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Ali, sob o forte sol que imperava no céu, queimando os olhos e secando
o solo, dois vultos envolvidos em mantos negros se aproximavam de uma
formação rochosa. O mais baixo e atarracado desses vultos caminhava com
alguma dificuldade, enquanto o outro vulto, de contornos esbeltos e caminhar
suave, parecia deslizar sobre o solo.
- Minha senhora – disse o dono do menor vulto -, não entendo por que a
senhora teve de vir até aqui. Eu poderia trazê-lo de volt...
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dentro de um círculo. Astarte dirigiu-se até onde Eliphas havia parado e,
olhando com atenção, murmurou:
- O Selo de Davi. Então é realmente aqui que meu pai foi aprisionado. Agora, é
hora de executar o próximo passo do meu plano.
A voz do homem foi embargada pelo sangue que começava a lhe subir à
garganta. Com um movimento extremamente veloz, Astarte abriu um finíssimo,
porém profundo, corte na garganta de Eliphas, que caiu de joelhos, tentando
respirar. O sangue encharcava suas vestes, e os últimos suspiros de vida
começavam a escoar. Com um olhar de súplica, que misturava horror e
surpresa, ele consegue murmurar, com grande esforço, suas últimas palavras:
- Por...porque?
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- Acalme-se, Cristos, eu estou bem. O que aconteceu comigo, e por que você
deixou a 12ª Casa Zodiacal sem a minha permissão?
- Sim, senhor.
- “Eu não esperava que isso fosse acontecer nesta Era. Atena ainda é muito
jovem, assim como a maioria dos Cavaleiros. Se eu interpretei corretamente os
sinais que vi hoje, logo teremos de iniciar uma nova Guerra Santa, e não será
somente Atena que lutará contra esse novo adversário. Devo enviar uma
mensagem à Roma. O Papa estava certo no que me disse no último ano:
Lúcifer está prestes a voltar à Terra, e vai querer se vingar de Atena por ter
ajudado na luta que acarretou seu aprisionamento. Tempos negros nos
esperam.”
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CAPÍTULO I: O Inimigo em Comum
- Estava preocupada com o senhor, e resolvi vir vê-lo. Percebi uma estranha
movimentação no Santuário, e fiquei sabendo que alguns Cavaleiros foram
enviados em missões confidenciais. Poderia me explicar o que está
acontecendo?
- Eu já lhe disse outras vezes, Sara: o seu nome de nascença não é mais
importante do que o seu nome real, o nome do espírito divino que habita em
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seu corpo. Você é a reencarnação de Atena, e deve atender por este nome,
mesmo que prefira o primeiro, entendeu?
- Antes de mais nada, é essencial que você saiba que os deuses gregos não
são os únicos existentes no mundo. Embora algumas divindades recebam
nomes diferentes em outras culturas, há uma variedade grande de deuses que
protegem e governam o mundo. Tendo lhe explicado isso, ficará mais fácil
compreender o que vou dizer agora.
“Há milhares de anos, quando Zeus ainda reinava poderoso no Olimpo, houve
um grande problema entre os deuses. Alguns deles reclamavam que os
homens estavam sendo mais amados e protegidos do que o necessário, e que
os homens não estavam correspondendo a isso como deveriam. O maior
responsável por esses desentendimentos era um Anjo, um dos guardiões do
Deus dos hebreus. Esse Anjo era chamado de Lúcifer, que significa “o portador
da luz”. Ele recebeu esse nome porque irradiava uma poderosa luz de seu
corpo, e tão grande eram sua beleza e seus conhecimentos que ele era
comparado a alguns dos deuses, e a muitos ele superava em poder e
esplendor.”
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enfrentar Posseidom, Hades e Ares inúmeras vezes para garantir o domínio da
Terra, mas nem de longe esse foi o maior problema dela.”
“Os deuses e Anjos que haviam se juntado a ele foram esconjurados do mundo
divino, e passaram a ser denominados apenas como daimons, ou seja,
espíritos comuns. Porém, mesmo exilados do plano celeste, eles continuaram
agindo com maldade, e embora a palavra daimon não indique se esse espírito
é bom ou mau, logo começou-se a associar a palavra apenas com o mau, e o
termo demônio surgiu como uma oposição ao termo Deus. Você me
compreendeu até aqui, Atena?”
- Como eu dizia, Lúcifer foi derrotado, mas seu espírito não podia ser destruído.
Atena e Yeshua decidiram, então, aprisioná-lo no mais oculto e negro local do
Hades, muito além do Érebo. Esse local chamava-se Infernum, significando,
literalmente, as profundezas. Antes de ser aprisionado, Lúcifer predisse que um
dia ele seria libertado e que, quando isso acontecesse, ele iria eliminar Atena e
Yeshua, pois nem os homens e nem os deuses são dignos do mundo que ele
pretendia dominar. Já no inferno, Lúcifer manifestou seu poder, e conseguiu
influenciar levemente nas ações dos homens.
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“Então sucederam-se as muitas Guerras Santas entre Atena e outras
divindades do mundo grego, ao mesmo tempo em que Yeshua descia à Terra
tentando passar uma mensagem de amor diretamente aos humanos. Ele teve
de se sacrificar para isso, e mesmo assim não alcançou seu intento.
Glorificado, ele juntou-se ao seu pai, e aguarda o dia em que deverá se
manifestar novamente. Sendo assim, a Terra ficou entregue por completo aos
cuidados de Atena, e ela tem reencarnado frequentemente quando sente que
há um grande perigo aproximando-se.”
- Então...então quer dizer que uma nova Guerra Santa começou? Quer dizer
que todos os Cavaleiros que protegem Atena...que me protegem – corrigiu-se
ela depois de uma breve menção de interrupção do Grande Mestre – terão de
arriscar as suas vidas? Até mesmo o...
- Sim, Atena. Até mesmo o seu irmão terá de arriscar a vida para protegê-la.
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- Um Cavaleiro de Bronze que jurou protegê-la, Atena. E seria muito
vergonhoso para Ícaro se ele soubesse que você não queria que ele se
arriscasse por você. O nome dele e a sua constelação protetora, Pégasus, tem
algo de similar: as asas. Isso significa liberdade, vontade, espirituosidade.
- Deixe-o voar para onde ele quiser – disse o Grande Mestre -, deixe-o ser livre
para decidir o que ele quer fazer. Eu sei que você o ama, mas deve temer por
igual pela vida de todos os que lhe protegem, tenham vocês laços sanguíneos
ou não. Agora, Atena, acho que seria melhor se você se recolhesse em sua
câmara até a hora do almoço. Concorda?
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CAPÍTULO II: A Primeira Batalha
- Vamos descer lá embaixo, Izzak. São apenas dois, e nós somos dois
também. Pelo que me lembro do que o Grande Mestre disse, um deles é um
velho, e o outro é uma mulher. O que você me diz?
- Em primeiro lugar, Komodo – disse Izzak em tom calmo, sua voz grave
conferindo a suas palavras um ar de censura – se você descer, logicamente
será para baixo. Em segundo lugar, mas não menos importante, você deve se
lembrar, também, que o Grande Mestre deu ordens explícitas para que
aguardássemos até que o velho fosse morto por ela. Eu lhe pergunto, Komodo
de Lagarto: será que você vai querer desobedecer às ordens do Grande
Mestre? Acho que ele não iria ficar contente com isso. Aliás, acho que ele
ficaria enfurecido com você.
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duas coisas. A primeira delas era o fato de ele ser o mais poderoso Cavaleiro
de Atena há centenas de anos. A segunda delas, e a mais surpreendente, é
que ele era extremamente velho: tinha bem mais de 1000 anos.
Ninguém sabe ao certo como isso era possível, mas sabia-se que ele
era o Grande Mestre do Santuário de Atena há pelo menos 13 séculos, e já
havia participado de mais de 5 Guerras Santas. Isso fazia dele um homem
extremamente temido e respeitado, e mesmo já fazendo mais de 200 anos que
ele não entrava em combate, o nome Girtab de Escorpião (ou Girtab, o
Escorpião Imortal, como ele também era chamado) era suficiente para causar
apreensão e medo em todos os adversários de Atena. Desse modo, era
perfeitamente compreensível o medo que Komodo sentia em causar fúria no
Grande Mestre.
***
- Como ousa entrar de forma tão atrevida na Casa de Áries, Cavaleiro de Altar?
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O Cavaleiro que havia se levantado faz uma breve e respeitosa
reverência. A diferença de altura entre ambos chegava a ser cômica, pois o
Cavaleiro de Touro tinha praticamente a altura de dois homens.
- Peço perdão pela forma como entrei, Gerion, mas é que eu tenho uma
mensagem urgente para o Mestre.
- Sim, sim Gerion, você está certo. Agora...o que você está fazendo fora da
Casa de Touro? Onde está Frixo?
- Embora eu não lhe deva satisfações, vou lhe dizer onde ele está: ele foi atrás
dos Cavaleiros de Triângulo e Lagarto. Eles foram enviados em uma missão,
mas o Grande Mestre sabia que ela poderia ser muito arriscada, então mandou
o Cavaleiro de Áries em segredo, para vigiá-los e salvá-los caso entrem em um
perigo muito grande.
- Mas...
- Você está perdendo muito tempo aqui fora, Sacros – interrompeu-o Gerion.
Se não me engano, você estava com pressa, não?
- Seja bem-vindo de volta, Sacros de Altar. Você voltou muito mais rápido do
que eu esperava. Teve algum contratempo?
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- Não, Mestre – respondeu Sacros, prostrando-se de joelhos. Na realidade, tive
uma sorte muito grande. Encontrei-o antes de chegar à Roma. Pelo que ele me
disse, um de seus homens também teve uma visão igual a sua, e assim que
ele foi informado disso, ele resolveu se dirigir até o Santuário. Dentro de alguns
dias ele deve estar chegando.
- Giovanni é o homem que você foi procurar, Sacros, embora agora ele seja o
Papa dos cristãos e tenha adotado o nome Inocêncio VIII.
- Claro que lhe perdôo e lhe permito a pergunta, Sacros – respondeu o Grande
Mestre em um tom casual -, mas será que você me perdoa se eu me negar a
lhe responder?
***
Uma parede invisível, formada pela pressão do ar, projetou-se das mãos
do Cavaleiro de Lagarto, impedindo que lâminas extremamente afiadas
rasgassem sua pele.
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- Essa sua defesa ridícula não vai funcionar se eu o atacar de verdade
-zombou Astarte. Se este é o poder dos Cavaleiros do Santuário de Atena,
então eu não devia estar preocupada. Um possui uma ridícula técnica
defensiva, e o outro sequer resolveu lutar. Acaso tens medo, rapaz?
- Ora, ora, que rapaz honrado. Se pretendes lutar sozinho comigo, acho que
seria mais prudente eliminar o empecilho.
- Komodo, cuidado!
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- Espero que você possua outras técnicas, por que isso não funcionará comigo.
Prepare-se para enfrentar Izzak, o Cavaleiro de Prata da Constelação de
Triângulo.
- Maldito! Como um reles mortal como você ousa prender uma deusa como
eu?! Assim que eu me libertar, irei fazê-lo sofrer muito antes da morte.
- Sinto muito, mas não tenho a mínima intenção de permitir que você se liberte.
Agora, é você quem irá morrer, e se arrependerá do que fez a Komodo.
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Izzak, mas de alguma forma estranha, ela não o atingiu. Parado a frente dele,
com os braços estendidos, havia alguém trajando uma armadura dourada.
Seus cabelos longos e ruivos eram jogados para trás por causa do vento, e
embora ele estivesse de costas, Izzak sabia quem era ele.
- Obrigado, Frixo. Acho que se não fosse a sua intervenção, eu estaria morto
agora. Mas me diga, o que está fazendo fora da Casa de Áries?
- Baal, o Comandante dos Exércitos de Lúcifer. Você é forte, Izzak, mas não
tem a mínima chance contra ele. Saia daqui agora, e deixe essa batalha para
mim.
- Nada mais nada menos do que Girtab, o Escorpião Imortal, e atual Grande
Mestre do Santuário.
- Girtab? Girtab de Escorpião ainda está vivo? Se isso é verdade, então o avise
de que nós nos encontraremos muito em breve, e que é somente pelo
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vislumbre desse encontro que eu permito que vocês vivam mais um pouco.
Partam, e avisem-no de que temos velhas pendências a acertar.
- Bem, essa foi por pouco. Vamos embora Izzak, o Grande Mestre quer falar
com você. Recolha o corpo de Komodo, pois ele deve ser sepultado. Por que
será que o Mestre arriscou a vida de vocês dois em uma batalha sem
perspectivas de vitória?
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CAPÍTULO III: A Bela e a Fera
A diferença climática não podia ser mais brusca. O sol que, há pouco,
brilhava intensamente, e se refletia na argêntea armadura de Izzak, agora era
ocultado completamente por espessas e cinzentas nuvens, que despejavam
furiosamente grandes quantidades de água sobre o solo grego. O Santuário
estava quase escondido pela tempestade, tamanha era a intensidade e a
quantidade de chuva que caia, tornando difícil discernir as Casas Zodiacais
através da cortina pluvial que se formava.
- Seria melhor que você não falasse assim do Mestre, Gerion de Touro –
respondeu o Cavaleiro de Áries em um tom cortes -. Sei que você não aprova a
maioria das escolhas dele, mas questioná-lo abertamente, da forma hostil
como você tem feito, meu amigo, faz parecer que você está se rebelando às
ordens dele.
- Humpf, mais um! Agora não se pode mais falar das sandices daquele velho,
que já aprece alguém para me acusar de rebeldia – disse o gigante taurino,
virando as costas para o ariano e mirando, à distância, o Salão do Grande
Mestre -. Ser contra as decisões insensatas dele não faz de mim um rebelde,
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Frixo de Áries. Olhe para o rapaz ao seu lado, e para o outro que ele traz nos
braços, e você verá que eu estou com a razão.
- Vejo que mais alguém já lhe alertou sobre as suas palavras, meu amigo.
Posso arriscar um palpite sobre quem foi? Talvez Cristos?
- Não, você se enganou, Frixo. Não foi o Cavaleiro de Peixes quem me falou
isso, embora seja bem o tipo de coisa que ele diria. Não, quem me disse algo
semelhante ao que você falou foi aquela sonsa da Maria.
- Ora, ora! Tinha até me esquecido que você era pupilo dela, Izzak de
Triângulo. Diga-me, como se sente tendo de aprender com uma mulher?
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- Assim como o fato de eu ser mulher não me impede de ser poderosa o
suficiente para me tornar um Cavaleiro de Ouro – disse uma voz suave vinda
do interior da Casa de Áries.
- Humpf! Parece que marcaram uma reunião aqui na Casa de Áries, e todos os
Cavaleiros de Ouro foram convidados. Será que vai demorar muito até os
outros nove se juntarem a nós? – zombou Gerion. O que você faz fora do seu
posto, Maria?
- Maria, assim como eu não sou o Grande Mestre, você também não é. Porém,
eu estou muito mais próximo disso do que você, como deve ser do seu
conhecimento. Entretanto, diferente de você, eu tive a permissão do velhote
para deixar o meu posto.
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A voz de Maria assumiu um timbre de ameaça ao se dirigir a Gerion.
Parecia ser clara a divergência de opiniões que os dois tinham a respeito do
líder do Santuário. Ao passo que Gerion não escondia o seu descontentamento
com relação ao Grande Mestre, Maria parecia ter uma obediência e um
respeito acima do normal por ele. Maria acreditava que Gerion só tinha essa
postura por ambicionar o posto de líder do Santuário, já que ele era o favorito a
esse título por ser o mais poderoso, honrado e justo entre os Cavaleiros de
Ouro daquela geração, embora o seu senso de justiça e honra fosse
questionável quando se levava em conta suas opiniões sobre o Grande Mestre.
- Frixo – disse a Amazona -, o Mestre pede para que você reassuma sua
posição na Casa de Áries, o mesmo pedido que ele faz a você, Gerion,
referindo-se à Casa de Touro. Izzak, você deve me acompanhar.
- Sim, Frixo, eu sei disso. É exatamente por esse tipo de ação que eu me
pergunto se o outrora sábio e poderoso Girtab de Escorpião não está ficando
velho demais.
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CAPÍTULO IV: Os Pecados
- Identifique-se!
- Pare com isso – disse Astarte -. Até quando vais fingir que crê nesse deus?
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saem, ele faz uma reverência a ela, e indica um trono situado no centro do
altar.
- Sente-se, divina Astarte – disse o homem com uma voz pastosa, enquanto
seus olhos corriam pela catedral -. Não esperava vê-la tão cedo. Onde está
Eliphas, minha senhora?
Astarte caminhou até o trono, mas não se sentou. Parou ao lado dele, e
olhou o homem de meia idade que estava a sua frente, medindo-o de cima a
baixo, com uma expressão de desgosto no seu belo rosto.
- Eliphas está morto, Bayezid. Além do sangue de quem fez o selo, também era
necessária uma grande quantia de sangue fresco para realizar o ritual de
libertação do meu pai. Mesmo após tantos anos, o Selo de Davi ainda estava
forte.
- Sim, eu o libertei.
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- Este é o mortal com quem tu te aliaste para trazer-me de volta, minha filha?
Creio que deve haver outros melhores nestes tempos. Quem é ele?
-Meu sagrado pai – respondeu Astarte -, este homem é Bayezid II, e é o Sultão
do Império Otomano.
- Império Otomano....e o que viria a ser este império? Não há outros mais
poderosos?
- Receio que não haja, meu pai. Ainda sim, mesmo que houvesse, acho difícil
que outros quisessem se aliar a nós, pois eles cultuam deuses que se
opuseram a nós no passado.
- Este mortal estava prestando reverências a outro deus – retorquiu Baal com
uma voz ameaçadora -. Se ele pode querer servir a dois senhores, outros
imperadores de maior nobreza podem servir a mim e a outro deus
simultaneamente.
- Meu sagrado pai, eu irei explica-te. O pai deste homem, Mehmed II, recebeu
uma promessa de um sábio homem chamado Eliphas, dizendo que, caso eu
fosse liberta de minha prisão, o Império Otomano seria conduzido a uma glória
sem precedentes. De fato, quando Eliphas rompeu o lacre que me aprisionava,
eu auxiliei Mehmed a conquistar esta cidade. Nas décadas seguintes, eu e
Eliphas buscamos formas de libertá-lo, e encontramos uma que seria perfeita,
envolvendo o sangue daquele que te aprisionou.
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- Sim, meu pai. Entretanto, como deves estar recordado, Davi havia abdicado
de suas funções como Cavaleiro de Atena, e abandou o Santuário para
constituir uma família. Foi com o sangue de uma de suas descendentes que eu
pude libertar-te. Entretanto, só o sangue puro de um descendente de Davi não
seria o suficiente para a conclusão do ritual. Para dar-te a possibilidade de um
invólucro semi-corpóreo, era necessário um dos velhos sacrifícios de sangue
que lhe eram ofertados no passado. Eliphas, para sua própria infelicidade,
desconhecia essa parte do plano, e foi do sangue dele que me vali.
- E que seria isso? – indagou Baal, sua voz agora demonstrando insatisfação e,
ao mesmo tempo, curiosidade.
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- E...e o que seria, meu pai? – perguntou Astarte, com a voz hesitante,
enquanto colocava-se em pé.
- Refiro-me ao que foi dito por aquele mortal guerreiro de Atena: Girtab ainda
vive.
- Meu divino pai, devemos, então, atacar o Santuário agora mesmo, para que
tu possas ter tua vingança?
- Seria tolice atacar o Santuário agora. Primeiro, porque somos apenas dois.
Segundo, porque não assumi uma forma física, pois não encontrei um
hospedeiro digno de tal honra. Terceiro, porque Girtab já sabe que eu voltei e,
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neste exato instante, já deu ordens para tentar impedir-me de conseguir meu
intento. Além desses pontos que expus, minha filha, pergunto-te por qual
motivo eu deveria expor-me aos riscos e à desonra de matar reles mortais se
posso ordenar a outros esta tarefa?
Baal riu outra vez, o que surpreendeu Mehmed, que esperava ser
levitado até o teto mais uma vez.
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- Não necessariamente, meu pai. Há outro homem nesta cidade que tem vasto
conhecimento sobre os selamentos dos Marechais, e, ironicamente, ele
representa os seguidores de Yeshua. O nome dele é Néfon, e jurou auxiliá-lo
em tudo o que tu desejasses, meu pai.
- Ótimo. Traga-o até mim amanhã. Por ora, tenho de ir a outro lugar, pois
Mammon enfrenta um perigo para o qual ainda não está plenamente
preparado, pois despertou a pouco.
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CAPÍTULO V: A Ganância
- Minha primeira missão como Cavaleiro – pensava ele. Não posso falhar, pois
o Grande Mestre disse que eu fui escolhido especialmente para ela.
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que, repentinamente, os olhos escuros tornaram-se vermelhos, e uma energia
violenta emanou do seu corpo.
- Quem sou eu? É uma pergunta interessante, meu caro rapaz. Posso dizer
que sou a fonte das belas coisas do mundo. Sou a vontade que move os
homens a buscar sempre mais. Sou o espírito que habita os cofres e os
corações dos homens poderosos. Sou a riqueza. Sou o poder. Sou o grande
Mammon, a personificação Ganância. Agora diga-me quem é você, menino!
Agora era visível que havia algo dourado por baixo dos retalhos que
sobraram do que outrora havia sido o manto de Lupercus. Na verdade, agora
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parecia impossível a Mammon não ter se dado conta do forte brilho dourado
que agora era visível sob os rotos pedaços de pano que ainda pendiam do
corpo do jovem. Contudo, não foi a armadura dourada que impressionou
Mammon, mas sim o nome do jovem.
- Não interessa como eu me chamo. Fui enviado pelo Santuário para derrotá-lo,
e é isso que farei.
Excalibur!
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Porém, ao verificar os estragos causados pelo golpe, Lupercus
encontrou o lugar vazio, mas com um profundo e preciso corte no exato lugar
em que, instantes antes, estivera o corpo de Mammon. Outra vez, a risada
cristalina ecoou pela caverna, e a voz de Mammon denunciou sua posição.
- Sendo assim – retorquiu o jovem loiro -, não lhe darei tanto tempo dessa vez.
Cri de Pã!
Mais uma vez, Lupercus levou a siringe dourada aos lábios e começou a
tocar sua canção. Porém, assim que ele deu o primeiro sopro, muitos dos
abutres que estavam na caverna começaram a voar ao redor dele, batendo
suas asas com intensa força. A sua frente, Mammon sustentava um sorriso
zombeteiro, ao invés da expressão de pavor que deveria estampar seu rosto.
Tão repentinamente quanto começou a tocar, Lupercus parou, e encarou o
adversário.
- Realmente foi uma defesa inteligente, mas eu não possuo apenas este golpe.
- Assim como eu também não – retorquiu Mammon, e seu tom de voz agora
era mais grave -. Não usei muito poder no meu primeiro ataque, mas isso não
significa que eu só saiba fazer aquilo. Você sentirá o poder das asas de um
grande pássaro negro.
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Mammon abriu os braços como se fossem duas grandes asas. Sua
energia hostil começou a ficar mais intensa conforme ele agitava os membros,
em um gesto semelhante ao bater de asas de um pássaro. Olhando a sua
volta, Lupercus percebeu que os grandes abutres também agitavam as asas,
espalhando penas por todo o chão.
Excalibur!
O facho de luz corta tudo como uma espada, e é tão potente que chega
a atingir o corpo de Mammon, abrindo-lhe um profundo corte no peito, de onde
começa a esvair sangue em abundância.
