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Tema:

Ser diferente
DE LHO NA IMAGEM

Português: Linguagens — William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães

Campeão de bolinha de gude (1939), de Norman Rockwell.

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1. Nesse quadro, três crianças estão brincando.
a) Do que elas estão brincando? De bolinha de gude.
b) Esse jogo normalmente é jogado por meninos ou meninas? Por meninos.
c) Se você já jogou esse jogo, conte para os colegas como são as regras dele e como se faz para
vencer. Resposta pessoal.

2. Cada um dos jogadores tem um saquinho de bolinhas de gude.


Como está o saquinho:
a) do menino de camiseta listrada? Vazio.
b) que está no bolso do menino de camisa branca? Vazio.
c) ao lado da menina? Completamente cheio.

3. Pelos saquinhos de bolinhas de gude, é possível tirar algumas conclusões.


a) O jogo começou nesse momento ou já faz algum tempo que as crianças estão jogando?
Por quê? Deve ter começado há algum tempo, pois os meninos deviam ter bolinhas quando começou a partida.
b) Quem está ganhando o jogo? Por quê? A menina, pois tem várias bolinhas ao seu lado, no chão, além do saco cheio de bolinhas.

4. Observe a expressão do rosto das três crianças.


Eles parecem estar ansiosos e preocupados
a) O que os meninos parecem estar sentindo? com o resultado da jogada da menina.
b) E a menina, o que ela deve estar pensando e sentindo?
Ela também parece estar ansiosa e pensando algo como “Não posso errar esta jogada”.

5. Observe a localização das bolinhas de gude no quadro.


Provavelmente vai terminar a
a) Existe alguma bolinha perto dos meninos? Não. partida, pois os meninos não
terão mais como jogar.
b) O que você acha que vai acontecer se a menina acertar a jogada?
c) O título do quadro é Campeão de bolinha de gude. Qual das crianças
você acha que merecerá esse título? Por quê?
O título certamente caberá à menina, pois ela tem maior possibilidade de ganhar o jogo.
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6. Existem certos jogos e brincadeiras que são praticados geralmente por meninos, e outros,
por meninas.
Resposta pessoal. Sugestões: futebol, baseball (taco), judô, bolinha de gude, figurinha, pião, soltar pipa, etc.
a) Que esportes, jogos e brincadeiras são mais praticados por meninos?
b) E quais são mais praticados por meninas? Resposta pessoal. Sugestões: ginástica olímpica, balé,
brincar de roda ou de boneca, etc.
c) Na sua opinião, existe preconceito de sexo nas brincadeiras e nos jogos?
Por quê? Resposta pessoal.
d) Você conhece alguém que se destaca num jogo ou esporte que geralmen-
te é praticado pelo sexo oposto? Essa pessoa sofre ou sofreu preconcei-
tos? Conte para os colegas. Resposta pessoal.

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Tema:
Ser diferente
ESTUDO DO TEXTO

A pipoca
Falaram pouco até chegar no morro.

Fundação Portinari
O caminho que subiam era estreito. O Tuca foi
na frente. Quase correndo. Feito querendo escapar da
discussão que crescia lá dentro dele: um Tuca dizendo
que amigo-que-é-amigo não tá ligando se a gente mora
aqui ou lá; o outro Tuca não acreditando e cada vez mais
arrependido da ideia de comer pipoca.
E atrás dos dois lá ia o Rodrigo, querendo assobiar
para disfarçar. Querendo mas não podendo: já estava
botando a alma pela boca de tanto subir.
Quantas vezes, com a luz de tudo que é barraco
se espalhando pelo morro, o Rodrigo tinha escutado
dizer: que bonito que é favela de noite! as luzes parecem
estrelas.
E o Rodrigo ia olhando cada barraco, cada criança,
cada bicho, vira-lata, porco, rato, olhando tudo que pas-
sava: bonito? estrela? cadê?!
[...]
Quando chegaram no alto o Rodrigo estava sem

