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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL – UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

GILMAR WIERCINSKI

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:


DIÁLOGO ENTRE PRÁTICA E TEORIA EM UMA
PERSPECTIVA AUTOARQUEOLÓGICA

Ijuí (RS)
2016
2

GILMAR WIERCINSKI

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:


DIÁLOGO ENTRE PRÁTICA E TEORIA EM UMA
PERSPECTIVA AUTOARQUEOLÓGICA

Dissertação apresentada ao Mestrado em Educação


nas Ciências da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí),
como requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Jaime González

Ijuí (RS)
2016
3

Catalogação na Publicação

K648c Wiercinski, Gilmar.


Currículo da educação física na educação básica: diálogo entre
prática e teoria em uma perspectiva autoarquelógica / Gilmar Wiercinski.
– Ijuí, 2016.
154 f.: il.; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do


Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas
Ciências.

“Orientador: Fernando Jaime González”.

1. Educação física escolar. 2. Autoarqueologia. 3. Currículo da


educação física. 4. Prática pedagógica. I. González, Fernando Jaime. II.
Título. III. Título: Diálogo entre prática e teoria em uma perspectiva
autoarqueológica.
CDU: 796:371.214.1
796:373.3

Zeneida Britto
CRB10/1374
4

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí


Educação nas Ciências – Mestrado

A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação:

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DIÁLOGO


ENTRE PRÁTICA E TEORIA EM UMA PERSPECTIVA AUTOARQUEOLÓGICA

de

Gilmar Wiercinski

Como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação nas Ciências

Comissão Examinadora:

Prof. Dr. Fernando Jaime González (orientador) – Unijuí

Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer – Unijuí

Prof. Dr. Sidinei Pithan da Silva – Unijuí

Profa. Dra. Suraya Cristina Darido – Unesp


5

À Lenise, pelo companheirismo e compreensão.

Dedico à minha filha Milena. Que as reflexões


deste trabalho possam contribuir na construção de
uma Educação Física que sonhamos para a tua e
as próximas gerações.

Aos meus pais, David (in memoriam) e Elvira.


6

AGRADECIMENTOS

Ao professor Fernando Jaime González, um professor de importância ímpar na


minha experiência profissional. Agradeço pela orientação dedicada e sábia, pela condução do
trabalho, incentivo e força em todos os momentos, abrindo caminhos e possibilidades.
Obrigado pelos ensinamentos, pela confiança, compreensão e paciência pedagógica.

Ao professor Paulo Evaldo Fensterseifer, que é um dos maiores incentivadores na


minha caminhada acadêmica. Obrigado por acreditar e acompanhar minha trajetória
profissional desde o início, mostrando que é preciso lutar pelo que acreditamos independente
do tempo que possa levar.

Aos professores Sidinei Pithan da Silva e Suraya Cristina Darido, por aceitarem
participar da defesa da Dissertação, contribuindo de forma significativa com o trabalho.

À equipe diretiva, professores e funcionários da Escola Estadual de Ensino


Fundamental Chico Mendes, pelo apoio e compreensão. Aos alunos, por serem o maior
motivo deste estudo.

À Escola Municipal Fundamental Tomé de Souza, aos colegas professores,


funcionários e alunos. Muito obrigado por fazerem parte dessa história.

À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, ao Programa


de Pós-Graduação em Educação nas Ciências e aos professores do Mestrado.

À Fapergs/Capes, pelo apoio financeiro e concessão de bolsa.


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RESUMO

No campo acadêmico e profissional da Educação Física, desde o início da década de 80 do século 20,
tem-se produzido, em diferentes perspectivas e com objetivos diversos, distintas proposições. Uma
dessas perspectivas foi a do movimento renovador crítico que se propôs a transformar a Educação
Física escolar, entendida até então como atividade pedagógica, em um componente curricular. Nesse
contexto, enquanto professor de Educação Física, reconheço em mim a influência desse movimento
teórico, tanto na forma de conceber quanto na de realizar minha prática pedagógica. Sinto-me
integrante ativo desse movimento, por isso apresento este trabalho, que tem como objetivo
sistematizar um diálogo entre minha prática pedagógica e a discussão teórica da Educação e da
Educação Física, particularmente no que se refere à produção do currículo. Este estudo sistematizou a
minha experiência profissional de 13 anos de docência na Educação Física escolar, com um recorte
descritivo do trabalho realizado nos últimos 8 anos em uma escola pública estadual do município de
Ijuí (RS). Trata-se de um estudo em que o objeto pesquisado é a prática curricular do próprio
pesquisador. O trabalho foi organizado em quatro capítulos. Inicialmente, as escolhas metodológicas
que sustentaram o desenvolvimento do trabalho. O movimento analítico do conjunto da dissertação e a
forma que foram elaborados os três Capítulos seguintes, tratam, respectivamente: a) da sistematização
da prática curricular, b) da imersão teórica e c) do diálogo entre essas dimensões. Tendo, então, como
metodologia a autoarqueologia, descrevo a prática curricular e pedagógica a partir da experiência do
meu trabalho com a Educação Física escolar. Este estudo foi um processo de interpretação da prática
curricular com base nos meus vestígios materiais gerados em todos esses anos de trabalho, distribuídos
na escola e nos arquivos como pesquisador. A organização dos materiais (vestígios) desenterrados
permitiu mostrar um pouco do trabalho, o diálogo com o contexto e sua transformação no tempo. Na
sequência sistematizei sobre a prática curricular em um conjunto de autores presente no debate
contemporâneo acerca da Educação escolar e da Educação Física. O foco é o currículo e suas
proposições teóricas, principalmente no campo da Educação Física. Por fim, estabeleço um diálogo
entre a prática pedagógica que desenvolvi e o que apresentam autores da Educação e da Educação
Física sobre a prática curricular. A partir de critérios produzidos na pesquisa teórica do terceiro
Capítulo, tensiono a prática textualizada no segundo Capítulo, assim como busco tensionar, com base
nessa experiência, as propostas curriculares para a Educação Física escolar. Para realizar esse
escrutínio de mão dupla, formulo e respondo perguntas sobre convergências e divergências entre a
minha prática curricular e o que é proposto no campo da Educação Física escolar. Nas convergências
destaco: a) a tematização da diversidade das manifestações da cultura corporal de movimento; b) a
proposição de uma sequência/progressão de conteúdos; e c) as diversas formas de ensinar mobilizadas
no desenvolvimento das diferentes Unidades Didáticas trabalhadas no período de 2006 a 2013. Nas
divergências, tendo a teoria como referência para tensionar a prática curricular, ficaram em evidência
inconsistências: a) na articulação entre o discurso legitimador da Educação escolar que enunciava e o
papel defendido para a Educação Física no Ensino Fundamental; b) entre as práticas avaliativas
efetivadas na prática e o papel que o olhar sobre as aprendizagens deveria ter nesse processo. Ainda
nas divergências, mas, desde uma perspectiva inversa, tomando os conhecimentos profissionais como
referência para interpelar as proposições teóricas, destaquei que: a) é imprescindível trabalhar em
longo prazo para poder fazer constatações e correções de percurso; b) a proposta que desenvolvi para
essa escola não poderia ser imaginada/projetada em termos semelhantes antes de realizá-la; e c) é
necessário desenvolver as propostas a partir da proximidade com a realidade escolar e o próprio
professor. Para finalizar, apresento algumas mudanças a partir da minha experiência profissional. A
primeira se refere à organização da proposta curricular, a segunda é sobre o planejamento do
componente curricular, e a terceira aponta para o material didático que serviu de apoio durante as
aulas.
Palavras-chave: Educação Física escolar. Autoarqueologia. Currículo da Educação Física. Prática
pedagógica
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ABSTRACT

In the academic and professional area of Physical Education, since the beginning of 80’s, in the 20th
century, it has been produced, in different perspectives and with several mains, distinct propositions.
One of these perspectives was the critical renewal movement, which proposes change the School
Physical Education, understood until this moment as pedagogical activity in a curricular component.
In this context, as a Physical Education teacher, I recognize, at me, the influence of this theoretical
movement, as in the way to conceive as in the way to do my pedagogical practice. I feel like active
integrant of this movement, so, I present this work, which aims to systematize a dialogue between my
pedagogical practice and the theoretical discussion of Education and the Physical Education,
particularly in what refers to curriculum production. This study systematized my professional
experience of thirteen years as docent in School Physical Education, with a descriptive cutting of the
work done in the last eight years in a public state school in Ijuí town, state of Rio Grande do Sul (RS).
It is a study that the research object is the curricular practice of the own researcher. The work is
organized in four chapters. Firstly, it will approach the methodological choices that sustained the
development of this work. The analytical movement of the whole Dissertation and the way the three
following chapters are organized, approach, respectively: a) a systematization of curricular practice, b)
a theoretical immersion and c) a dialogue between this dimensions. So, taking as methodology the
auto archeology, I describe the curricular and pedagogical practice by the experience of my work with
School Physical Education. It was approached an interpretation process of the curricular practice based
on materials trace generated in all these years of work distributed at school and in the researcher’s
files. The organization of the discovered materials (trace) allowed us to show a little about the work,
the dialogue with the context and its transformation at time. In the sequence, I systematize the authors
present in the contemporary debate in terms of the school education and the Physical Education about
the curricular practice. The main focus is in the curriculum and its theoretical propositions in the area
of Physical Education. Lastly, I establish a dialogue between my pedagogical practice and what
present the authors of Education and Physical Education about the curricular practice. By the criteria
produced on the theoretical research of the Third Chapter, I put in tension the contextualized practice
of the Second Chapter, aswell as I intend to put in tension, by this experience, the curricular proposes
for School Physical Education. For that, I do and answer questions about convergences and
divergences between my curricular practice and what is proposed in the field of School Physical
Education. In the convergences, I highlight: a) the diversity theme of the movement body’s culture
manifestations; b) the proposition of a sequence/progression of contents; c) the several forms to teach
mobilized in the develop of the different Didacticism Units worked since 2006 to 2013. In the
divergences, taking the theory as reference to put in tension the curricular practice, are in evidence the
following inconsistences: a) the articulation between the legitimate discourse of the School Education
that enunciated the role defended for the Physical Education in Elementary School; b) between the
assessment practice and the look about the learning. Yet, in the divergences, but, in a inverse
perspective, taking the professional knowledge as reference to apostrophize the theoretical
propositions, I highlighted that: a) it is indispensable to work in a long time to make findings and
correct the way; b) the purpose that I develop for this school couldn’t be imagined in a similar way
before to do it; c)it is necessary to develop the proposes nearly with the scholar reality and the reality
of the teacher. At the end, I present some changes by my professional experience. The first, refers to
the organization of curricular propose, the second, is about the planning of the curricular component,
and the third points to the didactical material that served as support during my classes.
Keywords: School Physical Education. Auto archeology. Physical Education Curriculum. Pedagogical
practice
9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cronologia da prática curricular nas três instituições ............................................ 22

Figura 2 – Vestígios materiais (autoarqueologia) ..................................................................... 23

Figura 3 – Programa escola aberta .......................................................................................... 35

Figura 4 – Projeto rádio na escola ........................................................................................... 36

Figura 5 – Avaliação externa ................................................................................................... 37

Figura 6 – Efetividade dos professores de 2006 a 2013 .......................................................... 40

Figura 7 – Temas estruturadores no ensino da Educação Física escolar ................................. 44

Figura 8 – Avaliação dos alunos .............................................................................................. 47

Figura 9 – Avaliação dos alunos .............................................................................................. 48

Figura 10 – Caderno do aluno com os temas estruturadores para os quatro Anos Finais do
Ensino Fundamental ................................................................................................................ 49

Figura 11 – Educação Física – planejamento participativo – 4/8/2000 – E. M. F. Tomé de


Souza ....................................................................................................................................... 51

Figura 12 – Avaliação de aluno sobre as aulas de Educação Física ........................................ 52

Figura 13 – Unidades Didáticas desenvolvidas nos oito anos de 5ª série/6º ano a 8ª série/9º
ano ........................................................................................................................................................ 54

Figura 14 – Apostilas como material de apoio ........................................................................ 59

Figura 15 – Desenho feito por uma aluna na capa da apostila de esporte de invasão – futebol
sete .......................................................................................................................................... 60

Figura 16 – Painel de fotografias – registro de todos os temas da cultura corporal de


movimento ............................................................................................................................... 62
10

Figura 17 – Sistematização da Unidade Didática de ginástica: exercício físico – 2009 ......... 63

Figura 18 – Conjunto representativo de Unidades Didáticas (2006 a 2013) ............................ 65

Figura 19 – Plano descritivo da Unidade Didática ginástica: exercício físico ........................ 72

Figura 20 – Critérios de avaliação da Unidade Didática ......................................................... 73

Figura 21 – Resultado em metros do pré-teste de cooper feito pelos alunos .......................... 75

Figura 22 – O uso do frequencímetro durante o treino ............................................................ 77

Figura 23 – Trabalho encaminhado aos alunos ....................................................................... 78

Figura 24 – Vídeo produzido e postados pelos alunos ............................................................ 79

Figura 25 – Sessão de spinning na academia .......................................................................... 81

Figura 26 – Ficha de Scout ...................................................................................................... 87

Figura 27 – Confecção das bandeiras ...................................................................................... 88

Figura 28 – Momentos do evento de culminância da Unidade Didática de futebol sete ........ 89

Figura 29 – Porcentual entre tempo necessário e tempo disponível ....................................... 110


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – ESCOLHAS METODOLÓGICAS ......................................................... 17


1.1 Autoarqueologia ............................................................................................................. 17
1.1.1 Plano de Reconstrução Arqueológica ...................................................................... 21

1.1.2 Efetivação da Autoarqueologia Descritiva ....................................................................... 22


1.2 Processos Metodológicos do Capítulo 3: Teoria da Prática Curricular .................... 24
1.3 Processos Metodológicos do Capítulo 4: Tensionamento Entre a Minha Prática e
a Teoria ............................................................................................................................ 25

CAPÍTULO 2 – PRÁTICA CURRICULAR E PEDAGÓGICA: RELATO DE UMA


EXPERIÊNCIA EM PERSPECTIVA AUTOARQUEOLÓGICA ................................. 26

2.1 Escola ............................................................................................................................... 27


2.1.1 Uma Escola, um Local, uma História ............................................................................... 29
2.1.2 A Comunidade Escolar – Pais e Alunos ........................................................................... 37
2.1.3 A Gestão Escolar e o Quadro de Professores e Funcionários ......................................... 39
2.1.4 O Coletivo de Professores e a Educação Física ................................................................ 40
2.2 O Professor de Educação Física .................................................................................... 41
2.3 A Educação Física ........................................................................................................... 42
2.3.1 O Planejamento na Educação Física da Escola ................................................................ 43
2.3.1.1 A Participação dos Alunos no Planejamento .............................................. 47
2.3.1.2 O Planejamento e sua Trajetória ................................................................ 50
12

2.4 Os Vestígios e Seus Contextos ....................................................................................... 55


2.4.1 Vestígios Encontrados na Escola ...................................................................................... 55
2.4.1.1 Materiais Didáticos .................................................................................... 56
2.4.1.2 Papéis e Artefatos da e Sobre a Educação Física na Escola ...................... 56
2.4.2 Vestígios em Posse do Autor ............................................................................................. 56
2.4.2.1 Os Planos de Estudos do Componente Curricular ...................................... 57
2.4.2.2 Cadernos de Planejamento e Registro de Trabalho Cotidiano ................... 57
2.4.2.3 Guia dos Conteúdos para os Alunos (Planejamento Entregue aos
Alunos) ....................................................................................................... 57
2.4.2.4 Trabalhos e Pesquisas Feitas pelos Alunos ................................................ 58
2.4.2.5 Provas .......................................................................................................... 58
2.4.2.6 Apostila – Material de Apoio ....................................................................... 58

2.5 Temas Estruturadores e as Unidades Didáticas .......................................................... 60


2.5.1 Da Prática Curricular à Prática Pedagógica ...................................................................... 62
2.5.1.1 Unidades Didáticas: Registros da prática .................................................. 64
2.5.2 Unidades Didáticas: Pontes entre o Plano Curricular e as Experiências nas Aulas 69

2.5.2.1 Ginástica: Exercício Físico ......................................................................... 69


2.5.2.2 Futebol (de) Sete/Futebol (de) Todos ......................................................... 85

CAPÍTULO 3 – TEORIA DA PRÁTICA CURRICULAR .............................................. 90

3.1 Para que Ensinar na Educação ..................................................................................... 92


3.1.1 Para que Ensinar na Educação Física ................................................................................ 95
3.2 O que Ensinar ................................................................................................................. 99
3.2.1 Processo de Seleção Cultural ............................................................................................. 99
3.2.2 Conteúdos da Educação Física ........................................................................................ 103
3.3 Quando Ensinar ............................................................................................................ 106
3.3.1 Organização do Conhecimento ao longo da Educação Básica ..................................... 106
3.3.2 Distribuição do Conhecimento da Educação Física ao longo da Educação Básica ..... 108
13

3.4 Como Ensinar ............................................................................................................... 111


3.4.1 Processos Metodológicos: Mediação entre Professor e Aluno em Sala de Aula .......... 111
3.4.2 Processos Metodológicos que Caracterizam e Orientam Professor e Aluno na
Educação Física ............................................................................................................... 112
3.5 Perguntas Sobre a Avaliação ....................................................................................... 115
3.5.1 Avaliação Escolar ............................................................................................................. 115
3.5.2 Para que Avaliar ................................................................................................................ 116
3.5.3 O que Avaliar .................................................................................................................... 118
3.5.4 Quando Avaliar ................................................................................................................ 119
3.5.5 Como Avaliar ................................................................................................................... 120

CAPÍTULO 4 – DIÁLOGOS ENTRE PRÁTICA E TEORIA – TENSIONAMENTO .. 123


4.1 Refletindo as Questões do Para Que Ensinar na Educação Escolar ........................ 123

4.2 Educação Escolar – O Que Ensinar ............................................................................ 127

4.3 Quando Ensinar na Educação Escolar ....................................................................... 132

4.4 Refletindo Sobre Quando Ensinar em Educação Física ........................................... 135

4.5 Dialogando com a Avaliação Escolar .......................................................................... 138

4.5.1 Para que Avaliar .................................................................................................... 138

4.5.2 O Que Avaliar ........................................................................................................ 139

4.5.3 Quando Avaliar ..................................................................................................... 140

4.5.4 Como Avaliar ........................................................................................................ 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 144

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 151


14

INTRODUÇÃO

A prática curricular e pedagógica da Educação Física escolar tem sido, nos últimos
tempos, tema de muitos trabalhos de pesquisa. Desde o início da década de 80 tivemos um
número elevado de produções acadêmicas, orientadas por diversas perspectivas, que
propuseram mudanças para a área da Educação Física escolar. De acordo com Darido (2003),
algumas destas perspectivas tinham/têm um enfoque mais psicológico (psicomotricista,
desenvolvimentista, construtivista e jogos cooperativos), outras mais sociológico e político
(crítico-superadora, crítico-emancipatória, cultural, sistêmica e baseada nos PCNs), mas
também com ênfase no biológico (saúde renovada).

A perspectiva orientada pelo viés sociológico ou político (movimento renovador), no


bojo do movimento de redemocratização do país que acontecia nessa época, impulsionou a
transformação da Educação Física escolar, entendida até então como atividade pedagógica,
em um componente curricular. Procurou-se, assim, converter a Educação Física em uma
disciplina alinhada com os propósitos da escola, uma instituição que tem a finalidade de
transmitir às futuras gerações parte da herança cultural acumulada pela humanidade, na forma
de conhecimentos sistematizados que crescem em complexidade e criticidade ao longo dos
anos escolares (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009, 2010).

Esse movimento afetou as mais diversas manifestações da Educação Física. Teve


impacto, tanto na Educação Física que se “diz” – proposições de ensino, propostas
curriculares, programas de pesquisa e Pós-Graduação, programas de formação inicial e
continuada –, quanto na Educação Física que se “faz”. Naquela que se materializa no fazer de
muitos professores que, cotidianamente, dão “cara” ao componente curricular nas escolas.

Nesse contexto, enquanto professor de Educação Física, identifico em mim a


influência do movimento renovador, tanto na forma de pensar quanto na de realizar minha
prática pedagógica. Simultaneamente, reconheço-me um protagonista desse processo,
participante das mudanças pelas quais atravessa a Educação Física escolar nas últimas
15

décadas. Assumo, assim, o lugar de um sujeito desafiado a pensar a sua prática curricular e
pedagógica e, a partir desta, capaz de interpelar as propostas críticas sobre a pertinência de
suas proposições para este componente curricular.

Dessa forma, o principal propósito desta Dissertação foi problematizar a minha


experiência profissional, tensionando-a com os referenciais teóricos presentes no debate
contemporâneo acerca da educação escolar e da Educação Física em particular no que diz
respeito ao currículo, e, concomitantemente, com base em minha experiência, inquirir as
propostas curriculares endereçadas aos professores e às escolas. Tratou-se de um movimento
duplo: mostrar o que da minha prática pedagógica alinha-se com as teorias estudadas, e
também o quanto essa experiência profissional pode contribuir para refletir neste campo.

Esse diálogo entre teoria e prática mantém a esperança de um “casamento feliz”; por
isso não faço esse movimento sozinho, mas caminho junto com o coletivo da área.

A natureza do trabalho que decidi realizar levou-me a escrever a Dissertação em


primeira pessoa. A escolha sustentou-se na convicção de que o uso desse pronome pessoal
exprime, de forma mais efetiva, o que está em discussão. Busquei escrever e analisar o eu
profissional a partir de minha prática. Nossa indissociável relação com a ciência,

é, antes, um eu que dialeticamente se constitui no embate da objetivação e da


subjetivação. Sujeito e objeto constituem-se e designam-se em reciprocidade. O
sujeito emerge em seu mundo de objetos, com suas insuficiências, seus limites, seu
egocentrismo e seu etnocentrismo, mas também como vontade, consciência,
interrogação viva, determinação, com seu específico enraizamento cultural e social.
Um sujeito vivo, que introduz na ciência sua própria finitude, suas próprias
vicissitudes, incertezas, enganos e ousadias. Uma finitude que postula
necessariamente o outro dos objetos no mundo e o outro dos demais sujeitos numa
mesma história (MARQUES, 1990, p. 33).

Para dar conta do objetivo da pesquisa, organizei a Dissertação em quatro capítulos.

No primeiro apresento as escolhas metodológicas que sustentaram o desenvolvimento


do trabalho. Descrevo o movimento analítico do conjunto da Dissertação e a forma como
foram elaborados os três capítulos seguintes, que tratam, respectivamente, da sistematização
da prática curricular, da revisão teórica e do diálogo entre essas dimensões.

No segundo capítulo descrevo minha prática curricular e pedagógica a partir da minha


experiência de oito anos de trabalho com a Educação Física escolar. A forma utilizada para a
descrição foi a autoarqueologia, procedimento metodológico, de alguma forma, inédito.
16

No terceiro capítulo faço um recorte da discussão teórica presente no debate


contemporâneo acerca da educação escolar e da Educação Física, em particular no que diz
respeito ao currículo e suas proposições teóricas. Nesse movimento, privilegio as ideias dos
autores da teoria crítica e as perguntas estruturantes da educação (para quê, o quê, quando,
como e sobre a avaliação).

No quarto capítulo propus-me a colocar em tensionamento a minha prática


pedagógica, descrita no capítulo 2, e as teorias que se ocupam em discutir e refletir sobre a
prática curricular, desenvolvidas no capítulo 3. Tento estabelecer um diálogo entre a minha
prática pedagógica e o que os autores do currículo da educação e da Educação Física afirmam
sobre isso. A partir de critérios produzidos na pesquisa teórica do terceiro capítulo, minha
prática é comparada, tensionada pela teoria, assim como vai tensionar, com base em minha
experiência, as propostas curriculares para a Educação Física escolar.

Para finalizar apresento as Considerações Finais seguidas das Referencias


Bibliográficas utilizadas nesta Dissertação.
17

CAPÍTULO 1

ESCOLHAS METODOLÓGICAS

O propósito deste trabalho foi textualizar um diálogo entre minha prática pedagógica e
a produção teórica da educação e da Educação Física, particularmente no que se refere à
produção do currículo. Para isso, pensei meu trabalho em três etapas ou movimentos.

O primeiro movimento consistiu em uma sistematização descritiva da prática


pedagógica desenvolvida por mim na última década. Em um segundo movimento elaborei um
referencial teórico sobre a prática curricular na educação e na Educação Física. O terceiro
movimento foi tensionar estas duas sistematizações em um novo texto, buscando estabelecer
um diálogo enriquecedor para ambas as dimensões.

Na sequência descrevo como foram elaborados os três movimentos.

1.1 Autoarqueologia

É consenso que o professor que reflete sobre o seu trabalho pode melhorar sua
intervenção pedagógica. Esse olhar para dentro de si revela a necessidade de busca pelo
entendimento sobre como acontece o processo educativo na relação consigo mesmo e com o
outro. “O profissional competente possui capacidades de autodesenvolvimento reflexivo”
(NÓVOA, 1992, p. 27).

Esse processo reflexivo desafia-me e me mobiliza para desenvolver a investigação da


minha prática como pesquisador. A questão, contudo, é: O exercício de rever a caminhada,
que serve para melhorar a intervenção pedagógica, também poderia ser pensada como uma
forma de conhecimento para outros?
18

Movido por essa questão, fiz um mapeamento sobre as metodologias de pesquisa que
têm como sujeito da investigação o próprio pesquisador. Nesse movimento, encontrei a
autobiografia e a autoetnografia como possíveis desenhos teórico-metodológicos que
poderiam auxiliar neste processo.

A autobiografia como fonte de pesquisas educacionais encontra-se em expansão. Esse


aumento de pesquisas autobiográficas, segundo Passeggi, Souza e Vicentini (2011), encontra-
se no âmbito da didática, da formação de professores, na História da educação e também em
outras áreas que usam as narrativas como perspectiva de pesquisa e de formação. Este
movimento coloca as autobiografias como elementos centrais para podermos refletir sobre a
história de vida e de formação docente.

Os estudos autoetnográficos, por seu lado, podem variar em sua ênfase de uma
investigação para outra. Conforme Chang (2008 apud LOPES, 2012, p. 101), eles assumem
uma vertente mais descritiva (grafia), expondo um contexto de prática compartilhado em um
grupo social (ethos), considerando os sentidos pessoais (auto) envolvidos em uma cultura
passível de análise e interpretação. Segundo o mesmo autor, o investigador é o próprio sujeito
que perfaz a ação. Neste sentido, podemos citar o trabalho realizado por Bossle e Molina
(2009); no “Olho do furacão: uma autoetnografia em uma escola da rede municipal de ensino
de Porto Alegre”, os autores destacam a importância da realização de uma autoetnografia para
a compreensão das práticas educativas a partir do reconhecimento dos sentimentos e das
emoções do próprio sujeito que pesquisa.

Ao final deste estudo, conclui que os desenhos metodológicos localizados não


ofereceram os elementos necessários para realizar esta pesquisa; no caso da autobiografia, por
se tratar de uma descrição autorreferente, um falar de si, do pessoal e não sobre o trabalho,
propósito central da pesquisa; na autoetnografia, por se desenvolver a partir de um
sincronismo entre as ações e os seus relatos e, portanto, não pertinente quando o propósito é
falar sobre o passado, ou melhor, reconstruir uma prática pretérita.

Neste sentido, procurei construir uma forma metodológica capaz de descrever, revisar
e reconstruir uma prática curricular a partir de outros pressupostos, algo próximo da
arqueologia, neste caso de uma autoarqueologia. Vamos, porém, por partes.

Inicialmente, é importante destacar que:


19

A arqueologia, enquanto estudo da porção da cultura material, possui uma práxis e


uma reflexão metodológicas próprias, ambas em construção, e cujas características,
ainda embrionárias, justificam sua qualificação como um projeto de ciência da
cultura material (FUNARI, 1988, p. 16).

Na perspectiva de meu trabalho, é particularmente significativo entender a arqueologia


desde o ponto de vista da sua tradição, que afirma que seu objeto de estudo “seriam as coisas,
em particular os objetos criados pelo trabalho humano (artefatos), que constituiriam os ‘fatos’
arqueológicos reconstituíveis pelo trabalho de escavação e restauração por parte do
arqueólogo” (FUNARI, 1988, p. 10). Nessa lógica, posso entender que minha prática
curricular, vista como um processo de trabalho, pode ser reconstruída, tomando como
referência as “coisas” produzidas no processo. Trata-se do trabalho objetivado em forma de
planejamentos, apostilas, fotos, filmes, escritas em cadernos, provas, avaliações e
autoavaliações de alunos e minhas próprias falas.1

Nesse movimento, a forma de reconstruir a prática curricular passei a chamar de


autoarqueologia. A nomenclatura, metaforicamente, busca descrever um processo
caracterizado por um olhar voltado para os vestígios materiais produzidos pelo próprio
pesquisador na produção do currículo. A materialidade das diversas formas de registro me
permitiu desenterrar as práticas curriculares, refletir sobre elas e tentar restaurar/reconstruir
criticamente seu sentido.

Fazer uma investigação no campo educacional a partir do olhar autoarqueológico,


possibilitou a revisão e reconstrução da minha prática curricular e pedagógica. Ela está
vinculada diretamente à organização do conhecimento, que aborda a Educação Física nos
Anos Finais do Ensino Fundamental (Afefs) em um contexto escolar específico.

A problematização da experiência profissional até aqui desenvolvida relaciona-se com


os questionamentos que faço sobre minha prática. De acordo com Funari (1988, p. 26), “isto
significa que as respostas que podemos obter dependem das questões que colocarmos ao
objeto de estudo”. Importa aqui definir que qualquer investigação feita estará explícita ou
implicitamente relacionada a uma concepção de educação e, no meu caso, também, de
Educação Física nos seus aspectos histórico, social, cultural e político.

1
Refiro-me, em especial, às entrevistas concedidas a colegas professores e acadêmicos do curso de Educação
Física nos diversos trabalhos de pesquisa realizados, em que discorri sobre minha prática curricular e
pedagógica (CARLAN, 2012; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; NASCIMENTO; FENSTERSEIFER;
GONZÁLEZ, 2009; GONZÁLEZ, 2006).
20

A relação entre o que pesquisei (minha prática) e a minha ligação com seus vestígios,
aproximam-se ainda mais da arqueologia se considerarmos Funari (1988), quando fala sobre o
deslocamento de unidades arqueológicas (estudo sobre as coisas) para unidades sociológicas
(estudo da relação entre as coisas). Nesta perspectiva, amplia-se o entendimento sobre
arqueologia:

O sítio arqueológico passa a ser, nessa perspectiva, uma fazenda agrícola escravista,
uma casa camponesa, uma olaria cerâmica, ou seja, uma unidade funcional dentro de
uma rede de relações significativas entre as unidades. Apenas através do sistema de
assentamento, da dinâmica de relações entre olarias, fazendas, cidades etc., pode-se
entender, além de sua função, o porquê da sua localização e como se inter-relaciona
com os outros artefatos. Esta passagem do contexto arqueológico para o contexto
cultural, no entanto, depende de uma postura metodológica por parte do arqueólogo,
não apenas quanto aos seus objetivos, mas também quanto ao caráter específico da
sociedade que ele procura atingir com seu estudo (FUNARI, 1988, p. 27).

A partir desta citação podemos fazer uma analogia deste modo de pesquisa com a
investigação sobre a minha prática pedagógica. Dentro da organização curricular, esta prática
apoia-se nas diversas Unidades Didáticas (UDs) da Educação Física e suas inter-relações.

A execução destas Unidades Didáticas se entrelaça ao contexto em que ela está sendo
trabalhada e tenta alcançar os objetivos propostos no componente curricular da Educação
Física. Apresento como exemplo a Unidade Didática (UD) de Ginástica: Exercício Físico,
uma das Unidades descrita neste trabalho. Esta Unidade teve como culminância uma visita a
uma academia de ginástica como forma de conhecer programas de exercícios que são
oferecidos por estas instituições não escolares. Este fato ilustra o contexto para além da
escola, desde a localização da academia, quem frequenta, as condições de participação e,
principalmente, a relação de aprendizagem que se estabelece a partir das aulas de Educação
Física escolar e uma academia de ginástica.

Esta mesma prática pedagógica está atravessada por um contexto macrocurricular, por
elementos e vestígios que não se encontram em papéis, mas nem por isso deixam de fazer
parte e influenciar nesta prática; são as condições materiais, o que se tem de suporte e o que
falta para realizar cada Unidade Didática, desde as decisões de tempo com número anual de
aulas, o espaço físico para sua realização, até as temáticas das formações continuadas
específicas e de toda a escola, o regulamento externo da mantenedora e o interno da escola.
Tudo isso, de uma forma ou de outra, está vinculado aos vestígios que têm pautado minha
prática pedagógica e curricular.
21

1.1.1 Plano de Reconstrução Arqueológica

Neste plano de reconstrução, descrevo a estratégia que escolhi para contar minha
prática curricular de 13 anos de trabalho com a Educação Física escolar. As etapas deste
trabalho observaram critérios para melhor organização e entendimento das descrições. A ideia
foi iniciar um processo de reconstrução com um relato detalhado do planejamento dos últimos
8 anos, algo estrutural e cronológico, mostrando continuidades e descontinuidades de
conteúdos de um ano para o outro a partir dos temas estruturadores (esporte, jogo motor,
ginástica, lutas, práticas corporais expressivas, práticas corporais junto a natureza e atividades
aquáticas). Esse percurso de 8 anos contemplou cinco grupos de alunos que, a cada quatro
anos, completaram a etapa dos anos finais (5ª a 8ª série).

Nesta descrição do plano arqueológico, qualquer semelhança não é mera coincidência,


pois, quando falamos nas etapas e critérios observados para realizar a reconstrução da minha
prática curricular, podemos associar aos sítios arqueológicos e suas delimitações de
quadrículas para a escavação com suas diversas medidas (em m2). É assim que fiz com minha
prática curricular, ou seja, delimitei anos de prática realizada e escavei, raspei, busquei
vestígios de objetos materiais mais recentes e, depois, aprofundei a escavação para tornar
visível até elementos que não se colocavam na sua concretude material, mas que, de alguma
forma, influenciaram nas tomadas de decisão, nos erros e acertos desta trajetória.

Acredito que, ao começar a reconstrução pelos últimos materiais enterrados, criou-se a


possibilidade de fortalecer as lembranças recentes e estabelecer relações lúcidas dos outros
materiais mais profundos, mesmo considerando que estes nunca estiveram totalmente
compactados a ponto de serem esquecidos. A efetiva reconstrução iniciou com a descrição de
duas Unidades Didáticas fazendo parte deste material mais recente. A partir dessa descrição,
outros vestígios teimavam em aparecer e, pela impossibilidade de relatar todos, fiz algumas
escolhas, considerando que as decisões tomadas foram sempre no sentido de representar o
trabalho como um todo.

Minha prática está representada na Figura 1, que marca os 13 anos do meu trabalho em
educação em três instituições. No próximo tópico mostro como efetivamente desenvolveu-se
o trabalho dos últimos 8 anos na Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes,
descrito no segundo capítulo.
22

Figura 1 – Cronologia da prática curricular nas três instituições

Escola Particular Escola Estadual

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Escola Municipal/Docência Escola Municipal/Gestão Escola Municipal/Docência

Fonte: O autor.

1.1.2 Efetivação da Autoarqueologia Descritiva

O centro do meu trabalho é a problematização da minha prática curricular e


pedagógica, tendo na educação escolar o elemento que dá sentido a esta Dissertação. A
explicação de como construí a descrição do segundo capítulo está inserida neste tópico porque
também faz parte da autoarqueologia que pertence ao nível de metodologia da elaboração da
Dissertação e não dos capítulos.

No Capítulo 2 explico, então, a metodologia utilizada para relatar minha experiência


em uma perspectiva autoarqueológica. O objetivo principal foi caracterizar a escola assim
como sua comunidade escolar e situar o componente da Educação Física neste contexto,
desde a descrição da escola até as explicações detalhadas de um material de apoio usado
durante as aulas.

A construção do segundo capítulo inicia-se pela descrição do meu local de trabalho – a


Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes –, e segue no manuseio dos materiais
tomados como base de consulta (PPP e o Regimento Escolar), nas constantes visitas à
Secretaria da escola e na revisão cronológica dos registros fotográficos guardados nas
diversas pastas da escola. Um questionário com dados socioeconômicos das famílias foi outro
instrumento utilizado pela escola e que usei na organização dos materiais referentes à
caracterização da comunidade escolar. Os dados coletados neste questionário foram
sistematizados pela coordenação da escola e disponibilizados para fazer parte da minha
descrição, que mostra o perfil das famílias participantes da comunidade escolar.
23

Foi realizada ainda uma entrevista com a primeira diretora da escola, que esclareceu
dúvidas levantadas durante a consulta aos documentos desta, e descreveu com riqueza de
detalhes alguns registros documentais que, por si, não conseguiram se mostrar com a mesma
clareza. Também acontecimentos relatados na informalidade de uma entrevista, mas que
dizem muito de como foi, na prática, iniciar uma escola com um projeto arrojado e inovador.

A parte relacionada ao meu planejamento e execução das aulas a partir das Unidades
Didáticas foi relatada com o auxílio dos materiais guardados no decorrer destes 13 anos de
trabalho (Figura 2). A organização das quadrículas foi a partir dos anos de trabalho de 2006 a
2013 (horizontal) e dos tipos de materiais (plano de estudos, caderno do professor, guia de
conteúdo dos alunos, material didático, provas e fotos). Mais de 7.000 arquivos foram, de
uma forma ou de outra, usados neste processo. Vestígios escritos do planejamento anual e das
Unidades Didáticas, fotos, filmes, cadernos, apostilas, registros de provas, autoavaliações,
trabalhos de alunos, tudo o que foi escavado serviu de inspiração para reconstruir pedaços da
minha caminhada no exemplo descrito com as Unidades Didáticas de Ginástica: Exercício
Físico e do Esporte (de invasão): Futebol Sete.

Figura 2 – Vestígios materiais (autoarqueologia)

Da esquerda à direita de cima para baixo.


Fonte: O Autor
24

A cada acesso aos arquivos do computador, assim como no manuseio de materiais


impressos e produções dos alunos, tudo lembrava bons momentos de participação,
dificuldades e também aprendizagens. Isso trouxe lembranças do passado, das experiências
sempre presentes, tendo na escrita deste capítulo 2 seu registro permanente.

1.2 Processos Metodológicos do Capítulo 3: Teoria da Prática Curricular

O desenvolvimento do referencial teórico, objetivo do capítulo 3, começou desde as


leituras para a seleção do Mestrado, anteriores à Dissertação, que me provocaram e
mobilizaram no sentido de buscar materiais, livros, vídeos, áudios e artigos que se juntaram a
cada disciplina cursada e sistematizada. Foram produções de textos individuais e coletivos,
apresentações de trabalho e muitas leituras. Junto a isso, a participação em seminários
temáticos que sempre acrescentaram à caminhada um sentido de construção de uma
linguagem teórica acadêmica.

Outro elemento que acrescentou neste processo foram as primeiras orientações e o


exercício do mapeamento de materiais, especialmente aqueles que ajudaram na busca de um
desenho metodológico para desenvolver a Dissertação. Neste sentido, o processo ganhou
força com apresentações de trabalho nas edições de 2014 e 2015 do Salão do Conhecimento
da Unijuí. Além disso, a participação nos grupos de estudo, formados pelo orientador,
fortaleceu os laços coletivos e reforçou a necessidade de construir uma pesquisa de maneira
rigorosa e sistemática.

