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dos-mapas

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 150, 01 de Maio | 2003

Prática Pedagógica

O tesouro dos mapas


A cartografia nos permite ler e interpretar a realidade e
pode entrar no currículo desde a Educação Infantil, com
jogos e brincadeiras
Paola Gentile

Chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa ou abrir o guia de ruas


para traçar um bom caminho é uma tortura para muita gente. Embora essas
ações pareçam banais, realizá-las com desenvoltura envolve uma série de
conhecimentos que só são adquiridos num processo de alfabetização
diferente. Ele não envolve letras, palavras e pontuação, mas linhas, cores e
formas. É a aprendizagem da linguagem cartográfica.

Considerada essencial para o ensino da Geografia, a cartografia tornou-se


importante na educação contemporânea não somente para o aluno poder
atender às necessidades que aparecerão no seu cotidiano, como nos
exemplos dados acima, mas para estudar o ambiente em que vive.
Aprendendo sobre suas características físicas, econômicas, sociais e
humanas, ele pode entender as transformações causadas pela ação do
homem e dos fenômenos naturais ao longo do tempo.

"Saber ler mapas faz com que a pessoa consiga pensar sobre territórios e
regiões que não conhece", afirma Rosângela Doin de Almeida, professora da
Universidade Estadual Paulista, membro do Grupo de Pesquisa em
Cartografia Escolar e representante brasileira da International Cartography
Association (ICA). Ela afirma ainda que a tecnologia tem produzido
representações cartográficas cada vez mais sofisticadas. Sua linguagem é
usada no ensino não só da Geografia, mas também da História e das Ciências
em geral. "Conhecê-la significa adquirir boa parte do suporte necessário para
a construção do conhecimento", enfatiza.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de História e Geografia,


todo aluno precisa terminar o Ensino Fundamental sabendo interpretar
cartas geográficas e capaz de produzir representações próprias do espaço.
São habilidades que se formam de maneira gradual e, por isso, quanto antes
começarem a ser desenvolvidas, maiores as chances de atingir essas
competências básicas.

Geografia

Tema: Cartografia nos primeiros anos de escolaridade

Objetivo: Ler, interpretar e representar espaços físicos conhecidos, como a


casa, a escola e o bairro. Criar e ler símbolos e legendas. Adquirir noções de
direção, sentido, projeção, proporção, paisagem, escalas gráficas e numéricas

Como chegar lá: Use brincadeiras e jogos infantis, proponha a construção de


maquetes e desenhos de mapas de trajetos familiares às crianças, mas não
deixe de ensinar, a cada etapa, os conceitos cartográficos envolvidos

Dica: O aprendizado da cartografia pode começar na Educação Infantil, mas


vai estender-se até o final do Ensino Médio. Portanto, introduza os conceitos
com atividades adequadas ao nível de desenvolvimento da turma

Linguagem visual

O vocabulário cartográfico é formado pelos mais diversos


símbolos, que se relacionam entre si. Eles são usados para
representar no papel um espaço reduzido, com apenas duas
dimensões informações sobre o relevo, o clima, a vegetação, a
população e muitos outros dados sobre as mais variadas
regiões.

Para compreender essa linguagem, o estudante necessita aprender, por


exemplo, conceitos de lateralidade e direção, habilidades que devem ser
trabalhadas desde a Educação Infantil. São estratégias importantes para,
mais tarde, entender o posicionamento do espaço ilustrado pelo mapa. Um
outro passo é entender os sinais gráficos utilizados e os significados que eles
podem ter. Mais do que interpretar esses símbolos, a criança pode e deve
criar sinais. O próximo passo será imaginar legendas, para que outras
pessoas possam "traduzir" essa representação.

Ao produzir maquetes e mapas com a turma, o professor tem a oportunidade


de ensinar conceitos de proporção, projeção, escalas gráficas e numéricas,
mostrando todas as estratégias que podem ser utilizadas quando se quer
recriar uma paisagem.

Para um ensino eficiente, a maioria dessas habilidades precisa ser


desenvolvida em maior ou menor grau de dificuldade nas diversas séries. "A
constância e a continuidade do aprendizado é importante na apreensão do
conhecimento cartográfico", afirma Diamantino Pereira, professor do
Departamento de Geografia e Coordenador do curso de especialização em
Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Colégio
Monteiro Lobato, também na capital paulista, introduz o ensino da
cartografia nas turminhas de 4 anos e segue até o Ensino Médio. Nas
próximas páginas, você vai conhecer atividades bem-sucedidas na Educação
Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental.

Educação Infantil

Na Educação Infantil, o esboço dos


primeiros ensaios cartográficos pode
estar ligado ao desenvolvimento de
outras habilidades, como a atenção, a
coordenação motora e a percepção
auditiva. É o caso da atividade batizada
de O Som que Passeia.

