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Espiritualidade e a pandemia de COVID

Carlos A. Biella

Podemos dizer que, independente de nossas raízes, de nossa classe social, de nossas crenças
ou da ausência delas, todos nos deparamos com uma verdade absoluta: somos seres mortais e
todos teremos um fim (no que diz respeito à vida material). Somos todos iguais e nos
mostramos, muitas vezes, impotentes frente aos desastres naturais ou provocados pela ação
humana ou mesmo devido às grandes pandemias.
A proximidade da nossa própria morte e a morte de pessoas que nos são próximas, tem nos
levado a situações de grande estresse.
Com isso, a espiritualidade se mostra de grande importância como viés para um processo de
ressignificação, diante dos processos de nascer, viver, adoecer, reabilitar, morrer e do próprio
luto devido a morte.

A espiritualidade é intrínseca ao ser humano, e não se mostra dependente de experiências


religiosas e da religiosidade de um indivíduo.

Espiritualidade é uma busca pessoal para entender questões relacionadas a vida, ao seu
sentido, e que, pode ou não, levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou formações de
comunidades religiosas.
Espiritualidade seria uma forma das pessoas encontrarem significados e propósitos de suas
vidas, através de uma conexão consigo mesmas, com os outros e com o que lhes é significativo
e sagrado.
Ou seja, é aquilo que nos leva a ter um propósito e significado de vida, não sendo preciso
necessariamente uma figura divina como representação do que é sagrado.
Então, espiritualidade é diferente de religiosidade.
Religiosidade é o quanto um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Pode ser
organizacional (participação na igreja ou templo religioso) ou não organizacional (rezar, ler
livros, assistir programas religiosos na televisão).

Pois bem, vamos falar hoje sobre espiritualidade e a pandemia provocada pelo coronavírus.
Bem, alguém pode estar perguntando, como esse indivíduo quer relacionar espiritualidade e a
pandemia pela Covid-19?
Simples, a espiritualidade pode ser uma grande aliada tanto no sentido de melhora do estado
imunológico (para quem se lembra, tivemos um programa em que falamos sobre isso), mas
também, a espiritualidade pode trazer um certo alívio em todo o estresse relacionado à esta
situação que estamos vivendo, devido à essa pandemia.
Atualmente, frente a essa pandemia, a espiritualidade nos direciona para o sentido da
esperança, para o poder da resiliência, para uma melhor reflexão quando do resultado positivo
diante de alguns primeiros sintomas. Também se mostra de grande importância no que diz
respeito ao reconhecimento de nossa fragilidade e vulnerabilidade diante de um vírus que nos
provoca tantos estragos físicos e emocionais.

A pandemia deste coronavírus se mostra de forma destruidora em diversos fatores como


distanciamento social, dificuldades financeiras, alteração de rotina, incertezas, gerando de
aflições e medo, importantes fatores geradores de estresse, o que acaba por impactar,
também, nosso sistema imunológico, conforme já dissemos em um programa passado.

A espiritualidade e o sistema imunológico


Estudos realizados em indivíduos HIV-positivos, ou seja, portadores do vírus HIV, em que
grupos de soropositivos praticavam a recitação de mantras e foi encontrado como um dos
resultados o aumento da atividade das células NK, que são células do nosso sistema imune
inato, células estas, responsáveis pela destruição de células que são infectadas por vírus.
Lembrando que “mantra” é uma palavra que tem origem no sânscrito indiano. Ao recitar um
mantra, muito comum nos praticantes do budismo, jainismo e tantrismo, consegue-se criar um
conjunto de sons que expressam a energia das coisas às quais se recita. Assim, ao recitar um
mantra, ocorre uma vibração energética relacionada àquilo que o mantra se refere.
A palavra mantra, em sânscrito, teria como significado “instrumento para conduzir ou proteger
a mente”.
Então, os mantras atuam na energia dos chakras, que são os sete centros energéticos de um
ser humano.
Existem estudos que indicam que a inclusão do uso da recitação de mantras na rotina diária,
ajudaria, entre outras coisas, no controle da ansiedade, na estabilidade emocional, na melhora
da respiração, no estímulo da produção de serotonina e endorfinas e no aumento da
imunidade.

A espiritualidade e o estresse
Estresse pode ser definido como uma resposta física do nosso organismo a um estímulo,
muitas vezes prejudicial, ameaçador ou a um evento ou desafiador.
Sob estresse, o organismo acaba produzindo e liberando uma complexa mistura de hormônios
e outras substâncias químicas como adrenalina, cortisol e norepinefrina, que preparam nosso
corpo para uma resposta física.
A manutenção de um estado de estresse por longos períodos, pode ser prejudicial à saúde,
uma vez que a manutenção de níveis elevados de cortisol pode provocar um aumento nos
níveis de açúcar e na pressão arterial, levando a um aumento da prevalência de problemas
cardiovasculares.
Um artigo publicado em março de 2020 na revista da AMERICAN PSYCHOLOLOGICAL
ASSOCIATION, sugere que a exposição maciça pela mídia em crises semelhantes a que
estamos vivendo, leva ao aumento da ansiedade, devido ao estresse.
Vejam bem, a exposição maciça pela mídia, em situações de crise, leva a um aumento da
ansiedade. E o que temos visto ultimamente na TV, principalmente nas TV abertas?
Exatamente isso.
Eu já desisti de assistir aos telejornais. É só notícia ruim, que nos deixa deprimidos,
estressados, ansiosos, com medo e, consequentemente, mais sujeitos às doenças.
Dias atrás me sentei para assistir a um noticiário no horário do almoço e em menos de 5
minutos, foram noticiadas 1 agressão a um adolescente, 3 mortes, sendo 1 por atropelamento,
2 prisões e 1 agressão a um cachorro.

