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Neuropsicologia da Linguagem

Investiga as bases neurobiológicas da linguagem; a aquisição da linguagem; o


processamento cognitivo-linguístico (oral e escrito); os déficits linguísticos,
adquiridos ou do desenvolvimento; a avaliação; e a reabilitação.

A linguagem manifesta-se na forma de “compreensão” receptiva e de decodificação do


input linguístico (“compreensão verbal”), que inclui a audição e a leitura, ou no aspecto
de codificação expressiva e produção, que inclui fala, escrita e sinalização.

Os componentes de representação da linguagem envolvem o processamento nos


seguintes níveis:

a) Semântico: refere-se ao significado das palavras ou ideias veiculadas.

b) Fonético: compreende a natureza física da produção e da percepção dos sons da fala


humana

c) Fonológico: corresponde os sons da fala (fonemas).

d) Morfológico: diz respeito às unidades de significado – palavras ou partes de uma


palavra.

e) Lexical: envolve compreensão e produção de palavras. Léxico é o conjunto de


palavras em uma dada língua ou no repertório linguístico de uma pessoa.

f) Sintático: refere-se às regras de estrutura das frases, às funções e às relações das


palavras em uma oração.

g) Pragmático: compreende o modo como a linguagem é usada e interpretada,


considerando as características do falante e do ouvinte, bem como os efeitos de
variáveis situacionais e contextuais.

h) Prosódico: integra a habilidade de reconhecer, compreender e produzir significado


afetivo ou semântico com base na entonação, na ênfase e em padrões rítmicos da fala.

O processamento lexical inclui um conjunto de processos mediante os quais o ouvinte


ou leitor reconhece a forma das palavras (ortográfica ou fonológica), compreende
seu significado e tem acesso a outras propriedades armazenadas em seu léxico
mental, como o conhecimento sobre as palavras, seu som, ortografia, suas
propriedades gramaticais (classe da palavra, gênero), sua estrutura morfológica e
seu significado (Hagoort, 1998). No processo de reconhecimento e compreensão das
palavras, em um modelo interativo, a informação sensorial da palavra-alvo
(processamento botton-up) e a informação contextual, que envolve um
processamento top-down (expectativas, contexto, memória e atenção do
ouvinte/leitor), são usadas simultaneamente. Assim, o conhecimento lexical
(semântico) tem o papel de mediar domínios representacionais diferentes, incluindo
forma e significado (Hagoort, 1998). Para uma revisão dos modelos de processamento
lexical e semântico pode-se consultar Shelton e Caramazza (1999).

Considerações sobre as bases neurobiológicas da linguagem


 Hoje em dia observa-se que nem sempre as dificuldades dos quadros afásicos
estão relacionadas a locais de lesão específicos, conforme descreviam essas
pesquisas.
 Assim, estudos baseados no modelo neurológico das afasias têm dado lugar aos
que relacionam os déficits com prejuízo em um ou mais componentes da
linguagem, uma vez que o localizacionismo não explica por que pacientes com
um mesmo local de lesão manifestam características linguísticas diferentes
(Devido-Santos, Gagliardi, & Mac-Kay, 2012).
 No estudo de revisão de Catani e colaboradores (2012), identificaram-se
diversas regiões, concentradas principalmente no HE, responsáveis pelas
habilidades de linguagem.
 O hemisfério cerebral direito (HD) também tem um importante papel no
processamento da linguagem e da comunicação. Estudos têm demonstrado que o
HD armazena os aspectos prosódicos de produção da fala e os componentes
lexicais de reconhecimento visual das palavras (Lindell, 2006).

Afasias

A afasia é definida como a perda ou a deficiência da linguagem expressiva e/ou


receptiva, provocada por um dano cerebral, geralmente no HE. Além disso,
outros processos cognitivos relacionados à linguagem, como memória, categorização,
atenção e funções executivas, podem estar prejudicados (Jordan & Hillis, 2006).

O diagnóstico de afasia é realizado a partir do desempenho do paciente em tarefas de


linguagem oral e escrita que avaliam compreensão, expressão, nomeação e
repetição nos níveis da palavra, da sentença e do discurso (Peña-Casanova, Pamies,
& Diéguez-Vide, 2005). De acordo com o estudo de Plowman, Hentz e Ellis (2012), o
prognóstico da afasia depende da gravidade inicial dessa manifestação clínica, da
extensão e do local da lesão cerebral.

