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TECNOLOGIA
De startup a corporation
A maturidade do mercado tech e a conjuntura econômica atraem
enxurrada de investimentos em capital de risco que pode mudar de vez
o cenário do ecossistema brasileiro
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Airton Seligman
04/11/19 - 08h00 - Atualizado em 10/11/19 - 11h30
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A economia brasileira pode não ter dado o salto que se esperava este ano, o
desemprego continua alto, o consumo segue anêmico, mas se tem alguma coisa
promissora no cenário econômico do País hoje são as startups. Nunca se viu tanto
capital de risco irrigando empresas de tecnologia como agora. “Difícil dar números, acho
que ninguém tem, mas tenho essa sensação”, diz Tania Gomes, vice-presidente da
Associação Brasileira de Startups (ABStartups). “O cara que quer empreender hoje tem
segurança de chegar em algum lugar”, diz o brasileiro Daniel Ibri, 36 anos, cofundador da
Mindset Ventures, gestora de capital de risco (venture capital) baseada nos Estados
Unidos que desde 2016 já investiu mais de US$ 20 milhões em 40 startups e pretende
levantar outros US$ 50 milhões para seu terceiro fundo internacional.
Mesmo sem números consolidados, há vários sinais que validam essa enxurrada de
investimentos em startups. Mais: há razões plausíveis para acreditar se tratar de um
fenômeno divisor de águas na história desses empreendimentos exponenciais, cujo
índice de natalidade brasileiro é cada vez maior (veja grá co), mas o de sobrevivência
parece um jogo contra a Alemanha: de 10 startups criadas, apenas uma se mantém viva.
“Há um uxo gigante de capitais indo para VC (venture capital)”, diz Ibri. Não deve ser
acaso o fato de a gigante japonesa de telecom, energia e robótica SoftBank, um dos
maiores investidores globais em tecnologia, com participação em techs como Uber e
Alibaba, ter lançado em março um fundo de US$ 5 bilhões só para startups da América
Latina. Se 25% desse aporte japonês for aplicado no Brasil, o que é bastante possível, já
praticamente bate o total de investimentos de venture capital de todo o ano passado no
País (US$ 1,3 bilhão). Aliás, o montante já era 51% superior ao de 2017. “O Brasil já tem
visibilidade e respeito no mercado global”, diz Tania.
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Vale dizer que os números recentes poderiam estar apontando para uma bolha –
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hipótese que reverbera pouco nas fontes ouvidas pela DINHEIRO. Bolha ou não, o
fenômeno é animador. Nos últimos dois anos o País viu surgir seus primeiros unicórnios
(techs avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais). São dez. Um dos mais recentes, a Loggi, de
logística, promoveu em junho uma rodada de investimentos de 150 milhões de dólares,
com aportes de SoftBank e Microsoft, entre outros. O mais recente unicórnio brasileiro, a
ntech curitibana Ebanx, de pagamentos internacionais, “chegou lá” depois de sete anos
no mercado. É o primeiro do sul do País. Segundo a Endeavor, que nutriu a startup na
sua fundação, em 2012, a empresa já cresceu 700 vezes. Mas foi nos últimos dois anos
que a Ebanx brasileira experimentou uma aceleração vertiginosa, iniciada com o
empurrão de US$ 30 milhões de venture capital aportados pela americana FTV em 2017.
O primeiro unicórnio brasileiro, a 99, concorrente da Uber, abriu as portas do céu
quando foi comprada em 2018 pela chinesa DiDi Chuxing, com depósito de US$ 1 bilhão
– movimento que chamou a atenção do mundo para a oportunidade do mercado
brasileiro.
Em linhas gerais, venture capital é o recurso que um fundo investidor aporta em uma
empresa promissora, ganhando participação – no empreendimento e no risco de ela não
dar certo. “O venture capital vem tanto pra trazer dinheiro e comprar escala em
crescimento, como traz para a mesa um aporte de governança e capital intelectual
importante”, diz Renan Georges, cofundador da ntech Fliper, cujo app para administrar
investimentos de forma automatizada já foi adotado por mais de 40 mil usuários. O
Fliper App já mapeia RS$ 4 bilhões.
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PASSO LARGO O brasileiro Daniel Ibri, cofundador da Mindset Ventures, que pretende captar US$ 50
milhões: empresa americana, capital nacional (Crédito:Divulgação)
A própria faixa etária das pessoas que trabalham no ecossistema está mais madura. Para
Georges, a média deve girar entre 38 e 40 anos. “Startup deixou de ser empresa de
garagem, de jovens”, diz, do alto de seus 31 anos. Os outros dois sócios da Fliper, Walter
Poladian e Felipe Bonami, têm 35 anos e 33 anos, respectivamente. A explicação para
essa “seniorização” parece simples. “As histórias de sucesso (de algumas startups)
trouxeram gente mais quali cada”, diz Ibri. “Empreender passou a ser uma opção de
carreira. Hoje, gerentes de grandes instituições deixam suas posições e vão criar
empresas”.