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fôlego. O Tuca parou:
— Eu moro aqui. — Entrou.
Só os irmãos pequenos estavam em casa. Quatro.
O Tuca foi apresentando cada um. Os grandes ainda
estavam “lá embaixo se virando”; e a irmã mais velha Morro (1933), de Portinari.
tinha saído.
— Mas e a pipoca? — o Tuca quis logo saber — ela esqueceu que ia fazer pipoca pra gente?
— Não, — um irmão explicou — ela já fez. Mas ficou com medo da gente comer tudo antes de
você chegar e então guardou ali — espichou o queixo pra uma porta que estava fechada. Fez cara de
sabido e piscou o olho: — A chave tá na vizinha...
Enquanto o garoto falava o Rodrigo ia olhando pro barraco: dois cômodos pequenos, um puxado
lá fora pro fogão e pro tanque, e a tal porta fechada que o garoto tinha mostrado e que devia ser um
outro quarto; ou quem sabe o banheiro? Juntando tudo o tamanho era menor que a cozinha da casa
dele; e eram onze morando ali! e mais a mãe?!
★★★
Uma vez o Tuca tinha contado pro Rodrigo:
“O meu pai era marinheiro. Só aparecia em casa de vez em quando. Um dia não apareceu mais.”
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“Ele morreu?”
“Ninguém sabe.”
“E a tua mãe?”
“Ela mora lá com a gente. Mas quem faz de mãe lá em casa é a minha irmã
mais velha.”
“Por quê?”
“É que a minha mãe... é doente.”
“O que ela tem?”
“Tem lá umas coisas. Mas a minha irmã é a pessoa mais legal que eu já vi até
hoje: aguenta qualquer barra.”
★★★
Lá pelas tantas o Tuca quis acabar com a discussão que continuava dentro dele:
— Vam’embora, Rodrigo. Você agora já sabe onde eu moro e se quiser aparecer a casa é sua.
— Mas e a pipoca? — o Rodrigo perguntou.
Não precisou mais nada: a criançada desatou a falar na pipoca, a querer a pipoca, a pedir a pipo-
ca. Uma barulhada! O Tuca ficou olhando pro chão. De repente saiu correndo. Pegou a chave na casa
da vizinha. Abriu a porta que estava trancada.
Era um quarto com uma cama, um armário velho de porta escancarada e uns colchões no chão.
Tinha uma mulher jogada num colchão.
Tinha uma panela virada no colchão.
Tinha pipoca espalhada em tudo.
A criançada logo invadiu o quarto e começou a catar pipoca do chão.
Ninguém ligou pra mulher querendo se levantar do colchão.
O Rodrigo estava de olho arregalado.
O Tuca olhou pra ele. Olhou pra mulher. Olhou pras pipocas sumindo.
— Pronto, — ele resolveu — você não vai comer pipoca do chão, vai? então não tem mais nada
pra gente fazer aqui. — Empurrou o Rodrigo pra fora do barraco. — Agora você já sabe o caminho.
Desce por lá. — Apontou.
O Rodrigo estava atarantado:
— Lá onde?
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— Vem! eu te mostro. — E desceu correndo na frente. Num instantinho chegou na curva que ele
tinha mostrado. Respirou fundo. Lembrou do perfume do talco. Olhou pro lado: estava um lameiro
medonho naquele pedaço do morro: tinha chovido forte na véspera e uma mistura de água e de lixo
tinha empoçado ali.
O Rodrigo chegou de língua de fora: o Tuca tinha descido tão depressa que mais parecia um
cabrito.
— Pô cara! — ele reclamou — assim não dá. Você quase me mata nessa des...
Mas o Tuca já tinha virado pra ele de cara feia e já estava gritando:
— Não precisa me dizer! eu sei muito bem que não dá. Como é que vai dar pra gente ser amigo
com você cheirando a talco...
— Eu?!
— ... e eu aqui nesse lixo todo. Não precisa me dizer, tá bem? eu sei, EU SEI, que não dá.
Você que ainda não sabe de tudo. Quer saber mais, quer? quer? — Pegou o Rodrigo pela camisa. —
Quando a minha irmã tranca minha mãe daquele jeito é porque a minha mãe já tá tão bêbada que
faz qualquer besteira pra continuar bebendo mais. — Começou a sacudir o Rodrigo. — Você olhou
bem pra cara dela, olhou? pena que ela não tava chorando e gritando pra você ver. Ela chora e grita
(feito neném com fome) pedindo cachaça por favor.
— Me solta Tuca!
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— Solto! solto sim. Mas antes você vai ficar igual a mim. — E botou toda a força que tinha pra
derrubar o Rodrigo no lameiro.
[...]
[...] E quando sentiu os pés se encharcando se atirou pro lameiro levando o Rodrigo junto.
Aí largou.
O Rodrigo levantou num pulo. Não precisava tanta pressa: ele já estava imundo, pingando lixo.
O Tuca levantou devagar. E de cabeça baixa foi subindo o morro de volta pra casa.
(Lygia Bojunga Nunes. Tchau. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1987. p. 38-42.)

