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Lançado em 1976, Taxi Driver (dir. Martin Scorsese, 1976) foi o quinto
longa-metragem dirigido por Martin Scorsese. A obra foi sua primeira parceria
com o roteirista Paul Schrader e seu segundo filme com Robert De Niro, mas o
primeiro em que o ator interpretava o papel principal1. A obra em questão tratou
de uma série de questões polêmicas e controversas referentes à sociedade
norte-americana da primeira metade da década de 1970. Buscamos neste
artigo, debater algumas dessas temáticas trabalhadas na película, dialogando
com a situação dos Estados Unidos e de Hollywood na época.
Iniciamos nossa análise com uma breve narrativa tratando do contexto
de realização do filme. Não buscamos construir uma verdade histórica, e sim
recuperar alguns elementos que mais adiante nos permitirão dialogar com
alguns pontos centrais da obra analisada.
Paul Schrader, antes de escrever Taxi Driver, havia se formado em
cinema e trabalhava como crítico, tendo como sua mentora Pauline Kael, um
dos nomes mais importantes da crítica especializada daquele momento.
Schrader teve uma educação religiosa rígida e quando chegou a Los Angeles
para cursar cinema entrou em contato com o ambiente universitário da década
de 1960, participando de protestos anti-guerras, contribuindo para o periódico
alternativo L.A Fress Press e fazendo uso de drogas. No entanto, segundo o
cineasta, ele começou a experimentar desde esse momento uma sensação de
deslocamento. De acordo com o roteirista:
De repetente, eu estava nesse mundo. Era sempre aquela
sensação “sim, estou aqui com você. É uma rotina, estamos
todos juntos, mas não estou aqui. Este não sou eu de verdade.
Estou em outro lugar”. Não pelos princípios religiosos, mas
porque eu não era aquela pessoa. Eu não havia sido criado
para ser daquele jeito. Refletindo, eu acho que a origem
daquele personagem vêm das origens desse deslocamento.2
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nenhum grande estúdio, teve a sua distribuição realizada pela Warner Brothers.
Julia e Michael Phillips após assistirem seu novo filme o convidaram para dirigir
Taxi Driver, assim como decidiram por quem interpretaria o protagonista,
Robert De Niro.
Com a equipe principal escalada – roteirista, diretor, protagonista e
produtores- Julia e Michael Phillips tentaram vender o filmes aos estúdios.
Entretanto, foram recusados por todos. O roteiro apresentava demais questões
sensíveis e controversas como prostituição infantil, violência, racismo, entre
outras. Diante desse cenário, cada um dos envolvidos foi realizar outros
projetos.
Nesse momento, Paul Schrader teve seu primeiro roteiro filmado por um
grande estúdio, Operação Yakuza (Yakuza, dir. Sydney Pollack, 1974) pela
Warner Brothers. Robert De Niro participou de O Poderoso Chefão II (The
Godfather: Part II, dir. Francis Ford Coppola, 1974), pelo qual recebeu o Oscar
de melhor ator coadjuvante. Scorsese dirigiu o bem sucedido Alice Não Mora
Mais Aqui (Alice Doesn´t Live Here Anymore, dir. Martin Scorsese, 1974), seu
primeiro trabalho como diretor contratado de um grande estúdio. Os produtores
Michael e Julia Phillips além de ganharem o Oscar de melhor filme com Golpe
de Mestre (The Sting, dir. George Roy Hill, 1973), haviam conseguido negociar
para a Columbia Pictures a realização do filme Contatos Imediatos de Terceiro
Grau (Close Encounters of Third Kind, dir. Steven Spielberg, 1977), que se
tornaria a segunda maior bilheteria de 1977.
Diante desse novo contexto, a Columbia Pictures concordou em
financiar a realização do longa-metragem. No entanto, o orçamento aprovado
era relativamente pequeno, U$1,3 milhões de dólares. Para conseguir realizar
o filme, Scorsese contou com a experiência que havia adquirido trabalhando
para Roger Corman em Sexy e Marginal. O diretor esquematizou e programou
boa parte da película antes das gravações em storyboards, tendo os principais
ângulos e movimentos de câmera planejados com antecedência.
O longa-metragem foi filmado durante oito semanas no verão de 1975.
As locações foram na cidade de Nova York, permitindo assim o cineasta
retratar as ruas que ele conhecia com familiaridade e também garantia aos
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Depois de Taxi Driver, que diante dos seus custos baixos e temas
polêmicos conseguiu uma arrecadação boa, Scorsese lançou New York, New
York (dir. Martin Scorse, 1977) e Touro Indomável (Ragging Bull, dir. Martin
Scorsese, 1980), ambos apresentaram bilheterias baixas. Muitos autores
consideram como 1975 ou 1976 o fim dessa Nova Hollywood, uma vez que a
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Segundo Robert Phillip Kolker, Taxi Driver - assim como outros filmes de
Martin Scorsese e diversos cineastas de sua geração- constitui um exemplo do
que ele denomina de cinema da solidão. De acordo com o autor, as
personagens desse tipo de obra apresentavam um relacionamento conflitante
com a sociedade, sempre em atrito e nunca realmente fazendo parte dela.14
A solidão constitui a temática central para se entender o filme. Como
mencionado anteriormente, as origens da personagem Travis Bickle estavam
em uma sensação de isolamento e deslocamento experimentada por Paul
Schrader. Scorsese ao falar do longa-metragem também recupera essa
questão.