Em 2018, um estudo publicado no JOURNAL OF NURSING SCHOLARSHIP, falando sobre


“Espiritualidade, humor e resiliência após desastres naturais e tecnológicos”, ajuda a
corroborar a ideia de que um suporte espiritual é um fator de grande positividade nessas
situações. Então, este é um ótimo momento para exercitar a nossa espiritualidade e tirar todos
os proveitos que ela pode proporcionar, independentemente de se ter uma religião ou não.

A espiritualidade como terapia


Estudos vem demonstrando que a disposição em perdoar, a gratidão, o não guardar rancor e
ressentimento, demonstram muitos efeitos benéficos principalmente para o coração, se
mostrando como um grande aliado no sentido de estabilizar aspectos emocionais, cognitivos,
fisiológicos, psicológicos e espirituais nesses momentos de pandemia que estamos vivendo.
No programa da semana passada, na entrevista com o Dr. Roberto Esporcatte, presidente da
Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina
Cardiovascular, foi falado sobre as Diretrizes de Saúde e Espiritualidade da SBC.
Pois bem, os cardiologistas, em sua Diretriz de Prevenção Cardiovascular, recomendam
tópicos relacionados à Espiritualidade. São estudos recentes sobre esse tema, mostrando a
importância da Espiritualidade para adesão ao tratamento, para o enfrentamento de situações
desfavoráveis do cotidiano e até mesmo para eliminar ou atenuar aqueles fatores de risco
cardíaco como o tabagismo, o uso excessivo de álcool, o aumento de peso, o descontrole da
pressão arterial, do colesterol e do diabetes, entre outros.
O atual vice-presidente do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular e
que foi o coordenador do capítulo 9 sobre Espiritualidade e Fatores Psicossociais em
Medicina Cardiovascular da Diretriz, juntamente com o Dr. Roberto Esporcate, o Dr. Álvaro
Avezum Júnior, afirma que “A Espiritualidade será um fator de importância substancial no
enfrentamento do Coronavírus”. Ele lembra, e eu aqui ressalto, também, que a espiritualidade
independe de uma afiliação religiosa, podendo, porque não, incluir agnósticos e mesmo ateus.
Segundo o cardiologista, “Aqueles que descreem ou possuem dúvidas da existência de Deus,
não deixam de ser espiritualizados, a partir do momento em que encontram significado e
propósito para a própria vida”, baseando-se na conceituação filosófica que os cardiologistas
fizeram sobre esse assunto.

Interessante perceber que o desenvolvimento da espiritualidade pelos profissionais de saúde,


pode auxiliar na redução do pânico e das aflições que são inerentes a esse momento em que a
humanidade se encontra.
Podemos perceber que, além disso, a espiritualidade pode a aumentar, nesses profissionais de
saúde, a atenção e valorização do ser humano, como temos visto em várias ocasiões.

Pessoas que enfrentaram a crise na Itália contam sua experiência pessoal na luta contra a
pandemia da COVID-19, como pode ser visto no artigo num artigo AN ITALIAN EXPERIENCE OF
SPIRITUALITY FROM THE CORONAVIRUS PANDEMIC (Uma experiência italiana de
espiritualidade da pandemia do Coronavirus), de maio de 2020 do Journal of Religion and
Health.
Vejam um destes relatos, de um profissional de saúde italiano:
“Nesse ‘cenário de guerra’ em que alguns de nós somos infectados pelo COVID-19 e
recebemos apoio respiratório avançado, testemunhamos várias conversões religiosas entre
nossos colegas, o que provavelmente é a melhor evidência científica de que quanto mais você
está perto da morte, mais você chega perto da espiritualidade. Quando tudo isso acabar,
provavelmente não poderemos continuar nosso trabalho como antes, porque nós e todos os
envolvidos no processo de assistência à saúde teremos aprendido uma importante lição de
oração e espiritualidade da pandemia de Coronavírus”.

No artigo “Espiritualidade em Tempos de Coronavírus: Médico tece uma reflexão sobre o


papel da espiritualidade no enfrentamento da crise da COVID-19 e no mundo
pós-pandemia”, publicado na Revista Veja Saúde, de abril de 2020, temos um depoimento de
um médico brasileiro: “Tempos de crise são tempos de sofrimento e dor, mas também de
transformação e conversão. O confronto com o sofrimento nos convida, também, a um
itinerário interior em busca de iluminação, através de oração e meditação, formas de diálogo
com o Divino. Buda começou seu caminho espiritual a partir do contato com a fragilidade
humana após abandonar o fausto palácio em que fora criado. Trata-se de um convite
universal”.

O neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl destaca que o enfrentamento das dores e


sofrimentos, como o que estamos vivendo com essa pandemia, só acontece por meio da
construção de sentido. Assim, a espiritualidade se mostra como uma das grandes ferramentas
que podemos utilizar nesses momentos de grande estresse, aflições, angústias, incertezas,
dores e medo.

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