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Caro leitor,

Aqui é R. R. Guim, o autor de The Wizards’ War!

Primeiramente, gostaria de agradecer por estar aqui no Mundo


The Wizards’ War. Posso lhe garantir que vai ser uma grande e
prazerosa jornada!

Além deste capítulo, você vai encontrar muitas informações em


nosso site que é uma pequena amostra dos conteúdos que vão
estar em nossa plataforma no dia 1º de setembro de 2022.

Com carinho
I - o deus das trevas
II - o livro de todos os todos os tempos
III - o retorno do mal
IV - a queda de um reino
V - a ordem dos magos
VI - o mago negro
VII - o templo de balakh-adînk
VIII - o cavaleiro de anghur
IX - a bruxa de botheris
X - a fortaleza de thur
XI - as feras de brunther
XII - o início da guerra do cetro
XIII - o cerco a thiurethi
XIV - as três quedas
XV - o exército do feiticeiro
XVI - a batalha de thiurethi
epílogo - dakan
Muitos contam que não aconteceu...
Alguns não ousam contar...
Muitos fingem não ouvir...
Mas apenas um, mesmo sendo quase impossível ,
prefere não lembrar dos dias difíceis do passado,
pois as lembranças ainda estão vivas em sua memória...
CAPÍTULO I

O DEUS DAS TREVAS

A luz amarela nos olhos do Mestre dos Magos ia e vinha conforme fumava o antigo e
longo cachimbo feito da madeira da árvore Kyl. Ele meneava sua cabeça e suspirava em tom
de inconformidade. Era 12 de Ziran1, do ano 2.139, do Tempo de Thur. E não queria
acreditar que “tudo” pudesse estar acontecendo outra vez. Não podia ser possível. Mas os
sinais eram os mesmos. Os mesmos de uma época esquecida no passado. Os mesmos que
continuavam frescos na mente do Mago Mestre. E uma coisa ele sabia: “Os sinais não
mentem”.
O primeiro sinal percebera há três dias, quando os Pássaros Sagrados de Rugar, que,
normalmente em época de frio, migram para o sul em busca de um clima mais ameno,
estavam voando assustados para o norte, como se fugissem de algo, em direção às terras
geladas, escuras e inóspitas de Bahrar, a noroeste da Floresta dos Vhaughs. Fato que o fez
passar a noite acordado, estudando antigos manuscritos e livros desconhecidos pelo homem
mortal, em busca de um precedente para o que estava acontecendo. Em um primeiro
momento, não pensou no pior.
O segundo, notara na noite anterior, quando o céu das terras do sul estava escuro como
a mais profunda treva, coberto por nuvens negras. Não havia vento soprando, tampouco
qualquer ruído provindo da natureza ou de animais naquela noite. Sinal que obrigou o Mestre
dos Magos a reunir, às pressas, o Conselho dos Sete Magos da Ordem de Yondar, a fim de
discutir a respeito do assunto. Infelizmente, não conseguiu reunir todos, visto que seu amigo
e futuro sucessor, o Segundo Mago, estava há muitos dias em viagem ao norte e, com certeza,
mesmo que conseguisse ser avisado, não chegaria a tempo.
Discutiram, argumentaram e deliberaram durante algumas horas, expondo várias
possibilidades para os fatos ocorridos. Então, chegaram a um consenso. Corroboraram que
deveriam perguntar ao Olho Mágico de Aladis, que a tudo vê; uma pedra redonda em
formato de um olho, branca e lisa como a pele da antiga Deusa da Visão. Para o olho, não
havia limite de distância ou tempo. Não existia barreira feita por homem ou deus que pelo
Olho não pudesse ser transposta. A tudo ele via. Mas o Olho nada ousou mostrar. O que
deixou a todos os outros cinco magos consternados, mas principalmente o Mestre dos
Magos.
O terceiro e último sinal chegara, o que o Mago Mestre temia mortalmente, mas já
esperava desde a noite anterior. E agora, inevitavelmente, estava diante dele, que, atônito, o
observava inerte da vasta sacada que rodeava todo o Salão Principal da Torre de Yondar. Os
olhos petrificados, voltados para o sul, vislumbravam os raios infernais e a grande tempestade
que ocorria naquela região. Sabia que aquilo não era uma tempestade natural. A magia e
poderes ocultos ao homem comum impregnava o ar. Alguma coisa deveria ser feita e ele
sabia disso. Não havia como evitar. Mesmo sendo contra as normas e os princípios

1 Mês de dezembro.

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dos magos, precisaria usar a Magia Proibida, a fim de desvendar a causa dos sinais. Talvez esta
não se negasse a mostrar o que tanto desejava saber.
Colocando o cachimbo de Kyl sobre a enorme mesa de pedra branca, apanhou o cajado
branco e deixou o Salão Principal em direção ao próximo e último andar da Torre de Yondar..
Enquanto seus pés o levavam para o topo da alta torre, o mestre lutava contra sua própria
deliberação. Porém, mesmo se permitindo uma avaliação mais severa, ele sabia que não podia
esperar que mais alguma coisa acontecesse para que o mistério fosse desvendado. Um
sentimento nostálgico resgatou de seu íntimo a lembrança do velho mestre. Em seu coração,
sentia muita falta dele e de seus ensinamentos. Quando os muitos degraus terminaram, o
mago foi resgatado de seus pensamentos. Estava no cume da Torre de Yondar.
A Torre de Yondar, a mais alta de todas as dez Torres Mágicas, foi encontrada no interior
do Vale das Ilusões, junto com outras duas menores que a ladeavam, ainda no Tempo dos
Reis, o primeiro Tempo de Ernt-nador ou Mundo Conhecido, como era chamado pelos
homens. E, segundo informou Yondar, depois de seu inusitado encontro com Thur, filho de
Thuror, o Deus dos Deuses, no ano 737 do Tempo das Deusas, as dez torres tinham sido
presentes de Thuror e dos antigos deuses, em recompensa pelos muitos préstimos de
Yondar. Muito embora o Mestre dos Magos soubesse nos dias atuais que não tinham sido
meros presentes. Muito foram utilizadas no Tempo dos Dragões e no Tempos das Sombras,
quando Marhum, o Mago Negro, libertou todo o mal aprisionado nos Nove Portais Negros,
os Laienürimim.
A altura da Torre de Yondar era incalculável a olho nu, mas, durante um dia ensolarado,
podia-se avistar as planícies e os montes que repousavam além das altas Montanhas das
Ilusões. Erguida com rochas estranhas e resistentes de um branco divino, a Torre mostrava
sua imponência e altivez, perante tudo o que fora erigido pelo homem. No entanto, não era
somente energia e poder que o pináculo exalava, pois, tanto dentro quanto fora, a beleza
indescritível e imensurável era presenciada por todos.
O interior do baluarte era bem distribuído entre diversos aposentos, salas de conselho,
muitos salões de estudo, algumas bibliotecas de conhecimento e outras áreas desconhecidas
e inomináveis ocultas e guardadas em segredo pelo Mestre dos Magos. Exibia uma decoração
requintada e suntuosa, digna dos maiores reinos que já existiram: corredores adornados com
belas estátuas e esculturas; tapeçarias de todos os tamanhos vindas de Thiurethi e Ashin;
vasos raros presenteados por reinos passados, como também pinturas que recordavam
façanhas de homens e magos, que viveram e morreram lutando por um futuro incerto. E,
em algumas alas secretas e de restrito acesso, a Torre de Yondar guardava pergaminhos e
grandes obras literárias, que continham antigos e esquecidos segredos que remontavam à
Primeira Era e à Terra de Anahkólion, chamada e conhecida por alguns homens como o
Mundo dos Deuses.
O ápice da torre formava uma grande circunferência e era protegido por uma larga murada
de pouco mais de um metro de altura, que margeava todo o lugar. Ao longo da extensão da
murada, erguiam-se dez colunas de pedras simetricamente separadas ao redor do círculo,
levemente inclinadas para o centro e apontadas para o céu; o que, a certa distância, lembrava
uma grande coroa. Cada coluna devia ter mais de quatro metros de altura, sendo mais largas
em suas bases do que nas extremidades.
O piso pelo qual o mago andava era de um cinza pálido, puxado para um branco distinto.
No centro, pairava um vasto círculo entalhado na pedra, e, nos domínios deste, repousava
um outro, num cinza um pouco mais escuro. Do anel maior, brotavam linhas bem separadas,
que iam retas até se encontrar com a borda do círculo menor. As linhas que uniam os dois
círculos, o maior e o menor, formavam dez grandes partes idênticas. No núcleo de cada uma
das partes, aparecia um símbolo vívido e saliente. O centro do círculo menor mostrava uma
estrela de dez pontas. Cada uma das pontas da estrela apontava para um dos símbolos que
apareciam no círculo maior.