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- Co..co...como você conseguiu sobreviver? – perguntou Mammon em um tom
aterrorizado - Como conseguiu me atingir de forma tão surpreendente, sem que
eu pudesse reagir.
- Quem sou não interessa a ti. É a segunda vez que um Cavaleiro de Atena
cruza meu caminho hoje, e não permitirei que isto se repita uma vez mais.
Akbaba Pençeleri!
Dessa vez não havia como Lupercus escapar. Sentia que seu fim tinha
chegado prematuramente, e sentia o peso da vergonha por ter falhado na
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missão confiada pelo Grande Mestre. Envergonhado e assustado, ele fechou
os olhos e se resignou com o destino que se apresentava. Era o seu fim...
Sem saber como, Lupercus se deu conta que ainda estava vivo, sem ter
sofrido um único arranhão. Mas como? Abrindo os olhos, Lupercus teve a mais
feliz das surpresas: parado de costas para ele, imponente como uma grande
estátua de ébano e ouro erguida em honra a um poderoso guerreiro, estava a
sua salvação.
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[b]CAPÍTULO VI: [i]O Gigante Dourado[/i][/b]
- Não fui enviado pelo Santuário. Se eu tivesse sabido antes que haviam
enviado este menino para uma batalha como esta, certamente eu teria
impedido.
- Ora, ora, o que temos aqui! Parece que Atena possui um rebelde entre os
seus! Imagino o que será que ela dir...
- E eu não me recordo de ter pedido qualquer tipo de permissão! Não vim até
aqui para perder meu tempo falando com você.
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- Claro que não.
A voz de Baal ficou mais calma, porém, mais ameaçadora. Era como se
o ar tivesse se impregnado de tensão, e a atmosfera se tornou mais pesada.
Em um átimo, uma rajada cósmica arremeteu contra Gerion, mas ele a
bloqueou com uma mão.
- É isso? Isso é todo o poder que você tem para usar contra mim? Isso é poder!
- Acho que não é a primeira vez que alguém faz isso contra você. Sendo assim,
você sempre faz essa pergunta a todos que te atacam? Você disse isso
quando o Grande Mestre te derrotou no passado?
- Como te atreves?! – a voz de Baal tornara-se mais alta do que antes, era
agora quase um grito, e parecia haver raiva e ressentimento em suas palavras
- Achas que poderá repetir o feito dele?!
Ele continuou rindo, mas seu riso foi abafado pelo grito de Mammon.
[i]Akbaba Pençeleri![/i]
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Um flash dourado correu pela caverna, e Mammon foi arremessado para
o alto, chocando-se contra algumas estalactites. Assim que o corpo começou a
se precipitar para baixo, foi arremessado contra a parede onde, minutos antes,
Lupercus estivera preso.
- Eu ficaria grato se você me desse o seu silêncio. Puxa vida, você fala demais.
- Bem, Gerion de Touro, permitirei que partas com o seu amigo de volta ao
Santuário de Atena. Vá agora.
- Parece que você não entendeu bem: eu não vim aqui para salvar o menino,
eu vim para destruí-lo, Baal, e acabar com isso de uma vez por todas.
Dessa vez, foi o riso de Baal que preencheu o ambiente. Era uma risada
fria, carregada de escárnio e surpresa.
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Assim que Baal terminou de falar, o gigantesco corpo de Gerion foi
arremessado contra a parede rochosa da caverna, causando um intenso
tremor. Algumas estalactites se desprenderam do teto, e caíram no chão.
Porém, no segundo seguinte, elas estavam suspensas no ar, mirando o corpo
de Gerion como flechas que miram um alvo.
- Essas paredes são realmente fortes. – disse Gerion, que mantinha um sorriso
nos lábios - Quantas vezes houve pessoas sendo arremessadas contra elas
hoje?
- Mas...como...?
- Você acha que é o único a ter poder sobre a matéria, Baal? Seu egocentrismo
será o começo da sua derrota.
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- Fisicamente, você é invulnerável. Porém, quem disse que eu me limito ao
poder físico? Só porque sou grande e possuo um corpo forte, não quer dizer
que eu só uso a força bruta.
- A mesma ladainha novamente. Será que não aprendeu nada da última vez
que lutou contra um Cavaleiro de Atena? Já não deveria ter percebido que para
nós, guerreiros de Atena, não interessa se você é um deus ou um ser humano?
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usar seu poder em toda a plenitude, ele ainda era poderoso o suficiente para
enfrentar e até mesmo derrotar Gerion, mas somente se lutasse a sério.
- Não penses que sou um adversário tão simples quanto Mammon – disse
Baal, e agora havia determinação em sua voz -. Se ele estivesse com acesso
total ao seu poder, certamente tua luta com ele não teria sido tão rápida, e eu
não teria de interpor-me entre ele e o outro jovem Cavaleiro contra o qual ele
lutava. Querias enfrentar-me? Pois então prepara-te para sentir o poder de um
Deus!
O vulto juntou suas mãos palma à palma, como alguém que se prepara
para rezar. Sua cosmo energia mudou radicalmente, e uma espécie de
tempestade magnética começou a se formar. Lentamente, Baal começou a
afastar suas mãos, e podiam-se ver raios passando entre elas. Gerion percebia
que a situação poderia mudar a qualquer instante, e também preparou o seu
golpe.
O taurino teve de correr para impedir que uma rocha desabasse sobre o
corpo de Lupercus, e acabou sendo atingido por um dos raios projetados por
Baal. A sensação era horrível: uma poderosa corrente elétrica passava por
todo o seu corpo, e ele sentia seus músculos estirarem, seus ossos trincarem,
sua pele e sua carne queimar. O gigante caiu de joelhos, e a sua armadura de
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ouro, cuja finalidade seria protegê-lo, acabou por prejudicá-lo, pois intensificou
a dor e serviu de condutora à corrente elétrica.
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[b]CAPÍTULO VII: [i]O Risco de Atena e A Fúria do Leão Negro [/i][/b]
- Obrigado por vir tão rápido para cá, Izzak – disse o Grande Mestre com
simplicidade, sua voz cristalina reboando no salão. – Sei que você passou por
uma situação de grande perigo, mas fico satisfeito em ver que retornou, e
trouxe consigo o corpo do jovem Komodo.
- Foi uma batalha difícil para ele – respondeu Izzak. – Se ele tivesse me
escutado, provavelmente ainda estaria vivo. Sinto muito pela morte dele.
- Não tanto quanto a irmã dele – retorquiu o Grande Mestre, e um tom casual.
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Uma expressão de surpresa tomou a face de Izzak. Ele nunca ouvira
falar que Komodo tinha uma irmã.
A confusão mental de Izzak era evidente. Se ele não sabia que Komodo
tinha uma irmã, como é que ele poderia conhecê-la? Subitamente, como um
flash de entendimento, a resposta veio a sua mente, e escapou de seus lábios
como se ele soubesse-a há muito tempo.
- Ha! Vejo que seu raciocínio é rápido, Cavaleiro de Triângulo. Exato, Maria de
Virgem é irmã de Komodo de Lagarto.
43
Izzak e Sacros estavam visivelmente aturdidos com a ação do Grande
Mestre. Que mudança de planos era essa?
***
- E você deve se dar por satisfeito de obter uma resposta, uma vez que veio
escondido até aqui, Ícaro.
44
- Se fosse qualquer outro cavaleiro no meu lugar, você seria levado até o
Santuário como um traidor, já que saiu sem a autorização do Grande Mestre.
- Eu sei, Sun, mas é que eu não podia deixar de vir ajudar você a...
- AJUDAR! – gritou o homem. – Você acha a sua vinda até aqui irá me ajudar,
Ícaro de Pégasus? Só estou deixando você me acompanhar por que jurei ao
seu pai que iria proteger você e a sua irmã, mas não tenho certeza se o mais
seguro seria você estar comigo neste momento.
- Meu Deus, por que você saiu tão diferente da sua irmã? Sara é tão
comprometida, tão prudente. Ela jamais sairia do Santuário sem autorização.
45
- CALMA? – gritou ele mais uma vez, gesticulando freneticamente com os
braços, como se uma nuvem de mosquitos tivesse começado a atacá-lo. Uma
veia pulsava ameaçadoramente em sua testa, e o suor começava a afluir do
seu rosto.
Com uma breve pausa, e com visível esforço, Sundiata baixou os braços
junto ao tronco, e diminuiu o tom da sua voz. Ao contrário do que se poderia
esperar, esse gesto que deveria ser tranqüilizador acabou por torná-lo mais
assustador do que antes, pois era evidente que seu autocontrole não duraria
muito tempo e, quando terminasse, seria como se um vulcão explodisse depois
de muito tempo adormecido.
- Mana, eu não esperava te ver por aqui – disse Ícaro em um tom de voz
sereno, como se o encontro dos dois tivesse se dado no meio de um mercado,
e não em uma mata fechada, ao anoitecer, em uma ilha desolada e que,
positivamente, abrigava mais um dos demônios que estavam despertando para
se juntar a Baal.
- Eu sei que não – disse a jovem, com visível apreensão em seu rosto.
- Sabe, Sara, agora mesmo o Sun estava me dizendo que eu não sai igual a
você – começou o Cavaleiro de Pégasus com evidente sarcasmo e
divertimento em sua voz, e um brilho de divertimento nos olhos -, pois você é
comprometida e prudente, e jamais sairia do Santuário sem autorização. O que
você me diz agora, hein Sun?
46
empalidecido. Seus olhos estavam desfocados e arregalados, e ele falava mais
para ele mesmo do que para Sara e Ícaro, que pareciam estar se divertindo
com o descontrole de Sundiata.
“Já seria muito delicado eu me responsabilizar por Ícaro ter saído do Santuário
sem autorização, mas ele é um Cavaleiro a serviço de Atena, e os riscos fazem
parte do seu cotidiano, e é provável que eu conseguisse o perdão do Grande
Mestre por isso. Porém, me responsabilizar pelo fato de você – e ele apontou
para Sara -, que é a reencarnação de Atena, ter saído sem autorização do
Santuário, onde deveria estar a salvo, é algo que não será perdoado.”
- E quem foi que disse que eu saí sem autorização? – indagou a menina. – O
Grande Mestre sabe que eu vim atrás de vocês, e me deu permissão para isso.
47
chance de Girtab ter traído Atena e tê-la posto em risco vital propositalmente.
Mas...será mesmo?
Ele teve pouquíssimo tempo para agir, mas não teria feito nada de
diferente do que fez: colocou-se na frente de Atena e Ícaro, para protegê-los
das chamas que queimavam tudo a volta. Quando o fogaréu cessou, havia um
cone de destruição e cinzas, que cercava Sundiata e os jovens irmãos que ele
protegera. Seu rosto estava levemente chamuscado, sua capa havia sido
desintegrada, e seus braços, estendidos abertos, estavam exalando fumaça
com o cheiro acre da carne queimada.
48
- Eu? – perguntou o demônio em tom de zombaria – Eu sou Asmodeus, a
Luxúria. E você chama-se Sun, é isso? Que nome feio. Pelo menos combina
com a sua cara.
Mais uma vez, a risada lancinante cortou o ar. Ela foi abafada pela voz
firme do Cavaleiro.
- Meu nome é Sundiata, e sou o Cavaleiro de Ouro de Leão. Fui enviado para
destruir você. Prepare-se!
- Sabe, Sundiata também é um nome muito feio. Se espera me atingir com isso
que você chama de técnica, é melhor desistir: eu sou rápido demais para você.
Sou rápido como a volúpia, como a paixão irracional. Me movo rápido como o
vento, e meus golpes são mais perigosos que raios. Não tente isso novamente,
ou irá se arrepender.
Sundiata não deu ouvidos ao inimigo. Mais uma vez, desferiu seu golpe,
agora contra a copa de um frondoso sicômoro, fazendo suas folhas em forma
de coração caírem com leveza em uma cascata de galhos cadentes. Mais uma
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vez, porém, o inimigo não estava no local que o golpe atingira. Foi então que
aconteceu.
E ele não disse mais nada. Os sons que chegavam aos ouvidos de
Sundiata eram horríveis: os gemidos e soluços de Sara, a gargalhada de
Asmodeus, e, sobretudo, mais retumbante do que qualquer coisa, o silêncio de
Ícaro.
Sundiata estava fora de si. Ali não havia mais um Cavaleiro de Atena,
não havia mais um homem: havia apenas uma besta assassina, despertada da
forma mais terrível possível, e que agora acordava com uma fúria capaz de
rasgar céus e terra. A força que Sundiata imprimia contra o pescoço de
50
Asmodeus era tamanha que ele chegava a sentir dormência nos nós dos
dedos.
- Viu só o que acontece com quem se opõe a mim, leãozinho? Antes de matar
você, vou matar essa menina sem graça também. Assim, seu sofrimento será
maior, pois nada pode fazer para salvar esses dois bebês remelentos.
51
Sundiata observava a cena aterrorizado, sem poder fazer nada para
salvar Atena e cumprir seu juramento como Cavaleiro. Ele observava Sara cair
de joelhos, cedendo ao cansaço físico de manter uma barreira tão potente sem
ter pleno controle de seu cosmo divino. Agora as chamas a alcançavam, e ela
gritava de dor, queimando e ardendo com uma perdiz na fogueira.
Isso não podia acontecer. Sara não poderia pagar por um erro dele. Não
poderia pagar por um erro do Grande Mestre. E, súbito como um relâmpago,
Sundiata se desprendeu de seus grilhões, mas Asmodeus não se deu conta
disso, pois estava focado no corpo de Sara, que agora estava desmaiada no
chão. Com a voz ecoando como um trovão, as mãos céleres como um corisco
que corta o céu em uma tempestade, Sundiata desferiu seu golpe, sua
esperança, sua única chance.
Com lágrimas nos olhos, e fúria no coração, o leonino correu até o corpo
de Sara e tocou-lhe o peito quente e queimado. Ele sentia, sentia as batidas do
coração dela contra o peito, e foi como se um bálsamo se derramasse sobre
ele: ela estava viva. Sem perder mais tempo, ele juntou os corpos dos dois
irmãos, e disparou rumo ao Santuário, com apenas um pensamento na cabeça:
o Grande Mestre deve explicações.
***
52
Algumas horas haviam se passado, e Sacros estava na Sala do Grande
Mestre, esperando que ele voltasse da sala de repouso, quando,
repentinamente, as portas do salão são escancaradas por dois homens
trajando armaduras douradas, ambos negros e carregando corpos em seus
braços.
- Nós não vamos esperar! – explodiu Gerion – quero ver o velho agora! E você
não se atreva a tentar nos impedir, Sacros de Altar, pois um Cavaleiro de Prata
não terá a mínima chance contra dois Cavaleiros de Ouro.
A voz vinha das escadarias que levavam até a Câmara de Atena. Ali,
Maria de Virgem e um outro Cavaleiro de Ouro estavam parados, apenas
observando a situação.
- Humpf! Eu até poderia esperar uma atitude dessas vinda da Maria, mas
nunca de você, Cristos de Peixes. É melhor não interferirem, ou teremos de
nos confrontar.
- A escolha é sua, Gerion – disse Cristos com uma voz suave. – Eu não
permitirei que vocês ajam de forma tão desrespeitosa com o Mestre.
- Por acaso você é cego? – explodiu Gerion. – Não vê quem temos nos braços:
um Cavaleiro de Bronze morto, um Cavaleiro de Ouro ferido, e a reencarnação
de Atena, também ferida. Tudo isso por ordens do homem que vocês estão
tentando proteger. Não nos impeçam, ou serei forçado a entrar em combate
53
contra vocês, e aí vocês entenderão porque se diz de Gerion de Touro é um
homem a ser temido.
- Sinto muito, Gerion – começou Maria -, mas o Mestre deve ter suas razões
para ter dado essas ordens. Confie nele.
- Confiar nele? – disse Sundiata, incrédulo com o que ouvira. – como você
pode ser tão ingênua, Maria? Só há duas explicações racionais para isso: ou o
Grande Mestre está senil, ou ele traiu o Santuário. Saiam da frente!
- Sinto muito, Sundiata – disse Cristos -, mas não posso permitir essa
desconfiança e essa falta de respeito com o Mestre. Se vocês tentarem
atravessar aquela porta, terão de me enfrentar.
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[b]CAPÍTULO VIII: [i]O Escorpião Imortal[/i][/b]
- Eu sou fiel a Atena! – bradou Sundiata, ainda imerso em seu combate contra
Cristos – Se o Mestre e outros Cavaleiros estiverem contra ela, eu irei lutar
contra o Santuário sem pestanejar.
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- Estamos gastando muito tempo com palavras inúteis – disse Gerion, evitando
um golpe de Maria com um empurrão violento, e cruzando os braços em
seguida -, pois é mais do que claro para mim que nossas opiniões são
diferentes e imutáveis. Se vocês realmente pretendem nos impedir, não me
resta outra escolha.
- Este golpe foi só um aviso. Você sabe muito bem que meu poder vai muito
além disso. Não me obrigue a lutar de forma séria com você.
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- Saia daqui, Izzak! – disse Maria – Isso é uma batalha entre Cavaleiros de um
nível muito superior ao seu. Vá embora antes que acabe se ferindo.
- Ouça o que ele diz, Maria – intercedeu Cristos. – Nosso objetivo não é matá-
los, apenas impedi-los de invadir o local onde o Mestre está meditando.
- Deixe, Cristos – disse Gerion. – Deixe que Maria extravase sua raiva de mim.
Quando ela perceber que não tem poder para me destruir, talvez ela passe a
me tratar com mais respeito.
- Você não conhece esse golpe – disse Izzak. – É uma técnica poderosíssima,
e poderia facilmente destruir todo o salão.
- Ouçam o rapaz vocês dois, Gerion e Maria – recomeçou Cristos. – Você não
vai falar nada, Sundiata?
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- Não seja idiota, lance essa energia toda para longe de você! – berrou
Sundiata desesperado.
- Gerion, meu velho amigo, peço-lhe então que reconsidere suas ações – pediu
Cristos em um tom amigável. - Espere até que o Mestre termine sua
meditação, e então fale com ele. Será melhor assim, pois você manterá seu
juramento de obediência e sua honra permanecerá incólume.
- Sinto muito, mas não posso esperar. Já esperei demais, e as coisas saíram
completamente de controle. Esse velh...
58
- Cale a boca, Gerion! – explodiu Maria, e havia raiva em sua voz – Demonstre
ao menos um pouco de respeito, mesmo que você não o respeite de verdade.
Ele liderou o Santuário durante centenas de anos, e os Cavaleiros de Atena
nunca perderam uma única guerra.
- E o que foi de tão grave? Por um acaso ele tentou matar Atena? – perguntou
Maria em um tom sarcástico.
- Praticamente sim – respondeu o leonino com pesar. – Ele permitiu que Atena
saísse do Santuário para vir atrás de mim, sendo que ele havia me enviado
para Citera, com o objetivo de enfrentar um dos demônios que estão
despertando.
- Não, Sundiata – disse Maria com incredulidade na voz -, deve haver algum
engano. Provavelmente Atena fugiu para procurar por você, e você interpretou
como se o Mestre tivesse permitido a saída dela. Se você tivesse perguntado a
ela...
- Isso é muito sério – disse Cristos com seriedade em sua voz, rompendo a
quietude que se instaurara. – O Mestre nos deve explicações sobre isso.
59
- Finalmente você caiu em si, meu amigo – disse Gerion, agora caminhando
calmamente em direção à porta da sala onde Girtab estava meditando. – Entre
conosco então, pois tenho certeza que Maria não tentará impedir três
Cavaleiros de Ouro sozinha.
- Você não me deixa outra opção a não ser lutar contra você, Cristos – disse
Gerion, cruzando os braços.
- Se é dessa forma hiperbólica que você coloca as coisas, meu velho amigo,
então não vejo outra opção – respondeu o Cavaleiro de Peixes, assumindo
uma postura de ataque.
60
- Desculpe-me, Sun – disse o gigantesco taurino com sua voz reboante -, mas
é mais do que evidente que Cristos não quis lutar a sério com você, pois sabia
que a situação estava sob controle. Agora – disse ele com um leve quê de
presunção -, quanto a mim, ele sabe que deverá dar tudo de si se pretende
opor resistência, afinal de contas, todos sabem que eu sou o mais poderoso
dentre os Cavaleiros de Atena.
- Agora sou eu quem lhe pede desculpas, Gerion – falou Cristos com um tom
casual -, pois terei de ferir o seu orgulho. É mais do que sabido por todos que
você é o mais poderoso dentre nós – e ao ouvir isso Gerion estufou levemente
o peito -, mas se você tentar passar por mim, não terei outra escolha a não ser
derrotar-lhe.
- Cristos – falou Sundiata -, você tem noção do que acaba de dizer? Como
pretende derrotar Gerion, ainda mais admitindo que ele é mais poderoso do
que você?
61
- Você, meu amigo – disse Cristos apontando para Gerion -, está com o
coração e com a mente carregados de dúvidas, e seus impulsos tem sido
movidos pela violência e pelo orgulho. Enquanto você agir assim, por mais
poderoso que seja, não conseguirá me derrotar. Entendeu?
- Humpf! Isso é uma das coisas mais idiotas que eu já ouvi – bradou o taurino.
– Espera me vencer com esse discurso barato? Vamos ver se seus
movimentos são mais rápidos do que a sua língua.
[i]Great Horn![/i]
- Você realmente esperava que essa técnica, que há pouco foi usada na minha
frente, tivesse efeito contra mim? Não, meu amigo. Não será simples passar
por mim. Agora, permita que Cristos de Peixes lhe mostre, pela primeira vez,
suas técnicas de combate.
62
seus braços também começaram a se abrir, fazendo com que ele parecesse
um reflexo gigantesco da imagem de Cristos.
[i]Stávrosi![/i] (Crucificação)
- E não poderá enquanto eu não sair desta posição. Em suma, você só poderá
fazer os mesmos movimentos que eu.
- Humpf! Essa técnica será inútil contra mim. Meus poderes não se limitam ao
físico.
Como fizera contra Baal, Gerion utilizou seu golpe enquanto estava
paralisado. Ouve um baque surdo, e ele esperou ser libertado de sua paralisia
a qualquer momento. Mas nada aconteceu. Olhando com atenção, Gerion
percebeu que havia pétalas de rosas flutuando a frente de Cristos, formando
uma barreira protetora.
63
Sundiata agora avançava rumo à sala onde o Mestre estava meditando.
Maria colocou-se na frente dele.
- Vou falar com o Mestre – disse ele com simplicidade, a voz carregada de
urgência. – Não vou ficar aqui e lutar com meus iguais por mais tempo.
64
[i]Ostrakiá Belóna![/i] (Agulha Escarlate)
- Chega – disse ele com uma voz calma, descarregando seu semblante
daquela expressão furiosa, voltando a parecer apenas um velho sábio e gentil,
como sempre aparentara ser. – Não quero mais que irmãos briguem entre si
como inimigos. Os verdadeiros inimigos estão fora do Santuário.
65
“Se você não me respeita como Grande Mestre do Santuário de Atena, mesmo
eu estando neste posto há mais de um milênio, pelo menos não seja
desrespeitoso comigo. Posso ser velho, mas não estou senil, e ainda conservo
poder suficiente para fazer com que o jovem e arrogante Cavaleiro de Touro
sinta-se como um bezerro que cresceu desproporcionalmente e agora se vê
frente a um predador de verdade.”
Gerion não teve reação. O homem a sua frente assumira uma postura
de uma imponência impar, e sua cosmo energia conferia-lhe um aspecto quase
divino. Mesmo assim, uma dúvida continuava martelando em sua mente: como
um homem tão fantástico pudera tomar tantas decisões erradas?
66
vocês percebam que as suas certezas são a insanidade que vocês estão
enxergando em minhas ações.
