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Natividade de Maria
“Este é um Livro APÓCRIFO: em grego apókryphos, quer dizer oculto. Tal era o livro não lido
em assembleia pública de culto, mas reservado à leitura particular. Apócrifo opõe-se ao
canónico, pois canônico era livro lido no culto público, porque considerado Palavra de Deus
inspirada aos homens.
Apócrifo não tem necessariamente sentido pejorativo. É simplesmente o texto que, por um
motivo qualquer, não era de uso público, mas pode conter verdades históricas”. (Curso Bíblico
– Mater Ecclesiae).
Este escrito (Proto Evangelho de Tiago) também foi chamado de ¨Natividade de Maria¨. Não se
sabe quem foi o seu autor, certamente não foi São Tiago, embora use o seu nome. É
provavelmente um escrito do primeiro século, e gozou de grande estima entre os primeiros
cristãos, como S. Clemente de Alexandria, São Justino, Orígenes, etc. Muito influenciou na
Liturgia e na Mariologia da Igreja.
1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado
Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: ¨A sobra ofereço para todo o
povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as
boas graças¨.
2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos,
Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: ¨Como não geraste um rebento em Israel, não te
é lícito oferecer donativos¨.
3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo
genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes.
Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes.
Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um
filho: Isaac.
4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá
armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: ¨Daqui não sairei, nem
para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por
comida e bebida¨.
II
1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: ¨Ficarei chorando a minha viuvez e a minha
esterilidade¨.
2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: ¨Até quando
humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu
com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples
serva.¨
3. Disse-lhe Ana: ¨Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que
eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio to deu para me fazerdes cúmplice do pecado?¨ Respondeu
Judite: ¨Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes
descendente em Israel?¨
4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes
de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um
loureiro e orou ao Senhor: ¨Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com
o ventre de Sara, que concebeu a Isaac¨.
III
2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu
porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não
posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante
dos teus olhos, ó Senhor.
3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas
águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-
me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu
tempo, bendizendo-te, ó Senhor¨.
IV
1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: ¨Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas
preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo¨. Ana
respondeu: ¨Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua
bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida¨.
2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: ¨Joaquim, teu marido,
voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: ´Joaquim, Joaquim! O
Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre´¨.
3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse
então: ¨Estas são para o Senhor¨. [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse:
¨Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio¨. E mandou distribuir cem cabritos para todo o
povoado.
4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em
seu pescoço, dizendo-lhe: ¨Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era
viúva e deixei de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre¨. Nesse primeiro dia,
Joaquim repousou em sua casa.
1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: ¨Se vir o
éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável¨. Ao oferecer o sacrifício, notou o
éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer
pecado em sua consciência, disse: ¨Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados¨.
Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.
2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: ¨A quem
dei à luz?¨ Respondeu a parteira: ¨A uma menina¨. Exclamou Ana: ¨Eis que minha alma foi
exaltada!¨ E colocou a menina no berço. Quando se cumpriu o tempo definido pela Lei, Ana
purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.
VI
1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a
colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo
de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: ¨Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que
eu te apresente ao Templo do Senhor¨. Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada
de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas
meninas hebreias, todas virgens, para brincarem com ela.
3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor
Deus: ¨Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias
dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos
filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana
está amamentando!” E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e
passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao
Deus de Israel.
VII
1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a
Ana: ¨Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que
o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos¨. Ana respondeu:
¨Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós¨. E
Joaquim respondeu: ¨Vamos aguardar¨.
2. Quando completou três anos, Joaquim disse: ¨Chame as meninas hebreias, virgens, e que,
duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu
coração se prenda por algo fora do Templo de Deus¨. E assim foi feito e subiram ao Templo do
Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: ¨O Senhor
engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti
Sua redenção aos filhos de Israel¨.
3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre
ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.
VIII
1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina
não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo
seu sustento das mãos de um anjo.
3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos
santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: ¨Zacarias, Zacarias!
Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor
mostrar um sinal, este será o seu esposo¨. Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e
se apresentaram ao soar da trombeta.
IX
1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e
foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-
se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos,
mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão,
uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: ¨A ti caberá
receber sob teu teto a Virgem do Senhor¨.
2. Mas José respondeu: ¨Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma
menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel¨. Então argumentou o sacerdote: ¨Tema
ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles
foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo
não aconteça à tua casa¨.
3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: ¨Tomei-te do
Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve,
mas o Senhor te protegerá¨.