atarantado: aturdido, perturbado, atrapalhado.

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

1. Tuca e Rodrigo são dois amigos da


escola. Rodrigo, que mora num luxuo-
Promessas de um novo mundo
so apartamento, vai conhecer o barra-
co do amigo, numa favela. No 2º pará- Esse é o nome do excepcional documentário
grafo do texto, o narrador se refere ao de Justine Shapiro, B. Z. Goldberg e Carlos Bolado,
um filme impressionante que retrata a vida de sete
nervosismo de Tuca. O fato de ele subir o morro
correndo, como se quisesse “escapar da discussão” interior. crianças (israelenses e palestinas) com idade entre 8 e
a) Que comportamento do menino 13 anos, que vivem em Jerusalém, local de conflitos
mostra seu nervosismo? religiosos.
b) Por que, segundo o texto, havia Apesar das diferenças religiosas e culturais, elas
dois Tucas dentro dele? poderiam ser amigas?
Porque Tuca tinha dúvida quanto à opinião de Rodrigo: por um lado, achava É o que tentam saber os diretores do filme, con-
que, se ele fosse amigo verdadeiro, não se importaria; por outro, chegava a se
arrepender do convite que havia feito. seguindo mostrar algo quase impossível: o encontro e
2. Releia o 5º parágrafo do texto. Nele é a amizade dessas crianças — sementes de paz para um
descrito tudo o que Rodrigo vê. novo mundo.

a) Pela mistura dos elementos enu-


merados, o que se pode dizer
das condições de higiene daquele

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lugar? Écos,umratos
lugar sujo, em que crianças se misturam a por-
e cachorros.
b) Por que se pode dizer que Rodrigo,
até aquele dia, tinha sido ingênuo
em relação ao morro?
Porque nunca tinha visto a miséria do morro de perto. Talvez tivesse uma
“impressão poética” do morro, construída pelos sambas, pela tevê ou pelos
quadros que mostram a lua atrás dos barracos.
3. Com a frase “Uma vez o Tuca tinha
contado pro Rodrigo”, o narrador
introduz o flash-back narrativo, isto é, Um garoto judeu e um palestino desafiando o ódio e a guerra.

conta fatos que ocorreram no passado.


Assim, ficamos sabendo que o pai de
Tuca havia sumido e que a mãe dele era doente.
a) Que tipo de problema tem a mãe de Tuca? Ela é alcoólatra. “Ela mora com a gente” revela o estado de dependência da
mãe: já não trabalha nem exerce nenhum papel na família.
b) Que diferença há entre Tuca dizer “ela mora com a gente” e “a gente mora com ela”?
Os irmãos mais velhos, con-
c) Quem sustenta a casa? Retire do texto um trecho que justifique sua resposta. forme mostra o trecho “Os
grandes ainda estavam ‘lá
d) Quem cuida da organização da casa? A irmã mais velha. embaixo se virando’ ”.

