponsáveis e maus. Autêntico instrumento da
maldade e da perseguição dos justos. E a Filosofia
transformada em Ciência, o que fez do homem - mormente em
nossos dias? Verdadeiro meio de destruição guerreira,
retrógrada, da felicidade dos povos .
72
Daí ser diferente, em suas revelações, o critério da
filosofia Hindu. Mormente em seus primórdios, quan do o
saber não era mais digno do que o valor intrínseco do
indivíduo.
Daí lermos nos Upanishads :
“O Ser jamais será conquistado pelo Veda, nem
pela compreensão, nem por muito estudo . O Ser
escolhe seu corpo como seu próprio corpo..
Aquele que não se afastou de suas culpas, aquele
que não está tranqüilo e submisso, cuja mente não está
em paz, aquele não poderá nunca receber o Ser nem
mesmo através do Conhecimento ”.
Como explicação do texto citado, podemos relembrar o
que o hindu sente como sendo o Ser, segundo o ”Upanishad
Svetasvatara” :
”O Ser, menor que o infinitamente pequeno, maior que
o infinitamente grande, está escondido no coração da
criatura . E o homem que deixou para traz todos os
sofrimentos vê a majestade, o Senhor, aquele que é
sem paixões. Em verdade vê pela graça do Criador.
Eu conheço esse Ancião Imortal, o Ser de todas as
coisas, o que é Infinito e Onipresente. Diz-se dele que
é Aquele em que todo o nascer é o brigado a parar. Os
estudiosos de Brahma o pro clamam eterno”.

No Oriente o sustentáculo do indivíduo vem do in terior


do Ser. No Ocidente o homem busca apoio no mundo exterior.
O Oriente possui a profundidade da verticalidade. No
Ocidente, a horizontal assinala a superficial idade dos
sentidos. No oriente, o indivíduo se liberta em seu inte rior.
No oci dente, a criatura se crucifica em seu exterior.
O que ficou portanto como síntese dos conhecimentos
exarados pelas seis escolas filosóficas da Índia foi a
Imanência de um Poder (que chamaríamos de Deus) e a
descoberta deste poder no Homem, pela pureza realizada em
sua mente. Estes pontos essenciais e básicos oferecem as
bases da mais antiga Filosofia da Terra e quiçá aquela que é
permanente em sua profundidade, e eterna na alma mística
que ultrapassa os milênios da raça humana, em qualquer
lugar do mundo.
73
Não esqueçamos, no entanto que muitos pensadores
ocidentais, mormente gregos, antes de Jesus, como
posteriormente ao Mestre, os neoplatônicos, por exemplo,
contribuiram para nossa maior compreensão da Mensagem
Oriental, que viria no bojo dos barcos iluminados que uniram
o Nascente ao Poente.
Esta contribuição é consciente nos pensadores ligados às
Escolas Iniciáticas e inconsciente nos pensado res livres, mas
intuitivos da Sabedoria Universal, e merece ria estudo mais
aprofundado. Isto sem sermos injustos com a Teosofia que
tentou mostrar a universalidade do Eu, independente do tempo
e do espaço. Creio porém, ser a Grécia o ponto de
convergência das linhas que assinalam as duas grandes fontes
da Sabedoria Universal: Índia- a Mãe, e E gito - o Pai. Daí o
simbolismo do triangulo da iluminação da Humanidade.

* Platão

Grécia - Platão ; *
Palestina – Jesus (no centro) ; Jesus *
Egito – Thot Hermes ; Krishna
Índia – Kishna. Thot *