2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: ¨Vejamos quem
bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real¨. O
escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa
época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria
tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.
XI
1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia:
¨Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres¨. Então ela olhou
ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada,
fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a
tecê-la.
2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: ¨Não temas, ó Maria! Alcançaste
graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça¨. Ela, ao ouvi-lo, ficou
admirada e disse consigo mesma: ¨Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as
demais mulheres?¨
3. Respondeu-lhe o anjo: ¨Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o
santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo ´Jesus´
porque Ele salvará seu povo das iniqüidades’. Então Maria disse: ¨Eis aqui a serva do Senhor!
Faça-se em mim conforme a sua palavra”.
XII
2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da
porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo
Maria, louvou-a dizendo: ¨Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O
fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te¨. Como Maria se
esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: ¨Quem sou eu, Senhor,
para que todas as gerações me bendigam?¨
3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou
preocupada e pôs-se a caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía
dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.
XIII
1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em
casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão,
sobre uma manta, chorando amargamente: ¨Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei
por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que
ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e,
vendo Eva sozinha, a enganou… Teria o mesmo ocorrido comigo?¨
2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: ¨O que fizeste, tu que eras a predileta de
Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua
alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?¨
3. Ela chorou amargamente e disse: ¨Permaneço pura pois não conheço varão¨. Respondeu
José: ¨Então de onde vem o que carregas em teu seio?¨. Respondeu Maria: ¨Juro pelo Senhor,
meu Deus, que não sei como isto se sucedeu”.
XIV
1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela.
Disse para si mesmo: ¨Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor… Se a denuncio ao
povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando
uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas…¨ E logo veio a noite.
2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: ¨Não se preocupe com esta
menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e
colocar-lhe-ás o nome de ´Jesus´, porque Ele salvará seu povo do pecado¨. Levantando-se, José
glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.
XV
1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: ¨Por que deixaste de comparecer à
reunião?¨ Respondeu José: ¨Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia¨.
Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.
2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: ¨José cometeu falta grave e tu respondes por ele¨.
Perguntou o sumo sacerdote: ¨O que estás dizendo?¨. Respondeu Anás: ¨Ele violou a virgem
que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não o declarando ao povo de
Israel¨. Disse o sacerdote: ¨Estás certo de que realmente José fez isso?¨ Respondeu Anás:
¨Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina¨. Então os enviados saíram e
encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.
3. O sacerdote tomou a palavra e disse: ¨Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua
alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o
sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste
isso?¨ Ela passou a chorar amargamente e disse: ¨Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço
pura diante Dele! Não conheci varão algum!¨
4. Então o sacerdote disse a José: ¨Por que fizeste isso?¨ Respondeu José: ¨Juro pelo Senhor,
meu Deus, que permaneço puro perante ela¨. Esbravejou o sacerdote: ¨Não jures em falso!
Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não o declarando ao povo de Israel; e não
inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência¨. E José se
calou.
XVI
1. O sacerdote disse [a José]: ¨Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus¨. Os olhos
de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: ¨Bebereis da água da prova do
Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados¨.
2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o
mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva.
Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.
3. Disse o sacerdote: ¨Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos
condenarei¨. A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e
louvando a Deus de Israel.
XVII
1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de
Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: ¨Posso recensear os meus filhos, mas e
esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha
filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o
seu dia¨.
2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o
animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três
milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: ¨Deve ser porque a
gravidez a incomoda¨. Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: ¨Maria: o
que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente…¨ Ela respondeu: ¨Dois povos
foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e
rejubila¨.
3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: ¨Desça-me porque o fruto de meu
ventre anseia por vir à luz¨. Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: ¨Para onde
te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?¨
XVIII
1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se
dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebreia.
2. E eu, José, andava, mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso;
olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um
vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas
mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem
parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à
boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas
não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar.
Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele, mas não bebiam da
água. Por certo tempo tudo parou.
XIX
1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: ¨Onde vais?¨ Respondi: ¨Procuro por
uma parteira hebreia¨. Ela disse: ¨Sois de Israel?¨ Respondi: ¨Sim¨. Então ela disse: ¨Quem está
dando à luz na caverna?¨ Disse-lhe: ¨Minha esposa¨. Ela replicou: ¨Mas não é tua mulher?¨
Respondi-lhe: ¨É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por
mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo¨. Disse a parteira: ¨Isso é
verdade?¨ José respondeu: ¨Vinde e vede¨. Então a parteira foi com ele.