67
[b]CAPÍTULO IX: [i]Perguntas e Respostas[/i][/b]
- Comece por onde quiser – respondeu Gerion com raiva -, desde que explique
tudo, não haverá problemas.
“Cristos foi em meu socorro quando alguma energia maligna tentou impedir-me
de prosseguir vendo os acontecimentos futuros, pois ele sentiu o meu cosmo
enfraquecer. De fato, ele me encontrou caído no chão, tamanho foi o esforço
que fiz.
- Então foi por isso que ele estava tão apressado quando voltou e tentou
passar desabalado pela Casa de Áries – disse Gerion.
68
O tom de Girtab foi suave, mas a ameaça por detrás dessa suavidade
era evidente, e Gerion preferiu ficar em silêncio ao invés responder as coisas
que passaram em sua mente.
- Essa informação foi inútil para mim – disse Gerion com insolência.
- Pois bem – prosseguiu Girtab -, eu sabia que alguém estava tentando libertar
Baal, e sabia que era Astarte, filha dele. Porém, um espírito sempre precisa de
um corpo para se apossar, e eu conhecia a mulher cujo corpo ela escolheu. O
nome da mulher era Helena, e ela era a mãe de Komodo e de Maria.
Maria ficou em silêncio. Será que ela já sabia disso, ou será que ela
simplesmente não queria demonstrar seus sentimentos.
- A oportunidade gerada por esse ato de Astarte foi única – falou Girtab. – Não
é tão fácil dominar um corpo alheio, pois alguns pensamentos continuam
perpassando a mente de quem foi dominado.
“Foi por isso que eu enviei Komodo para o local onde ela estava. Ao ver o
próprio filho se opondo a ela, havia uma grande chance de Helena expulsar o
espírito de Astarte do seu corpo. Porém, como todos sabem, isso não
funcionou, e Komodo acabou sendo morto.”
69
- Mas porque Izzak foi enviado junto então? – perguntou Gerion – Frixo já havia
sido enviado como reforço, pois você sabia que Komodo não seria páreo para
essa tal Astarte.
- Frixo de Áries não foi enviado para proteger Komodo – disse Gerion em um
tom brando. – Izzak poderia defendê-lo de Astarte, pois ele tem poder para
isso.
- Eu disse que Frixo não foi enviado para proteger Komodo, e não que Izzak foi
enviado para proteger Komodo.
- Ah, sim. Frixo foi enviado para proteger Izzak. Izzak foi enviado para aprender
um nova técnica, uma técnica de extrema necessidade no momento.
- Sim, Izzak – disse o Grande Mestre -, uma técnica muito poderosa, e que
somente o portador da armadura de Triângulo poderia utilizar. Ela se chama
[i]Davi Sigillum[/i] (Selo de Davi), e é uma técnica de aprisionamento. Ela foi
70
usada por Davi, o Cavaleiro de Triângulo da minha geração, para aprisionar
Baal.
“Uma vez que Komodo estava morto, e Izzak estava em perigo, já que o
próprio Baal havia sido liberto, Frixo teve de interferir na batalha, conforme
ordens minhas.”
- Muito bem – disse Gerion -, isso explica apenas uma das suas menos
insensatas decisões. O que tem a dizer sobre a quase morte de Lupercus, que
você enviou para a morte contra Mammon?
- Ele não foi enviado para a morte – retorquiu Girtab. - Eu sabia que ele tinha
poder equivalente ao de Mammon, e grandes chances de derrotá-lo
- Não, Gerion de Touro. Eu não arrisquei a vida dele à toa. Não é tão simples
assim lutar contra um demônio como Mammon e os outros. Existem espíritos
destinados a isso, e Lupercus tinha uma pendência a acertar com Mammon.
71
- Mas o que Mammon tem a ver com isso? – questionou Gerion.
- Logo iniciou-se uma batalha interna no Santuário cristão, pois embora muitos
confiassem em Jacques, o Papa disseminou uma pérfida mentira, dizendo que
Jacques e seus amigos haviam traído Yeshua, e agora serviam a um demônio
chamado Baphomet. Porém, Baphomet é uma cifra criptográfica hebraica e
cabalística que, quando traduzida, origina a palavra [i]sophia[/i], ou seja,
sabedoria.
“Esse nome era um epíteto para Salomão, considerado o mais sábio dos reis, e
responsável pela construção do Templo de Jerusalém, templo cuja proteção foi
designada pelo próprio Papa do Santuário de Yeshua, no começo do século
XII, a um grupo de Cavaleiros e Virtus denominados como Cavaleiros
Templários.
Porém, quando uma mentira é bem plantada, ainda mais por uma pessoa cuja
honra e moral estão acima de suspeitas, acontece de a mentira soar como
verdade, e a verdade parecer uma absurda mentira. Jacques e alguns de seus
amigos foram aprisionados por ordem do Rei Filipe, que na verdade era o
receptáculo de Mammon, e foram submetidos a torturas com o objetivo de que
eles se declarassem inimigos do Santuário e inocentassem Bertand da trama
que ele havia criado. O Mestre do Santuário de Yeshua, num ato vergonhoso e
72
sádico, quis lavar suas mãos perante os seus guerreiros e fiéis, e deixou tudo a
cargo dos homens do rei.
Vendo que não haveria confissão nenhuma, Mammon decidiu que Jacques
deveria ser morto como um herege, e ele foi queimado vivo em uma fogueira.
Porém, antes de morrer, ele jurou que sua morte seria vingada, tanto pelos
seus amigos quanto por alguém do seu sangue, e predisse que em menos de
um ano os traidores seriam mortos. De fato, Jacques possuía muitos amigos
valorosos e leais, que lutaram para derrubar Bertand, o Papa traidor, vingar a
sua morte e aprisionar Mammon.”
73
- Eu exauri o corpo do Papa durante o combate, e levei-o à força até o
Cáucaso. Quem me acompanhou foi um outro Virtus, também chamado
Jacques, que foi o responsável pelo selamento de Mammon. Depois disso,
esse Virtus foi escolhido como o novo líder do Santuário de Yeshua, adotando
o nome de João XXII.
- O Cáucaso é uma região desolada, e dificilmente alguém iria até lá, correndo
o risco de libertar Mammon. Além do mais, eu poderia vigiar o Cáucaso daqui
do Santuário de Atena, e poderia tomar medidas rápidas, como eu fiz.
74
que Baal fosse aparecer para tentar salvar Mammon. Porém, felizmente, a
intromissão e as ações autônomas de Gerion de Touro acabaram por salvar o
jovem Lupercus, já que eu não podia protegê-lo.”
E ainda havia algo mais grave. Ele havia permitido a saída de Atena,
havia permitido que ela se expusesse ao perigo. Se isso não era um indício da
loucura do Grande Mestre, era algo mais grave, pois era um forte indício de
que o Mestre havia traído o Santuário.
- O que mais desejam saber? – perguntou Girtab com a mesma voz calma que
tinha usado até então.
- O que mais!? O que mais!? – gritou Gerion – Você por um acaso espera que
nós acreditemos que você permitiu a saída de Atena do Santuário, expondo-se
a perigo mortal, pois ela tinha chances de derrotar um demônio sozinha?
- Não – falou uma voz doce vinda de trás de todos. – Não foi um erro seu. Eu
me expus ao perigo porque quis.
75
Atena havia saído da câmara onde Girtab estava meditando. Seu corpo
apresentava apenas algumas leves queimaduras, e sua roupa estava
chamuscada. Fora isso, ela estava perfeitamente bem. Ao vê-la, todos os
Cavaleiros, incluindo o Grande Mestre, viraram-se em sua direção e se
ajoelharam. Ela seguiu caminhando até onde estava Girtab e, tocando em seu
ombro, fez um gesto indicando-lhe o trono. Ele sentou-se, e ela postou-se ao
seu lado, falando aos presentes.
- Sagrada Atena – falou Gerion, ainda com a cabeça curvada -, perdoe-me pelo
que vou dizer, mas o Grande Mestre jamais deveria ter permitido sua saída,
pois o risco era muito grande.
- Ele me disse isso, Gerion – falou Atena com uma voz plácida e afetuosa. – Eu
perguntei ao Mestre por que ele enviou Sundiata na missão, e ele me explicou
que Sun era o espírito destinado a derrotar um demônio chamado Asmodeus.
- Mais uma vez essa conversa de destinação – falou Gerion com uma
impaciência evidente em sua voz. – E qual é o motivo dessa vez? Vai me dizer
que o velhote lhe disse que Sundiata tinha um ancestral que lutou contra esse
demônio, e que ele jurou que um de seus descendentes o vingaria?
- Não ouse, nunca mais, usar esse tom com Atena – falou Sundiata com a voz
grave e nitidamente controlada para evitar um grito. Havia um tom de ameaça e
fúria em sua voz, fazendo parecer que um verdadeiro leão havia despertado do
sono, e estava furioso. – Já é bastante grave a nossa desconfiança sobre o
76
Mestre, e isso tem me dividido o espírito e a mente. Mas nunca, jamais, ouse
tratar Atena com essa falta de respeito que você usa com o Mestre. Não se eu
estiver vivo.
- Perdão, Atena. Sundiata está correto, eu não deveria falar assim com a
senhora. Agora, se puder responder-me, poderia nos dizer o que o Grande
Mestre lhe falou?
- E quando foi isso, velhote? – indagou Gerion, com ironia e desprezo na voz –
Foi quando os romanos tomaram Constantinopla?
- Não, Gerion – falou Girtab com simplicidade. – Foi alguns séculos antes,
quando o filho de YHVH esteve na terra. Antes de ele e eu nos conhecermos.
77
ser apenas mais uma das lendas em torno da figura do Mestre do Santuário.
Porém, agora o próprio Mestre dissera isso.
- Sim, Cristos de Peixes, eu o conheci, mas não é essa história que vocês
estão querendo ouvir, e não é, tampouco, a história que eu pretendo contar
hoje.
Quase na mesma hora em que Davi fez isso, Baal e eu estávamos nos
defrontado, e eu estava quase o derrotando. Eu convoquei Davi ao meu
encontro, e ele veio rapidamente, extremamente cansado pelo gasto de
energia cósmica e física que havia tido com o selamento de Asmodeus. Assim
que eu derrotei Baal, Davi de Triângulo o aprisionou com seu selo, e o esforço
de fazer dois selamentos tão poderosos foi grande demais para ele, e ele
morreu antes de poder me ensinar essa técnica.
78
Pouco antes de morrer, Davi me disse que os dois selos estavam ligados, pois
foram feitos em um intervalo de tempo muito pequeno, e pela mesma pessoa.
Assim, quando o selo que prendia Baal foi rompido, o mesmo aconteceu com o
selo que prendia Asmodeus. Eu sabia que ele estava na ilha de Citera, e enviei
Sundiata.”
79
- Tudo bem – falou Gerion, que ainda não havia se convencido -, mas por que
o senhor deixou que Atena saísse? Sundiata não era o destinado a derrotar o
demônio chamado Asmodeus?
- Ele era, Gerion – falou Girtab -, mas sozinho ele talvez não tivesse poder para
isso.
- Desculpe-me por dizer isso, Sundiata – falou o líder do Santuário -, mas você
só despertaria o seu real poder se passasse por uma situação de tensão.
Atena estava comigo quando Frixo de Áries me informou que Ícaro havia fugido
sem autorização para acompanhar Sundiata. Imediatamente ela me pediu para
eu enviar alguém para proteger o irmão dela, mas eu disse que Sundiata já
estaria com ele, e que certamente ele o mandaria de volta.
“Imaginem como foi duro para ela pensar que as duas pessoas que ela mais
ama poderiam morrer por tentar protegê-la. Então ela me pediu, me implorou
para que eu a deixasse ir atrás deles. Eu neguei, evidentemente, mesmo com
as lágrimas dela a me molharem a túnica. Foi então que aconteceu uma coisa
que mudou tudo.
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Tudo fazia sentido agora. Tudo. Sundiata não tinha mais dúvidas quanto
à integridade do Grande Mestre, pois agora ele via o quão sábio ele havia sido
em suas decisões. A própria Atena decidira sair, o Mestre tentara impedi-la,
como ele esperara que ele fizesse. Somente um sentimento o amargurava: a
vergonha. Como ele pudera ser tão descrente no Grande Mestre? Como
pudera agir dessa forma tão desrespeitosa com o homem que tão sabiamente
vinha controlando a situação? Por que ele não se mantivera fiel como Maria e
Cristos? Ele não sabia as respostas, mas sentia-se envergonhado, e sentia as
lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto.
- A culpa não é sua, Sundiata – falou Gerion, agora de pé, imponente como um
titã. – Duas mortes aconteceram por causa dos planos do Grande Mestre,
mortes essas que poderiam ter sido evitadas. Ele poderia ter ordenado que
alguém protegesse Komodo, e poderia ter mandado alguém atrás de Ícaro.
- Gerion de Touro – falou o Grande Mestre, a agora a sua voz era grave e
áspera, e sua feição era ameaçadora, de modo que Gerion sentiu as
perfurações dos golpes desferidos por Girtab voltarem a doer, como se elas
81
estivessem perfurando-o novamente. – Você obteve as respostas que queria,
mas mesmo assim se recusa a aceitar os fatos. Não é por que você não queira
admitir que eu estava certo, mas sim por que não quer admitir que você estava
errado.
- Você estava certo?! – explodiu o taurino – Duas mortes aconteceram por que
você não se preocupou. Você mesmo disse que Frixo estava lá para proteger
Izzak, e não Komodo.
- Sim, por que era eu quem estava protegendo Komodo – falou Izzak.
- Não só você, Izzak – falou o Mestre. – Maria havia sido enviada para proteger
o irmão. Porém, ela provavelmente ficou sem ação ao ver sua própria mãe
como inimigo. Komodo era muito pequeno quando veio para o Santuário junto
com Maria, por isso ele talvez não se lembrasse do rosto da mãe. Maria,
entretanto, deve tê-lo reconhecido imediatamente. Não é fácil enfrentar alguém
que se ama, mesmo que seja apenas o corpo dessa pessoa. Por isso, não
culpo Maria por esse acontecimento. Eu fui o culpado.
- Não, Mestre – falou Maria. – A morte de meu irmão foi culpa minha, pois fui
eu quem pediu ao senhor para protegê-lo, mesmo sabendo de quem era o
corpo que Astarte estava usando.
82
mais poderoso dentre nós, o favorito ao posto de Grande Mestre é Cristos de
Peixes. Não culpe o Mestre por um erro meu. Ícaro morreu, e a culpa é minha.
- Mas quem foi que disse que ele está morto? – perguntou Girtab com a voz
branda.
- Mas, Mestre – falou Atena com a voz abalada -, nós vimos ele ser atingido no
coração.
- Ele não foi atingido no coração – falou o Grande Mestre com simplicidade –
ele foi atingido na altura do peito, onde deveria estar o coração. O corpo de
Ícaro possui uma configuração levemente diferente da configuração dos nossos
corpos: ele possui dextrocardia, ou seja, seu coração fica do lado direito, não
do lado esquerdo.
83
“Foi o meu cosmo que o manteve vivo, pois eu enviei minha energia vital para
garantir-lhe a vida. Quando Atena foi atacada, e seu cosmo não foi suficiente
para protegê-la das chamas, foi a minha cosmo energia que a salvou também.
Quando vocês chegaram até a minha sala, eu não os recebi por que precisava
manter a minha concentração, pois qualquer desvio poderia acarretar a morte
de Ícaro. Quando vocês quatro começaram a lutar, a minha vontade era de vir
impedi-los, mas eu tinha algo mais importante a fazer.
- Nenhuma, senhor. Com sua licença - e dizendo isso, deixou o local, passando
por Maria e Cristos sem falar ou fazer nada.
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[b]CAPÍTULO X: [i]As Virtudes[/i][/b]
Uma potente carga elétrica atingiu Astarte no peito, e agora ela estava
caída ao lado de Mammon, que também havia sido castigado por Baal. A voz
etérea e grave do demônio ecoava na catedral.
- Mas, Baal, você ainda não possui corpo físico para lutar, pois você teve de
fugir do combate contra o Cavaleiro de Touro.
- Não se atreva a me tratar como um escravo, Baal – e ao falar isso, sua voz
ribombou ameaçadoramente no local. - Também sou um dos Marechais do
Inferno, e estou apenas um posto atrás de você. Trate-me com o respeito que
eu mereço.
85
igual com o Cavaleiro de Touro, e foi a minha chegada que te salvou,
Mammon. Então, se queres que eu te trate como tu mereces, terei de tratar pior
ainda, pois tu não és digno nem de que eu te dirija a palavra. Caso estejas
descontente, confronte-me, se fores capaz!
- E qual é o seu plano, Baal? – perguntou Mammon após abrandar seu cosmo
e seu temperamento.
- Mas, Baal – interpôs Mammon -, todos os Cavaleiros e Virtus são leais aos
seus respectivos Santuários. Como você vai fazer para conseguir infiltrar
alguém entre eles?
Baal riu. E dessa vez a sua risada era puro escárnio, e carregada de um
prazer quase lascivo. Foi com desdém que ele respondeu à pergunta que lhe
fora feita.
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permitirei que eles “vençam” a batalha e, quando prosseguirem viajem,
chegarão ao Santuário de Atena carregando um espião de minha confiança.
Dessa forma, saberei os planos dos dois inimigos de uma só vez.”
E novamente, Baal riu, mas desta vez era um riso de triunfo, de glória,
como se ele já desse por certo o sucesso do seu plano.
- E que demônio irá auxiliá-lo neste plano tão sagaz, Baal? – perguntou
Mammon.
- Isso, meu caro Mammon, é uma informação que vai além da sua alçada.
Agora, devo partir, e ficarei ausente por algum tempo, enquanto busco um
corpo físico para mim. Nesse entremeio, irei despertar os demais Marechais, e
darei ordens a vocês no devido momento. Não se atrevam a tomar decisões
sem o meu consentimento. Estejam alertas ao meu chamado.
E, com estas últimas palavras, ele passou por eles como uma frígida
lufada de vento.
***
No meio do dia, uma comitiva à cavalo chegava até o Santuário. Ela era
formada por quatro homens, sendo que um deles, bem mais velho que os
demais, vinha cercado pelos outros três. Estes trajavam uma longa túnica
branca, coberta por uma leve capa de viagem azul clara. No peito deles, havia
o símbolo de duas chaves – uma dourada e uma prateada – que se cruzavam
por trás de um escudo vermelho, que possuía uma faixa azul estrelada
estampada em forma diagonal.
87
Ao chegarem nos limites de entrada do Santuário, uma guarda de
soldados rasos forma uma barreira, e um dos soldados, com a lança em punho,
fala aos viajantes.
- Auto! Este território é sagrado e proibido a visitantes. Voltem agora por onde
vieram, pois adentrar este espaço sem permissão acarretará em morte.
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- Senhor Kabouri, o senhor está acompanhando esses viajantes? – perguntou
o soldado.
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passavam por sua Casa Zodiacal, e trocou breves palavras com o Cavaleiro de
Câncer.
- Parece que você teve um pouco de diversão hoje, Kabouri. Estou certo? –
perguntou o homem.
- Certíssimo, Salomão. Embora eu ache que não tenha sido tão divertido
assim, pois dois guerreiros quase morreram com o ataque surpresa.
- Foram estes dois: Odisseu - falou apontando para um homem branco, com
longos e embaraçados cabelos ruivos, barba também ruiva, e olhos azuis, cujo
ombro direito possuía um corte profundo e vários cortes menores no rosto – e
Alonso – e apontou para um homem branco e careca, com um cavanhaque
negro e olhos alertas e profundamente negros, que tinha o braço direito
imobilizado em uma tipóia feita com a capa de viagem, mancava com a perna
esquerda e estava com o pescoço manchado de sangue.
- Bom, parece que vocês aproveitaram o dia melhor do que eu. De toda forma,
seria melhor que vocês dois fossem tratados por alguém, pois esses ferimentos
são bem feios.
- E quem o senhor sugere que procuremos? – perguntou Odisseu com uma voz
grave.
- Ora, Odisseu – falou Kabouri de Câncer -, você tem a sorte de estar falando
com Salomão de Libra, o homem que tem os mais avançados dons de cura
dentre todos os que vivem no Santuário, excetuando-se Atena, obviamente. O
que você acha, Salomão? Pode cuidar deles?
90
- Ele é um Cavaleiro de Ouro? – surpreendeu-se Isar – Mas porque ele não
está trajando uma armadura?
- Claro que permito, meu bom Alonso – respondeu o velho Papa com uma voz
cansada, porém simpática.
91
sorriso a contrair as rugas em torno de seus olhos muito brilhantes, e Sacros
de Altar estava parado ao seu lado.
- É muito bom revê-lo depois de tanto tempo, Girtab, mas confesso que ficaria
muito mais contente se nosso encontro tivesse se dado por motivos menos
sombrios e, logicamente, com menos degraus no caminho.
“Estávamos quase chegando até o Santuário, sem passar por qualquer tipo de
problemas, até que uma tempestade de areia caiu sobre nós. Soubemos,
naquele instante, que uma batalha contra um demônio estava prestes a
acontecer, pois aquela tempestade não se formou naturalmente, já que não
havia areia suficiente, muito menos vento suficiente, para que uma tempestade
daquelas proporções”
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- Eu sei disso – interrompeu-o o Grande Mestre -, e eu pude sentir um cosmo
poderoso e maligno regendo a tempestade ao seu encontro, e foi por isso que
mandei Kabouri de Câncer auxiliá-los a chegar até aqui.
- Não, meu rapaz – disse o Papa com simplicidade. – Erramos no número, pois
não era um demônio, e sim vários. Pude identificar poucos deles, tais como
Moloch, Orobas e Agaras, mas havia um muito pior dentre eles: o próprio Baal
veio nos atacar.
- Meu amigo, aqui não é o local adequado para falarmos sobre isso,
principalmente pela falta de cortesia que estou demonstrando ao receber as
visitas na soleira da porta ao invés de convidá-los a entrar e tomar assento.
Acompanhem-me, por favor, até a minha sala.
93
Enquanto isso, na Casa de Libra, Salomão ouvia atentamente o relato
de Alonso e Odisseu sobre os acontecimentos durante o ataque que sofreram,
ao mesmo tempo em que terminava o processo de cura no ombro ferido deste
último.
- Então eles caíram sobre nós – dizia Alonso -, e rapidamente nos preparamos
para combatê-los com todas as nossas forças, visando, sobretudo, a proteção
do Papa. Isar e Galen ficaram ao lado dele, para protegê-lo, e o combate
começou.
- Nós nos dividimos – disse Odisseu, agora examinando o seu ombro que,
aparentemente, estava perfeito -, pois eram muitos inimigos. Cada um de nós
combateu no mínimo dois demônios, com a exceção de Francesco, que
combateu apenas um.
- E porque esse Francesco lutou apenas contra um, é a pergunta que você
imaginou que eu faria, correto? – perguntou Salomão muito sério –
Provavelmente não é por ele ser fraco. Acredito que deve ter sido por que o
único inimigo que ele enfrentou era o mais poderoso de todos os que
apareceram, correto?
94
- Exato – complementou Alonso. – E então os dois lutaram contra Baal, que se
viu acuado e conjurou novamente sua tempestade de areia, deixando-nos às
cegas, sem que pudéssemos ver sequer um ao outro, mesmo estando
próximos. Quando tudo cessou, não havia mais demônio algum, mas nós
permanecemos alertas. Francesco, então, ordenou que Sua Santidade fosse
escoltada até o Santuário, enquanto ele, Óliver, Kabouri de Câncer, Odisseu e
eu, que estávamos feridos pelo combate, ficamos para trás, como retaguarda
em alerta para um possível novo ataque.