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4. Rodrigo é convidado para ir comer pipoca na casa de Tuca; mas a pipoca é apenas uma desculpa
para eles se conhecerem melhor e estreitarem a amizade.
Tuca queria evitar o desconforto de abrir a porta do quarto e deixar que Rodrigo visse sua mãe bêbada.
a) Por que Tuca, em casa, fica nervoso e deseja descer o morro
antes mesmo de comerem a pipoca?
b) Que sentimento Tuca revela sentir no momento em que
abre a porta do quarto? Vergonha, humilhação.

5. Tuca desce o morro em disparada. Em certo momento, Rodrigo


diz: “assim não dá. Você quase me mata nessa des...”.
a) Provavelmente, do que Rodrigo iria reclamar? Por quê?
Provavelmente reclamaria da pressa com que Tuca estava descendo o morro, porque mal conseguia acompanhar o amigo.
b) O que Tuca supôs que Rodrigo estivesse pensando sobre a
situação? Que não daria para ser amigo de alguém tão pobre.
c) Por esse episódio, pode-se dizer que a discussão que existia
dentro de Tuca, no começo do texto, continua agora? Por quê?
Sim, porque Tuca continua achando que Rodrigo não vai querer ser seu amigo depois de conhecer sua casa e sua família. Professor: É possível que o aluno veja a questão por outro
ângulo e responda que não. Essa resposta é possível, se ele perceber que Tuca, agora, tem quase certeza de que Rodrigo não quer mais ser seu amigo.
6. No final do texto, Tuca joga Rodrigo na lama. Um pouco antes, sentira um cheiro de talco
no amigo.
a) A que se associa o talco? Resposta pessoal. Sugestão: limpeza, perfume, sensação agradável.
b) A que se associa a lama? Resposta pessoal. Sugestão: sujeira, lixo, mau cheiro, sensação desagradável.
c) Se Tuca vive num ambiente de lama e Rodrigo cheira a talco, por que, na sua opinião, Tuca
Porque Tuca queria que o amigo se sentisse “sujo” como ele se sentia, que conhecesse a miséria e a sujeira
teria forçado Rodrigo a cair na lama? de perto.
Professor: É possível que os alunos apresentem dificuldade para estabelecer essa relação, mas devem ser estimulados a fazê-lo. Se necessário, leia o trecho outras vezes e faça perguntas
orais que induzam o raciocínio.
7. “O Tuca levantou devagar. E de cabeça baixa foi subindo o morro de volta pra casa.”
a) O que as expressões devagar e de cabeça baixa revelam quanto ao estado emocional de Tuca?
Ele estava triste, envergonhado, sem ânimo para conversar com o amigo.
b) O que você acha que ele devia estar pensando, enquanto subia o morro?
Resposta pessoal. Sugestão: Devia estar pensando que Rodrigo não iria mais querer ser seu amigo.
c) E Rodrigo, enquanto voltava para seu apartamento?
Resposta pessoal. Sugestão: Provavelmente achava estranha a atitude de Tuca e devia estar pensando nas condições de miséria da população do morro e nos privilégios que ele tem.

8. No contato com Tuca, Rodrigo — um garoto até certo ponto ingênuo — aprendeu muitas coisas.
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Professor: Esta questão possibilita o exercício de uma operação importante: o levantamento de hipóteses a partir da coerência interna do texto.
a) Em algum momento, Rodrigo manifestou preconceito em relação à pobreza de Tuca? Se não,
o que sentiu? Não, Rodrigo manifestou apenas espanto.
b) Você acha que, depois dessa experiência, os dois vão continuar a ser amigos?
Provavelmente sim, pois Rodrigo em nenhum momento demonstrou estar decepcionado com o amigo. Tuca, por sua vez, provavelmente irá perceber que Rodrigo gosta dele mesmo
depois de conhecer a miséria em que ele vive.

A LINGUAGEM DO TEXTO
1. Releia este fragmento:

“Tinha uma mulher jogada num colchão.