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O mago caminhou arrastando suas alvas vestes até o centro do círculo menor. Tendo
apenas as estrelas sobre sua cabeça, o alto mago levantou os braços e começou a proferir
palavras em uma língua desconhecida pelo homem mortal. Ouvindo o comando, o céu acima
começou a se agitar. Um leve vento surgiu, acariciando seus longos cabelos e barba brancos.
Mas a brisa logo foi substituída por uma grande ventania, acompanhada de relâmpagos e
estrondos.
As palavras enérgicas se repetiam e, à medida que isso acontecia, mais fortes os sopros
ficavam e mais ecoavam os roncos dos raios e relâmpagos na noite. Em poucos instantes, as
palavras transformaram-se em brados. Os brados, acompanhados de violentos trovões –
...Ims su lant traim ...Ims su lant traim... – Rapidamente, o céu acima iniciou um movimento
circular, parecendo um grande e veloz redemoinho.
Com seu cajado apontado para o redemoinho, o Mestre dos Magos da Suprema Ordem
de Yondar, Senhor das Dez Torres e Guardião do Segredo das Três Estrelas, começou a
girá-lo no sentido contrário, enquanto proferia outras palavras: – ...luish danir va so monak...
luish danir va so monak... – Assim que as palavras foram ouvidas pelo céu, os ventos ganharam
a velocidade dos antigos dragões, fazendo com que ele quase fosse arrancado do chão.
Quando o redemoinho estava preparado, ele apontou seu cajado para o centro do círculo de
nuvens e bramiu uma última sílaba em tom de ordem: Un!
Por alguns instantes, tudo o que foi ouvido foi o silêncio. Os ventos diminuíram; quase
pararam totalmente. Os relâmpagos e trovões cessaram. O redemoinho de nuvens agora
girava calmamente, tendo em seu centro um grande círculo escuro. O círculo era chamado
de Cirtadrâ-Katim e fora muito utilizado pelos Antigos Feiticeiros das Sombras, com a
finalidade de localizar seus seguidores e inimigos e se transportar para tal lugar. Traduzida
para a língua dos homens, a palavra significava: “Espelho Negro”. Na realidade, a tradução
mais apropriada seria a de “Passagem Negra”, uma vez que, além de localizar o que se
procura, ainda é possível se transportar para a localidade de forma instantânea.
Lentamente, o Espelho começou a formar imagens ainda desconexas que mudavam a
cada segundo que passava, dando mais forma e nitidez ao que estava sendo apresentado. O
mago estava com os dois olhos azuis fixos no centro do Espelho. Era de seu entender que,
a qualquer momento, a conexão seria feita por completo, e então o mistério que já rondava
a sua cabeça há vários dias seria desvendado. Descobriria, com certeza, o que estava
acontecendo nas distantes terras do sul.
A cada segundo que passava, maior era a nitidez das formas captadas pelo Espelho. E,
sem sombra de dúvida, ao passo que tudo se deslindava, maior também era a angústia e a
apreensão do velho mago, que, compenetradamente, ainda apontava seu cajado para o centro
do Espelho. Mas, quando menos aguardava, a primeira imagem ficou clara.
A atenção do mestre permanecia no Espelho Negro e na forma que este mostrava. A
imagem estava distante: contemplava uma grande montanha tomada por uma terrível
tempestade de raios e trovões. No primeiro momento, a montanha lhe pareceu familiar,
corroborando um temor que não queria acreditar que pudesse ser verdade. Mas era. Ele sabia
que montanha era aquela e sabia muito bem o que seus olhos estavam por desvendar.
De repente, o foco se aproximou da montanha numa velocidade inacreditável; subiu ao
seu topo, entrou por uma fenda, iniciando a descida por um túnel acidentado de paredes
disformes, formadas por rochas naturais da própria montanha. As paredes do túnel
apresentadas pelo Espelho mudavam freneticamente em sua composição e coloração,
passando de um marrom de rochas naturais a pedras retangulares de um cinza claro,
conforme a descida continuava em direção ao seu destino final.
Levou alguns segundos para que a descida chegasse ao fim e o Espelho Negro fosse
tomado pela completa escuridão. Durante breves momentos, nada foi mostrado. Então, uma
pequenina luz vermelha surgiu à esquerda do Espelho. E, conforme o tempo foi passando,
a luz foi aumentando gradativamente, para revelar um estreito caminho, cercado por chamas

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de ambos os lados. O caminho conduzia rapidamente à luz de um vermelho tremeluzente.
Ao lado da luz, pairava uma sombra que começava a tomar forma.
Um sentimento angustiante abraçou o mago. Sem demora, veio a apreensão, pois havia
algo naquela forma que se descortinava que ele reconhecia. Terríveis pensamentos o
acometeram, mas, mantendo o escopo no que fazia, procurou dissipá-los. Então, finalmente
a verdade desnudou-se diante do Mago Mestre. Uma verdade indesejada. A falácia da verdade
que ele conhecia há mais de dois Tempos inteiros. Poucos foram aqueles segundos, mas,
para ele, levaram mil anos.
Seus olhos não acreditaram no que o Espelho exibia. Seu rosto demonstrava uma palidez
mórbida.
 Não pode ser verdade!  balbuciou o mago consternado.
Não poderia ter cometido tamanho erro. Não durante vários séculos. O Mestre dos
Magos chegou a pensar que a imagem apresentada pelo Espelho Negro fosse fruto da
feitiçaria dos Antigos Feiticeiros das Sombras ou da terrível Ordem dos Magos Negros,
regida por Marhum, no Tempo das Sombras. Inconformado, meneava a cabeça, enquanto a
boca pronunciava palavras ininteligíveis repletas de dor e desgosto. A traição era por demais
pungente e feriu profundamente em seu íntimo. Mas, em meio a tanto descontentamento e
exasperação, buscou sobriedade para poder assimilar o que estava acontecendo. Afinal, era
o momento de separar o pessoal da posição que ocupava e, por mais que lhe doesse, algo
precisava ser feito.
A sombra encontrada no interior da montanha se transformara em alguém muito próximo
e querido pelo Mestre dos Magos da Suprema Ordem de Yondar. E, mesmo que não
desejasse aceitar, aquela era a verdade cristalina que se desvelava diante dele. Com os olhos
marejados, analisou a figura do traidor: os traços profundos do rosto magro eram os mesmos
e possuía o mesmo ar inteligente. Suas vestes não eram mais cinzas como de costume, mas
negras, com detalhes de escritos em vermelho, numa língua morta desde antes da queda de
Ernthys. A língua dos Bruxos de Magdothum, banidos de Ernathurilis pelo então Rei-bruxo
Älunthox, antes deste criar a Ordem dos Cavaleiros Denás, protetores do Círculo do Fogo
Azul. Mas foram os olhos que lhe chamaram a atenção, pois neles avistou uma luz diferente,
peculiar, soturna. Ele já havia visto aquela luminosidade nos olhos de outros num passado
não muito distante para as vidas de um mago. Os olhos expressavam o brilho da loucura. O
brilho do poder. A escura e opaca luz do poder absoluto. O brilho negro visto nos olhos dos
antigos Feiticeiros das Sombras ou nos próprios olhos de Marhum, o Mago Negro.
A figura soltava gargalhadas inaudíveis para o mestre, mas de forte intensidade e prazer,
enquanto voltava seus olhos para o artefato que repousava em sua mão esquerda. Um
artefato de poder inigualável, guardado pela mais poderosa magia nas profundezas do único
local capaz de conter tamanho poder por muitos séculos. E, para o terror do mago, não levou
mais que uma fração de segundos para reconhecer o artefato. Na realidade, antes mesmo de
visualizar com perfeição, o velho mago já sabia do que se tratava.
A imagem vermelha que o Espelho Negro fornecia era de um antigo e único objeto. Um
artefato forjado numa época sombria, esquecida pelos Anais dos Tempos. Esquecido e
sepultado por muitas Eras. Uma peça indescritivelmente bela e incrivelmente maligna, que
há 2.137 anos, fora escondida e protegida pela mais forte magia existente pelo então Mestre
dos Magos, Yondar, na maldita Montanha Perdida de Lakahmbar. Sepultada, para que o mal
jamais fosse libertado outra vez. Mas não era apenas isso, o mago sabia o que o mal nela
contido poderia invocar.
O Mestre dos Magos vira o artefato em duas oportunidades e, em uma delas, lutara contra
seu descomunal poder. Mas, para ele, a memória daqueles dias estava muito vívida e, por essa
razão, aqueles distantes dias nunca foram esquecidos. E, agora, após incontáveis anos, o
símbolo dominante do mal fora novamente encontrado e libertado. Era, com certeza, o
mesmo objeto. E, infelizmente, seu temor se concretizara.

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Um temor que esperava não se concretizar enquanto ocupasse o posto de Mestre dos
Magos. E com certeza não no Tempo de Thur. Não depois de todos os sacrifícios que foram
feitos e vidas que foram doadas para que a paz e a harmonia prevalecem em Ernt-nador. Isso
há incontáveis gerações. Mas a realidade era indelével e não pedia para que o tempo parasse
para ser analisado por reminiscências apenas existentes na mente do velho mago. Problemas
de categorias imensuráveis estavam batendo à porta, não somente do Reino dos Magos, mas
de todos os reinos de Ernt-nador, o Mundo Conhecido. Principalmente porque sabia que, se
“ele” havia conseguido encontrar aquele maldito artefato, deveria estar atrás dos Três
Guardiães e do poder que cada um deles guardava em segredo há mais de 2.139 anos. E, sem
dúvida alguma, estava atrás do poder do mal originário nascido nas profundezas de
Anathurilis, na Primeira Era, e que já devastou mundos a partir da Terceira Era de
Anahkólion.
O mago observou a imagem por poucos segundos, até que sua presença foi notada. Era
inevitável que aquilo acontecesse. Assim como era inevitável que tomasse uma providência
imediata para tentar conter o mal, antes que esse crescesse e fosse tarde demais. Talvez isso
representasse o seu fim; o Mago Mestre estava preparado. Assim como seu antecessor, estava
pronto para doar a sua vida para manter o mal guardado nas profundezas daquele maldito
lugar. E, com esse pensamento, o Mestre dos Magos começou a se preparar.
A satisfação na fisionomia do traidor era visível ao perceber que era espreitado. Então,
com os olhos arregalados por baixo do capuz negro, exibiu um sorriso demoníaco,
denotando o sabor pela recente conquista. O Mestre dos Magos não poderia perder tempo.
Algo precisava ser feito imediatamente. Não havia tempo para fazer planos ou estratégias,
quanto muito pedir ajuda. Já sabia o que fazer.
− Unorath izir un! – ordenou o mago, puxando o cajado para junto de seu corpo.
Imediatamente, o Espelho Negro se aproximou e engoliu o Mestre dos Magos. De um
instante para o outro, o Mestre dos Magos foi projetado para o outro lado do Espelho Negro,
aparecendo a cerca de 10 metros de distância da figura oculta pelo capuz negro. O objeto
pulsando um vermelho vívido na mão esquerda da figura, enquanto seus olhos ocultos
estavam cravados no mago. As sombras iam e vinham, conforme a luminosidade do fogo e
da lava das profundezas do Abismo de Chamas, situado cinco metros atrás do traidor,
dançavam. Nuances soturnas eram conferidas ao lugar. Mas não era isso que mais havia
perturbado o Mestre dos Magos.
Com seu cajado em mãos, o mestre analisou rapidamente o lugar ao seu redor. Os dois
estavam em um local que ele conhecia muito bem. Há muito tempo havia estado naquele
mesmo lugar onde travara uma batalha contra um poderoso mal emergente. Era uma caverna
com uma área grande e alta no interior da Montanha de Ojiz, margeada por paredes rochosas,
com várias entradas entalhadas na pedra, que conduziam a corredores e escadarias disformes,
que levavam para lugares diferentes dentro da montanha. Lugares sinistros da montanha em
que habitavam seres trazidos há milhares de anos das profundezas das trevas, chamados de
Fholls. O teto da caverna era repleto por estalactites rochosas e pontiagudas, que conferia
uma nuance sombria e perigosa. Um pouco mais à esquerda e atrás da figura, entretanto,
havia uma das passagens mágicas flutuando no ar, a um palmo do chão. E era aquilo que
mais consternara o mago.
O portal tinha o formato de um círculo e apresentava o fundo negro cintilante, margeado
por uma borda prateada. Tinha cerca de dois metros de raio e cinco centímetros de espessura.
Num primeiro momento, pensou no pior, mas então chegou à conclusão de que não poderia
ser um dos Laienürimim, os Portais Negros, que foram abertos em Eras passadas, como o
Tempo das Sombras e o Tempo das Trevas. Não poderia ser. O Livro dos Nove Laienürimim
estava muito bem guardado em lugar secreto no reino dos Magos e apenas ele e o Senhor
dos Vingadores conheciam o local. Entretanto, aquela era uma passagem ou porta mágica.