- Maldito idiota – falou Alonso, mas agora sua voz parecia emitir um leve silvo
ofídico. - Agora terei de arrumar uma desculpa convincente para a morte dos
dois. Se não fosse por esse mero deslize, tudo teria passado despercebido.
Agora irão suspeitar de que existia alguém infiltrado.
95
- Você poderia dizer - falou Salomão repentinamente, pegando Alonso de
surpresa -, que ele estava possuído por um demônio, e ele me atacou de
surpresa e de forma covarde. Quem é você?
Era evidente que Alonso não esperava que isso acontecesse. Ao seu
susto, sucedeu-se uma breve pausa, e então ele explodiu falando.
- Como você pode estar falando? Como pode estar se movendo? Você deveria
estar paralisado pelo meu golpe. Certamente, você devia estar de costas, mas
não terá essa chance novamente.
E mais uma vez a Casa de Libra foi iluminada por um flash. Alonso olhou
esperançoso para o Cavaleiro de Libra, e regozijou-se quando viu que ele não
se mexia, que ele sequer piscava. Porém, ele não iria arriscar novamente.
- De toda forma, mesmo com a sua armadura você não teria chances contra
mim. Você perguntou quem eu sou, não é? Bom, eu sei que as vítimas da
96
minha técnica, embora paralisadas, ainda conseguem ouvir, portanto irei
responder sua pergunta antes de lhe matar: eu sou Apep, o Grande Demônio
Serpente, e estou aqui a serviço de Baal. Minha função é me infiltrar entre os
inimigos e repassar as informações para Baal.
“Meu disfarce teria sido perfeito se não fosse por esse deslize. Mas agora vou
corrigir tudo e, de quebra, tirar dois trastes do caminho sem levantar suspeitas.
Adeus Cavaleiro de Ouro!”
E ele ergueu sua mão esticada, descendo-a velozmente como uma foice
prestes a ceifar a vida de alguém. Porém, apenas o chão foi atingido. Salomão
havia sumido.
- Obrigado por me contar tudo – disse o Cavaleiro de Libra, que agora estava
para às costas de Apep, que se virou horrorizado para encarar o adversário. –
Agora eu entendo por que Baal quis confrontá-los pessoalmente: ele seria uma
distração e, ao mesmo tempo, uma garantia. Se ele não estivesse presente, as
atenções seriam dispensadas apenas aos inimigos que cada um enfrentava.
Porém, com a presença dele, todos estariam preocupados com o que ele
pudesse fazer, e foi assim que Alonso foi derrotado rapidamente e você tomou
o corpo dele. Estou certo?
Apep fitava com ódio Cavaleiro de Libra, que parecia encará-lo com
superioridade. Como ele não fora afetado por sua técnica mais poderosa?
- E quem foi que disse que você representa algum perigo para mim? –
perguntou Salomão em um tom seco. – Eu sabia que havia alguma coisa
97
errada com você, pois sua perna machucada é a direita, mas você insiste em
mancar com a esquerda. Eu simplesmente esperei pelo momento certo, e eis
que você falou tudo que eu queria sem que eu precisasse fazer nada além de
esperar. Você não é um demônio poderoso como os outros que já foram
enfrentados pelos meus amigos, e eu não precisarei da minha armadura para
liquidar você. Agora chegou a minha vez de me despedir de você.
- Eu pude ouvir tudo o que vocês falaram – disse ele com a voz levemente
trêmula. – Se não fosse por você, certamente todos nós teríamos sido
enganados por esse demoníaco impostor. Você salvou a todos nós.
- Sim – respondeu Odisseu -, mas não teríamos resistido ao golpe dele. Você
deve ser o mais poderoso dos Cavaleiros de Ouro, pois esse golpe não fez
nada com você.
98
- Então – interpelou-o Odisseu –, você pode me explicar qual a técnica que
usou para não ser afetado por Apep?
Foi então que ele compreendeu a resposta para a pergunta que fizera. A
constelação de Libra representava a mesma balança que as duas deusas
carregavam, simbolizando o equilíbrio. Porém, ao passo que a técnica de
Salomão fazia alusão à espada de Diké, o seu corpo fazia alusão a Iustitia: tal
qual a deusa da justiça romana, Salomão também era cego, e era por isso que
ele não havia sido paralisado.
99
E então, silenciosamente, ele também deixou a Casa de Libra para ir se
juntar aos seu companheiros.
100
[b]CAPÍTULO XI: [i]A Humildade[/i][/b]
- É realmente uma pena que um dos seus já tenha perecido, Inocêncio – falou
Girtab referindo-se ao que ocorrera com Alonso. – Tivemos uma baixa no
Santuário também, e sabemos plenamente que estamos apenas no começo de
uma Guerra Santa sem precedentes. Temos de reunir todas as nossas forças e
as informações que nós temos sobre os inimigos.
- Meu bom Galen – falou o Grande Mestre com calma -, não precisa me tratar
de forma tão formal. Se quiser manter a diferença de hierarquia, chame-me
apenas de Mestre, mas eu não me importo se você me chamar de Girtab.
Quanto ao que você falou, a maior arma de Lúcifer e seus seguidores tem sido
o de por amigos uns contra os outros. Há sempre o risco de uma traição, mas
se formos viver com isso em nossas mentes constantemente, nos tornaremos
paranóicos.
- Mas, Sua Sant... perdão, Mestre – corrigiu-se o jovem Galen -, com a ameaça
de infiltrados, não poderemos trocar segredos entre nós.
101
- Galen – falou um dos Virtus, e todos os outros prestaram muita atenção ao
que ele disse -, a única forma de guardar um segredo é não o compartilhando
com ninguém. No instante em que você conta algo para outra pessoa, por mais
confiável que ela seja, essa informação deixa de ser um segredo. Como o
Mestre do Santuário de Atena acabou de falar, iremos apenas nos tornar
paranóicos se ficarmos pensando nisso o tempo inteiro. Há perigos bem
maiores do que esse para nos preocuparmos, pois a vida de todas as pessoas
desse mundo está em perigo.
- Receio que Sua Santidade esteja equivocada nesse ponto – falou Sacros de
Altar. – Tivemos hoje mesmo um exemplo de que não são apenas os seis que
teremos de enfrentar, pois Apep não corresponde ao grupo principal.
- Marechais do Inferno – disse Girtab após beber um gole de seu cálice. – Essa
é a denominação para os seis principais demônios que auxiliaram Lúcifer em
sua rebelião. Atentem para o fato de que são os seis principais, pois há um
número grande de outros demônios que servem a eles, e esse número é
incerto.
102
Todos ficaram silenciosos por um tempo, até que o silêncio foi rompido
pelo mais jovem dos Virtus, um jovem de revoltos cabelos castanhos claros e
curtos, com expressivos e alegres olhos verdes que combinavam com a
expressão jovial em seu rosto muito branco e com algumas sardas.
- Mestre... eu...eu poderia lhe fazer uma pergunta? – indagou o jovem com
visível constrangimento.
- Homem? – indagou Benício – Ele não era um simples homem, Mestre, ele
era...
- Não seja teimoso como seu antecessor era, Inocêncio – interrompeu-o Girtab
com gentileza, porém de forma firme. – Francesco, ou Sisto IV, como ele foi
chamado, era um homem brilhante, mas se recusava a acreditar em uma
testemunha ocular, preferindo seguir as escrituras que eu mesmo vi serem
construídas e modificadas ao longo dos séculos. Eu conheci Yeshua, lutei por
ele, e quase lutei contra ele.
103
O espanto produzido por essas palavras foi enorme. Aquele detalhe era
uma novidade que surpreendia e assustava a todos os presentes, pois a
imagem que se tinha de Girtab, além do enorme poder, era de sua sabedoria e
bondade. Como aquele homem pode quase entrar em conflito com Jesus?
- Você não enviará nenhum dos seus guerreiros para averiguar a suspeita de
Francesco?
***
- É inútil tentarem prosseguir. Não passaram por mim, nem que eu tenha de
morrer enfrentando vocês.
104
- Agora, criaturas demoníacas – bradou Frixo -, me digam quem são vocês.
Os outros demônios, que outrora haviam tentado passar por Frixo, agora
ficavam às costas do demoníaco cavaleiro que havia chegado. Os seus olhares
para ele eram mistos de medo e reverência, e havia um sorriso maldoso
estampado em suas faces, como se já se divertissem com o que poderia
acontecer depois.
- Meu algoz? – indagou Frixo com ironia, agora que estava plenamente
recomposto – Acho que o único algoz aqui serei eu. Preparem-se para sentir o
verdadeiro poder de um Cavaleiro de Ouro.
105
- E o que é que você pretende fazer contra mim, Cavaleiro? Vai criar outra
proteção cósmica tão ridícula quanto a anterior?
- É realmente uma técnica belíssima, mas infelizmente, para você, ela é muito
lenta e fraca. Sinta agora o verdadeiro poder dos astros.
106
Uma violentíssima explosão de energia atingiu o Cavaleiro de Áries, e
tudo que estava a sua volta, em um perímetro de vinte metros, foi
desintegrado, abrindo uma cratera no chão. O demônio agora estava com os
braços estendidos na direção do corpo de Frixo, que estava caído inerte no
chão.
- Humpf, esse bastardo era mais forte do que eu havia imaginado – falou o
inimigo. – Seria de esperar que ele se desintegrasse quando recebeu o meu
golpe, mas sua barreira ainda conseguiu salvá-lo. Embora não tenha morrido
com o primeiro golpe, não terá chance de escapar agora que está inconsciente.
- E você acha que o fato de tê-lo atacado pelas costas não contribuiu em nada
para que ele fosse atingido? – perguntou uma voz vinda de trás do demônio.
- Diga seu nome, e eu lhe direi o meu. Embora eu ache que sei quem você é:
Aloccer.
- Ha,ha,ha! Parece que você não é tão estúpido assim – falou Aloccer. – Você
acertou o meu nome, mas eu ainda não sei que você é. Mas, isso não me
interessa, já que irei matá-lo também.
- Ele escapou por pouco, mas você não terá a mesma chance.
107
- De fato ele escapou por pouco, o que só mostra o quanto ele era mais
poderoso do que você, pois ele foi atacado pelas costas e de surpresa. Em
condições normais, você não teria tido chance.
- Não teria tido chance? – indagou Aloccer furiosamente – A técnica dele não
me fez nada, e a minha técnica quase o matou.
- Entendo – falou Aloccer fazendo uma breve pausa para assimilar as coisas. –
Então vocês chegaram em segurança até aqui. Humpf, mas isso será inútil,
pois há uma surpresa nefasta reservada para vocês.
- Quanta presunção para alguém que deveria ser humilde – caçoou o demônio,
mas era visível que a descoberta do plano de Baal havia lhe surpreendido e
assustado. – Acha que tem chances contra mim?
108
- Eu sei que eu irei derrotá-lo. Sua técnica já foi vista por mim, e eu sei como
evitá-la. Aliás, eu não fui o único a vê-la, pois havia outro Cavaleiro de Ouro
observando a luta. Caso eu seja derrotado, ele virá para enfrentá-lo.
- Que besteira! Se vocês dois estavam olhando, por que não vieram ajudar o
seu amigo?
- Por que nós temos honra o suficiente para deixar que um guerreiro termine
sua batalha. Além do mais, nós percebemos que vocês três juntos não seriam
ameaça para Frixo. Entretanto, quando você atacou covardemente, me vi
obrigado a intervir. Agora, é hora de dizer adeus a esse mundo.
- Realmente você escapou do meu golpe, mas a sua técnica foi inútil contra
mim – falou Aloccer.
109
E o sangue afluiu do seu corpo em uma linha vertical exata e, segundos
depois, o seu corpo caía ao chão, com uma metade caindo para cada lado. A
batalha havia terminado. Francesco agora passava por um Cavaleiro de Ouro
que tinha observado toda a luta, e fala com ele.
- Gerion não quis abandonar a Casa de Touro por que confiou plenamente em
Frixo antes mesmo de o combate começar – respondeu o Cavaleiro. - Eu
precisei vir até aqui para perceber que ele estava certo. Mas, parece que eu
não precisava ter me dado ao trabalho, já que você acabou vindo até aqui.
- Nunca é demais ficar preocupado por um amigo – disse o Virtus com bondade
e sinceridade. – Eu também precisei vir até aqui para me dar conta
completamente do poder de um Cavaleiro de Ouro. Dificilmente algum demônio
poderia destruir guerreiros tão poderosos como vocês tem demonstrado ser.
Talvez nossa vinda até aqui não seja tão útil para vocês.
- “[i]Esse homem é mais poderoso do que aparenta ser. O demônio que ele
enfrentou não era um adversário simples de se derrotar. Frixo, mesmo sendo
um Cavaleiro de Ouro, teria tido alguma dificuldade na batalha, embora eu
tenha quase certeza que ele venceria. Porém, a velocidade do inimigo era
muito grande, e ele poderia apanhar qualquer um de nós de surpresa, e isso
poderia encerrar o combate a seu favor. Mesmo assim, Francesco conseguiu
ver todos os seus movimentos em meio às luzes do golpe de Frixo, e estava
110
preparado não apenas para evitar a técnica dele, mas também para contra
atacá-lo nesse meio tempo. Será que todos os Virtus são tão poderosos?[/i]”
111
[b]CAPÍTULO XII: [i]A Profecia do Apocalipse[/i][/b]
- Mas deve haver outra solução – falou o velho Papa. – Você sabe o quão
perigoso isso pode ser.
- E você também sabe que será mais perigoso nos arriscarmos a não fazer
nada para impedir. Mesmo que não seja o plano dele, não devemos nos
descuidar.
- Mas parece que você está se esquecendo de o quanto isso pode ser perigoso
– insistiu Inocêncio.
112
apanhou o seu cálice, e bebeu um longo gole de água. Por fim, ele falou com
uma voz clara e calma, seus olhos mirando o líder dos cristãos.
- Eu não sou uma criança que você pode mandar dormir quando quer, Girtab
de Escorpião! – bradou o Papa com um tom insatisfeito – Eu sou o Santo
Padre, o Bispo de Roma, o Sumo Pontífice da Santa Madre Igreja Católica
Apostólica Romana, o Líder dos Cristãos no mundo, e minha opinião e minha
autoridade devem ser levadas em conta, Girtab!
113
- Por favor, Inocêncio, abrande-se – disse o Grande Mestre em uma voz calma
e baixa.
- Se for preciso ficar a noite inteira lá dentro – falou Inocêncio apontando para a
Sala de Meditação -, nós ficaremos.
114
- Como Sumo Pontífice, já estive em meio há muitas guerras, Girtab, e foi a
minha experiência e a minha autoridade que... – começou o Papa com
arrogância e autoridade, alteando sua voz mais uma vez.
Porém, dessa vez o Grande Mestre não pode se controlar, pois tanto os
gritos quanto o tom arrogante que o Papa cristão estava utilizando eram
inaceitáveis em uma situação como aquela. Inocêncio estava claramente se
considerando em uma posição superior ao do Grande Mestre do Santuário de
Atena, e não estava respeitando-o com o devido merecimento que alguém em
uma posição tão elevada merecia.
115
energia tão assombrosa como essa. Como é possível um homem ter tamanho
poder?!
- Não vou me desculpar pelo que aconteceu – falou ele em seu tradicional tom
calmo -, pois não sou do tipo de homem que faz as coisas e depois expressa
arrependimentos apenas por meio de palavras. Arrependimentos se mostram
por meio de ações, e garanto-lhes que uma situação como essa não se
repetirá, pois não haverá outra oportunidade para isso.
- Cristos e Ganimedes – falou o Grande Mestre -, não lhes foi dada permissão
para deixarem suas casas zodiacais. Retornem imediatamente aos seus
116
postos. Quando Kabouri retornar, peçam que ele venha me ver pela manhã,
pois estou cansado e preciso descansar.
- Mas não será agora que o terminaremos, Inocêncio – falou o Grande Mestre
enquanto se levantava e se dirigia aos seus aposentos. – A noite e a ira são
péssimos conselheiros, de modo que acho melhor nos acalmarmos e voltarmos
a conversar amanhã pela manhã. Eu já estou decidido, e nossa conversa
consistirá unicamente em convencer você de que eu estou certo. Boa noite a
todos.
- O que é essa coisa tão perigosa que vós dois tem discutido? O que pode ser
tão perigoso?
117
- Onde Galen foi? Pelo que entendi das palavras do Grande Mestre, um dos
Virtus está prestes a enfrentar um inimigo, e esse Virtus é o Galen. Onde ele
foi?
- Mas por que ele suspeitou isso, nós não sabemos – comentou Isar, com seus
olhos verdes cintilando.
- Não, Isar. Eu nunca disse que eu não sabia o motivo da suspeita – comentou
Odisseu em um tom casual. – Eu sou grego, e conheço bem o Areópago e o
seu significado, de modo que eu consegui entender o pensamento do Grande
Mestre. Só não expliquei antes para vocês por que achei que mais alguém
havia entendido.
118
- Mas eu pensei que Atena fosse a deusa da guerra – questionou o jovem
Benício.
- Nenhum dos dois está errado – completou Francesco. – Ares e Atena são os
deuses da guerra, mas cada um representa um lado dela. Ao passo que Atena
simboliza o lado estratégico e justo da guerra, Ares representa o seu lado
sanguinário e agressivo. Dentre os dois, Atena sempre foi a predileta dos
gregos, estou certo, Odisseu?
- Sim, Francesco.
- Mas, eu ainda não entendo no que isso tem relação com o demônio que
Galen foi enfrentar – comentou Benício, ainda confuso.
- Faz sentido – falou Francesco. – Porém, como o Grande Mestre disse, Azazel
é um dos demônios mais poderosos do exército luciferiano. Por que apenas
Galen foi enviado? Por que nenhum de vocês se prontificou a ir junto?
119
- Por que foram ordens de Vossa Santidade – respondeu-lhe Odisseu. –
Segundo Vossa Santidade, deve haver um equilíbrio espiritual no combate, e
uma Virtude deverá se opor a um Pecado.
- Mas – disse Benício com uma voz animada –, o Grande Mestre também disse
que a autoridade de Vossa Santidade era apenas sobre nós, e que ele tomaria
as decisões que lhe convinham. Por isso, ele ordenou que Kabouri de Câncer
fosse enviado como reforço, caso a batalha seja demasiado complicada. Esse
homem não é incrível? – perguntou o jovem Virtus com alegria e admiração.
- Não apenas com ele. Estou preocupado com o que Vossa Santidade nos
disse.
120
- Como assim?
- Hum, vejo que você partilha do mesmo pensamento que eu – falou Odisseu
em um tom amistoso. – Não entendo qual é o plano do Grande Mestre, mas
acho que Vossa Santidade não deveria ficar tão preocupado, afinal de contas,
todos nós estamos preparados para a morte, não é mesmo?
- Sim, você está certo como sempre, meu amigo. É melhor eu tentar dormir, e
pedir ao Nosso Senhor que proteja Galen, se assim for de Seu desígnio.
***
121
- Ainda não percebeu que jamais deveria ter erguido um dedo contra um deus
como eu? Isso é um pecado que deverá purgar com a própria vida. Eu, Ares,
filho de Zeus, irei conduzi-lo ao mundo dos mortos.
- Você não percebe que Lúcifer irá dominar tudo se você se juntar a ele? –
bradou Galen – Lúcifer destruirá o mundo inteiro, e você não reinará sobre
nada.
E ele ergueu sua lâmina no alto, fazendo com que ela reluzisse
friamente à luz do luar. Porém, no instante em que a espada descia, uma voz
parecia subir a colina, tornando-se mais nítida, o que fez com que o deus
cessasse seu golpe por um instante.
- Uma situação como essa é vergonhosa – falou uma voz que se tornava cada
vez mais alta.
- Kabouri – disse Galen, ainda caído no chão. – Você, mais uma vez, vem para
salvar um aliado. Infelizmente, esse adversário e por demais poderoso para
nós.
122
soubesse, jamais teria me enviado, pois não sou o inimigo adequado para lhe
vencer. Entretanto, parece que sua condição de divindade está sendo posta de
lado, e agora você está servindo a uma criatura de menor grau.
- O QUE!? Como se atreve a falar isso?! – gritou Ares – Eu sou Ares, o Grande
Deus da Guerra, filho de Zeus. Jamais eu serviria a alguém inferior a mim.
- Sinto muito, mas perece-me que você está servindo de soldado raso para os
exércitos de Lúcifer. Pensando bem – disse o canceriano com ironia -, eu até
entenderia se você obedecesse a ele, pois ele é poderoso. Mas eu não consigo
entender como um deus que se orgulha de sua posição divina pode estar
servindo a um demônio como Azazel, afinal de contas, era ele quem deveria
estar aqui para nos enfrentar, mas parece que ele deixou você no lugar dele.
- Eu jamais servirei a alguém inferior a mim – gritou Ares, sua voz potente
sobrepujando a voz de Galen.
- Mas..você...você está servindo. Você está sendo usado – falou Kabouri com
dificuldade enquanto se levantava, ainda firme em seu plano. – A prova disso é
que irá nos matar agora, cumprindo as ordens que lhe foram dadas. Vamos,
termine com isso de uma vez.
123
havia tentado deter o golpe letal, de modo que suas mãos seguravam
inutilmente um pedaço da lâmina que estava enterrada em seu corpo.
- Hahaha – riu Ares com desdém, ainda furioso. – Então parece que sua dívida
para com ele acaba de ser dobrada, pois o sacrifício dele salvou a sua pele,
humano. Não irei matá-lo agora por que isso seria o mesmo que obedecer aos
desígnios daqueles que são inferiores a mim, conforme o Cavaleiro de Atena
disse há pouco. Entretanto, eu não poderia permitir que ele permanecesse vivo
depois de tudo o que me disse. Aproveite a breve extensão de vida que lhe foi
concedida.
E ele começou a chorar, e esse choro não era apenas um lamento por
perder um amigo, mas também um pranto que mesclava a sensação de
inutilidade e impotência frente ao ocorrido. Com esforço, Galen cessou o choro,
e recolheu o corpo de Kabouri do chão. Agora, o Virtus caminhava
solenemente com o heróico Cavaleiro de Câncer em seus braços, em uma
espécie de cortejo fúnebre solitário e sofrido.
124
Após algum tempo caminhando, o Virtus assustou-se a jogou o corpo do
canceriano no chão.
- Bem, na verdade não, mas foi por muito pouco – respondeu ele com uma voz
grave.
- Quer dizer que você não foi atingido pela espada de Ares? – perguntou o
Virtus com incredulidade, vendo um pedaço da arma do deus caída no mesmo
local onde ele havia jogado o corpo de Kabouri.
- Ora, por que eu estou cansado de salvar você toda hora – respondeu o
canceriano com um largo sorriso jocoso. – Além do mais, você mesmo disse
que está em dívida comigo, e eu pensei que uma carona até o Santuário seria
uma boa forma de começar a pagar essa dívida.
125
- Você me deve explicações, Kabouri de Câncer – falou o Virtus com um
sorriso estampado no rosto.
- Muito bem – disse o Cavaleiro, agora concentrando sua cosmo energia para
curar os cortes em suas mãos. – Antes de você ser enviado para enfrentar
Azazel, o Grande Mestre já suspeitava que Ares poderia ser liberto e se juntar
a Baal. Por isso, ele me deu instruções para esperar até que o Papa lhe
enviasse e...
- Eles não ensinam bons modos na Igreja? – disse Kabouri aborrecido. – Não
sabia que é falta de respeito interromper os outros enquanto eles falam? Não
me interrompa mais, ou eu não conto mais nada para você.