2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a
parteira: ¨Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para
Israel nasceu!¨ Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que
nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino
mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: ¨Hoje é meu grande dia! Vi com os
meus olhos um novo milagre¨.
3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: ¨Salomé, Salomé! Preciso
contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível
para a natureza humana¨. Respondeu-lhe Salomé: ¨Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei
enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe¨.
XX
1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: ¨Prepara-te porque existe uma dúvida
sobre ti entre nós¨. E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito:
¨Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e
desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!¨
2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: ¨Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou
descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me
para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu
Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário¨.
3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: ¨Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o
menino e terás alegria e prazer¨.
4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: ¨Adoro-te porque nasceste para ser o
Grandioso Rei de Israel¨. Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se
uma voz que dizia: ¨Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até
que o menino vá para Jerusalém¨.
XXI
1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram uns
magos dizendo: ¨Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no
Oriente e viemos adorá-lo¨.
2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os
príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: ¨O que está escrito sobre o Messias? Onde
deverá nascer?¨ Eles responderam: ¨Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras¨. Dispensou-
os e perguntou aos magos: ¨Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?¨ Responderam
os magos: ¨Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz].
Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo¨. Disse Herodes:
¨Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo¨.
3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram
guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se
aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.
4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para
suas terras por outro caminho.
XXII
1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou
que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.
2. Chegando à Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de medo e, envolvendo seu
filho em panos, colocou-o numa manjedoura.
3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam sem filho João, pegou-o e foi para as
montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços
orou em alta voz: ¨Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho¨.
4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou,
pois, um anjo do Senhor foi guardá-los.
XXIII
3. Mas Zacarias respondeu: ¨Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu
sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada
no vestíbulo do santuário¨. E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de
Israel não perceberam o crime.
XXIV
1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao
encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para
saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.
4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar
[de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não
provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.
XXV
1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em
virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao
Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.
2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem
deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.
Natividade de Maria
Apócrifo não tem necessariamente sentido pejorativo. É simplesmente o texto que, por um
motivo qualquer, não era de uso público, mas pode conter verdades históricas”. (Curso Bíblico
– Mater Ecclesiae).
Este escrito (Proto Evangelho de Tiago) também foi chamado de ¨Natividade de Maria¨. Não se
sabe quem foi o seu autor, certamente não foi São Tiago, embora use o seu nome. É
provavelmente um escrito do primeiro século, e gozou de grande estima entre os primeiros
cristãos, como S. Clemente de Alexandria, São Justino, Orígenes, etc. Muito influenciou na
Liturgia e na Mariologia da Igreja.
1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado
Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: ¨A sobra ofereço para todo o
povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as
boas graças¨.
2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos,
Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: ¨Como não geraste um rebento em Israel, não te
é lícito oferecer donativos¨.
3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo
genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes.
Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes.
Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um
filho: Isaac.
4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá
armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: ¨Daqui não sairei, nem
para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por
comida e bebida¨.
II
1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: ¨Ficarei chorando a minha viuvez e a minha
esterilidade¨.
2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: ¨Até quando
humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu
com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples
serva.¨
3. Disse-lhe Ana: ¨Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que
eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio to deu para me fazerdes cúmplice do pecado?¨ Respondeu
Judite: ¨Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes
descendente em Israel?¨
4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes
de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um
loureiro e orou ao Senhor: ¨Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com
o ventre de Sara, que concebeu a Isaac¨.
III
1. E olhando para o céu, observou um ninho de passarinhos existente no loureiro. Voltou
então a lamentar-se, dizendo: ¨Ai de mim! Por que nasci? Em que hora fui concebida? Vim ao
mundo para ser terra maldita entre os filhos de Israel, pois me injuriam e me expulsam do
Templo do Senhor.
2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu
porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não
posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante
dos teus olhos, ó Senhor.
3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas
águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-
me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu
tempo, bendizendo-te, ó Senhor¨.
IV
1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: ¨Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas
preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo¨. Ana
respondeu: ¨Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua
bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida¨.
2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: ¨Joaquim, teu marido,
voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: ´Joaquim, Joaquim! O
Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre´¨.
3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse
então: ¨Estas são para o Senhor¨. [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse:
¨Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio¨. E mandou distribuir cem cabritos para todo o
povoado.