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Um Laiëntharim. Não havia como saber qual dos dois era, para onde levava ou o que estava
aprisionado nele.
O traidor o arrostou durante alguns segundos, com os olhos ocultos embaixo da sombra
do capuz. Sem dizer uma palavra, ele apenas esboçou um sorriso sarcástico, girou os
calcanhares e desapareceu dentro do portal. Antes mesmo de tentar esboçar uma reação que
pudesse impedir que seu oponente tomasse aquela decisão, o mago viu a sombra sumir por
completo na escuridão da passagem mágica. Tudo aconteceu muito rápido e sem qualquer
aviso. Lamentavelmente, o mago nada conseguiu fazer.
Por alguns instantes, o mago foi tomado pela incerteza e pela angústia. Pela primeira vez
em muitos anos, não sabia o que fazer. Os Laienürimim eram portais mágicos, enquanto os
Laiëntharim representavam as portas mágicas e, muito embora parecessem iguais, cada um
tinha uma funcionalidade e finalidade específica. Apesar de ambos servirem para transportar
quem adentrasse em seus domínios para outros lugares perdidos no tempo e no espaço,
ambos eram muito diferentes e cada um servia a um propósito determinado.
Os Laienürimim serviam para aprisionar seus viajantes em lugares, épocas e tempos longe
dos mundos habitados pelos homens. Por diversas Eras e Tempos, os Laienürimim serviram
para aprisionar terríveis criaturas, bestas renascidas das profundezas da terra e entes
maléficos banidos pelos deuses, desde a criação do mal em Anathurilis, até a Queda de
Ernathurilis. Em Tempos recentes para seres milenares, como o Tempo dos Dragões e o
Tempo das Sombras, os magos da Ordem de Yondar também os utilizaram para aprisionar
criaturas que já andaram pelos mundos. Os Portais Negros eram regidos e abertos apenas
por quem possuísse o Livro dos Nove Laienürimim, como aconteceu quando Marhum, o
Mago Negro, no final do Tempo dos Reis; o utilizou para criar o caos que abalou a terra,
ficando aqueles anos conhecidos como Tempo das Sombras. E, dentre todos os Portais
Negros, o Entharin, o Grande Portal Negro, era o mais poderoso de todos os nove
Laienürimim. Por muitos anos, foi utilizado para aprisionar as criaturas mais poderosas que já
existiram, desde Anahkólion até Deutherathar, as Terras Desertas, situadas além do Mar
Calath’or, ao norte de Ernt-nador, o Mundo Conhecido.
Os Laiëntharim eram completamente diferentes. Funcionavam como passagens ou portas
mágicas, que serviam como facilitadores na questão de transporte de seus viajantes, podendo
levar para Tempos perdidos no passado e para lugares situados em terras já abandonadas
pelos deuses e homens. O tempo e espaço eram meras definições que não se aplicavam às
passagens. O Mestre dos Magos sabia que havia vários tipos de Laiëntharim¸ como as Laiën,
as portas que existiam dentro das Dez Torres Mágicas presenteadas pelos deuses aos magos.
Assim como os portais que transportavam os magos para cada uma das dez torres existente
em diversos lugares de Ernt-nador.
Ainda que não fosse um dos Nove Portais Negros, deveria ser similar, ter as mesmas
funções. Se adentrasse naquele Portal, poderia sair em um lugar desconhecido, em um
diferente Tempo, ou poderia ficar aprisionado nele até o final dos Tempos. Não havia
resposta certa, enquanto não testasse de verdade aquela passagem. Não sabia que atitude
tomar. E não sabia qual era a real intenção de seu velho amigo. Se é que poderia continuar a
chamá-lo daquela forma. Traidor era mais apropriado para aquele momento. Mas uma coisa
ele sabia e estava certo disso: não poderia ficar inerte. O poder que o traidor tinha em mãos
poderia acabar com a paz existente no mundo.
− Que Thur esteja comigo! – disse o mestre para si mesmo. Sem pestanejar por mais um
segundo, o Mestre dos Magos da Suprema Ordem de Yondar avançou de cajado em punho
para dentro do portal, desaparecendo instantaneamente, deixando o lugar completamente
vazio e o portal aberto.
A viagem pelo portal foi quase que instantânea. Ao sair do outro lado da circunferência
de um preto profundo, o mago desabou de joelhos no chão liso de pedras de um preto
reluzente. Estava desorientado. Sentia-se nauseado e tonto. Aquela sensação não era parecida

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com nada que já havia experimentado em todas as suas viagens em outras passagens ou
portais mágicos. Levou alguns segundos para recobrar os sentidos. Então, com demasiado
esforço e apoiando-se em seu cajado, pôs-se em pé. Estava sozinho no lugar. A passagem
continuava aberta as suas costas. Então, viu seu oponente a cerca de trinta metros de
distância saindo de uma das pequenas passagens que havia ao redor da circunferência.
− O que você pensa que está fazendo, meu querido velho amigo? – questionou o mago
mestre, com dificuldade de juntar as palavras e organizar o raciocínio. O mundo ainda girava
ao seu redor, devido à viagem pelo Portal Mágico. Precisava dar um jeito de ganhar tempo.
O silêncio reverberou no lugar. Nem um som foi emitido. O Mestre dos Magos podia
sentir o olhar oculto do traidor sob o capuz negro o encarando. E, enquanto aproveitava
aqueles segundos de quietude para se orientar da viagem pelo portal, o mago analisou
rapidamente o ambiente, procurando por mais alguma surpresa indesejada.
O lugar aparentava um grande salão em formato de círculo. Tinha quatro pequenas
passagens separadas simetricamente uma das outras ao redor da parede da circunferência. As
passagens eram um pouco maiores que a estatura dos Primeiros Homens de Anahkólion. O
que levava a crer que aquela era uma edificação que remontava às Primeiras Eras, em razão
da estatura dos Primeiros Homens ser maior. Fora as quatro pequenas passagens que
deveriam conduzir para lugares desconhecidos para o Mestre dos Magos, havia mais duas
imensas entradas, em forma de arcos perfeitos e idênticos, que se postavam uma de cada
lado do salão. O tamanho das passagens o mago não conseguia precisar. Mas eram
descomunais.
O grande salão tinha aproximadamente cinquenta metros de altura. O teto apresentava
uma gigantesca ilustração de uma grande batalha, onde um guerreiro, em uma armadura
escura, ladeado por um grande dragão negro, se destacava entre os demais. A finalização do
desenho inteiro convergia para o centro do teto, onde uma espécie de claraboia, representada
por uma abertura redonda de cerca de quinze metros de diâmetro, permitia a entrada da
claridade do dia. No desenho, essa abertura mostrava as bordas do que se assemelhava a um
grande portal. E esse foi um dos fatos que chamaram a sua atenção.
O que estava consternando o mago era que não estava mais em Ernt-nador, o Mundo
Conhecido. Definitivamente, não. E não tinha a menor ideia de onde pudesse estar. Mas uma
coisa sua mente havia compreendido: estava em algum lugar no tempo e espaço onde era
dia. Esse era um fato inegável, uma vez que, quando deixara o reino dos Magos pelo Espelho
Negro, ainda era noite. A não ser que a viagem pelo Laiëntharim tivesse levado muitas horas,
muito embora tivesse representado apenas um ou dois segundos. Fora essa remota hipótese
em relação ao tempo de sua viagem, havia sido transportado para um outro lugar ainda
desconhecido. Restava saber se ainda estavam no mesmo Tempo ou não. O que poderia
significar um problema na linha temporal dos fatos existentes na história. Ao menos era o
que a pintura do teto lhe dizia.
Analisando melhor o salão, podia ver que tinha um diâmetro de cerca de noventa metros.
O piso do lugar era de um negro brilhoso, cortado por desenhos disformes em branco. No
centro, exatamente abaixo da abertura do teto, por onde entrava a única luminosidade do
lugar, aparecia um círculo adornado por escritos de uma língua muito antiga, que se
assemelhava ao Idhílion. “A Língua dos Deuses”, pensou ele. No meio do círculo, havia um
pequeno altar redondo, com dois pilares estreitos apontados para o teto. Cinco degraus
levavam para o altar.
As paredes que orlavam o lugar eram compostas por pedras de um cinza escuro, em
blocos quadrados uniformes. O piso que saía de cada uma das entradas seguia um caminho
destacado e reto até a circunferência no centro e era composto por pedras lustrosas de um
cinza mais claro. Ao longo de cada caminho que seguia até o círculo iluminado pela luz do
sol, apareciam quatro signos que o Mestre dos Magos não conhecia definir a origem. Ao
todo, eram doze símbolos. Tinha conhecimento, contudo, que a língua deveria ser mais