“Aí eu segui você, e observei Ares lutar com você, e percebi que eu seria inútil
ao tentar travar um combate contra ele. Nós dois morreríamos. Foi então que
126
me lembrei de uma coisa que o Mestre me disse uma vez: ‘Você pode
conseguir as coisas de duas formas: pela força ou pela inteligência’. Bem, pela
força seria impossível para mim, então tive de agir com inteligência.
Comecei a provocá-lo, para tentar distraí-lo até você fugir, mas você não fez
nada. Então, quando ele me arremessou contra o chão, eu percebi que havia
sido um ataque a esmo, sem mira nenhuma. A razão para isso era simples: a
ira deixa as pessoas cegas. Ares, por mais que seja um deus, foi tomado pela
raiva de ser considerado inferior, e não pensava com clareza, de modo que não
premeditava nada do que fazia, agindo apenas por impulso. Então, eu o
provoquei para que me matasse, esperando que ele usasse a espada, e
felizmente a sorte me sorriu, pois ele arremessou a espada contra mim.
***
127
- Ainda temos um assunto a debater, Grande Mestre.
- Claro. Sua Santidade poderia fazer-me o favor de me passar a taça com mel?
– pediu Girtab imitando um tom aristocrático, de modo que todos, inclusive o
Papa, acabaram rindo.
- Você não tem jeito mesmo, Girtab – disse o Papa com um sorriso contrariado.
- Velhos amigos não devem ficar brigados por maus entendidos. Mas, o pedido
do mel continua sendo válido.
- Girtab – interrompeu-o o Papa. – Nós ainda não discutimos isso com a devida
cautela.
128
Com um aceno de cabeça, Girtab saiu de seu assento e foi até sua Sala
de Meditação. Rapidamente, ele retornou com um volumoso livro em suas
mãos.
- Poderia abrir e ler para nós o livro do Apocalipse, capítulo seis, versículos um
a cinco, e depois versículos sete e oito? – falou Girtab entregando uma bíblia
nas mãos de Isar.
129
portando uma espada. Meu receio é que agora os outros Cavaleiros do
Apocalipse estejam prestes a ser recrutados.
- Então é por isso que Sua Excelência disse que o Grande Mestre planejava
matar um dos seus guerreiros – concluiu Odisseu.
- Exatamente. E é por isso que temos discutido tanto, pois eu considero muito
arriscado mandar alguém para os domínios de Hades, principalmente em se
tratando de um Cavaleiro de Atena, que é inimiga de Hades desde os tempos
mitológicos.
- Não, meu plano não é esse – disse o Grande Mestre com simplicidade.
- Como não? – indagou o Papa, surpreso – Você foi bem claro ao dizer que
suspeitava que Thánatos seria o Cavaleiro da Morte, e que seria necessário
impedir isso. Eu perguntei se você pretendia enviar homens meus e seus para
a morte certa, e você disse que essa tarefa pertencia aos assuntos do
Santuário.
130
- E então? – questionou o Papa, aturdido com a reação do Grande Mestre. –
Como você pode me dizer agora que este não é o seu plano?
- Eu não entendo o que se passa pela sua cabeça, Girtab – falou o Papa
zangado. – Poderia me explicar qual é o seu plano então?
– Vocês tem que provar os figos, estão maravilhosamente doces – falou o líder
do Santuário descontraidamente, como se tudo o que fora discutido
anteriormente não passasse de uma breve e descontraída conversa sobre o
tempo.
Todos estavam atônitos, sem reação alguma. Como ele podia se manter
tão calmo? Será que o Grande Mestre estava realmente falando sério?
131
[b]CAPÍTULO XIII: [i]A Morte e o Imortal[/i][/b]
- Agora que você explicou, esse plano parece realmente simples – falou o Papa
com ironia. – A missão consiste pura e simplesmente em mandar o Grande
Mestre do Santuário de Atena, provavelmente o homem mais poderoso da face
da Terra, até os domínios de Hades, um inimigo eterno de Atena. Nesse lugar
onde os seus poderes de Cavaleiro serão anulados ou reduzidos, o Grande
Mestre irá confrontar, derrotar e aprisionar um deus. É isso mesmo, ou eu
esqueci algum detalhe dessa SANDICE! – gritou ele, não podendo mais se
controlar.
132
- Mas você está indo para os braços da morte, literalmente.
- Girtab – falou ele -, acredito que seria mais prudente se terminássemos nossa
conversa na Sala de Meditação.
E foi então que, pela primeira vez desde que chegara ao Santuário de
Atena, o Papa viu Girtab trajado com todos os paramentos de Grande Mestre.
Seu rosto velho e rugoso agora estava oculto por uma máscara, e seus ombros
largos e firmes eram encimados por um suntuoso manto branco. Sob aquelas
roupas e máscara poderia estar um jovem e viril guerreiro, pois apenas as
mãos – levemente enrugadas – denunciavam a velhice no corpo daquele que
estava por debaixo do traje de Grande Mestre.
133
- Poderia me explicar o porquê da vestimenta? – indagou o Papa com
curiosidade.
- Estou surpreso com a sua pergunta, Inocêncio. Eu achei que você soubesse,
mas não custa nada te explicar: essa é a vestimenta do Grande Mestre do
Santuário de Atena, e já que eu sou o Grande Mestre, eu devo vestir isso.
Dessa vez foi Girtab quem riu, um riso breve e descontraído, como o de
uma criança que foi bem sucedida em uma travessura.
- Mas você não se vestiu assim para nos receber – retorquiu o Papa.
- Não me leve a mal, Inocêncio, mas eu vou confrontar um Deus. Eu acho que
essa é uma ocasião um pouco mais especial do que receber um velho amigo,
concorda?
134
- Ainda bem que vieram rápido, Frixo e Janus – disse o Grande Mestre. – Não
se preocupem com as suas Casas Zodiacais, pois embora a Casa de Áries
tenha ficado vazia, dificilmente alguém vai passar por Gerion, em Touro, e
chegar até a Casa de Gêmeos, também vazia.
- Então são esses os homens que você irá levar convosco, Grande Mestre? –
perguntou Francesco – Eu já vi Frixo de Áries lutar, e sei que ele é poderoso,
mas não posso dizer o mesmo sobre o Cavaleiro de Gêmeos, pois embora ele
tenha estado presente em minha luta contra Aloccer, ele foi apenas um
espectador.
135
- De modo algum, Benício. Apenas estou dizendo que os Cavaleiros de Ouro
são mais poderosos, e que, dentre os Virtus, Francesco e Odisseu são os mais
poderosos. Isso não significa que vocês não sejam poderosos.
- E por que apenas os Cavaleiros de Atena irão nessa missão com o senhor? –
perguntou Odisseu – Por que não levar convosco um dos Virtus?
Frixo havia ficado levemente rubro ao falar isso. Era evidente que,
depois de tudo que já aconteceu, ele não aceitaria que ninguém duvidasse dos
planos do Grande Mestre, muito menos de suas intenções.
- Obrigado pelo voto de confiança, Frixo – disse o Mestre com visível comoção
em sua voz. – É bom saber que tenho sua confiança.
136
convicção de que qualquer outro Cavaleiro, até mesmo Gerion, iria concordar
em segui-lo.
- Diante disso que vocês falaram – disse Odisseu -, e por meio de tudo o que
soube sobre o Grande Mestre, acho que eu também o seguiria sem hesitar.
- Está bem – falou o Papa com contrariedade -, vejo que não há nada que eu
possa dizer ou fazer para demovê-lo desta idéia. Você é, com toda a certeza, o
homem mais teimoso que eu já conheci, Girtab.
Girtab começou a rir, e sua risada foi seguida pelo riso do Papa. Era
evidente que ali estavam dois amigos se reconciliando e rindo de sua briga,
como se o motivo dessa briga tivesse sido uma besteira sem nenhuma
importância.
- É bom saber que, finalmente, tenho a sua permissão para fazer isso – falou o
Grande Mestre em tom humorado. – Bom, temos de fazer isso agora mesmo,
pois cada segundo é precioso – disse ele agora assumindo um tom mais sério.
– Janus e Frixo, façam a gentileza de colocarem-se ao meu lado. Kabouri, por
favor, você sabe o que fazer.
137
Uma aura dourada envolveu o corpo de Kabouri, e começou a irradiar-se de
sua fronte em direção ao local onde estavam o Grande Mestre e os Cavaleiros
de Áries e Gêmeos. Então, quando ele abriu os olhos, ele exclamou.
***
138
vemos caindo são almas de pessoas mortas. Se nós cairmos por esse buraco,
também morreremos.
- Então, se não podemos passar por ele, por que viemos por aqui? – perguntou
Frixo sem entender o propósito do Grande Mestre.
“Assim sendo, minha idéia é impedir que essas almas entrem no Submundo,
forçando Thánatos a vir verificar pessoalmente o que está acontecendo. Dessa
forma, ele estará fora dos dominós de Hades, e Hades não será desperto por
nossa presença, entenderam?”
139
- Vocês três vão se dispor ao redor deste buraco de modo a forma um
triângulo. Você, Kabouri, irá impedir a aproximação das almas por meio do seu
poder telecinético.
- Sim – assentiu o Grande Mestre. – Essa é uma técnica útil para você utilizar,
Janus. Analise-a com atenção, da mesma forma que você fez com a técnica de
Aloccer. A sua habilidade de mimetização é fantástica, mas ela não consegue
reproduzir com perfeição as técnicas de proteção e restrição. Por outro lado,
devido a natureza do seu poder natural, as técnicas de destruição e explosão
cósmica se tornam muito mais poderosas quando você as usa.
- Então foi por isso que o senhor enviou-o para assistir a minha luta – falou
Frixo em um tom de quem acaba de compreender algo.
140
[i]Teíchos tou Krystállou[/i]! (Muralha de Cristal)
- Muito bem – elogiou-os o Grande Mestre. – Isso pode levar algumas horas,
mas tenho convicção de que Thánatos virá verificar. Teremos de esperar.
141
Kabouri, que já aparentava algum cansaço por ter de usar suas habilidades
psíquicas com freqüência.
142
Frixo ia pedir para que o Grande Mestre fosse mais específico, mas ele
foi impedido de falar qualquer coisa, pois uma explosão de energia arremessou
ele, Kabouri e Janus para longe do buraco. Apenas Girtab permaneceu de pé.
- Não estamos nos domínios de Hades, e você sabe disso – retorquiu Girtab.
- Mestre, o senhor não pode... – começou Kabouri, mas foi interrompido pelo
Grande Mestre.
- Isso foi uma ordem, Kabouri de Câncer – disse Girtab em um tom severo e
sério. – Não ouse questionar-me. Se vocês ficarem aqui, só irão estragar uma
das partes mais importantes do meu plano.
143
- Mantê-los vivos – falou o Mestre ainda sério, mas em um tom que beirava um
tom paternal. – Vão depressa.
144
- Tu continuas te atrevendo a desafiar os deuses! – falou Thánatos com fúria. –
Não entendeste que os humanos são inferiores a nós, deuses, e que jamais
deveriam tentar enfrentar-nos!
- Isso não me impediu de liderar o Santuário até a vitória nas duas vezes em
que Hades tentou eliminar Atena e tomar a Terra para ele – respondeu Girtab
em tom de desafio. – E acho estranho que a mente de um deus fique tão fraca
devido ao passar dos séculos, mas eu ainda lembro que fui eu quem te deteve
há quase trezentos, quando você tentou destruir o Santuário.
- Não. Foi Atena quem te aprisionou, mas fui eu quem agüentou uma luta
contra você por quase duas horas, e eu me lembro da sua expressão de pavor
quando viu que seu poder não era suficiente para me matar.
- Desculpe, mas eu ainda tenho muitas coisas para falar, e não pretendo ficar
calado por caus...
145
da colina do Yomotsu estremeceu violentamente quando sofreu o impacto do
golpe, projetando pelos ares incontáveis rochas e pedaços de solo, e
levantando uma grande e densa nuvem de poeira. Quando a poeira assentou,
pode-se ver que uma enorme cratera, muito profunda e com um raio de quase
cem metros, havia surgido exatamente no local onde o Grande Mestre estava
há alguns instantes.
- Chega de brincadeiras!
146
Thánatos estendeu sua mão direita e esticou o indicador, lançando um
fino raio de energia contra o elmo de Girtab, rachando-o exatamente no meio.
O olhar do Grande Mestre estava firme, e suas rugas, ao invés de lhe darem
uma aparência velha e frágil, conferiam-lhe uma aparência venerável.
- Tu continuas velho, mas teu rosto não mudou em nada desde a última vez em
que tive o desprazer de te ver. Você vai se arrepender amargamente por ter me
desafiado.
- Hahaha! Tu devias saber que eu, Thánatos, jamais permitiria que o Santuário
de Atena tentasse qualquer coisa contra o Imperador Hades. É isso que um
humano recebe ao tentar se opor a um deus – disse Thánatos apontando para
o sangue que começava a tingir de rubro, na altura do abdômen, o manto de
Girtab. –. Não há nada que tu possas fazer para mudar esse fato: eu sou
super... augh!
147
Como isso acontecera? Ele era um deus, não poderia ser surpreendido por
uma técnica tão simplória quanto aquela.
148
- Eu também lutei contra Baal...e eu..
- Exato. Mas não é disso que eu vim falar – disse Girtab pondo-se de pé. –
Pelo que entendi do que foi dito, você jamais se juntaria a Baal por que ele
jamais iria procurar o seu auxílio, já que se sente humilhado por ter fugido do
combate contra você. Nesse caso, não há mais nada para eu fazer aqui.
[i]Apaísio Prón...[/i]!
“Assim sendo, ao mesmo tempo em que fui atingido por um pequeno resquício
do seu golpe, eu usei minhas Agulhas Escarlate em você para que, no
momento certo, o efeito debilitante delas me oferecesse uma chance de lançar
um golpe mais poderoso, que pudesse destruir o seu corpo e forçar a sua alma
a tentar fugir novamente para o submundo, e seria neste instante que eu te
aprisionaria. De fato, seu golpe só não me causou um dano realmente sério
149
porque ele, em quase sua totalidade, atingiu exatamente esse artefato que eu
usaria para te aprisionar.”
- Acho que foi você que esqueceu de um detalhe, Thánatos – falou o Grande
Mestre. – Esse combate já não é mais necessário para mim. Kabouri, agora!
150
***
Sem falar nada, e com visível cansaço e dor, Girtab caminhou até o seu
trono, sentou-se, apanhou um cálice de cedro na mesa ao lado, e bebeu um
longo gole de água. Em seguida, pediu que Sacros fosse chamar o Cavaleiro
de Libra, para que ele tratasse do seu ferimento. Por fim, ele explicou
calmamente tudo o que acontecera.
- Então não é Thánatos que Baal está procurando – falou o Papa em um tom
pensativo. – Quem será então?
- Não sei – respondeu Girtab com seriedade. – Isso é uma coisa que muito me
intriga, e espero que você possa me ajudar a descobrir de quem se trata e
tentar impedir que Baal consiga mais esse aliado.
151
De fato, o Grande Mestre estava certo, e os Cavaleiros de Escorpião e
Sagitário estavam prestes a enfrentar uma batalha mortal no Templo de
Sekhmet.
152
[b]CAPÍTULO XIV: [i]A Flecha e o Ferrão[/i][/b]
Serket era o oposto perfeito: baixo e robusto, com uma agilidade e força
realmente inesperadas para alguém com essa compleição física. Sua pele era
de um tom moreno que lembrava o bronze, e seus olhos – negros como o do
amigo sagitariano – eram extremamente passionais, apresentando sempre um
brilho de alegria, ou mesmo uma faísca de raiva. A característica mais
marcante em Serket estava em sua cabeça: ele era careca, mas conservava
em sua nuca uma longa trança, assemelhando-se ao ferrão do animal que
nomeava sua constelação protetora.
- É fácil resolver isso – disse Quiron enquanto retirava o arco da parte de trás
de sua armadura.
153
- Quarenta e sete – disse o sagitariano sério – Parece que eu tive a honra de
empatar com o discípulo do Grande Mestre! Sinceramente, eu esperava que
você pudesse ser mais habilidoso, Serket – e agora havia um inegável tom de
divertimento e sarcasmo em sua voz.
154
respondeu Quiron recobrando um ar sério, como era de seu feitio. – Fico
admirado que o pupilo do Grande Mestre não saiba disso.
Segundos depois, uma figura enorme, com quase três metros de altura,
surgira pelo corredor para o qual eles se dirigiam, e agora os encarava
fixamente. Embora usasse um manto negro com capuz, podiam-se ver olhos
flamejantes sob a sombra, e era explícito que havia grandes músculos por
debaixo do tecido que cobria seu corpanzil.
- Vocês são guerreiros de Atena? – perguntou ele com uma voz grave e
retumbante, prosseguindo após eles assentirem – Então irão se arrepender de
terem vindo até aqui.
155
E então ele preparou um novo golpe. Dessa vez, entretanto, Quiron
estava preparado, e rapidamente colocou uma flecha em seu arco, mirou-a no
adversário e disparou. Uma rajada de luz cortou o salão quando a seta dourada
voou de encontro ao inimigo, rápida como um raio. Porém, para o assombro do
sagitariano, o inimigo deteve a sua flecha em pleno percurso, agarrando-a pela
haste centímetros antes dela atingi-lo. Aparentemente, o único efeito produzido
pelo golpe do Cavaleiro de Sagitário foi, por meio do deslocamento de ar, jogar
para trás o capuz que ocultava o rosto do inimigo, e agora era possível ver que
o seu rosto parecia revestido por uma pele de aparência viscosa, o tipo de pele
a qual rapidamente associam-se figuras marinhas e diversos tipos répteis.
Quiron preparou outra flecha, mas, milésimos antes de dispará-la, ele foi
empurrado para o lado por Serket, que se arremessara velozmente sobre ele.
Quando o sagitariano recuperou-se da surpresa causada pela ação do amigo,
ele percebeu que, no local onde ele estivera antes, havia agora inúmeras
marcas de cortes no piso e nas paredes.
- Você realmente acha que poderá derrotar alguém do nível de Leviatã com
essas flechas? – disse uma voz agressiva vinda do mesmo local por onde
Leviatã havia aparecido.
A outra figura era uma mulher. Ela era esbelta e de estatura mediana.
Sua pele era bronzeada, e ele possuía longos cabelos negros, com algumas
mechas decoradas com miçangas, sobre os quais havia um fino véu azulado.
Seu rosto estava oculto por uma espécie de máscara, aparentemente de ouro,
que possuía a efígie de um leão.
156
- Eu não queria ter de interferir na sua batalha, Leviatã – disse Azazel com uma
voz moderada – Sei do seu poder, e sei que minha interferência pode ser
considerada uma ofensa.
- Não seja tolo, Azazel – retorquiu Leviatã com aspereza, ainda segurando a
flecha disparada por Quiron. – Pelo que eu entendi do que Astarte e Mammon
me contaram, todas as vezes em que os guerreiros de Atena foram
subestimados o resultado não foi bom para vocês. Eu poderia destruí-los
sozinho se estivesse com a minha [i]Chet[/i], e acredito que teria alguma
chance de destruí-los sem ela agora mesmo, embora com dificuldade.
Portanto, acho que seria melhor se você lutasse também.
157
- O Grande Mestre enfrentou Baal há centenas de anos e...
Serket não pode terminar o que dizia, pois Azazel intensificou sua cosmo
energia e, com sua espada, desferiu um poderoso corte diagonal. O escorpiano
rapidamente inclinou o corpo para desviar-se, mas o corte não veio pela frente,
como ele esperava: ele veio do alto, de forma que, mesmo inclinando-se, o
golpe o atingiu na perna esquerda, atravessando o coxote da armadura de ouro
e abrindo-lhe um profundo corte na coxa.
- Não lutarão no meu templo – disse Sekhmet, com sua voz aguda e arrastada.
– Meus guardiões de pedra foram todos destruídos, e não permitirei que mais
nada seja destroçado aqui.
- Sinto muito – disse Quiron erguendo o arco e apontando-o para o alto -, mas
a única deusa a quem obedeço é Atena.
158
em meio a toda destruição era o estrondo ocasionado pelo choque entre as
pedras que compunham o teto, o solo e as paredes do templo.
Por fim, quando tudo cessou, constatou-se que o local estava arrasado:
o teto inteiro havia desabado, e apenas algumas colunas ainda mantinham-se
em pé, embora não completamente inteiras. Não era mais possível dizer onde
havia entradas e corredores, nem mesmo se havia pinturas e gravuras nas
paredes. Porém, não havia corpos por ali, apenas destroços e escombros.
- Como você se atreveu! – explodiu Sekhmet, e agora ela fazia jus a sua
máscara de leão, pois parecia uma fera enfurecida – Jamais será perdoado por
isso, nem nessa vida nem nas próximas. Você, os Cavaleiros de Atenas, todos
os humanos vão pagar por esse seu ato de insolência.
Tão súbito quanto o vento criado por Sekhmet, uma outra corrente de ar
começou a soprar no sentido contrário. O ar era denso e tão quente quanto o
159
primeiro, mas ele vinha carregado de areia, e varria com violência o que estava
em seu caminho, e barrou completamente o vento pestilento que Sekhmet
lançava sobre ele e Quiron.
- Punição? – espantou-se Quiron – Punição pelo que? Eles não lhe fizeram
nada.
- Vocês fizeram algo contra mim e, como vocês são humanos, os demais
humanos também deverão pagar – respondeu ela inflexível. – Ao longo dos
tempos, os humanos tem se mostrado muito rebeldes, e devem receber uma
punição. No passado, Posseidom e eu castigamos a humanidade, ele por meio
de uma grande inundação, e eu por meio de doenças. Porém, os deuses
acabaram apiedando-se de vocês, e deram-lhe novas chances, chances essas
que vocês desperdiçaram.
“Lúcifer tentou fazer os demais deuses caírem em si, mas nem todos
perceberam o erro que era manter os humanos ocupando a Terra. Eu me
lembro perfeitamente quando a Grande Revolução iniciou.”
- Revolução? – disse Serket – Eu acho que você quis dizer rebelião. De todo
modo, eu nasci no Egito, e conheço o mito de quando você tentou destruir a
160
humanidade a pedido de Rá. Porém, o próprio Rá percebeu que essa não seria
a melhor medida, e teve de deter você.
- Rá? É verdade, esse era o nome que ele usava para o povo do Faraó – disse
Serket pensativa. – Para os gregos, porém, ele manteve o nome Apolo.
- Que seja – continuou Serket. – O que importa é que Apolo percebeu que seria
errado punir toda a humanidade, e reconsiderou.
161
martelado. Quiron vou em socorro do amigo, mas Leviatã lançou contra ele a
flecha que o próprio sagitariano havia disparado contra ele anteriormente. O
Cavaleiro de Sagitário desviou-se em pleno vôo, mas não se deu conta de que
não era apenas Leviatã quem tinha retornado ao combate.
Leviatã ainda mantinha-se incólume, e foi com uma fúria animalesca que
ele se lançou contra o escorpiano, que tentou esquivar-se da enorme criatura
que vinha ao seu encontro. Com um salto ágil e doloroso, devido ao corte em
sua perna, Serket lançou-se para o alto, e Leviatã passou irrefreavelmente por
baixo dele. Ao aterrissar, agora atrás do inimigo, ele viu que Quiron havia se
levantado, e os fortes ventos do tornado criado por Serket faziam os longos
cabelos do sagitariano tremularem. Com uma posição imponente, ele preparou
162
uma flecha em seu arco, e mirou-a em Leviatã. Era a oportunidade perfeita
para atingirem o inimigo, pois ele não poderia esquivar-se.
163
- Você jamais deveria ter vindo até aqui, Cavaleiro de Atena – falou Azazel com
uma voz carregada de ódio. – Você se atreveu a atacar um deus, e esse tipo
de atrevimento eu não irei permitir.