A julgar pelo estado mental e emocional,


principalmente do centro desse triangulo, deduzimos
claramente que estamos, no conceito oriental, em plena
Kaliyuga ( ou seja, idade negra, sem luz). Quer dizer excesso
de busca de valores externos, pelo desejo e anulação do valor
real, apresentado pela mensagem dos Arautos de Deus . Daí
portanto os conflitos humanos (dentro de cada país e mesmo
universalmente). Raros descobriram as Fontes Sagradas que
fariam compreender quão divinos são os seres em seu interior
e terrivelmente satânicos em sua personalidade conflitada.
Mais razões, portanto, temos de nos abeberarmos das
Fontes de Origem da Sabedoria. Evidentemente isto não será
possível a todas as criaturas. Seria indispensável que o
indivíduo se despojasse do peso por ele mesmo criado pela
74
soma de seu temperamento agressivo unido a seus desejos
multiplicados todos os dias por seu instinto - herança trazida
dos reinos animais ou TANHÂ ( vocábulo Pali que expressa o
apego ao corpo, à matéria; insaciável sede de emoções, no
dizer de Olcott, “ atração do ser à vida mundana”).
Será digno de caminhar junto aos Mestres quem possui
Tanhâ? Certamente que não. Melhor seria que, num vislumbre
de lucidez, abandonasse a vaidade de desejar conhecimentos
superiores, já que não se sente fortalecido para desprender-se
de seu temperamento tamásico (de Tamas ) unido a seu desejo
ou Tanhâ.
Quem portanto estudou os precursores gregos que dariam
campo ao advento da Mensagem do Oriente, sabe que eles
foram rigorosos quanto à necessidade de transformação da
mentalidade do ser. Sem nos estendermos em inúmeras
citações, procuremos reler e reexaminar os clássicos “versos
áureos”, de Pitágoras.
Não é sem razão que o mestre de Samos prepara em seus
versos, os discípulos, dizendo, como Preparação:
”tua fé conserva”. Como Purificação , aconselha : ”segue de
tua vida os trâmites serenos... Está em tuas mãos combater e
vencer tuas loucas paixões; aprende a dominá-las... as cóleras
evita ... Relativamente à Perfeição lembra: ”que se não passe
um dia, amigo, sem buscares saber: que fiz eu hoje? E, hoje
que olvidei? Se foi o mal, abstém-te ; e, se o bem, persevera.”
Lembremo-nos de que os Versos Áureos de Pitágoras, dos
quais extraímos estas poucas frases, eram destinados aos que
desejavam seguir sua Filosofia. Não sendo menor a Filosofia
da Índia, da qual sofreu Pitágoras declarada influência, como
já dissemos. Filosofia - cujo exato sentido grego, mostra seu
significado: PHILOS – amante; e SOPHIA – Sabedoria . Ora,
ninguém pode ser amante da Sabedoria, cultivando o lado
inferior de sua consciência ( voltado para o campo emocional
das paixões e dos desejos).
Muitos outros pensadores gregos e mesmo de outras
nacionalidades favoreceram, como vimos, a penetração do
discípulo nos Mistérios da Iniciação Hindu - inegavelmente a
possuidora da maior profundidade mística e filosófica de
todos os povos e tempos históricos . Basta dizer que ela nada
exige de nós. Mostra-nos, isso sim, que nós que devemos
75
exigir uma total mudança se desejamos compreendê-la, e mais
ainda, vivê-la interiormente. Se isto não fizermos, tão
profunda Filosofia cairá, como tem acontecido, no trivial das
repetições ociosas. Ora, ela apre senta o Eu - o Ser Interno -
como a manifestação em nós da realidade total . Se não
vivermos o Eu, de que valeu ter tido conhecimento dessa
relação? Teremos sabido apenas que as manifestações de
nossa personalidade e do mundo são pro duzidas pelos desejos
e, por isso, ilusórias e mayávicas...
Valeria a pena mentir a nós mesmos decorando palavras
Sânscritas e Palis e dizendo-nos também que somos versados
nos assuntos transcendentais da Sabedoria dos Mestres?
A resposta fica bailando dentro de nossa consciência.
Isto porque o Filósofo não impõe - apenas expõe . Jamais
recriminando quem não siga a senda que seus passos to maram
como verdadeiro Amante da Sabedoria.