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antiga que o Idhílion. Os símbolos deveriam remontar à Primeira Era dos Primeiros Deuses
ou seriam de uma língua jamais vista por ele.
− Então, meu querido amigo? O poder da escuridão lhe roubou a língua? – O mestre
procurou escolher bem as palavras, mas não deixou de provocar uma reação no traidor.
− Amigo? – interpelou a figura encapuzada, com a voz rouca e arrastada, denotando
demasiado esforço.
Como o traidor estava afastado da fraca claridade que entrava pela claraboia circular no
teto, não era possível ver o rosto. Mesmo assim, o mago sabia exatamente de quem se tratava.
A voz peculiar de seu velho amigo era muito conhecida em todo o reino dos Magos.
– Não sou seu amigo! E você, nobre ex-mestre, não é meu amigo!
− Por que, meu querido amigo? Por que está fazendo isso? Não sabe que esse poder não
pode ser dominado? – indagou insistentemente o mago mestre, tentando ver o rosto que se
escondia por baixo do capuz, para olhar nos olhos e descobrir a verdade que se escondia por
trás daquelas ações.
− Por quê? Por quê? – É apenas isso que quer saber? – questionou a figura escondida nas
sombras, em tom de deboche, fazendo uma pausa. – Achei que iria levar mais um mês ainda
para subjugar o grande Mestre dos Magos aos meus desejos! Mas, então, eis que você aparece
diante de mim, por meio do Espelho Negro! De um Espelho Negro??!! É muita hipocrisia,
não é? E o melhor, ainda me segue pelo Laiënthdathur até a Ilha de Neithar.
− Ilha de Neithar? – balbuciou o Mago Mestre, enquanto seus pensamentos o
transportaram para antigos livros escritos por Yondar, o Primeiro Mago, que conviveu com
os Primeiros Deuses e conhecia toda a história da Criação dos Mundos por Naumathar. –
Estamos na Ilha de Neithar, a leste, tem a fronteira de Ernthys e, a oeste de Ernathurilis, o
Mundo Esquecido? – questionou o mago mestre, petrificado.
− Sim, meu velho mestre!
– Por que você veio para este lugar amaldiçoado desde as primeiras Eras?
− A resposta não é óbvia? – respondeu em forma de pergunta o traidor.
− Então, esse é o lugar da prisão de...
− Sim! – interrompeu o traidor. – A prisão daquele cujo nome os homens de Ernt-nador
e Dnathirium desconhecem, os novos deuses fingem nada saber a respeito, e os magos sequer
acreditam – respondeu o estranho, com satisfação na voz rouca.
Por alguns segundos, a revelação açoitou a mente do mago mestre, que se apoiou no seu
cajado, enquanto era transportado para Eras que jamais imaginava ter contato. A não ser
pelos livros que contavam histórias sepultadas em um passado que até mesmo o tempo não
ousava lembrar. Num emaranhado de pensamentos, o Mestre dos Magos tentou reorganizar
a sua mente, pois aquela era uma revelação por demais pesarosa. Mas então a voz do traidor
quebrou o silêncio sepulcral e o resgatou de suas divagações, forçando-o a retornar para a
dura realidade.
− Estamos falando daquele que tem o poder originário de controlar quem controla o
maior poder que existe desde a criação dos mundos – disse o traidor, fazendo uma pausa. −
Aquele que muitos tentaram, mas nunca conseguiram matar, pois o único no mundo que
poderia, está morto desde o Tempo das Trevas. – A voz rouca de seu ex-amigo, ex-
companheiro e traidor da causa dos homens estava carregada de um sentimento desdenhoso
e vil. − Que feliz ironia! – retomou em tom debochado, em meio a um riso rouco. – A
Suprema Ordem dos Magos de Yondar passou milhares de anos tentando acabar com o
poder dos Feiticeiros das Sombras, e justamente o Espelho Negro, o portal dos feiticeiros, é
o que vai acabar com o reino dos Magos! – completou o traidor, com a voz arrastada.
O Mestre dos Magos olhava incrédulo, tentando buscar na sua memória em qual
momento perdeu seu velho amigo para o Poder das Trevas.
– Mas você merece saber o motivo – falou o traidor condescendente. – Vou responder
antes de subjugar a sua existência ao meu poder e adentrar no reino dos Magos pelo mesmo

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Espelho Negro que lhe trouxe até mim e destruir tudo que vocês protegeram durante todos
esses milênios.
O Mestre dos Magos se manteve imóvel. Não podia demonstrar nenhum sentimento
belicoso, para evitar uma ação impensada por parte de seu oponente. Sua única estratégia era
se manter tranquilo, como se não estivesse ali para embate, mas para que ele percebesse que
estava errado. A inteligência era a sua maior arma. Tinha consciência do poder que seu velho
amigo tinha em mãos, e sua maior esperança era tentar dissuadi-lo a mudar de ideia. Era sua
esperança. Afinal, se suas suspeitas estivessem certas, havia muito mais guardado nos confins
daquele lugar.
− Não há razão para isso, meu caro! Todos no reino dos Magos o amam e o respeitam
muito. Afinal, você é o Segundo ...
− Basta!!! – gritou o traidor encapuzado, estendendo a mão direita e trazendo o cajado
que estava parado em pé para junto de si, enquanto o eco ressoava pela gigante redoma –
Você não vai me convencer do contrário! – gritava, enquanto espumava de raiva, o corpo
tremendo tomado pelo ódio, o Cetro de Lij’uror pulsando em sua mão. – Não vou voltar
para uma vida enfadonha onde servimos apenas como meros fantoches aconselhando reis
estúpidos e inferiores, enquanto mediamos guerras sem nexo entre reinos que encerraríamos
com um simples despertar de um dos antigos demônios! O mundo dos homens acabaria
num piscar de olhos! Num piscar!!!!
− Temos o dever para com os homens e a...
− Pare! Já chega!!! – gritou a figura com a voz rouca. O berro tomou proporções
inacreditáveis dentro da redoma, enquanto o Cetro pulsava um vermelho escuro reluzente.
– O reino dos Magos e o mundo dos homens estão fadados a sucumbir! – retomou, baixando
o tom de voz. − O mal originário deve reinar sobre todos os mundos existentes! O Tempo
dos Deuses, homens e magos chegou definitivamente ao fim! Está na hora de todos sentirem
o verdadeiro poder criado por Omnathar!
A voz estava carregada de um ódio descontrolado, que o Mestre dos Magos já havia
ouvido no passado por várias vezes de outros interlocutores. O momento não era de
provocação. Precisava saber quais eram as reais intenções do seu oponente. Um movimento
errado e poderia colocar não somente a sua vida em risco, mas toda a vida existente em Ernt-
nador, o Mundo Conhecido. A cautela deveria ser a máxima nas próximas palavras. Assim,
resolveu ficar em silêncio, para ver onde tudo aquilo iria chegar.
− Homens! Homens! – continuou a voz rouca e arranhada, já mais controlada, enquanto
andava de um lado para o outro nervosamente, como se aguardasse por algo. O Cetro em
uma mão e o cajado na outra. – O que são eles? Que poderes têm os homens para nos
enfrentar? Quem pensam que são em um mundo de poderes inigualáveis? – indagou, olhando
para o Mestre dos Magos. – Heim? Insetos! – bradou por fim. – Insetos é o que são! Não
passam de seres medíocres preocupados em beber, batalhar, amar e criar seus filhos em vidas
sem sentido.
− Eles são os escolhidos pelos Primeiros Deuses para cultivarem as terras...
− Primeiros Deuses??? Deuses!!!??? – bradou a figura, com uma fúria descompensada,
espalhando o eco pelo alto salão. – Os teus deuses não estão mais aqui! Os Primeiros Deuses
estão quase todos mortos!
Diante da afirmação da figura encapuzada, o mago sobrestou. Um arrepio cortou-lhe a
espinha, e o ar lhe faltou.
− Quase? – indagou o Mestre dos Magos, apertando o seu cajado. – O que você quer
dizer com “quase”?
− Ele está falando de mim, mago – disse a voz arrastada em Idhílion, vinda das sombras
da passagem que tinha atrás do traidor.
Por instantes, o Mestre dos Magos da Suprema Ordem de Yondar espremeu seus velhos
olhos ocultados pelo capuz das vestes brancas, para tentar identificar a voz grave e antiga

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que surgia por trás do seu velho amigo. A imagem do vulto encapuzado se aproximava com
passadas arrastadas pelo piso cinza, passando a sensação de que estava cansada ou
aprendendo a andar, enquanto se apoiava em um pedaço de madeira escura. Quando o corpo
do desconhecido que avançava com demasiado esforço ladeou a figura e ficou mais próximo
da luminosidade, o mago conseguiu ter uma imagem melhor por dentro do capuz de um
preto desbotado.
O estranho vestia farrapos velhos que mesclavam entre um cinza escuro e claro, trazendo
uma capa negra puída, escorrendo às costas, com detalhes desgastados em vermelho. Por
segundos. ficou observando a figura que avançava em direção ao centro da redoma e ao altar.
Quando o rosto ficou visível, ainda que com a pouca e oscilante luminosidade, o mago pode
ver os traços envelhecidos apresentados pela pele enrugada. Podia arriscar a dizer que o rosto
era quase cadavérico. Os olhos eram brancos encovados, estavam caídos e inexpressivos,
como se aquele corpo fosse desprovido de vida. O estranho andava de forma arqueada e
demonstrava que fazia um esforço significante para arrastar as velhas botas pretas pelo piso
lustroso.
− E quem em nome de Thur, o Deus dos Deuses, é você?
− Thur? – questionou o estranho, voltando seu olhar caído para o traidor, que já estava
às suas costas. – O menino... O filho de Thuror ainda está vivo?
O Mestre dos Magos sentiu seu sangue congelar nas suas veias no instante em que ele
ouviu a pergunta. Poucos seres no mundo tinham conhecimento sobre os deuses,
principalmente sobre Thuror, o Primeiro Deus, antigo Senhor dos Deuses de Anahkólion.
E a forma como foi feito o questionamento pelo estranho denotou que este não apenas sabia
da existência de Thur, mas que o conhecia desde sua pouca idade. O que significava que o
estranho que estava diante dele era de uma época denominada: Primeira Era. E não havia
muitos seres que eram ou tinham conhecimento sobre essa Era. Mas não poderia ser verdade.
− Sim, mestre! – respondeu a figura encapuzada de vestes negras, aquiescendo com a
cabeça. – E, não, mestre!
O velho em farrapos parou seu avanço e voltou seu olhar para o traidor. – Está vivo ou
não está? – questionou com raiva latente na voz.
− Está morto! Morreu em um Tempo passado numa grande guerra! Thur está vivo apenas
para os homens que foram enganados pelos magos para que continuassem a acreditar no
poder dos deuses e, assim, fossem fáceis de controlar!
− Em nome de todos os deuses de Anahkólion, apresente-se! – ordenou o Mestre dos
Magos, avançando de cajado em punho na direção do velho decrépito.
Com um gesto com a mão, a figura cadavérica criou uma redoma de proteção ao redor
dele mesmo, impedindo que o Mestre dos Magos se aproximasse. No instante seguinte, uma
risada arrastada e zombeteira em tom sombrio saiu da garganta do estranho e perdurou por
alguns segundos.
– Você realmente quer saber quem sou? – indagou o velho, avançando na direção dos
degraus do altar situado no interior do círculo, a passos arrastados.
− Já enfrentei bestas diversas e seres como Húr, o Senhor das Sombras, e não há mal com
o qual não possa lutar!
Por um segundo, o estranho parou. O nome pronunciado lhe era familiar.
− Húr? – disse o velho, em estado de choque ao ouvir o mesmo nome que ouvira milhares
de anos atrás. – O filho... – resmungou com a voz arrastada. – Não! Não pode ser... – O
estranho estava perdido em divagações que haviam tomado a sua mente. – Ela não pode ter
feito isso! Não com ele... Não! Não comigo! Não! Não pode ser! – bradou enfurecido! Não
é!!!
O Mestre dos Magos escutou tudo o que o velho falou, tentando assimilar e pensar o que
poderia fazer diante do que estava sendo revelado. Havia um significado nas palavras do
velho que não conseguiu identificar. Um enigma a ser decifrado. Um segredo bem guardado.