ESCALADA Felipe Bonami, Renan Georges e Walter Poladian, da ntech Fliper: aplicativo mapeia R$ 4
bilhões em contas de 40 mil usuários (Crédito:Divulgação)
O aumento do uxo de capital de risco para as startups nacionais também pode estar
ocorrendo por uma conjunção de dois fatores: a própria natureza da empresa com base
tecnológica e a atual conjuntura econômica mundial. É uma espécie de estar no lugar
certo, no momento certo. “Primeiro, o mundo está com muita liquidez”, diz Georges,
lembrando que não há crise desde 2009. “O cenário macroeconômico brasileiro está
muito favorável: há uma perspectiva de crescimento com câmbio desvalorizado”. O
planejador nanceiro e sócio da Fliper Walter Poladian completa: “Estamos saindo de
uma crise, com uma agenda de reformas mais liberal. Isso traz mais con ança para o
investidor, tanto estrangeiro quanto brasileiro”.
FEITOS UM PARA O OUTRO O DNA das techs parece ter sido criado para seduzir o
capital de risco. Disruptivas, elas se apoderam do terreno que desbravam pilotando
inovação. “Startups têm a característica inicial de ganhar share de mercado; depois essa
base vira receita”, a rma Tania. Diferentemente de uma empresa da economia
tradicional, que cresce de forma linear, as techs ganham corpo exponencialmente.
“Empresas de tecnologia, a partir do momento que acham seu ponto de equilíbrio, têm
que crescer exponencialmente. Se não acontecer, o modelo está errado. Isso só é
possível quando você compra crescimento. O VC vem para trazer dinheiro e comprar
essa escala em crescimento”, diz Georges.
FATOR HUMANO Walter Sabini Junior, da HiPartners, investidora em soluções para o varejo: pessoas
são mais importantes que ideias (Crédito:Divulgação)
Essa aceleração, obviamente, vai ocorrer mais facilmente em países com demandas de
mercado concretas. “A escala está atrelada à oportunidade. Países desenvolvidos têm
muito menos problemas que países subdesenvolvidos”, diz Georges. “Por exemplo, o
Brasil é um país de 200 milhões de pessoas com cinco grandes bancos tradicionais e /
milhares de problemas a serem resolvidos, sejam estruturais, de logística ou nanceiros.
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Onde tem problemas tem oportunidades. Se você resolve essa oportunidade de uma
maneira muito mais ágil, veloz e barata, endereçando produtos e serviços para a
população, a escala é muito grande.” Segundo Georges, é justamente isso que o venture
olha. “Ele olha o total adressable market, o tamanho do mercado potencial – claro, dado
que você já provou sua hipótese. Não há como escalar num mercado muito pequeno.
Ou num hipercompetitivo e consolidado.”
Há outro elemento no DNA das techs que provoca atração no VC: startups são, em
essência, serviços digitais ( ntechs, edtechs, healthetechs etc.) que podem ser replicáveis
globalmente. Traduzindo, o investidor aposta em uma empresa com muitas
oportunidades.
Quer dizer, isso no caso de a startup ter sucesso. Há estudos americanos que
demonstram que dois terços do capital de risco aplicados em startups não retornam
nenhum centavo ao investidor. O que acontece é que o mesmo investidor que perde em
algumas operações pode compensar em outras. “O VC tradicional trabalha com esta
equação: invisto em 20, duas dão certo, ganhei mais do que o mercado nanceiro”, diz
Sabini Junior.
Esse novo momento do ecossistema de startups brasileiras tem seu lado polêmico. “Ele
trouxe muito oportunista também”, a rma Daniel Ibri. Como diz Sabini Junior, “tecnologia
é um ótimo investimento, o risco está nas pessoas que vão entregar o produto. Grandes
ideias tem aos montes”. Para Ibri, há gargalos a serem vencidos justamente nesse setor.
“Na área de programação, o Brasil tem poucos talentos bem formados.” Outro gargalo?
Os IPOs. “São feitos no máximo cinco IPOs por ano no Brasil. O custo e a burocracia são
enormes”, diz Ibri. A tese é provada pelos vários IPOs de startups nacionais realizados
nos Estados Unidos nos últimos anos (Arco Educação, Netshoes, PagSeguro, Stone). A
venda de uma tech no Brasil, outra saída do capital de risco após dar como encerrada
sua contribuição, é mais um problema. Isso porque uma empresa de tecnologia em geral
é comprada por outra empresa de tecnologia, que precisa estar muito bem das pernas.
“O mercado de aquisição no Brasil é extremamente pequeno”, diz Ibri.
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