Mas Serket não demonstrou medo ou apreensão. Seu rosto estava com
um semblante calmo quando, com dificuldade, ele ergueu sua mão direita e
esticou o seu indicador.
- Você não usará o seu ferrão novamente, Cavaleiro de Atena – disse Azazel
que, com um movimento rápido, amputou o dedo de Quiron.
Mas ele havia se enganado. Serket não havia erguido a mão para usar
suas agulhas escarlate, mas sim para apontar o tornado que começava a
mudar de forma. O grito que escapou de seus lábios quando seu dedo foi
164
amputado não foi um grito de dor, mas sim o grito de sua última esperança de
mudar os rumos da batalha.
Azazel agora era fustigado pelos ventos uivantes que arremetiam contra
ele, e eles estavam carregados com o cosmo do escorpiano, de modo que
rasgavam sua pele como navalhas. Não obstante isso, a areia do deserto
impregnava o ar, tornando-o denso e dificultando a visibilidade. O demônio
ergueu sua espada e preparou-se para descê-la como uma guilhotina sobre o
pescoço de Serket e, nesse instante, um número indefinido de raios o atingiu,
ferindo-lhe dolorosamente e obrigando-o a gritar.
Mas, ainda assim, Azazel teve energias suficientes para desferir seu
golpe fatal e, com um grito furioso, ele brandiu sua arma uma última vez antes
de perder a consciência. A tempestade cessou exatamente no instante em que,
após atravessar o pescoço de Serket, a lâmina demoníaca tocou o solo,
separando cabeça e tronco com um único golpe. O escorpião dourado havia
sido abatido, mas seu ferrão conseguira ferir o inimigo uma última vez.
Mas seu grito foi em vão, pois não havia mais que ele pudesse fazer
pelo amigo. Como isso podia ter acontecido? Seu melhor amigo, morto diante
de seus olhos, e ele nada pudera fazer para ajudá-lo.
165
Quiron se recusava a acreditar na morte de Serket, e um turbilhão de
sentimentos atacava-lhe a mente e o coração: tristeza, raiva, surpresa,
impotência e, sobretudo, solidão: uma solidão amarga e escura, do tipo que
parece eliminar qualquer possibilidade de felicidade, e que causa medo quando
se pensa no que vai acontecer depois.
Mas o pior ainda estava por vir. Azazel estava se levantando, embora
fossem visíveis os muitos e graves ferimentos que Serket havia lhe causado.
Um sentimento animalesco brotou em seu interior, um misto de ira e de
violência selvagem, um sentimento que só poderia se traduzir em um desejo:
vingança.
- Chega! – gritou Leviatã, e seu punho atingiu com força o rosto de Quiron, que
foi arremessado para longe.
166
dos mortos, não dando ao inimigo o prazer de ver sofrimento em seu rosto.
Serket morrera da mesma forma que vivera: tendo o prazer de provocar os
outros.
- Você não será páreo para nós três, Cavaleiro de Sagitário – disse Azazel, que
agora se recuperara um pouco da surra que levara de Quiron. – A sua derrota
é iminente, e somente um milagre poderia salvá-lo agora.
- Não fui eu quem fez isso – respondeu Quiron, aparentemente tão surpreso
quanto Azazel.
- E quem foi que fez isso? – perguntou o demônio olhando para Leviatã e
Sekhmet, esperando uma resposta deles.
- Fui eu – respondeu uma voz vinda de trás de Quiron, e todos olharam para
ver quem era.
Ali havia duas pessoas. Uma delas trajava uma reluzente armadura
prateada, era jovem e bonito, tinha uma pele morena, cabelos semi-longos e
negros, era esbelto e alto, e possuía olhos castanho claros. A outra pessoa era
a que respondera a Azazel, e era bem diferente da primeira: ele não usava
armadura, apenas um manto branco com bordados vermelhos, e era muito
velho. Sua pele era branca e enrugada, tinha cabelos curtos e grisalhos, altura
mediana, era obeso, tinha um rosto redondo com bochechas coradas e
167
pequenos olhos claros. Embora sua aparência fosse quase cômica, sua
expressão era firme e séria.
- Mais Cavaleiros de Atena? – indagou Azazel – Mas você já está velho demais
para ser um Cavaleiro.
- Sua Santidade não deveria ter vindo para cá – disse Quiron preocupado. – A
situação é extremamente perigosa, eu não sei como o Grande Mestre permitiu
sua vinda. Eu não imaginei que o sinal que você me pediu para dar caso
Sekhmet estivesse desperta significava que o Santuário mandaria reforços,
Sacros.
Mas Leviatã não estava rindo. Sua expressão era dura e pensativa,
como se ele tentasse assimilar as informações e os fatos.
168
- Perigoso? – questionou Azazel, visivelmente surpreso – Esse velho não tem
energia nem para tomar banho sozinho. Vou transpassá-lo com minha espada
como se ele fosse manteiga.
- Não enquanto eu estiver aqui – disse Quiron apontando sua flecha para o
inimigo.
- Não são ordens do Mestre, Quiron de Sagitário – disse Sacros com firmeza,
interrompendo-o. – Eu estou transmitindo as ordens diretas de Atena, e eu não
pretendo repeti-las. No seu estado, a única coisa que você faria aqui seria nos
atrapalhar. Vá agora, ou você quer que o sacrifício de Serket tenha sido em
vão?
- Não se preocupe, Quiron – falou o Papa. – Eles não sairão daqui enquanto
estivermos vivos.
E então, após hesitar por alguns instantes, Quiron virou as costas para
deixar o local. Ele já tinha dado alguns passos quando Azazel gritou.
E, mais uma vez, Azazel tentou cruzar a ponte, mas seu corpo foi
repelido.
- Seu velho maldito, por que fez isso? – perguntou o demônio grosseiramente.
169
- Eu acho que você não entendeu um detalhe importante – disse o Papa com
calma, mas depois sua voz assumiu um tom impositivo e firme. – Você não vai
passar.
Azazel fitou-o com ódio, mas ele sustentou seu olhar com firmeza e
determinação. Quais serão os planos do velho Papa?
170
[b]CAPÍTULO XV: [i]Fogo e Fé[/i][/b]
- Até agora você não foi capaz disso – respondeu Sacros de Altar pelo Papa.
171
com minhas unhas e meus dentes enquanto você ainda estiver consciente,
para que você sofra uma morte lenta e dolorosa.
- Você sozinho não tem poder para isso, criatura demoníaca – disse o Papa
com uma voz levemente embargada por algum sentimento, talvez medo ou
apreensão.
- Perigoso? Veja bem o que nós temos aqui: um velho à beira da morte e um
Cavaleiro de Prata ou de Bronze, pois eu sei que Cavaleiro de Ouro ele não é.
Que tipo de perigo você acha que pode haver em uma luta contra essas duas
criaturas pateticamente atrevidas? – perguntou-lhe Azazel retoricamente.
- Esse tipo de imprudência é demasiado até mesmo para você, Azazel – disse
o gigantesco demônio com uma voz severa. – Eu já lhe disse uma vez e vou
repetir pela última: não julgue este velho apenas por sua aparência, pois ele
não é um velho comum. Ele é o líder do Santuário de Yeshua, e jamais se
arriscaria a vir para cá sem esperanças de, no mínimo, derrotar um de nós.
172
enviesado que, muito provavelmente, deveria ser um sorriso, e ele estava
carregado de autoconfiança e prepotência.
- Você se preocupa demais com as coisas, Leviatã – disse ele por fim. –
Independente do título que eles tenham, ainda assim continuam sendo um
velho e um Cavaleiro com poder inferior aos outros dois que estavam aqui. Irei
destruí-los com a mesma facilidade com que o fogo consome a palha em um
dia seco de verão.
- Hahaha. Então você se julga grande coisa por ser o braço direito do Grande
Mestre? – perguntou Azazel desdenhosamente – Então eu acho bom que ele
seja ambidestro, pois o braço direito dele será inutilizado hoje. Eu irei destruir
você e esse velho sozinho.
173
pelo menos me assegurarei que nos seus últimos instantes de vida vocês me
temerão, e se arrependerão amargamente de terem ousado me desafiar.
- Você não vai lutar, Azaz... – começou Leviatã, mas ele foi interrompido.
- Você sabe muito bem o risco que está correndo por ter me atacado, pois sabe
que eu posso demovê-lo a força dessa sua idéia estúpida – disse Leviatã em
um tom de ameaça.
- Sim, mas não sem luta, e você sabe muito bem que os inimigos se
aproveitariam disso para tentar nos destruir enquanto estivéssemos distraídos.
Por que você não luta ao meu lado, Leviatã? Poderíamos destruí-los muito
mais rapidamente se lutássemos juntos.
- Você sabe muito bem que não temos tempo para isso. Já perdemos muito
tempo na luta anterior, e estamos perdendo mais tempo nessa discussão inútil.
Agora pare com essa besteira sem sentido e venha logo, pois o nosso tempo
está acabando
174
rápido e cheio de significados, mas isso passou despercebido para os inimigos
que continuavam se encarando. Por fim, foi Leviatã quem quebrou a postura e,
com uma voz trovejante, disse suas últimas palavras antes de ir.
- Você está certo, Azazel. Talvez seja melhor deixar você eliminar esses
mortais para que eles aprendam a nos respeitar – e agora ele tinha uma
estranha expressão em seu rosto reptiliano, algo quase indistinguível, mas que
beirava à satisfação. – Infelizmente, Azazel, não poderemos ficar para ajudá-lo,
pois nós temos coisas urgentes para fazer, como é de seu conhecimento. Você
se importa de lutar sozinho?
- Pois que seja assim – finalizou Leviatã, e agora ele se virou para a mulher ao
seu lado, que permanecera em silêncio desde a chegada do Papa. - Sekhmet,
agora você deve me acompanhar para se juntar aos outros, pois temos de
trazer as [i]Chet
175
Uma nuvem de fumaça negra se ergueu no local, e o calor havia se
tornado intenso. Quando uma leve brisa noturna soprou e varreu para longe a
fumaça, Azazel pode ver que Sacros estava parado com os braços abertos na
frente do Papa, virado de costas para ele em uma evidente ação de proteção.
O demônio olhou esperançoso para o inimigo, esperando ver uma grave
queimadura ou algum membro carbonizado, mas suas expectativas não foram
atendidas. A não ser por um breve chamuscar no chão enfrente ao Cavaleiro
de Altar, nada acontecera do outro lado.
- Eu não acredito – disse Azazel ainda mais furioso. – Você não tem poder
suficiente para deter um ataque dessa magnitude, Cavaleiro de Atena.
- É, de fato eu não tenho – concordou Sacros. – Mas o que faz você pensar
que fui eu quem deteve o seu golpe?
E então o demônio olhou para o velho Papa, e viu que ele parecia estar
em transe. Com a mão direita ele segurava uma cruz prateada, que ele
mantinha virada na direção de Azazel, e com a outra mão ele segurava um
livreto preto. Seus olhos estavam fechados, seu corpo parecia oscilar para
todos os lados, e seus lábios se moviam rapidamente, pois ele murmurava
algo.
- Isso não é um feitiço – interrompeu-o o Papa com uma voz cansada. – Isso é
uma prece, e foi o próprio Deus quem a ensinou para os seus servos da Igreja,
para que nós pudéssemos combater o mal por meio do poder Dele.
176
- Tu estás certo, mas não completamente – disse uma voz retumbante e
harmoniosa vinda de trás do Papa.
- Claro que tu te lembras da minha voz. Foi o meu brado de guerra que tu
ouviste no campo de batalha quando tu tentaste invadir a Cidade de Prata com
as hostes de Lúcifer. Foi a minha voz que tu ouviste te chamando para uma
luta entre comandantes quando tu estavas quase triunfando em tua invasão.
Foi por meio da minha voz que tu ouviste o julgamento de Yeshua para os
rebeldes, e foi a minha espada flamejante que ceifou tuas asas.
Sacros estava visivelmente surpreso, pois não fazia idéia de que havia
mais alguém ali, principalmente em se tratando de um aliado. Entretanto, ele
achou mais prudente permanecer em silêncio e fazer qualquer tipo de pergunta
depois.
- Israfil! – gritou Azazel – Você não poderia estar aqui, pois Yeshua os proibiu
de descer.
- Eu não preciso de tua ajuda para relembrar-me das ordens de meu Senhor –
disse a voz trovejante. – E, embora não seja da tua alçada saber, eu não desci
à Terra: eu apenas estou usando minha energia para proteger o Santo Padre.
Azazel tentou falar, mas um raio riscou o céu no exato momento em que
ele abrira a boca, e um trovão explodiu com uma violência tão grande que
Azazel ficou em silêncio.
- Não cabe a ti dizer o que eu posso ou não posso fazer, rebelde caído, pois
somente o Ungido e YHWH me ordenam – disse a voz potentemente,
177
sobrepondo-se ao som do trovão. – As leis de YHWH são absolutas, e nem
mesmo Yeshua pode sobrepor-se a elas, quem dirá eu.
- [i]In nomen Dei, clausa, infernalis creatura[/i]! (Em nome de Deus, cala-te,
criatura infernal!) – gritou o Papa, e sua voz soava imponente e cheia de
autoridade.
Foi como se as palavras do Papa fossem armas, pois Azazel teve sua
face cortada exatamente na altura da boca, de modo que ele foi obrigado a
ficar em silêncio. Sacros olhou com espanto para o Papa, e percebeu que
Leviatã estava certo: por mais frágil e débil que o Papa aparentasse ser, ele
estava muito longe de ser um homem comum. Quando Girtab lhe enviara para
acompanhar o Papa, ele havia dito que Azazel deveria estar sozinho, pois o
Papa não teria tempo suficiente de lidar com todos, e ele, Sacros, só poderia
auxiliá-lo com um deles, e este deveria ser Azazel.
O motivo disso ele não sabia, mas ele sabia de uma coisa: o Grande
Mestre sempre tinha um plano, e ele e o Papa pareciam já haver discutido esse
plano antes, pois eles apenas trocaram rápidas palavras quando Girtab voltara
de seu confronto contra Thánatos. Eram instruções simples que ele tinha de
seguir: fazer com que Azazel decidisse lutar sozinho e...
178
[i]Flammer of Bods...[/i]
- [i]In nomine Patris, foliis solvo hoc corpus[/i]! (Em nome de Deus, deixa este
corpo livre!) – bradou o Papa energicamente enquanto Azazel voava em sua
direção.
- É assim que vocês acham que vão me derrotar? – zombou o demônio – Com
um velho recitando feitiços e sendo auxiliado por um Arcanjo?
- Então é isso que estava nos ajudando: um Arcanjo? – indagou Sacros com a
mão coberta de sangue, pois ele havia tocado seu ferimento por debaixo da
armadura..
179
- Você não sabia disso? – perguntou Azazel com desdém – Parece que,
mesmo sendo o braço direito do Grande Mestre, há certos segredos que não
estão ao seu alcance, não é mesmo? Mas isso não importa agora, pois vocês
vão morrer.
E, mais uma vez naquela noite sangrenta, Azazel projetou suas chamas,
com a esperança de que o adversário a sua frente fosse subjugado, mas seu
intento não foi alcançado. Sacros estava de joelhos, e seu rosto visivelmente
apresentava traços de dor, mas as chamas não haviam lhe atingido. O
demônio não esmoreceu e, com um grito, intensificou o volume e o calor da
chamas.
Azazel agora lutava com tudo o que tinha, e ele estava irado e
assombrado com o que ele estava vendo, pois suas chamas estavam
derretendo a areia, fazendo com que ela começasse a adquirir um aspecto
vítreo, mas Sacros continuava intocado pelas chamas. Olhando para o solo,
Azazel percebeu que não havia apenas vidro liquefeito se espalhando: havia
algo denso e vermelho escorrendo em profusão, e o cheiro desse líquido, ao
ser queimado, não deixava mais dúvidas sobre o que poderia ser. Era sangue.
- Então você está sacrificando o seu sangue para se proteger? É uma atitude
inesperada para mim, ver alguém tentando deter fogo com sangue. Admito que
eu não estou conseguindo superar a sua defesa agora, mas você tem um sério
problema a considerar, pois eu posso ficar indefinidamente lançando o meu
fogo infernal sobre você, mas o seu sangue irá se esgotar em algum momento,
e acho que não falta muito para isso acontecer.
- Eu sei disso – disse Sacros com uma voz entrecortada pela dor e pelo esforço
de manter sua barreira.
180
- Sabe? – admirou-se Azazel – Então por que insiste em uma defesa sem
perspectiva de êxito ao final? Não percebeu ainda que você irá morrer.
- Então você pretende me atacar? Você acha que ainda tem chances? –
perguntou o demônio, que continuava a lançar suas chamas impiedosamente
sobre Sacros, não dando a mínima atenção a algo brilhante que acabara de
cair do interior do peitoral da Armadura de Prata.
O aviso foi dado, mas era tarde demais para Azazel fazer algo: o Papa
estava de pé novamente, e agora havia uma indubitável aura de energia
envolta de seu corpo. Uma luz dourada iluminava a escuridão da noite egípcia,
e seu brilho áureo sobrepunha-se ao tom rubro das labaredas que o demônio
lançava sobre Sacros.
181
- Maldito, pare com isso. AHHHHH – e o seu grito de agonia, que pareceu
rasgar-lhe a garganta, fez o chão tremer.
- Você devia ter dado ouvidos a Leviatã – disse Sacros ainda no chão, com o
rosto extremamente pálido devido à falta de sangue.
E a cada vez que o Papa falava em Deus ele fazia o sinal da cruz com a
sua cruz prateada, e desta brotava uma luz argêntea e intensa, que queimava
a pele de Azazel como se fosse ácido.
- NÃO! Eu não vou abandonar esse corpo – gritava o demônio com uma voz
desesperada, e agora não era apenas o solo que tremia violentamente: havia
chamas brotando por todo o lado, como se o Inferno tentasse se manifestar
para protegê-lo.
182
- [i]Dominicos sanctae ecclesiae, terogamus audi nos, terribilis Deo sanctuario
suo Deo Israhel. Lpse tribuite virtutem et fortitudinem plebi suae, benedictus
Deo, gloria Patri...[/i] (Para que te dignifique humilhar os inimigos da Santa
Igreja, te pedimos, ouve-nos. Os servos da Santa Igreja, te pedimos, ouve-nos,
Deus terrível, do teu santuário, Deus de Israel. Ele atribuirá força e poder ao
seu povo, Deus bendito, glória ao Pai...)
- Não...
- [i]In nomine Patris, Filis et Spiritu Sancti. EXORCIZAMUS TE[/i]! (Em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. NÓS TE EXORCISAMOS!)
183
Isso era exatamente o que ele esperava ver, e esse era o último ponto
do plano traçado pelo Papa e pelo Grande Mestre. Era de fundamental
importância que ele fosse bem sucedido na execução dessa última etapa do
plano, caso contrário os sacrifícios daquela noite teriam sido todos em vão.
- Mas agora já não há nada que você possa fazer – falou o Cavaleiro de Altar
em tom de desafio.
- Não? – indagou o demônio – Você me disse que eu deveria ter dado ouvidos
a Leviatã, e agora eu acho que você está certo: eu não deveria ter
menosprezado vocês dois, principalmente agora que eu irei usar o seu corpo
como meu novo corpo.
- Mas você não pode assumir o controle de um corpo ainda vivo – e essa foi a
última cartada de Sacros, e ela foi certeira.
- Eu sei. E é exatamente por isso que eu irei matá-lo agora – e então o espírito
de Azazel avançou sobre Sacros.
184
Quando ele se aproximou do Cavaleiro de Altar, uma estranha e intensa
luz dourada brilhou embaixo dele, e chamou a sua atenção. Ao olhar para ver
do que se tratava, Azazel viu que era uma pequena caixa dourada com muitos
símbolos, dentre os quais havia um selo com o nome de Atena.
Repentinamente, a caixa se abriu com a aproximação dele, e Azazel sentiu-se
sendo sugado para o seu interior.
Mas ele não chegou a ouvir a resposta de Sacros, pois seu espírito foi
tragado para o interior daquele objeto dourado, que se fechou com um leve
baque no mesmo instante em que a luz cessou. Finalmente Azazel fora
derrotado, e agora seu espírito estava selado, pondo fim a mais sangrenta das
batalhas que até então haviam sido travadas desde que a guerra contra as
hostes de Lúcifer começara.
- Isso – falou Sacros em voz alta enquanto pegava a caixa que estava no chão,
como se esperasse que Azazel pudesse ouvi-lo do interior dela - é o motivo do
sacrifício do Papa, bem como da vinda de Serket e Quiron até aqui. Essa é a
Caixa de Pandora, que me foi entregue pelo Grande Mestre para te aprisionar.
185
Porém, mal Sacros sabia que aqueles dois sacrifícios – Serket e o Papa
– haviam sido em vão.
186
[b]CAPÍTULO XVI: [i]A Queda das Virtudes[/i][/b]
- Exato. Não há ninguém por aqui, nem mesmo os guardas que estão sob o
comando de Astarte. Não temos tempo a perder, Sekhmet. Entre e deixe isso
comigo.
- Mas...
187
Em silêncio, Sekhmet preparou-se para entrar, até que raios de energia
quase a atingiram, obrigando-a a recuar.
- Não permitiremos que entrem, nem que isso custe a nossa vida – e agora
ouvia-se uma segunda voz, muito mais grave e furiosa.
- Exato. Viemos purificar esse lugar, em nome de Deus – e uma terceira voz
fez-se ouvir, e ela era clara e determinada.
- Errado – disse a terceira voz. – Não somos Cavaleiros de Atena: somos Virtus
a serviço da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. Eu sou Óliver, e
represento a Virtude da Caridade.
E o último dos três guerreiros apareceu, e ele era o mais jovem deles,
com algumas sardas em seu rosto alvo. Os seus revoltos e curtos cabelos
castanhos encimavam olhos verdes e joviais.
188
- Que piada é essa? – falou Sekhmet em tom de desdém – Por que Atena
mandou três guerreiros diretamente para o local onde estão reunidos os seus
inimigos, que somam um número maior do que três e que, obviamente, são
mais poderosos?
- Mas Leviatã... – começou a deusa com cabeça de leoa, mas foi interrompida.
189
- Esses garotos não serão páreo para você, Leviatã.
- Não se refira a eles como garotos, mas sim como guerreiros. Eles lutam pelo
que acreditam, e estão dispostos a morrer por isso. Logo, trate-os com um
pouco de respeito, pois são poucos dentre os nossos que teriam a mesma
coragem imprudente deles, de se entregar nos braços da morte quando não há
expectativa de vitória.
- Eu já ouvi isso essa noite – falou Sekhmet -, mas eu não estava com a
intenção de passar por onde pretendiam me impedir de ir. Vocês, por outro
lado, estão realmente no meu caminho.
190
forma uma bela figura alada: um anjo azul, com suas enormes asas estendidas
no mesmo ângulo que os braços do guerreiro cristão. O anjo fechou suas asas
no mesmo instante em que Óliver fechava os braços com um bater de palmas
e usava o pouco de fôlego que ainda lhe restava para gritar:
Porém, ele não ouviu resposta alguma, pois Sekhmet já havia adentrado
a catedral nos ínfimos segundos em que eles estiveram desorientados pela
intoxicação causada pelo golpe dela. Agora, uma chuva tépida começava a cair
sobre Constantinopla, resultado do choque entre as duas correntes de ar.
- É minha vez de dizer que vocês não irão passar – falou Leviatã calmamente,
mas o perigo estava implícito em sua moderação.
- É muita presunção sua achar que pode deter a nós três – falou Galen.