Em Taxi Driver, quando Brian De Palma, me deu o roteiro, vi
nele minhas reações contra o mundo de onde eu vinha, e do
qual, de certa forma, queria me livrar (...) Com Taxi Driver, eu ia
detonar com isso, para poder ficar ainda mais livre. Penso que
a conexão imediata quando li, foi com a raiva, a fúria e a
solidão – não fazer parte de um grupo. Eu sempre fui
marginal.15
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encontra uma forma de extravasar todas as neuroses que ele sofre isso se dá
através de forma feroz, e a violência é, em grande medida, algo experimentado
por ele no Vietnã.
Assim como os Estados Unidos ainda viviam o trauma do conflito no
sudoeste asiático, Travis também ainda era afetado por essa ferida. Ele
incorpora em sua personalidade o trauma de uma nação. Ele carrega consigo
essa experiência, assim como o país, o Vietnã é parte da história da
personagem.
Como destacado por Patterson, Taxi Driver apresenta uma “visão
obscura” da realidade norte-americana do período, uma das principais formas
como isso aparece no filme se trata da condição da cidade de Nova York,
principalmente, os bairros pobres que Travis dirige durante a noite. Como a
personagem narra longo no início do filme: “À noite, todos os animais saem da
toca. Prostitutas fedorentas, vigaristas, bichas, puxadores, traficantes, imorais,
corruptos. Um dia uma tempestade limpará toda essa sujeira”.
Richard Schickel: Quer dizer, havia uma sensação de que a
cidade estava simplesmente descendo em espiral para o
inferno naquele momento.
Martin Scorsese: Aquilo foi só o começo. Mas eu sou de Nova
York, então quando a cidade começa a cair, parece parte do
ciclo. Eu sabia que a 42 Street e a Times Square estavam
chegando a uma nova baixa. Não era uma área segura (...) Eu
estava mais alerta e mais atraído por essa nova expressão de
sexualidade aberta (...) Em Taxi Driver, não gostei de filmar
naquelas áreas de categoria x. A sensação de chafurdar
naquilo era, para mim, sempre cheia de tensão e de uma
extraordinária depressão. E o filme é muito, muito deprimente.18
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seu isolamento e solidão, Travis toma uma atitude extrema para lidar com os
problemas a sua volta. Depois de tentar assassinar o senador, o motorista em
sua busca por resgatar Iris comete uma série de assassinatos, entre eles o
cafetão Sport, o porteiro do hotel em que Iris se prostituía e um policial corrupto
que estava lá na hora. Essas mortes são extremamente violentas e a
brutalidade dos crimes revela o tamanho da insanidade da personagem.
Um elemento importante a ser destacado é que nesse momento Travis
de certa forma “trai” a audiência. Ao desenvolver da trama, o público observa a
realidade pelo ponto de vista de Travis, que apesar de distorcido, não é o
suficiente para tirar a simpatia com a personagem. Sua revolta ao ambiente a
sua volta, parece de certa forma exagerada, mas compreensível. Não há nas
ações do motorista um anúncio de que ele poderia ser capaz de cometer
tamanha atrocidade. A única outra cena de assassinato, o assalto em uma loja
que ele impede, há pouca quantidade de sangue e se trata de uma morte
rápida, diferente das mortes na cena final.
Com suas ações, Travis revela as audiências que ele não era alguém
que tinha decidido lutar contra o ambiente a sua volta por ter os valores mais
corretos, ele mostra que sua luta era um resultado de sua própria sanidade.
Anteriormente no filme ele havia se posicionado contra a imoralidade e
ilegalidade a sua volta: “Ouça cambada de sacanas. Comigo vocês não podem,
não vão continuar. Desafios os imundos, as porcas, os cachorros, os canalhas.
Sou um revoltado”.
Na cena fina é revelado que Travis não se tratava de um herói pelo qual
o público poderia torcer e ter simpatia, mas sim alguém perturbado por suas
neuroses. No entanto, essa revelação ocorre somente no final, apesar das
audiências terem indícios anteriormente que Travis estava prestes a explodir,
quando ele finalmente extravasa toda a sua ira é através de uma violência
desproporcional.