A professora Martha Guimarães Rainho


arruma a classe em quatro blocos de
carteiras, cada um coberto com tecido ou
papel de cores diferentes, esquema que
Uma vez por semana, os alunos é reproduzido pelas crianças em folhas
de Martha mudam os brinquedos do
parquinho de lugar e refazem a maquete individuais. Todos devem ficar de olhos
do pátio: observação detalhada da fechados enquanto um colega passa por
paisagem
entre os grupos tocando um instrumento
e capacidade de perceber que a ação
humana musical. Martha pede para a turma
modifica o ambiente mentalizar o percurso feito pelo som e
depois fazer o traçado no papel. "O
importante é trabalhar a noção de
lateralidade e direção de cada um", afirma. Com isso, as crianças aprendem
que direita, esquerda, atrás e à frente são relativos o que introduz a
necessidade de definir pontos de referência. Ao final, a professora discute os
registros e executa novamente a atividade, para as estudantes checarem e
corrigirem os mapas.

Regras de proporção

Para aguçar a percepção visual das crianças, Martha promove a construção e


a atualização da maquete do parquinho da escola. Com sucata, os alunos
confeccionam miniaturas dos brinquedos e as distribuem sobre uma placa de
cartão, madeira ou isopor, identificando cada peça com uma legenda. Pelo
menos uma vez por semana os próprios estudantes mudam os brinquedos
de lugar, o que os obriga a refazer, no pátio, a maquete. É uma introdução
para o aprendizado de escala: as crianças começam a perceber que a
representação é diferente do real, mas obedece a regras de proporção e
localização. Martha aproveita para ensinar também o significado de
paisagem, que é tudo aquilo que o olhar pode apreender.
"Desenvolver esse tipo de observação vai permitir, mais tarde, que o aluno
identifique elementos naturais e sociais como parte da realidade, e perceba
que ela pode ser alterada por fenômenos naturais ou pela intervenção
humana", explica Diamantino Pereira.

Ensino Fundamental

No início do Ensino Fundamental, os alunos tornam-se produtores de mapas.


Eles são estimulados a observar e a representar espaços mais detalhados,
como a escola e a própria casa. Podem até iniciar o mapeamento do bairro,
como fez a turma de 1ª série de Valéria Tomaz. Com o traçado das ruas nas
mãos, as crianças assinalam a da escola e a da casa com cores diferentes.
Elas têm de observar o percurso feito para ir à aula e anotar as referências do
caminho (casas comerciais, praças, áreas de lazer). Os trabalhos são avaliados
em grupo, comparando o que há em comum entre os trajetos.

Michelle Uliana, professora da 3ª série, sofistica o ensino de legendas iniciado


na Educação Infantil usando a brincadeira da Caça ao Tesouro. Ela apresenta
à turma rótulos, logotipos e sinais familiares para que eles os interpretem.
Dessa forma, todos percebem que uma imagem pode ser a representação de
um local ou de uma palavra ou sentença.

Criação de legenda

As equipes escondem um "tesouro" e criam símbolos para os espaços da


escola. A cantina vira hambúrguer ou garrafa; o pátio, escorregador ou
balanço. Na criação do roteiro de orientação para a equipe adversária, os
alunos tomam contato com medidas e escalas. Valem mãos, braços abertos,
corpos e pulos para sair do ponto de partida e atingir o objetivo. Os alunos
notam que essas medidas incertas causam confusão. É aí que Michelle
introduz o sistema métrico oficial, mostrando a necessidade de padronização
das medidas. Durante a disputa, ela segue as equipes, observando os
conceitos a reforçar em classe.

O primeiro contato com mapas reais é feito com o da cidade de São Paulo.
Um cartaz com o perímetro é colocado na parede da classe. Ele é abastecido
de símbolos e legendas pelas próprias crianças, estimuladas a representar os
lugares da cidade que conhecem (parques, praças, shopping centers etc). Na
4ª série, a turma vai poder elaborar um mapa mais completo do bairro e do
município.

Com a ampliação do universo de estudo geográfico, surge uma dúvida: por


que a planificação tem distorções? A professora Cristiane Zandoná, da 4ª
série, usa uma laranja para ilustrar. Ela desenha na casca o traçado dos
continentes, faz dois cortes em forma de cruz na parte de cima e de baixo da
fruta e começa a descascá-la com paciência, para que não se rasgue. "Com a
casca esticada, todos compreendem que o desenhos sofreram ligeira
modificação ao ser planificados e que essa distorção está presente em todos
os mapas com que eles tomarão contato", afirma Cristiane.

Quer saber mais?

Colégio Monteiro Lobato, Av. Zumkeller, 400, CEP 02405-000, São Paulo, SP, tel. (11) 6231-3473

BIBLIOGRAFIA
A Sala de Aula de Geografia e História, Celso Antunes, 192 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-7578, 22 reais

Do Desenho ao Mapa, Rosângela Doin de Almeida, 120 pág., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 16,50 reais

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