Todos os aspectos descritos nos parágrafos anteriores foram decisivos para a


transformação desses apontamentos em um texto que tenta se aproximar ao máximo de uma
linguagem acadêmica. Os autores convocados para ajudar nesta construção textual são
referências na educação e na Educação Física crítica progressista, com produções
reconhecidas no meio acadêmico.

Meu primeiro passo na organização da escrita foi tentar responder, com autores
reconhecidos nas respectivas áreas de conhecimento, as perguntas estruturantes da educação e
da Educação Física (para quê? o quê? como? e quando ensinar?) e sobre a avaliação (para
quê? o quê? como? e quando avaliar?). Neste primeiro momento respondendo pela educação
em geral, citei Sacristán (1998, 2001), Sacristán e Gómez (1998), Silva (1999) e Savater
(2012). Em um segundo momento mencionei Apple, Au e Gandin (2011), Apple e Beane
25

(1997) e Luckesi (2008). Representando a Educação Física no primeiro grupo de autores,


reporto-me a Coletivo de Autores (1992), Kunz (1994) e González e Fensterseifer (2009,
2010). No segundo grupo de autores da Educação Física refiro-me a Darido (2005), González
e Fraga (2009, 2012) e Sousa e Moura (2015).

A escrita respeitou esta organização como forma de perceber cada pergunta como guia
dentro do processo de formação que busca a produção de um texto mais consistente. Isso
serviu, ao mesmo tempo em que conseguia dar conta destas questões, para ganhar confiança e
avançar no refinamento da escrita a partir da incorporação de mais autores de forma pontual,
com a missão de ampliar as discussões sem perder o foco das ideias centrais do texto.

1.3 Processos Metodológicos do Capítulo 4: Tensionamento Entre a Minha Prática e a


Teoria

No processo metodológico do capítulo 4, em especial, usei a revisão dos autores da


teoria crítica feita no terceiro capítulo e a descrição da minha prática realizada no capítulo 2.
Fiz uma nova leitura dos autores da teoria crítica e questionei, a partir disso, a minha prática
curricular realizada nas aulas de Educação Física da escola.

Depois disso, minha organização foi da seguinte forma: alguns questionamentos foram
elaborados com o objetivo de pôr a prática e a teoria juntas a fim de perceber aproximações,
afastamentos, limitações e avanços da minha prática em relação à teoria produzida no
currículo da educação e da Educação Física.

Para cada pergunta estruturante discutida com os autores da educação e da Educação


Física, foram feitos, inicialmente, três questionamentos: no primeiro perguntei sobre a
aproximação da minha prática com a teoria. Em que medida minha prática corresponde aos
pressupostos teóricos referidos no terceiro capítulo? No segundo questionamento quis saber
em que medida o que eu faço pode ser realizado diferente a partir das questões que a teoria
me coloca. Por último, a minha prática interpelou a teoria, querendo saber se é possível, a
partir da minha experiência profissional, não concordar com o que afirma a teoria.
26

CAPÍTULO 2

PRÁTICA CURRICULAR E PEDAGÓGICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA


EM PERSPECTIVA AUTOARQUEOLÓGICA

A educação escolar, assim como a educação em geral, precisa diferenciar-se de


qualquer outro “processo espontâneo e natural da interação humana no meio social”
(MARQUES, 1996, p. 50). Desta forma podemos entender o currículo constituído de muitas
facetas, questões políticas, sociais, econômicas e administrativas. Portanto “a educação se faz
ação proposital de um grupo humano sobre si mesmo e sobre a continuidade das novas
gerações” (MARQUES, 1996, p. 50).

Uma prática curricular e pedagógica está cercada de interesses que influenciam direta
ou indiretamente no encaminhamento das ações educativas. Dessa forma, a pedagogia é
“direção política e vinculação das práticas educativas e uma determinada condução teórica”
(MARQUES, 1996, p. 50). De acordo com o autor, é pela prática pedagógica, entendida como
“tomada de consciência e direcionamento explícito”, que se efetiva a educação, sua
“organização e condução do processo educativo”. Com esse entendimento, o objetivo deste
capítulo é o de revisar e sistematizar minha prática curricular e pedagógica como professor de
Educação Física. Para facilitar o entendimento deste segundo capítulo, vou expor brevemente
a forma como foi organizado.

De início trato de caracterizar o local de trabalho sobre o qual decidi ancorar a


descrição de minha prática curricular apresentando um diagnóstico da comunidade e a gestão
da escola e seus projetos, bem como minha relação com esta comunidade. Na sequência, o
foco passa a ser o planejamento das aulas e a relação com os temas estruturadores a partir do
desenvolvimento das Unidades Didáticas. Destaco, em partículas, a trajetória e as diversas
fases deste planejamento ao longo dos anos. Termino este segundo capítulo descrevendo duas
Unidades Didáticas como vestígios de objetos materiais mais recentes. A Ginástica: Exercício
Físico e o Esporte (de invasão): Futebol Sete.
27

Trata-se de duas Unidades Didáticas e, portanto, são responsáveis por uma parcela dos
conhecimentos trabalhados na Educação Física nos Anos Finais do Ensino Fundamental.

2.1 Escola

Logo depois de conhecer alguém, temos condições de tecer algumas palavras, mesmo
que imprecisas, sobre esta pessoa. Quando precisamos falar de alguma coisa, sobre um objeto
qualquer, também podemos fazer sem grandes problemas. Quando, no entanto, se trata de
descrever algo que reúne pessoas e sentidos, objetos carregados de significados, estamos
diante da escola, e dessa instituição não podemos falar superficialmente.

Por isso, pretendo, a partir de agora, apresentar um pouco da vida dessa escola, mesmo
sendo de difícil descrição. Arrisco-me, de início, a mostrar a dimensão mais formal e como a
escola se propõe, para, somente depois de situada, contar mais sobre as pessoas e suas
relações no cotidiano escolar.

Apresentarei desde a comunidade escolar (pais, alunos, funcionários e professores), o


funcionamento da escola e o coletivo de professores, a Educação Física e sua trajetória nessa
escola, seu planejamento, seus conteúdos, sua prática e avaliação, e as relações interpessoais
presentes na escola; uma escola que fala, sente e instrui.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes está situada na Rua Erno
Fritz, nº 757, área industrial, na cidade de Ijuí, RS. O Decreto de criação está registrado sob o
nº 31.362 de 12/12/1983, a Portaria de denominação possui o nº 011.088, de 27/9/1991 e a
Portaria de Autorização possui o registro nº EF 00315, de 15/12/2000. A escola está
localizada em uma área industrial em um dos bairros com melhor condição socioeconômica
da cidade (Lulu Ilgenfritz). Deste bairro e de outro bairro vizinho (Thomé de Souza) é que
provém a maioria dos 200 alunos que a frequentam. A escola pertence a 36ª Coordenadoria
Regional de Educação (CRE).

No entorno da escola encontram-se muitas indústrias que formam uma das áreas
industriais de Ijuí. Com isso, as ruas próximas da escola são muito movimentadas,
principalmente nos horários de pico em que as pessoas se deslocam para o trabalho. Assim, os
alunos que chegam e saem da escola convivem com este movimento. A rua principal de
acesso à escola é asfaltada e, muitas vezes, os motoristas não respeitam o limite de
velocidade, pondo em risco a integridade física dos alunos.
28

É uma escola pequena do município, considerando sua população escolar. No ensino,


contempla a Educação Infantil, com 7 alunos, Ensino Fundamental com 135 alunos (73 nos
anos iniciais e 62 nos anos finais) e Educação de Jovens e Adultos – EJA – Ensino
Fundamental – com 58 alunos. Este número total de alunos vem sendo mantido nos últimos
anos.

O horário de funcionamento da escola respeita regras definidas em conjunto entre


funcionários, professores e direção da escola. Nos turnos da manhã das 7h40min às
11h50min, às tardes das 13h30min às 17h30min e durante as noites das 18h45min às 22h.

A escola conta com 7 salas de aula, biblioteca, sala de informática, sala para
professores e funcionários, Secretaria, sala para equipe diretiva e pedagógica, sala para
laboratório de aprendizagem e de Recurso Multifuncional, cozinha e banheiros. No total são
1.050 m2 cobertos e 8.000 metros de superfície total, o que a coloca entre as escolas médias
do município, porém, se considerado apenas seu espaço físico total, podemos classifica-la
como uma escola grande.

Entre os diversos materiais pedagógicos destaca-se um bom acervo bibliográfico, 15


computadores com acesso à Internet, material audiovisual, como projetor, data-show, DVD,
televisão, e materiais esportivos. Em linhas gerais, apresenta os recursos “típicos” de outras
escolas da rede.

Dispõe de um amplo espaço de grama, com dois campos de futebol sete, voleibol de areia,
basquetebol na grama, espirobol, cancha de bocha, mesas para jogos, muitas árvores, horta e
pracinha. Conta, ainda, com um espaço coberto, onde são realizadas atividades festivas e de
integração. Estes espaços ganham vida na movimentação de toda a comunidade escolar.

Quando considerado o número de alunos e a infraestrutura, é possível afirmar que a


Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes é uma escola como as outras do
município. Se comparada com uma escola municipal próxima, percebe-se um menor número
de alunos na escola Chico Mendes, enquanto a infraestrutura parece ser melhor.
29

2.1.1 Uma Escola, um Local, uma História

Neste tópico pretendo mostrar a trajetória da escola desde sua criação até os dias
atuais; uma caminhada de 25 anos de trabalho com a educação; um pouco de sua história, sua
organização, os projetos, seus avanços e as pessoas que, ao longo desta caminhada,
participaram e contribuíram nesta construção. Os dados utilizados para isso são basicamente
os que se encontram nos documentos da escola, mais especificamente nos Projetos Políticos
Pedagógicos (PPPs).

A escola EEEF Chico Mendes foi criada para atender uma demanda da parte sudoeste
da cidade de Ijuí, que, na época, era a parte que mais crescia e, com isso, havia a necessidade
de uma escola para suprir a demanda de vagas para o Ensino Fundamental completo. A
princípio não estava definido se a escola atenderia alunos a partir da 5ª série de uma escola
municipal próxima2 que, naquele tempo, era de Primeiro Grau incompleto, ou se a Escola
Francisco de Assis (EFA), mantida até hoje pela Fundação de Desenvolvimento e Integração
do Noroeste do Estado (Fidene), que funcionava no prédio dos Freis Capuchinhos, seria
deslocada para este estabelecimento (o que não aconteceu).

Nesse contexto, a Fidene assumiu o acompanhamento e a administração dos recursos


para a construção da escola. Dos três módulos que estão no projeto, somente um foi
construído. Ficou definido o atendimento a alunos da pré-escola a 8ª série do Ensino
Fundamental provenientes dos bairros próximos.

O decreto de criação da escola é do ano de 1983, sendo denominada Escola Estadual


de 1º grau Lulu Ilgenfritz. O funcionamento foi autorizado no ano de 1990, no mandato do
governador Pedro Simon (1987 a 1990), mas, no final de 1989, já eram realizadas reuniões
para organizar o corpo docente e planejar as atividades para o ano seguinte. Como foi criada
para efetivar um projeto de “Escola Piloto”, visava a construir uma proposta político-
pedagógica inovadora, com professores que optassem pelo projeto. A ideia foi formar um
corpo docente com o compromisso de fazer acontecer uma escola diferente, pensada para
atender a comunidade local com participação direta desta comunidade. Segundo a primeira
diretora da escola, Rosmari Gobo (comunicação oral em 7/5/2015), os professores que
iniciaram o trabalho da escola estavam realmente comprometidos em abraçar esta comunidade
a fim de oportunizar espaços de participação.

2
Escola Municipal Fundamental Tomé de Souza.
30

O projeto inicial foi norteado pelo levantamento e percepção dos problemas locais.
Conforme a ex-diretora, com a intenção de chegar a uma dinâmica de administração
colegiada, procurou-se planejar, organizar e efetivar ações em conjunto no coletivo dos
professores da escola. Envolveram-se, ainda, nas decisões do projeto, alunos e pais. As
primeiras reuniões eram realizadas com os pais de apenas duas turmas por vez, dado que a
grande participação das famílias contrastava com o pequeno espaço físico em condições de
acolher um grande número de pessoas naquele momento inicial.

Em 29 de maio de 1990, depois de ter assumido interinamente a “comissão de Direção


da Escola” desde fevereiro do mesmo ano, foi eleita a primeira diretora, professora Rosmari
Gobo, e como vice-diretora a professora Maria Bernadete Dessuy. A diretora permaneceu em
seu cargo durante 4 anos, imprimindo uma dinâmica de trabalho que envolveu todo o grupo
de professores da escola. Conforme Rosmari Gobo (comunicação oral em 7/5/2015), a
maioria das reuniões de trabalho era feita em horários extra, fora da carga horária dos
professores, inclusive aos finais de semana.

A denominação Escola Estadual de 1º Grau Lulu Ilgenfritz sempre foi provisória, pois,
pela gestão da escola, a participação da comunidade na escolha do nome era significativa.
Assim, decidiu-se escolher o nome da escola por meio de uma campanha em agosto de 1990.
Integrantes da Comunidade Escolar participaram com sugestões de nomes. O nome escolhido
foi o de “Escola Estadual de 1º Grau Chico Mendes”. No texto da justificativa para o nome da
escola, presente no PPP, dizia:

[...] a Escola deseja ser um instrumento de luta em favor dos oprimidos, valorizando
sua cultura e seu saber, buscando através do conhecimento, a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, onde homens são valorizados pelo que são e não
pelo que têm. [...] e que cada aluno que passe por aqui seja mais um Chico Mendes
na defesa do direito de viver.

Na atualidade o nome Chico Mendes continua sendo lembrado pela sua luta a favor da
organização dos seringueiros por melhores condições de trabalho e pela preservação do seu
modo de vida. A cada ano, na comemoração do aniversário da escola, celebra-se a herança
deixada pelo patrono Chico Mendes. A história sobre o seu patrono e a escolha do nome é
contada anualmente aos alunos das mais diversas formas. Nesses oito anos de trabalho como
professor de Educação Física dessa escola, acompanhei relatos de ex-professores/diretores,
funcionários e pais, que, oralmente ou com imagens, testemunhavam sobre a história da
escola e de seu patrono.
31

A escola acolheu e acolhe muitos alunos em situação de vulnerabilidade social e/ou


com dificuldades de aprendizagem. Fica muito claro na fala da ex-diretora (comunicação oral
em 7/5/2015) que todos os alunos que procuravam a escola encontravam acolhimento e
investimento dos professores. Esses alunos, na sua maioria, eram “dispensados” por outras
escolas, enquanto na Chico Mendes eram aceitos.

De acordo com a ex-diretora, a ideia foi sempre a de oferecer condições para a


permanência dos alunos, incentivando-os à participação nas atividades, trabalhando a autoestima,
o senso de responsabilidade; buscava-se entender o contexto para trabalhar mais próximo da
realidade dos alunos. Segundo a ex-diretora, a partir dos anedotários dos professores todos os
alunos eram avaliados por parecer descritivo. Mesmo nos anos finais, quando a nota era exigida
pelo sistema de rede ligada ao Estado, o parecer era um segundo instrumento, além da nota para
avaliar e entender melhor o estágio de aprendizagem dos alunos.

No ano de 1992 aconteceram mudanças significativas na escola. Juntamente com a


mudança de governo do Estado (saída do PMDB e entrada do PDT) o quadro de docentes
sofreu modificações profundas, pois a maioria dos professores que idealizaram a Proposta
Política Pedagógica da escola solicitou alteração de designação e saiu da escola. Na Delegacia
Regional de Ensino (DRE), denominação na época do órgão de gestão local da rede, rompeu-
se a articulação do projeto das Escolas Piloto e o apoio que a escola recebia não teve
continuidade. O quadro de professores foi renovado e passou a assumir a vice-direção a
professora Vera Lúcia Amaral, compondo com a diretora Rosmari Gobo, a equipe diretiva da
escola. Neste contexto, e apesar da continuidade da direção da escola, alguns projetos que
aconteciam no turno inverso e ajudavam a sustentar uma proposta diferente, tais como reforço
escolar, oficina de artes e Educação Física com jogos e esportes, foram cortados. Com a troca
de governo no Estado ocorreu o enxugamento de pessoal e foi introduzida nova forma de gerir
a educação. Houve, segundo a ex-diretora (comunicação oral em 7/5/2015), uma quebra na
proposta inicial da escola; essa proposta primava pela inclusão dos alunos e pela participação
da comunidade nos rumos da escola; uma forma de trabalho que, de acordo com a ex-diretora,
valorizava o protagonismo dos alunos.

A partir de 15 de dezembro de 1994, o governo do Estado determinou que assumissem


a direção das Escolas Estaduais pessoas indicadas pelos professores, funcionários e Conselhos
Escolares dos Estabelecimentos de Ensino, enquanto não se realizasse a eleição direta para
diretores. Observando as orientações recebidas, os diversos segmentos da escola, citados
anteriormente, escolheram a professora Beatriz Stolz como diretora, e a professora Vera
Frantz como vice-diretora.
32

A nova administração, inicialmente, levantou uma série de questões para aprimorar


pedagógica e administrativamente os trabalhos da escola, visando o “resgate” da credibilidade
da instituição pela comunidade e oferecer um trabalho de qualidade. De acordo com a ex-
diretora Rosmari (comunicação oral em 7/5/2015), a perda da credibilidade no entendimento
da nova direção estava ligada ao perfil dos alunos que acessavam a escola, que, desde seu
início, foram alunos da comunidade e muitos excluídos de outras escolas. Nesta nova gestão,
portanto, esse perfil de aluno tinha dificuldade de acessar a escola.

Em 29 de dezembro de 1995, apenas um ano após terem assumido na condição


interina, e no contexto da Lei Estadual 10.576/95 que trata da Gestão Democrática do Ensino
Público, tomou posse a professora Beatriz Stolz, agora eleita para a gestão 96/97 mediante
votação direta dos diferentes segmentos escolares: pais, mães, alunos, funcionários e
professores. Para a nova diretora a grande preocupação do momento foi continuar oferecendo
um trabalho pedagógico de qualidade em que cada um se sentisse parte integrante desse
processo, buscando a cooperação de todos.

Em cumprimento da mesma lei, no ano de 1997 houve novo processo de eleição.


Neste momento os candidatos à direção da escola precisaram realizar uma prova para efetivar
a candidatura. A professora Beatriz Stolz foi a única candidata da escola e foi eleita pelos
segmentos da comunidade escolar para o biênio 98/99. Segundo o registrado no PPP da
escola, a falta de estímulo e de motivação dos alunos para o estudo era o grande desafio para
esta gestão.

Em outubro de 1999 houve nova eleição para diretores. A professora Rocheli Gräber,
candidata única desta escola, foi eleita diretora pelos segmentos da comunidade escolar para o
biênio 2000/2001. De modo sintético, a proposta dessa nova administração objetivava
“Socializar e reconstruir o conhecimento, visando o desenvolvimento pleno da comunidade
escolar, dando continuidade à construção da Escola Chico Mendes cada vez mais forte e
democrática” (fragmentos do plano de ação da candidata).

Em 2000 a escola inseriu-se na caminhada da constituinte escolar, proposta do novo


governo (PT) que assumiu o Estado. A ideia do governo era fazer uma reflexão comunitária
sobre o papel da educação e os seus principais resultados na vida das pessoas nas diversas
dimensões. Nessa proposta o ambiente econômico, social e político seria sempre revisado e
discutido. Nesse período, entre 2000 e 2003, cada ano fazia-se uma pesquisa junto as famílias
para reavaliar as condições socioeconômicas e os valores familiares da comunidade escolar.
33

Com as pesquisas realizadas na comunidade foi constatado, entre outros elementos,


que muitos pais não haviam concluído o Ensino Fundamental. Conforme a ex-diretora
(comunicação oral em 7/5/2015), esse fato mobilizou a escola para propor um projeto que
viabilizasse a conclusão dos estudos desses sujeitos que não haviam concluído o Ensino
Fundamental. A partir deste movimento foi incorporada no currículo da escola uma nova
modalidade de ensino, a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ainda no ano de 2000 abriu-se
a inscrição para as turmas das séries finais do Ensino Fundamental na modalidade EJA.

O objetivo era abranger o maior número possível de pessoas que desejassem voltar a
estudar e concluir o Ensino Fundamental. Assim, os planos de estudos foram elaborados a
partir de dados coletados em entrevistas e pesquisas, no intuito de chegar o mais perto
possível da realidade desses alunos trabalhadores.

Pelas próximas duas gestões (2002/2006) a professora Rocheli Gräber foi reeleita por
meio do voto direto pelos segmentos da comunidade escolar.

O ano de 2006 marca meu ingresso como professor de Educação Física desta escola.
Havia prestado concurso público e solicitei encaminhamento para a escola Chico Mendes,
pois, como morador do bairro, sempre participei desta comunidade e seria importante dar
minha contribuição como professor. Assumi o cargo substituindo o professor Arlindo Leone
Pessoa, vice-diretor da gestão anterior.

Dois motivos em especial marcaram minha satisfação em iniciar meu trabalho nesta
escola. O primeiro diz respeito à história da sua construção. Nesta época meu pai era o
presidente da Associação do Bairro Lulu Ilgenfritz, local onde foi construída a escola, e como
tal, assumiu o papel de acompanhar as obras. De uma maneira muito particular, tive, no
convívio diário com meu pai, informações sobre a sua construção. O segundo motivo de
satisfação refere-se ao professor Paulo Evaldo Fensterseifer, uma referência nacional para a
Educação Física, por ter sido o primeiro professor desse componente na escola.

No final de 2006 o professor Arlindo Leone Pessoa foi eleito diretor para a gestão
2007/2009, mediante o voto direto pelos segmentos da Comunidade Escolar. Foram eleitas
vice-diretoras as professoras Cleuza Nely Pedroso Mrozinski para os anos iniciais, Maria
Judite Garbinatto para os anos finais e Ivone Leonora Hartge Müller para a Educação de
Jovens e Adultos.
34

De acordo com o PPP nesta época a escola foi alvo de ataques, arrombamentos, furtos
e depredação, danificando a estrutura e o patrimônio de forma drástica. Essa situação levou a
direção a investir esforços em um projeto de recuperação da infraestrutura da escola e sua
revitalização como patrimônio social e cultural da comunidade, buscando, para tanto, o
acolhimento das famílias, seus filhos/alunos, professores e funcionários de forma a fortalecer
as relações de respeito, solidariedade, honestidade e responsabilidade pessoal e coletiva.
Conforme o livro de Atas da escola, a partir de uma reunião geral estes quatro valores
passaram a ser trabalhados sistematicamente todos os anos. No entendimento da direção e do
grupo de professores, teríamos avanços no trabalho com esses valores se conseguíssemos
possibilitar experiências significativas pensadas dentro de um tempo maior de execução. Um
exemplo disso foi a inclusão na avaliação, em todas as turmas, de dez pontos dos cem
possíveis que podem ser alcançados pela observação e vivência desses valores na escola.

Hoje, a escola, em suas dimensões materiais e simbólicas, é respeitada e valorizada


pela comunidade. Assim a escola, por meio de seus representantes, também participa de
atividades e eventos realizados na comunidade por outras instituições (igrejas, associações de
bairro e outras escolas). No início de cada ano são feitas reuniões para acertar um calendário
único de eventos para que todas as entidades possam participar.

Podendo contar com a participação da comunidade e preocupada em atender às


necessidades e expectativas desta, a escola optou por investir em projetos diversificados,
complementares às ações interdisciplinares desenvolvidas nos componentes curriculares.
Estes projetos são oferecidos em turno inverso e/ou em horários extraescolares. O projeto
“Escola Aberta” (Figura 3), por exemplo, é um programa do governo federal que incentiva
escolas situadas em locais de vulnerabilidade social a abrirem seus portões nos finais de
semana. Isso potencializa a ocupação deste espaço a partir da parceria entre escola e
comunidade. No projeto “Escola Aberta”, todos os sábados e domingos são desenvolvidas
atividades educativas, culturais, esportivas e de formação inicial para o trabalho. Participam
deste projeto os estudantes da escola e a população do entorno. A responsabilidade do
programa é da direção da escola e os monitores das atividades são pessoas da comunidade.
35

Figura 3 – Programa Escola Aberta

Fonte: Livro memória das atividades da escola.

Outro projeto especial desse educandário é a Rádio da Escola, que funciona desde
2010 em parceria com a Unijuí, dentro do Projeto de Extensão Rádio na Escola, do curso de
Comunicação Social (Figura 4). Conforme a professora Vera Raddatz, um dos principais
objetivos de oportunizar o trabalho da rádio na escola é o de preparar estudantes para o
exercício da cidadania, a partir da produção de informações de caráter jornalístico e
radiofônico inseridas na realidade do jovem. Atualmente, a responsabilidade do projeto é da
Coordenação Pedagógica e tem participação de alunos dos anos finais. Esse grupo de alunos e
duas professoras da escola fizeram parte de um curso de capacitação realizado pela Unijuí.
Com isso, as atividades da Rádio da Escola são planejadas semanalmente pelos alunos e
supervisionadas pelas professoras. Todas as quartas-feiras o recreio tem um tempo maior para
a realização do programa da rádio.
36

Figura 4 – Projeto Rádio na Escola

Fonte: Jornal da Manhã 27/4/2010.

Em relação ao desempenho nas avaliações externas, percebo, conforme os resultados


alcançados no período de 2007 a 2011, que a escola vem apresentando crescimento gradual,
acompanhando os índices municipais, da Coordenadoria Regional de Educação, estaduais e
federais. Também se observa que os índices de promoção têm apresentado evolução nos
últimos anos, havendo uma progressiva redução nas reprovações, resultado este de um
trabalho sistemático de acompanhamento e assessoramento aos professores, alunos e famílias
pela equipe diretiva e pedagógica da escola.

Nesse sentido, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é


calculado com base no desempenho dos alunos nas provas de português e matemática (Prova
Brasil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação), mostra resultados positivos alcançados pela
escola em uma escala de zero a dez. Em 2013, no Brasil, a rede estadual de ensino atingiu os
5,0 projetados para o país e cresceu, atingindo 5,4. O Estado do Rio Grande do Sul atingiu 5,5
de uma meta de 5,3. As escolas estaduais do município de Ijuí, nos anos iniciais, atingiram a
meta de 5,1 e cresceram alcançando 5,9. Neste comparativo, a EEEF Chico Mendes, em 2011,
já tinha ultrapassado a meta de 4,8, tendo atingido 5,4.
37

Na Figura 5 aparece a evolução dos índices alcançados pela escola em comparação


com os resultados nas escolas estaduais desde 2007 até 2011 nos âmbitos federal, estadual e
municipal. É a proporção de alunos do 5º ano que aprendeu o adequado na competência de
leitura e interpretação de textos e na competência de resolução de problemas. Observa-se
crescimento nos resultados alcançados pela escola e verifica-se que os resultados melhoraram
de uma avaliação para outra entre os anos de 2007 e 2011. Cabe ressaltar que os índices
mostrados não dão um panorama completo da avaliação por que não envolvem os anos finais
do Ensino Fundamental e por não ter os dados de 2013.

Figura 5 – Avaliação externa

Classificação 2007 2009 2011


5º ano Português Matemática Português Matemática Português Matemática
Brasil 28% 23% 36% 34% 40% 36%
Rio Grande do 33% 27% 40% 37% 45% 39%
Sul
Ijuí 34% 32% 39% 43% 52% 46%
EEEF Chico 22% 22% Sem dados* Sem dados* 53% 32%
Mendes

Legenda: *Nos anos finais da EEEF Chico Mendes não foi possível a realização das provas avaliativas
por não possuir o número mínimo de alunos na série avaliada.
Fonte: Brasil, 2011. Classificação não oficial.

2.1.2 A Comunidade Escolar – Pais e Alunos

A relação entre a escola, seus alunos e a comunidade pode ser estimada de diversas
formas. Entre elas, uma relação muito forte entre os egressos com a escola. Parece que nestes
26 anos de história os ex-alunos continuam com vínculo na comunidade e, especialmente,
com a escola. Isso é evidenciado pelos documentos escolares que mostram que os pais de hoje
foram os alunos de ontem. A presença dos pais hoje nas reuniões da escola é uma constatação
dessa evidência.

Sobre as reuniões, a escola adota um sistema nas quais algumas são gerais (todos os
pais e professores) e outras específicas (pais, alunos e professores por turma). As duas formas
de chamamento das famílias têm sido satisfatórias, porém nas reuniões específicas a
participação dos pais é maior. Momentos de integração em datas comemorativas, como o Dia
das Mães e dos Pais, 20 de Setembro e a Semana da Escola, são as principais e têm boa
participação das famílias.
38

Algumas formações ligadas à relação pais e filhos sempre são oportunizadas em forma
de palestras realizadas por especialistas no assunto e pessoas da comunidade.3 As viagens de
lazer para os alunos, aberta às famílias (pais e irmãos de alunos), é uma prática que aproveita
momentos informais para fortalecer os laços de comprometimento da escola com os pais e/ou
responsáveis pelos alunos.4 A escola segue buscando formas de entender melhor a
comunidade com quem trabalha.

Neste sentido, no primeiro trimestre de 2014 foi encaminhado para as 82 famílias com
filhos na escola, um questionário socioeconômico orientado a recolher informações sobre
estas famílias que formam a escola. Além deste questionário, conversas e entrevistas
individualizadas com os pais de alunos também já foram utilizadas em anos anteriores para
poder conhecer mais sobre as famílias que fazem parte da escola. Essas formas de reunir
informações sobre as famílias seguem em constante reflexão, e o questionário tem sido uma
alternativa importante neste processo.

Dos questionários enviados em 2014, obteve-se o retorno de 68. Desses instrumentos


foi possível conseguir informações importantes sobre as famílias dos alunos. Em relação à
renda familiar, ficou constatado que 55% das famílias têm ingresso entre 2 e 4 salários
mínimos, 35% em torno de 1 salário mínimo, 5% com mais de 4 salários e outros 5% recebe
menos de 1 salário mínimo. As moradias são próprias em 75% das famílias. Também
constatamos que 15% delas possuem automóveis e 10% têm computador em casa com acesso
à internet. Estão inseridos no bolsa família em torno de 30% dos alunos. Quanto ao grau de
instrução dos pais, apenas 3% possuem curso superior completo e outros 4% incompleto.
Temos 17% dos pais com Ensino Médio e 40% dos pais não completaram o Ensino
Fundamental.
Quando perguntados sobre os hábitos de leitura, 50% das famílias responderam que
leem jornais, revistas e outros periódicos. A leitura da Bíblia foi referenciada por 70% das
famílias e 60% declarou que frequentam alguma instituição religiosa. Neste aspecto, 43% são
católicos, 46% evangélicos e ainda 1% de outras religiões. Outro aspecto evidenciado foi que
a televisão é o principal meio de comunicação e entretenimento, assim como a realização de
passeios familiares no final de semana.

3
Por exemplo, no ano de 2013 foram oferecidas duas palestras.
4
Idem anterior.
39

Com relação aos cuidados com o meio ambiente, 75% das famílias responderam que
costumam separar o lixo em suas casas e observam os dias de coleta. No aspecto referente à
saúde, constatou-se o registro de alguns problemas. As doenças que mais apareceram nas
famílias foram epilepsia (3), bipolaridade (2), deficiência mental e intelectual (5), diabetes
(2), trombose femoral (1), insuficiência cardíaca (1), deficiência visual (1), deficiência
auditiva (1) e AVC (1).

Depois de expor os dados do questionário socioeconômico, podemos afirmar que a


comunidade escolar deste educandário se encontra num padrão socioeconômico satisfatório se
comparada a outras comunidades da cidade de Ijuí, mesmo que analisadas sem dados oficiais
do município.

2.1.3 A Gestão Escolar e o Quadro de Professores e Funcionários

Acredito que um trabalho de qualidade dentro da educação está, de alguma forma,


ligado ao grupo de pessoas que se envolve nesse tipo de projeto e à capacidade dos gestores
de proporcionar condições de trabalho que gerem entendimento e compromisso com todos os
envolvidos.

O esforço da direção em ter completo o quadro de professores e funcionários, tem


garantido para esta comunidade escolar os serviços básicos oferecidos pela escola (Secretaria,
serviço de supervisão escolar, serviço de conservação e limpeza e serviço de cozinha e
refeitório). Desde 2006, quando assumi o cargo de professor de Educação Física na escola
Chico Mendes, até 2013, o quadro de professores se mantém completo e com baixa
rotatividade, ou seja, a maioria dos professores seguiu trabalhando na escola por oito anos, o
que não é muito comum na rede. O fato de a escola manter de 2006 a 2013 a mesma direção,
pode ter contribuído para a sustentação desta situação. As relações harmoniosas entre os
professores, funcionários e a direção ajudam no comprometimento na execução do trabalho.
Percebo a importância de todas as pessoas (funcionários e professores) nas respectivas
funções. O bom funcionamento da escola passa pelo entendimento do tipo de projeto que se
quer e a capacidade de reflexão coletiva apresentada pelo grupo de trabalho.

Junto deste grupo de professores que se mantém há bastante tempo na escola, estava
uma colega com a aposentadoria encaminhada depois de 23 anos de trabalho. Da mesma
forma dos que deixam a escola, os que chegam demonstram satisfação em iniciar o trabalho.
Todos os colegas que ingressaram na escola relatam ter ouvido elogios quando mencionavam
40

o nome do educandário. O reconhecimento do trabalho realizado de quem deixa a escola e


uma boa recepção a quem chega constitui-se, dentro da complexidade educativa, pontos
positivos que fazem desta escola um lugar de acolhimento, de trabalho reflexivo e de
participação. A Figura 6 mostra a trajetória dos professores até o ano de 2013.

Figura 6 – Efetividade dos professores de 2006 a 2013


Horas de Tempo de
Etapa Professor 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
contrato contrato
Anos finais
Arte Professor A1 20 C X
Professor A2 20 T X X X
Professor A3 20 C X X X X
Ciências Professor C1 20 C X X
Professor C2 20 C X X X X X X
Ed. Física Professor EF1 20 C X X X X X X X X
Ensino Professor 20 C X X
Religioso ER1
Professor 20 C X X
ER2
Professor 20 C X X
ER3
Professor 20 C X X
ER4
Geografia Professor G1 20 C X X X X X X X X
História Professor H1 20 C X X X X X X X X
Inglês Professor I1 20 C/T X X X X X X X X
Matemática Professor M1 20 C X X X
Professor M2 20 C X X X X X X
Português Professor P1 20 C X X
Professor P2 20 C X X X X X X
Vice-direção Professor 20 C X X X
VD1
Professor 20 C X X X X X
VD2
Coordenação Professor 20 C X X X
CO1
Professor 20 C X X X X X
CO2
Orientação Professor 20 C X X X X
Ed. OE1
Professor 20 C X X X X
OE2
Direção Professor D1 40 C X X X X X X X X

*Concurso (C) ou Temporário (T)

2.1.4 O Coletivo de Professores e a Educação Física

Desde o meu ingresso como professor de Educação Física da Escola Estadual de


Ensino Fundamental Chico Mendes recebi apoio da direção e do grupo de professores e
funcionários. Quando comecei a trabalhar na escola a direção já me conhecia como professor
em outra instituição. Dos professores, quatro deles eram meus colegas em outra escola da
Rede Municipal de Ensino de Ijuí. Acredito que ser reconhecido em outras instituições ajudou
a ter uma boa acolhida no meu início de trabalho como professor de Educação Física nesta
escola.
41

Neste sentido, desde minha chegada a esse educandário a Educação Física da escola
tem sido interpretada como componente curricular comprometido em oferecer aos alunos
conhecimentos sistematizados sobre a Cultura Corporal de Movimento. O desenvolvimento
destes temas deu-se no marco de apoio da direção e coordenação pedagógica e de uma boa
relação com meus pares e os alunos. O objetivo principal sempre foi oportunizar aos alunos, o
acesso à pluralidade de práticas corporais sistematizadas da Educação Física. Para isso
acontecer, a organização e o planejamento sempre me foram imprescindíveis.

2.2 O Professor de Educação Física

Que professor é esse que se propõe a desenterrar materiais para revisar sua prática à
luz da teoria? O objetivo deste tópico é contar um pouco da minha história pessoal e em que
medida essa trajetória influenciou em minha formação profissional, em especial na prática
pedagógica da Educação Física.

Meu ingresso na Universidade aconteceu depois de nove anos da conclusão do


Segundo Grau (hoje Ensino Médio). Nesse tempo participei de movimentos sociais e cursos
de liderança ligados à Igreja Católica e inspirados na teologia da libertação. Nesta mesma
época, acompanhava o movimento local (no bairro), tendo no meu pai uma figura exemplar
de participação e comprometimento como presidente da Associação do Bairro Lulu Ilgenfritz
por mais de dez anos. Nesse período foi construída a escola Chico Mendes (escola centro
deste trabalho) neste mesmo Bairro.

Em 1994 iniciei o curso de Filosofia na Unijuí prestando o vestibular de inverno. No


primeiro semestre de 1995 fiz transferência para o curso de Educação Física. Neste período da
Graduação (1995 a 1998) trabalhei como estagiário no Centro de Integração Empresa-Escola
– CIEE (Conselho Municipal do Desporto – CMD – da cidade de Augusto Pestana e Serviço
Social do Comércio (Sesc) de Ijuí no Programa da AABB-Comunidade e no próprio Sesc na
organização de Eventos).

Em 1999 cursei Pós-Graduação em Educação Física Escolar pela Unijuí (incompleto).


Em 2000, depois de aprovado em dois concursos públicos e duas seleções em escolas
particulares, fiz algumas escolhas. Iniciei meu trabalho onde acreditei ser possível pôr em
prática as ideias do movimento renovador que visualizamos durante a Graduação. Minha
experiência docente começou na Escola Francisco de Assis (EFA) e na Escola Municipal
Fundamental Tomé de Souza.
42

Ao mesmo tempo em que iniciei minha prática pedagógica nas escolas, mantive meu
vínculo com a Universidade (Unijuí). Desde então participei de um grupo de estudos com
outros colegas da área, com a coordenação do professor Fernando Jaime González e a
participação do professor Paulo Fensterseifer. As reuniões eram semanais, e os estudos
partiam das nossas experiências como professores nas aulas de Educação Física. Em meio a
esse movimento, novamente tive de escolher: assumir outro concurso na escola pública
(Escola Chico Mendes) deixando a particular.

Segui participando do grupo de estudos, que teve a incorporação de novos


participantes. O ano de 2008 foi o ápice deste grupo que, pela permanente pesquisa na
Educação Física escolar, colaborou com o Referencial Curricular da Educação Física para o
Estado do Rio Grande do Sul (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009).

Em toda minha caminhada como professor, tive o cuidado de não abandonar a relação
direta com os alunos em sala de aula. De 2004 a 2009 assumi a vice-direção da Escola Municipal
Tomé de Souza, enquanto seguia minha prática docente na escola estadual. Essa experiência
como gestor desafiou-me a enfrentar situações novas que contribuíram para melhor entendimento
do funcionamento geral da escola, desde a relação com a mantenedora, os colegas professores, os
pais e, principalmente, os alunos na resolução de problemas e encaminhamentos.