Tinha uma panela virada no chão.
Tinha pipoca espalhada em tudo.”

Observe que o narrador poderia ter escrito “Tinha uma mulher, uma panela e pipoca espalhadas
no chão”, mas o efeito de sentido não seria o mesmo.
a) Que efeitos resultam dessa repetição? ritmo, quebra da sequência lógica, gradação de ideias, duplo sentido
b) Empregando a mesma técnica usada pelo narrador, reescreva a frase seguinte, desdobrando-a
em três frases: “Notei uma mulher, uma criança, a vida no jardim”.
Resposta pessoal. Sugestão: Notei uma mulher no jardim. Notei uma criança no jardim. Notei a vida no jardim.
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2. Observe as palavras destacadas neste fragmento:

“eu sei, EU SEI, que não dá. Você que ainda não sabe de tudo”

Na 1ª frase, a autora empregou EU SEI com letras maiúsculas e, na 2ª frase, empregou o pronome
Você com letras do tipo itálico, que são letras ligeiramente inclinadas para a direita. Esses recursos
servem para expressar, na escrita, o modo como falamos, isto é, para indicar se estamos gritando,
falando baixo ou de forma lenta, se estamos enfatizando alguma palavra ou expressão, etc.
a) Leia o trecho em voz alta, procurando exprimir o modo como Tuca deve ter pronunciado
essas palavras.
b) Concluindo, explique por que a autora empregou as maiúsculas e o itálico nessas frases.
As maiúsculas indicam que a personagem gritou ou falou alto; o itálico indica que ela enfatizou a palavra ao pronunciá-la.

3. O texto faz uso de várias expressões da linguagem coloquial. Dê o sentido das seguintes expressões:
• amigo-que-é-amigo amigo verdadeiro • espichou o queixo mostrou
• botando a alma pela boca cansado • cara feia bravo
• se virando arranjando dinheiro • pra cara dela para o rosto dela

LEITURA EXPRESSIVA DO TEXTO


Desprezando as falas do narrador, leia com um colega as falas das personagens Rodrigo e Tuca
a partir do parágrafo que se inicia com “— Pô cara!” até a última fala. Durante a leitura, enfatizem o
espanto de Rodrigo e deem cada vez mais ênfase às palavras de Tuca, a fim de mostrar seus sentimen-
tos conflituosos de raiva, vergonha e insegurança.

Trocando ideias

1. O texto narra a amizade entre um menino pobre e um menino rico.

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a) Você já teve alguma experiência desse tipo ou conhece alguém que tenha passado por isso?
Em caso afirmativo, conte como foi.
b) E os adultos de sua casa, o que pensam sobre esse tipo de relacionamento?
c) Você acha que as diferenças entre
amigos — sejam elas sociais, Sapatilhas ou luvas de boxe?
raciais, culturais — dificultam a
Você já pensou no preço que se paga por ser diferente?
amizade?
Billy Elliot, personagem do premiado filme inglês
que tem esse mesmo nome, é um garoto que descobre por
2. Coloque-se no lugar de Rodrigo e acaso o gosto pelo balé e acaba se tornando, mais tarde, um
depois no de Tuca. renomado bailarino.
Universal

a) Como Rodrigo, você teria coragem Para isso, tem de


de ir ao barraco de Tuca? Como pagar um alto preço,
como lutar contra o
agiria diante do comportamento
preconceito de várias
do amigo?
pessoas, inclusive o
b) Como Tuca, você também sentiria de seu pai.
vergonha da situação de pobreza?
Como teria agido?
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Tema:
Ser diferente
ESTUDO DO TEXTO

O nariz
Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculda-
de. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como
profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher
e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros
pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com Groucho Marx. Mas o nosso
dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço — sempre almoçava em
casa — com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.
— Isto o quê?
— Esse nariz.
— Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.
— Logo você, papai...
Depois do almoço ele foi recos-
tar-se no sofá da sala como fazia
todos os dias. A mulher impa-
cientou-se.
— Tire esse negócio.
— Por quê?
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— Brincadeira tem hora.