 Afasia de Broca (produção da fala)

As afasias de Broca caracterizam-se por fala espontânea e repetição de sentenças não


fluentes (extensão da frase reduzida, melodia e agilidade articulatória alteradas, menor
número de palavras por minuto, produção de sentenças agramáticas), com anomias
associadas à relativa preservação da compreensão da linguagem. Frequentemente,
coocorrem dificuldades na associação fonema-grafema na leitura e na escrita de
palavras não familiares e maior dificuldade em nomear verbos do que substantivos,
dificuldades essas que não podem ser explicadas por um único déficit subjacente (Hillis,
2007). Nas afasias de Broca, apesar do déficit de expressão da linguagem ser mais
preponderante, há também dificuldades na compreensão de sentenças, que podem estar
relacionadas aos processos léxico-semânticos (Baumgaertner & Tompkins, 2002).

 Afasia Transcortical Motora

A afasia transcortical motora é identificada nos pacientes que apresentam melhor


desempenho na repetição de sentenças do que na linguagem espontânea. Geralmente, a
fala é lenta, com pouca iniciativa, estando a compreensão preservada. A leitura pode
apresentar pouco ou nenhum déficit, enquanto a escrita mostra-se lentificada, tal como a
fala (Ortiz, 2005). A nomeação fica comprometida, embora o paciente consiga
beneficiar-se de pistas contextuais e fonêmicas, além de se observarem erros do tipo
perseveração (Peña-Casanova et al., 2005).

 Afasia transcortical mista

Nos casos com afasia transcortical mista, observam-se maiores dificuldades em


compreender sentenças e em nomeação, mas com preservada capacidade de repetição.
A expressão da linguagem mostra-se prejudicada, sendo comuns as estereotipias e a
ecolalia (Beeson & Rapcsak, 2008). As habilidades de leitura e escrita mostram-se
deficitárias (Peña-Casanova et al., 2005).

 Afasia global

Na afasia global, a fala espontânea consiste em estereotipias e perseverações, em que a


compreensão mostra-se severamente prejudicada, podendo ser compreendidos apenas
comandos simples. Além disso, a repetição mostra-se comprometida, embora algumas
palavras possam ser corretamente repetidas (Alexander & Hillis, 2008). Pode- -se notar
que a afasia global é um dos mais graves quadros afásicos, havendo prejuízo severo na
expressão e na compreensão da linguagem, tanto oral quanto escrita (Ortiz, 2005).

 Afasia de Wernicke (compreensão da fala)

A afasia de Wernicke caracteriza-se por linguagem expressiva espontânea e repetição


fluentes, mas desprovidas de sentido (jargão), além de comprometimento da
compreensão de palavras, sentenças e conversação. Os prejuízos na compreensão da
linguagem parecem refletir inabilidade de acessar, usar ou manipular informações
semânticas, mais do que uma perda nas representações semânticas das palavras
(Kahlaoui & Joanette, 2008). Frequentemente, a produção escrita é semelhante à oral, e
a compreensão de leitura encontra- -se preservada em grau semelhante à oral. Os
déficits têm sido atribuídos à dificuldade do paciente em selecionar a palavra, o som ou
o significado apropriado das unidades linguísticas que estão em competição, sendo
todas ativadas (Hillis, 2007)

 Afasia de condução

A afasia de condução é reconhecida por linguagem espontânea relativamente fluente,


adequada compreensão, mas dificuldade na repetição, que pode ser observada de
modo inconsistente. Observam-se maiores erros na repetição de palavras de baixa
frequência ou de estrutura fonológica complexa e em pseudopalavras, sendo
recorrentes as parafasias fonológicas e verbais (Bernal & Ardila, 2009). Embora
sejam predominantes os erros do tipo fonológico (omissões, substituições, transposições
ou inserções de sons ou sílabas), podem acontecer também erros semânticos, bem como
para certas categorias lexicais (p. ex., números e palavras de função). Os pacientes com
afasia de condução são geralmente conscientes de seus problemas de fala, o que muitas
vezes leva-os a repetitivas autocorreções (Bartha, Mariën, Poewe, & Benke, 2004).
 Afasia anômica

Na afasia anômica, a linguagem expressiva mostra-se fluente, com adequadas


compreensão, repetição e articulação, mas dificuldade na evocação lexical, que ocorre
geralmente na linguagem espontânea, e que pode ser menos evidente na denominação
por confrontação visual (Peña-Casanova et al., 2005). Os afásicos com anomias não
conseguem acessar a informação fonológica e/ou ortográfica da palavra, apesar de
acesso semântico intacto. Assim, esses pacientes podem recuperar nomes semântica ou
fonologicamente relacionados, mas têm consciência de que estes não são aqueles que
estão tentando falar (Hillis, 2007). A escrita mostra-se semelhante à linguagem oral,
com erros do tipo paragrafia, enquanto a habilidade de leitura parece estar adequada
(Ortiz, 2005).