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Mas ainda era cedo para saber qualquer coisa. Teria tempo para estudar sobre o assunto e
descobrir por que o nome de Húr havia transtornado tanto o estranho. A melhor atitude era
deixar que o estranho falasse tudo o que tinha para dizer e revelasse sua identidade e seu
propósito. Muito embora desconfiasse quem era aquele estranho, sabia que o propósito não
deveria ser o mesmo da Suprema Ordem dos Magos de Yondar. E, com certeza, não deveria
ser do interesse do mundo dos homens.
– Se quer realmente saber quem sou... – retomou o estranho. – Vou revelar a minha
identidade! Eu sou aquele que libertou o poder do qual deriva a principal essência dos
homens que cobiçam o poder. Já fui chamado de muitos nomes... – Fez uma pausa, enquanto
praticamente utilizava todas as suas forças para subir aqueles degraus do altar localizado no
centro do salão. − Mas isso foi há milhares de anos atrás... − retomou o estranho −, antes
de ser aprisionado nas profundezas desse lugar por Thuror. – O tom de voz denotava um
ódio desmedido por Thuror, o antigo Deus dos Deuses. – Mas agora, Mestre dos Magos,
prepare-se para conhecer seu Senhor! – disse, colocando força e entonação na voz. – Eu sou
o único que conhece os mistérios das trevas ocultos desse mundo. Sou aquele que conhece
o exato local e sabe como reerguer das cinzas a única criatura que tem o poder da Origem
das Trevas e do Mal. Sou o único ser existente capaz de controlar aquele que foi libertado de
sua prisão no Abismo de Donathúrth – disse, com certa tranquilidade, sobre o altar
iluminado pelo sol do dia, enquanto as mãos enrugadas e com longas unhas agarravam as
duas argolas presas aos pilares separados simetricamente. – Mas o meu nome... O meu
principal nome era... – disse, fazendo uma pausa, erguendo as mãos com as argolas para o
céu, enquanto pronunciava palavras sem significado aparente para o mago mestre. − Orum
dhats var anum dauranor gorgot od...
Vendo que o velho começou a pronunciar algum encantamento ou poder, o Mestre dos
Magos tentou impedi-lo. Rapidamente, pronunciou algumas palavras de um poderoso poder
e libertou o comando final, apontando seu cajado para a redoma de um cinza transparente,
que protegia o estranho.
– Manting!
Assim que a ordem foi pronunciada, um raio cintilante deixou o cajado e atingiu a redoma
com violência. Um forte estrondo percorreu o imenso salão, enquanto o raio castigava a
proteção que protegia o velho. O Mestre dos Magos sabia que em poucos segundos o escudo
que bloqueava o ataque seria transposto, e o raio atingiria o seu alvo. O mestre estava
compenetrado no ataque à redoma para tentar impedir seja lá o que o estranho estivesse
planejando. Mas, antes que isso pudesse acontecer, o mago foi atingido por um raio de um
vermelho vibrante, lançado pelo Cetro de Lij’uror que repousava na mão do traidor. Com o
poderoso impacto, o Mestre dos Magos soltou um grito de dor, sendo arremessado a sete
metros de distância, onde caiu desconcertado. Com a queda e completamente desequilibrado,
o mago deixou escapar de suas mãos o seu cajado. Deitado de bruços no chão, voltou seu
olhar para o velho, enquanto tentava se recobrar do golpe.
Num movimento repentino, o velho decrépito jogou a cabeça para trás, removendo o
capuz de um preto desgastado, deixando à mostra os cabelos brancos desgrenhados e mal
amarrados em três longas tranças. O rosto enrugado pelos muitos milênios estava voltado
para a abertura no alto, de onde entrava a claridade pela grande claraboia da redoma. O corpo
tremia, como se estivesse utilizando toda a sua energia existente para canalizar todo seu
poder.
O Mestre dos Magos já havia se colocado em pé e, com um gesto de sua mão, fizera o
seu cajado voar para junto de si. Ao olhar para o traidor, via que este apontava o Cetro de
Lij’uror na sua direção, porém não queria atacá-lo. Se quisesse, já o teria feito. Não. O seu
velho amigo de Ordem queria que ele presenciasse o que estava por acontecer. Uma
testemunha irrefutável. Contudo talvez estivesse errado e superestimando a inteligência do
traidor que, quem sabe, somente queria provar o seu poder com tudo aquilo. Um ato de

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vaidade. A verdade é que nenhuma das duas possibilidades lhe dava a chance de tentar um
ataque que pudesse impedir tudo aquilo. Pensando assim, começou a recuar para perto do
Laiëntharim, que ainda permanecia aberto.
– Vai descobrir agora, Mestre dos Magos... – O estranho fez uma pausa, para então
pronunciar a última palavra que faltava, com as mãos voltadas para o ar. – Omnathar!
Tão logo a ordem deixou os lábios enrugados do estranho, ainda não identificado pelo
mago mestre, poderosos raios margearam os pilares, percorreram as correntes que prendiam
as argolas e saíram de suas mãos enrugadas em direção ao alto, atravessando a passagem
aberta pela redoma muito acima no teto. Levou alguns momentos, até que um poderoso
trovão retumbou nos céus, estremecendo a gigantesca redoma. Imediatamente, a luz do sol
que entrava no lugar praticamente foi bloqueada, e um raio de um cinza denso margeado por
uma orla preta e brilhosa desceu dos céus e tomou conta do corpo do estranho. Em poucos
segundos, a luz do sol que iluminava o lugar foi completamente interrompida, e o grande
salão foi tomado pela escuridão. O Mago Mestre bateu com o cajado no chão, fazendo com
que a Pedra de Alis que havia na extremidade superior do seu cajado iluminasse o lugar o
suficiente, para que ele conseguisse ver o que acontecia.
Em tudo aquilo que acontecia diante de seus olhos, o que mais o consternou foi o
comando final. Ao ouvir última palavra pronunciada, o mago mestre sobrestou fleumático.
Imediatamente a identificou, o que o deixou ainda mais preocupado. Subitamente foi atacado
por lembranças de tristes histórias de um tempo sinistro contadas por Yondar, o Primeiro
Mago. Histórias sobre sombras e trevas que recaíram sobre Anahkólion e, posteriormente,
sobre os mundos de Ernathurilis e Ernthys. Passagens sobre guerras entre homens e deuses,
em especial sobre a Grande Guerra, chamada “Batalha dos Deuses”. Também foi assolado
por pensamentos pesarosos derivados de inúmeras leituras em manuscritos datados das
Primeiras Eras até a Era das Trevas, o último Tempo de Ernthys, antes da Fuga dos Homens
pelo Mar Dnathorion, em busca de um novo lugar para viver.
Tudo isso tinha relação direta com aquela simples palavra. Mas “Omnathar” não se tratava
apenas de uma simples palavra. Era um nome tão antigo quanto o início do nascer dos
mundos existentes. Um nome tão desconhecido e incomum que menos de dez pessoas
existentes entre Ernt-nador, o Mundo Conhecido, e Dnathirium, sabiam o que significava e
a qual Entidade se referia. O nome pronunciado estava relacionado ao primeiro mito que
tratava sobre a criação de tudo que existia e que já existiu nos mundos. Uma lenda de milhares
de anos que falava sobre a Origem do Primeiro Mundo criado por Naumathar, a maior
entidade divina. O nome “Omnathar” referia-se ao criador da outra metade do mundo, mas,
por razões importantes e imprescindíveis, foi praticamente apagada dos Anais da História.
Para que não fosse esquecido, estava guardado em um livro muito bem protegido no reino
dos Magos: “O Livro de Todos os Tempos”.
A história contava que Naumathar, um grande ente divino, foi responsável pela criação
do dia, das florestas, mares e rios; depois criou os deuses, a quem lhes deu grandes poderes;
os homens vieram a seguir, para povoar e cultivar a terra de Anahkólion; criou o inverno e o
verão, os dois ciclos de estação de contagem de tempo; e, por fim, criou e deu vida aos
animais dóceis e ferozes. Rege a lenda que, quando Naumathar foi criado por um poder
inigualável existente no espaço, um cometa cruzou exatamente no mesmo caminho,
dividindo a energia e o poder em dois. Uma parcela um pouco maior que a outra, criando
Naumathar e Omnathar. Assim, Omnathar correspondia a uma metade um pouco menor
que Naumathar, porém completamente o oposto. Imbuído de ódio e sentimento vil ao
contemplar a criação de Naumathar, Omnathar, a outra entidade de igual magnitude e
extremos poderes, e de certa forma ligado a Naumathar, criara a noite, as trevas, as criaturas
ferozes, as bestas e os monstros, e deixou-os habitar a região noroeste da terra chamada
Anathurilis, a oeste de Anahkólion. Mas isso não o deixara satisfeito, afinal aquela era apenas
a sua criação, e o seu propósito não era o de criar, mas o de destruir. Então, não contente,