4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em
seu pescoço, dizendo-lhe: ¨Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era
viúva e deixei de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre¨. Nesse primeiro dia,
Joaquim repousou em sua casa.
V
1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: ¨Se vir o
éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável¨. Ao oferecer o sacrifício, notou o
éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer
pecado em sua consciência, disse: ¨Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados¨.
Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.
2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: ¨A quem
dei à luz?¨ Respondeu a parteira: ¨A uma menina¨. Exclamou Ana: ¨Eis que minha alma foi
exaltada!¨ E colocou a menina no berço. Quando se cumpriu o tempo definido pela Lei, Ana
purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.
VI
1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a
colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo
de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: ¨Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que
eu te apresente ao Templo do Senhor¨. Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada
de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas
meninas hebreias, todas virgens, para brincarem com ela.
3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor
Deus: ¨Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias
dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos
filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana
está amamentando!” E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e
passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao
Deus de Israel.
VII
1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a
Ana: ¨Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que
o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos¨. Ana respondeu:
¨Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós¨. E
Joaquim respondeu: ¨Vamos aguardar¨.
2. Quando completou três anos, Joaquim disse: ¨Chame as meninas hebreias, virgens, e que,
duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu
coração se prenda por algo fora do Templo de Deus¨. E assim foi feito e subiram ao Templo do
Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: ¨O Senhor
engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti
Sua redenção aos filhos de Israel¨.
3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre
ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.
VIII
1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina
não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo
seu sustento das mãos de um anjo.
3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos
santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: ¨Zacarias, Zacarias!
Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor
mostrar um sinal, este será o seu esposo¨. Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e
se apresentaram ao soar da trombeta.
IX
1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e
foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-
se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos,
mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão,
uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: ¨A ti caberá
receber sob teu teto a Virgem do Senhor¨.
2. Mas José respondeu: ¨Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma
menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel¨. Então argumentou o sacerdote: ¨Tema
ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles
foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo
não aconteça à tua casa¨.
3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: ¨Tomei-te do
Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve,
mas o Senhor te protegerá¨.
2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: ¨Vejamos quem
bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real¨. O
escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa
época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria
tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.
XI
1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia:
¨Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres¨. Então ela olhou
ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada,
fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a
tecê-la.
2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: ¨Não temas, ó Maria! Alcançaste
graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça¨. Ela, ao ouvi-lo, ficou
admirada e disse consigo mesma: ¨Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as
demais mulheres?¨
3. Respondeu-lhe o anjo: ¨Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o
santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo ´Jesus´
porque Ele salvará seu povo das iniqüidades’. Então Maria disse: ¨Eis aqui a serva do Senhor!
Faça-se em mim conforme a sua palavra”.
XII
2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da
porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo
Maria, louvou-a dizendo: ¨Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O
fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te¨. Como Maria se
esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: ¨Quem sou eu, Senhor,
para que todas as gerações me bendigam?¨
3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou
preocupada e pôs-se a caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía
dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.
XIII
1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em
casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão,
sobre uma manta, chorando amargamente: ¨Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei
por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que
ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e,
vendo Eva sozinha, a enganou… Teria o mesmo ocorrido comigo?¨
2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: ¨O que fizeste, tu que eras a predileta de
Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua
alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?¨
3. Ela chorou amargamente e disse: ¨Permaneço pura pois não conheço varão¨. Respondeu
José: ¨Então de onde vem o que carregas em teu seio?¨. Respondeu Maria: ¨Juro pelo Senhor,
meu Deus, que não sei como isto se sucedeu”.
XIV
1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela.
Disse para si mesmo: ¨Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor… Se a denuncio ao
povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando
uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas…¨ E logo veio a noite.
2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: ¨Não se preocupe com esta
menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e
colocar-lhe-ás o nome de ´Jesus´, porque Ele salvará seu povo do pecado¨. Levantando-se, José
glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.
XV
1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: ¨Por que deixaste de comparecer à
reunião?¨ Respondeu José: ¨Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia¨.
Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.
2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: ¨José cometeu falta grave e tu respondes por ele¨.
Perguntou o sumo sacerdote: ¨O que estás dizendo?¨. Respondeu Anás: ¨Ele violou a virgem
que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não o declarando ao povo de
Israel¨. Disse o sacerdote: ¨Estás certo de que realmente José fez isso?¨ Respondeu Anás:
¨Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina¨. Então os enviados saíram e
encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.