— Mas isto não é brin ca-
deira.
Sesteou com o nariz de
borracha para o alto. Depois
de meia hora, levantou-se
e dirigiu-se para a porta. A
mulher interpelou:
— Aonde é que você vai?
— Como, aonde é que eu
vou? Vou voltar para o consul-
tório.
— Mas com esse nariz?
— Eu não compreendo você
— disse ele, olhando-a com censu-
ra através dos aros sem lentes. — Se
fosse uma gravata nova, você não diria
nada. Só porque é um nariz...
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— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risada: (“Logo o
senhor, doutor...”), fizeram perguntas mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consul-
tório com dúvidas.
— Ele enlouqueceu?
— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. — Nunca vi
“ele” assim.
Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o
pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
— Você vai usar este nariz na cama? — perguntou a mulher.
— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.
— Mas, por quê?
— Por que não?
Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madru-
gada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira
brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.
— Papai...
— Sim, minha filha.
— Podemos conversar?
— Claro que podemos.
— É sobre esse seu nariz...
— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?
— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você
resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?
— O nariz é meu e vou continuar a usar.
— Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu
não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.
— Não tem porque não quer...
— Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço?
— Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo homem.
Um nariz de borracha não faz nenhuma diferença.

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— Se não faz nenhuma diferença, então por que usar?
— Se não faz diferença, por que não usar?
— Mas, mas...
— Minha filha.
— Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava
com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.
Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados,
numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.
— Você vai concordar — disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado
com ele — que seu comportamento é um pouco estranho...
— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu continuo o mesmo. Noventa
e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem
de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom
pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto
por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o
meu nariz?
— É... — disse o psiquiatra. — Talvez você tenha razão...
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O que é que você acha, leitor? Ele
tem razão? Seja como for, não se entregou. Os irmãos Marx
Continua a usar nariz postiço. Porque agora Quatro comediantes americanos, os irmãos Marx,
não é mais uma questão de nariz. Agora é fizeram grande sucesso na música e no cinema. Groucho
uma questão de princípios. Marx (1895-1977), o que teve

is
(Luis Fernando Verissimo. O nariz e outras crônicas. uma carreira mais duradoura no

Bettmann/Corb
São Paulo: Ática, 1994. p. 73-6.) cinema, usava bigode e sobran-
celhas pretos e espessos. Seus
óculos pesados destacavam
ainda mais o nariz avantajado.
reputação: fama, renome.
repudiar: rejeitar, repelir.
sestear: fazer a sesta, descansar,
cochilar.

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

1. A crônica discute vários aspectos da vida social moderna; contudo, um deles se destaca. Das
palavras seguintes, qual traduz o assunto central do texto?

X • comportamento • moda • casamento • beleza

2. As três frases a seguir expressam a reação da esposa e da filha diante do comportamento do dentista:

“Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância.”


“— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.”
“A mulher impacientou-se.”

a) De uma frase para outra, nota-se que o narrador, para demonstrar o processo de irritação da
esposa e da filha, empregou o recurso da gradação. Esse recurso consiste em criar um movi-
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mento crescente ou decrescente, que acontece aos poucos, em graus. Comparando as partes
destacadas nas frases, observa-se uma gradação crescente ou decrescente? Gradação crescente.
b) A partir de que momento o comportamento bem-humorado da mãe e da filha começa a se
modificar? A partir do momento em que percebem não se tratar apenas de uma brincadeira comum.

3. Observe esta descrição que o narrador faz do dentista:

“Era um dentista respeitadíssimo. [...] Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreen-
dentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão.”