Ao olhar para o passado consigo perceber em cada escolha que fiz um objetivo comum,
um sentido. Foi na educação, em especial na Educação Física, que percebi a possibilidade de
contribuir na construção de um mundo mais justo e igualitário, sendo capaz de levar cada aluno a
acreditar que nada está pronto e acabado, e que as escolhas que fazemos são decisivas para o que
pretendemos alcançar. Acredito que a escola possa potencializar o aluno para se perceber sujeito
capaz de ocupar espaços de decisão e ser, assim, protagonista do seu tempo.

2.3 A Educação Física

A educação permite sonhar na busca de melhores condições de desenvolvimento do


ser humano no que diz respeito as suas necessidades básicas para viver dignamente. Na
Educação Física, em especial, temos a oportunidade de realizar, a partir do trabalho diário na
escola, ações que auxiliem nessa busca. Para isso, é importante a organização de tudo o que se
pretende fazer para facilitar o entendimento dos alunos daquilo que queremos desenvolver.
Assim, acredito que o planejamento na Educação Física se coloca como uma necessidade.
43

2.3.1 O Planejamento na Educação Física da Escola

Todos reconhecem a importância do planejamento dentro da educação. Na Educação


Física não é diferente. Sabemos, no entanto, que entre os professores que ministram aulas
neste componente essa não é uma prática muito comum.

O planejamento, desde que comecei a ministrar aulas no ano de 2000, fez parte da
minha prática curricular. Com o passar dos anos ele serviu para que pudesse avançar na
organização da minha prática. Cabe destacar, além do planejamento como professor, também
a forma participativa com que algumas decisões curriculares foram tomadas ano a ano, e o
planejamento com a participação dos alunos. Nesse sentido, Marques (1996, p. 14) afirma
que:

A educação se cumpre num diálogo de saberes, não em simples troca de


informações, nem em mero assentimento acrítico a proposições alheias, mas na
busca do entendimento compartilhado entre todos os que participam da mesma
comunidade de vida, de trabalho, de uma comunidade discursiva de argumentação.

Quando, no planejamento, propomos momentos de participação dos alunos no


processo educativo, dando-lhes responsabilidades, não estamos apenas delegando tarefas, mas
acreditando que cada sujeito possa, a partir dessa experiência, sentir-se participante dos rumos
do processo.

Proponho agora, escrever sobre os planos de estudo da Educação Física para Anos
Finais do Ensino Fundamental desenvolvido na Escola Estadual Chico Mendes, construídos
no último período da etapa pesquisada, plano este construído, ao longo do tempo, em diálogo
com produções curriculares anteriores próprias, com a prática pedagogia, com os documentos
curriculares propostos pelas redes, com os autores do campo da educação e da Educação
Física, colegas de profissão e companheiros de estudo.
44

Figura 7 – Temas estruturadores no ensino da Educação Física escolar

EDUCAÇÃO FÍSICA – ANOS FINAIS


Práticas Corporais Sistematizadas da Cultura Corporal de Movimento
Esporte Práticas
Práticas
Corporais
Ginástica Jogo Motor Corporais Lutas
Junto à
Expressivas
Natureza
6º Futebol 7 Acrobática Popular Dança
– Campo e Exercício Tradicional Expressão
taco físico corporal
– Quadra
dividida
7º – Futebol 7 Acrobática Popular Dança
– De marca Exercício Tradicional Expressão
– Técnico- físico corporal
combinatório
8º – Futebol 7 Acrobática Dança Capoeira –
– Precisão Exercício Expressão Rodas e
– Combate físico corporal Elementos
técnico-táticos
9º – Futebol 7 Acrobática Dança Atividades de
– Rede Exercício Expressão contemplação
divisória físico corporal e aventura
Representações Sociais sobre a Cultura Corporal de Movimento:
• Práticas Corporais e Sociedade – práticas corporais como manifestação cultural, corpo e sociedade.
• Práticas Corporais e Saúde – implicações orgânicas da relação atividade física/saúde.

O plano de estudos da Educação Física da escola contempla, conforme a Figura 7, os


temas estruturadores que estão divididos em dois conjuntos: as práticas corporais
sistematizadas e as representações sociais da Cultura Corporal de Movimento (CCM). De
forma similar ao da proposta, o plano estabelece que o componente curricular da Educação
Física trabalhe a partir de temas estruturadores.

Os temas estruturadores estão divididos em dois conjuntos. O primeiro mostra as


práticas corporais da cultura corporal de movimento tradicionalmente consideradas
como objeto de estudo da Educação Física: O esporte, a ginástica, jogo motor, lutas,
práticas corporais expressivas, práticas corporais junto à natureza e atividades
aquáticas. O segundo conjunto está organizado com base no estudo das
representações sociais que constituem a cultura de movimento (práticas corporais e
sociedade e práticas corporais e saúde); portanto, sem estar necessariamente
vinculada a uma prática corporal específica. Tais temas se caracterizam por
apresentar de forma organizada conhecimentos que constituem o objeto de estudo
desta área (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 118).

Neste processo, os dois conjuntos de temas estruturadores se interpenetram e se


completam, assegurando aos alunos a apresentação dos conhecimentos da Educação Física na
sua totalidade.
45

O primeiro conjunto contempla as práticas corporais sistematizadas da CCM e está


dividido nos quatro Anos Finais do Ensino Fundamental, com sequência de um ano para outro
respeitando as potencialidades de aprendizagem dos alunos. O aumento da complexidade dos
conteúdos propostos em cada ano garante a possibilidade de progresso dos alunos por meio do
entendimento dos objetivos propostos em cada Unidade Didática apresentada.

Os temas são esporte, ginástica, jogo motor, lutas, práticas corporais expressivas,
práticas corporais junto a natureza e atividades aquáticas.

O tema que ocupa o maior tempo das aulas de Educação Física é o esporte. Durante os
quatro anos são trabalhados sete tipos de esportes, segundo a classificação de González (2004,
2006): de invasão, de precisão, de campo e taco, de marca, de quadra dividida ou rebote,
técnico-combinatório e de combate. A escolha por essa classificação é porque ela possibilita
aos alunos um leque de experiências esportivas com seus saberes conceituais e corporais que
fora da escola não teriam. Com isso pretende-se fazer com que os alunos sejam capazes, ao se
deparar com qualquer tipo de esporte, de classificá-lo e, principalmente, ter condições de
praticá-lo satisfatoriamente.

O esporte de invasão (futebol sete) é trabalhado com todas as turmas no primeiro


trimestre do ano durante os quatro Afefs. A escolha desta modalidade diante de tantas outras
possíveis neste tema estruturante se deve, principalmente, pela questão cultural, que
possibilita trabalhar a inclusão e as questões de gênero. Outro motivo é que na escola todos os
espaços disponíveis para a realização das experiências corporais próprias da Educação Física
são de grama. Neste sentido, este esporte ganhou ênfase e é trabalhado nos quatro Afefs.

Em uma complexidade crescente, os alunos são desafiados a apreenderem mais deste


esporte a cada ano para que, no final do Ensino Fundamental, sejam capazes de fazer uso, de
forma proficiente, das intenções técnico-táticas individuais, das combinações táticas e dos
sistemas de jogo, e, além disso, aprender acerca dos conceitos específicos do esporte e sobre
as questões socioculturais e econômicas que o envolvem.

A ginástica divide-se em dois subtemas: acrobacias e exercício físico. Estes subtemas


são enfatizados em etapas diferentes dos Afefs. O primeiro subtema – a ginástica acrobática –
é contemplado nos quatro Afefs, com destaque nos 6º e 7º anos. Nesse subtema são
trabalhadas acrobacias elementares individuais e de grupo. No segundo subtema temos a
relação do exercício físico e o desenvolvimento das capacidades físicas básicas. Este tipo de
práticas gímnicas é tematizado também nos quatro anos, tendo ênfase nos dois últimos anos
do Ensino Fundamental (8º e 9º anos).
46

O jogo motor aparece como tema nos 6º e 7º anos. São abordados os jogos populares e
tradicionais, com o propósito de que os alunos conheçam as formas e características dessas
práticas lúdicas e sua relação com a comunidade onde vivem. A prática de jogos existentes na
comunidade local, assim como o resgate de jogos antigos por intermédio dos relatos das
famílias dos alunos, são um dos principais objetivos deste tema.

O ensino das lutas insere-se ao esporte de combate, principalmente pelo pouco tempo
disponível para todos os temas da CCM. Dessa forma, além de praticar para conhecer as
intenções táticas e elementos técnico-táticos dos esportes de combate, a luta também é vista
como uma manifestação cultural e social, produto de determinados períodos históricos.

As práticas corporais expressivas (a dança e a expressão corporal) aparecem nos


quatro Afefs e tematizam diversos tipos de danças e formas de expressão do corpo. A partir
das danças folclóricas, tradicionais e populares, procura-se identifica-las como manifestações
culturais e produções histórico-sociais. A expressão corporal oportuniza interpretar
corporalmente situações do cotidiano, assim como interpretações de ritmos dos diversos tipos
de música.

Nas práticas corporais junto a natureza os alunos têm a possibilidade de trabalhar com
atividades de contemplação e de aventura e conhecer os esportes de aventura, podendo
contemplar a natureza em uma relação de respeito e preservação do meio ambiente. Este tema
é trabalhado no último ano do Ensino Fundamental (9º ano).

Para além das práticas corporais sistematizadas da CCM, descritas anteriormente, a


Figura 7 mostra um segundo conjunto de temas estruturadores, caracterizado como
representações sociais que constituem a CCM (práticas corporais e sociedade, práticas
corporais e saúde). A primeira abrange as práticas corporais e sociedade, refletindo as práticas
como manifestação cultural e o lugar do corpo na sociedade nas diversas etapas da vida. A
segunda diz respeito às práticas corporais e à saúde; destaca as implicações orgânicas e
socioculturais da relação entre atividade física e saúde. Essas representações sociais podem
emergir durante o desenvolvimento de uma UD de qualquer prática corporal, sem a
necessidade de estar ligada diretamente a alguma prática específica. As representações sociais
são exercidas de maneira transversal. Todos os temas trabalhados com as UDs são cercados
de possibilidades e questionamentos. Esses atravessamentos acontecem e desencadeiam
reflexões sobre as relações sociais e o corpo “saudável”.
47

2.3.1.1 A Participação dos Alunos no Planejamento

Entendo que a tarefa de professar exige estudo e busca constante. Como posso fazer
isso para melhorar a minha função de professor? Neste sentido, sempre, nos planejamentos
anuais, procurei escutar os alunos dando espaço de participação nas aulas. As participações
dos alunos na aula se deram pelo menos em duas dimensões: a) no planejamento e b) na
avaliação do realizado. Na primeira, uma possibilidade efetiva de participação dos alunos é a
de definir com o professor quando poderá acontecer uma determinada prática corporal. Outro
modo de participação dos alunos é pela formação de grupos e equipes equilibradas para a UD
de esportes coletivos. Essa participação maior dos alunos não compromete a execução do que
foi planejado; pelo contrário, aumenta o seu envolvimento e comprometimento. A segunda
dimensão de participação dos alunos é a da avaliação (Figuras 8 e 9). O que os alunos
escrevem e dizem com as avaliações e autoavaliações, mais as observações que fizemos
durante as aulas e informalmente no espaço escolar, sempre ajudaram a conhecer melhor os
estudantes, bem como a refletir sobre o que foi proposto. A participação dos alunos passa a
ser fundamental neste tipo de planejamento.

Figura 8 – Avaliação dos alunos


48

Figura 9 – Avaliação dos alunos

Partindo do pressuposto de que é fundamental garantir o trabalho com o conjunto de


temas da CCM, os alunos passam a contribuir diretamente na definição de pontos passíveis de
mudança. Quando defino, no planejamento anual todos os conteúdos que serão trabalhados,
reservo alguns momentos para a participação direta dos alunos sem comprometer a autoridade
nem minha função de professor. Mantêm-se os papéis de professor e aluno. O professor é
dono de um saber específico que o aluno ainda não domina.

Considero que o professor representando a figura do adulto e, principalmente,


conhecedor de uma área específica do conhecimento, tem o dever de oportunizar aos alunos
acessar este saber. É a partir do planejamento coletivo que os alunos podem despertar o
interesse de querer aprender e, posteriormente, fazer uso de todo o seu aprendizado da melhor
forma. O complexo dever de ensinar do professor e o direito de aprender do aluno ficam mais
leves quando cada um reconhece seu papel e trabalha coletivamente.

Considerar as experiências dos alunos e trabalhar a partir delas, relaciona-se


diretamente com este tipo de planejamento (participativo) que se propõe a escutar os alunos.
A história de cada um, suas inquietações, podem ser parcialmente ouvidas. Saberes que os
alunos trazem sobre o que é trabalhado e possíveis interações com situações propostas pelo
professor, fazem parte deste planejamento.
49

A possibilidade de projetar o futuro (planejamento) ajuda no convencimento ao aluno


na apresentação da proposta de trabalho para os quatro Afefs. Todos os temas estruturadores
da CCM (esportes, jogo motor, ginástica, práticas corporais expressivas, práticas corporais
junto a natureza e lutas) são apresentados no início de cada ano letivo, mostrando a sequência
dos temas que serão tratados e a ênfase dada em cada ano. Percebe-se que os alunos se sentem
importantes, valorizados, quando recebem o quadro com todos os temas que serão trabalhados
nos quatro Afefs.

Essa experiência mostrou alunos organizados com caderno específico para o


componente da Educação Física. Em cada caderno o cronograma das atividades que serão
realizadas durante o ano inteiro é exibido e comentado entre os estudantes (Figura 10),
especialmente com alunos novos que ainda não tiveram esta experiência. A satisfação de
participar das aulas e a criticidade na cobrança de determinada prática planejada sempre fez
com que me sentisse respeitado pelos alunos, assim como as aulas de Educação Física
marcaram seu espaço no currículo escolar.

Figura 10 – Caderno do aluno com os temas estruturadores para


os quatro anos finais do Ensino Fundamental

É importante o respeito e o diálogo como possibilidade de florescer novas aprendizagens e


ideias. O discernimento das funções do professor e do aluno é definidor para o sucesso no
trabalho que pretende ser comprometido com o ensino-aprendizagem a partir do diálogo. O maior
respeito que podemos ter pelos alunos é assumir o nosso papel de professor com a função de
apresentar os conhecimentos referentes a nossa área do saber – a Educação Física.
50

2.3.1.2 O Planejamento e sua Trajetória

Neste tópico me detenho a mostrar um aspecto de minha formação docente e o quanto


foi definidor do atual momento da minha prática pedagógica. Estou falando do planejamento
que me acompanhou em toda a trajetória desde a formação inicial, passando pelo começo da
docência e pela formação continuada.

Concluí minha formação no final da década de 90 em pleno início da crise da


Educação Física brasileira. Era uma época em que muitas discussões e reflexões profundas
eram feitas sobre o papel deste componente na escola. Nesse contexto de crise, de novas
formas de pensar a Educação Física, mesmo com uma vivência pessoal arraigada na tradição e
uma formação inicial atravessada por diferentes entendimentos da disciplina, senti-me em
condições de, ao menos, tentar uma caminhada profissional em um rumo diferente do que a
tradição parecia impor. No ano 2000 inicio meu trabalho como professor da educação básica,
deparando-me com o desafio de propor uma Educação Física capaz de materializar as ideias
das novas propostas, particularmente do movimento renovador crítico (KUNZ, 1991, 1994;
COLETIVO DE AUTORES, 1992), com todos os problemas e fragilidades de uma área em
mudança e em um contexto de cultura escolar que entendia este tempo e espaço no currículo
como um momento apenas para a prática pela prática, para o espairecer dos alunos, sem um
conhecimento específico a ser ensinado.

Diante destas circunstâncias, junto com outros colegas no contexto de alguns grupos
de estudos, comecei a construir uma prática curricular e pedagógica pautada pela ideia de uma
Educação Física como disciplina escolar comprometida com a formação cultural dos alunos.
Garantir no espaço da escola um conhecimento pedagógico sistematizado acerca da CCM,
que possibilitasse a apropriação deste conhecimento para ressignificá-lo no seu contexto
social, passou a ser meu objetivo principal.

No enfrentamento inicial com os alunos minha compreensão sobre o papel da


Educação Física começa a ser testada. Para início de trabalho propus uma grade de práticas
corporais que previa, além das práticas tradicionais dos esportes (futebol e voleibol), também
as lutas, os jogos populares, as atividades rítmicas e expressivas e outros esportes (Figura 11).
A ideia inicial foi ampliar as possibilidades de tematização da CCM e mostrar a diversidade
de práticas possíveis de serem realizadas nas aulas de Educação Física da escola.
51

Figura 11 – Educação Física – planejamento participativo


– 4/8/2000 – E. M. F. Tomé de Souza

Práticas Corporais 5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série


Lutas Karatê Judô Karatê
Outros Esportes Ciclismo Ciclismo Ciclismo Ciclismo
Orientação Orientação Orientação Orientação
Jogos Populares Taco Taco Taco Taco
Atividades rítmicas Dança de Rua Dança de Rua Dança de Rua Dança de Rua
e expressivas Capoeira

Fonte: Elaborada pelo autor.

Depois de apresentar a proposta, constatei a sua pertinência na resposta recebida dos


alunos; todos muito receptivos em poder realizar organizadamente práticas diferenciadas
durante as aulas de Educação Física.

De início eram oportunizados espaços de participação direta com votações para a


escolha de temas a serem trabalhado nas aulas. Desde aquela época ficou evidente que o fato
de os alunos serem ouvidos neste processo ajudava na execução do planejamento e na
avaliação para possíveis avanços. Este processo de escuta acontecia por meio de questionários
elaborados por mim, bem como de depoimentos dos alunos.

De acordo com a fala de um dos alunos, as aulas de Educação Física experimentadas


durante o ano letivo de 2000 tiveram mudanças (Figura 12). “É o primeiro ano que estudo e
noto uma mudança esportiva. Projetos, trabalhos, esporte, diálogo e organização em aula. A
aula de física (sic) faz com que aprendemos com cultura, e por isso é essencial para
aprendermos coisas necessárias para o nosso futuro. A aula de “física” é a melhor aula, pois
mexe com a saúde e mexe no bom sentido [...]. Não tenho queixas. A turma precisa melhorar,
mas com o tempo a gente se acerta”.
52

Figura 12 – Avaliação de aluno sobre as aulas de Educação Física

Esta prática curricular e pedagógica reflexiva possibilitou ano a ano rever o que foi
trabalhado e tentar melhorar. O permanente contato com meus pares, com o espaço
acadêmico, com as exposições e relatos sobre a minha prática pedagógica, foram definidores
para que durante os treze anos de trabalho com a Educação Física escolar eu pudesse avançar
no planejamento. Desde 2000 até 2013 somam-se, além dos anos, muitas horas de estudo com
busca de materiais, reflexões e orientações de professores da academia. Permito-me afirmar
que tudo isso somente é possível pela persistência e por acreditar o quão incompleto somos.
Quando se constitui uma rotina reflexiva amplia-se as possibilidades de inovações e
mudanças.

Aprendi com minha experiência nestes anos a importância do planejamento. A rotina


de projetar-se para a frente, de procurar antecipar uma rota por onde caminhar, ter um norte e
procurar antecipar-se em relação ao que pode acontecer no caminho. A satisfação de trabalhar
com objetivos definidos e buscá-los a todo o momento tem representado uma grande
diferença em minha vida profissional.

Como professor, passei a ser reconhecido pela participação e comprometimento. A


reconstrução do plano de estudos da Educação Física da escola em 2010, juntamente com as
outras áreas do conhecimento, marcou e fortaleceu ainda mais a disciplina dentro da escola.
53

No novo plano de estudos da escola, a Educação Física ganhou mais espaço na grade
curricular graças às evidências produzidas nesse processo. Uma delas foi o aumento de duas
para três horas de aula semanal de Educação Física (plano de estudos revisados em 2010).
Outra evidência ocorreu a partir do desenvolvimento da UD de esporte de invasão (futebol
sete). Como culminância do encerramento desta UD foi realizado um evento que ultrapassou
os limites da disciplina de Educação Física e se tornou um anual na escola (2011).

Principalmente no movimento de escrita do plano de estudos, a Educação Física


mostrou-se uma área composta de conhecimentos sistematizados acerca da CCM, diminuindo
a impressão de ser uma disciplina meramente prática.

Toda a descrição realizada neste tópico mostra a minha caminhada em busca de


melhorar a prática pedagógica. Se o planejamento, o meu esforço e a dedicação foram
definidores de avanços nesse processo, também devo afirmar que venho apoiado por um
coletivo da área que foi responsável pelo reconhecimento da Educação Física como
componente curricular, produzindo, nos últimos anos, propostas que faço minhas quando me
aproprio desse conhecimento.

Em especial a revisão e a sistematização do último plano de estudos (2010) na Escola


Chico Mendes, em que o trabalho, teve como referência uma proposta oficial do Estado do
RS. Foi com apoio teórico e pedagógico das Lições do Rio Grande (GONZÁLEZ; FRAGA,
2009) que completei o ciclo de constante estudo ao longo desses anos de prática com a
Educação Física escolar.

Esta organização de trabalho tem trazido algumas facilidades que, se assim não fosse,
provavelmente limitaria essa condição. Refiro-me ao ganho que podemos ter quando o que
trabalhamos foi planejado. Uma das vantagens, além de outras já descritas, é o tempo para
refletir e poder avaliar o próprio trabalho. Quando se sabe o que e como será trabalhado, é
possível projetar certo grau de aprendizagem.

Nos últimos oito anos, nas aulas de Educação Física na Escola Chico Mendes, foram
trabalhadas nos quatro Afefs um grande número de UDs. A Figura 12 vai mostrar as 152 UDs
trabalhadas nesse tempo.
54

Figura 13 – Unidades Didáticas desenvolvidas nos oito anos de 5ª série/6º ano a 8ª série/9º ano

Série ou Unidade 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Ano Didática

5ª UD1 Minivoleibol Futebol sete Futebol sete Softbol Futebol sete Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/6º UD2 Handebol Minivoleibol G. Acrobática Futebol sete Jogo motor Softbol Softbol Softbol
ano UD3 Softbol Softbol Softbol Minivoleibol Minivoleibol Minivoleibol Jogo motor G. Acrobática
UD4 G. Acrobática Jogo – bolita P. Expressivas Jogo motor Softbol Jogo motor Minivoleibol Jogo motor
UD5 Jogo motor G. Acrobática Ciclismo P. Expressivas G. Acrobática
UD6 P. Expressivas Jogo motor P. Expressivas
UD7 Minivoleibol

6ª UD1 Futebol sete Futebol sete 4 E. de Invasão Futebol sete Jogo motor Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/7º UD2 Atletismo Atletismo Atletismo Judô Futebol sete Atletismo Atletismo Atletismo
ano UD3 Judô G. Ex. Físico P. Expressivas Jogo motor Atletismo G. Acrobática Jogo motor Jogo motor
UD4 Dança e relaxam. Judô Judô Atletismo G. Acrobática G. Ex. Físico G. Acrobática E.Técnico-comb.
UD5 G. Acrobática G. Ex. Físico G. Ex. Físico G. Ex. Físico Dança circular G. Ex. Físico
UD6 G. Acrobática

7ª UD1 Futebol sete Futebol sete Futebol sete Futebol sete Handebol Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/8º UD2 E. Precisão E. Precisão P. Expressivas P. Expressivas Festival – 7 esp. E. Precisão E. Precisão G. Ex. Físico
ano UD3 Voleibol Voleibol G. Ex. Físico G. Ex. Físico Voleibol Práticas Natur. Judô E. Precisão
UD4 P. Expressivas G. Ex. Físico. Voleibol E. Precisão G. Ex. Físico G. Ex. Físico G. Ex. Físico Lutas – semin.
UD5 G. Ex. Físico Práticas exp. E. Precisão Voleibol P. Expressivas Dança circular

8ª UD1 Futebol sete Handebol P. Expressivas Futsal Festival – 7 esp. Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/9º UD2 Voleibol Voleibol G. Ex. Físico Práticas Nat. or. Handebol E. Precisão G. Ex. Físico G. Ex. Físico
ano UD3 Corfebol P. Expressivas Corfebol G. Ex. Físico Voleibol Práticas natur. Tênis Práticas natur.
UD4 G. Ex. Físico G. Ex. Físico Futebol sete P. Expressivas G.: Ex. Físico G. Ex. Físico P. Expressivas
UD5 P. Expressivas Voleibol Seminário EDF
G. Acrobática: Ginástica Acrobática Fonte: Elaborada pelo autor.
G. Ex. Físico: Ginástica: Exercício Físico
P. Expressivas: Práticas Expressivas
E. Precisão: Esporte de Precisão
55

2.4 Os Vestígios e Seus Contextos

A arqueologia, do ponto de vista da sua tradição, estabelece que seu objeto de estudo
“seriam as coisas, em particular os objetos criados pelo trabalho humano (artefatos), que
constituiriam os fatos arqueológicos reconstituíveis pelo trabalho de escavação e restauração
por parte do arqueólogo” (FUNARI, 1988, p. 10). São os vestígios materiais, os sinais que
deixamos pelo caminho.

Assim, sempre é possível contar e reconstruir uma prática curricular e pedagógica,


mas exige, porém, como demanda, a existência de base material, como caderno,
planejamento, fotografias e filmes, materiais didáticos, provas e trabalhos para poder conduzir
qualquer reconstrução.

A ideia de cada material descoberto é dar sentido e significar este momento que, ainda
que seja de curta duração e já passado, pode, a partir do seu achado, contribuir em uma
reconstrução. De outra forma, afirmamos que, mesmo não podendo voltar ao passado,
podemos dar sentido a este passado; neste caso com todos os registros e materiais
encontrados, suas provocações e lembranças que nos movem para o futuro.

Conforme os pressupostos da autoarqueologia, metodologia usada neste estudo,


pretendo resgatar no passado da minha prática pedagógica uma série de materiais produzidos
e arquivados (enterrados) ao longo do tempo. A partir destas escavações, apareceram muitos
vestígios e foram separados em dois grupos; aqueles encontrados na escola e aqueles
encontrados em posse do autor.

Essa organização dos tópicos é para situar todos os vestígios. Neste momento, apenas
o vestígio em posse do autor (apostila – material de apoio) foi descrito. Os outros serão
desenvolvidos posteriormente.

2.4.1 Vestígios Encontrados na Escola

Os vestígios encontrados na escola são todos os materiais que ocupam espaço na


organização escolar referentes à Educação Física; desde o material didático utilizado nas
aulas, até papéis e artefatos guardados na Secretaria da escola, na sala da direção e
coordenação e na biblioteca.
56

2.4.1.1 Materiais Didáticos

A aprendizagem dos alunos tem uma justa relação com os materiais disponibilizados
quando do trabalho com as diversas práticas corporais. Considerando a média de materiais
disponibilizados para as escolas públicas estaduais do porte da nossa escola, temos
conseguido os materiais necessários (com algumas exceções) para o desenvolvimento das
UDs realizadas durante todo o ano. Isso se deve ao reconhecimento de toda a equipe diretiva
do trabalho realizado e da importância da Educação Física na escola.

2.4.1.2 Papéis e Artefatos da e Sobre a Educação Física na Escola

O espaço da Educação Física na escola pode ser percebido também além do lugar
específico dos materiais didáticos ou na figura do próprio professor. No espaço interno da
escola, ou mesmo no seu exterior, podemos, com um olhar atento, perceber como a Educação
Física aparece nos diferentes locais da escola em forma de papéis e artefatos. Nesse sentido, é
visível a presença da Educação Física nos diversos locais, como Secretaria, biblioteca, sala
dos professores, sala da direção/coordenação, sala da orientação educacional e nos corredores.

A Educação Física aparece desde os horários das aulas colocados nos murais da sala
de orientação, convites de formação continuada presentes na sala dos professores, cartazes nas
paredes dos corredores, livros de Educação Física na biblioteca, troféus expostos na
Secretaria. Ainda foi disponibilizado um baú junto a sala dos professores para guardar os
materiais didáticos.

2.4.2 Vestígios em Posse do Autor

Considero como vestígios do autor todos os materiais didáticos que se encontram em


minha posse. Tenho guardado, sistematicamente, todos os materiais produzidos em minha
prática. Isso não foi programado, faz parte de uma rotina. Estes vestígios eu encontro no
computador, escrivaninha, arquivos de aço, pastas, prateleiras, etc. Para descrever melhor
cada um dos vestígios encontrados, separei por categorias, nos tópicos seguintes.
57

2.4.2.1 Os Planos de Estudo do Componente Curricular

A construção dos planos de estudo da Educação Física seguiu a organização da escola.


Todas as vezes que foi reconstruído o plano de estudo de todas as áreas do conhecimento, a
Educação Física se fez presente elaborando e garantindo o seu espaço representativo com a
cultura corporal de movimento. O reconhecimento dentro da escola como um componente
curricular com conhecimento específico e a efetivação deste plano nas aulas de Educação
Física escolar, representa um avanço para nossa área.

2.4.2.2 Cadernos de Planejamento e Registro de Trabalho Cotidiano

O trabalho que realizo com a Educação Física escolar tem no caderno do professor um
apoio especial. Acompanha-me em todos os momentos, desde o planejamento mais geral até
os registros diários tão importantes para as avaliações e reflexões de todo o trabalho realizado.
O caderno do professor faz parte dos materiais que legitimam uma prática que se compromete
em fidelizar o que foi planejado e depois, se for o caso, rever e propor sua realização de uma
maneira diferente.

2.4.2.3 Guia dos Conteúdos para os Alunos (Planejamento Entregue aos Alunos)

Este material facilita para os alunos o entendimento de todas as manifestações da


cultura corporal de movimento que serão trabalhadas ao longo dos quatro anos finais do
Ensino Fundamental. A socialização dessas informações, a visualização de tudo o que será
realizado nesse tempo, também possibilita aos alunos prever as Unidades Didáticas que serão
trabalhadas. Percebe-se em cada turma uma mobilização, satisfação e certa inquietude de
saber com antecedência todas as práticas, as viagens, eventos, saídas e visitas que acontecem
como forma de sistematização das Unidades Didáticas.

Este guia concentra em uma folha de papel muitas informações que, depois de lidas,
ganham vida própria na imaginação de cada leitor. Não são apenas informações, são
possibilidades reais de aprendizagem que as aulas de Educação Física oferecem a todos. Cada
um a sua maneira faz questionamentos sobre o que é proposto para os quatro Afefs,
especialmente sobre o ano em que irá estudar. A garantia de uma diversidade de práticas e a
aceitação por parte dos alunos nos faz concluir que estamos no caminho certo.
58

2.4.2.4 Trabalhos e Pesquisas Feitas pelos Alunos

Todas as formas avaliativas buscam ampliar as possibilidades de aprendizagens.


Quando é proposto algum tipo de trabalho de pesquisa, sempre é pensado no sentido de
ampliar os instrumentos avaliativos a fim de oferecer aos alunos mais oportunidades de
aprender. A partir da diversificação de formas avaliativas, assim como a diversidade de
práticas realizadas, poderemos avançar para uma aprendizagem mais consistente.

2.4.2.5 Provas

O que sempre fez parte da avaliação na maioria das áreas do conhecimento, na


Educação Física ainda é muito recente. É mais uma forma avaliativa que concentra um grau
de valorização conceitual de tudo o que é trabalhado nessa área específica de conhecimento.
Este instrumento representa a parte conceitual da Educação Física e também a oportunidade
para os alunos explicitarem pela escrita os avanços e limitações do que é proposto para ser
aprendido.

2.4.2.6 Apostila – Material de Apoio

Considerando que na Educação Física se trabalha a partir dos temas da CCM e com
eles os saberes corporais e conceituais, vamos localizar mais um vestígio, uma vez que tem
sido usado como material de apoio com bons resultados. A apostila é a materialização dos
conhecimentos sistematizados em cada UD.

É a parte conceitual e tem um papel importante na aprendizagem. As apostilas podem


ser impressas ou mesmo virtuais, as quais cumprem um papel importante para o
desenvolvimento das atividades propostas, assim como servem de material para consulta e
estudo para os alunos dentro e fora da escola.

Este recurso tem sido incorporado aos planejamentos desde 2006,5 quando assumi a
função de professor de Educação Física na escola Chico Mendes. A cada ano que passa este
material se ajusta para oportunizar melhor compreensão aos alunos.

5
Como resultado do trabalho no grupo de estudo, organizei a primeira apostila usada nas aulas de Educação
Física. O tema foi a ginástica: exercício físico, uma tradução de parte do livro em espanhol: LAVIÑA A. J.
(Coord.). Educación Física. Eso Primer ciclo. Primeiro e segundo cursos. Barcelona. Ediciones Del Serbal,
1999.
59

O objetivo principal de sua utilização é ampliar, para além da sala de aula, o contato
dos alunos com os conteúdos e as atividades desenvolvidas por cada UD em estudo6. A
apostila representa a possibilidade de extensão do trabalho de sala de aula, pois nela
concentram-se os saberes conceituais da UD trabalhada, o tema de casa e também relatos dos
alunos sobre momentos significativos nas aulas de Educação Física.

Para entender melhor o uso deste material como apoio nas aulas de Educação Física,
mostrarei algumas apostilas elaboradas nos últimos anos. A primeira apostila foi organizada
no ano 2006 para trabalhar com a UD de ginástica: exercício físico, para uma turma de 7ª
série. Outros temas da CCM em que utilizo este material são a ginástica acrobática, esporte
de invasão (futebol sete) e esporte de quadra dividida (tênis). Neste sentido, apresento, na
Figura 14, as capas destas apostilas como ilustração e alguns fragmentos que compõem este
material em cada UD.

Figura 14 – Apostilas como material de apoio

6
A apostila justifica-se principalmente quando temos uma Unidade Didática (UD) com um número maior de
aulas e, portanto, a necessidade de um maior suporte teórico.
60

A apostila cumpre, além do seu papel principal de apoio no desenvolvimento das UDs,
também uma função avaliativa, seja pelos temas de casa, pelas leituras possíveis de realizar
no material ou pelos registros escritos em cada aula. As apostilas apresentam os objetivos da
Unidade, assim como os conteúdos necessários para a compreensão e aprendizagem de cada
UD. Uma característica na apresentação da apostila ao aluno é o espaço da capa que é deixado
em branco a fim de permitir que ele personalize a sua apostila com um desenho ou colagem
referente ao tema trabalhado.

Figura 15 – Desenho feito por uma aluna na capa da


apostila de esporte de invasão – futebol sete

Em uma dessas capas, conforme a Figura 15, percebe-se além do desenho feito pela
aluna, também seu posicionamento referente à participação sua e das colegas na UD a partir
da escrita que faz, valorizando a participação das meninas nas aulas. Escreve sobre a
importância de competir e repete o escrito presente na apostila, que diz: “ganamos, perdimos,
igual nos divertimos”, de Eduardo Galeano.

2.5 Temas Estruturadores e as Unidades Didáticas

A Educação Física se reconhece no trato com a CCM e seu conhecimento específico,


tendo nos temas estruturadores a sua efetiva possibilidade de trabalho. Desse modo, temas
como esporte, ginástica, jogo motor, práticas corporais expressivas, práticas corporais junto a
natureza e lutas, transformam-se em oportunidade de aprendizagem quando trabalhados
pedagogicamente.
61

Esses temas foram selecionados de forma a proporcionar aos alunos a possibilidade de


ter, nos últimos quatro anos do Ensino Fundamental, um conjunto de experiências de
aprendizagem capaz de brindar os conhecimentos que lhes permitam sistematizar e
compreender, ao final do Ensino Fundamental, a CCM como produção cultural e histórica da
humanidade.
A ideia de tematização da Cultura Corporal de Movimento, o que significa, o
tratamento da totalidade/plural do rico acervo desta parte da cultura. O motivo da
decisão se pauta na ideia que cada uma destas manifestações permite ao ser humano
acender a uma dimensão particular do conhecimento e de experiência que outras não
lhe permitem, fazendo cada uma delas insubstituível (GONZÁLEZ, 2006, p. 83).

Nesse sentido, venho estudando, refletindo e buscando novas possibilidades de


melhorar minha prática pedagógica. Desde os grupos de estudos junto com outros colegas, a
partir de 2000, venho experimentando formas de apresentar aos alunos os temas com que se
ocupa a Educação Física escolar. Confesso não ser uma tarefa fácil, mas tem permitido
elaborar uma resposta a uma demanda específica colocada para a Educação Física quando
tratada na perspectiva de uma disciplina escolar.

Os temas estruturadores (esportes, jogo motor, ginástica, práticas corporais


expressivas, práticas corporais junto a natureza e lutas) são trabalhados no desenvolvimento
das diversas UDs no decorrer dos Afefs. A possibilidade de construção de conhecimento
pelos alunos acontece nas UDs a partir da definição de objetivos e da organização pedagógica
para cada uma delas.
62

Figura 16 – Painel de fotografias – registro de todos


os temas da cultura corporal de movimento

Da esquerda à direita de cima para baixo.


Fonte: Elaborada pelo autor.

A Figura 16 reúne umas poucas fotografias dos mais de 7.500 arquivos entre filmes e
fotos sobre as experiências de aprendizagem realizadas nas aulas. Certamente muitas outras
imagens poderiam integrar o painel, no entanto, ante a impossibilidade de trazer mais
registros, fica esta representação de momentos específicos de diversas UDs. Durante o
desenvolvimento do trabalho exponho mais vestígios.

2.5.1 Da Prática Curricular à Prática Pedagógica

Para exemplificar uma parte do trabalho da minha prática curricular, propus-me a


descrever duas UDs que desenvolvo nas aulas de Educação Física da escola. Para isso, escolhi
relatar a UD de Ginástica: Exercício Físico realizada com uma turma de 8ª série no ano de
2013 e a UD de esporte de (invasão) Futebol Sete.
63

A forma de trabalhar com estas UDs faz parte de um processo de amadurecimento e é


fruto de constantes reflexões sobre seu desenvolvimento que vêm acontecendo desde o início
da minha caminhada docente. Particularmente, em meus arquivos tenho registrado que
ministrei a UD de Ginástica: Exercício Físico 11 vezes desde o ano 2000 (Figura 17), tendo
ganhado o formato atual aproximadamente há 3 anos. Já a UD de Futebol Sete aconteceu
desde 2006, e apenas em 2011 ganhou o formato descrito.

Figura 17 – Sistematização da Unidade Didática de ginástica: exercício físico – 2009

A organização didática das UDs que apresento como exemplo, também está presente
nas outras UDs dedicadas aos demais temas da CCM. É importante esclarecer que minha
prática pedagógica relacionada ao esporte já foi objeto de estudo em uma Tese de Doutorado
(CARLAN, 2012). Nesse sentido, não pretendo aprofundar as mesmas questões deste
trabalho. Darei o meu olhar, a minha interpretação daquilo que eu fiz. Acredito que com a
sistematização destas UDs, amplio a possibilidade de qualificar meu trabalho, podendo fazer
ajustes para continuar avançando. Quanto mais reflito sobre as UDs melhor consigo mediá-las
com os alunos. Com elas bem-ajustadas, sempre tive a possibilidade de perceber novos
detalhes para melhorar em ofertas posteriores das mesmas UDs. Assim, seguir efetivamente
planejando, executando e avaliando reflexivamente todo o trabalho, torna-se uma necessidade.