3. O sacerdote tomou a palavra e disse: ¨Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua
alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o
sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste
isso?¨ Ela passou a chorar amargamente e disse: ¨Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço
pura diante Dele! Não conheci varão algum!¨
4. Então o sacerdote disse a José: ¨Por que fizeste isso?¨ Respondeu José: ¨Juro pelo Senhor,
meu Deus, que permaneço puro perante ela¨. Esbravejou o sacerdote: ¨Não jures em falso!
Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não o declarando ao povo de Israel; e não
inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência¨. E José se
calou.
XVI
1. O sacerdote disse [a José]: ¨Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus¨. Os olhos
de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: ¨Bebereis da água da prova do
Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados¨.
2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o
mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva.
Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.
3. Disse o sacerdote: ¨Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos
condenarei¨. A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e
louvando a Deus de Israel.
XVII
1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de
Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: ¨Posso recensear os meus filhos, mas e
esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha
filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o
seu dia¨.
2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o
animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três
milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: ¨Deve ser porque a
gravidez a incomoda¨. Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: ¨Maria: o
que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente…¨ Ela respondeu: ¨Dois povos
foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e
rejubila¨.
3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: ¨Desça-me porque o fruto de meu
ventre anseia por vir à luz¨. Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: ¨Para onde
te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?¨
XVIII
1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se
dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebreia.
2. E eu, José, andava, mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso;
olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um
vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas
mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem
parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à
boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas
não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar.
Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele, mas não bebiam da
água. Por certo tempo tudo parou.
XIX
1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: ¨Onde vais?¨ Respondi: ¨Procuro por
uma parteira hebreia¨. Ela disse: ¨Sois de Israel?¨ Respondi: ¨Sim¨. Então ela disse: ¨Quem está
dando à luz na caverna?¨ Disse-lhe: ¨Minha esposa¨. Ela replicou: ¨Mas não é tua mulher?¨
Respondi-lhe: ¨É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por
mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo¨. Disse a parteira: ¨Isso é
verdade?¨ José respondeu: ¨Vinde e vede¨. Então a parteira foi com ele.
2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a
parteira: ¨Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para
Israel nasceu!¨ Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que
nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino
mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: ¨Hoje é meu grande dia! Vi com os
meus olhos um novo milagre¨.
3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: ¨Salomé, Salomé! Preciso
contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível
para a natureza humana¨. Respondeu-lhe Salomé: ¨Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei
enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe¨.
XX
1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: ¨Prepara-te porque existe uma dúvida
sobre ti entre nós¨. E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito:
¨Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e
desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!¨
2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: ¨Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou
descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me
para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu
Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário¨.
3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: ¨Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o
menino e terás alegria e prazer¨.
4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: ¨Adoro-te porque nasceste para ser o
Grandioso Rei de Israel¨. Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se
uma voz que dizia: ¨Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até
que o menino vá para Jerusalém¨.
XXI
1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram uns
magos dizendo: ¨Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no
Oriente e viemos adorá-lo¨.
2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os
príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: ¨O que está escrito sobre o Messias? Onde
deverá nascer?¨ Eles responderam: ¨Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras¨. Dispensou-
os e perguntou aos magos: ¨Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?¨ Responderam
os magos: ¨Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz].
Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo¨. Disse Herodes:
¨Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo¨.
3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram
guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se
aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.
4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para
suas terras por outro caminho.
XXII
1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou
que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.
2. Chegando à Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de medo e, envolvendo seu
filho em panos, colocou-o numa manjedoura.
3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam sem filho João, pegou-o e foi para as
montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços
orou em alta voz: ¨Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho¨.
4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou,
pois, um anjo do Senhor foi guardá-los.
XXIII
3. Mas Zacarias respondeu: ¨Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu
sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada
no vestíbulo do santuário¨. E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de
Israel não perceberam o crime.
XXIV
1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao
encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para
saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.
2. Como demorava muito, passaram a ficar amedrontados. Um deles, tomando a iniciativa,
entrou e viu sangue já coagulado ao lado do altar. Então ouviu uma voz que dizia: ¨Zacarias foi
morto e seu sangue não deverá ser limpo até que chegue o vingador¨. Ao ouvir a voz, encheu-
se de medo e saiu para contar aos sacerdotes.
4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar
[de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não
provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.
XXV
1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em
virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao
Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.
2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem
deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.