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Omnathar despejou todo sentimento maligno existente nele sobre os homens,
transformando muitos deles de forma significativa, alterando completamente o mundo
criado por Naumathar, sem que este percebesse num primeiro momento. Aquela atitude era
irreversível. Uma vez tendo os homens absorvido a maldade, a inveja, a ganância, o ódio, a
cobiça e a raiva, não havia mais o que Naumathar pudesse fazer. A não ser contar com a
sorte e a bondade de cada homem e mulher criado. O grande dano já estava causado. Mas
isso não foi o pior que Omnathar fez.
Sabendo qual seria a reação de Naumathar quando descobrisse o que ele havia feito com
parte do mundo perfeito, Omnathar descera da vastidão do espaço na forma de um homem
e fugira em segredo para Anathurilis. Escolheu Anathurilis, sabendo que Naumathar
planejava migrar grande parte dos Primeiros Homens para a região leste daquela terra. E, lá,
no extremo norte de Anathurilis, junto à Montanha de Necrolisis, construiu uma poderosa
fortaleza de pedras negras, a qual chamou de Reino da Escuridão. Um lugar onde a luz do
dia jamais penetraria. Ali, todos os seres maléficos e bestas de todas as espécies, desde as que
voavam até as que rastejavam pela terra infértil, poderiam viver e se proliferar. Não contente
com tudo, ainda criou criaturas ferozes, que corriam pela terra e outras tantas, que viviam
nas profundezas do lago que orlava o Reino da Escuridão. E lá permaneceu durante muitos
ciclos.
No seu reino, diante de um vazio que sentia, Omnathar decidiu criar um Ser que ocupasse
o lugar de um grande rei. Um rei que, num futuro próximo, estenderia o seu reinado e
dominaria o mundo dos homens criados por Naumathar. Um Ser tão ou mais poderoso e
divino que os deuses criados por Naumathar. Então, por muitos ciclos de estação, Omnathar
tentou criar o tal Ser, sem ter qualquer sucesso. Representava que estava perdendo seus
poderes. A sua forma humana estava cobrando um alto preço. Até que um dia, nos confins
da Montanha de Necrolisis, à beira do Abismo de Donathúrth, utilizando todo o poder da
escuridão de Necromathum, Omnathar criou o Ser mais poderoso do que qualquer um dos
deuses criados por Naumathar. Ele o chamou de Nomenadhúrth: uma criatura de estatura
imponente, chegando a superar a dos Primeiros homens. O corpo era forte, os olhos brancos
encovados e possuía pequenas presas e garras afiadas. Contudo, não era um guerreiro que
Omnathar queria. Não, definitivamente. A finalidade da existência de Nomenadhúrth era a
inteligência para controlar um poder ilimitado, maior que o poder do mais poderoso dos
deuses de Anahkólion. Nomenadhúrth deveria ser mais poderoso que qualquer Deus. Essa
criatura, em especial, veio ao mundo com um propósito específico: espalhar as trevas pelos
mundos e reinar na escuridão, podendo comandar todas as forças das trevas. Mas, para isso,
precisava de apenas mais um detalhe. Absorver todo o poder maligno existente nele:
Omnathar. E, antes que os deuses soubessem, foi o que aconteceu.
No fundo, Omnathar sabia que não seria páreo para vencer Naumathar em uma batalha
em campo aberto. Também tinha plena consciência de que isso iria acontecer em mais ou
menos tempo, mas ao menos não perderia a luta por completo, uma vez que seus poderes
não se perderiam na imensidão do universo. Seriam transferidos para Nomenadhúrth, e a ele
caberia a missão de aniquilar os deuses e dominar os homens, trazendo a escuridão definitiva
para o mundo. E, quem sabe, depois que tudo isso acontecesse, pudesse trazer ele,
Omnathar, de volta, após sua luta com Naumathar. Afinal, o desejo de Omnathar não estava
na sua criação propriamente dita, mas no que ela poderia fazer por ele, depois que tudo
estivesse resolvido.
Para tanto, criou Necromathum. Um Ser de menor compleição física e de estatura quase
insignificante, se comparado aos homens da época. Necromathum, muito embora tivesse a
incumbência de ajudar Nomenadhúrth, servia apenas a um senhor: Omnathar. E a ele cabia
a missão de trazer o seu senhor de volta ao mundo, quando a hora chegasse. Além disso,
estava sob a sua guarda talvez o maior de todos os segredos: a fraqueza de Nomenadhúrth.

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Para que, quando chegasse a hora, Nomenadhúrth não mudasse de ideia e trouxesse o seu
criador de volta à vida. Um segredo que estava muito bem guardado com Necromathum.
Nomenadhúrth, o Ser abominável criado por Omnathar, foi chamado de Deus da
Escuridão pelo reino de Uxor, os primeiros homens a povoarem as terras no extremo leste
de Anathurilis. O outro reino que se estabeleceu mais no centro daquela terra não teve outra
opção, a não ser sucumbir, quando a Primeira Grande Guerra eclodiu em Anathurilis. Foram
muitos ciclos de tempo, até que os descendentes das Primeiras Linhagens, já vivendo em
Ernathurilis, conseguiram capturar e aprisionar Nomenadhúrth, mas não antes de devastar a
terra de Anathurilis. Uma guerra que ficou gravada nas primeiras Eras como a Guerra das
Trevas.
De todos os filhos dos Primeiros Deuses, somente um detinha o poder e sabia como
controlar a força de Nomenadhúrth. Esse mesmo deus já havia libertado e controlado
Nomenadhúrth uma vez, milhares de anos atrás, antes de ser aprisionado. Ao que tudo
indicava, o velho que estava diante dele, era esse deus. E era isso que o Mestre dos Magos
temia. O que o mago e ninguém ainda vivo sabia era que tudo estava interligado com um
segredo divino muito bem guardado. O porquê esse filho de um deus era assim e o motivo
pelo qual tinha tal poder estava intrinsecamente vinculado a um dos maiores segredos
existentes desde a Era dos Deuses. Afinal, o que ninguém sabia era que aquele era um dos
primeiros segredos importante para o mundo, e somente dois deuses sabiam a verdade.
Apenas um ainda existia.
Quando o raio que descia dos céus parou de tomar posse do corpo do estranho decrépito
e desapareceu, o altar mergulhou na escuridão. Subitamente, todas as piras que orlavam e
adornavam o lugar acenderam. A imagem que se desvelava diante do Mestre dos Magos não
era mais de um ser cadavérico, mas sim de um ser milenar em um corpo jovem, alto e forte.
A cabeça exibia um elmo de um preto reluzente com detalhes em dourado, a combinar com
a armadura. As tranças que escorriam pelo capuz e capa não eram mais grisalhas e
desgrenhadas, mas pretas e bem arrumadas. As roupas velhas desapareceram, dando espaço
para tecidos novos, que mesclavam entre o preto e o cinza-escuro, a não ser pelo interior da
capa, que era vermelho. Usava um corselete de um preto opaco e, mais abaixo, um cinturão
que trazia uma espada de longo cabo vermelho. Na mão esquerda, a figura segurava uma
longa lança de um preto brilhoso.
− Eu sou Kathrom, Deus das Trevas – revelou, olhando para o mago.
O Mestre dos Magos não se surpreendeu. Também não se espantou quando a luz do dia
não voltou mais a entrar sobre a redoma. Isso já havia acontecido em outros Tempos.
Imediatamente, o traidor ajoelhou-se. Kathrom regozijou-se com a atitude de seu libertador.
Kathrom gostava da subserviência dos seres inferiores a ele. Então, voltou sua atenção para
o outro indivíduo presente. Por instantes, Kathrom fitou o Mestre dos Magos.
– Ajoelhe-se diante de mim, o Deus da Trevas! – ordenou secamente. – Declare fidelidade
de sua Ordem e estará ao meu lado quando conquistar todos os mundos. Recuse e morra!
Aqui e agora! – A voz de Kathrom não era mais arranhada e decrépita, mas aveludada e forte.
– Faça sua escolha, mago!
O Mestre dos Magos pairava inerte. Enquanto estudava seus oponentes, pensava em qual
seria a melhor solução para Ernt-nador, o Mundo Conhecido. Os adversários eram por
demais poderosos, sendo que um era filho de Therbás, o antigo deus das Trevas. Mesmo
sendo o Mestre dos Magos e podendo utilizar todo poder que existisse ao seu alcance, ele
sabia que não havia como vencer completamente aquela luta. Qualquer escolha de confronto,
independente do dano que pudesse causar, levaria fatalmente a sua morte. O que seria um
prejuízo irreparável, uma vez que ninguém no mundo estaria preparado para o que estava
por vir. Além disso, tinha um outro problema. Na ordem de sucessão, o próximo a assumir
o comando da Ordem dos Magos seria o Terceiro Mago, Dunindus, e ele ainda não estava
preparado. De todos os prejuízos de um embate, o pior ainda seria sucumbir e deixar o reino

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dos Magos e o mundo dos homens serem surpreendidos por um poder daquela magnitude.
Isso sem contar com o exército de criaturas e bestas vindas dos confins do mundo, que
seguiriam Kathrom e o Ser que ele não ousava sequer pronunciar o nome, nem mesmo em
pensamento.
Agora, entretanto, o que antes estava oculto aos olhos do Mestre dos Magos, agora tinha
ficado claro como a luz que emanava da pedra de Alis. As reais intenções do seu velho amigo
estavam desveladas diante dele. Fato que lamentava muito, já que aquela era uma estrada sem
volta. Se, antes de adentrar no Laiëntharim desconhecido por ele, havia alguma esperança de
resgatar seu velho amigo das trevas, agora aquela já não era mais uma possibilidade. Não
havia retorno para o caminho tomado por ele. A partir daquele momento, seriam inimigos,
até que um dos dois sucumbisse. No fundo, o Mestre dos Magos já sabia exatamente o que
o traidor e seu novo mestre queriam na realidade. O fato era inegável. Eles queriam trazer
de volta a pior criação de Omnathar: Nomenadhúrth, o Senhor da Escuridão.
Não tinha muitas escolhas. E, por mais complexas que pudessem parecer, ainda eram
simples demais. Fugir e tentar de alguma forma impedir que toda aquela desgraça assolasse
o mundo ou lutar e tentar causar o maior dano possível à causa deles e morrer, cumprindo
com honra o que a Suprema Ordem de Yondar determina que seja feito numa situação como
aquela. Uma das duas escolhas já estava feita. Mas não sem antes tirar alguma vantagem
daquilo tudo.
− Você não passa de um derrotado! – disse o Mestre dos Magos, em tom resoluto e
desafiador, com uma ponta de deboche. – Therbás era o Deus das Trevas! – afirmou, em
tom zombeteiro. – Não, Kathrom! E Therbás está morto! – complementou, recuando até
estar bem perto do portal aberto. Sem deixar os dois oponentes perceberem, o mestre
começou a murmurar palavras movendo minimamente os lábios.
− Como ousa se dirigir a um deus dessa maneira? – indagou o traidor enfurecido. Estava
inconformado com tamanha afronta. Não acreditava no tom de voz e na forma acintosa do
ataque verbal do Mestre dos Magos contra ele, o Deus das Trevas. – Você vai conhecer o
meu poder! – respondeu resolutamente. – Vou queimá-lo no fogo originário do mundo –
completou, em tom ameaçador. – An agsthum anar... An agsthum anar... Josh nos orenad Kathand
Thoer ... Kathand Gorum... Kathand-Thândnath ... Baroll!
Ao término das palavras pronunciadas, um silêncio profundo tomou conta do lugar. O
coração do Mestre dos Magos acelerou. Sem pronunciar uma palavra, ele fechou os olhos.
Havia preocupação em seu cenho. A consternação tomou conta de sua mente. Antes que
qualquer coisa pudesse acontecer, o Mestre dos Magos sabia o que Kathand-Thândnath
significava, bem como ao terrível caos que se referia. Kathand Thoer ... Kathand Gorum eram
nomes específicos. Aquelas palavras juntas significavam apenas uma coisa: destruição.
A história em particular tinha sido vivida por Yondar, o Primeiro Mestre dos Magos. E
estava gravada nos Anais das Eras em um dos capítulos do Livro de Todos os Tempos. Além
de ter lido, Yondar lhe contara em detalhes o que ele e Thuror tinham aprisionado nas
catacumbas muito abaixo de seus pés. Muitos metros abaixo, o terror que vagou pelos
mundos de Anathurilis e Ernathurilis dormia há milhares de anos. Das profundezas daquele
lugar, o mago sabia o que estava sendo despertado de sua prisão.
Antes que pudesse continuar seu raciocínio, um tremor foi sentido sob o chão. Mas o
tremor não veio sozinho. Logo, foi seguido de um grunhido grave e ensurdecedor,
acompanhado de um guincho agudo e estridente. Ambos os sons vinham muito abaixo e
saíam das grandes aberturas. A cada instante que passava, os tremores aumentavam, e os
sons dos grunhidos e guinchos ficavam cada vez mais fortes. Nitidamente, eram emitidos
por duas criaturas gigantescas. Os tremores ficaram perceptíveis: eram provenientes de
grandes passadas. E os grunhidos e guinchos ficaram cada vez mais próximos. Então,
claridades vindas de fortes chamas começaram a iluminar as duas grandes entradas. Não
faltava muito para a verdade descortinar diante dos olhos dos presentes, muito embora todos