Os diversos temas estruturadores se materializam em aproximadamente 22 UDs por


ano, que, organizadas nos diversos anos escolares, conformam o plano de estudo da
disciplina. As UDs estão divididas da seguinte forma: 10 esporte, 4 ginástica, 2 jogos, 4
práticas corporais expressivas, 1 práticas corporais junto a natureza e 1 de lutas.
64

Neste contexto, nos últimos 13 anos de prática pedagógica registrei, por meio digital,
diferentes experiências realizadas em sala de aula, o que sempre se constituiu em um suporte
para falar e pensar sobre essas práticas.

2.5.1.1 Unidades Didáticas: Registros da Prática

Na impossibilidade de descrição neste trabalho de todas as UDs desenvolvidas, a


Figura 18 representa o conjunto de UDs e suas características gerais. Esta descrição da
visibilidade para outras UDs pode ser sistematizada em trabalhos posteriores a partir da
autoarqueologia.
Figura 18 – Conjunto representativo de Unidades Didáticas (2006 a 2013)

Nº de
Unidade
Ano/ aulas Aspecto particular de
Didática Principais objetivos Descrição sucinta Avaliação Registro – foto
Série (em destaque
Nome/Tema
média)
É um dos sete tipos de Tem uma relação
– Conhecer esportes de esporte para conhecer. • Participação estreita com a cultura
campo e taco; Divide-se a turma em local. É esperada pelos
• Prova escrita
UD de Softbol 6° 10 – Diferenciar esportes de duas equipes mistas que alunos todos os anos. A
(esp. Campo e ano outras manifestações da de início alterna ataque e • Uniforme partir de 2012 por
taco) CCM. defesa para experienciar • Autoavaliação pedido dos alunos é
2012 os dois papéis. Depois a realizado um torneio
UD segue com regras do com todas as quatro
softbol. turmas.
O minivoleibol jogado A mobilização e a
– Conhecer esportes de em trio introduz o vôlei. • Participação motivação dos alunos
6° quadra divisória; Este tipo de organização • Prova escrita para a formação dos
Minivoleibol ano 12 facilita o aprendizado trios e o jogo em espaço
• Uniforme
(esp. quadra – Diferenciar esportes de pelo espaço reduzido, reduzido se destacam
dividida) 2012 outras manifestações da número de participantes • Autoavaliação como aspecto positivo.
CCM. e a possibilidade de tocar
mais vezes na bola.

Normalmente os alunos
– Conhecer esportes de são desafiados a mostrar • Participação O destaque desta UD
marca; o que já sabem sobre os • Prova escrita fica por conta da
Atletismo 6ª 14 – Diferenciar esportes de esp. Marca. No atletismo culminância que
• Uniforme
(esp. Marca) série outras manifestações da os alunos criam provas a acontece em espaços
CCM. partir do que sabem e • Autoavaliação oficiais para a prática do
2011 depois aprendem mais • Trabalho atletismo. Nessa
sobre as provas oficiais. experiência as provas
são de nível escolar
66

Apresentação e reflexão
sobre este tipo de esporte Como destaque, a
Sincronismo – Conhecer esportes de (técnico– combinatório). • Participação apresentação dos grupos
de 7º técnico-combinatório; Organização de grupos e a forma de avaliação
movimentos ano para a criação e • Uniforme desse tipo de esporte
(Esp. Técnico- 6 – Diferenciar esportes de apresentação • Autoavaliação chama a atenção dos
combinatório) 2013 outras manifestações da de movimentos • Apresentação alunos
CCM. combinados.

– Interpretar
corporalmente os
Trabalho em pequenos • Participação A crescente participação
8ª grupos. Organização em dos alunos nesta prática,
elementos rítmicos • Apresentação/
Práticas série 10 grupos maiores para a rompe alguns
contidos nas músicas; trabalho
expressivas criação e apresentação de preconceitos de
2009 uma coreografia com • Uniforme participação.
– Compreender os
elementos coreográficos • Autoavaliação
aspectos básicos da
básicos.
organização
coreográfica.

– Realizar percursos Além da sensibilização • Participação O destaque desta UD


simples utilizando para a relação nossa com • Prova escrita são as saídas.
Práticas junto 8ª técnicas de orientação; o ambiente natural, o Normalmente uma para
• Uniforme
a natureza série 14 – Diferenciar os tipos de foco maior fica com a fazer orientação e outra
práticas realizadas junto aprendizagem da prática • Autoavaliação para realizar a prática
2011 a natureza; de orientação e os dos esportes radicais
– Organizar e realizar esportes radicais. (escalada/rapel,
saídas ao ambiente arvorismo e tirolesa).
natural.
67

Além da pesquisa, a
– Conhecer jogos proposta é que a
motores, populares e Pesquisa nas famílias • Participação construção dos jogos
tradicionais; sobre jogos tradicionais. seja feita também com a
Jogos – Compreender os jogos Construção e vivência • Prova escrita família. Jogar com
tradicionais 6ª 12 como manifestações dos jogos pesquisados. • Uniforme materiais construídos
(Jogo motor) série culturais; • Autoavaliação dessa forma é especial
– Propor e negociar para os alunos. Também
2010 novas regras, revela a relação
respeitando-as. escola/família/aluno.

Um esporte novo
– Conhecer esportes de São equipes compostas (holandês). As equipes
invasão (corfebol); de oito jogadores, sendo • Participação são mistas. Mobilizou os
obrigatoriamente quatro • Uniforme alunos que, por não
8ª – Diferenciar esportes de do gênero masculino e conhecer este esporte, se
• Autoavaliação
O Corfebol série 6 outras manifestações da quatro do feminino. mostraram muito
(esp. de CCM. Durante o jogo não curiosos e participativos.
invasão) 2008 existe contato físico entre
os gêneros.
– Conhecer jogos Contextualização do jogo O destaque foi a
motores, populares e motor. Escolha de jogo • Participação confecção de um folder
tradicionais; popular para conhecer. • Prova escrita com material explicativo
Jogos 5ª 12 – Compreender os jogos Escolhas de grupos para sobre o jogo popular da
• Uniforme
populares – série como manifestações a prática e organização bolita e a organização
Bolita (Jogo culturais; de material explicativo • Trabalho do espaço pelos alunos
motor) 2007 – Propor e negociar das regras unificadas e • Autoavaliação para a prática do jogo.
novas regras, organizadas pelos
respeitando-as. grupos.
68

Experimentação de jogos
de precisão. Vivência
específica do esporte da O destaque desta UD
– Conhecer esportes de bocha com regras foram as experiências
precisão; adaptadas na cancha da materializadas nos
– Oferecer um espaço escola. Foi encaminhada locais diferentes onde
para conhecer o esporte uma pesquisa sobre o • Participação foi praticado o esporte
da bocha (na escola e em esporte da bocha na • Prova escrita da bocha. O ambiente da
UD de bocha 8º 12 cancha oficial); cidade de Ijuí (fala de um • Uniforme escola com uma cancha
(esp. Precisão) ano – Conhecer o contexto dirigente sobre a • Autoavaliação de areia e
deste esporte (regras, organização deste principalmente a saída
• Trabalho
2013 histórico, locais esporte na cidade). Como para conhecer uma
disponíveis para a prática culminância fomos cancha oficial em um
e questões de gênero). conhecer uma cancha clube da cidade.
oficial.
– Reconhecer Contextualização das A possibilidade de
semelhanças e diferenças lutas e organização de conhecer uma luta e
entre as lutas pelo grupos para trabalho de • Participação praticá-la de uma forma
critério da lógica interna; pesquisa sobre as • Prova escrita lúdica na sala de aula. O
7ª 10 – Identificar as modalidades de luta. tatame colocado na sala
• Uniforme
Aprendendo série características da luta Realizamos jogos de foi um ponto positivo
sobre lutas escolhida para estudar o lutas e a escolha de uma • Autoavaliação destacado pelos alunos.
(esp. de 2012 tema; luta para conhecer • Trabalho Os jogos de luta e a
combate) – Diferenciar e (judô). No final possibilidade de prática
problematizar a relação refletimos sobre a entre gêneros cativaram
entre lutas/ briga e experiência prática e os a todos.
violência; trabalhos apresentados
– Compreender as lutas em forma de Seminário.
como manifestações
culturais sociais e
históricas.

Fonte: Elaborada pelo autor.


69

2.5.2 Unidades Didáticas: Pontes entre o Plano Curricular e as Experiências nas Aulas

O trabalho se fortalece na medida em que mais pessoas tomam conhecimento do que


foi realizado. Depois de apresentar resumidamente algumas UDs na Figura 17, quero
descrever, com maiores detalhes, duas das Unidades que, nesse momento representam essa
totalidade. A primeira é a “UD ginástica: Exercício Físico” e a segunda é a UD de esporte
(futebol sete), “Futebol (de) sete/futebol (de) todos”.

2.5.2.1 Ginástica: Exercício Físico

Trata-se da UD realizada na 8ª série (9º ano a partir de 2013) que fecha um trabalho
iniciado nas séries anteriores com a ginástica e exercício físico. Ela foi planejada para a
última série do Ensino Fundamental e, portanto, busca contemplar as expectativas de alunos
que, nesta fase de suas vidas, têm especial interesse em trabalhar com questões ligadas ao
cuidado do corpo. Conceitos referentes à saúde, doença, treinamento, exercício físico,
atividade física, frequência cardíaca e outros, são tematizados nesta Unidade.

Acredito ser necessário trabalhar com este tema no final do Ensino Fundamental. Dar
condições aos alunos para eles entenderem o que e porque se produzem determinados efeitos
ou resultados com a prática do exercício físico. A expectativa é que, ao sistematizar este tema
no final do Ensino Fundamental, os alunos sejam capazes de avaliar suas posturas em relação
ao cuidado de si e dos outros.

Nesta UD, pontualmente, é oportunizado aos alunos trabalhar com a organização e


execução de um programa de treinamento das capacidades físicas por meio de experiências
corporais, bem como do estudo de conhecimentos conceituais relacionados ao tema. Está
centrada na realização de atividades físicas planejadas (exercício físico) para desenvolver
resistência aeróbica a partir da caminhada ou corrida.

Entendendo que entre as formas mais tradicionais de movimentação estão a caminhada


e a corrida, tenho desafiado os alunos a assumir uma postura mais ativa de treinamento com
uma destas modalidades durante o desenvolvimento da Unidade. Aqueles mais sedentários
geralmente adotam a caminhada, os mais ativos e treinados a corrida. Ambas atividades têm
proporcionado aos alunos a possibilidade de alcançar o objetivo proposto, que melhora a
resistência aeróbica.
70

A proposta é treinar no mínimo três vezes por semana durante o período que dura a
UD – 25 aulas –, uma vez durante a aula de Educação Física na escola e duas vezes fora
do horário de aula, completando, assim, o mínimo de três sessões semanais de
treinamento.

Todo suporte teórico é trabalhado durante as aulas, garantindo que no decorrer do


treinamento seja possível esclarecer dúvidas e fortalecer os conceitos estudados na execução
tanto no planejamento quanto no desenvolvimento do programa de exercício físico para
desenvolvimento de resistência aeróbica. Dessa forma, as aulas, normalmente, têm uma parte
teórica (30 minutos) e outra dedicada à realização de caminhadas e corridas, bem como o uso
dos parâmetros de treinamento para regular os esforços realizados.

Nas duas vezes em que o treinamento é realizado fora da escola os alunos precisam
fazer o monitoramento da frequência cardíaca dentro da zona-alvo de treinamento. Todos os
conceitos trabalhados assumem importância neste momento. A execução do treino está
intimamente ligada ao envolvimento dos alunos nas aulas.

Alguns objetivos são colocados para esta UD como metas a serem alcançadas. Um dos
principais é desenvolver um programa de exercício de resistência aeróbica a partir da
Frequência Cardíaca Máxima (FCM), com caminhadas e corridas. Outros objetivos
formulados para a UD, com a ajuda do Referencial Curricular de Educação Física do RS, são:

– conhecer em linhas gerais os tipos de programas de exercícios físicos mais populares na


região (musculação, ginástica aeróbica, ginástica localizada, step);

– saber diferenciar os tipos de exercícios físicos e sua relação com as capacidades físicas;

– distinguir os programas de exercícios físicos e seus objetivos específicos;

– reconhecer e utilizar indicadores básicos de diagnósticos das capacidades físicas;

– entender e manusear materiais para a identificação dos indicadores das capacidades físicas;

– problematizar a prática excessiva de exercícios físicos e o uso de medicamentos para


aumentar o rendimento (doping);

– identificar as características e consequências do excesso de exercícios.


71

Para oportunizar o desenvolvimento destes objetivos tenho trabalhado com conteúdos


que possibilitam questionar e tematizar assuntos relacionados ao desenvolvimento da UD de
Ginástica: Exercício Físico. Tais conteúdos foram:

– exercícios de resistência aeróbica;

– aquecimento específico, exercícios básicos, alongamentos específicos utilizados no(s)


programa(s) de exercícios físicos escolhidos para estudar o tema;

– frequência cardíaca (máxima, mínima, repouso), frequência respiratória e os tipos de fadigas


produzidas pelo exercício;

– a prática excessiva de exercícios: características e consequências;

– medicamentos, exercício físico e formas corporais: anabólicos e suplementos alimentares.

Para o desenvolvimento das aulas utilizo diferentes materiais que contemplam a


necessidade de desenvolver os objetivos propostos e que estão relacionados com saberes
práticos e conceituais. Para as questões teóricas conceituais tenho usado o laboratório de
informática (criação do grupo fechado e uso do Facebook) e a sala de aula. Já na parte prática
são empregados outros materiais, como trena, frequencímetro, câmera fotográfica,
cronômetro, celular, cones, entre outros.

Em linhas gerais, é possível dividir a UD em três grandes blocos (Figura 19):

a) introdução à UD com a entrega do plano de ensino, o cadastro no grupo fechado do


Facebook, a realização do pré-teste de Cooper e a postagem dos materiais;

b) estudo dos materiais postados, organização do plano de treinamento com a produção de


vídeo e a realização dos treinos;

c) visita à academia, prova escrita, autoavaliação e pós-teste de Cooper.


72

Figura 19 – Plano descritivo da Unidade Didática ginástica: exercício físico

Número
Tema/Tarefa Tema de casa
da aula
1e2 Entrega do plano de ensino e explicação da
Unidade Didática
3 Cadastro no grupo fechado do Facebook
4e5 Realização do pré-teste de Cooper Acessar o link do quadro de classificação do
Teste de Cooper
6 Laboratório de informática. Estudo coletivo do
material postado no Facebook
7e8 Cálculo da frequência cardíaca máxima, Assistir vídeo sobre os tipos de fibras
organização do plano treinamento e o 1º treino musculares
9 Saca dúvidas – vídeo sobre os tipos de fibras
musculares
10 e 11 2º treino
12 3º treino – explicação sobre as fontes de Produzir e postar um vídeo registrando o
energia momento de treinamento fora da escola
13 e 14 Laboratório de informática. Acessar o site da
academia a ser visitada
15 4º treino
16 e 17 Visita à academia para conhecer programas de
treinamento. Realização de uma sessão de
spinning (5º treino)
18 Avaliação e comentários sobre a visita à Estudar para a prova escrita
academia no grupo do Facebook
19 e 20 Prova escrita
21 Entrega da prova e esclarecimentos das
dúvidas
22 e 23 Último treino na escola e reforço dos saberes
conceituais
24 Autoavaliação
25 e 26 Realização do pós-teste de Cooper

A primeira aula (aula 1 e 2) é voltada para a entrega e apresentação do plano de ensino


da UD que é lido em conjunto com os alunos. Para desenvolver as UDs forneço material
teórico sobre o tema em estudo, podendo ser em folhas separadas ou já organizadas em uma
apostila. O exemplo que estou trazendo, porém, refere-se a uma das UDs em que, pela
primeira vez, trabalhei com o material teórico em suporte digital, sendo disponibilizado via
internet (grupo fechado do Facebook).

A decisão de utilizar o Facebook foi motivada por perceber que as tecnologias digitais
invadem o cotidiano infanto-juvenil e desafiam a escola a dialogar com esse universo. Neste
sentido, entendo que o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no
cotidiano escolar também pode significar o enriquecimento das experiências educativas dos
alunos, quando empregadas para produzir e compartilhar conhecimento.
73

Dessa forma, durante a apresentação do plano de ensino, expliquei aos alunos que
iriam utilizar as TICs, como ferramenta de trabalho. Passei a realizar uma sondagem com
relação ao emprego das TICs pelos alunos, questionando sobre o acesso ao computador,
internet, se possuíam correio eletrônico, Facebook, etc. Assim, na medida em que foram
respondendo, fui fazendo os registros a fim de aproveitar os dados para criar estratégias de
como melhor aplicar as TICs nas aulas de Educação Física.

A partir das informações coletadas, conduzi os alunos ao laboratório de informática


(aula 3) para criar contas no Facebook dos que não tinham (3 em um total de 23) e cadastrá-
los no “Grupo Fechado”, que serviu como espaço de estudo e interação entre nós. Depois de
completar a inclusão de todos no grupo, reforcei a necessidade de respeito e bom senso na
interação com as pessoas nas redes sociais e, em especial no grupo, lembrando os alunos de
que este seria um espaço de ensino-aprendizagem e, portanto, não seriam permitidos assuntos
fora deste contexto.

Expus aos alunos como seria a avaliação da UD. A Figura 20 mostra os critérios de
avaliação que também foi entregue a eles. No final seria somada a avaliação número 1 e 2 e a
nota alcançada pelo aluno dividida por 2, calculando, assim a nota final da UD.

Figura 20 – Critérios de avaliação da Unidade Didática

Critérios Pontos
Autoavaliação 10
Uniforme (menos 2 pontos cada encontro sem uniforme) 10
Participação (o fazer, o praticar, a ajuda com os colegas nas aulas) 20
1
Melhorar a sua marca no teste de Cooper, considerando os conceitos trabalhados
durante a Unidade. A avaliação terá como comparativo o pré-teste e o pós-teste, 25
ninguém será comparado com outro colega, apenas consigo mesmo.
Prova escrita sobre todos os conceitos trabalhados 35
Criar um vídeo (obrigatório) e fotos (opcional) de um momento de treinamento
fora das aulas de Educação Física. O vídeo precisa ter áudio explicando como
2 100
está sendo feito o treinamento, falar sobre seu plano de treinamento (descrição
detalhada).

Para saber mais sobre a ferramenta educativa do Facebook e ter acesso a todos os
materiais, comentários e trabalhos postados, foram incluídos outros membros da comunidade
escolar. Particularmente, o grupo no Facebook teve o acompanhamento da direção, quatro
professores e duas mães de alunos que se cadastraram durante o desenvolvimento da UD
quando ajudaram seus filhos na realização das atividades demandadas durante as aulas.
74

As atividades práticas iniciaram (aula 4 e 5) com o teste de Cooper (o pré-teste), que


consiste em correr ou caminhar 12 minutos contínuos e, ao final, calcular a distância
percorrida. O teste pode ser feito em uma pista de atletismo de 400 metros, porém, por não
termos uma pista próxima, usamos o espaço da escola como alternativa, uma vez que o teste
também é valido em um espaço de 15 m x 25 m (80 m). Neste sentido o campo de futebol sete
da escola tem servido para a realização desta atividade prática inicial. A turma foi dividida em
duplas, que, em momentos alternados, assumiram papéis diferentes. Enquanto um membro da
dupla fazia o teste o outro se encarregava da contagem das voltas percorridas pelo colega e
depois se inverte os papéis. Ao final dos 12 minutos soma-se o número de voltas e multiplica-
se por 80 metros, calculando a distância percorrida por aluno.

O teste é utilizado como parâmetro inicial para valorizar o progresso na capacidade


física, pois, no final da Unidade, realiza-se o pós-teste com o propósito de comparar os
resultados e analisar individualmente os avanços e dificuldades encontradas. Sabe-se, segundo
Mattos e Neira (2000), que o período mínimo para a melhora da condição física é de,
aproximadamente, 12 semanas. O desenvolvimento da UD tem duração aproximada de 8
semanas, mas, mesmo assim, realiza-se o pós-teste como experiência e sistematização da UD.
Oriento que, mesmo com o final da UD, os alunos sigam o treinamento e, posteriormente,
façam novamente o teste ao final das 12 semanas.

Ao final do teste tenho conversado com os alunos tirando dúvidas e refletindo sobre a
prática realizada. Também explico que o trabalho é focado nas capacidades físicas,
principalmente na resistência aeróbica, e discutimos os resultados alcançados pelos alunos
com base na tabela dos índices do teste de Cooper para pessoas de 13 a 20 anos.

A relação dos nomes dos alunos com a quantidade de metros percorridos no pré-teste
foi colocada em um cartaz feito por eles e afixado na sala de aula (Figura 21). Estes dados
serviriam de comparativo quando da realização do pós-teste.
75

Figura 21 – Resultado em metros do pré-teste de Cooper feito pelos alunos

No final da aula foi encaminhado o primeiro tema de casa. Os alunos deveriam entrar
no grupo virtual do Facebook da turma e acessar o link no qual encontrariam mais
informações sobre o Teste de Cooper.7

A aula (6) foi mediada pelas TICs. Iniciei conferindo o tema de casa sobre o quadro de
classificação do Teste de Cooper. Depois, encaminhei os alunos ao laboratório de informática
para acessar os materiais postados na rede social do Facebook e estudar coletivamente. Os
materiais postados foram a respeito dos princípios da atividade física, as zonas de treinamento
e o cálculo da frequência cardíaca máxima (FCM). Mostrou-se importante acessar este
material durante as aulas, pois percebi nos alunos a necessidade de ter o professor por perto
no momento de estudar com os materiais. A maioria dos alunos, quando da necessidade de
estudo em casa, não cumpriu o combinado.

7
Tabela de resultados do teste de Cooper para pessoas entre 13 e 20 anos. Disponível em:
<http://www.copacabanarunners.net/teste-cooper.html>.
76

Dando sequência à UD, a aula (7 e 8) foi dividida em dois momentos. No primeiro


expliquei novamente os conceitos estudados na aula anterior. Os princípios da atividade física
(MATTOS; NEIRA, 2000) assim como o cálculo da FCM foram os mais questionados. O
bom entendimento dos princípios é decisivo para o desenvolvimento do objetivo principal
proposto pela UD que é desenvolver um programa de exercício de resistência aeróbica a partir
da FCM. Os alunos também levantaram dúvidas sobre as fibras musculares (brancas e
vermelhas), a diferença entre elas e como podem influenciar no treinamento. Neste sentido,
sugeri um vídeo8 que mostra e explica a diferença entre os tipos de fibras musculares
(princípio da individualidade biológica). Este material foi disponibilizado para ser assistido
como tema de casa.

Ainda na primeira parte da aula os alunos foram desafiados a calcular a sua FCM de
treinamento. A partir deste cálculo, exemplificado no material postado no grupo do Facebook,
cada aluno foi orientado a formular o seu plano de treinamento a partir da zona-alvo escolhida
e entregar antes do primeiro treino, que seria ao final da aula. Este momento exigiu meu
acompanhamento direto no auxílio aos alunos durante os cálculos e na organização do plano
de treinamento individualizado.

No segundo momento da aula foi realizado o primeiro treino da UD. Nele, cada aluno
colocou em ação pela primeira vez seu plano de treinamento a partir da FCM.
Individualmente e em pequenos grupos, os alunos caminharam e correram no campo de
futebol próximo da escola, respeitando seus limites de resistência a partir da zona-alvo de
treinamento.

No início da aula (9), como boa parte dos alunos não assistiram ao vídeo encaminhado
como tema de casa sobre os tipos de fibras musculares, assistimos novamente na sala de
informática. Além disso, percebi nos alunos um interesse em saber mais sobre os assuntos
relacionados à execução do programa de desenvolvimento da resistência aeróbica e sobre
obesidade, emagrecimento, suplementos alimentares, doping, entre outros temas. Neste
sentido, acredito ter alcançado o objetivo de mobilizar e motivar os alunos a seguir estudando
e buscando textos e outros materiais para saber mais sobre estes temas que não se esgotam em
uma única UD.

8
Vídeo – Fisiologia do Treino – Os tipos de Fibra Muscular (Branca e Vermelha). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=vGTr7QmY9UU>.
77

Ao mesmo tempo em que avançava com as aulas, fui retomando os assuntos tratados
em aulas anteriores. Conversamos sobre os benefícios da atividade física (material postado no
Facebook) e a melhor forma de executar o plano de treinamento individual. Nesta aula (aula
10 e 11) aconteceu, ainda, o segundo treino da aula de Educação Física. Com a zona-alvo de
treinamento definida anteriormente, a maioria dos alunos monitoraram a frequência cardíaca
manualmente, e um aluno fez uso do frequencímetro (Indicador de Diagnóstico da
Capacidade Física), mostrando uma possibilidade tecnológica para o monitoramento da FCM
(Figura 22). O equipamento foi adquirido pela escola em 2012 a pedido meu. O fato de poder
contar com um equipamento não comum nas escolas nas aulas de Educação Física tem a ver
com o lugar que este componente ocupa no currículo escolar desta instituição, e, ao mesmo
tempo, exemplificar uma forma de verificação que permite visualizar simultaneamente a
frequência cardíaca de treinamento. Ao transcorrer as aulas, e com o desenvolvimento dos
treinos, começaram a aparecer dúvidas sobre o gasto energético e as fontes de energia (aula
12). Alguns colocaram como objetivo principal do treinamento a perda de peso. Nesta
direção, expliquei sobre as fontes energéticas recrutadas pelo organismo durante um
treinamento. De maneira genérica, mostrei que a gordura não é a primeira fonte de energia e,
portanto, é necessário um tempo maior de treinamento para perder peso; para isso, é preciso
fazer atividades de baixa intensidade e longa duração.

Figura 22 – O uso do frequencímetro durante o treino

Retomei a explicação sobre os benefícios do exercício físico ao organismo. Aqui foi


importante ressaltar que qualquer benefício que aconteça somente será alcançado com a
observação dos princípios da atividade física e, para isso, é necessário ter persistência no seu
treinamento.
78

Desde o início da UD foi importante reforçar conceitos, repetir explicações, observar


como cada aluno percebe-se no treinamento, também seus pontos positivos e negativos
relacionados diretamente com este novo desafio que se colocou para cada um deles, mesmo
que de uma maneira pedagógica e orientada. Foi exigido dos alunos tanto estudar sobre uma
temática quanto fazer acontecer mudanças de atitude com a possibilidade de efeitos positivos
(psicológicos e fisiológicos) a partir do exercício físico.

O treinamento individual foi planejado para acontecer três vezes por semana, duas
vezes fora da escola e uma durante a aula de Educação Física. Uma boa parte dos alunos
estava executando os treinos fora da escola como tinham descrito em seu plano
individualizado de treinamento. Na aula de Educação Física estávamos completando, neste,
dia, a terceira semana de treinamento, portanto o terceiro treino. O treino foi realizado em um
campo de futebol próximo da escola. Durante o treino lembrei aos alunos a importância dos
princípios da atividade física e os possíveis benefícios a partir da sua observação.

Ainda nesta aula foi encaminhada uma tarefa aos alunos que serviu como uma das
avaliações da UD. Eles teriam de postar no grupo do Facebook o trabalho descrito na Figura
23.

Figura 23 – Trabalho encaminhado aos alunos

Você terá que postar até sexta-feira dia 12/7/13 um vídeo (obrigatório) e fotos (opcional) de um momento de
seu treinamento, fora das aulas de Educação Física. O vídeo precisa ter áudio explicando como está sendo
feito o treinamento.
– Qual a atividade realizada;
– O objetivo;
– Local em que se realiza;
– Zona de treinamento (frequência cardíaca);
– Frequência semanal (quantas vezes por semana);
– Volume de treinamento (km ou tempo) da corrida ou caminhada.
É preciso constar no vídeo além da explicação, o próprio treinamento (a corrida ou caminhada). Seja
criativo(a).
ATENÇÃO: Esta tarefa vale cem pontos que serão somados aos outros cem pontos conforme folha entregue
no início da unidade. O total será dividido por 2 que será a nota do 2º trimestre.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Os vídeos produzidos e postados pelos alunos sobre o treinamento fora da escola


tiveram meu acompanhamento no grupo do Facebook (Figura 24). As dificuldades e os
acertos na gravação dos materiais foram socializados, uma vez que alguns alunos estavam
enfrentando dificuldade na postagem do seu vídeo. Após contextualizar esta situação com a
turma, os alunos que não haviam postado seus vídeos foram auxiliados pelos colegas. As
79

aulas 13 e 14 aconteceram no laboratório de informática. Desde o início da UD, quando da


explanação do plano de ensino, os alunos sabiam da nossa visita a uma academia. Como
estava planejado, visitar a academia seria uma forma de culminância da UD. A cada aula os
alunos faziam perguntas, mostravam curiosidade e certa ansiedade para fazer logo a visita.
Envolvido deste sentimento juntamente com eles, visitamos, no laboratório de informática, o
site da academia para conhecer os programas oferecidos. Assim, juntamente com os alunos,
fomos elencando dúvidas e levantando questionamentos que eles fariam durante a visita. Os
alunos tinham curiosidades sobre musculação, suplementos alimentares, anabolizantes e o
excesso de exercício físico.

Figura 24 – Vídeo produzido e postado pelos alunos

Fonte: O autor.

Paralelo a toda a expectativa vivida pelos alunos, entrei em contato novamente com os
proprietários da academia para fazer a confirmação do dia e hora da visita. Diferentemente
dos alunos, em meu caso era o terceiro ano seguido que fazia esta visita. Construímos, ao
longo deste tempo, uma relação de parceria com os colegas professores, funcionários e os
proprietários desta academia, que todos os anos ajuda na sistematização da UD. Essa
aproximação tem feito com que muitos alunos, depois de sair da escola, comecem a
frequentar a academia.
80

O quarto e último treino (aula 15) antes da visita foi realizado em um campo próximo
à escola. Neste local também foram feitas algumas das filmagens dos treinos que, juntamente
com a explicação do plano de treinamento, deveria ser postada como tarefa avaliativa no
grupo do Facebook. Ao orientar e acompanhar o treino observei o monitoramento da FCM
feita pelos alunos. Outro fato marcante diz respeito aos grupos que se formaram durante o
treino, revelando as diferenças e semelhanças considerando o grau de treinamento de cada
um. O tempo entre este treino e a visita à academia era de apenas dois dias.

Como se fosse prever um grande acontecimento, o dia destinado para conhecer a


academia iniciou com o sol aquecendo lentamente os lugares com mais sombras da escola,
que, deste cedo, já acolhia alguns alunos impacientes para fazer a visita (aula 16 e 17). A fala
dos primeiros alunos que chegaram à escola foi de que a noite e a madrugada se tornaram
longas, pois alguns deles pouco dormiram pensando como seria esta tão esperada manhã.

Com os alunos motivados, ultrapassamos os muros da escola colocando-nos em


caminhada. No trajeto formaram-se pequenos grupos e, de maneira descontraída, fomos
interagindo. No caminho os alunos comportavam-se em um misto de concentração de alguns
e risadas descompromissadas de outros. Enquanto isso nos aproximávamos da academia, pois
está a apenas 800 metros da escola. Já no local, em frente à academia, os alunos pousaram
para fotos antes de entrar para realizar a visita.

Primeiramente nos foi apresentada a academia e todos os programas oferecidos ao


público. Neste momento os alunos puderam fazer questionamentos sobre as dúvidas
levantadas nas aulas de Educação Física. Na visita os alunos puderam perceber um espaço
físico bem diferente da rotina casa/escola. A socialização entre os frequentadores e a música
ambiente foram algumas das observações positivas relatadas pelos alunos.

Em seguida a tão esperada sessão de spinning aconteceu (Figura 25). Além da


motivação pela própria visita, esta atividade foi o ápice da UD. Desde o alongamento, o ajuste
das bicicletas, os 30 minutos da sessão que valeu como nosso quinto treino. Tudo teve o
acompanhamento de um som envolvente com efeitos especiais produzidos por um globo
luminoso. Em um ambiente arejado, o professor ditava o ritmo ao mesmo tempo em que
respeitava os limites dos alunos e orientava aquilo que, para a totalidade deles, se
concretizava em sua primeira sessão de spinning.
81

Figura 25 – Sessão de spinning na academia

O deslocamento, assim como as atividades dentro da academia, foi registrado com


fotos e filmes e, posteriormente, postados e socializados com todos. Houve muitas curtidas e
comentários no grupo do Facebook. Essa maior adesão ao material com imagens foi percebida
pelo número de acessos e pequenos comentários escritos pelos alunos, diferente da atitude que
tiveram com os materiais postados em forma de textos.

Antes de ser uma constatação, desconfiava que este trabalho visual (fotos e filmes)
poderia ajudar, sendo o ponto de partida para, posteriormente, trabalhar com textos ou tarefas
mais complexas. Digo isso porque neste trabalho com a UD da Ginástica: Exercício Físico
iniciei com postagens de textos apenas e foi preciso uma grande cobrança para participação
nas avaliações escritas. Por outro lado, quando postei os vídeos e imagens do registro visual
da visita à academia, obtive melhor resposta. Ficou evidenciado durante o trabalho da UD a
preferência pelas imagens e, a partir delas, ampliou-se o interesse de busca aos materiais
postados.

Na parte avaliativa desta UD (aula 18), realizei uma revisão para a prova escrita e a
avaliação oral sobre a visita à academia. Foram revisados todos os materiais postados no
grupo do Facebook e disponibilizado um tempo para a leitura, releitura e questionamentos
sobre todas as postagens. Como tema de casa os alunos teriam de estudar para a prova.
Acredito que estes momentos avaliativos servem para perceber os avanços de aprendizagem
que os alunos tiveram e, nesse sentido, quanto mais instrumentos de avaliação tivermos mais
82

fiel seremos com a nota que será atribuída ao aluno. Tentar perceber a caminhada do aluno
durante a UD e oferecer oportunidade para todos de mostrar o que e quanto aprendeu, pode
ser um caminho. Além disso, também como tarefa avaliativa, os alunos tiveram que, além de
curtir os materiais postados no grupo do Facebook, fazer comentários sobre a visita.

A realização da prova escrita (aula 19 e 20) provocou neste dia uma mistura de
sentimentos entre os alunos. Alguns preocupados com a prova e o que seria cobrado nessa
avaliação; outros indiferentes com este momento de cobrança e necessidade de estudar e rever
os conteúdos trabalhados durante a UD. Observando estas reações, usei este fato para, antes
da prova, conversar sobre os conceitos trabalhados durante toda a UD, mostrando a
importância de desenvolver formas de estudo não somente para uma prova. Os alunos
realizavam a prova ao mesmo tempo em que reclamaram de algumas questões, mesmo
admitindo não terem estudado.

No encontro posterior à prova escrita (aula 21), fiz a entrega e correção desta, mais
uma oportunidade de tratar todo o trabalho desenvolvido na UD com seriedade e consideração
aos alunos. Nesse momento abri espaço para que colocassem o porquê da sua nota e, a partir
disso, refletir coletivamente para poder avançar na forma de avaliação. Os alunos, na maioria,
não estudaram para a prova. Nesse sentido, conversamos sobre a necessidade de
envolvimento no trabalho de toda a UD para que as aprendizagens aconteçam. Ao mesmo
tempo em que passei cada questão, e reforcei a necessidade de dar conta deste tipo de
avaliação, salientei outra forma de avaliação que somente cada aluno poderia fazer de si
mesmo. Falei sobre o pós-teste de Cooper e o resultado, que dessa vez não passaria pelo meu
olhar, e sim pelo esforço que cada um deles teve em desenvolver o seu treinamento, pois o
resultado do pós-teste iria mostrar como cada um entendeu o desafio de desenvolver um
programa para melhorar a resistência aeróbica e superar sua própria marca.

Na sequência, havia ainda um treino – o sexto (aula 22 e 23) – para encaminhar a


última avaliação, o pós-teste de Cooper. Durante o treino os alunos, mantendo a organização
dos treinos anteriores, foram mostrando-se mais à vontade para treinar e, informalmente,
avaliar os treinamentos. Alguns reconheceram a falta de persistência e dedicação durante o
treinamento, enquanto outros ao contrário, esperavam, pela dedicação e empenho nos treinos,
melhorar a sua marca no pós-teste de Cooper. Mesmo não sendo definitivo para melhorar o
desempenho no pós-teste, muitos alunos usaram o sexto e último treino para realizar um
esforço superior aos treinamentos anteriores. Neste sentido, avaliei ser necessário continuar
esclarecendo sobre a importância de observar os princípios do exercício físico e a necessidade
de tempo para ocorrer adaptações fisiológicas para melhorar os resultados.
83

A autoavaliação da UD foi realizada em seguida (aula 24), com espaço aberto para a
manifestação dos alunos. Procurei criar um ambiente de fala para oportunizar a participação
de todos. Sem cobranças ou sequência de quem falaria primeiro, fui tentando deixar todos
bem à vontade. Neste processo todos os alunos tiveram a liberdade de dar-se uma nota pela
participação nas aulas durante o desenvolvimento da UD, considerando também a relação
com o outro, o colega. Todos participaram dentro do proposto, e isso suscitou que algumas
notas fossem contestadas pelos colegas. Mesmo assim, mantive a nota dada por eles e reforcei
que este momento será importante para suas futuras participações em espaços democráticos.
Cada um exercita a possibilidade de escolhas e precisa assumir o resultado de suas decisões.

A última avaliação realizada foi o pós-teste de Cooper (aula 25 e 26). Os alunos, no


final da UD, com mais ou menos 10 semanas de treinamento, desafiaram-se a melhorar suas
marcas individuais alcançadas no pré-teste. Poucos deles relataram ter feito o treinamento
conforme planejado e exposto no plano de treino individual. Neste sentido, como resultado
final depois de terminar o pós-teste, alguns tiveram melhoras mínimas nas marcas percorridas
se comparado com o pré-teste; outros mantiveram o mesmo resultado do primeiro teste,
enquanto alguns ainda pioraram suas marcas. Foi sugerido a sequência do treinamento até
completar, no mínimo, 12 semanas como desafio de manter-se com a possibilidade de
comprovar aquilo que, na teoria e na prática, já se provou há muito tempo, ou seja, para ter
alguma mudança no condicionamento físico e um possível ganho de resistência aeróbica é
preciso observar o tempo mínimo de 12 semanas de treinamento regular.

Ao final desta descrição arrisco-me a tecer considerações referentes a essa experiência


realizada com este grupo de alunos a partir do desenvolvimento da UD da Ginástica:
Exercício Físico. Uma das constatações diz respeito ao plano geral da UD, ou seja, da real
possibilidade de obter sucesso no desenvolvimento de uma UD que propõe realizar um
programa de exercício físico para desenvolver a resistência aeróbica. A outra se refere às
possibilidades e limites do uso do Facebook como ferramenta de apoio ao processo de ensino-
aprendizagem nas aulas de Educação Física.

A primeira constatação, que está relacionada ao desenvolvimento geral da UD, mostra


a satisfação dos alunos em saber antecipadamente, com clareza, tudo o que vai acontecer. A
socialização do planejamento anual apresentado no início do período letivo com todos os
temas da CCM é peça-chave neste processo. Com a exposição do plano específico desta UD,
que permite aos alunos visualizar todas as etapas do trabalho, percebi que, para eles, saber
antecipadamente o que irá acontecer e a forma que serão avaliados é primordial para uma boa
84

participação. Especialmente nesta UD, o fato de os alunos saberem antecipadamente da nossa


visita à academia como culminância da UD, teve um papel mobilizador, ajudando a dar
sentido à prática realizada durante toda a UD.