191
- Não. É muita presunção de vocês três acharem que poderiam vir até aqui e
sair com vida – retrucou o gigante. – Não calcularam que, mesmo que
passassem por mim um dos outros deuses, ainda teriam um número superior
de inimigos para enfrentar?
- Então você acha que teríamos sido mais prudentes evitando o perigo e
deixando Vossa Santidade sob risco de morte? – disse Galen.
- Você fala demais para alguém que está em uma situação complicada – falou
Galen com ferocidade.
192
- E você me parece agressivo demais para alguém que representa a paciência
– respondeu-lhe Leviatã com ironia. – É melhor que você esfrie os ânimos se
quiser fazer jus a virtude que você representa.
- Você não vai zombar de mim, criatura demoníaca – falou Galen com raiva. –
Eu vou lhe mostrar o que é esfriar de verdade.
- Não seja precipitado – falou Óliver com prudência. – Ele nem sequer se deu
ao trabalho de tentar evitar o seu golpe, Galen. Acho que ele não seria
estúpido o suficiente ao ponto de subestimar o seu golpe logo na primeira vez
que você o usa contra ele.
193
E então, com uma série de estalos, o gelo que envolvia o inimigo
começou a se fragmentar, e os Virtus constataram que Leviatã não havia
sofrido nenhum tipo de dano visível.
- E quando foi que você me viu usando essa técnica antes? – perguntou Galen
surpreso.
- Quando você foi tentar impedir Ares de ser liberto – respondeu o demônio
sem rodeios. – Eu estava junto com Azazel quando você apareceu, embora,
assim como o próprio Azazel, você não tenha me visto e nem se dado conta da
minha presença.
Leviatã fiou-o com atenção, olhando em seus alegres olhos verdes como
se tentasse descobrir uma resposta, ou qualquer outra informação que
pudesse lhe ser útil.
- Você está certo – disse Benício surpreso. – Mas será que isso poderá ser útil
para você?
E então o mais jovem do Virtus elevou sua cosmo energia, e uma aura
rubra e dourada começou a circundar seu corpo, emanando um calor
194
poderoso, que começava a derreter as mesmas poças que Galen havia
congelado instantes antes.
- Que o fogo sagrado possa purificar sua alma pecaminosa – disse o Virtus.
- Se o fogo não é suficiente contra você, talvez o gelo possa ajudar – disse
Galen elevando sua energia e disparando seu golpe novamente.
- Você viu a minha técnica de defesa, Leviatã, mas não viu minha técnica de
ataque – falou Óliver elevando sua cosmo energia junto com Galen.
195
Leviatã intensificou sua cosmo energia, tentando manter sua barreira de
proteção, mas a força externa era muito grande. Se antes, sozinhos, cada um
dos Virtus não conseguiu fazer nada com seus ataques contra o inimigo, a
situação mudara drasticamente agora que haviam se unido em um único
ataque. Era claro que, a qualquer momento, a barreira iria ceder, e Leviatã
seria atingido pelos três golpes. Mas o próprio Leviatã também estava ciente
desse perigo, de modo que ele se viu obrigado a abandonar a atitude defensiva
e partir para o ataque.
- Vocês vieram muito bem até aqui, guerreiros de Yeshua, mas vocês não são
poderosos o suficiente para me deter. Se estivessem enfrentando um dos
outros, com a exceção de Baal, vocês os teriam derrotado com isso.
Infelizmente para vocês, eu sou tão forte quanto ele, e estou em posse de meu
corpo original. Se não fosse o meu desgaste anterior com a luta contra os
Cavaleiros de Atena, eu agüentaria seus ataques por tempo quase indefinido.
É a minha vez de atacar agora.
O impacto foi terrível, não só por causa da imensa massa de água, mas
sim por causa do cosmo que a envolvia, tornando-a dura como o aço e tão
devastadora quanto um maremoto que se abate sobre a costa. Mas não era só
isso: parecia que havia lâminas no interior da onda, ou animais vorazes e com
presas afiadas, que se lançavam contra os inimigos e tentavam dilacerar-lhes a
carne.
196
Os golpes dos Virtus foram rechaçados, e seus corpos foram apanhados
em cheio pela técnica de Leviatã. Galen e Benício tombaram perante o
descomunal poder do inimigo, mas Óliver ainda se mantinha em pé com
dificuldades, e era visível a aura em forma de um anjo azul em sua frente, com
as asas estendidas em uma posição defensiva.
- Parece que sua técnica foi forte o suficiente para te proteger do meu golpe –
comentou Leviatã com um rápido olhar perscrutante nos corpos dos Virtus
caídos.
- Não maldiga-me por causa de um erro de vocês e de um sacrifício que não foi
escolhido por mim – falou Leviatã em tom severo.
- Acha que eu não fui capaz de ver o que aconteceu? – perguntou o demônio –
Acha que eu não vi seus dois companheiros tentando protegê-lo, ainda que ao
custo de suas vidas, do poder do meu ataque?
- Já lhe disse para não maldizer-me por um erro de vocês – falou o gigantesco
demônio, indiferente ao soco que havia recebido. – Você deveria se sentir
honrado pelo sacrifício que seus amigos fizeram, pois eles consideraram que
valia a pena salvá-lo. Um deles estava recém recuperado do confronto com
Ares, e o outro era muito inexperiente, embora mais forte que o outro.
Infelizmente, o sacrifício deles não ajudará você em nada, pois ele apenas
adiou sua morte em alguns instantes.
197
- Mas você ainda vai se sentir pior do que isso quando souber do seu erro –
falou Leviatã arremessando o Virtus para longe com um soco em seu peito.
- Do que... do que você está falando? – perguntou Óliver com dificuldades para
respirar e se manter de pé.
- Do erro de vocês em tudo o que fizeram – falou Leviatã com calma. – O Papa
nunca esteve aqui nessa cidade. Ele está no Egito junto um Cavaleiro de Prata,
e estão se defrontando com Azazel.
- Não acreditei que o Mestre do Santuário de Atena pudesse enviá-los para cá,
principalmente levando em conta que ele já deve saber da localização dessa
base há algum tempo. Se ele não enviou nenhum grupo de Cavaleiros de
Ouro, por que motivo ele arriscaria enviando vocês três? Da mesma forma, é
impensável que o seu líder, a quem vocês chamam de Papa, fosse enviá-los
para a morte aqui em Constantinopla, pois ele próprio foi em uma missão de
sacrifício contra Azazel, justamente para poupá-los. Então, quando vocês
disseram que não eram Cavaleiros de Atena e que haviam vindo para resgatar
o Papa, logo deduzi que vocês cometeram um equívoco ao interpretar as
informações que tinham ouvido às escondidas, e que vieram para cá sem
informar ninguém.
198
- Morreram por um erro de vocês, possivelmente por causa de meias verdades
que você lhes passou? Receio que sim.
- Claro que você irá ao encontro dele, guerreiro de Yeshua, mas será no
mundo dos mortos. Adeus – disse Leviatã.
“- [i]Quantos outros bons jovens eu terei de matar para que Lúcifer finalmente
possa purificar essa terra? Que suas almas cheguem em paz ao outro mundo,
pois vocês morreram cumprindo seu dever e defendendo o que
acreditavam[/i].”
***
199
- Sim, mestre – assentiu Quiron de Sagitário -, era esse o nome dele, tenho
certeza.
- Assim que eu percebi que ela estava livre e estava em companhia de Azazel,
eu fiz o que o senhor ordenou Mestre – falou Quiron -, e disparei uma flecha de
aviso em direção ao Santuário.
- Sim, e foi graças a esse alerta que Inocêncio e Sacros puderam deslocar-se
tão rápido para o Egito, para aprisionar Azazel. Porém, agora que você me
disse que Leviatã estava com eles, eu realmente estou preocupado.
- Esse demônio é muito forte, e o seu poder faz dele um inimigo extremamente
perigoso – comentou o sagitariano.
- Não é apenas o poder dele que o torna perigoso – disse o Grande Mestre -, o
que realmente me aflige é a inteligência dele. De todos os servidores de
Lúcifer, ele é o mais astuto e prudente, e perde em poder apenas para Baal.
- E por que ele tem aquela aparência bestial, diferente dos outros? – perguntou
Quiron.
- Por que, diferente dos outros, ele possui o seu corpo original, o mesmo que
ele usou durante a batalha de Lúcifer contra Yeshua e Atena.
- Ele nunca abandonou esse corpo. Pelo que Yeshua me contou, durante a
batalha na Cidade de Prata apenas Leviatã conseguia fazer frente aos demais
200
deuses que vieram em socorro das Hostes Angelicais. Leviatã enfrentou e
derrotou inimigos poderosos como Thor, Osíris, Dagda e Indra, até que se viu
obrigado a confrontar o próprio Yeshua. Leviatã não fugiu da batalha, mas era
algo sem esperanças de vitória, até que Lúcifer chegou com mais exércitos.
“Por ordens do próprio Lúcifer, Leviatã foi instruído a sair do combate, e só vir
em seu auxílio se fosse necessário. Leviatã ficou a margem da batalha
principal, impedindo que qualquer outro deus interferisse. Yeshua não tinha
poder suficiente contra Lúcifer, e sua derrota era quase próxima quando Atena
chegou para auxiliá-lo. Baal chegou depois, e ele e Leviatã se prepararam para
se juntar ao mestre deles em batalha, mas o poder de Atena e Yeshua juntos
superava o de Lúcifer.
Usando de sua sabedoria e visão a longo prazo, Lúcifer ordenou que os seus
Marechais se retirassem e se escondessem, aguardando o momento propício
de retornar. Leviatã fez isso imediatamente, pois era astuto como seu mestre e,
embora não temesse a batalha, achou que seria de maior utilidade quando
Lúcifer estivesse mais forte. Assim, ele se retirou para o Mar Negro, e lá ele
permaneceu por milênios, repousando até que o momento oportuno
aparecesse. Baal foi derrotado por Metraton, o mais poderoso de todos os
Anjos, e seu corpo original foi destruído. Porém, sua alma deixou seu corpo
antes que este fosse destruído, e ele aguardou por algum tempo.”
- Mestre, o senhor poderia me dizer por que motivo Sacros e o Papa foram
confrontar Azazel? – pediu o sagitariano.
- Claro que sim, Quiron. Antes de Lúcifer declarar guerra a Yeshua, ele reuniu
deuses e Anjos aos seus serviços, e escolheu alguns como seus Marechais:
201
Baal, Leviatã, Belphegor, Azazel, Mammon e Asmodeus. Para ele e esses seis,
Lúcifer solicitou que fossem criadas vestimentas de guerra poderosas, que o
auxiliassem a trazer as quatro coisas com as quais ele purificaria a Terra: fome,
peste, guerra e morte. Azazel era um deus ligado ao fogo, às forjas e à guerra,
e foi ele o incumbido da missão de criar essas vestes, que eram denominadas
“[i]Chet[/i]”, que significa “[i]Pecado[/i]”. Para aprimorar sua obra, Azazel contou
com a ajuda de quatro deuses que representam essas quatro coisas, e eles
juraram ajudar a cuidar e manter essas armaduras. Esses quatro meios de
purificar a Terra são retratados no Apocalipse de São João, e os Cavaleiros do
Apocalipse são justamente uma alegoria aos quatro deuses que auxiliaram
Azazel no passado e que estão sendo despertos agora.
- Mas o Papa e Sacros não terão chance contra Leviatã, Azazel e Sekhmet –
ponderou o Cavaleiro de Sagitário. – Serket e eu não fomos páreo para eles.
- É por esse motivo que Inocêncio e Sacros precisam convencer Azazel a lutar
sozinho – disse Girtab. – Inocêncio e eu criamos um plano há algum tempo, e
agora fomos obrigados a pô-lo em prática. Felizmente, Inocêncio conta com
uma ajuda para forçar Azazel a lutar sozinho.
- Sacros?
- Não. Rafael.
202
- Quem é Rafael?
- Sim, eles são guerreiros a serviço de Yeshua, mas eles não podem intervir
por ordens do próprio Yeshua. Os guerreiros dele são divididos em Celestes e
Terrestres. Os Virtus são os terrestres, e os Anjos são os Celestes. Dentre a
hierarquia angelical, alguns dos mais prestigiados e líderes militares são
classificados como Arcanjos, embora essa não seja a hierarquia máxima, que é
a dos Serafins. O próprio Lúcifer era um Arcanjo, e era mais poderoso que
Yeshua, que é filho de YHVH.
“Depois que Yeshua veio a Terra em uma forma humana, ele criou a ordem
dos Virtus, e estabeleceu uma distinção entre os seus guerreiros. Em casos de
batalhas travadas no plano terrestre, a luta cabe aos Virtus, e caso a luta se dê
no plano celeste, caberá aos Anjos o papel de guerreiros.“
- Entendo – disse Quiron. – Mas, Mestre, o senhor sempre fala sobre Yeshua,
e todos sabemos que o senhor lutou ao lado dele quando ele esteve na Terra.
Será que o senhor poderia me explicar com...
- Aquele é Sacros, e ele carrega dois corpos com ele – falou Girtab -, mas ele
não está sozinho. Frixo, proteja a Casa de Áries, pois o inimigo veio até nós.
203
[b]CAPÍTULO XVII: [i]A Invasão do Santuário[/i][/b]
- Eu sei que estão em guerra – disse o Marina parando defronte aos corpos no
chão -, mas não tenho intenção de avançar mais nenhum passo, pois o que
quero fazer pode ser feito daqui.
Ele ergueu as duas mãos na altura do chifre do seu elmo, e uma energia
azulada formou-se ao seu redor. Com um urro, ele bradou:
204
um esgar de insatisfação, Verne virou-se para encarar o Cavaleiro de Áries,
evidentemente o responsável por aquilo, mas ele não estava mais parado a
entrada da primeira Casa Zodiacal.
205
Comandante Marina esmoreceu rapidamente ao constatar que aquilo que
acertara era apenas um borrão, e que o Cavaleiro de Áries já não estava mais
lá.
- Atacando pelas costas? – falou Frixo, e mais uma vez ele estava às costas do
oponente, que se assustou e se afastou de um salto – Isso não é lá uma coisa
muito honrada de se fazer. Eu tive essa oportunidade duas vezes, e não o
ataquei porque sou um guerreiro honrado, não um capanga covarde.
- Desgraçado – bradou Verne. – Se você se acha tão mais forte, porque não
me ataca e me mata?
- Eu não preciso disso para derrotá-lo. Você vai morrer em segundos, sem que
eu nem ao menos o ataque.
206
Agora ele estava agonizante, mas havia um sorriso de triunfo em seu
rosto redondo. Frixo foi até onde ele estava, e viu o quão medonhamente ele
havia sido transpassado pelas suas próprias hastes alvas: duas haviam
perfurado-lhe na altura do tórax, uma passara rasgando o lado interno de sua
perna esquerda, outra quase lhe perfurara o pescoço, e a última estava alojada
no centro-esquerdo do seu peito, mas não havia atravessado a armadura por
completo, de forma que apenas uma pequena e aguda ponta projetava-se para
fora, e era dali que vertia a maior quantidade de sangue..
207
- Me pergunto o que fazem os guerreiros de Posseidom tão longe dos seus
domínios, pois já é o segundo que invade este Santuário – disse Frixo em um
tom impaciente.
- Ele veio para distraí-lo – e ele apontou para o empalado Verne -, e eu vim
para matá-lo.
- Distrair-me para que você me atacasse de forma covarde, como ele fez?
- Então há mais de vocês por aqui – ponderou Frixo em voz alta, enquanto
enviava os corpos dos amigos para o interior da Casa de Áries em uma planar
suave e veloz. – Gostaria de saber quantos mais Marinas eu terei de enfrentar
hoje, bem como o motivo de Posseidom ter resolvido nos atacar.
- Tentaram, mas Leviatã destruiu os únicos dois que se atreveram a nos deter
– disse Amadis com um tom de sádica satisfação. - Os outros não quiseram vir
junto, mas também não apresentaram objeção a nossa saída, e Leviatã os
208
poupou. Talvez tivessem tido uma chance contra ele se todos tivessem lutado
juntos.
- Então vocês renegaram o seu deus para seguir outro? Vocês são
desprezíveis! – bradou Frixo irado. – Como podem ter feito um juramento para
servirem a um deus e depois o troc...
- Vocês são muito cegos para isso – disse Amadis. – Lutam cegamente por
Atena, pela Terra e pela justiça, mas o que Atena tem feito pela Terra? Que
justiça ela tem trazido? Cada vez há mais sujeira, mais maldade, mais guerras,
mais injustiça, e Atena não faz nada.
- Ele vai limpar a Terra de toda essa humanidade suja, maldosa e injusta.
209
quando Atena e Jesus Cristo de uniram, e como este último já abandonou a
humanidade, Atena não terá chances se lutar sozinha contra ele.
- É vergonhoso ter ouvir isso. Irei derrotá-lo não apenas por ser um invasor e
um inimigo, mas também por sua desonra para com o seu juramento. Você
envergonha todos aqueles que se comprometeram a lutar por um deus.
- Você tem uma língua afiada, Cavaleiro, mas será que ela é mais afiada que a
minha espada?
- Você só sabe fugir – escarneceu o inimigo. – Não tem poder para atacar,
ovelha dourada.
210
Frixo de Áries era um homem excepcional pelo simples fato de ser um
Cavaleiro de Ouro, um soldado de elite das tropas do Santuário de Atena, e por
vezes esse fato lhe subia à cabeça, conferindo-lhe certa arrogância na hora de
lidar com aliados ou adversários. Entretanto, tal postura era fundamentada,
pois mesmo entre os doze guerreiros dourados ele possuía o seu destaque.
- Realmente sua Muralha de Cristal faz jus a fama que possui – falou Amadis
enquanto se levantava. – Você rechaçou meu golpe completamente.
- Não é tão simples assim – disse Frixo. – Você não atacou com tudo o que
tinha. Por que se conteve?
211
- Haha, parece que pouca coisa escapa aos seus olhos, Cavaleiro de Áries. Fiz
isso apenas para testar a potência de sua defesa, e acho que ela é mais
poderosa do que eu esperava.
E foi só então que Amadis se deu conta de que sua espada havia sido
quase que completamente destruída: ela estava trincada em diversas partes, e
sua lâmina antes aguda e linear estava cheia de dentes e amassados.
- Sua lâmina não foi páreo para o meu escudo – falou Frixo -, e a não ser que
você possua outra técnica ou outra arma mais forte, o seu fim já é certo.
- A menos que sua muralha tenha um teto, você não escapará disso:
212
[i]Krystállou Thólo[/i]! (Redoma de Cristal)
- Por quanto tempo seu telhado de vidro vai aguentar a fúria dos meus raios,
Cavaleiro de Áries? – gritou Amadis em tom de desafio.
- Ahh, então você já começou a atacar com tudo? – zombou o ariano – Achei
que isso eram apenas as primeiras gotas de uma violenta tempestade, mas
parece que você superestimou o seu potencial.
- Tormenta? – escarneceu Frixo – Isso não passa de uma garoa de verão. Vou
lhe mostrar o que é uma chuva de verdade.
213
Quando o Marina olhou novamente para o local onde o ariano estivera,
deu-se conta de ele já não estava mais lá. Ele baixou os braços, suspendendo
o ataque, e procurou a sua volta, mas, a princípio, não o encontrou. Foi
somente quando o cosmo de Frixo se elevou incrivelmente que ele pode
localizá-lo, no alto da Casa de Áries.
Ele estava parado com o braço direito esticado para o alto, com a palma
aberta e virada para cima. Uma cosmo energia intensa rodeava seu corpo em
uma espiral ascendente, e as pontas de seus dedos começavam a emitir um
brilho intenso e pulsante.
214
braços, colocados acima da cabeça em uma tentativa desesperada de
infrutífera de se defender.
- Mas Mestre – insistiu Frixo -, não são apenas demônios que estão invadindo.
Há Generais Marinas entre eles.
215
- Sei disso, mas minhas ordens continuam as mesmas: fique onde está, Frixo
de Áries.
- Sim, senhor.
- Sacros, meu amigo – disse o ariano gentilmente – não se esforce muito. Logo
Salomão virá ajudá-lo, por isso seria melhor que você permanecesse deitado.
E então Frixo tirou sua capa e estendeu-a no chão, para que o Cavaleiro
de Altar pudesse repousar com algum tipo de conforto.
- O Papa... ele não...ele não resistiu... – e ele mostrou uma caixa dourada para
o Cavaleiro de Áries. – Entregue... entregue isso ao Grande Mestre.
- Azazel...ele foi derrotado – disse o Cavaleiro de Prata com uma voz fraca.
216
De todo modo, essa era apenas uma das preocupações dele, pois uma
nova preocupação brotou em sua mente quando ele sentiu o cosmo de Janus
de Gêmeos se elevando incrivelmente e, após isso, um violento tremor por todo
o Santuário. A batalha na Casa de Gêmeos havia começado.
217
[b]CAPÍTULO XVIII: [i]Doce Melodia, Amarga Vingança[/i][/b]
- Sinto muito, mas o fluxo de passagem pela Casa de Gêmeos foi anormal
nessa noite, e não pretendo deixar mais ninguém passar por aqui. Obviamente,
vocês podem tentar forçar a passagem, mas essa não seria uma decisão,
como posso dizer... sensata. Sugiro que retornem, seja lá de onde for que
tenham vindo.
Janus tinha um sorriso triste em seu belo rosto alvo, encimado por
lampejantes olhos cor de safira. Ele estava parado com os braços cruzados por
trás do corpo, com a mão esquerda segurando o punho direito. Os inimigos o
encaravam dos últimos degraus da subida da escadaria entre as Casas de
Touro e Gêmeos. Ele havia contado duas dúzias deles, todos trajando uma
armadura semelhante, feita de couro cru e anéis de cobre. Era óbvio que eles
eram apenas soldados, guiados por um líder ainda incógnito, que
provavelmente só espreitava à espera de alguma oportunidade para atacá-lo.
218
Janus ficou parado na soleira de entrada de sua morada, contemplando
a noite de um céu pálido e quase sem estrelas que se estendia sobre o
Santuário quando, para sua surpresa, alguém adentrou a Casa de Gêmeos
pela passagem que levava à Casa de Câncer, e qual não foi sua surpresa
quando ele viu o Grande Mestre passando por ele às pressas. Ele ajoelhou-se
e ensaiou um murmúrio de palavras corteses, mas não ouve tempo para isso,
tamanha a pressa e a velocidade com a qual o Grande Mestre passou por ele,
como uma lufada. Isso já fazia mais de uma hora, mas parecia que ocorrera há
dias, dada a tensão do momento.
219
- Como Cavaleiro de Gêmeos, acredito que você seja mais útil de pé
protegendo-a dos invasores ao invés de estar ajoelhado na saída da Casa de
Touro. Apresse-se, e não subestime os inimigos que lhe surgirem à soleira,
sejam eles quem forem.
- Você não pode sozinho contra nós – disse um dos soldados com uma voz
arrastada e grosseira, com um fortíssimo sotaque. – Irá ter um incômodo bem
grande se tentar deter a todos.
- Claro que posso contra vocês – disse Janus em um tom que mesclava
serenidade e melancolia. – Quanto a um possível incômodo, a única coisa que
me incomoda desde já é o fato de vocês desconhecerem que não possuem
nenhuma chance de vitória contra qualquer um dos Cavaleiros de Ouro, e
estarem sendo usados como infantaria por algum guerreiro covarde que só
quer analisar previamente as minhas habilidades de luta.
220
- Eu vou dar mais uma chance para que vocês se retirem – disse Janus em tom
ameno. – Mesmo sendo inimigos, é evidente que vocês estão sendo apenas
usados, e eu não tenho intenção de tirar vidas de guerreiros que não tem ideia
do que estão fazendo. Voltem agora para o local de onde vieram, não me
obriguem a lutar.