* * *

A Filosofia da Índia em suas escolas básicas oferece o


mundo secreto da libertação de nossas dores e aflições . Como
diz Homero, “não são de desdenhar os magní ficos bens que
os deuses concedem por si e que ninguém alcançaria
intencionalmente”. Se chamarmos de deuses aos fi lósofos e
rishis hindus teremos compreendido melhor a afir mação do
gigante heleno .
A Filosofia hindu tem por escopo colocar -nos em nós
mesmos, sem os artifícios da imaginação. Lembrando-nos
Goldsmith:” ... “reduzidos a nós mesmos, nós é que fazemos
ou encontrarmos a própria felicidade”.
Seria, então, prescindível o instrutor ou guru, para a
verdadeira senda filosófico-espiritual da Índia?
É claro que não. Sempre depreendemos do estudo das
Darsanas que elas foram e devem ser sempre ministradas pelo
instrutor, como no passado foram transmitidas pelos sábios ou
rishis. É indispensável porém que o seguidor te nha
encontrado afinidade com transmissor, além de ser possuidor
da tendência natural a seguir a senda exposta pelo instrutor .
Realmente a finalidade do guru é colocar o discípulo em
ligação com seu próprio mundo interior. Daí a meditação , a
76
Yoga e outros exercícios fazerem parte unicamente da
vontade do discípulo. Porque, como diz a ”Voz do Silêncio”:
“És tu mesmo o objeto de tua investigação.”
Brahmachari afirma:
”A ciência da yoga pode ser definida como o
conhecimento do Equilíbrio entre o Macrocosmo e o
Microcosmo, entre o positivo e o negativo, fase
passiva de realização entre o Eu individual e o Eu
Universal”.
E Buddha, mostrando positivamente o caminho
espiritual, diz:
”Não imploreis os deuses impotentes; é em
vós mesmos que deveis procurar o que é preciso
para a vossa libertação . Cada homem constrói sua
própria prisão”.
De modo muito feliz, Henri Durville si ntetiza os
objetivos dos mestres e suas escolas filosóficas :
”A Índia nos ensina que nos tornemos solidários com
os outros e com o universo, de modo a sentir a
importância das menores ações.
Mesmo se as repercussões de nossos atos nos ficam
desconhecidas, não somos menos responsáveis por isso .
É preciso conhecer as forças em torno de nós, para lutar
contra elas que são más e submeter aquelas que são
boas, afim de adquirir poderes que nos permitam fazer
o bem.
É preciso compreender o nosso destino, prestarmos
atenção de que temos um ciclo a realizar e que este
ciclo recomeçará sob variáveis aspectos até a
purificação da matéria.”
De fato esta purificação é, segundo o pensamento hindu,
o motivo principal da escolha do indivíduo, sempre colocado
entre a realidade e a ilusão, entre a Verdade e a Mentira.
Dizem as páginas arquimilenares dos Upanishads:
“O bom é uma coisa, o agradável é outra. Ambas
estas coisas embora com objetivos diversos, podem
prender um homem. Tudo está bem para aquele que
escolhe o bom; o que escolhe o agradável per de o seu
objetivo.
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0 bom e o agradável vêm ao homem. O sábio só os
contorna e os distingue. 0 sábio, em verdade prefere o
bom ao agradável ; mas o néscio escolhe o agradável,
através da cobiça e da avareza .”
E mais adiante diz a mesma obra hindu, agora destacando o
valor daquele que orienta e instrui:
”Néscios que habitam as trevas, néscios que se
consideram sábios dentro do seu próprio conceito,
inchados de conhecimentos vãos, giram e giram,
agitando-se daqui para ali como cegos conduzindo cegos.
O depois nunca se levanta diante dos olhos da
criança descuidada, iludida pela ilusão da riqueza.. É
este o mundo , pensa ela, nenhum outro existe e assim
recai sob o meu poder .
Ele (o Ser), de quem muitos são incapazes de ouvir
falar, a quem muitos, ainda que sabendo da sua
existência, não compreendem. Admirável é o homem que
é capaz de revelar a sua existência (do Ser); admirável
ainda é o homem que o compreende, quando guiado por
mestre hábil.
Esse Ser se for ensinado por um homem inferior não
será fácil de compreender, ainda que depois de grande
meditação. A menos que seja explicado por um outro
homem, não haverá caminhos para compreendê-lo, pois é
inconcebivelmente menor que o mais diminuto dos
seres.”
Já segundo o processo dialético, os Upanishads, em
tempo tão remoto , mostram o valor do diálogo entre Mestre e
Discípulo, como vemos, além de em outras obras clássicas
como por exemplo, no Bhagavad-gita.

Lemos nos Upanishads:


“Não é através de argumentos e sim através da
palavra de outro homem que esta doutrina, ó Bem-
Amado!, pode ser compreendida . Tu o alcançaste
agora porque és, na verdade um homem de forte
resolução. Pudéssemos nós ter sempre quem nos
perguntasse como tu nos perguntaste!”.
Mais do que nas palavras ou nas ações, a Filosofia da
Índia fundamenta sua ética ou condução na perfeita senda
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interior . E a manifestação subjetiva e real desta senda está na
direção do Pensamento . Este ponto é básico em todas as
Escolas. Nenhum mestre porém foi tão eloqüente nesse
particular, quanto Gautama , o Buddha , no Dhammapada
(palavra Pali que quer dizer Senda da Lei ). Embora haja
dúvida quanto ao autor desta interessantíssima obra, somos
obrigados a concordar que o espírito colocado nos
ensinamentos é realmente digno da sabedoria do Buddha:
”Tudo o que somos é o resultado daquilo que
pensamos: funda-se em nossos pen samentos, é efeito
de nossos pensamen tos, se um homem fala ou age
com um mau pensamento, o sofrimento o segue,
assim a roda segue o pé do boi que puxa o carro.
Tudo o que somos é o resultado daquilo que
pensamos: funda-se em nossos pensamentos, é efeito
de nossos pensamentos. Se um homem fala ou age
com um pensamento puro, a felicidade o segue tal
como a sombra que jamais o abandona.
- Ele me insultou, ele me bateu, ele me abandonou,
ele me roubou - os que não agasalharem tais
pensamentos, deixarão de odiar .
Porque o ódio não cessa pelo ódio em tempo algum: o
ódio cessa pelo amor - é uma lei antiga”.
Finalizando, para usar de linguagem oriental, a
Filosofia do ocidente contempla e deduz sobre a cor e a
forma da flor; a Filosofia do oriente sente o perfume e
esquece a cor e a forma da flor. Uma vive no exterior; a
outra, no interior -quer sejam, para uma e para a outra,
coisas, homens e todo o Universo.
...

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