Paralelo a isso é preciso ter paciência com os alunos no desenvolvimento desta


Unidade. Alguns deles demonstraram algumas dificuldades para assimilar o treinamento
como um hábito necessário para a sua vida, principalmente os já sedentários. É gratificante,
no entanto, o fato de, mesmo que seja por alguns instantes, observar a iniciativa e o
envolvimento dos alunos nas aulas em busca de seus objetivos.

De quase tudo que fizemos em sala de aula não conseguimos ter um retorno imediato,
uma vez que trabalhamos com saberes corporais e conceituais que, acredito, são importantes
para toda a vida e não se sedimentam imediatamente nos sujeitos. Sendo assim, os
conhecimentos construídos durante as experiências escolares podem vir a servir e ser
incorporados na vida de cada pessoa em momentos diferentes que não seja na época da
escola. Nela, no entanto, os alunos terão a oportunidade de acesso a este tipo de
conhecimento. Nenhuma outra instituição reconhecida na sociedade, como a Igreja e a
família, cumprem o papel de instrução designado à escola. Com todos os erros e acertos, é
nesta instituição que é apresentado aos alunos o mundo e a produção da humanidade nas
diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, o papel do professor continua sendo o de não
desistir, ainda que os resultados não sejam imediatos.

A segunda constatação foi de que o acesso dos alunos ao material pela rede social, se
por um lado facilitou o processo de interação com os saberes conceituais, por outro,
isoladamente, não foi capaz de aumentar o seu envolvimento com os conteúdos em estudo.
Assim, me senti desafiado a continuar pensando e experimentando formas alternativas de
ensinar.

Conforme os pressupostos da autoarqueologia, metodologia usada neste estudo,


pretendo resgatar, no passado da minha prática pedagógica, uma série de materiais produzidos
e arquivados (enterrados) ao longo do tempo. A partir destas escavações, vou descrever agora
mais um vestígio encontrado nos meus materiais.
85

2.5.2.2 Futebol (de) Sete/Futebol (de) Todos

A oportunidade de trabalhar com uma UD que tem uma representação cultural muito
grande no imaginário coletivo, exige uma sistematização que, ao mesmo tempo, trabalhe as
questões práticas e técnicas específicas, mas, também e, principalmente, considere temas
como participação, inclusão/exclusão, gênero e protagonismo. Vou apresentar, durante a
descrição desta UD, algumas situações em que podemos perceber fatos que envolveram estas
temáticas.

Na UD de futebol sete a apostila também é usada como apoio para acompanhar a


aprendizagem das intenções técnico-táticas individuais desenvolvidas nos esportes de invasão,
conforme González e Fraga (2012). Neste momento, no entanto, gostaria de focar a descrição
em outras questões que ultrapassam o ensino da técnica e da tática e, ao mesmo tempo, são
imprescindíveis para desenvolvê-las. Refiro-me às situações-limites surgidas durante as aulas
entre os alunos e dos alunos com o professor. Isso, na maioria das vezes, define as
aprendizagens com maior ou menor avanço, dependendo da mediação que se consegue fazer.
Nessa lógica, passo a descrever um fato que aconteceu durante o desenvolvimento desta UD e
que exemplifica o que chamei de situação limite. Começo com uma descrição pontual para,
depois, falar um pouco mais ordenadamente sobre o desenvolvimento da UD de futebol sete.

Este fragmento que vou descrever agora está relacionado também à Figura 20 e mostra
as possibilidades de realizar atividades que proporcionem a participação de todos, nem que
para isso seja necessário a criação de regras para ajustar ou equilibrar as relações, nesse caso,
de gênero. Foi criada, juntamente com os alunos, o que chamamos de regra interna, para
diminuir as diferenças técnicas entre os gêneros que, normalmente, ocorre, principalmente,
com os esportes coletivos.

Neste sentido, para que fosse possível a participação de meninas e meninos na mesma
equipe, adaptamos e a regra se estabeleceu, ficando definido que, durante o jogo do
“campeonato”, quando uma menina estivesse com a posse de bola, somente outra menina
poderia fazer a marcação. Por outro lado, diferente desta situação, as meninas em qualquer
momento poderiam exercer no ataque ou na defesa a marcação perante os meninos. O não
cumprimento desta regra recebe punição de um tiro livre direto por quem sofreu a infração
(uma menina).
86

Para melhor compreensão do fato descrito anteriormente vou apresentar, sucintamente,


a UD de esporte de invasão (futebol sete) e como se deu o tratamento do conteúdo esporte nas
aulas de Educação Física. Minha prática pedagógica com o esporte que possibilitou esta
experiência, está inserida nos temas estruturadores da CCM que foram apresentados aos
alunos no primeiro dia de aula. Este esporte acontece no primeiro trimestre de cada ano
envolvendo todas as turmas de 6° ao 9º ano e se inspira na orientação pedagógica de González
e Fraga (2012) para tematizar estas práticas.

De início é feito um diagnóstico, a partir da filmagem de um jogo, com a escolha das


equipes pelos alunos para saber o nível atual deles em relação à prática do futebol sete. Na
sequência assistimos essa filmagem que nos ajudou na organização de equipes mistas e
equilibradas para a realização do campeonato, em que três equipes se enfrentam durante dez
rodadas. A execução das etapas da aula de Educação Física é fundamental para a
compreensão e a aprendizagem dos alunos.

O primeiro momento é em sala de aula com o registro do objetivo da aula e o que será
trabalhado (intenções táticas). No segundo momento é desenvolvido o “treino” com as
intenções táticas individuais. Os alunos ocupam lugares e funções no campo de jogo, na
defesa e no ataque com e sem a posse de bola. Esse momento ocupa o maior tempo da aula,
com os alunos divididos por “níveis” de aprendizagem levando em consideração a
compreensão tática do jogo. No terceiro momento sempre acontece o jogo com o
enfrentamento entre duas equipes (A e B), enquanto os alunos da terceira equipe (C) se
ocupam com outras funções que também ajudam na aprendizagem do esporte trabalhado.

A cada aula as equipes se revezam nos enfrentamentos, e a equipe que não joga
assume outros papéis; funções como árbitro, secretário, treinador, cronometrista e o
preenchimento do scout. Estas são trocadas nos grupos a cada aula, oportunizando a
experiência para todos das diversas funções durante o campeonato. Uma delas, em especial,
merece destaque – o preenchimento das fichas de scout (Figura 26) – que ajuda a entender a
participação de cada jogador durante a partida.
87

Figura 26 – Ficha de Scout

Mesmo os alunos com maior dificuldade técnica acabam, com as anotações no scout,
aprendendo mais sobre o funcionamento do jogo no ataque e na defesa. O preenchimento do
scout oportuniza fazer a leitura da participação do jogador pelo número de bolas recebidas, a
capacidade defensiva pelas bolas tomadas do adversário, a capacidade ofensiva pelas
finalizações a gol e os gols feitos. Finalmente a adaptação ao jogo é mostrada pelo número de
bolas perdidas durante a partida.

Outra responsabilidade nesta UD é escolher um nome que identifique cada equipe,


juntamente com a confecção de uma bandeira e um mascote. Assim, os alunos, com o auxílio
da professora de artes, grande parceira neste trabalho, transformam as ideias em
representações artísticas. A única exigência com relação aos nomes das equipes e às bandeiras
é que sejam originais, criação de cada equipe. Nos anos de 2011, 2012 e 2013 as equipes
foram criativas misturando ideias e fazendo releituras. As fotos que trago na Figura 27
mostram a confecção das bandeiras pelos alunos em sala de aula e no pátio da escola. A
culminância desta UD foi um evento que, depois de 2011 em sua primeira edição, galgou o
status de evento oficial da escola, com grande participação de todos no torneio de
encerramento dos esportes de invasão (futebol sete).
88

Figura 27 – Confecção das bandeiras

Um dia inteiro é reservado para que todas as turmas mostrem sua organização e
possíveis avanços na aprendizagem, pois o evento não é uma simples confraternização, ele faz
parte das aulas e, portanto, culmina uma etapa da aprendizagem dos esportes de invasão,
sendo, assim, uma avaliação do que foi trabalhado no trimestre. Com este evento é
oportunizado aos alunos experienciar as formalidades de um acontecimento esportivo em um
contexto escolar.

Podemos dividir este evento em quatro momentos que estão representados nas fotos da
Figura 28. De início todas as equipes realizam seu desfile mostrando suas respectivas
bandeiras. As equipes são as mesmas das aulas, dos treinos e do campeonato. O evento serve
também como experiência de participação e exposição para um grande grupo. Mostrar-se para
o outro, estar junto, sentir-se integrante, pertencente a um grupo, ser percebido. Nesta mistura
de sentimentos e sensações, observamos os alunos felizes de ver concretizado algo que
previamente foi planejado e construído juntamente com a participação de todos.

Depois do desfile das equipes seguem as formalidades com o juramento do “atleta” e o


canto do Hino Nacional. A parte mais esperada pelos alunos é a hora da competição entre as
equipes. Neste momento cada um tenta colocar em prática as aprendizagens das aulas,
procurando assumir a melhor postura tática em campo, motivados pela vontade de vitória em
cada partida. Talvez a busca da vitória a qualquer preço seja amenizada pelo trabalho na sala
de aula e pela garantia de premiação que foi dada a todos. Os participantes sabiam de antemão
que seriam premiados com medalhas de participação, independente dos resultados alcançados
durante o torneio.
89

Observa-se a alegria estampada no rosto de alguns, o orgulho de ter colocado uma


medalha no peito ou mesmo a felicidade pelo simples fato de dizer, mostrando o prêmio, que
participou de um torneio. Este tipo de oportunidade não se limita a este evento que envolveu o
esporte de invasão (futebol sete).

Figura 28 – Momentos do evento de culminância da Unidade Didática de futebol sete

Eventos de culminâncias como este são realizados também com outros temas. Todo o
planejamento para as aulas de Educação Física nos quatro Afefs é conhecido por todos os
alunos. No início de cada ano esse planejamento é apresentado e efetivado a cada UD com
suas respectivas culminâncias.

O relato de duas dessas UDs encerra este segundo capítulo.

O terceiro capítulo trata de sistematizar a teoria crítica da prática curricular da


educação e da Educação Física, e apresenta a produção teórica presente no debate acerca da
educação escolar e da Educação Física, em especial na sua relação com o currículo.
90

CAPÍTULO 3

TEORIA DA PRÁTICA CURRICULAR

A teoria tem a capacidade de antecipar ações práticas, mas é a


partir, também, de propostas práticas concretas que o
desenvolvimento teórico pode tomar impulso (KUNZ, 1994, p.
30).

Desenvolvo neste capítulo ideias referente às teorias da educação, em especial às do


currículo no sentido de compreender e relacionar minha prática pedagógica com essa teoria.
Podemos entender que o conjunto de ações que se desenvolve dentro de uma prática
curricular e pedagógica está, de algum modo, imbricado com uma teoria que tentará explicá-
lo. Podemos definir uma teoria, conforme Silva (1999, p. 17), “pelos conceitos que utiliza
para conceber a realidade”. O currículo escolar “seria um objeto que precederia a teoria, a
qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo” (SILVA, 1999, p. 11).

Parto do pressuposto de que o currículo escolar representa a possibilidade de se


tornarem visíveis aspectos diversos vivenciados por todos os envolvidos no processo
educativo. Desde a elaboração inicial de uma proposta curricular, normalmente pelos
administradores da educação, até as experiências e aprendizagens efetivas propiciadas aos
alunos nas escolas, muitas coisas estão em jogo. Nessa direção, todos os agentes
(administradores, professores, pais e alunos), mesmo com pesos diferentes na definição de sua
composição, constituem aquilo que será o currículo escolar. Nesse documento (o projeto
curricular que representa o currículo mais amplo) normalmente define-se, como propósito,
formar um cidadão crítico que possa intervir na sua realidade com discernimento. Para isso, a
intenção educativa deve ser convertida em oportunidade efetiva de formação, o que faz com
que o professor assuma um papel decisivo nesse processo.

Esse papel de cumprir uma postura de educador crítico, segundo Apple, Au e Gandin
(2011, p. 15) “inclui não só manter as tradições teóricas, empíricas, históricas e política vivas,
mas também, e de maneira importante, ampliá-las e criticá-las, apoiando-as”. De acordo com
91

os autores, a tradição precisa saber lidar com as realidades atuais, perguntando: “Para quem
estamos mantendo vivas tais tradições? Como e de que forma elas podem ser
disponibilizadas?” (APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 16).

Assim, faço a escolha pela teoria crítica, suas ideias sobre a formação da sociedade e o
tipo de sujeito que participará dela, para discutir o papel da escola e da Educação Física neste
contexto. Questionamentos sobre para que ensinar, o que ensinar, quando ensinar, como
ensina e o para que, o que, o quando e o como avaliar, servem de guia para o
desenvolvimento deste capítulo, no qual se pretende realizar um recorte da teoria crítica da
Educação e da Educação Física que potencializem a reflexão sobre a prática.

Antes de tentar responder estas questões, cabe uma breve retomada da teoria da
educação crítica. De acordo com Apple, Au e Gandin (2011, p. 19), “a segunda metade dos
anos 1970 foi um período fundamental para o desenvolvimento de análises críticas da
educação”. Conforme os autores,

[...] o enfoque central crítico da época girava em torno do exame da relação entre as
escolas e a reprodução social e cultural. Embora a tradição do exame crítico do
conteúdo e dos processos de reprodução cultural já estava em andamento na nova
sociologia da educação na Inglaterra (ver, por exemplo, Young, 1971), nos estudos
críticos do currículo nos Estados Unidos (Apple, 1971) e na obra de Bourdieu e
Passeron (1977) na França, muito do debate sobre essa relação cristalizou-se em
torno do livro Schooling in capitalist America, de Bowles e Gentis (1976).

Toda esta produção na década de 70 teve um peso grande no sentido de avançar nos
debates com a ampliação das discussões sobre as relações de classe. “O resultado para os
analistas críticos foi o de continuar a ir além das versões relativamente simplistas de análises
da escola baseadas na classe social” (APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 19). Os autores
afirmam que também foi dada “atenção mais explícita a questões de raça e gênero, e assim
assinalaram a influência crescente das teorias britânicas e francesas da relação entre cultura,
instituições sociais e educação”.

Podemos afirmar que as teorias críticas defendem a formação de um sujeito capaz de


atuar com certo grau de autonomia na sociedade, reconhecendo-a condicionada por
marcadores sociais de classe, raça, gênero, entre outros. Acredito que se trata de favorecer a
formação de um olhar desconfiado de tudo o que se coloca como definitivo e capaz de
apresentar as mesmas soluções para qualquer tipo de problema, ou seja, a continuidade de
políticas que se preocupam em manter o atual como definitivo, valorizando o individual em
detrimento do coletivo.
92

3.1 Para Que Ensinar na Educação

Os propósitos do ensino vão de encontro com o pensamento de todos aqueles que


também desejam e defendem uma educação de qualidade. Quando perguntamos para que
ensinar, significa perguntarmos: Há algo mais além de preparar os alunos para a sequência
dos estudos formais?

Junto com as questões técnico-pedagógicas desenvolvidas no estudo formal, é preciso


também dar condições para que os alunos sejam capazes de compreender e intervir no mundo.
Neste contexto Savater (2012, p. 135) assevera que o “processo de ensino nunca é uma
simples transmissão de conhecimentos, objetivos ou destrezas práticas, mas vem
acompanhado de um ideal de vida e de um projeto de sociedade”.

Em uma sociedade democrática, com a participação de todos os cidadãos, é necessário


que prevaleça em todos os espaços de intervenção a possibilidade de discussão, reflexão e
decisão sobre as questões que interferem no bem comum. Para isso, a contribuição da escola
pode ser decisiva. Conforme Sacristán (2001, p. 55),
[...] a escolarização é um determinado modelo de educação multifuncional que tem
ou deve ter uma orientação singular: é alfabetizadora – decodificadora do mundo
material e social construído, mostra o mundo criticamente, difunde o conhecimento
sistematizado e ordenado, propõe valores cujo alcance requer um autocontrole e uma
disciplina racionais – tudo isso com vistas ao melhoramento individual e social.

Podemos oportunizar ao aluno o exercício de se colocar como sujeito que se constrói


na relação com o outro. É possível “fornecer um mínimo de competências para que os
indivíduos possam vir a se interessar e a participar das decisões públicas” (BRAYNER, 2008,
p. 110). Conforme o autor, essas competências aparecem de três formas:
Em primeiro lugar, numa relação com o mundo da cultura que permitiria escolher, como
na sabedoria antiga, meus amigos entre os vivos e os mortos. Isto não significa um
acesso a uma cultura puramente ilustrativa nem simplesmente instrumental, mas algo
que permitisse entender as diferentes sensibilidades, concepções, entendimentos que ao
longo das gerações constituíram o mundo comum. Em segundo lugar, uma competência
que franqueie o acesso a uma intersubjetividade responsável entre interlocutores
dispostos a participar do debate público. Em terceiro lugar, uma competência que
permita a compreensão e a inserção qualificada num mundo de vertiginosos avanços e
mudanças tecnológicas (BRAYNER, 2008, p. 111).

É na escola que podemos instrumentalizar os alunos, a partir da nossa área do


conhecimento, nas diversas questões que poderão ajudá-los a compreender o desenvolvimento
do conhecimento científico e suas relações como a vida de cada um. “Nesse sentido, aposto
que uma escola será tão mais democrática quanto mais ela proporcionar aos seus alunos as
competências para intervirem, mais tarde, naqueles espaços onde suas vidas sociais e
individuais se decidem” (BRAYNER, 2008, p. 112).
93

Sobre esta formação de um aluno cidadão e participativo, Sacristán (2013) afirma


existir alguns direitos dos estudantes que devem se converter em obrigações da escola e,
portanto, dos professores para além das disciplinas. Justificar o para que ensinar na educação
é ser capaz, segundo Sacristán (2013, p. 24), de fazer com que o aluno tenha direito de:

– Crescer e se abrir para mundos de referência mais amplos;


– Transformar as crianças em cidadãos solidários, colaboradores e responsáveis,
fazendo com que tenham experiências adequadas e sejam reconhecidas como
cidadãos enquanto são educadas;9
– Fomentar nas crianças posturas de tolerância durante o próprio estudo das
matérias, o que implica a transformação destas;
– Consolidar no aluno princípios de racionalidade na percepção do mundo, em suas
relações com os demais e em suas atuações;
– Torná-los conscientes da complexidade do mundo, de sua diversidade e da
relatividade da própria cultura, sem renunciar a sua valorização também como “sua”,
à valorização de cada grupo, cultura, país, estilo de vida, etc.;
– Capacitá-los para a tomada democrática de decisões.

Em conformidade às afirmações dos autores citados, temos a visão do marco legal das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Ensino Fundamental de nove anos. Este
documento explicita como propósito de ensino que:

No projeto político-pedagógico e no regimento escolar, o aluno, centro do


planejamento curricular, deve ser considerado como sujeito que atribui sentidos
à natureza e à sociedade nas práticas sociais que vivencia, produzindo cultura,
recriando conhecimentos e construindo sua identidade pessoal e social
(BRASIL, 2010).

Conforme as DCNs (BRASIL, 2010), os alunos são sujeitos de sentido na relação com
a natureza e com os outros. Isso significa ter um lugar e poder construir conhecimento e
visibilidade. Para dar conta disso, de acordo com Brayner (2008, p. 125), a escola “é este
lugar social precisamente designado e pensado para estabelecer relações (entre o passado e o
futuro, entre as gerações, entre os mortos e os vivos, entre o saber e a vida) e fornecer aos
sujeitos que a frequentam mínimas condições de se tornarem visíveis”.

Essa visibilidade significa ser respeitado como pessoa, ser visto na sociedade livre de
preconceitos, independente da cor da pele, da religião, da posição social, da opção sexual, etc.
Conforme o autor, uma das funções principais da educação é a de “tentar reduzir o efeito
devastador que pode ter o fato de entrar num jogo já começado e sair dele sem saber o

9
No conceito de cidadania, em que acreditamos e trabalhamos nessa Dissertação, não concordamos com o
significado de algumas palavras escritas pelo autor. As palavras Transformar as crianças em cidadãos
solidários e também quando afirma que precisam ser reconhecidas como cidadãos enquanto são educadas. No
nosso entendimento, a primeira palavra pode ser substituída por preparar, e a segunda trocada por sujeito de
direito.
94

resultado” (BRAYNER, 2008, p. 144). O autor defende que ao menos temos de saber de que
jogo se trata e como podemos jogá-lo, com que peças e quais as estratégias utilizadas antes da
nossa entrada nele. Mesmo sem saber onde tudo isso vai dar, precisa ser a aposta principal da
educação.

Defendo, assim como Sacristán (2001, p. 75), que “na escola, como na vida exterior a
ela, existe a heterogeneidade e a diferença é o normal”. Talvez o maior sentido que podemos
dar a todas as práticas educativas, principalmente as da escola, é de enfrentamento a essa
“diversidade como um dado da realidade. Diante de tal fato, cabem duas atitudes básicas:
tolerá-lo organizando-o, ou tentar submetê-lo a um padrão que anule a variedade”
(SACRISTÁN, 2001, p. 75).

Neste sentido, o autor aponta para a impossibilidade de enfrentar todas as diferenças


do cotidiano escolar. Sacristán (2001, p. 76) afirma que “isso exige modelos de educação
tutorial para todos, impossíveis de serem praticados nas condições da escolarização massiva”,
ou seja, aquela responsável por assumir a diversidade da instituição escolar e oferecer uma
educação de qualidade, mais justa, humana e digna “para todos”. Isso, porém, não impede de
continuarmos trabalhando na escola a minimização das desigualdades e o respeito às
individualidades, pois,

se a educação tem a ver com a capacitação para o exercício da liberdade e da


autonomia, a escola deve respeitar a singularidade individual e fomentá-la, sem
discriminações, para todos. A educação deve preocupar-se em estimular
diferenciações que não implicam desigualdades entre os estudantes; deve tornar
compatível o currículo comum e a escola igual para todos, com a possibilidade de
adquirir identidades singulares, o que significa priorizar a liberdade dos sujeitos na
aprendizagem (SACRISTÁN, 2001, p. 77).

A instituição escolar é desafiada a oferecer um currículo com objetivos definidos a


partir da complexidade do ato educativo. Segundo Sacristán (1998, p. 55),

na escolaridade obrigatória, o currículo tende a recolher de forma explícita a função


socializadora total que tem a educação. O fato de que esta vá mais além dos
tradicionais conteúdos acadêmicos se considera normal, devido à função educativa
global que se atribui à instituição escolar.

Assim a educação escolar se coloca como o lugar de trabalhar com toda a herança
cultural da humanidade nas diversas áreas do conhecimento. Além disso, deve permitir ao
aluno entre outras coisas sentir-se parte desse mundo, na convivência com a diversidade de
sujeitos, levando em conta a sua singularidade.
95

3.1.1 Para que Ensinar na Educação Física

Na perspectiva teórica na que me inscrevo, o que se define para o componente


curricular Educação Física não pode ser pensado fora do projeto de escola. O desafio é
contribuir na formação dos alunos, trabalhando com um conjunto de conhecimentos que tem
como foco a Cultura Corporal de Movimento.

Essa perspectiva, contudo, não foi hegemônica ao longo de toda a história da


Educação Física; pelo contrário, trata-se de uma proposição surgida nos anos 80 e, mesmo
hoje, ainda que com uma forte presença no marco normativo do componente curricular, é uma
expressão minoritária na prática escolar.

Nessa época, juntamente com um movimento político mais amplo vinculado ao


processo de redemocratização do Brasil, surge o movimento renovador, como uma
perspectiva de intervenção no campo da Educação Física com a ideia de se trabalhar com a
dimensão da cultura, considerando as individualidades, as atitudes e as diferenças dentro da
sociedade. Neste propósito, os estudos apontam para a necessidade de considerar, além da
dimensão biológica do corpo, também as relações socioculturais que constituem o corpo.
Assim,

A “virada cultural” posta em marcha pelo movimento renovador se ancora no


pressuposto de que os corpos em movimento não podem ser compreendidos apenas
pela “mecânica” da atividade física, pois eles expressam os significados partilhados
por uma sociedade em um dado recorte temporal (GONZÁLEZ; FRAGA, 2012, p.
41).

O movimento de renovação constitui-se uma linha na área que começa a pensar a


Educação Física no currículo necessariamente atrelado à função social da escola e não apenas
a partir dela mesma. No mesmo movimento cresce a convergência em interpretar a Educação
Física como um componente curricular, uma matéria a ser ensinada.

Nesse movimento acredito que duas obras representam bem essa convergência que
pensa a Educação Física como um componente curricular. A concepção crítico-superadora
(COLETIVO DE AUTORES, 1992) e a proposta crítico-emancipatória (KUNZ, 1994). Essas
duas concepções respondem à pergunta: Para que ensinar na Educação Física a partir de suas
perspectivas? Mesmo reconhecendo que as obras possuem diferenças no modo de entender a
formação do sujeito e da sociedade, detenho-me no ponto que entendo ser comum nas duas
perspectivas, a preocupação pela formação de um sujeito para a atuação na vida pública.
96

A teoria crítico-superadora tem uma visão crítica com relação ao paradigma da


educação na sociedade capitalista. Baseada em ideias de cunho marxista, esta proposta tem
como objeto de estudo da Educação Física a cultura corporal. Como ideia central, a
concepção crítico-superadora propõe trabalhar com os conhecimentos necessários para
“formar o cidadão crítico e consciente da realidade social em que vive, para poder nela
intervir” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 35).

O regime democrático permite a participação de todos. É papel da escola instruir os


sujeitos para que consigam entender o mundo e estar preparado para participar dos espaços
públicos onde são tomadas as decisões que dizem respeito a todos. É na escola que temos a
oportunidade de ajudar na formação de sujeitos que, acima de tudo, lutam pela manutenção
dos espaços que permitem aos diferentes grupos sociais se entenderem sobre os rumos que
pretendem tomar (FENSTERSEIFER, 2010).

Para que a instituição escolar possa dar sua contribuição na organização de espaços de
participação na sociedade deve cumprir seu papel com o que tem de mais precioso, o
conhecimento. Desse modo,

assim como a república em uma sociedade democrática é tarefa de todos os


envolvidos, também a educação escolar o é, a qual deve ser pensada de modo que
articule as diferentes especificidades em torno da tarefa de propiciar às novas
gerações um alargamento em suas compreensões de mundo (GONZÁLEZ;
FENSTERSEIFER, 2010, p. 19).

Assim como a Educação Física, “cabe a cada componente curricular fazer isso na
especificidade de seus conteúdos, constituindo-se em espécie de janelas para o mundo”
(GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010, p. 19). O conhecimento tem o poder de esclarecer e
é nisso que podemos avançar; em dar condições para que nossos alunos possam ter uma
leitura de mundo que permita uma participação qualificada na sua vida em sociedade.

A escola é o lugar de acolher a todos e apresentar caminhos, oportunizar saberes


capazes de permitir aos alunos fazer escolhas e ir definindo em que projeto de sociedade irá se
engajar; ela deve oportunizar aos alunos desenvolver a capacidade de análise e crítica ao que
lhes é imposto. Neste sentido, a disciplina de Educação Física da escola não pode trabalhar os
temas da Cultura Corporal de Movimento da mesma forma que são tratados em instituições
não escolares. Sobre estas instituições não escolares, González e Fensterseifer (2010, p. 18)
destacam: “a possibilidade de colocar em questão os sentidos hegemônicos que nelas
predominam e que se apresentam como que esquecidos da sua condição de uma possibilidade
de sentido, entre outros”.
97

Este tipo de pensamento está alinhado à obra de Elenor Kunz (concepção crítico-
emancipatória), que faz parte do movimento renovador da Educação Física. Obras como
Educação Física ensino e mudança (1991) e, principalmente, Transformação didático-
pedagógica do esporte (1994), são marcos teóricos da Educação Física escolar, em especial
na tematização do esporte. Seu trabalho tem contribuído nas reflexões e produções didático-
pedagógicas da Educação Física, e representa uma tendência progressista, defendendo uma
concepção de “pedagogia crítico-emancipatória no ensino da Educação Física escolar”. Kunz
acredita, a partir do pensamento de Habermas, em uma didática comunicativa, privilegiando
os planos do agir para o trabalho, para a interação e para a linguagem, o saber-fazer, o saber-
pensar e o saber-sentir.

Nesta perspectiva, entendo que Kunz responderia ao “para que ensinar” a partir do que
coloca como objetivo da Educação Física da escola, ou seja, o desenvolvimento de três
competências: a competência objetiva, a social e a comunicativa.

A competência objetiva é definida por Kunz (1994, p. 40) como aquela em que “o
aluno precisa receber conhecimentos e informações, precisa treinar destrezas e técnicas
racionais e eficientes, precisa aprender certas estratégias para o agir prático de forma
competente”. O autor continua explicando sobre a necessidade de ampliação dessa
competência, não somente como conteúdo escolar, mas para toda vida: “Precisa, enfim, se
qualificar para atuar dentro de suas possibilidades individuais e coletivas e agir de forma bem-
sucedida no mundo do trabalho, na profissão, no tempo livre e, no caso, no esporte”.

A competência social, na visão do autor, vincula-se à necessidade de o aluno conhecer


sobre as relações sociais de onde ele vive. Como descrito por Kunz (1994, p. 40), “deve atuar,
também, no sentido de desvelar diferenças e discriminações que se efetivam através da
socialização específica para os sexos [...] reforçadas pela formação de turmas masculinas e
turmas femininas”. Na prática pedagógica que reúne meninas e meninos, a interação social
acontece e, conforme o autor,

[...] a competência social deverá contribuir para um agir solidário e cooperativo,


deverá levar os alunos à compreensão dos diferentes papéis existentes no esporte e
fazê-los sentir preparados para assumir esses diferentes papéis e
entender/compreender os outros nos mesmos papéis diferentes (KUNZ, 1994, p. 41).

Por último, a competência comunicativa. Na perspectiva de Kunz (1994, p. 41), “saber


se comunicar e entender a comunicação dos outros é um processo reflexivo e desencadeia
iniciativas do pensamento crítico”. Possibilita compreender melhor o mundo e as relações
98

com o outro. Segundo o autor, “isso significa dizer, que conduzir o ensino na concepção
crítico-emancipatória, com ênfase na linguagem, é ensinar o aluno a ler, interpretar e criticar o
fenômeno sociocultural do esporte”.

Para a concepção crítico-emancipatória, a aula de Educação Física deve ser também


um espaço para o questionamento crítico dos alunos com perspectiva emancipadora. Para
realizar sua “utopia concreta”, o autor assevera que a Educação Física

poderia iniciar um processo concreto de redimensionamento da educação do jovem


no Brasil e ser imediatamente acompanhada pelas demais disciplinas escolares, pois,
na verdade, só existe uma formação crítico-emancipadora da escola e não uma
disciplina (KUNZ, 1994, p. 151).

Os autores citados até aqui têm, nos últimos anos, produzido materiais que servem de
subsídios para diversos professores e grupos de professores na organização da Educação
Física escolar em todo o país. Esses autores privilegiam, com suas concepções teóricas, a
formação de alunos críticos com capacidade de ler o mundo e atuar de forma ética. Esta
produção da teoria crítica na Educação Física tem alimentado a todos que acreditam ser
possível reconstruir uma Educação Física Escolar com qualidade.

Uma das propostas que foram pensadas com base no movimento renovador e sua
produção teórica, são as Lições do Rio Grande e o Referencial Curricular de Educação Física
do Estado do Rio Grande do Sul (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009). Neste documento, a
Educação Física está inserida na área das Linguagens e Códigos, juntamente com Artes,
Literatura, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna.

A Educação Física, por sua vez, tenta fazer a sua parte com o desenvolvimento de
atividades preocupadas não apenas em desenvolver a aptidão física dos alunos, “e sim levar os
estudantes a experimentarem, conhecerem e apreciarem diferentes práticas corporais sis-
tematizadas, compreendendo-as como produções culturais dinâmicas, diversificadas e
contraditórias” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 113).

Acredito que a área da Educação Física tem ainda um caminho grande a percorrer. Ao
mesmo tempo em que se produziu e se produzem propostas de intervenção, pouco se tem
avançado na sua efetivação.
99

3.2 O Que Ensinar

Um conteúdo passa a ser valioso e legítimo quando goza do


aval social dos que têm poder para determinar sua validade;
por isso, a fonte do currículo é a cultura que emana de uma
sociedade (SACRISTÁN, 1998, p. 155).

Outra pergunta presente na organização do currículo escolar é: O que devemos


ensinar? Neste tópico faço um recorte de alguns autores da teoria crítica da educação e seus
posicionamentos ante a essa pergunta.

3.2.1 Processo de Seleção Cultural

A seleção de conteúdos dentro da complexidade do currículo com seus


condicionamentos políticos e econômicos podem facilitar ou dificultar a construção de
possibilidades de participação dos alunos na sociedade.

Devemos apenas transmitir os conhecimentos produzidos historicamente em todas as


áreas ou, além disso, dar significado ao que se trabalha, considerando o contexto cultural e o
desejo do aluno de aprender.

Neste sentido, o que se trabalha na escola e a sua relação com a sociedade torna-se
cada vez mais decisivo. De acordo com Sacristán (1998, p. 19), “uma escola sem conteúdos
culturais é uma proposta irreal, além de descomprometida”. O autor esclarece seu
entendimento sobre cultura expondo que:

De um ponto de vista antropológico, cultura é tudo o que elabora, e elaborou, o ser


humano, desde a mais sublime música ou obra literária até formas de destruir-se a si
mesmo e as técnicas de tortura, a arte, a ciência, a linguagem, os costumes, os
hábitos de vida, os sistemas morais, as instituições sociais, as crenças, as religiões,
as formas de trabalhar [...] (SACRISTÁN, 2001, p. 105).

Outro fator defendido pelo autor é a necessidade de filtrar o que será ensinado, e se
valer de uma ética cultural que permita decidir o que é e o que não é digno de se propagar.
Essa cultura pode ser propagada a partir da educação escolar, porém, segundo Sacristán
(2001), é preciso respeitar as limitações que a escola possui com relação ao tempo disponível
para dar conta de todo esse conhecimento.
100

Esse conhecimento cultural acumulado continua sendo alimentado com os conteúdos


trabalhados. Para Sacristán (2001, p. 108), “o passado cultural é a fonte do presente e o
material substancial para construir o futuro a ser refeito no presente. Não há futuros sem
raízes previamente assentadas sobre as quais poderá erguer-se”.

Diante da amplitude dos conteúdos culturais a serem trabalhados, Sacristán (2001, p.


109) sugere: “substância nos conteúdos, densidade nos significados potenciais que se
proporão para extrair deles significados relevantes para o sujeito”. O autor afirma que é tão
vasto o que temos para ensinar que não podemos nos prender no superficial. “Nem sempre o
que a escola transformou em ritos relevantes em seu currículo é realmente importante, e nem
tudo que desconsiderou é irrelevante”.

Nesta direção, Sacristán (2001, p. 109) assevera que:

[...] é preciso dispor de uma forte seleção de conteúdos, representativa dos grandes
campos do saber codificado e da tradição cultural, com grande densidade
significativa potencial, que facilite a decodificação do mundo, da natureza, da
sociedade e da própria cultura, mas respeitosa com a pluralidade de tradições
culturais, pontos de vista e interesses intelectuais presentes e desejáveis em uma
sociedade aberta.

Trabalhar na escola com conteúdos densos culturalmente, conforme Sacristán (2001,


p. 109),

[...] é especialmente valioso e necessário para os que têm posições mais frágeis na
desigual distribuição do capital cultural, em uma sociedade em que se reproduzem
desiguais oportunidades de acesso aos saberes, os quais, paradoxalmente, são os que
mais fracassam.

A seleção que será feita pelos educadores sobre o que ensinar estará sempre
elucidando os propósitos da escolarização. É preciso fazer escolhas e isso acontece, conforme
Sacristán e Gómez (1998, p. 155), porque “para conhecer o que há por trás de qualquer das
práticas é preciso explicitar as ideias, os interesses, os valores e os mecanismos de decisão
que a determinam”. Os autores, então, enfatizam:

Se o conhecimento científico, ou o relativo às humanidades e ciências sociais, não é


independente daqueles que o elaboram nem das circunstâncias nas quais são
desenvolvidos, a seleção dos conteúdos do ensino dentro desses campos só poderá
ser entendida dentro do sistema de influências e de mecanismos de decisão que
fazem com que se considerem importantes e valiosos uns e não outros
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 155).

A relação direta que se estabelece entre currículo e sociedade nem sempre é explícita.
Os conteúdos definidos como apropriados vinculam-se, de acordo com Sacristán e Gómez
(1998, p. 155), com as “forças dominantes em cada momento e dos valores que
101

historicamente foram delineando o que se acredita que é valioso para ser ensinado ou
transmitido, assim como aqueles valores nos quais se pretende introduzir os alunos/as”. Para
apoiar o caráter social do processo de seleção de conteúdos, os autores ressaltam três
argumentos: o primeiro conforme Sacristán e Gómez (1998, p. 155), é a relatividade
histórica: “Cada sociedade, por meio de mecanismos de que dispõe para propor ou impor,
selecionou um tipo de conhecimento como digno de ser propagado nas escolas”.

Não é por acaso que temas como meio ambiente e língua estrangeira surgem no
cenário educativo. Sobre isso, Sacristán e Gómez (1998, p. 156) explicam que a “consciência
social que nesse momento, ressalta a deterioração do meio ambiente, no primeiro caso, ou
pela pressão por participar no mundo econômico, de serviços e na criação do conhecimento
no caso dos idiomas”, fazem parte de uma demanda da sociedade em um determinado
momento histórico. Assim,

o predomínio da ciência sobre as humanidades, o declínio das línguas clássicas, a


ascensão de idiomas modernos dominantes na economia e na comunicação entre
povos, a entrada da informática, uma certa relativização da importância da retenção
de informação a favor do domínio dos meios para saber encontrá-la e julgá-la, a
valorização crescente do cuidado com o corpo, etc., são algumas tendências que
refletem mudanças sociais transformadoras depois em exigências para a escolaridade
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 156).

O segundo argumento é o de que a seleção de conteúdos do currículo favorece mais


uns que outros.

O conteúdo selecionado como dominante não é indiferente às divisões sociais entre


grupos humanos: mulher-homem, criança-rural/criança-urbana, aluno/a de classe
média-baixa ou alta, grupos étnicos minoritários e majoritários, candidatos a
operários agrícolas ou manuais frente a profissionais de colarinho branco, etc. O
currículo regula não apenas os conteúdos que se lecionam, mas também os distribui
socialmente (SACRISTÁN; GÓMES, 1998, p. 156).

A capacidade decisória da escola e, em especial do professor, então, pode definir que


tipo de conteúdo será trabalhado para contemplar a diversidade que se apresenta em sala de
aula. No momento que se define o que trabalhar, também estamos optando por assegurar aos
alunos conteúdos significativos ou não. Será que temos claro o que queremos ensinar ou
apenas seguimos o que vem prescrito?