Compare-a, agora, com estes pensamentos da esposa:

“Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita”

a) Em algum momento esses fragmentos demonstram os sentimentos e desejos do dentista como


pessoa? Justifique. Não, as pessoas só levavam em conta seu papel social.
b) De acordo com o texto, o que é mais importante para a sociedade: o que o indivíduo realmen-
te é ou o que ele parece ser? A sociedade valoriza a aparência e pouco se importa com o que cada um pensa ou sente.
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4. O mundo do dentista, até o episódio do nariz postiço, resumia-se a dois elementos básicos: a
família (esposa e filha) e a profissão (incluindo aí seus clientes e sua secretária).
As pessoas se afastam dele.
a) Que comportamento têm essas pessoas quando ele insiste em agir de modo diferente?
b) De modo geral, tal qual ocorreu no caso do dentista, pode-se dizer que a sociedade reserva
um único destino a todos aqueles que ousam ser diferentes. Qual é esse destino?
O isolamento em pequenos grupos ou a solidão total.

5. A esposa suspeita que o marido tenha enlouquecido, os amigos o aconselham a procurar um


psiquiatra. O psiquiatra conclui que ele está bem, apesar de apresentar um “comportamento
estranho”.
a) Que argumentos contrários o dentista apresenta diante da opinião do psiquiatra sobre seu
comportamento? Com coerência, afirma que pouco mudou: continua quase com a mesma aparência física e cumprindo normalmente suas obrigações de marido,
pai e cidadão.
b) No final da crônica, o narrador afirma que o dentista continua a usar o nariz: “agora não é
mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios”. Qual a diferença entre uma
questão de nariz e uma questão de princípios? Questão de nariz significa uma mania, uma brincadeira, até um tique. Questão de
princípios significa ir até o fim em relação a uma opinião ou pensamento, custe o que custar. Professor: É importante, nesse caso, ressaltar que o dentista mostrou firmeza de caráter
diante de toda a pressão social e familiar.
6. O dentista diz ao psiquiatra: “Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?”. E o psiquiatra
responde: “É... [...] Talvez você tenha razão...”. E o narrador nos propõe uma questão: “O que é
que você acha, leitor? Ele tem razão?”.
Então dê sua opinião: O que é ser diferente? Somos o que somos ou o que parecemos ser?
Resposta pessoal. O importante, nessa questão, é o aluno refletir sobre o preconceito social que há em relação a tudo que é diferente do padrão estabelecido.

A LINGUAGEM DO TEXTO

1. Releia estes trechos do texto:

“Era um dentista respeitadíssimo”


“Continuo sendo um ótimo dentista”

a) Em que grau estão os adjetivos respeitadíssimo e ótimo? No superlativo absoluto sintético.


b) Considerando as surpresas provocadas pelo dentista, por que o uso desse grau é importante
para caracterizá-lo? Porque esse grau reforça a ideia de que ele era uma pessoa bem-aceita socialmente, o que é importante para provocar a surpresa posterior.

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2. Observe o trecho:

“— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. — Nunca
vi ‘ele’ assim.”

a) Por que o narrador empregou o pronome ele entre aspas? Entre outras possibilidades, porque quer explicitar que tem cons-
ciência de que está empregando uma construção gramatical que
b) Como ficaria essa frase de acordo com a norma-padrão? foge à norma-padrão. Ou porque talvez queira dar uma entonação
especial ao pronome, o que seria difícil com o emprego do oblíquo.
Nunca o vi assim.

3. Observe o emprego do artigo neste trecho:

“— Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço?
— Mas não sou ‘um homem’. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo
homem.”

a) De acordo com o contexto, por que a personagem empregou o artigo indefinido ao responder
à filha que ele não é “um homem”? Porque quer ressaltar que ele não é um homem qualquer, como tantos outros.
b) Por que, nas frases seguintes, ele emprega o artigo definido?
Porque, com os definidos, a personagem confirma que é alguém que elas conhecem bem: o marido, o pai.
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Cruzando linguagens

Leia este cartum:


Português: Linguagens — William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães

(Quino. Déjenme inventar. Barcelona: Lúmen, 1986. p. 63.)