De acordo com Scorsese:
Mas a solidão, ser um marginal, não ser capaz de se conectar
com ninguém, isso se expressa no filme e no personagem por
meio da violência, que é uma representação fantasiosa (...) A
gente tem essas fantasias. E então esse cara ultrapassa a
linha. A beleza do que Paul Schrader fez no roteiro é que ele
toca em algo que é muito humano – também cheio de racismo
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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do
Rio de Janeiro (PPGHC-UFRJ). Contato: gomes638@gmail.com
1
Paul Schrader roteirizou outros três filmes de Martin Scorsese: Touro Indomável, A Última
Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, dir. Martin Scorsese, 1988) e Vivendo no
Limite (Bringing Out the Dead, dir. Martin Scorsese, 1999). Robert De Niro já havia trabalhado
com o diretor em Caminhos Perigosos, os dois repeteriam a parceria em diversas obras
posteriormente: New York, New York, Touro Indomável, O Rei da Comédia (The King of
Comedy, dir. Martin Scorsese, 1982), Os Bons Companheiros (Goodfellas, dir. Martin
Scorsese, 1990), Cabo do Medo (Cape Fear, dir. Martin Scorsese, 1991) e Cassino (dir. Martin
Scorsese, 1995).
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Taxi Driver, Blu-ray, Extras: O Homem Solitário de Deus.
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Os valores de bilheterias referidos aqui foram baseados nas cifras apresentadas por David
Cook com baseado na revista Variety. Cf. COOK, David. Lost Illusions: American Cinema in the
Shadow of Watergate and Vietnam 1970-1979 (History of American Cinema, vol.9). New York:
Charles Scribner´s Son, 2000.
5 Sobre a Nova Hollywood, cf. COOK, op. cit.; KING, Geoff. New Hollywood Cinema: An
Introduction. London/ New York: I.B. Tauris Publishers, 2002; LEV, Peter. American Films of the
70s: Conflicting Visions. Austin: University of Texas Press, 2000; SCHATZ, Thomas. The New
Hollywood. In: COLLINS, Jim, COLLINS, Ava Preacher & RADNER, Hilary. Film Theory Goes
to Movies. New York: Routledge, 1993.
6 Sobre a pluralidade de abordagens dos filmes desse período, cf. LEV, Peter, op. cit;
TOMASULO, Frank P. 1976: Movies and Cultural Contradictions. In: FRIEDMAN, Lester D.
American Cinema of the 1970s: themes and variations. New Brunswick/ New Jersey: Rutgers
University Press, 2007.
7
Entrevista concedida por Martin Scorsese e de Francis Ford Coppola ao programa “Hollywood
Insiders”, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=uJE3Zqb9zXY. Acessado em 17 de
fevereiro de 2014.
8
Sobre a forma de organização da indústria cinematográfica norte-americana conhecida como
studio system e o cinema clássico hollywoodiano, cf. BALIO, Tino (ed.). The american film
industry. Wiscosin: The University Wisconsin Press, 1976; BORDWELL, David, STAIGER,
Janet & THOMPSON, Kristin. The Classical Hollywood Cinema: Film Style & Mode of
Production to 1960. London: Routledge, 1985; GOMERY, Douglas. The Hollywood Studio
System. New York: St. Martin Press, 1986; PEREIRA, Wagner Pinheiro. O Poder das Imagens:
Cinema e Política nos Governos de Adolf Hitler e de Franklin D. Roosevelt (1933-1945). São
Paulo: Alameda, 2013; SCHATZ, Thomas. O Gênio do Sistema. A Era dos Estúdios em
Hollywood. São Paulo: Companhia das Letras, 1991; SKLAR, Robert. História Social do
Cinema Americano. São Paulo: Cultrix, 1978.
9
Cf. RAY, Robert B. A Certain Tendency of the Hollywood Cinema, 1930-1980. New Jersey:
Princeton University Press, 1985.
10
Cf. PATTERSON, James T. Resteless Giant: The United States from Watergate to Bush vs.
Gore. Oxford. New York: Oxford University Press, 2005.
11
PATTERSON, op. cit, p.13
12
QUART, Leonard & AUSTER, Albert. American Film and Society since 1945. Santa Barbara/
Denver/ Oxford: Praeger, 2011,p.103.
13
FLATLEY, Guy. Martin Scorse´se Gamble. In: BRUNETTE, Peter (ed.). Martin Scorsese
Interviews. Univeristy Press of Mississippi/ Jackson: 1999, pp.56-57.
14
KOLKER, Robert Phillip. A cinema of loneliness: Penn, Kubrick, Scorsese, Spielberg, Altman.
Oxford University Press: New York, 1988.
15
SCHICKEL, Richard. Conversas com Scorsese. São Paulo: Cosac Naify, 2011, p.157.
16
KOLKER, op.cit., p.190.
17
THOMPSON, David e CHRISTIE, Ian. Scorsese por Scorsese. Lisboa: Edições 70, 1989,
p.89.
18
SCHICKEL, op. cit., p.166.
19
Taxi Driver, Blu-ray, Extras: A Nova York de Travis.
20
Cf. WOOD, Robin. The Incoherent Text. In: _____. Hollywood from Vietnam to Reagan… and
Beyond. New York: Columbia University Press, 2003.
21
GRIST, Leighton. The films of Martin Scorsese, 1963-77: Authorship and context. New York:
Palgrave Macmillam, 2000, p.156.
22
SCHICKEL, op. cit., pp.159-160.
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