O último argumento apresentado pelos autores é que nem todos têm o mesmo poder
decisório. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p. 156), “o próprio procedimento de
selecionar os conteúdos que formam os currículos é um processo político que socialmente não
é indiferente, porque nele se evidenciam cotas desiguais de poder nas tomadas de decisão”.
102

Alguns exemplos reforçam e esclarecem a relação de poder e as possíveis tomadas de


decisões, cada uma com sua força social. “O que um aluno/a pode fazer frente à opinião de
seus professores/as, pais com pouca cultura frente à diretoria de uma escola, ou frente à
proposta de discussão de um currículo complexo?” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 157).
Fica claro com este argumento que o poder de interferência (alunos e pais), na maioria das
escolas, não existe. Mesmo assim, é preciso seguir otimista, por que,

embora seja certo que a escolaridade, o currículo, os professores/as e os materiais


didáticos tenderão a reproduzir a cultura hegemônica e favorecer mais uns do que
outros, também é certo que essa função pode ser aceita com passividade ou se pode
aproveitar espaços relativos de autonomia que sempre existem (SACRISTÁN;
GÓMEZ, 1998, p. 157).

Acredito que a busca e ocupação dos espaços de discussão e reflexão possíveis na


organização do currículo escolar oportunizam a todos os agentes, principalmente aos
professores, a participação na seleção dos conteúdos escolares. A capacidade de filtrar aquilo
que considera importante de trabalhar com os alunos dentro de um contexto específico,
levando em conta a cultura local, pode contribuir para concretizar um currículo mais ajustado
com todos os agentes envolvidos, principalmente os alunos. Acolher a diversidade social
também autoriza a criar soluções que amenizam discrepâncias entre o currículo proposto
inicialmente pelos administradores da educação e aquele que é executado na escola com a
participação de todos os segmentos escolares.

As preocupações sociais, além das pedagógicas dentro da formatação curricular, fazem


parte de algumas ideias apresentadas por Sacristán e Gómez (1998, p. 160).

Lecionar um currículo comum para todos, superar as discriminações produzidas pela


separação dentro do sistema escolar de especialidades curriculares diversificadas
socialmente, compensar as deficiências de origem dos alunos/as para enfrentar os
conteúdos curriculares, diversificar as exigências escolares para que as capacidades
de todos tenham acolhida na escolaridade, suprimir a concorrência entre alunos/as,
desenvolver os valores da solidariedade por meio do conhecimento e das práticas
pedagógicas, tratar os conflitos sociais estimulando a tolerância frente as distintas
visões, são, entre outras, ideias procedentes das preocupações sociais que se
somarão ao discurso pedagógico e curricular, afetando a seleção de conteúdos e as
formas de desenvolvê-los no ensino.

Depois de apresentar algumas ideias centrais sobre o que ensinar na educação em


geral, vou tratar, no próximo tópico, das abordagens dos autores da Educação Física sobre os
aspectos referentes aos conteúdos e seu processo de seleção. O que ensinar nas aulas de
Educação Física?
103

3.2.2 Conteúdos da Educação Física

De início, cabe apresentar alguns pontos que servem de parâmetro de discussão sobre o
lugar do conhecimento da Educação Física na escola, dentro de um processo de transformação
pelo qual vem passando este componente curricular e também a educação. Nesse sentido, quais
são os conteúdos da Educação Física a partir do movimento renovador? As proposições alinhadas
com este movimento entendem que a Educação Física, como disciplina escolar, é responsável por
refletir acerca dos temas da cultura corporal de movimento (brincadeiras e jogos, danças, esportes,
ginásticas, lutas e práticas corporais de aventura).

A diversidade de conteúdos proporcionada pela Educação Física escolar com seus


saberes práticos e conceituais, oportuniza aos alunos “o acesso a uma dimensão de
conhecimento e de experiência que não lhe seria proporcionado de outro modo”
(GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010, p. 17). A escola é o lugar específico de oportunizar
a oferta e a discussão qualificada dos temas da Cultura Corporal de Movimento.

Portanto, se não for oferecida ao estudante a chance de experimentar boa parte do


leque de possibilidades de movimento sistematizadas pelos seres humanos ao longo
dos anos, ele estará perdendo parte do acervo cultural da humanidade e uma
possibilidade singular de perceber o mundo e de perceber-se (GONZÁLEZ;
FENSTERSEIFER, 2010, p. 17).

Todos os conteúdos e conhecimentos trabalhados na Educação Física são uma


produção histórica. Esse compromisso de trabalhar com os alunos o que se produziu ao longo
do tempo pela Cultura Corporal de Movimento, deve levar em contar as experiências
corporais dos alunos, assim como ocupar-se com os saberes conceituais a elas atrelados, “por
isso, exigem ser tratados de forma específica e articulados numa proposta de Educação Física
escolar” (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010, p. 18).

Nesta perspectiva, ainda que de forma incipiente, a partir da década de 90 começam a


ser produzidas proposições curriculares para a Educação Física escolar. A concepção crítico-
superadora, apresentada pelo Coletivo de Autores (1992), propõe trabalhar com a cultura
corporal que tem no “jogo, esporte, ginástica, dança ou outras, que constituirão seu
conteúdo”, a possibilidade de, a partir desse conhecimento, “apreender a expressão corporal
como linguagem” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 62).

O sentido que qualquer conteúdo possa ter para o aluno está ligado diretamente ao
sentido que ele tem para sua própria vida. Todas as atividades de aula acabam sendo testadas,
mostrando sua pertinência ou não. Os acontecimentos que fazem parte da vida das pessoas,
104

dos alunos, do local onde vivem, estão imbricados e relacionam-se dando sentido ao que é
realizado na escola. “Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social.
Portanto, os conteúdos devem ser buscados dentro dela” (COLETIVO DE AUTORES, 1992,
p. 63).

Outra consideração importante sobre a seleção dos conteúdos, conforme Coletivo de


Autores (1992, p. 113), é a “relevância para o projeto pedagógico e histórico e em função de
sua contemporaneidade”. Assim, é preciso considerar como critério para a escolha de
conteúdos a sua relevância social e o sentido que determinada escolha fará na vida dos alunos,
ou seja, manter critérios comprometidos com a realidade local e o significado de trabalhar
determinado conteúdo dentro de uma comunidade. Essa relação com o local é definitiva para
podermos manter uma coerência desde a escolha, a forma de execução, até a contribuição na
formação dos sujeitos envolvidos no processo educativo.

Na concepção crítico-emancipatória de Kunz (1994), a reflexão é feita a partir do


esporte como seu conteúdo principal. O autor defende o trabalho com “conteúdos de caráter
teórico-prático que além de tornar o fenômeno esportivo transparente, permite aos alunos
melhor organizar a sua realidade de esporte, movimentos e jogos de acordo com as suas
possibilidades e necessidades” (KUNZ, 1994, p. 36). O autor propõe, então, dentro do
processo de ensino, acessar aspectos específicos dos conteúdos considerando três categorias.

A primeira categoria é a do trabalho, que deve possibilitar, conforme Kunz (1994, p.


38), “o acesso a conhecimentos e informações de relevância e sentido para a aquisição de
habilidades ao esporte de acordo com o contexto”. Na segunda, a categoria da interação, o
aluno deve “ter acesso à relação esportivo-culturais, vinculadas à cultura corporal de
movimento do contexto social”. A terceira categoria é a de linguagem; nela o aluno deve “ter
acesso a conteúdos simbólicos e linguísticos que transcendem o contexto esportivo”.

Em sua proposta, Kunz (1994) elege o esporte como conteúdo, e desenvolve, a partir
do pensamento emancipatório, as possibilidades de seu desenvolvimento na escola. Para além
deste conteúdo, Kunz (1994, p. 150) informa que os “profissionais que atuam no dia-a-dia da
Educação Física, podem garantir uma mudança efetiva ou, pelo menos, propor um programa
mínimo de conteúdos e métodos para cada série escolar”. Esse programa mínimo, segundo o
autor, “deverá ser muito flexível e deixar muitas opções, para atender, principalmente, a falta
ou a existência de locais e materiais específicos para a prática da Educação Física” (KUNZ,
1994, p. 150).
105

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) representam, para a Educação Física,


um marco legal importante. Muito se fez, produziu teoricamente anterior a ele e também
depois de os termos adotado como parâmetro em todo o país. Outras tantas propostas foram
construídas, mas até hoje ele representa um documento convergente em que se uniu forças
para organização em todas as áreas do conhecimento, mas em especial na Educação Física,
que, tradicionalmente, não dispunha de materiais como esse – uma proposta criteriosa de
trabalho para a Educação Física escolar.

Os conteúdos propostos a partir dos PCNs (BRASIL, 1998a) respeitam três critérios
de seleção: a relevância social (práticas da cultura Corporal de Movimento que são marcantes
na sociedade), as características dos alunos (consideração das diferenças entre regiões,
cidades e localidades brasileiras e suas respectivas populações) e a especificidades do
conhecimento da área (a possibilidade de utilização das práticas da Cultura Corporal de
Movimento de forma diferenciada pelo tratamento metodológico disponível na área).

Nos PCNs (BRASIL, 1998a) os conteúdos estão organizados em três blocos (esportes,
jogos, lutas e ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e conhecimentos sobre o corpo).
Conforme os PCNs, eles

deverão ser desenvolvidos ao longo de todo o ensino fundamental. A distribuição e o


desenvolvimento dos conteúdos estão relacionados com o projeto pedagógico de
cada escola e a especificidade de cada grupo. A característica do trabalho deve
contemplar os vários níveis de competência desenvolvidos, para que todos os alunos
sejam incluídos e as diferenças individuais resultem em oportunidades para troca e
enriquecimento do próprio trabalho. Dentro dessa perspectiva, o grau de
aprofundamento dos conteúdos estará submetido às dinâmicas dos próprios grupos,
evoluindo do mais simples e geral para o mais complexo e específico ao longo dos
ciclos (BRASIL, 1998a).

Assim, cada realidade escolar deve flexibilizar sua prática de acordo com sua
realidade.

Essa organização tem a função de evidenciar quais são os objetos de ensino e


aprendizagem que estão sendo privilegiados, servindo como subsídio ao trabalho do
professor, que deverá distribuir os conteúdos a serem trabalhados de maneira
diversificada e adequada às possibilidades e necessidades de cada contexto
(BRASIL, 1998a).

De acordo com a proposta dos PCNs (BRASIL, 1998a), os três blocos de


conhecimento articulam-se entre si e possuem conteúdos em comum, mas também têm suas
especificidades.
106

O bloco conhecimentos sobre o corpo tem conteúdos que estão incluídos nos
demais, mas que também podem ser abordados e tratados em separado. Os outros
dois guardam características próprias e mais específicas, mas também têm
interseções e fazem articulações entre si (BRASIL, 1998a).

A organização trazida pelos PCNs mostra a diversidade de práticas da cultura corporal


de movimento e o esforço de sistematização deste conjunto de manifestações. A importância
de tratar esses conteúdos nas aulas de Educação Física está em manter viva essa herança
cultural para as novas gerações.

3.3 Quando Ensinar

Graduar a escolaridade obrigatória facilita o progresso


ordenado, mas regula um ritmo para os estudantes, que são
diferentes entre si (SACRISTÁN, 2001, p. 82).

Anteriormente versamos sobre os conteúdos que fazem parte do currículo escolar – O


que ensinar? Neste momento vamos falar sobre a distribuição desses conteúdos em um
determinado tempo; a organização das etapas de ensino e a complexa organização dos
conhecimentos na escolaridade.

A obrigatoriedade da educação escolar e a necessidade de oferecer aprendizagem em


iguais condições para todos, muitas vezes limita e compromete a compreensão das diferentes
singularidades presentes na escola e, em especial, dentro da sala de aula. É fundamental, no
entanto, fazer esse esforço e conceber um planejamento que garanta ao longo dos anos da
escolaridade uma continuidade do trabalho pela organização da diversidade de práticas
corporais e do aprofundamento de algumas delas.

3.3.1 Organização do Conhecimento ao longo da Educação Básica

O conhecimento produzido e a forma como a escola organiza e ensina, seguem uma


sequência. De acordo com Sacristán (2013, p. 20), “a própria lógica da educação para todos
exige que, em prol da igualdade, os conteúdos sejam dosados e organizados dentro de um
sistema escolar desenvolvido”. A complexidade de organização e desenvolvimento do
currículo encontra na igualdade um conceito de unificação para todo o sistema educativo.
“Sem a contribuição desse conceito, seria muito difícil entender a escolaridade, examiná-la e
criticá-la”.
107

Mais ou menos flexível, toda a organização escolar tenta classificar seus alunos em um
determinado nível ou tipo.

A escola graduada (que classifica os estudantes durante toda a escolaridade) é hoje


modelo universal de organização. Esta, sem refletir em sua dinâmica um
pensamento científico concreto, é a fórmula que, de maneira geral, concretiza a
seqüência do desenvolvimento ordenado e normatizado da educação (SACRISTÁN,
2001, p. 86).

Nesta direção, quase ninguém questiona, por exemplo, o tempo destinado para o ensino de
uma matéria do currículo. Aceitamos que “seja realizado em períodos de aula que variam entre 50
e 60 minutos, como também se considera normal que a carga horária dedicada à disciplina
educação para a cidadania seja menor do que a de matemática” (SACRISTÁN, 2013, p. 22).

Penso que ainda não temos avançado na ideia da reflexão como necessidade para o
entendimento dos processos normativos e as tomadas de decisão, principalmente quando não
atendem ao coletivo dos educadores. O ensino ainda mantém as prescrições curriculares e,
conforme Sacristán e Gómez (1998, p. 222), “os professores/as não atuam necessariamente a
partir de um projeto de escola coerente e coletivamente elaborado”. Existe pouca participação
coletiva dos agentes envolvidos no processo educativo. “No currículo intervém especialistas,
professores/as, agentes diversos que deveriam estar coordenados para servir a uma finalidade
coerente” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 199). Podemos perceber claramente, segundo os
autores, que ainda não temos um sincronismo entre os agentes que atuam no sistema
educativo.

Essa falta de sincronia dos agentes ligados à educação tem sustentado formas de
organização da escola que de nada lembra a consideração da subjetividade de cada aluno, ou
ainda o esforço para a construção coletiva do conhecimento. De acordo com Sacristán (2001,
p. 86), “o modelo de graduação mais comum baseia-se no período ano de vida-ano de escola,
que corresponde à transmissão de partes do currículo”. Um objetivo fica muito claro:

a busca da homogeneidade dos estudantes até o limite do governável para melhorar


as condições do trabalho pedagógico, agrupando os alunos por competências e
níveis de ensino cujo desenvolvimento é considerado, de alguma forma, ligado à
evolução da idade (SACRISTÁN, 2001, p. 87)

A busca da igualdade na escola e a possibilidade de oferecer um ensino de qualidade a


todos os alunos ficam incompletas se considerarmos que “o funcionamento dominante da
escola, de seu currículo e dos métodos pedagógicos está configurado, geralmente, mais para
organizar a desigualdade entre os alunos do que para corrigi-la”. Assim, os alunos
considerados normais, conforme Sacristán (2001), são aqueles que conseguem acompanhar
108

pelo limite de idade os conhecimentos que se exige dentro de um ritmo de desenvolvimento.


Em contrapartida, quem não conseguir fazer esse acompanhamento a contento, no ritmo
desejado, é classificado como anormal, podendo ser negativa ou positivamente,
respectivamente, atrasados ou adiantados na aprendizagem.

3.3.2 Distribuição do Conhecimento da Educação Física ao longo da Educação Básica

Diferente de outros componentes curriculares, que tradicionalmente apresentam


programas de conteúdos a ensinar, bem como de quando ensiná-los, as propostas do o que e
quando ensinar na nossa disciplina são recentes. Considerando a reivindicação da Educação
Física de passar de atividade pedagógica a componente curricular é consequência do
movimento renovador, pode-se afirmar que foi apenas nas últimas décadas que a preocupação
com a seleção e organização de conteúdos mínimos a ser ensinados passa a ser uma
preocupação em nossa área.

Nesse movimento, surgem concepções pedagógicas progressistas com a proposição de


pensar a Educação Física escolar para além do desenvolvimento da aptidão física. As
propostas, mesmo com suas particularidades, foram convergindo e lançando uma semente do
que poderíamos denominar um programa para Educação Física que, lentamente, vem
mostrando sua forma, mas também sua fragilidade.

Sobre a forma de organização e a relação com a aprendizagem, Coletivo de Autores


(1992, p. 64) afirmam que “uma nova compreensão da Educação Física implica considerar
certos critérios pelos quais os conteúdos serão organizados, sistematizados e distribuídos
dentro de tempo pedagogicamente necessário para a sua assimilação”.

A concepção crítico-superadora para a organização do ensino da Educação Física


aponta para os ciclos de escolarização.
Nos ciclos, os conteúdos de ensino são tratados simultaneamente, constituindo-se
referências que vão se ampliando no pensamento do aluno de forma espiralada,
desde o momento da constatação de um ou vários dados da realidade, até interpretá-
los, compreendê-los e explicá-los (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 34).

Os autores seguem explicando que “dessa forma, os ciclos não se organizam por
etapas. Os alunos podem lidar com diferentes Ciclos ao mesmo tempo, dependendo do(s)
dado(s) que esteja(m) sendo tratado(s)” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 34). Com essa
ideia, Coletivo de Autores (1992) propõe que o sistema de ciclos seja pouco a pouco
introduzido, sem abandonar o sistema tradicional por séries que seria superado com o tempo.
A proposta apresentada acontece em quatro ciclos. Tendo a seriação como referência, a
organização dos ciclos ficaria assim disposta:
109

O primeiro ciclo vai da pré-escola até a 3ª série. É o ciclo de organização da


identidade dos dados da realidade. [...] O segundo ciclo vai da 4ª à 6ª séries. É o
ciclo de iniciação à sistematização do conhecimento. [...] O terceiro ciclo vai da 7ª à
8ª séries. É o ciclo de ampliação da sistematização do conhecimento. [...] O quarto
ciclo se dá na 1ª 2ª e 3ª séries do ensino médio. É o ciclo de aprofundamento da
sistematização do conhecimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 35).

Também na Educação Física, cada etapa de ensino possui características próprias que
precisam ser respeitadas. Sendo assim, observar que em cada etapa exige-se uma ênfase no
trato dos conteúdos trabalhados, é ponto de partida para ocupar o espaço dentro do tempo
disponível para a Educação Física da escola.

Mesmo não apresentando um conjunto de conteúdos para cada etapa, Kunz (1994),
aponta para a necessidade de “propor um programa mínimo de conteúdos e métodos para cada
série escolar” (Kunz, 1994, 150). Nesse sentido Oliveira (2002, p. 9) afirma que “um dos
grandes problemas da Educação Física escolar está em organizar e sistematizar os conteúdos a
serem trabalhados ao longo da vida escolar, da Educação Infantil até o Ensino Médio”. Mais
recentemente González (2006), González e Fraga (2009, 2012) contribuem neste processo
ampliando as possibilidades para a organização dos conteúdos e quando trabalha-los.

Uma proposta que se notificou por apresentar uma organização para desenvolver os
temas ligados ao conjunto de práticas da CCM foi produzida por González e Fraga (2009), o
Referencial “Lições do Rio Grande”. A Educação Física esta situada nesse referencial na área
do conhecimento de Linguagens e Códigos. Sobre o quando ensinar foi feita uma
sistematização dos saberes que devem ser trabalhados do 6º ano do ensino fundamental ao 3º
ano do ensino médio.

Nesse sentido o referencial apresenta uma organização que garante “uma proposta de
progressão/sequência de competências para cada um dos temas estruturadores” (GONZÁLEZ;
FRAGA, 2009, p. 124). Nessa proposta se respeitou cada ciclo escolar com sua complexidade
ao longo da escolaridade. Para garantir uma progressão das competências, os autores utilizam
três critérios.

Um deles está centrado nas possibilidades de aprendizagem, próprias de certas


etapas da vida e aos significados que alguns temas possam vir a ter para os alunos de
um determinado ciclo escolar (características sociocognitivas). O outro se sustenta
na estrutura interna do conhecimento de uma disciplina, dentro de uma lógica de
complexificação espiralada, na qual se presume que alguns conhecimentos são
anteriores e necessários para a aprendizagem de outros (características
intradisciplinares). O último critério está diretamente ligado à adequação do projeto
curricular ao contexto social, processo que procura identificar, e levar em conta, as
competências mais significativas dentro do universo cultural dos alunos
(características socioculturais) (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 124).
110

Para exemplificar o uso desses critérios González e Fraga (2009, p.125) explicam que
“as competências são organizadas em uma linha de complexificação progressiva”. Nesse
sentido mostram a progressão da aprendizagem no caso dos esportes de invasão “começando
pelas intenções técnico-táticas individuais, passando pelas combinações táticas para,
posteriormente, trabalhar os sistemas de jogo” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 125). Os
autores esclarecem que não se trata de cumprir etapas, “e sim, de uma progressão espiralada,
pois aí se supõe que as competências adquiridas no ciclo composto pela 5ª e 6ª séries serão
atualizadas na 7ª e 8ª séries do ensino fundamental, e assim sucessivamente em contextos
mais exigentes” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 125).

Na relação do tempo necessário e o tempo disponível para a aprendizagem,


considerando a importância de trabalhar a diversidade de práticas corporais e seus
significados, o referencial preocupou-se em mostrar “um percentual de tempo a ser dedicado
para cada um dos temas” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 126).

Para tanto, toma como referência o conjunto de princípios orientadores e os critérios


da progressão curricular descritos anteriormente, bem como as experiências
desenvolvidas em algumas escolas da rede pública estadual que, desde 2003,
trabalham na perspectiva teórico-metodológica que sustenta esta proposta
(GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 126).

Dentro das experiências desenvolvidas em escolas públicas encontra-se a minha


prática curricular e pedagógica que assim como a de outros professores colaborou nesse
processo.

Figura 29 – Percentual entre tempo necessário e o tempo disponível


Esporte Ginástica Jogo Lutas Práticas Práticas Atividades Práticas Práticas
motor corporais corporais aquáticas corporais corporais
expressivas junto à e e saúde
natureza sociedade

e 50% 18% 10% 10% 6% 6%


e 44% 10% 8% 10% 10% 6% 6% 6%

Fonte: (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 125).

Considerando cada etapa da escolarização e a constituição dos alunos no processo de


ensino-aprendizagem é importante que seja observado e respeitado as fases de
desenvolvimento e observando o momento mais apropriado para trabalhar determinado
conteúdo nas aulas de Educação Física da escola.
111

3.4 Como Ensinar

Este tópico tem o objetivo de apresentar metodologicamente como os autores da teoria


crítica tem se colocado ante a esse constante desafio de como ensinar na Educação e na
Educação Física. Com ideias de alguns desses autores, vamos descrever as formas de ensinar
e os processos metodológicos recomendados por eles.

3.4.1 Processos Metodológicos: Mediação entre Professor e Aluno em Sala de Aula

Na Educação escolar todo o aprendizado tem relação direta com a forma como
ensinamos. Como propiciamos a aprendizagem dos conteúdos selecionados em cada
componente curricular?

Junto do ato educativo estão presentes questões que, às vezes, não são percebidas pelo
professor. A capacidade de entendimento do professor sobre estas questões que são sociais,
culturais e econômicas, certamente terá influência no momento de mediar e proporcionar aos
alunos as condições que possam ajudá-lo a entender as situações mais diversas. A maneira
que o professor coloca-se para ensinar, portanto, demonstra o respeito ao aluno no seu direito
de aprendizagem sobre qualquer tema trabalhado e as relações deste com sua vida.

No processo de ensino, o professor, convencido de sua função social na escolarização,


pode trabalhar formas que considerem o aluno como protagonista de sua história capaz de
pensar e argumentar sobre determinado assunto como possibilidade de entendimento;
trabalhar com “a aquisição de códigos linguísticos que permitam a passagem de situações
concretas para a sua construção intelectiva e conceitual, do percepto ao concepto”
(BRAYNER, 2008, p. 127). O autor chama de “abertura para o encontro” como forma de
estar aberto para “a possibilidade de que o argumento do outro pode ser melhor do que o
meu” (p. 128).

Para trabalhar todos esses elementos apontados pelo autor, depende de o professor
assumir uma postura política que dê aos alunos a possibilidade de serem respeitados como
sujeitos participantes de um mundo comum, e, portanto, em condições de exercitar por
intermédio do diálogo, da argumentação, da problematização, do conhecimento e da reflexão,
sua efetiva condição de aluno de uma escola comprometida com formas intersubjetivas de
trabalhar. Essa maneira de trabalhar é exemplificada pelo autor como a qualidade “de se
colocar no lugar do outro sem, no entanto, perder suas próprias e pessoais referências”
(BRAYNER, 2008, p. 128).
112

Sobre esta escola, a Educação obrigatória e sua diversidade, Sacristán (2001, p. 90)
lembra que “diversificar na escola obrigatória, que tem a meta essencial da desigualdade,
supõe, em primeiro lugar, introduzir fórmulas de compensação em cada sala de aula, em cada
escola ou fora dela”. Percebe-se a complexidade de trabalhar o conhecimento junto da
diversidade na Educação. Sobre isso, Sacristán (2001, p. 92) defende que “a diversidade dos
sujeitos deve ser respondida com a diversificação da pedagogia”. Mesmo assim, aponta para
limites do seu desenvolvimento pela rigidez estabelecida no processo educativo.
Diversificar ritmos de aprendizagem, propor atividades variadas, trabalhar em torno
de projetos adequados às possibilidades de cada um, implantar qualquer outra
medida que amplie a norma ideal de progresso estabelecida de forma rígida é difícil
quando dispõe de curto espaço de tempo (SACRISTÁN, 2001, p. 92).

Para ocorrer a inclusão, com uma escola para todos, “precisamos de uma pedagogia da
complexidade, de forma que as tarefas acadêmicas possam ser atraentes e desafiadoras para
todos, sem que todos sejam obrigados a fazer as mesmas coisas” (SACRISTÁN, 2001, p. 93).

As diferenças individuais precisam ser consideradas e potencializadas para que a


singularidade seja respeitada. O grande desafio é fazer no encontro de tantas singularidades
algo que as equilibre dentro do processo de amadurecimento individual. Nesse sentido,
acredito que a possibilidade do diálogo deve ser a base para uma convivência harmoniosa
mediante o entendimento.

3.4.2 Processos Metodológicos que Caracterizam e Orientam Professor e Aluno na Educação Física

O que se deve ensinar e as formas de realizar este ensino são perguntas recorrentes, em
especial, na Educação Física. No presente trabalho apresentamos discussões a partir de uma
perspectiva crítica sobre os propósitos da Educação Física na escola, os conteúdos trabalhados
e o tempo de execução de cada prática. Como pode ser a mediação em sala de aula para que
aconteça aprendizagem pelos alunos? Qual a melhor forma de ensinar? Vamos trazer alguns
apontamentos sobre método de ensino em Educação Física escolar.

De acordo com Coletivo de Autores (1992, p. 87), “o método deve apontar o


incremento da atividade criadora e de um sistema de relações sociais entre os homens”.
Conforme a perspectiva crítico-superadora, a metodologia de ensino

[...] implica um processo que acentue, na dinâmica da sala de aula, a intenção prática
do aluno para apreender a realidade. Por isso, entendemos a aula como um espaço
intencionalmente organizado para possibilitar a direção da apreensão, pelo aluno, do
conhecimento específico da Educação Física e dos diversos aspectos das suas
práticas na realidade social (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 87).
113

Os autores afirmam que “a aula, nesse sentido, aproxima o aluno da percepção da


totalidade das suas atividades, uma vez que lhe permite articular uma ação (o que faz), com o
pensamento sobre ela (o que pensa) e com o sentido que dela tem (o que sente)” (COLETIVO
DE AUTORES, 1992, p. 87).

Percebe-se a necessidade de proporcionar ao aluno uma forma de ensinar que


contemple a participação em experiências pontuais e também garanta aprendizagem mínima
do que se trabalha. Neste sentido, mais importante de o que fazer, é como fazer. Para
exemplificar a forma de trabalho proposta para o ensino da Educação Física, Kunz (1994)
define como “transcendência de limites” e apresenta três (3) passos para o desenvolvimento
de uma aula. Conforme o autor (1994, p. 123), “o aluno é confrontado com a realidade do
ensino e seu conteúdo em especial, a partir de graus de dificuldades”:

– a forma direta de “transcender limites”, no sentido da manipulação direta da


realidade pelo simples explorar e experimentar possibilidades e propriedades dos
objetos, bem como as próprias possibilidades e capacidades e, ainda vivenciar
possibilidades comunicativas, descobrir e experimentar relações sócio-emocionais
novas, entre outras;
– a forma aprendida no âmbito das possibilidades de “transcender limites” pela
imagem, pelo esquematismo, pela apresentação verbal de situações do movimento e
do jogo e que o aluno reflexivamente deverá acompanhar, executar e propor
soluções;
– a forma criativa ou inventiva de uma “transcendência de limites”, em que a partir
de duas formas anteriores da representação de um saber, o aluno se torna capaz de,
“definida uma situação”, criar/inventar movimentos e jogos com sentido para aquela
situação.

As perspectivas críticas da Educação Física e o movimento renovador têm inspirado,


nos últimos anos, a produção de materiais que servem de referência para muitos professores
na difícil tarefa de ensinar. Assim como outros Estados do Brasil, o Rio Grande do Sul
produziu o referencial “Lições do Rio Grande”, e a Educação Física se fez presente junto com
outras áreas do conhecimento. Neste material, González e Fraga (2009, p. 160) propõem
estratégias para o desenvolvimento das competências nas aulas. “É apresentada uma série de
estratégias e sugestões com o objetivo de ajudar a pensar como algumas competências
propostas no referencial podem ser abordadas nas aulas de Educação Física”. Mesmo sendo
formas muito pontuais relacionadas a cada tema desenvolvido, o que parece bastante comum
em todas as estratégias propostas é a oportunidade de os alunos assumirem um papel de
protagonismo nas aulas.
114

Em publicação recente no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Combrace),


foi apresentada uma pesquisa que sintetiza as contribuições acadêmicas da literatura brasileira
sobre metodologias de ensino em Educação Física escolar nos últimos dez anos (SOUSA;
MOURA, 2015). Foram pesquisados 79 artigos em revistas científicas da área e constatou-se
a busca de diferentes teorias no debate sobre métodos de ensino. Isso tem criado dificuldades
para construir um consenso sobre o ensino em Educação Física escolar. Foram constatadas
algumas características em comum nos artigos que apontam para o rompimento com o
paradigma tradicional de ensino em benefício de uma pedagogia crítica na Educação Física.

Deste modo, Sousa e Moura (2015) apresentam seus resultados organizando os


apontamentos por categorias. Mesmo os artigos sendo baseados em referenciais diferentes,
procurou-se mostrar o que eles tinham em comum. As categorias de interação e
contextualização foram as mais encontradas na literatura. Depois, em ordem decrescente,
apareceu a valorização das dimensões dos conteúdos, a valorização das experiências dos
alunos e, por último, a categoria que cuida de possibilitar a diversidade de vivências.

É importante destacar como foram definidas as duas categorias que prevaleceram na


pesquisa. A categoria da interação significa que as aulas, nesta lógica, devem garantir a
“participação efetiva no planejamento e no desenvolvimento das atividades. As atividades
devem estimular a inclusão de todos. Na interação, as aulas devem proporcionar o debate e
diálogo entre os pares” (SOUSA; MOURA, 2015, p. 5-6). A categoria da contextualização
tem, como definição, “atribuir significado ao conteúdo através de debates acerca de questões
conceituais e sociais. Articular o conteúdo ensinando com o cotidiano do aluno e com o
conhecimento das demais disciplinas escolares”.

No total foram 11 categorias encontradas nos artigos analisados. Na ordem da maior


para a menor, ficaram assim distribuídas as categorias: Interação, contextualização, dimensão
dos conteúdos, valorização das experiências dos alunos, diversidade de experiências,
problematização, autonomia e criatividade, ludicidade, compreensão e transferência de
habilidades, modificação estrutural do conteúdo e utilização de recursos tecnológicos
(SOUSA; MOURA, 2015).

Percebo que as formas como é pensado o como ensinar na Educação escolar têm um
grau de alinhamento com as da Educação Física, sendo a diversidade de possibilidades
trazidas pelos autores da Educação algo também presente na nossa área. Em particular, a
sistematização dos autores da Educação Física neste tópico de como ensinar e as estratégias
usadas pelos autores, têm marcas em todas as Unidades Didáticas que desenvolvo.
115

3.5 Perguntas Sobre a Avaliação

A avaliação tem por base acolher uma situação, para, então (e


só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe
suporte de mudança, se necessário (LUCKESI, 2008, p. 172).

A avaliação sempre estará presente em tudo o que fazemos nas mais diferentes áreas;
mesmo que passe despercebido pela maioria das pessoas, não vivemos sem nos avaliar.

Quando falamos de avaliação escolar, estão envolvidos muitos aspectos e um só


objetivo: a aprendizagem do aluno. Para isso, exige-se do professor um acompanhamento do
aluno para perceber se tudo o que foi planejado, executado e avaliado cumpriu seu principal
objetivo. Se necessário for, o professor deverá redimensionar a fim de proporcionar formas
diferentes para o aluno aprender.

Alguns elementos podem contribuir para que atualmente a avaliação não consiga
responder realmente pela aprendizagem do aluno, como a preocupação com o número de
alunos em sala de aula, as avaliações externas e as cobranças burocráticas. Por essa complexa
rede de acontecimentos e a turbulência que se vive dentro das escolas, o que acaba valendo é
o resultado final e não a aprendizagem.

3.5.1 Avaliação Escolar

De fato, o clima predominante na escola, em todas suas formas de trabalho e ensino, é


de controle. Desde o agente político-administrativo, passando pela escola, o professor, o
aluno, todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem têm na avaliação uma forma
de saber o que foi ensinado e “aprendido”.

A mentalidade mais difundida, da qual participam os docentes, e os próprios alunos/as,


os próprios pais e todo o contexto social, entende que os “objetos” fundamentais por
excelência, sobre os quais recai a avaliação, são os alunos/as e, mais concretamente, o
cumprimento das exigências acadêmicas que lhes propõe o currículo, tal como as
interpretam os professores/as (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 305).

Afinal, um currículo proposto precisa ser avaliado como parte de um planejamento, o


que torna possível perceber o que, do planejado, foi alcançado. O currículo, assim como se
apresenta, tem na avaliação um papel importante, pois “atua como uma pressão modeladora
da prática curricular, ligada a outros agentes, como uma política curricular, o tipo de tarefas
nas quais se expressa o currículo e o professorado escolhendo conteúdos ou planejando
atividades” (SACRISTÁN, 1998, p. 311).
116

A avaliação da aprendizagem, segundo Luckesi (2008, p. 150), “não tem cumprido a


sua verdadeira função de mecanismo a serviço da construção do melhor resultado possível,
uma vez que tem sido usada de forma classificatória e não diagnóstica”. Sendo assim, “se a
avaliação não assumir a forma diagnóstica, ela não poderá estar a serviço da proposta política
– estar interessado que o educando aprenda e se desenvolva”. Ao contrário, observa-se um
desserviço, pois segundo Luckesi (2008, p. 66) “a atual prática da avaliação escolar tem
estado contra a democratização do ensino, na medida em que não tem colaborado para a
permanência do aluno na escola e a sua promoção qualitativa”.

3.5.2 Para que Avaliar

Todo o processo avaliativo deve estar em constante revisão a fim de melhorar as


formas de aprendizagens. Não podemos deixar, porém, de reconhecer que a avaliação se
constitui em uma forma atual de reconhecimento do saber.

A aprendizagem não pode acontecer se não tiver condições para isso. Todos os passos
precisam ser organizados para que, durante o processo de avaliação, se consiga fazer ajustes
necessários. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p. 297), “qualquer processo didático
intencionalmente guiado implica uma revisão de suas consequências, uma avaliação do
mesmo. A avaliação serve para pensar e planejar a prática didática”.

Para Luckesi (2008, p. 174), o uso da avaliação da aprendizagem na escola tem dois
objetivos: “auxiliar o educando no seu desenvolvimento pessoal, a partir do progresso de
ensino-aprendizagem, e responder à sociedade pela qualidade do trabalho educativo
realizado”.

Nesta lógica, a avaliação está longe de ser um ato seletivo ou classificatório, e sim um
momento para criar condições para o aluno estar sempre avançando. Conforme Luckesi
(2008, p. 180), “a avaliação se destina ao diagnóstico e, por isso mesmo, à inclusão; destina-
se à melhoria do ciclo de vida. Deste modo, por si é um ato amoroso”. É preciso fazer com
que o aluno consiga, a partir da avaliação escolar, “um mínimo necessário de aprendizagem
em todas as condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a cidadania, que
significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar, refletir e dirigir as
ações com adequação e saber” (LUCKESI, 2008, p. 45).
117

A justificativa para realizar a avaliação na Educação Física não pode ser um


“instrumento de pressão e castigo”. Ao contrário, de acordo com Darido (2005, p. 130), “a
avaliação deve mostrar-se útil para as partes envolvidas – professores, alunos e escola –
contribuindo para o autoconhecimento e para a análise das etapas já vencidas, no sentido de
alcançar objetivos previamente traçados”.

É importante o processo avaliativo se acreditamos assim como Darido (2005, p. 130),


que ele “auxilia na compreensão de quais aspectos devem ser revistos, ajustados ou
reconhecidos como adequados para o processo de aprendizagem individual e de todo o grupo
de alunos”. O fato de o aluno saber o quanto avançou em determinado aspecto faz da
avaliação um “instrumento de tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e
possibilidades” (DARIDO, 2005, p. 130).

Uma avaliação pedagogicamente responsável é aquela que se importa com o processo


de ensino-aprendizagem como um todo e não a que pontualmente tenta emitir uma nota, um
número. Conforme Darido (2005, p. 127), avaliar, para a Educação Física, “implica ajudar o
aluno a perceber as suas facilidades, as suas dificuldades e, sobretudo, pretende ajudá-lo a
identificar os seus progressos de tal modo que tenha condições de continuar avançando”.

Mesmo com características específicas no seu campo de ensino, a Educação Física,


principalmente depois de ser reconhecida como componente curricular, tem assumido uma
posição que se aproxima de outros componentes com mais tradição no ato de avaliar. Assim
como em outras disciplinas, a avaliação em Educação Física na escola tem, conforme
González e Fraga (2012, p. 159), características e dificuldades comuns.

De um modo geral a avaliação de uma disciplina escolar deve estar a serviço da


aprendizagem, auxiliar os alunos a se localizarem no processo de assimilação dos
saberes desenvolvidos e funcionar como mecanismo de calibragem do plano de
estudos e da prática de ensino do professor.

A Educação Física, em especial, possui maior aceitação no meio escolar se comparada


a outros componentes curriculares. Isso a torna possuidora de capacidades intrínsecas que, nas
diferentes situações de avaliação oferecidas aos alunos, possibilita avanços na aprendizagem
que podem servir para toda a vida. A Cultura Corporal de Movimento envolve a integralidade
das manifestações humanas. A Educação Física reúne, portanto, as condições para que os
alunos se percebam no mundo e, com a clareza do processo avaliativo, participem ativamente
deste mundo.
118

3.5.3 O que Avaliar

O currículo se impõe, então, afirmando o que é preciso saber e o que se deve avaliar,
mesmo que, em muitos casos, não se avalia aquilo que foi ensinado, ou não deixamos claro o
que será avaliado e como será feito. Na seleção do que será avaliado, “o valor diagnóstico da
avaliação exige centrá-la em aspectos ou dimensões mais concretas do sujeito ou da realidade
a ser avaliada” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 305). Essa seleção, de acordo com Sacristán
e Gómez (1998), exige fazer escolhas do conhecimento que o professor julgue relevante. Para
isso, as decisões não serão apenas técnicas sobre os “conteúdos selecionados, mas também
uma valorização em que se expressa uma filosofia, uma ideologia, uma visão de mundo, toda
uma teoria pedagógica implícita” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 305).