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que ali estavam soubessem o que apareceria nas aberturas. Bastou mais alguns instantes para
que as duas imensas criaturas surgissem nas descomunais passagens. Os Kathand-Thândnath:
os Grandes Dragões Negros.
Como se recepcionasse seus filhos, Kathrom regozijou-se, erguendo a lança, ao ver os
descomunais dragões Thoer e Gorum deixarem os grandes arcos. Grunhidos graves e guinchos
estridentes ressaltavam a alegria das bestas gigantescas em ver seu antigo senhor e libertador.
Fazia muito que todos tinham sido aprisionados por Thuror e Yondar, no final da Era de
Ernthys. O Mestre dos Magos já havia visto e lutado contra os Grandes Negros de Fogo, no
Tempo dos Dragões, juntamente com Yondar. Isso antes dos Kathand-Thândnath serem
banidos para ilha de Aquinaim, situada a leste do reino dos Magos, em Ernt-nador. Mas
Kathand Thoer e Kathand Gorum eram diferentes: maiores e mais fortes e poderosos. Eram
chamados de Dragões Originais pelos Primeiros Homens. Kathand Thoer e Kathand Gorum
foram criados por Nomenadhúrth, em Anathurilis, e eram muito maiores que os Kathand-
Thândnath que aterrorizaram Ernt-nador.
− Veja o que você fez, meu velho amigo? – falou o Mestre dos Magos, apontando o
cajado para os dois dragões, enquanto desembainhava Nilglior.
− Kathrom, para a Suprema Ordem dos Magos de Yondar, Protetora dos Segredos dos
Deuses, do Talismã de Thur e do Livro dos Sete Segredos, você não passa de um filho de
deus traidor e de uma deusa amaldiçoada, banida pelo Deus dos Deuses – disse o Mestre dos
Magos, com convicção, enquanto terminava de pronunciar as últimas palavras. – Você faz
parte da escória divina! E é pra lá que vai voltar! − completou o mago, de espada e cajado
em punho.
− Ser insignificante! – bradou Kathrom, deixando o eco de seu grito enraivecido
reverberar pela redoma. Percebendo a exasperação em seu senhor, Thoer grunhiu mais alto,
apagando o eco de Kathrom. − Kathand Thoer e Kathand Gorum Orolath! – pronunciou
Kathrom, com os olhos fixados no mago.
Sem que necessitasse ser dito mais alguma coisa, Thoer e Gorum grunhiram e lançaram
suas poderosas chamas contra a figura diminuta que estava a distância. Com a calma e a
experiência necessárias, o Mestre dos Magos, sem titubear, cruzou seu cajado com Nilglior,
a espada do Deus do Fogo Branco. Quando as chamas se aproximaram do cajado e da
espada, uma barreira de proteção invisível impediu seu avanço, funcionando como um
escudo, desviando o fogo para os lados. As chamas persistiram a açoitar o escudo, mas sem
qualquer efeito. Embora as poderosas chamas não conseguissem atingir o Mestre dos Magos,
o calor proveniente delas aqueceu toda a redoma. E, principalmente, o mago que estava a
menos de dois metros dos raios de fogo.
Assim que as chamas cessaram, o mago pode respirar. Então, não desejando perder a
oportunidade, retomou a fala. – Isso é tudo que tem para me mostrar, Kathrom, Traidor dos
Deuses.
− Verme igual ao maldito Yondar! – falou, com os dentes rilhados. − Você não sabe que
está na presença de um deus? – esbravejou o Deus das Trevas à margem do descontrole.
Olhos negros arregalados.
− Para a Suprema Ordem dos Magos de Yondar, Protetora dos Segredos dos Deuses, do
Talismã de Thur e do Livro dos Sete Segredos, Kathrom não passa de um filho de um deus
traidor e de uma deusa amaldiçoada e banida pelo Deus dos Deuses – disse o Mestre dos
Magos, enquanto terminava de pronunciar as últimas palavras. – Integrante da escória divina!
− Maldito! – gritou Kathrom, descontrolado por tamanha afronta. − Morra!
Ao proferir a sentença, o Deus das Trevas apontou sua lança para o Mestre dos Magos.
Um poderoso raio de um amarelo vivo deixou a lança de duas pontas. No mesmo momento,
mesmo sem qualquer comando, os dois dragões lançaram suas chamas na direção do mago.
O raio e as chamas cruzaram o salão numa velocidade impressionante. Mas o raio ainda foi
mais rápido, atingindo o peito do Mestre dos Magos, antes que esse pudesse evitar o ataque.

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Um grito de dor dilacerante foi emitido pelo mago, antes que o impacto o jogasse para dentro
do Laiëntharim. Em apenas uma fração de segundo, o mago desapareceu instantaneamente
dentro do portal mágico. No momento seguinte, as chamas atingiram o portal, incendiando
as pedras, mas o Mestre dos Magos já não estava mais ali.
Quando as chamas desapareceram, Kathrom e o traidor ficaram a fitar o portal inerte e
suspenso no mesmo lugar. Não havia vestígios do mago. O traidor se aproximou de seu
mestre.
− Meu senhor, o Mestre dos Magos deve estar morto do outro lado do portal – disse o
traidor para Kathrom, os dragões aparecendo com dentes à mostra mais atras.
− Quero ter certeza! Confira se o Mestre dos Magos está morto, Dorfhamur – ordenou
o Deus das Trevas.
O traidor franziu o cenho ao ser chamado por um nome que não conhecia.
− Esqueça o seu antigo nome. Você vai se chamar Dorfhamur, o Guardião das Trevas, a
partir de agora – explicou Kathrom. – Agora, vá! E, se o Mestre dos Magos não estiver morto
– disse com um meio sorriso no rosto − acabe com aquele maldito! – concluiu Kathrom,
apontando para o Laiëntharim.
− Sim, meu senhor – aquiesceu Dorfhamur. Sem pestanejar, ele iniciou o avanço a passos
largos na direção do portal mágico.
− Não demore! Precisamos prosseguir para a fronteira entre Anahkólion e Ernathurilis,
para libertar Nomenadhúrth. Chegou a hora das trevas reinarem novamente sobre a luz –
complementou, enquanto via Dorfhamur adentrar no portal.
O corpo do mago foi jogado com força para fora do outro lado do portal, vindo a cair e
a rolar no chão de terra do interior da Montanha de Ojiz. A dor no peito era pungente, o que
o fez pensar que fez uma excelente escolha. Além, é claro, de ter tido muita sorte. Poderia
ter optado por qualquer outra proteção invisível, que não a da Deusa Aladis. Talvez não
tivesse contido o ataque. Tudo aquilo serviu para constatar que o poder de Kathrom era
muito superior a todos os oponentes que já tinha confrontado ao longo dos Tempos. Uma
coisa estava clara para o Mestre dos Magos, ele não tinha poder suficiente para vencer
Kathrom em uma batalha. Não sozinho. Precisaria de reforços. Estava na hora de reunir os
três guardiães das Três estrelas.
Com esforço, ergueu o pescoço e viu que o Espelho Negro ainda estava aberto. Precisava
retornar para o reino dos Magos com a máxima brevidade. Por alguns momentos, ficou
estendido no chão. Estava um pouco atordoado do somatório da viagem pelo portal e da
dor proveniente do ataque de Kathrom, mas, com ou sem dor, tonto ou não, não poderia se
demorar. Muito provavelmente, seu velho amigo o seguisse pelo portal, com a finalidade de
verificar o resultado do ataque de Kathrom.
Com enorme dificuldade diante da dor que lhe açoitava, conseguiu se erguer, utilizando o
cajado como apoio. Juntou Nilglior do chão e a embainhou. Estava mais desorientado que a
primeira vez que viajou pelo Laiëntharim até a Ilha de Neithar. Não fosse pelo poder do
Manto de Aladis, a aura invisível criada antes do ataque para proteger o seu corpo, ele estaria
morto. Sentindo-se melhor, caminhou até o Espelho Negro. Precisava retornar para o reino
dos Magos. Havia muito a ser feito, e o tempo era curto demais para tanto labor.
O Mestre dos Magos estava a um passo de entrar no Espelho Negro, quando ouviu a voz
rouca e arrastada as suas costas.
− Aqui é o fim da linha, velho amigo! – disse o Segundo Mago, fazendo força para emitir
as palavras.
Sem mover um músculo, o mestre parou fleumático. A cautela era imperiosa naqueles
segundos que se seguiriam. Muito embora soubesse exatamente como tudo aquilo iria
terminar. Afinal, seu velho amigo não o seguira para ver como estava, mas para terminar o
que Kathrom havia começado. E, se ele ficasse vivo, poderia ser um problema para Kathrom
e seu séquito.