1. O cartum é organizado em nove cenas ou situações. Observe a expressão do homem nas duas
primeiras cenas. O que ele parece estar fazendo? Ele parece estar pensando sobre alguma coisa, buscando alguma ideia.
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2. A partir da 3ª cena, o homem passa a andar com as mãos.
Porque ele resolveu ser diferente dos outros.
a) Por que você acha que ele tem esse comportamento? Maluco beleza
b) Como ele se sente enquanto tem esse comportamen- Raul Seixas também discutiu o
to? Justifique sua resposta. Ele se sente satisfeito, feliz, pois seu rosto mostra tema do comportamento social em
um sorriso.
sua canção Maluco beleza. Eis alguns
c) Que fato o surpreende? Ocomo
fato de encontrar muitas outras pessoas andando
ele. versos dela: “Enquanto você se esforça
d) Como ele parece se sentir na penúltima cena? pra ser / um sujeito normal / e fazer
Ele parece estar decepcionado, triste, conforme a expressão do rosto e a posição das pernas. tudo igual / Eu, do meu lado, apren-
3. Observe que a última cena é igual à primeira. O que isso dendo a ser louco / maluco total / na
significa quanto aos objetivos da personagem? loucura real”.
Significa que ela voltou à estaca zero, ou seja, não conseguiu ser diferente.

4. Comparando o cartum ao texto “O nariz”, explique:


a) O que os dois protagonistas têm em comum?
O desejo de ser diferente ou ter comportamentos diferentes em relação às outras pessoas.
b) Que diferença existe quanto ao modo como as pessoas reagem?
Em “O nariz”, as pessoas rejeitam o comportamento do dentista; no cartum não há rejeição, pois as pessoas passam a ter o mesmo comportamento do protagonista.

5. Os textos nos permitem concluir que, quando uma pessoa passa a se comportar de modo dife-
rente, pode haver dois tipos de reação por parte das pessoas que estão à sua volta.
Isolar a pessoa que se comporta de
a) Tomando como base o texto “O nariz”, qual é o primeiro tipo de reação? modo diferente.
b) Tomando como base o cartum, que outro tipo de reação pode haver?
O comportamento diferente pode ser imitado pelas demais pessoas até se tornar um comportamento normal. Professor: Chame a atenção dos alunos para o fato de que, no cartum,
apesar de as demais pessoas passarem a ter o mesmo comportamento do protagonista, este rejeita o grupo e prefere o isolamento.
6. Tanto o texto “O nariz” quanto o cartum refletem sobre o desejo de ser diferente. Na sua opinião:
a) Essa é uma necessidade de todo ser humano? Por quê? Resposta pessoal.
b) É fácil ser diferente? Por quê? Resposta pessoal.

Trocando ideias

1. A crônica retrata uma situação extrema de comportamento social diferente. Mas, no dia a dia, nas
mínimas coisas podemos notar o preconceito social em relação ao que é diferente, como o uso

Português: Linguagens — William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães


de brincos por meninos, o uso de piercings e tatuagens, o uso de cabelos coloridos ou cortados
de forma não convencional, o uso de roupas rasgadas, o indivíduo ser excessivamente gordo ou
magro, etc.
Se você já viveu uma situação social desse tipo, conte-a para seus colegas. Caso contrário, discu-
ta: Você teria coragem de se vestir conforme uma moda completamente diferente daquela que é
adotada no seu meio social ou pelas pessoas da sua faixa etária?

2. Apesar de haver preconceito social em relação ao que é diferente, alguns setores da sociedade
procuram tirar proveito daquilo que é incomum, ganhando dinheiro com
Stuart Hughs/Stone

roupas, cortes de cabelo e atividades culturais alternativos. Nesse caso, o


diferente pode até tornar-se uma moda ou um comportamento de grupo.
Pense, por exemplo, na moda e no comportamento punk, heavy metal, etc.
Então discuta com seus colegas:
a) O diferente, ao tornar-se igual dentro do grupo, não perde seu caráter
livre e alternativo, virando algo comum e quase obrigatório?
b) É possível sermos realmente diferentes na nossa sociedade? Até que
ponto?

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