Na busca de entendimento sobre o que avaliar, Luckesi (2008, p. 45) assevera que é
indispensável que “o professor estabeleça previamente o mínimo necessário a ser aprendido
efetivamente pelo aluno”. Ao final de um processo de ensino é preciso que o aluno ao menos
perceba que, de todas as atividades propostas, conseguiu aprender o suficiente e assim ir se
preparando para participar cada vez mais conscientemente das decisões que dizem respeito a
sua vida individual e coletiva.

No modelo tradicional de avaliação presente nas aulas de Educação Física está,


segundo Darido (2005, p. 134), “o fato de este restringir-se ao domínio motor, como se a
Educação Física implicasse somente o rendimento físico e não as relações cognitivas, afetivas
e sociais subjacentes”.

Como orientação, Darido (2005, p. 135) opta “por discutir o que avaliar na dimensão
conceitual, procedimental e atitudinal”. Na dimensão conceitual, a autora (2005, p. 36) afirma
que devemos “evitar utilizar apenas provas escritas em que se deve responder exatamente
conforme o que foi apresentado pelo professor”; é preciso “observar o aluno durante todas as
aulas e, se for o caso, em trabalhos e vídeos, solicitando a sua interpretação dos conceitos
apresentados” (p. 136).

A dimensão procedimental na Educação Física, conforme Darido (2005, p. 138), faz


com que “logo pensamos na avaliação das habilidades motoras, tanto básicas como
específicas, e também nas capacidades físicas”.

No entanto, nesta concepção que defendemos é possível ir além e avaliar outros


aspectos procedimentais. Pode-se, por exemplo, avaliar a capacidade dos alunos de
coletar notícias e de se posicionarem sobre elas, por meio de comentários pessoais.
Também é possível propor a confecção de livros, reunindo textos e figuras
119

pesquisados pelos estudantes, além de produzidos por eles, a partir de suas


observações ou de outras atividades. Além disso, as notícias podem ainda ser
organizadas em painéis, em uma parede da sala de aula ou de qualquer outro espaço
da escola, cujos temas podem ser: formas corretas de realizar caminhadas,
importância da atividade física, Olimpíadas, Copa do Mundo, lazer e trabalho,
problemas de postura, entre outros (DARIDO, 2005, p. 138).

Sobre a dimensão atitudinal, Darido (2005, p. 136) afirma que os professores de


Educação Física poderiam ampliar suas observações “para além da participação. Como por
exemplo, a cooperação entre os alunos e do aluno com o professor, a iniciativa à pesquisa, o
respeito entre os meninos e as meninas, ou o respeito aos menos habilidosos, além de outros”.
Continua afirmando que a avaliação atitudinal aparece, em especial, em situações de conflito,
na aprendizagem de qualquer tema trabalhado rotineiramente, como jogos, ginástica, lutas,
esporte e outros (2005).

Há, nas relações que desencadeamos durante as aulas de Educação Física, a


possibilidade de desenvolver, a partir das “práticas pacíficas, maneiras eficazes de
crescimento coletivo, dialogando, refletindo e adotando uma postura democrática sobre
diferentes pontos de vista postos em debate” (DARIDO, 2005, p.136).

Nem todos os conteúdos selecionados para a avaliação terão sozinhos a condição de


possibilitar uma aprendizagem satisfatória. Diante disso, associo-me aos autores da educação
e da Educação Física que apoiam as várias dimensões dos conteúdos e a valorização da
própria vida e do direito de aprender de cada sujeito que está sendo avaliado.

3.5.4 Quando Avaliar

Se a avaliação for pensada na relação com o tempo (quando ensinar), pode ser um
instrumento que ajuda na construção do projeto de ação. Por isso, de acordo com Luckesi
(2008, p. 116), “a avaliação poderia ser compreendida como uma crítica do percurso de uma
ação, seja ela curta, seja ela prolongada. Enquanto planejamento dimensiona o que vai
construir, a avaliação subsidia essa construção, porque fundamenta novas decisões”. Este ato
crítico e de acompanhamento do percurso auxilia na verificação do que estamos fazendo.
Conforme Luckesi (2008, p. 118), “a avaliação atravessa o ato de planejar e de executar: por
isso contribui em todo o percurso da ação planificada”.

Assim como outros componentes curriculares, a Educação Física enfrenta problemas e


dúvidas para pensar os momentos de avaliação. Segundo Darido (2005, p. 138), “a resposta
mais simplificada a esta questão é em todos os momentos do processo ensino-aprendizagem”.
Assim, a complexidade aumenta ainda mais e necessita, conforme a autora, dividir “a
avaliação em três momentos distintos; avaliação diagnóstica, formativa e somativa”.
120

Na avaliação diagnóstica, segundo Darido (2005, p. 139), “a primeira necessidade do


educador, no processo de avaliação, é responder às seguintes questões”: Que sabem os alunos
em relação ao que quero ensinar? Quais experiências anteriores tiveram em relação ao que eu
desejo ensinar? Quais são os seus interesses? Quais são os seus estilos de aprendizagem? (p.
139). Com esse levantamento de dados dos alunos a aprendizagem fica facilitada.

Outro momento importante da avaliação é aquele em que contempla todo o processo


de ensino-aprendizagem e que exige do professor estar atendo a tudo o que acontece com cada
aluno. De acordo com Darido (2005, p. 139), “se, por meio de observações, o professor avalia
o aluno em processo, não é preciso conhecer o resultado de uma avaliação formal para
efetivar mudanças em suas aulas”. Nessa avaliação, o professor deve comunicar-se com os
alunos, “informando-lhes sobre as suas dificuldades, bem como sobre os avanços alcançados.
Este é o verdadeiro sentido da avaliação processual. Essa avaliação do processo em geral é
conhecida como avaliação formativa” (DARIDO, 2005, p. 139).

Outra proposta de avaliação é a que avalia o aluno ao final de um processo, a


somativa. “Em projetos disciplinares ou interdisciplinares, além do processo de observação
contínua das etapas – que possibilita uma correção do percurso –, também é possível avaliar o
produto final” (DARIDO, 2005, p. 139).

A avaliação precisa respeitar o tempo de cada aluno. Nesse sentido, o


acompanhamento em todos os momentos é indispensável para podermos perceber na
singularidade do aluno a possibilidade de avançar na aprendizagem de determinada prática e
também melhorar no trabalho coletivo.

3.5.5 Como Avaliar

Preocupar-se com que o aluno realmente aprenda e se desenvolva exige


comprometimento político, interesse em dar conta do que escolhemos para ensinar e como
faremos acontecer este objetivo.

Não podemos, portanto, avaliar de qualquer jeito, detendo-nos em acumular informações


sobre o aluno; a avaliação precisa garantir aprendizagem. Existem diversas formas de avaliação.
Segundo Sacristán e Gómez (1998, p. 307), “cada procedimento de avaliação tem possibilidades
específicas para proporcionar conhecimento sobre a realidade avaliada”.
121

Um exame tradicional com várias perguntas, uma prova objetiva, uma entrevista, um
questionário de opiniões, a realização de um trabalho escrito, a defesa de um
argumento oralmente, a execução de habilidades práticas, a confecção de aparelhos
ou objetos, são meios possíveis para obter informações muito diversas
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 307).

Para Luckesi (2008), cada etapa de sua ação deve ser marcada por decisões claras e
explícitas; a avaliação neste contexto nunca poderá ser mecânica. “Ao contrário, terá que ser uma
atividade racionalmente definida, dentro de um encaminhamento político e decisório a favor da
competência de todos para a participação democrática da vida social” (LUCKESI, 2008, p. 46).

O processo avaliativo, também na Educação Física, não tem conseguido formas


satisfatórias de avaliação da aprendizagem. Um processo de ensino-aprendizagem de tamanha
complexidade, como o realizado nas aulas de Educação Física, merece um olhar criterioso
sobre como avaliá-lo.

As diversas formas de avaliar na Educação Física, às vezes, parecem confundir os


professores no momento da aula pelo grande número de alunos e as atividades práticas
realizadas. Darido (2005) aponta para algumas formas que possibilitam fazer uma avaliação
nas aulas de Educação Física a partir de alguns instrumentos. A autora cita a observação e
registro, análise de produções e registro dos alunos, provas, autoavaliação e portfólio, como
instrumentos possíveis de serem usados.

Para ampliar a discussão de como podemos avaliar na Educação Física, vamos


exemplificar cada instrumento. Conforme Darido (2005, p. 132), sobre a observação e
registro, “muitos professores consideram difícil realizar o registro das observações, pois têm
muitas turmas com muitos alunos de uma só vez. Diante dessa realidade, o registro simples
pode ser utilizado, elegendo um grupo por cada vez”.

Outra possibilidade avaliativa é a análise de produções e registro dos alunos. Para


Darido (2005, p. 132),

as produções ou registros produzidos pelos alunos podem assumir diversas formas,


desde respostas a questões e atividades, até desenhos e textos. Essas produções
podem ser solicitadas com o objetivo de investigar o que aluno sabe previamente
sobre determinado assunto, por exemplo, se conhece quais são os fundamentos do
voleibol a partir da observação de colegas participando do jogo.

Para quem se pergunta se as provas podem fazer parte das formas avaliativas nas aulas
de Educação Física, Darido (2005, p. 133) responde que “a prova pode ser útil quando
desejamos avaliar a capacidade do aluno para organizar ideias e expressar-se claramente”. A
autora reconhece, porém, limitações no uso destas provas principalmente quando queremos
122

que “os alunos utilizam os conhecimentos em situações que exigem argumentações e


discussões com outras pessoas, quando queremos observar a aprendizagem do aluno sobre o
conhecimento do próprio jogo”; também reforça que “as provas, a serem utilizadas no ensino
da Educação Física, podem ser de diferentes tipos, com ou sem consulta, em duplas, em trios,
orais, corrigidas pelos próprios pares ou não” (DARIDO, 2005, p. 133).

Sempre que podemos ter um olhar sobre nós mesmos, estamos revendo e
oportunizando crescimento próprio. Na avaliação, Darido (2005, p. 133) mostra que a
autoavaliação pode ser realizada, pois “permite ao aluno tomar uma posição diferente,
fazendo dele não um mero executor de ordens, mas alguém que tem clareza das metas do
projeto, das críticas ao seu trabalho, do domínio do seu caminhar”. Reforça que devemos
considerar, entre as práticas autoavaliativas, especialmente “aquelas em que o aluno pode
analisar seu conhecimento sobre um assunto antes e depois de estudá-lo” (DARIDO, 2005, p.
133).

O último instrumento avaliativo apresentado é o portfólio, que “se constitui em um


conjunto organizado de trabalhos produzidos por um aluno ao longo de um período de tempo.
Tem como principal finalidade proporcionar um diálogo entre os envolvidos no processo
avaliativo” (DARIDO, 2005, p. 133).

A autora lembra “que os alunos com dificuldades em algumas formas de expressão


não podem ser prejudicados pelo tipo de avaliação, por isso eles precisam ser avaliados por
meio de diferentes instrumentos, formas de verificação” (DARIDO, 2005, p. 134). Todos
estes instrumentos avaliativos acrescentam muito se desejamos errar menos na forma de
avaliar nossos alunos.

Ao final deste tópico que trata da avaliação escolar, posso afirmar que os problemas
sobre a avaliação na educação trazidos pelos autores não são os da Educação Física. Se existe
algum problema na área é da não avaliação. Não se tem na Educação Física em geral clareza e
definição de objetivos a ensinar, logo não há o que avaliar; não acontece avaliação. O que se
avalia normalmente são as questões atitudinais, frequência ou ainda se inventa uma nota ou
avalia a aptidão física sem muita intenção; apenas se traduz algo em nota, o que para os
alunos até faz algum sentido.

Por outro lado, se tivermos a intenção de avaliar o aluno podemos, por intermédio do
conjunto de tipos de avaliação (diagnóstica, formativa e somativa), oferecer possibilidades
reais a todos de aprendizagem, independente do tipo de prática corporal que se pretende
trabalhar.
123

CAPÍTULO 4

DIÁLOGOS ENTRE PRÁTICA E TEORIA – TENSIONAMENTO

O quarto capítulo retrata o diálogo que estabeleci entre a minha prática curricular,
descrita no segundo capítulo, e algumas das proposições sobre currículo apresentadas pelos
autores discutidos no terceiro capítulo. Nesse processo, busquei responder questionamentos
que formulei à medida que fui aprofundando no campo teórico, em tensão com a descrição do
que tenho materializado na minha prática curricular na escola.

Dessa forma, para desenvolver este capítulo optei, em linhas gerais, por organizar as
reflexões sobre três pontos: no primeiro perguntei sobre a aproximação da minha prática
curricular com a teoria, sobre a convergência desse pensar-fazer com os pressupostos teóricos
referidos no terceiro capítulo. No segundo indaguei em que medida minha prática pedagógica
se distância dos pressupostos defendidos na literatura e com os quais me identifico, mas que
efetivamente não se localizam em meu fazer. Por último, inverti o sentido do questionamento,
e procurei interpelar as propostas teóricas a partir do conhecimento originado em meu fazer,
tensionar as afirmações sobre a prática curricular encontradas na literatura com base no
conhecimento profissional.

As indagações supracitadas foram feitas para cada uma das perguntas estruturantes do
ensino utilizadas para desenvolver o capítulo 3. Diante disso, os próximos tópicos organizam
o esforço de tensionamento entre a teoria e a minha prática profissional.

4.1 Refletindo as Questões do Para Que Ensinar na Educação Escolar

A teoria curricular, sistematizada no terceiro capítulo, apresenta ideias convergentes


sobre os propósitos de ensino na Educação escolar. O ponto em comum dos autores é a
preocupação pela formação de um sujeito com competências para a atuação na vida pública.
124

Tomando esses entendimentos como base, quando refleti sobre o para que ensinar
procurei tensionar minha prática considerando como pergunta chave a seguinte: Será que a
forma que tenho organizado, planejado e conduzido minha prática curricular e pedagógica
auxilia na instrumentalização dos sujeitos para serem, no futuro, cidadãos críticos,
conscientes da realidade e para conviver e intervir no mundo de forma mais esclarecida?
Acredito que sim.

Sustento essa afirmação, inicialmente, a partir de dois elementos. O primeiro quando


fica evidente que tenho possibilitado aos alunos o acesso a conhecimentos de um conjunto
diversificado de manifestações da Cultura Corporal de Movimento. Essa diversidade tratou de
práticas corporais sistematizadas (esportes, jogo motor, ginástica, práticas corporais
expressivas e práticas corporais junto a natureza) potencializando a leitura dessa parcela da
realidade. O segundo elemento, se vincula ao fato de não ter restringido o ensino apenas à
reprodução das práticas corporais como estas acontecem fora da escola, oportunizando aos
alunos, com base em conhecimentos teóricos e práticos, entender que existem diferentes
formas de enxergar esse conjunto de manifestações da cultura corporal de movimento.

Neste sentido, recupero a descrição feita no segundo capítulo, em que é apresentado


aos alunos, no início de cada ano letivo, um cronograma com toda a diversidade de práticas
que serão trabalhadas nos quatro Afefs. Outro exemplo descrito, e que ajuda nessa explicação,
é o evento de culminância da UD de futebol sete, em que todos têm a oportunidade de
experienciar a participação em um evento em que o esporte ganha uma configuração,
diferente da forma rígida e excludente que se apresenta fora da escola.

Por outro lado, a reflexão proporcionada pelos autores, referente ao para que ensinar,
me leva avaliar em que medida as dimensões dos conteúdos foram enfatizadas no trabalho
pedagógico da mesma forma. Pensando sobre isso, reconheço que, particularmente no início
de meu trajeto profissional, valorizei mais a experiência corporal dos alunos do que a reflexão
sobre essa prática ou a contextualização com a realidade dos alunos.

Olhando para os primeiros anos analisados neste trabalho (2006, 2007), percebo que
propus muitas atividades desconectadas de um objetivo maior de formação como o proposto
pelos autores. Eram práticas pedagógicas sem intenções formativas claras ou conscientes.
Nesse momento, os esforços se concentravam em tratar temas diversos nas aulas de Educação
Física, enquanto as questões pedagógicas (garantia de uma sequência na aprendizagem),
mesmo sendo uma preocupação, ficavam enfraquecidas.
125

Uma resposta mais consistente sobre o para que ensinar, foi sendo construída ao longo
dos anos, à medida que a preocupação com o que e o como fazer foi diminuindo. Dar conta
dessas dimensões vinculadas com a seleção e organização dos conteúdos, em conjunto com o
como ensiná-los foi abrindo espaço para indagações mais sistemáticas de porque ensinar o
proposto na Educação Física.

Entendo que a melhora da minha prática tenha sido porque sempre me deixei ser
perguntado e, assim, a teoria manteve-se do meu lado perguntando e me fazendo refletir. Essa
abertura para os questionamentos feitos durante a caminhada docente, vem desde a formação
inicial como professor e até mesmo nas atividades anteriores fora da universidade. O diálogo
entre teoria e prática sempre se manteve em movimento, às vezes com predomínio de um, às
vezes de outro, ou seja, a prática curricular e pedagógica sempre sendo planejada, executada e
avaliada de forma entrelaçada com a teoria.

Certamente este desafio de potencializar os sujeitos para serem, no futuro, cidadãos


críticos, com competências para a atuação na vida pública, não é tarefa apenas para a
Educação Física, mas, sim, de toda a escola. Mesmo com esse entendimento, acredito que
posso melhorar minha prática encaminhando atividades que melhorem a percepção e a
consciência do aluno sobre sua própria realidade (local). Nesse sentido, entendo que a
proposta curricular deveria propiciar maior número de experiências como aquela que
desenvolvi na prática corporal de jogos motores com o propósito de avaliar os espaços de
lazer do bairro e sua relação com a comunidade onde vivem. Esse foi um momento
importante que oportunizou aos alunos fazer o diagnóstico, conhecer a situação dos espaços
de lazer do bairro e, por fim, realizar uma ação concreta como forma de intervir na realidade a
partir do estudo feito. Ao mesmo tempo, avalio abordagens similares poderiam ser feitos em
outras unidades didáticas, fazendo que a leitura e reflexão sobre a realidade local fossem mais
frequentes na trajetória dos anos finais.

A partir deste ponto, a minha análise sobre a prática curricular realizada passa a ser
tensionada de forma mais específica pelos autores da Educação Física. Para isso, inicialmente,
escolhi refletir sobre o para que ensinar na Educação Física a partir da concepção crítico-
emancipatória de Elenor Kunz (1994), que propõe como finalidade da intervenção pedagógica
em Educação Física o desenvolvimento de um conjunto de competências, objetiva (técnicas),
social (entender as relações socioculturais) e comunicativa (saber se comunicar e entender a
comunicação dos outros). Dessa forma, inspirado no autor, me perguntei: A forma como
tenho trabalhado as aulas tem favorecido o desenvolvimento de competências objetiva, social
e comunicativa? Penso que sim.
126

A resposta a esse questionamento não está relacionada aos conteúdos que compõem o
plano de estudo, mas, sim, e principalmente, com a forma como conduzo as aulas, o trato com
os alunos e a valorização dos saberes corporais e conceituais dos conhecimentos trabalhados.
Nesse sentido, aponto alguns exemplos, descritos no segundo capítulo, que entendo
contemplam aspectos propostos pelo autor em sua teoria sobre as competências.

Penso que a competência objetiva está relacionada ao trabalho de todas as práticas


corporais, em especial nos esportes de invasão, por ser a UD que concentra o maior número
de aulas para seu desenvolvimento.10 As intenções táticas desenvolvidas durante as aulas são
uma boa ilustração dessa competência, pois sua aprendizagem procura capacitar os alunos
para o saber realizar as funções de atacante e defensor com e sem posse de bola próprios da
modalidade.

No que se refere à competência social, olho para a proposta curricular e acredito que
ela é desenvolvida na mesma UD, quando propicio que as relações de gênero sejam
problematizadas a partir das diferenças entre meninas e meninos no jogo. As reflexões sobre a
participação coletiva e solidária durante o jogo estão representadas nas várias adaptações
realizadas na organização de equipes mistas e na forma de jogar.

Sobre a competência comunicativa, penso que seja a mais difícil de ser alcançada, pois
envolve discussões sobre a influência do fenômeno esportivo (ou de outras práticas corporais)
na vida de cada um e no ambiente escolar. A partir dessa percepção pergunto-me: Será que
tenho clareza suficiente para desenvolver essa competência com os alunos? O “perfil” de
alunos com o qual trabalho tem possibilidades de desenvolver tal reflexão? Ou, ainda, as
dificuldades encontradas em tratar essa competência é sinal de que este grupo, em especial
nesse local, tem outro tipo de preocupação?

Olhando para minha prática, penso que uma possibilidade de melhorar o que já faço,
passa por aprimorar o trabalho com a competência comunicativa (KUNZ, 1994). Por outro
lado, entendo que propiciar que os alunos desenvolvam uma leitura crítica do fenômeno
esportivo é bastante desafiador. Mais do que isso, percebo que os alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental encontram dificuldades para discutir sobre a atuação e a influência do
esporte na vida de cada um (entender a relação do esporte com o consumo). Nesse sentido,

10
O esporte ocupa um espaço importante entre todos os temas da Cultura Corporal de Movimento que são
tratados nas Educação Física desta escola. Foi construída uma sequência de todos os temas durante os quatro
Anos Finais do Ensino Fundamental, e, levando em conta as questões socioculturais, é contemplada uma
diversidade de esportes durante os quatro anos (sete tipos), em especial os esportes de invasão (futebol sete)
com um aprofundamento de um ano para outro.
127

talvez a idade dos alunos e a fase escolar em que se encontram não sejam as mais propicias
para avançar no ensino-aprendizagem dessa competência. Outro aspecto que deve ser
considerado é a necessidade de se trabalhar com essa competência em todas as disciplinas do
currículo escolar, pois, segundo Kunz (1994, p. 151), “só existe uma formação crítico-
emancipadora da escola e não de uma disciplina”.

Será que a escola, com todos os componentes curriculares, seria capaz de fazer um
trabalho coletivo para obter êxito nesse processo de ensino-aprendizagem através da
competência comunicativa? Por outro lado, a partir das tensões propostas pela teoria,
pergunto-me: A Educação Física, por ter a “preferência” da maioria dos alunos na relação
com as outras disciplinas, pode potencializar o começo de um movimento em que essa
competência comunicativa esteja contemplada?

Como integrante desse processo que pensa o para que ensinar na Educação Física,
questiono minha prática e também pergunto a teoria. Estou nesse movimento de corpo inteiro,
tentando me entender para avançar naquilo que penso e faço. Até aqui (no desenvolvimento
da minha prática curricular e pedagógica) e de agora em diante (na sequência de tudo o que
farei a partir deste trabalho), é preciso caminhar junto com a teoria e tentar, a partir de um
tensionamento constante avançar sempre.

4.2 Educação Escolar – O Que Ensinar

Quando Sacristán e Gómez (1998) apresentam suas ideias sobre o que ensinar,
salientam a importância de manter as tradições culturais e o trabalho com o conhecimento
acumulado apontando para três aspectos que devem ser levados em consideração na seleção
de conteúdos: a) relatividade histórica, vinculada com a demanda de uma sociedade num
determinado momento histórico, b) a constatação de que a seleção de conteúdos favorece
mais uns do que outros e, c) o fato que nem todos os envolvidos no processo educativo têm o
mesmo poder decisório, e que as escolhas acontecem a partir da força social de cada agente
nesse processo. O estudo dos autores levou-me a perguntar em relação a minha prática
curricular: Como tenho feito a seleção de conteúdos do que ensino nas aulas de Educação
Física?
Ao revisar os vestígios, reconheço que a preocupação principal tem sido garantir o
respeito à pluralidade de conteúdos e tradições culturais. A ideia é a de que se a escola não
permitir o acesso a todos os conteúdos dos quais este componente é responsável, ficam
limitadas as possibilidades de os alunos das redes públicas chegarem a esses conhecimentos
em outros espaços.
128

Considerando os três aspetos condicionantes da seleção de conteúdos descritos por


Sacristán e Gómez (1998), posso afirmar que no que se refere ao primeiro -relatividade
histórica, minha prática curricular está em sintonia com vários pressupostos do movimento
renovador. Neste momento histórico, minha prática se inscreve em uma forma de pensar o
componente curricular que: a) questiona o esporte como única prática da Educação Física, e
b) possibilita ao aluno entender, de forma alargada, a Cultura Corporal de Movimento, que,
além do esporte, inclui outras práticas corporais sistematizadas (jogo, ginástica, práticas
corporais expressivas e práticas corporais junto a natureza) e suas representações sociais
(práticas corporais e sociedade e práticas corporais e saúde).

Com base no segundo aspecto levantado pelos autores em relação ao critério de


escolha dos conteúdos, pergunto-me: A seleção de conteúdos que tenho realizado tem
favorecido mais uns do que outros? Este questionamento deixou-me especialmente pensativo;
nunca havia parado para examinar a seleção de conteúdo realizada sob esse prisma.

Inicialmente, pela diversidade de conteúdos que tenho trabalhado e as formas com que
planejei e executei as aulas, acredito não ter feito distinção de grupos nessa escolha.
Desenvolvi minha prática com o objetivo principal de apresentar aos alunos e alunas a
diversidade de conteúdos, respeitando as diferenças individuais, mas, ao mesmo tempo,
cobrando a participação e envolvimento para que todos tivessem acesso aos conteúdos com
possibilidades de aprender. Mesmo com essa constatação, questiono-me: Nessa escolha de
conteúdos ambos os gêneros são contemplados? Será que tanto os que mais sabem (mais
habilidosos) quanto os que menos sabem (menos habilidosos) são contemplados? Os
conteúdos culturais de raízes étnicas diferentes são contemplados (negros, índios, diferentes
Estados, etc.)?

Aprofundando um pouco mais a reflexão, acredito que os alunos que frequentam a


escola em análise têm expectativas diferentes. Alguns pensam em seguir estudando (Ensino
Médio, Superior), outros já colocam no horizonte imediato conseguir um emprego. Com essas
expectativas surge mais um questionamento: A seleção dos conteúdos precisa respeitar esse
interesse dos alunos? A diversidade de conteúdos trabalhados fará a diferença na vida de cada
um? Ou, independente disso, cada sujeito fará suas escolhas pelas influências do seu meio
social e familiar?
129

Diante disso, paralelo às decisões dos alunos, continuo acreditando que possibilitar a
diversidade de conteúdos é a melhor forma de contribuir na formação desses alunos. Para o
trabalho ou para o aprofundamento dos estudos, seja qual for a escolha, estarão sendo
considerados todas as experiências de vida do aluno e não apenas o trabalho nas aulas de
Educação Física.

O terceiro aspecto a considerar refere-se ao fato de que nem todos têm o mesmo poder
decisório na escolha de conteúdos.11 Nesse sentido, também concordo com os autores, pois,
quando penso sobre este critério, enxergo, na figura do professor, aquele que vai definir com
quais conteúdos irão trabalhar. Cabe a ele justificar essa prevalência mostrando a importância
de se manter vivo o conjunto de manifestações da CCM produzidos ao longo do tempo.

Quando reflito e penso sobre a prática curricular desenvolvida, vejo que também é
função do professor, sem deixar de lado a diversidade, reconhecer que alguns conteúdos têm
peso maior do que outros, principalmente por questões socioculturais locais. Também
referente a isso, o professor precisa contextualizar e explicitar com clareza o porquê dessas
escolhas.

Um aspecto a considerar é que a Educação Física, diferente de outras disciplinas, tem


pouca tradição de documentos curriculares e materiais, como livros didáticos e apostilas.
Nesse contexto, se permite ao professor ocupar mais espaço e uma maior decisão sobre o
currículo. Além disso, outra forma interessante de ampliar as possibilidades de participação e
o diálogo com as famílias seria abrir espaços para que os pais pudessem opinar o que seria
importante os alunos apreenderem sobre a Educação Física na escola. No entanto, mais do
que seguir ou acatar as ideias vindas dos pais/comunidade sobre o que trabalhar na Educação
Física, penso que esse seria um espaço importante para dialogar com as famílias sobre o
componente curricular que, durante a sua história, não trabalhou com esse tipo de experiência
em que as famílias são ouvidas e valorizadas durante o processo educativo dos filhos.

O processo de seleção de conteúdos que aconteceu e acontece na Educação escolar já


percorreu um longo caminho. No caso da Educação Física a caminhada sobre o que ensinar é
recente. Porém, da mesma forma que perguntamos para a Educação escolar também
questionamos o que ensinar na Educação Física. Nas discussões do terceiro capítulo os

11
O planejamento participativo, assim como foi pensado no início de minha prática, em que os alunos exerciam
maior poder de decisão na escolha dos temas que eram tratados, com o tempo mostrou seus limites e foi
reconfigurado. Hoje, a participação dos alunos na escolha dos temas não compromete a proposta na
Educação Física da escola, limitando-se no exemplo do esporte de rede divisória em escolher entre a
modalidade a ser praticada (voleibol ou tênis).
130

autores da área (COLETIVO DE AUTORES, 1992; KUNZ, 1994; GONZÁLEZ, 2006;


GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010; DARIDO, 2012)
salientam a tematização da diversidade das práticas corporais como necessidade para
conhecer a Cultura Corporal de Movimento ao longo dos anos. Nesse caminho deve-se
considerar no trabalho pedagógico as dimensões vinculadas às práticas corporais. Os saberes
corporais e conceituais que formam uma variedade de conhecimentos (técnicos e críticos)
garantem a ampliação das possibilidades de conhecer e aprender sobre o que trabalha a
Educação Física escolar.

Ao examinar o que ensinar da minha prática pedagógica, sinto-me muito à vontade.


Em toda minha caminhada sempre priorizei dar conta nas aulas da herança cultural produzida
pela humanidade no que se refere à Cultura Corporal de Movimento. Acredito que a
tematização da riqueza cultural representada pelas diferentes práticas corporais e as diversas
dimensões do conhecimento que as constitui, qualifica o nosso trabalho com a Educação
Física escolar.

Desde o início da minha docência, como descrito no capítulo dois, preocupei-me em


oportunizar aos alunos o maior número de experiências relacionadas à cultura corporal de
movimento. Desse modo, quando reviso o que ensinar percebo a minha prática curricular
concretizada nas propostas pensadas a partir do movimento renovador. Sinto-me, assim,
integrante deste movimento, um professor capaz de projetar e desenvolver uma prática de
ensino idealizada na atualidade por diversas propostas curriculares. Nessa dimensão, avalio-
me em completa sintonia com essas proposições teóricas.

Nesse sentido, quando penso em melhorar o que proponho no componente, preciso


estar vigilante, autocrítico e atento aos desdobramentos que as teorias da Educação Física
continuam propondo nos últimos anos. Por outro lado, se penso em criticar as propostas para
Educação Física das quais me apropriei e continuo estudando, é a minha prática que está
sendo revista e criticada também, pois ela é fruto do estudo dessas teorias.

Quando Kunz (1994) mostra a relação existente entre as categorias de trabalho,


interação, linguagem e as competências objetiva, social e comunicativa, aposta na
organização do ensino em categorias para o desenvolvimento de competências. Tentarei
mostrar a relação entre as categorias e competências e os pontos convergentes dessa teoria
com minha prática curricular.
131

Conforme o autor, na categoria do trabalho (competência objetiva) e suas diversas


dimensões, o aluno deve ter “o acesso a conhecimentos e informações de relevância e sentido
para a aquisição de habilidades do esporte de acordo com o contexto” (KUNZ, 1994, p. 38).
Refletindo sobre a minha prática, entendo que essa dimensão está contemplada, em especial,
no trabalho com o futebol sete. O trabalho com os saberes corporais (intenções táticas) e os
conhecimentos conceituais (técnicos e críticos) alinham-se com a proposta do autor.

A segunda categoria defendida pelo autor é a da interação (competência social). Nela,


o aluno deve “ter acesso à relação esportivo-culturais, vinculadas à cultura corporal de
movimento do contexto social” (KUNZ, 1994, p. 38). Diante deste argumento, e tendo
presente os planos e como é desenvolvida a proposta curricular, acredito que algumas
dimensões são contempladas. Percebo isso a partir da forma como me relaciono com os
alunos e também pelo que proponho como conteúdo da Educação Física. Especialmente sobre
essa dimensão, olho para a proposta e vejo nas práticas do esporte e do jogo a possibilidade de
trabalhar para que os alunos conheçam formas e características dessas práticas e a relação que
elas estabelecem com seu entorno. Dentro do tema esporte na UD de futebol sete, trabalhei a
formação de grupos de treinamento e escolhas de equipes equilibradas para o campeonato
com os alunos, assumindo diferentes papéis que exigiram diálogo, fortalecendo e
possibilitando perceber a diferença do trabalho individual e coletivo.

A terceira categoria é a de linguagem (competência comunicativa). Nela, Kunz (1994,


p. 38) afirma que o aluno deve “ter acesso a conteúdos simbólicos e lingüísticos que
transcendem o contexto esportivo”. A partir dessa afirmação, novamente reviso minha
proposta curricular e reflito como estou pensando a questão da linguagem como uma
dimensão do conhecimento no trabalho da Educação Física escolar.

Em linhas gerais, entendo que estou em sintonia com a afirmação do autor, mais a
partir do que falo e da forma que me relaciono com os alunos no espaço escolar, em
momentos informais, do que propriamente com algo que é sistematizado e trabalhado em uma
ou outra prática corporal que desenvolvo. Percebo-me um professor que se comunica bem
com os alunos e, pela avaliação deles próprios, “alguém que fala bastante”.

Contemplar a dimensão comunicativa como conhecimento exige manter um diálogo


constante com os alunos, seguir questionando, argumentando, abrindo espaços de
participação, refletindo e incentivando a leitura. Desenvolver a competência comunicativa nos
alunos nas aulas de Educação Física, em que o movimento predomina sobre a comunicação
verbal é um desafio constante.
132

Mesmo que esse tipo de comunicação não garanta por si o desenvolvimento dessa
competência, é ponto de partida para tentar mudar o que Kunz (1994) chama de “silêncio
intelectual” na escola, em especial nas aulas de Educação Física. Concordo com o autor de
que é preciso exercitar o pensamento crítico a partir da fala do aluno, descrições de situações-
problema e outras formas de participação ativa no grupo de sala de aula e na escola em geral.

Depois de ter feito algumas considerações sobre as afirmações e questionamentos


teorizados sobre o que ensinar na Educação Física, gostaria, mesmo que sucintamente,
salientar a influência em minha prática pedagógica da teoria desenvolvida por Kunz (1994),
em especial as três categorias e suas diversas dimensões do conhecimento. Estas ideias me
acompanham desde o início da minha caminhada docente e fazem parte da base teórica de
tudo o que pensei, planejei e executei enquanto proposta de ensino.

4.3 Quando Ensinar na Educação Escolar

Para continuar dialogando com a teoria e também seguir tensionando minha prática,
mais uma pergunta, discutida com os autores das teorias críticas no terceiro capítulo, ocupa
espaço na reflexão: Quando ensinar na Educação escolar?

A Educação Física, quando desafiada a pensar sobre quando ensinar, mostra através
do tempo o quanto tem se esforçado nos últimos anos para apresentar uma organização desse
componente curricular que contemple uma proposta com os diversos temas da CCM divididos
nos quatro Afefs. Isso, talvez seja o resultado do que foi postulado por Kunz (1994) no final
de sua obra, apontando para a necessidade de “propor um programa mínimo de conteúdos e
métodos para cada série escolar” (p. 150). Nesse sentido, o componente continuou avançando.
Mais recentemente, González (2006), González e Fraga (2009, 2012) assumiram esse
compromisso para contribuir neste processo, construindo uma proposta que garanta a
abordagem da diversidade de temas da Cultura Corporal de Movimento com objetivos
definidos e condições de aprofundamento dentro de um tempo necessário para desenvolvê-
los.

Quando reflito sobre essa afirmação dos autores, também me questiono: Tenho
contemplado, na proposta curricular que desenvolvi, a diversidade e o aprofundamento de
práticas corporais nas aulas de Educação Física? Acredito que sim.

Posso considerar meu trabalho a partir de duas formas de organização curricular: a


diversificação e o aprofundamento. As diversas práticas corporais talvez seja o grande avanço
do meu trabalho no momento em que se converteram em uma forma organizada de
133

diversidade, não aleatória, mas intencional, feita a partir de escolhas do que é importante e
significativo. Essa escolha respondeu a critérios de uma variedade de práticas, de
modalidades, de exercícios práticos. O que os alunos aprendem faz parte de um conjunto que
tem seu tempo e seu lugar no planejamento. Trabalhar nessa lógica não significa trocar de
prática todas as aulas, mas fazer com que aconteçam durante os quatro Afefs. Um exemplo
foi o trabalho com os sete tipos de esportes distribuídos nesse tempo.

O outro critério de organização curricular é o do aprofundamento. Nesse caso,


precisamos ter a tranquilidade de que os alunos vão aprender durante o percurso. Essa
organização dos conteúdos em longo prazo (4 anos) cria uma expectativa de continuidade que
pode fazer o aluno visualizar no horizonte a real possibilidade de aprender. Nessa lógica, é
possível garantir uma aprendizagem trabalhando, por exemplo, nos esportes de invasão com
uma sequência de ensino-aprendizagem a partir da complexificação dos conteúdos,
começando com os elementos técnico-táticos individuais, agregando na sequência as
combinações táticas e, por fim, os sistemas de jogo.
Mesmo que o aprofundamento por um lado dificulte, muitas vezes, o atendimento à
singularidade do aluno, por outro permite alcançar objetivos mais complexos. Já que avanços
significativos nas aprendizagens não se conseguem em poucas aulas. É preciso retomar a cada
ano e seguir o que foi planificado.

Nesse sentido, um ponto positivo foi à clareza dos instrumentos avaliativos, em


especial para os alunos novos na escola. Esse fato, em que o aluno novo chega e encontra um
componente curricular organizado, com uma forma avaliativa definida, produziu um impacto
positivo nas aulas, o que valorizou ainda mais esse componente dentro da escola.

Minha relação de sintonia e aproximação com a proposta de González e Fraga (2009)


permitiu seguir melhorando o que já fazia, trabalhando com uma organização de sequência de
conteúdos nos quatro Afefs e aumentando a complexidade de um ano para o outro. Essa
afinidade começou antes mesmo da obra ser produzida, quando me inseri e fiz parte do
processo de sua construção como colaborador, e, por isso, implicado com as ideias de seus
pensadores, o que fortaleceu ainda mais o que já estava consolidado.

Com isso entendo que consegui juntar diante de tantas incertezas a diversificação e o
aprofundamento. A escolha de quando trabalhar, o acompanhamento teórico, minha teimosia
no enfrentamento aos alunos. Nesse momento em que percebo tudo o que foi preciso para
chegar nessa amostra do que é possível alcançar a partir da organização e o planejamento,
também me certifico que não é por acaso.
134

Minha sustentação teórica nessa obra de González e Fraga (2009) possibilitou sonhar
com uma Educação Física comprometida não apenas com a tradição que nos oferecia a
predominância do esporte nas aulas de Educação Física, mas sim, com reais possibilidades de
aprendizagem de diversas práticas corporais. Isso dentro de um componente com
conhecimento específico e afinado com uma proposta curricular da escola.