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– Os magos estão fadados a terminar. Kathrom vai libertar Nomenadhúrth e todas as
bestas que já existiram desde Anahkólion até Ernt-nador. Junte-se a mim e a Kathrom ou
morra!
− Diga-me, velho amigo – disse o Mestre dos Magos, com ironia na voz − quando foi
que o Segundo Mago da Suprema Ordem de Yondar trocou a luz pelas trevas? – completou,
girando o corpo e ficando de frente com o Segundo Mago.
O Segundo Mago, que tanto viajou e lutou ao lado de seu velho amigo, sobrestou em
pensamentos. O Cetro de Lij’uror na mão direita pulsava um vermelho vivo, enquanto o
cajado repousava na esquerda. Em questão de segundos, ele foi transportado para a última
batalha travada ao lado de seu velho amigo. O dia escuro em que perdera totalmente a
confiança na Ordem dos Magos de Yondar. O dia em que perdera sua voz. O dia em que
decidiu que iria esperar o momento de mudar o curso da história. O momento em que
compreendeu que, como mago, não passava de um mero integrante de uma Ordem que se
renovava de tempos em tempos, à medida que um dos integrantes partia para uma outra
dimensão, o que os homens chamavam de passagem e, vulgarmente, era chamado de morte.
Não precisou de muito tempo para pensar numa resposta a ser dada para o agora, Mestre
dos Magos.
− Estávamos juntos nesse dia. Não se lembra, meu caro amigo? – questionou o Segundo
Mago, com o rosto completamente oculto pelo capuz.
O Mestre dos Magos buscou a imagem do fatídico dia na sua memória.
– Você estava lá! Não lembra o que fez? – disse o traidor.
O ressentimento e a raiva eram palpáveis na voz do Segundo Mago. O Mestre dos Magos
sabia exatamente ao que ele estava se referindo. Na ocasião, estavam em meio a uma grande
batalha, e a decisão que precisava ser tomada remetia a duas opções que teriam vários reflexos
de diferentes magnitudes. Entretanto, um refletiria diretamente em Ernt-nador, o Mundo
Conhecido, e nos seus reinos. A outra impactaria no mundo individual de uma única pessoa.
No caso, o Segundo Mago. Ele escolheu sacrificar o mundo individual do amigo e
companheiro de Ordem a colocar todo um mundo repleto de pessoas em risco.
− Uma decisão sua! Uma, entre duas escolhas! Um sacrifício meu! – discorreu o Segundo
mago.
− Lamento, meu caro amigo – desculpou-se o Mestre dos Magos. – Tomei a melhor
decisão. A única que favoreceria o Mundo Conhecido.
− Mas não melhor para mim! – bradou o Segundo Mago, com amargura na voz rouca. −
Uma escolha sua que me prejudicou muito. Eu paguei por essa decisão – disse o Segundo
Mago, com rancor. – E agora – concluiu, exasperado, apontando o cetro para o seu antigo
mestre − você vai pagar pela sua escolha!
O Mestre dos Magos sabia o que estava por acontecer. Já esperava e estava pronto para
sacrificar o que fosse preciso. Então, viu o exato momento em que o raio deixou o cetro em
sua direção. Ele conhecia o poder do Cetro de Lij’uror. Sabia de seu poder, afinal lutara
contra em outras ocasiões. Já havia presenciado o que poderia fazer com qualquer pessoa,
bem como com um mago. Contudo, ele não era qualquer pessoa e nem tampouco era um
simples mago. Ele era o Mestre dos Magos de Yondar.
Imediatamente, e não havendo outra alternativa, o mago mestre estendeu a mão que
segurava o Cajado Branco, chamado de o Primeiro Cajado, presenteado ao Primeiro Hísthalar
por Thuror, Deus dos Deuses de Anahkólion. Com o cajado voltado para frente de seu corpo
como se um escudo fosse, o mestre aguardou pelo inevitável. O choque do raio do cetro
contra o cajado foi incrivelmente forte, partindo o cajado ao meio e acertando o peito do
Mestre dos Magos. O impacto do golpe foi tão descomunal e violento que arremessou o
Mestre dos Magos para dentro do Espelho Negro, provocando um poderoso estrondo no
interior da Montanha de Ojiz, fechando instantaneamente a passagem aberta que flutuava no
interior da montanha.

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Oculto sobre o capuz, o Segundo Mago, agora batizado de Dorfhamur, esboçou um meio
sorriso de satisfação. Estava feito. O Mestre dos Magos estava morto. Morto pelo Cetro do
Demônio de Lij’uror. Exatamente como outros magos morreram em outros Tempos. O
traidor, que a partir daqueles atos deixava a posição de Segundo Mago da Suprema Ordem
de Yondar, respirou fundo. A primeira fase da sua vingança contra a Ordem dos Magos de
Yondar estava completa. Antes mesmo do que imaginava. Os magos estavam frágeis. Sem
liderança. Sem seu mestre. E ele se juntaria a Kathrom para iniciar uma nova jornada, como
Dorfhamur, o Guardião das Trevas.
O golpe desferido atravessou o Espelho Negro e arremessou o Mestre dos Magos a dez
metros de distância, fechando o Espelho com o estouro de um trovão violento. O gigantesco
estrondo foi ouvido por todo o Reino dos Magos e ecoou além das Montanhas das Ilusões.
O corpo do Mestre dos Magos ficou estendido no chão frio. Imóvel. Inerte. Os dois pedaços
do cajado branco que representava o poder do Primeiro Hísthalar e o Signo dos Magos
estavam espalhados no piso. O sinal do final de uma Era. O prenúncio do fim dos Magos.
Ernt-nador, o Mundo Conhecido, não sabia, mas o Tempo de Thur havia chegado ao seu
fim definitivamente. A Era dos Magos estava por encerrar. O Mundo dos Homens ruiria
com ela. A Era da escuridão estava apenas começando.

Kathrom estava acariciando o dragão chamado Thoer, quando Dorfhamur retornou pelo
Laiëntharim.
− Então?
− O Mestre dos Magos está morto! – disse o traidor e ex-integrante da Suprema Ordem
dos Magos de Yondar.
− Ótimo! – disse Kathrom, com satisfação na voz. − Em que Era e ciclo estamos?
− Estamos no ano 2139, do Tempo de Thur, em Ernt-nador – respondeu, com a voz
arranhada. − Não contamos mais o tempo por ciclos, como era feito em Anahkólion,
Ernathurilis e Ernthys. E as Eras já não são mais incluídas nas contagens, mas sim os Tempos
dentro das Eras. Contamos por anos descritos em um calendário criado pelos Wol-ks, há
milhares de anos, em Ernt-nador. Lá, as quatro estações do ano são mais definidas. Uma
terra localizada ao norte de Ernthys. A mesma terra para a qual os homens que deixaram
Ernthys fugiram. Alguns outros foram para uma outra terra chamada Dnathirium, já
colonizada desde que algumas linhagens deixaram Anahkólion pela segunda vez, mas a
grande maioria acabou chegando a Ernt-nador.
− Então, os grandes reinos estão nessa Ernt-nador?
− Sim. E, alguns poucos, em Dnathirium. As linhagens dos Primeiros Homens acabaram
se dividindo com o passar das Eras e Tempos. Não acredito que exista alguma que se
manteve pura e possua ainda o poder dos Primeiros Homens. As outras linhagens se
misturaram e perderam seu poder. Mas poucos são os que acreditam no poder das Primeiras
Linhagens. Nenhum dos povos de hoje realmente sabe o poder e a força que seus
antepassados herdaram dos antigos deuses.
Kathrom soltou um som em tom de resmungo.
– Você vai em Thoer! – falou, apontando para o dragão. – Ele é mais dócil que Gorum –
concluiu o Deus das Trevas, subindo nas costas do grande dragão de um preto vistoso.
− Por que você vai viajar nas costas de Gorum, se tem os poderes de um deus?
− Por que não? – devolveu a pergunta. – Vejo que não sabe muito a respeito dos deuses,
mago – disse Kathrom, num meneio com a cabeça. – Quando descendemos para a terra,
perdemos muitos dos nossos poderes originários. Um deles é a imortalidade!
− Então não é imortal – indagou, consternado. – Pode morrer tal qual Thur?
− Sim e não. Não é bem assim! – pormenorizou Kathrom. – Os deuses de Anahkólion
somente podem morrer, se for por meio de uma das Armas Mágicas fundidas pelos Artífices

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Sagrados de Anahkólion, que já não estão mais nesse mundo há muito tempo. Justamente
foram banidos para que não criassem mais armas que pudessem matar os deuses.
− Mas existem muitas Armas Mágicas espalhadas pelo mundo.
− De fato existem, mas não basta ser portador de uma das Armas Mágicas para matar um
deus. Você tem que ter sangue puro das Primeiras Linhagens. Então, somente algum
descendente de sangue puro das Primeiras Linhagens consegue libertar o real poder das
Armas Mágicas. Tornando-as Armas Mágicas Especiais e de poder jamais visto em outras
armas. Além disso, as Armas Mágicas a que me refiro necessitam terem sido forjadas pelo
único artífice que conhece o Segredo dos Deuses.
O único capaz de fundir uma Arma Mágica dessa magnitude foi Morlock. Conhecido
como o Artífice dos Deuses, ele era único com conhecimento para construir uma arma que
só pode ser empunhada por um deus ou por um dos Primeiros Homens de sangue puro ou
seus descendentes de origem pura. Esses podem matar um deus com uma Arma Sagrada –
disse, sendo transportado por pensamentos. – Mas não se preocupe, Mestre Morlock já está
morto há centenas de milhares de anos. Eu me encarreguei disso. E, como já não existem
mais descendentes dos Primeiros Homens e a Era dos Deuses já passou, essa não é uma
preocupação minha para esse momento. – respondeu Kathrom, cortando o assunto. – Agora,
vamos! Está na hora de acordarmos Nomenadhúrth, o Senhor da Escuridão.
Logo Thoer e Gorum bateram asas e deixaram a redoma aos guinchos. Sob um céu escuro
como as trevas tomaram a direção sul.

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