 Afasia sensorial transcortical

Os pacientes com afasia sensorial transcortical mostram discurso fluente, com


dificuldade na compreensão, sendo observadas as parafasias semânticas, dificuldades
em encontrar palavras (anomias) e circunlóquios. A repetição mostra-se preservada,
podendo, às vezes, ocorrer perseverações (Beeson & Rapcsak, 2008). A nomeação e a
leitura de palavras são adequadas, embora o paciente possa não compreender o que leu
(Boatman et al., 2000).

AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM EM UMA ABORDAGEM


NEUROPSICOLÓGICA

A avaliação neuropsicológica da linguagem deve permitir a compreensão dos déficits,


em termos de manifestações superficiais, causas subjacentes e componentes
afetados, além de mostrar as potencialidades em todos os níveis de descrição
(funções linguísticas, atividades comunicativas e questões psicossociais) (Turgeon &
Macoir, 2008). A avaliação deve ser direcionada pelas hipóteses formadas na
observação, sendo, portanto, um processo cíclico, em contínua revisão de hipóteses,
até fornecer bases suficientes para a reabilitação (Nickels, 2008).

Na entrevista, é importante: investigar hábitos de leitura e de escrita para além do


nível de escolaridade, buscando informações sobre fatores individuais e
socioculturais que podem impactar na comunicação.
As tarefas selecionadas para avaliar a linguagem oral e escrita geralmente envolvem
expressão (linguagem espontânea, linguagem automática, nomeação, repetição) e
compreensão, nos níveis de palavras, frases e discurso. A literatura internacional mostra
que há várias ferramentas e métodos de avaliação disponíveis para mensurar a
linguagem, principalmente na língua inglesa (para uma revisão ver Lezak, Howienson,
& Loring, 2004; Turgeon & Macoir, 2008). No Brasil, contudo, segundo Serafini,
Fonseca, Bandeira e Parente (2008), apenas um quarto das publicações sobre avaliação
da linguagem faz referência especificamente à avaliação neuropsicológica da linguagem
e, entre estas, os instrumentos mais usados foram o Teste de Nomeação de Boston, o
Teste de Fluência Verbal Semântica (Categoria Animais), o Teste de Vocabulário
por Imagens Peabody e o Token Test. O Teste de Nomeação de Boston costuma ser
utilizado para avaliar se o paciente apresenta anomia, sendo necessário comparar o
desempenho dos adultos de acordo com a sua escolaridade (Mansur, Radanovic, Araújo,
Taquemori, & Greco, 2006). Influência da idade e da escolaridade também foi
observada no Token Test (Moreira et al., 2011), que avalia a compreensão de
sentenças. Pode-se, ainda, obter medida de produção espontânea de palavras por meio
das tarefas de Fluência Verbal. Há normas brasileiras para adultos idosos divididos em
grupos por idade e escolaridade (Machado et al., 2009). O teste Pirâmides e Palmeiras
(Pyramids and Palm Trees) mostra-se adequado para avaliar o acesso às
representações semânticas no nível da palavra (Mansur, Carthery-Goulart, Bahia,
Bak, & Nitrini, 2013). Para avaliar as habilidades de escrita de palavras, pode-se
utilizar a Tarefa de Escrita de Palavras e Pseudopalavras (Rodrigues & Salles,
2013), buscando identificar o tipo de disgrafia adquirida que o paciente apresenta, de
acordo com a abordagem da neuropsicologia cognitiva. Além de tarefas específicas, há
baterias como o Teste de Boston para o Diagnóstico das Afasias – versão reduzida
(Boston Diagnostic Aphasia Examination – short form) (Bonini, 2010; Goodglass,
Kaplan, & Barresi, 2001). No Brasil, foi realizada também a adaptação do Teste MT
Beta – 86 Modificado – Montreal Toulousse (Soares et al., 2008) para diagnosticar as
afasias. Para avaliar demais habilidades cognitivas nos pacientes que apresentam
dificuldade na expressão da linguagem, pode-se utilizar o Instrumento de Avaliação
Neuropsicolinguística Breve NEUPSILIN-Af, adaptado para pacientes afásicos
expressivos (Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca, & Salles, 2011). A investigação
dos aspectos funcionais da linguagem pode ser feita por meio da Bateria Montreal de
Avaliação da Comunicação – Bateria MAC (Fonseca, Parente, Côté, & Joanette, 2008).
Por fim, aspectos mais pragmáticos e qualitativos da linguagem podem ser avaliados
com o Questionário de Habilidades Funcionais de Comunicação (Functional
Assessment of Communication Skills for Adults – ASHA-Facs) (Frattali, Holland,
Thompson, Wohl, & Ferketic, 1995; Garcia & Mansur, 2006).

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