Quando ensinar na Educação escolar está centrado na organização do ensino para a


aprendizagem a partir da sequência. Sacristán (2001, p. 86), diz que “o modelo de graduação
mais comum baseia-se no período ano de vida-ano de escola, que corresponde à transmissão
de partes do currículo”. Essa afirmação do autor exige uma reflexão sobre a organização
escolar como um todo. Nesse contexto, a Educação Física encontra-se como mais um
componente curricular que respeita no trabalho com os alunos, as diferentes fases da vida de
cada sujeito envolvido no processo de ensino-aprendizagem.

Se, por um lado, este tipo de organização ajuda as escolas na regulação de suas ações,
por outro coloca todos os alunos como iguais, como se não tivessem ritmos e diferentes
formas de aprender. Nesse sentido quando reflito sobre a prática curricular na Educação
Física, reconheço-a como um componente que faz parte desse sistema escolar. Desse modo
me pergunto: Será que consigo, a partir da proposta curricular, abrir espaços e realizar ações
que valorizam e consideram o ritmo de cada aluno? Inicialmente, penso que sim.

Para isso retomo o que sistematizei no capítulo dois e tento perceber aproximações da
proposta curricular com algumas ações que desenvolvi como exemplo do quando ensinar. De
todas as situações possíveis vou descrever dois momentos que mostram o que quero expor.

No primeiro, a transição da ginástica acrobática para o exercício físico. Foi trabalhado


respeitando-se os alunos no seu ano de vida-ano escolar, ou seja, pela sua idade nesse período
escolar, constando-se que é coerente trabalhar primeiro com as acrobacias, as posições do
corpo, os movimentos individuais e grupais, os saltos verticais e as acrobacias individuais
fizeram parte do trabalho de ensino-aprendizagem. O ensino da ginástica: exercício físico,
com objetivos compatíveis a idade, foi trabalhado na organização de um programa para o
desenvolvimento de resistência aeróbica, seus saberes corporais (experiência prática) e
conceituais (estudo de conceitos) sobre o exercício físico e as sensações do corpo em
movimento.
135

O segundo momento está relacionado ao que foi desenvolvido na UD de esportes de


invasão. Os conteúdos do futebol sete desenvolvidos no 6º ano são diferentes daqueles
ensinados durante o 9º ano. Considerando o ensino a partir de uma complexificação de um
ano para outro, o quando ensinar no início dos quatro Afefs terá como conteúdos as intenções
táticas básicas, enquanto no seu final irá trabalhar com as intenções técnico-táticas avançadas.

4.4 Educação Escolar – Como Ensinar

Continuando a análise com apoio nas perguntas estruturantes, vamos dialogar sobre os
métodos de ensino-aprendizagem utilizados na minha prática curricular e a relação que se
estabelece com a teoria, primeiro da Educação e depois da Educação Física. Além dos
propósitos, os conteúdos e sobre o quando ensinar já desenvolvidos nesta análise, agora,
também, o como ensinar será tensionado.

No capítulo três trago uma afirmação desafiadora de Sacristán (2001, p. 92) para
qualquer professor: “a diversidade dos sujeitos deve ser respondida com a diversificação da
pedagogia”. Nesse sentido, volto o olhar para o que desenvolvi no capítulo dois e pergunto-
me: Consegui diversificar (trabalhar com diferentes sujeitos) e manter o equilíbrio variando,
também, as formas de como ensinar nas aulas de Educação Física? Posso concluir que sim.

Depois de definidos os objetivos para desenvolver determinada prática corporal e o


tempo de cada UD, é preciso centrar-se no método de ensino (como ensinar). Para mostrar as
situações de trabalho em que a prática curricular se aproxima da teoria, penso ser importante
elencar algumas formas de encaminhamento em que fiz uso de diversas maneiras de ensinar.
Acredito que a variedade de formas de ensino se intercalou nesse processo, formando um
importante repertório do como ensinar na Educação Física nos Afefs. Para isso, vou analisar
algumas estratégias de trabalho como a apresentação do componente curricular, a participação
dos alunos, as produções de trabalhos de sínteses, os cadernos de aula, o material de apoio
(apostila impressa) e o uso das TICs (apostila virtual).

A primeira situação que corresponde à afirmação de Sacristán (2001) sobre a


necessidade de “diversificação da pedagogia” ocorreu com a apresentação do componente
curricular (com as práticas sistematizadas e suas representações sociais) para os alunos
durante os anos em que foi delimitado este estudo (2006 a 2013). Nesse período, foram
utilizadas várias formas de apresentação, desde lâminas (retroprojetor), slides (data show),
“tempestade” de ideias com livros, textos e imagens relacionadas à área da Educação Física.
136

Outra situação que ilustra as formas de ensinar presentes na minha prática curricular
está relacionada à participação dos alunos na escolha das práticas corporais tematizadas nas
UDs. Dentro dessa diversidade de temas trabalhados, abre-se espaço para os alunos fazerem
escolhas de modalidades dentro de um determinado tipo de esporte. Exemplo, nos esportes de
rede divisória, escolher entre o voleibol e o tênis.

A sistematização do trabalho realizado nas aulas de Educação Física soma-se às


situações já apresentadas como mais uma maneira de diversificar o ensino-aprendizagem. São
produções de trabalhos nas diversas UDs, desde desenhos, apresentações (orais e corporais),
produção de vídeos, seminários, culminâncias (eventos, viagens, visitas). Essas formas, além
de significar a ampliação das possibilidades de aprendizagem para os alunos, especialmente
mostra a diversidade de como ensinar o rico conjunto de manifestações da CCM.

Na sequência da análise sobre o como ensinar, continuo olhando para o que tenho
feito. Penso que o caderno da disciplina mesmo não sendo diretamente uma forma de ensinar,
tem sua importância no registro das partes da aula, seu objetivo e conteúdo. O caderno ajudou
organizar e tornou-se nesse tempo um elemento importante, principalmente para a nossa área,
que não possui uma tradição de registrar no cotidiano escolar da Educação Física o trabalho
realizado. Refiro-me a predominância de atividades práticas, que não passa pela preocupação
de registros dos conceitos do que é desenvolvido, e sim resiste à ideia de aceitar o
componente curricular como um espaço de conhecimento e ensino-aprendizagem.

Mais uma forma que se aproxima da afirmação do autor sobre a diversificação do


como ensinar tem a ver com os materiais de apoio que empreguei nas aulas, em especial com
a UDs de ginástica: exercício físico, acrobática e dos esportes de invasão. O uso das
tecnologias de informação e comunicação (TICs) oportunizou a formação de um grupo
fechado do Facebook que recebia postagens com materiais de apoio (apostila virtual) e
também a apostila impressa, que foi utilizada na maioria das vezes.

Todas estas estratégias que usei como resposta para a diversificação da pedagogia em
resposta a diversidade de sujeitos levantada por Sacristán (2001) tiveram como apoio nas
propostas de González e Fraga (2009, 2012), que, por sua vez, sugerem o modelo “Sport
Education” de Daryl Siedentop (1994) para o trabalho com os esportes de invasão o que me
proporcionou inovar em mais uma forma de trabalho com essas modalidades, o
“campeonato”. Nessa metodologia, os alunos não apenas assistem à aula ou obedecem ao
professor, mas organizam suas equipes e materiais, apresentam suas ideias no coletivo, são
protagonistas, assumindo diversos papéis durante o desenvolvimento da UD (jogador, árbitro,
observador, secretário, técnico, gandula, etc.).
137

No terceiro capítulo, apresento uma pesquisa de Sousa e Moura (2015) que sintetiza as
contribuições acadêmicas da literatura brasileira sobre metodologias de ensino em Educação
Física escolar nos últimos dez anos. Nessa análise foram identificadas 11 categorias
pesquisadas em 79 artigos, sendo que as mais encontradas ficaram na seguinte ordem:
Interação, contextualização, dimensão dos conteúdos, valorização das experiências dos
alunos, diversidade de experiências, problematização, autonomia e criatividade, ludicidade,
compreensão e transferência de habilidades, modificação estrutural do conteúdo e utilização
de recursos tecnológicos (SOUZA; MOURA, 2015).

Quando olho para a minha prática me pergunto: Em que medida as formas com que
ensino estão contempladas nessas categorias? Entre os 79 artigos investigados na pesquisa
está a Tese de Doutorado (CARLAN, 2012), em que fui objeto de pesquisa durante seis meses
referente à prática esportiva. Este trabalho apareceu classificado em duas das categorias
(transferência de habilidades e dimensão dos conteúdos), ou seja, minha prática no trato com
o esporte esteve presente nessas duas categorias. Se considerar minha prática curricular como
um todo, penso que dialogo com as diversas categorias apontadas na pesquisa, que encontra
marcas em todas as UDs que desenvolvi.

Pensando de que forma a minha prática pode interpelar a teoria a partir do que faço,
começo reconhecendo, em particular, uma obra que foi um marco no meu trabalho com a
Educação Física escolar. A teoria de Kunz (1994) está dentro de um contexto que, na minha
trajetória, ajudou a romper com a ideia do trabalho centrado na reprodução de movimentos e,
a partir disso, pelas próprias reflexões, fui pensando formas de ensinar apoiado também em
outros referenciais, como González e Fraga (2009, 2012), o que possibilitou ir se
aproximando de uma ideia de desenvolver as aulas priorizando o ensino-aprendizagem.

Hoje estou fazendo uma síntese pessoal do meu trabalho. O que ainda falta não é
diminuir a distância com a teoria, mas com a minha própria proposta. O que preciso avançar?
Entre o que eu faço e o que eu penso o que poderia ser feito diferente? Não eu com a teoria,
mas eu comigo mesmo? Na metodologia não há um teto a se alcançar; em tudo que venho
experimentando e inovando o caminho continua aberto para sempre avançar mais.
138

4.5 Dialogando com a Avaliação Escolar

A última dimensão colocada em tensão é a avaliação. O contraponto é entre a prática


curricular descrita e os autores da educação (LUCKESI, 2008; SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998)
e da Educação Física (DARIDO, 2005; GONZÁLEZ; FRAGA, 2012) estudados.

Para uma maior organização do texto, vou desenvolver a escrita considerando os


questionamentos dos autores a partir das perguntas estruturantes (para quê, o quê, quando e
como avaliar). De início, Luckesi (2008, p. 150) afirma que a avaliação “não tem cumprido a
sua verdadeira função de mecanismo a serviço da construção do melhor resultado possível,
uma vez que tem sido usada de forma classificatória e não diagnóstica”.

Nesse sentido, olhando para minha prática curricular me pergunto: A avaliação tem
sido um instrumento de classificação e de controle nas minhas aulas de Educação Física?
Acredito que não.

O tipo de avaliação contemplada na proposta que desenvolvo preocupa-se, em primeiro


lugar, em dar condições de aprendizagens a todos os alunos. Deixar clara a forma avaliativa,
todavia, foi um compromisso de fidelidade com o aluno que sempre soube como seria avaliado
em cada UD. Nunca trabalhei com ameaças na forma avaliativa (em que o aluno pudesse ser
privilegiado por ser mais forte, mais ou menos habilidoso, ou mesmo valer-se das questões de
gênero ou qualquer tipo de diferença como parâmetro para avaliação nas aulas de Educação
Física).

4.5.1 Para que Avaliar

Conforme Luckesi (2008), a avaliação ainda não tem cumprido sua função. Para o
autor, a avaliação deve servir para que o aluno consiga “um mínimo necessário de
aprendizagem em todas as condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a
cidadania, que significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar, refletir
e dirigir as ações com adequação e saber” (p. 45). Sobre essa afirmação, pergunto-me: As
formas avaliativas que utilizo têm construído aprendizagem que contribuam para que os
alunos consigam melhorar sua capacidade reflexiva com ações equilibradas? Trabalho para
isso.

Acredito que no momento em que faço um encaminhamento avaliativo, apoiado no


que tenho proposto na prática curricular, consigo minimamente proporcionar condições para
uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido. Um exemplo são as autoavaliações (escritas,
orais ou com gravações em forma de vídeos) que faço em todas as UDs.
139

A importância avaliativa para a área da Educação Física se reforça se pensarmos que


as questões envolvidas com a avaliação nessa área não se limitam a saberes conceituais, pois
respondem, também, diferentes da Educação em geral, aos saberes corporais. Assim, avaliar,
para a Educação Física, “implica ajudar o aluno a perceber as suas facilidades, as suas
dificuldades e, sobretudo, pretende ajudá-lo a identificar os seus progressos de tal modo que
tenha condições de continuar avançando” (DARIDO, 2005, p. 127).

A caminhada de aprendizagem de cada aluno na escola está envolvida diretamente


com o propósito da avaliação presente na proposta curricular. Diante disso, observo minha
prática e pergunto: Realizei uma avaliação que proporcionasse aos alunos visualizar durante o
desenvolvimento das aulas seus avanços e limitações? Penso que sim.

Para realizar a contento esse desafio, utilizei, durante as UDs, formas avaliativas que
tiveram esse papel de diagnosticar o momento em que está o aluno em determinada prática. A
partir desse movimento inicial fiz o acompanhamento, em alguns momentos informais (fora da
aula, mas na escola) e em outros pela observação e anotações em aula. Foram filmagens,
conversas entre professor e aluno, fotos e a uso de fichas de observação (scout) entre os alunos.

4.5.2 O Que Avaliar

A utilização de uma grande variedade de formas avaliativas, mesmo que se reconheça


sua importância, muitas vezes não é suficiente para garantir uma boa avaliação. Quando nos
deparamos com a necessidade de escolher o que vamos avaliar sobre determinada prática,
alguns fatores fazem parte dessa decisão. Nessa linha, Sacristán e Gómez (1998, p. 305)
afirmam que as decisões não serão apenas técnicas sobre os “conteúdos selecionados, mas
também uma valorização em que se expressa uma filosofia, uma ideologia, uma visão de
mundo, toda uma teoria pedagógica implícita”. Percebe-se, neste tópico mais técnico-
pedagógico (o que avaliar), um papel de contribuir na normatização da avaliação (para que
avaliar).

Dessa forma, volto para a prática curricular e pergunto: Em que momentos, além de
avaliar os conteúdos (práticas corporais) também foquei o olhar para as questões e saberes
críticos incorporados a essas práticas? Nessa análise retomo o capítulo dois, e lembro-me de
registros e encaminhamentos com o tema esporte em que foi realizado um debate (tribunal)
referente a “jogar, torcer, viver futebol!” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2012, p. 78). Essa
experiência proporcionada aos alunos exemplifica o trabalho com os saberes críticos. Esse
movimento oportunizou o debate sobre as relações entre a paixão de jogar e a violência nos
estádios entre torcidas.
140

Para falar sobre o que avaliar na Educação Física recorro a uma autora que marca
presença também nas questões referentes à avaliação. Darido (2005, p. 135) opta “por discutir
o que avaliar na dimensão conceitual, procedimental e atitudinal”. Essa afirmação me faz
pensar sobre a minha prática e refletir a partir de um questionamento: No tipo de avaliação
que fiz e na escolha de o que avaliar estão as dimensões conceitual, procedimental e
atitudinal? Penso que sim.

Procurei em todo meu percurso docente colocar essas três dimensões como parâmetro
na escolha do que avaliar. Assim ao refletir sobre a proposta curricular, penso em algumas
situações que servem para mostrar os encaminhamentos dados na avaliação dessas dimensões.
A grande maioria das práticas desenvolvidas nas UDs foi avaliada dessa forma, porém vou
usar o exemplo da ginástica: exercício físico, descrita no capítulo dois. Nessa unidade estão
bem-marcadas da dimensão conceitual no momento da construção do plano de treinamento,
passando pela produção do vídeo de um treino, o cálculo da frequência cardíaca e a zona de
treinamento, até a prova escrita. Participar de uma experiência em que são necessárias
diversas adaptações corporais para desenvolver um programa de resistência aeróbica (corridas
e caminhadas) foi outro momento marcante (dimensão procedimental). Por último, a
dimensão atitudinal, que esteve presente em toda a UD, nos encaminhamentos e na formação
do grupo fechado de trabalho do Facebook, com postagens e comentários (respeito consigo
mesmo e com o outro). As atitudes e o comportamento dentro da academia na relação com as
pessoas e na experiência com as atividades desenvolvidas também são exemplos da dimensão
atitudinal.

Outro critério que, mesmo sem estar diretamente ligado à aprendizagem fez parte da
avaliação desta UD, foi referente ao material de apoio (apostila), em que se avaliou o fato de
trazer o material nas aulas, o caderno para registros das aulas e o uso do uniforme
(imprescindível para a participação nas aulas). Esses materiais, juntamente com o conjunto de
dimensões, fazem parte do processo avaliativo da minha proposta curricular.

4.5.3 Quando Avaliar

Aqui talvez esteja o maior desafio da avaliação escolar: Se pensarmos em quando


avaliar será preciso avaliar o tempo todo? Conforme Luckesi (2008, p. 118), “a avaliação
atravessa o ato de planejar e de executar: por isso contribui em todo o percurso da ação
planificada”. Nessa lógica, o ato do planejamento já deve ser avaliado para dar condições de
rever possíveis equívocos antes mesmo de realizar o que foi planejado.
141

Na difícil tarefa de avaliar dentro de um determinado tempo, olho para a minha


experiência avaliativa sistematizada no capítulo dois e pergunto: Consigo avaliar o que faço
desde o planejamento até a execução? Essa avaliação, que exige a todo o momento
acompanhamento, é muito difícil de ser cumprida como um todo. Sobre o planejamento, creio
que consigo, a partir da minha autoavaliação ou mesmo da avaliação realizada pelos alunos, ir
refazendo, reconstruindo meu planejamento. Por outro lado, quando penso sobre a avaliação
durante a execução das UDs, percebo dificuldades no acompanhamento. Mesmo com um bom
repertório de instrumentos avaliativos, torna-se difícil dar conta desse tipo de avaliação de
forma satisfatória. Tenho a consciência da necessidade de fazer, porém, até esse tempo em
análise do meu trabalho (2006 a 2013), os encaminhamentos avaliativos feitos nessa lógica
têm acontecido mais na observação informal do que com instrumentos de acompanhamento
definidos e elaborados.

Essa dificuldade para avaliar o tempo todo vai além das limitações encontradas na
educação em geral e deflagra uma relação ainda fragmentada quando tratamos sobre o quando
avaliar na área da Educação Física escolar. Para facilitar o trabalho, conforme Darido (2005,
p. 138), é possível dividir “a avaliação em três momentos distintos; avaliação diagnóstica,
formativa e somativa”. Considerando essas possibilidades avaliativas ao visualizar minha
prática curricular pergunto-me: Minha prática contempla esses três momentos durante o
processo avaliativo? Acredito que sim.

Tenho realizado, a partir da prática, encaminhamentos avaliativos que observam esses


três momentos. Normalmente no início das UDs fiz filmagens, escutas aos alunos,
“tempestade” de ideias que, de uma forma ou outra, ajudam a diagnosticar, conhecer o grupo
e balizar a proposta do ensino. Já no segundo momento, que trata da avaliação formativa,
enfrentei algumas dificuldades para acompanhar todos os alunos de maneira semelhante,
talvez por falta de instrumentos de acompanhamento nas aulas. O fato é que, pautando-me
pelo que entendo que deve ser feito, não tenho atingido meu objetivo por completo. Isso,
porém, não impediu de dar um feedback para a maioria dos alunos sobre sua participação no
que estava sendo ensinado.

Outro momento avaliativo apresentado pela autora e que tensionei com minha prática
curricular vincula-se com a avaliação somativa. Esse tipo de avaliação está centrada no
resultado final. Nessa dimensão, normalmente são provas aplicadas ao final de um processo,
uma “mensuração” do produto final de um trabalho. Quando olho para a minha prática vejo o
que tenho feito e penso que este tipo de avaliação faz parte do conjunto de momentos
avaliativos em quase todas as UDs que desenvolvi.
142

Os momentos de avaliação apresentados no capítulo três estão presentes no que tenho


feito quando pensamos em avaliar o aluno. Em nosso componente, que não tem muita
tradição em desenvolver processos avaliativos que integram esses três momentos, acredito
que me coloco junto dos autores que sustentam essa preocupação, tentando fazer no cotidiano
da escola o que teoricamente já se defende a mais tempo, ou seja tentar efetivar a partir de
diversos instrumentos avaliativos as dimensões procedimental, conceitual e atitudinal.

4.5.4 Como Avaliar

Na sequência das questões estruturantes, estamos diante de mais uma pergunta, assim
como as anteriores difícil de ser contornada. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p.
307), “cada procedimento de avaliação tem possibilidades específicas para proporcionar
conhecimento sobre a realidade avaliada”.

A partir dessa afirmação, os autores apontam para a possibilidade de aprendizagem


com procedimentos avaliativos variados. Nesse sentido, reviso minha prática sobre a
avaliação e me pergunto: A diversidade de formas avaliativas que utilizo nas aulas está
servindo para analisar as necessidades específicas em cada prática corporal desenvolvida?
Percebo/reconheço que no início do período em análise (2006 a 2013), os encaminhamentos
avaliativos não atendiam essa especificidade de escolher determinado procedimento para cada
prática avaliada. Com as experiências realizadas nas diversas UDs durante os anos, fui
tentando equilibrar a forma avaliativa com a prática avaliada. Exemplo: a ginástica acrobática
era avaliada mais pela participação dos alunos nas aulas e passou a ser avaliada, entre outros
instrumentos, pela apresentação de uma sequência de movimentos individuais e coletivos
(aprendizagens de conteúdos procedimentais).
Quando recorro à minha prática curricular para refletir sobre avaliação, encontro na
diversidade de instrumentos avaliativos que usei nas aulas, um ponto positivo que serve como
possibilidade de diálogo com a teoria da avaliação revisada no terceiro capítulo. Darido
(2005) aponta para a necessidade de adotar alguns instrumentos para fazer uma boa avaliação
nas aulas de Educação Física. A autora cita a observação e registro, análise de produções e
registro dos alunos, provas, autoavaliação e portfólio como instrumentos possíveis de serem
empregados.

Diante disso, penso ser necessário tensionar o que apresenta a teoria com aquilo que
está registrado na proposta curricular desenvolvida no capítulo dois. Ao considerar a
afirmação de Darido (2005) sobre o variado número de instrumentos de avaliação possíveis de
143

serem usados para ajudar nas aprendizagens da Educação Física, pergunto-me: A avaliação
que tenho desenvolvido contempla a diversidade de instrumentos citados? Na sua grande
maioria sim.

A sintonia de instrumentos avaliativos entre a minha prática e a teoria (DARIDO,


2005) está nas avaliações das UDs, desde as análises de produções e os registros dos alunos,
que variam entre sistematizações do que foi trabalhado - desenho e registro escrito -,
apresentações de trabalho, produção e apresentação de vídeos, provas escritas –
majoritariamente dissertativas -, e a autoavaliação - oral, escrita e gravação de vídeos.

A influência da teoria na forma com que realizo a avaliação, me faz perguntar: Como
poderia melhorar minha prática avaliativa considerando a teoria estudada? A partir de alguns
instrumentos, como a observação e registros e o portfólio sugeridos por Darido (2005), que
não são utilizados sistematicamente como instrumento avaliativo na minha prática, mas
podem, a partir deste estudo, tornar-se mais um instrumento para avaliação nas aulas de
Educação Física. Por outro lado, acredito, diante do que já realizo, ser necessário ampliar o
comprometimento do aluno com a avaliação da aprendizagem a partir do aumento de tarefas
fora da escola, principalmente com encaminhamentos do “tema de casa” como forma de
manter os alunos conectados e mobilizados com as questões que dizem respeito à avaliação da
aprendizagem individual e coletiva para além da sala de aula.
144

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho inscreve-se no conjunto das produções que pensam a educação escolar e,
em particular, o componente Educação Física a partir da reflexão sobre a prática curricular e
pedagógica. A Dissertação fecha um ciclo que se iniciou na Graduação, continuou com a
produção de minha prática curricular e termina com a elaboração desta Dissertação, que
revisou minha caminhada em diálogo com um conjunto de pesquisadores da educação no
campo do currículo e, principalmente, do currículo da Educação Física. Estou novamente
imbricado com nossa área por fazer parte de um movimento que tenta inovar nas aulas de
Educação Física escolar. A discussão e análise da minha prática curricular possibilitou fazer
algumas considerações que, mesmo com todo o esforço, ficam incompletas, permitindo
apenas um fechamento parcial.

A relação teoria e prática é destaque neste trabalho. A contribuição da teoria na minha


prática foi a de tensionar e mostrar os limites, ser parâmetro indicativo que pode ser alcançado
ou não, mas que sempre se mostra como ponto futuro; ainda, alimenta a utopia, anima, mostra
possibilidades que ajudam a manter uma relação estreita desta teoria com a minha prática.

Essa problematização de minha prática na Dissertação alcança seu ápice e possibilita


apontar para alguns aspectos que entendo somente seriam possíveis a partir do tensionamento
sistemático de minha prática com a teoria que esta experiência me permitiu.

A análise desenvolvida no capítulo quatro permite-me responder, inicialmente, a três


questões sobre minha prática tensionada pela teoria: (a) as convergências entre o realizado em
minha prática curricular e o que é proposto no campo da Educação Física escolar; (b)
proposições de trabalho que, ainda considerando-as relevantes, não fazem parte do que é o
cerne da minha prática curricular, tanto por não ter conseguido produzir alternativas de
trabalho alinhadas com elas quanto somente ter percebido a sua ausência após ter realizado
este estudo; e (c) propostas encontradas em produções de diferentes autores da área que meu
conhecimento contextual do cotidiano escolar permite questionar a pertinência, produto da
distância entre o indicado e o que é possível de ser alcançado no componente Educação Física
nos Anos Finais do Ensino Fundamental.
145

No primeiro tópico tratei de desenvolver argumentos que ajudam a identificar as


convergências entre o realizado em minha prática curricular e o que é proposto no campo da
Educação Física escolar. Para esse momento de fechamento, mesmo que provisório, aponto
três coincidências centrais entre as proposições teóricas e aquilo que realizo nas aulas de
Educação Física. A primeira está relacionada à efetiva tematização da diversidade de
manifestações da cultura corporal de movimento; a segunda vincula-se ao fato de propor uma
sequência/progressão de conteúdos que permite aos alunos percorrerem um trajeto curricular
orientado por objetivos de longo prazo (Anos Finais do Ensino Fundamental); e o último
elemento evidencia uma convergência teoria-prática no que se refere às diversas formas de
ensinar mobilizadas no desenvolvimento das diferentes Unidades Didáticas trabalhadas na
fase.12 Para um melhor entendimento de cada elemento, vou desenvolvê-los em parágrafos
separadamente.

A tematização da diversidade das manifestações da cultura corporal de movimento que


sempre esteve presente em minha prática curricular, é um ponto que sintoniza com as
proposições teóricas para o componente. Percebi que todas as práticas corporais que trabalhei
com os alunos desde o início de minha experiência profissional, coincidem com o que foi
proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998a) e outras proposições que
as sucederam.

A convergência em relação à necessidade de um “programa mínimo”, “projeto


curricular” ou “plano de estudo”, ou seja, uma organização dos conteúdos da Educação Física
a serem ministrados nos quatro Afefs, é outro elemento importante de aproximação entre
minha prática e as proposições teóricas. O fundamento dessa proposição é que apenas um
“plano de ensino” de longo prazo possibilita um tratamento organizado da diversidade dos
conhecimentos dos componentes e um aprofundamento intencional dos conteúdos em
algumas práticas. Aqui, a diversidade de práticas descrita anteriormente ganhou sequência e
continuidade, sendo uma diversidade cuidadosamente distribuída nos quatro anos do Ensino
Fundamental, respondendo a critérios vinculados às características sociocognitivas dos
alunos, particularidades das práticas corporais e elementos contextuais, e não uma variedade
“aleatória” centrada na ideia da novidade e desarticulada de uma proposta de escola e do
próprio componente curricular.

12
Entre os anos de 2006 e 2013 cada uma das turmas estudou, no mínimo, 19 e, no máximo, 22 Unidades
Didáticas nos 4 anos.
146

Para além da tematização da diversidade de manifestações da cultura corporal de


movimento garantida nos quatro Afefs, algumas práticas também tiveram um aprofundamento
nesse período, como proposto por González e Fraga (2009). Esse aprofundamento significou a
possibilidade de aprendizagens mais complexas a cada ano escolar em algumas práticas. O
aprofundar aconteceu com um número reduzido de práticas em razão das escolhas necessárias
dado o tempo disponível para o componente. Esse aprofundamento de algumas práticas e a
diversificação organizada de outras não aconteceu por acaso. Essas mudanças ocorridas
durante a minha prática foram possíveis pela apropriação dessa teoria como professor
colaborador da obra de González e Fraga (2009), que é, para mim, um marco quando falamos
de proposta para a Educação Física escolar.

O terceiro elemento convergente entre minha prática curricular e os referenciais


teóricos estudados neste trabalho, está vinculado à variedade de formas de ensinar. As
diversas estratégias de ensino utilizadas para desenvolver as diferentes UDs permitem efetivar
vários aspectos que se desprendem da maneira como os conteúdos são abordados. Entre os
mais importantes destaco: (a) envolver as diversas dimensões do conteúdo (procedimental,
conceitual e atitudinal), muitas vezes de forma articulada; (b) oportunizar que alunos com
diferentes perfis tenham oportunidades de aprender os conteúdos ministrados; (c) incentivar o
protagonismo dos alunos na aula, indo além de escutar e reproduzir o solicitado; (d)
oportunizar a sistematização dos conhecimentos dentro de uma UD e estabelecer relações
com os demais temas abordados no componente; (e) no último período, e de forma mais
sistemática que em épocas anteriores, orientar a organização didática das UDs concebendo o
uso social do conhecimento na perspectiva do aluno por meio de proposições de
“culminâncias” e intervenções na comunidade.13

Se no primeiro movimento mostrei as convergências da minha prática com a teoria, no


segundo procurei identificar proposições de trabalho no campo teórico que, ainda que eu as
considere relevantes para serem integradas em uma proposta curricular, não fazem parte do
que até o momento é o cerne da minha prática pedagógica. Isso ocorre tanto por eu não ter
conseguido produzir alternativas de trabalho alinhadas com elas quanto por ter percebido a
sua ausência após este estudo.

13
Quando utilizei a teoria de Daryl Siedentop (1994) com a proposta “Sport Education” presentes nas obras de
González e Fraga (2009, 2012) e incorporei seus elementos didáticos, notei uma tendência de transformação da
minha prática da Educação Física escolar a partir desse movimento. Acredito que essa foi uma das inovações
importantes na minha forma de trabalhar nas aulas de Educação Física.
147

Foram, em especial, duas questões que o estudo mostrou ser divergente entre minha
prática e o que é proposto pela teoria. A primeira é referente aos propósitos da educação (para
que ensinar) e a segunda à avaliação. Na sequência, desenvolvo cada uma das questões em
separado.

A avaliação sempre foi algo que me incomodava, mesmo não tendo muita clareza do
que se tratava; porém, após este estudo, isso ficou comprovado. O tipo de avaliação que tenho
realizado na minha prática curricular, quando tensionada com a teoria, mostrou-se com
algumas limitações, principalmente quando analisada no seu papel principal dentro das aulas
de Educação Física – a aprendizagem. Mesmo com a riqueza do trabalho realizado nas aulas e
seu reconhecimento como uma prática inovadora, ao questionar a dimensão da avaliação
percebo carências que são definidoras para uma necessária revisão das formas com que tenho
concebido essa dimensão nas aulas. Fiquei convencido de que tenho de avançar para que as
avaliações sejam mais claras, em um processo compartilhado que envolva mais os alunos a
ponto de se comprometerem com a própria aprendizagem. Acredito que os instrumentos
avaliativos e o próprio encaminhamento devem ser revistos e reorganizados. Nesse sentido,
pretendo estudar mais o assunto e convertê-lo em foco no meu movimento de continuidade na
reflexão sobre a Educação Física escolar.

Os propósitos da educação explicitam sobre o tipo de sociedade que nos institui e que
potencialidades isso permite em relação à educação e à Educação Física que queremos e o
tipo de sujeitos que vamos procurar formar na escola para participar dela. Oferecer conteúdos
diversos, trabalhar de uma forma variada e garantir uma sequência desses conteúdos dentro de
uma grade curricular, não é suficiente para justificar a prática pedagógica em uma perspectiva
mais alargada de educação escolar, que sustenta um papel social específico da escola na
sociedade democrática e republicana.

Este fato que, também, pelo menos potencialmente, enfraquece a possibilidade de


poder tomar decisões pedagógicas claramente orientadas pela intenção de proporcionar uma
formação que potencialize os alunos, no futuro, a ter condições de fazer escolhas conscientes
e intervir com qualidade nos espaços em que se definem as questões que dizem respeito a ele
próprio e ao seu coletivo. Por isso, depois deste trabalho de tensionamento, percebi que
minhas possibilidades de justificar essa relação eram frágeis. Isso ficou efetivamente
desvendado a partir do estudo realizado na Dissertação, em que os propósitos precisam ser
mais bem trabalhados.
148

Depois de perceber as aproximações e as contribuições da teoria com a minha prática


no primeiro e no segundo tópicos respectivamente, no terceiro momento sinalizo alguns
pontos em que a teoria pode ser objeto de interpelação. Nesse esforço analítico percebo que as
vezes em que estabeleci uma aproximação, uma sintonia, com a teoria, também essa
proximidade fez com que eu reproduzisse algumas dificuldades apresentadas por essa teoria.
A pergunta que faço a essa teoria relaciona-se com a avaliação. Mediante o tensionamento da
minha prática com a teoria percebi que a proposta de Kunz (1994), referente à avaliação, não
deu uma resposta satisfatória, pois mais explora as práticas do que realmente propicia
aprendizagem.

Mesmo com muita produção teórica da Educação Física nos últimos anos, as
proposições não mostraram força para se efetivarem no campo da prática curricular; talvez
necessitem percorrer ainda um caminho mais longo e testar suas propostas a ponto de ganhar
consistência e confiança para continuar avançando. A partir da prática que desenvolvi nesses
anos, acredito que a definição de conteúdos e, principalmente, sua sequência e progressão nos
quatro Anos Finais do Ensino Fundamental, autorizam-me a afirmar que é imprescindível
trabalhar em longo prazo para poder fazer constatações e correções de percurso. Estou seguro
que a proposta que desenvolvi para essa escola não poderia ser imaginada/projetada em
termos semelhantes antes de realizá-la. As proposições não têm conseguido sensibilizar e
atingir os professores; talvez seja necessário desenvolver as propostas a partir da proximidade
com a realidade escolar e o próprio professor.

Após sintetizar os três movimentos analíticos da relação teoria-prática construídos ao


longo da Dissertação, apresento, a seguir, de forma resumida, um conjunto de aprendizagens
em relação à prática curricular que consegui perceber em meu próprio movimento ao
desenterrar os vestígios desse fazer. Reconheço, a partir de 13 anos de caminhada
profissional, em particular do projeto arqueológico que focou os 8 últimos, avanços na minha
prática curricular. Nessa trajetória consegui aprender com as minhas testagens, com a
literatura usada como apoio, nos grupos de estudo durante toda a caminhada, com a avaliação
de toda a comunidade escolar (direção, colegas professores e alunos) e também com a
autoavaliação. Descrevo, neste momento, alguns desses itens e como aconteceram as
aprendizagens e algumas mudanças a partir da minha experiência profissional.
O primeiro item é o da organização da proposta curricular como um dos pontos
importantes no processo que ajudaram a direcionar o trabalho e saber o que estava fazendo. O
que no início da docência era algo proposto como inovação que rompia com o predomínio do
esporte nas aulas, oferecia uma diversidade de práticas corporais, ainda que articulada a uma
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proposta de escola, sofreu mudanças de práticas de um ano para o outro com o aumento de
aulas de uma UD e diminuição de outra. Olhando para os vestígios, percebo que isso foi se
estabilizando, ganhando forma, até se configurar em uma estrutura mais estável (ainda que
flexível) que oportunizou um trabalho com o conjunto de práticas corporais mais bem
elaborados com um aprofundamento de algumas práticas a cada ano, como já foi descrito
anteriormente neste texto. O “plano de estudo” do componente curricular é produto de minhas
aprendizagens.

Outro ponto que se evidenciou na reconstrução da minha prática curricular foi que, a
partir do planejamento, consegui construir a base do trabalho de um ano para outro. Além
disso, também de forma planejada, a sistematização do componente Educação Física avançou
e foi notada dentro da escola e junto aos alunos, conquistando espaço importante. Essas
mudanças ocorreram a partir do momento em que a Educação Física, com a minha chegada à
escola em 2006, se apresentou, por meio do planejamento, como um componente com
conhecimento específico, organizado e comprometido com o projeto escolar. Em
consequência disso, quando da reconstrução do plano de estudos da escola (2010), a Educação
Física aumentou sua carga horária de duas para três horas semanais para as aulas de Educação
Física.

Outro movimento que reconheço como significativo que ocorreu durante a minha
prática foi referente ao material didático que serviu de apoio durante as aulas. No início dos
últimos oito anos em análise (2006), esses materiais didáticos que serviam de apoio nas
Unidades Didáticas eram fragmentados e não seguiam uma seleção mais rigorosa que
proporcionasse uma contribuição considerável nas práticas estudadas. A partir de 2009 inicia-
se a consolidação desses materiais de apoio com a elaboração de apostilas em que o aluno
tinha um guia para o desenvolvimento da Unidade Didática. Com isso se evidenciou a
importância desse material como acompanhamento para o aluno na escola e fora dela. O
próprio tempo de aula foi mais bem utilizado e o tema de casa na apostila proporcionou mais
estudo.

Observa-se o que veio acontecendo com o passar dos anos com as avaliações do
trabalho realizado, pela autoconsciência daquilo que foi proposto como objetivo de
aprendizagem a partir da apropriação de uma proposta como a de González e Fraga (2009),
que acredita na aprendizagem de forma espiralada e permitiu, mesmo que o ensino tenha uma
sequência de um ano para outro, não engessar a possibilidade de aprendizagem, mas, ao
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contrário, flexibilizar o desenvolvimento de saberes corporais (intenção técnico-tática


individual, combinações táticas e sistemas de jogo) e conceituais (jogo/esporte, atividade
física/exercício físico). Essa visão geral do que se quer ensinar mostra, acima de tudo, um
componente curricular responsável e preocupado com o ensino-aprendizagem de seu
conhecimento específico.

Finalmente a problematização da minha prática profissional permitiu-me identificar


nesta trajetória três momentos da relação teoria-prática. O primeiro se inicia com a obra de
Kunz e o movimento renovador, preponderantemente na condição de leitor; o segundo
momento foi a partir da obra de González e Fraga, assumindo o papel de colaborador; e o
terceiro no processo de tensionamento que moveu esta Dissertação, articulando minha prática
curricular e pedagógica com a reflexão teórica, abraçando o papel de autor e pesquisador. É
assim, portanto, que sigo esse processo, sendo integrante, executor, pesquisador e crítico do
meu trabalho e de uma área inteira.

Ao concluir este estudo, preciso reconhecer o esforço reflexivo com que tentei fazer o
diálogo entre a minha prática curricular e pedagógica e a teoria da educação, particularmente
da Educação Física sobre o currículo. Apesar das dificuldades, o que fica é a convicção da
necessidade de seguir apreendendo, com os outros e comigo mesmo. Meu desejo é que este
trabalho possa contribuir para que mais professores se encorajem, a partir desta produção,
para também refletir e pensar sua prática.
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