- Quer dizer que o franguinho está com medo de lutar e machucar o seu belo
corpinho? – indagou o soldado que havia subido até o pátio, e a zomba era
marcante em suas palavras. – Não se preocupe conosco, preocupe-se com
você e seus últimos minutos de vida.
E, ignorando o aviso dado por Janus, ele avançou com o punho em riste
e, com um som seco de impacto, sua mão esquerda atingiu em cheio o queixo
do Cavaleiro de Gêmeos, que pareceu não sentir nada com o golpe. Vendo
isso, uma sombra de ira surgiu sob os olhos do atacante, que iniciou uma série
de golpes, alternando entre socos e chutes, contra todas as partes visivelmente
desprotegidas pela armadura dourada.
221
à tona memórias antigas, de um tempo que parecia pertencer a outra vida, uma
vida mais simples e mais feliz.
Fosse quem fosse o inimigo que estivera ali, ele havia sido rápido como
um relâmpago, e se desviou rapidamente do local onde Janus atacara, e que
agora era apenas um amontoado de rochas e mármore fragmentado. Janus
olhou a sua volta, procurando o local onde o adversário havia se escondido
agora, e rapidamente ele encontrou algo que lhe chamou a atenção de
imediato.
222
- O...Orestes? – gaguejou Janus, com apreensão e esperança em sua voz. – É
você?
Uma risada afinada e cristalina, doce como o mel, escapou dos lábios
daquela pessoa, e o Cavaleiro de Gêmeos sentiu um arrepio. Seria possível?
Mas ele não conseguiu concluir a frase. Mesmo depois de tantos anos, a
lembrança da morte de Orestes era algo extremamente triste. Céus, como eles
eram parecidos: Orestes e Ligeia. Os mesmos cabelos dourados, a mesma
pele rosada, os mesmos olhos de um verde profundo. A única diferença era o
fato de um ser homem a e outra mulher. Até mesmo as vozes de ambos tinham
um timbre semelhante, uma musicalidade aveludada e triste.
- Depois da morte do meu irmão? – indagou ela com uma frieza agressiva. –
Depois de ele ter morrido por sua causa?
- Foi sim, e você sabe – disse ela em tom alterado. – Você sabe muito bem que
ele já estava doente antes de você se tornar Cavaleiro de Ouro, e que a
doença só se agravou depois que você partiu e nunca mais voltou para vê-lo.
Você destruiu o coração dele.
- Eu amava o seu irmão mais do que tudo no mundo – disse o geminiano, com
uma lágrima morna e salgada escorrendo-lhe pela face.
223
- Egoísta? – e agora ele estava bravo. – Você sempre foi a egoísta, você
sempre quis que eu amasse você ao invés dele, e fez de tudo para que isso
acontecesse, embora nunca tenha tido êxito.
- Sim – admitiu ela -, mas, no fim das contas eu nem precisava ter feito nada.
Na hora de escolher entre ele e sua ambição você não pensou duas vezes, e o
abandonou. Ele morreu por sua causa.
- Eu não vou revirar lembranças amargas só para participar desse seu joguinho
maldoso, Ligeia. Agora, responda-me: o que está fazendo aqui?
- Você se aliou aos inimigos do Santuário somente para isso? Esperou até que
algum inimigo se levantasse contra Atena só para vir até aqui descontar suas
frustrações em mim?
- Como é possível que você seja fisicamente tão parecida com o seu irmão,
mas tenha um caráter tão diferente do dele? – questionou o Cavaleiro de
Gêmeos retoricamente. - Se Orestes soubesse que você ignorou tudo o que
224
ele sempre te ensinou para se transformar nesse tipo de pessoa que você é
agora, que se preocupa muito mais em realizar desejos mesquinhos do que em
ter qualquer tipo de honra, ele com certeza ficaria extremamente
decepcionado.
- Por que... – e ele hesitou por alguns instantes, engolindo em seco a dor que
aquelas palavras poderiam trazer -, por que este foi o último desejo do seu
irmão... suas últimas palavras para mim, e eu jurei que iria atender a esse
pedido, custasse o que custasse.
225
- Então você torna o serviço mais prático para mim, pois você não apresentará
resistência. Morra agora e pague pelo que fez ao meu irmão, Janus de
Gêmeos.
Então, Ligeia levantou algo de seu colo: um longo e fino tubo dourado,
que ela colocou próxima a seus lábios de forma transversal. E as notas
musicais começaram a soar, e Janus sentiu, mais uma vez, as batidas do seu
coração entrarem em compasso com as notas mais vívidas. Como ocorrera
antes, os sentidos de Frixo começaram a adormecer, e somente a audição se
mostrava presente, e era somente dela que ele precisava, pois que outra coisa
ele poderia querer no mundo senão ouvir aquele doce som para sempre?
226
Mas a música de Orestes não tinha agressividade como aquele, não
tinha um tom amargo no fundo, e foi isso que o fez despertar, no exato instante
em que os soldados inimigos haviam se recuperado e estavam o atacando.
Janus deu-se conta de que estava caído no chão, com pés e punhos violentos
chovendo sem piedade sobre ele, e foi com uma agilidade felina que o
geminiano se pôs de pé e elevou sua cosmo energia ao máximo.
- Espera que eu seja atingido pelo seu truque uma terceira vez? – perguntou o
geminiano, ainda concentrando energia. – Vocês irão experimentar o mais
novo golpe do Cavaleiro de Ouro de Gêmeos. Sintam o poder do universo:
227
com que rochas e pequenas árvores cedessem à erosão involuntária que fora
desencadeada pelo poder do geminiano.
Até mesmo o belo rosto da General Marina havia sido castigado: o lado
esquerdo do rosto havia sido mutilado impiedosamente, e agora só havia um
buraco escuro no local onde antes existira uma orelha. O nariz, belo e afilado,
parecia ter sido triturado, e o sangue escorria em profusão. O olho esquerdo
era algo inidentificável entre a massa de carne viva e borbulhante que se
estendia entre o maxilar superior até o meio do couro cabeludo.
A única coisa que parecia não ter sido destruída pelo ataque de Janus
era o seu olho direito, uma oscilante esfera branca com o centro verde
turquesa brilhante, que estava aberto com um esforço tremendo, algo evidente
pelo trabalho que Ligeia aparentava ter para manter sua pálpebra erguida.
Mesmo sabendo que ela era sua inimiga, que ela havia vindo até ali com
o intuito de matá-lo para saciar um desejo egoísta de vingança, que ela havia
aberto mão da honra ou de qualquer outro valor que outrora ela tivera, aquela
mulher continuava sendo uma pessoa importante do seu passado, o último elo
entre ele e uma vida que ele deixara para trás para se tornar Cavaleiro de
Ouro.
Movido por isso, ele foi até ela, mas guardando todo o cuidado possível, pois
ela ainda era uma inimiga, e o conselho do Grande Mestre havia sido enfático:
[i]”- Apresse-se, e não subestime os inimigos que lhe surgirem à soleira, sejam
228
eles quem forem.”[/i] Assim que ela o viu, esboçou um sorriso doloroso, e só
havia um brilho pálido em seu olhar, sem nenhum sinal de raiva ou medo.
- É... é impossível que você – e sua voz gorgolejante foi interrompida pela
mescla de sangue e saliva que lhe escorria dos lábios - ... que você esteja
consciente depois... depois de ter ouvido... essa música... essa... música...
- Essa música – disse Janus com lágrimas escorrendo dos olhos até um sorriso
triste e nostálgico que escapava de seus lábios -, foi uma composição do seu
irmão para mim, durante nossa estada em Tebas, antes daquele dia.
Aquele dia. Ele tinha apenas nove anos, e toda a trupe circense foi
atacada por ladrões na estrada, que mataram alguns dos homens que tentaram
impedi-los. Orestes viu seu pai ser morto por dois homens que lhe atacaram de
forma covarde, e correu, num ato de fúria, para tentar enfrentá-los. Mas ele
sempre havia sido frágil, e foi afastado com uma bofetada em seu rosto, que o
fez perder o equilíbrio e cair em uma ribanceira.
229
Depois daquele dia, o braço direito de Orestes nunca mais voltou ao
normal, pois sua estrutura óssea era muito fraca, e a fratura havia causado
uma lesão permanente. Ligeia e Janus trabalhavam nas praças dos pequenos
vilarejos, tocando música e fazendo imitações, mas a proposta de Áquilo
sempre pairava em sua memória:
Janus amava Orestes, mas Ligeia era apaixonada por ele, e mais de
uma vez ela se declarara, mas ele não lhe dera atenção. Toda sua atenção era
dividida entre cuidar de Orestes e a possibilidade de se tornar um defensor dos
mais fracos. Aconteceu que, em um inverno rigoroso, o frágil rapaz adoeceu
gravemente, e não havia possibilidade de melhora. Ligeia proporá deixá-lo aos
cuidados do capelão local, para que ela e Janus seguissem com sua vida de
viagens, mas ele não aceitou, e ficou ao lado de Orestes o tempo todo, até que
este lhe fez prometer que ele iria seguir o seu destino e tornar-se um Cavaleiro,
pois havia muito mais pessoas precisando da ajuda dele, e que somente assim
ele iria se sentir melhor, sabendo que não o tornara refém de sua
convalescença, e do dever de cuidar de Ligeia.
230
morrer, mas pagou um preço alto por isso, pois ele jamais pode declarar todo
esse sentimento ao amigo.
- Tudo isso que você fez, todo esse ódio, somente porque você acha que eu
abandonei Orestes à morte?
- E você acha que eu não sofri com isso? – perguntou ele, e agora não havia
lágrimas ou tristeza em seus olhos, apenas um súbito lampejo de fúria, mas
que se desfez tão rápido quanto surgira – Mas não é o momento de acordar
tormentos antigos.
Agora ela tinha um sorriso no rosto, e este sorriso fez Janus se lembrar
da bela jovem que ele conhecera, que não tinha ódio ou amargura em seu
coração, e que encantava tantas pessoas com sua música.
231
prestes a partir, e não mais uma inimiga. Ele observou-a mexer os lábios para
murmurar suas últimas palavras:
- Eu te amo. Obrigada.
232
[b]CAPÍTULO XIX: [i]O Passado do Antigo Guerreiro[/i][/b]
A energia que ele sentiu da Casa de Áries não lhe preocupou, pois era
evidente que Frixo tinha o controle da situação, e como ele não iria ter? Frixo
era, na opinião de Kabouri, extremamente arrogante, mas era inegável que ele
tinha poder suficiente para ter uma autoestima tão elevada. Porém, não foi
tranquilidade que ele sentiu quando, por duas vezes, o cosmo de Janus se
reduziu quase completamente.
Que inimigo poderia ter um poder grande o suficiente para fazer isso
com o geminiano? Isso seguia sendo uma incógnita para ele, mas esse
questionamento foi deixado de lado quando Kabouri sentiu uma aproximação
sorrateira.
233
aera varrida violentamente dos degraus que ligavam as Casas de Gêmeos e
Câncer. Kabouri manteve-se na mesma posição em que estava, com os braços
cruzados na altura do peito, apenas analisando o grande cone que descia, de
forma circundante, sobre o seu corpo.
- Eu não acredito que... – começou ele, mas foi interrompido por Kabouri.
- Já não me interessa saber quem é você, General Marina, pois você não teve
a mínima honra, esgueirando-se até aqui em silêncio, como um ladrão no meio
da noite, e me atacando sem ao menos dar as caras. Não tenho muita
paciência com pessoas como você.
234
O General Marina observava atônito, sem acreditar que aquilo estava
acontecendo, e ele não havia se dado conta, ainda, da intenção real de
Kabouri. Assim que o tornado havia sido quase completamente compactado, o
canceriano fitou-o com um olhar lampejante, e um sorriso formou-se em seus
lábios.
- O último invasor.
- Sou o único que chegou até aqui nesse momento, mas há outros na Casa de
Gêm...
Foi com alegria que o canceriano se deu conta, então, de que aquele
golpe havia sido lançado por Janus, e que devia se tratar da técnica da qual o
Grande Mestre falara quando eles foram até o Yomotsu. De fato, era uma
técnica com um poder assombroso, e ele duvidava que algum inimigo tivesse
sobrevivido a isso, independente de quantos fossem. Kabouri concentrou-se
novamente na batalha que começara a se desenrolar entre ele e o invasor, e
ainda mantinha os ventos do inimigo firmemente presos em suas mãos.
235
- Ah não? – indagou o canceriano – Nesse caso, não irei subestimá-lo ou testar
seu poder em uma luta mais longa do que o necessário. Olhe nos meus olhos!
E Glauco olhou-o nos olhos, e viu que eles começaram a mudar de cor,
passando do negro para o verde. Uma brisa fraca começou a soprar, e eram os
ventos do General Marina que recomeçavam sua atividade, mas agora
coordenados pela vontade de Kabouri. O canceriano liberou os ventos em um
gesto inverso ao que havia feito para aprisioná-los, abrindo os braços em um
gesto amplo. Quando suas mãos estavam completamente afastadas, ele
fechou a destra em forma de garra, e uma luminosidade vermelha pareceu
emanar dela.
236
profundidade, e, quando seu crânio bateu-se contra o solo duro e rochoso, ele
se rachou em um [i]crac[/i] feio e viscoso, como o de uma fruta cascuda e
pesada que quebra ao cair, espalhando sua polpa mole pelo chão. Glauco de
Cila estava morto.
***
237
- Fique onde está, Frixo de Áries.
Aquilo era uma mentira, mas ele não podia falar a verdade naquele
momento, não quando tudo estava tão próximo de acontecer. Tinha que ser do
jeito que ele havia planejado, e era essencial que Frixo permanecesse onde
estava.
- Mas Mestre – insistiu Frixo -, não são apenas demônios que estão invadindo.
Há Generais Marinas entre eles.
- Sei disso, mas minhas ordens continuam as mesmas: fique onde está, Frixo
de Áries.
- Sim, senhor.
238
havia falhado, e era justamente isso o que lhe fustigava ainda mais os
pensamentos;
- Sim, Quiron, eu estou bem. O mesmo não se pode dizer de você – falou o
líder do Santuário enquanto o mirava de cima a baixo, situando-se novamente.
– Salomão irá cuidar de suas feridas assim que retornar.
- Retornar?
239
- E é por isso que eu mandarei Salomão de volta para cá depois.
Ele sentia pequenas pontadas em seu peito, e as costas lhe doíam tanto
que ele tinha vontade de se deitar no piso de mármore e, quem sabe, com
alguma sorte, morrer tranquilo? A hora para isso parecia estar chegando, mas
ele ainda tinha uma última etapa de seu plano para desempenhar, uma das
partes mais importantes.
240
descortinar para o jovem Girtab. Até mesmo Set, o seu falecido mestre e
Cavaleiro de Escorpião, dizia que ele seria imbatível no futuro.
241
Por fim, ele chegou à Sala do Grande Mestre. Desde aquela época as
cortinas já eram de um grosso veludo vermelho, combinando, de forma um
tanto agressiva – embora suntuosa – com o tom branco que predominava. O
líder dos Cavaleiros de Atena estava sentado no seu alvo e imponente trono,
completamente paramentado: túnica, manto, elmo e colares de contas.
- Aqui estou, Mestre, conforme suas ordens – disse ele, ainda em pé.
Mas ele estava lá: robusto, com muitos pelos escuros em seus fortes
braços bronzeados. Seus olhos eram atentos e brilhantes, de um negro que
parecia carvão. Sua armadura era prateada, e seus longos cabelos pretos e
encaracolados lhe chegavam até o peito.
242
é o líder do Santuário, e você lhe deve respeito e obediência, a não ser que
você não deseje se tornar um Cavaleiro, garoto.
Garoto. Como ele odiava ser chamado assim, e que falta ele sentia disso
agora. Quanta falta Davi lhe fazia, agora que tinham se passado tantos
séculos. O Cavaleiro de Triângulo teria sido uma ajuda abençoada naquele
momento em que Girtab, o Grande Mestre, se encontrava. Quanto tempo ele
perdera sendo hostil e arrogante, tratando os outros com desprezo por se
considerar mais forte? A pergunta não tinha resposta, mas ele se felicitara em
constatar uma coisa: ele havia mudado. Davi fora um bom amigo.
- Os onze Cavaleiros de Ouro são unânimes na opinião de que você deve ser
escolhido como o novo Cavaleiro de Escorpião – disse Aslam com sua voz
rouca.
- Para aprender uma lição importante – respondeu Davi pelo líder do Santuário.
243
- Humildade – respondeu-lhe o Grande Mestre.
- Vim aqui para ser achincalhado e receber um conselho para ser humilde? –
perguntou ele com raiva em sua voz.
- Se você aprender a lição da humildade, vai se dar conta de que não houve
achincalhe algum. Apenas o seu ego, por ser grande demais, acabou sendo
ferido – replicou Aslam de forma seca e direta. – Voltaremos a nos falar daqui
há um ano ou dois, e então veremos se você se porta melhor.
- Mas eu...
Humildade foi a primeira lição que lhe foi passada, mas foi a última que
ele aprendeu. No lugar de humildade, ele aprendeu a ser dissimulado, e era
com a máscara do respeito, da humildade e da cortesia que ele passou a se
apresentar, embora, em seu interior, apenas o orgulho fosse ferido, gerando
um ressentimento que traria duras consequências.
244
- Hahaha – riu o aquariano com leveza, mas Girtab não gostou disso, pois
pareceu-lhe que sua opinião fora tomada por uma piada. – Você é bem direto
em suas pretensões, não é mesmo? Mas, não se trata de poder, Girtab.
- Como não? Cabe ao mais poderoso governar, pois somente a força pode
trazer ordem. Como você se sentiria tendo de seguir as ordens de alguém mais
fraco do que você?
- Você acha que Atena é mais forte que Hades e Posseidom? – perguntou-lhe
Crios, com uma ruga de preocupação tomando o lugar do sorriso que estava
em seu rosto.
- Para ter certeza de que você não vai abandonar o Santuário caso uma Guerra
Santa comece e você ache que os inimigos são mais fortes.
Girtab apanhou uma fruta qualquer do cesto de vime que estava ao seu
lado em uma mesinha, deu-lhe uma mordida, e exibiu uma expressão de
contentamento em seu rosto. Depois de terminar a fruta, ele bebericou um gole
245
de água em uma taça de madeira, e engoliu-o com lentidão, como que para
lubrificar as cordas vocais antes de falar aos demais.
- O Santuário está sob invasão – disse ele de forma direta, pois não havia
motivos para negar ou adiar a informação, pois todos pareciam ter ciência
disso. – Generais Marina e demônios menores a serviço do inimigo estão em
solo sagrado, e tentam passar por nossas defesas.
Um forte tremor, vindo da base das Doze Casas Zodiacais, fez todos
olharem pera os lados, mas Girtab permanecia olhando para eles, analisando
cada face, esperando para que eles voltassem suas atenções para ele
novamente. Depois de algum tempo, eles voltaram a olhar apenas para o
Grande Mestre.
- Mas, por que isso, Grande Mestre – perguntou-lhe o Virtus Francesco, sem
entender o que se passava.
- Acalmem os ânimos, meus irmãos – pediu ele com sua voz aveludada. – O
Mestre nos guiou com admirável sabedoria até aqui, em meio as mais difíceis
situações. Se ele tem um plano novo, quem somos nós para duvidar dele?
246
retornem imediatamente às suas respectivas moradas, e fiquem lá, aconteça o
que acontecer.
- A vocês, bravos Virtus, não me cabe a autoridade de lhes dar ordens, pois
não sou seu líder, e percebo que três de vocês estão ausentes, talvez seguindo
outras ordens. Mas, na ausência de Inocêncio, você é o líder deles, Francesco.
Portanto, é a você que peço que faça uma escolha.
- Devido ao fato de Salomão ter sido designado para ficar por aqui, o Santuário
está defasado de Cavaleiros de Ouro nas Casas de Touro, Libra e Escorpião.
Entretanto, os inimigos já passaram por Touro, e não há necessidade de
protegê-la agora Peço, então, que você supra as defesas de Libra e Escorpião
da melhor forma que lhe convir. Preciso que um de vocês fique comigo, assim
como um dos meus guerreiros também ficou.
- Embora eu seja o líder, não cabe a mim tomar essa decisão sem consultar os
meus irmãos – disse Francesco de forma solene. – Digam-me, Odisseu e Isar,
o que acham que deve ser feito?
- Para mim – começou Odisseu -, a resposta é simples. Você deve ficar aqui
com o Grande Mestre, já que é o mais poderoso de nós, além de ser o nosso
líder. É melhor para nós que Atena esteja bem protegida, e sei que Salomão de
Libra é poderoso, e não há necessidade de tecer comentários a respeito do
Grande Mestre. Assim, creio que a melhor decisão é que você fique e que nós
dois desçamos. O que me diz, Isar?
247
- Pois que seja assim, então – decidiu-se Francesco – Eu ficarei, Odisseu,
assuma a defesa da Casa de Libra, e você fique com a Casa de Escorpião,
Isar.
- No que depender de mim, para o seu túmulo, e agora de uma forma definitiva
– falou o Grande Mestre em um tom resoluto.
- Por favor, não me faça perder tempo. Você realmente achou que tinha me
enganado esse tempo todo, Baal?
248
- Há quanto tempo, Girtab de Escorpião? – disse ele, e agora a voz também
era diferente.
- Faz muito, muito tempo – respondeu o Grande Mestre, ainda sentado em seu
trono, e seu tom era duro. – Mas não estou disposto a gastar meu tempo
conversando com você, Baal.
249
[b]CAPÍTULO XX: [i]A Confissão do Grande Mestre[/i][/b]
Baal havia sido pego de surpresa, mas ele tentava não demonstrar isso.
Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, o Grande Mestre iria descobrir que ele
estava infiltrado no Santuário, e não lhe surpreendia que ele se mostrasse
ciente disso a qualquer momento. Entretanto, não lhe era possível imaginar
que seria dessa forma que Girtab iria revelar o conhecimento acerca deste fato
e, analisando com frieza a situação em que se encontrava, a atitude do líder do
Santuário parecia uma loucura.
“- [i]Não – [/i]disse Baal a si mesmo, pensando com uma frieza analítica[i] -,,é
justamente isso o que ele intenta: que eu o tome por um velho tolo e cansado.
Este tempo em que convivi tão próximo a ele me fez perceber o quão astuto e
prudente ele se tornou, e tenho certeza de que até mesmo por trás dessas
atitudes insanas deve haver um estratagema tecido com cautela. Mas qual será
o objetivo de tudo isso?[/i]
- E então, qual é a sua pretensão, Girtab? – perguntou Baal em voz alta, com
sua voz rouca e grave tentando aparentar indiferença à forma como Girtab
havia conduzido as coisas..
250
fúria e descontrole mediante a lembrança desse acontecimento humilhante. Um
deus derrotado por um mortal! Mas, será que Girtab era realmente mortal? De
toda forma, essa pergunta estava prestes a ser respondida de um jeito ou de
outro, pois aquele tempo passado na cúpula do Santuário não fora em vão.
Quando ele soubera que Girtab ainda estava vivo – informação que
obtivera por meio do Cavaleiro de Áries no dia em que fora libertado de seu
aprisionamento -, foi somente a possibilidade de um futuro embate que o
motivou a tecer os seus planos daquela forma, ao invés de fazer um ataque
aberto e direto. E, agora, o momento havia chegado.
- Mesmo após todos estes anos tu continuas a ser insolente com aqueles que
te são superiores.
- A única pessoa superior a mim está à salvo em sua câmara, e ela não é você,
Baal.
- Quando nos conhecemos você foi mais cortês comigo – disse o Grande
Mestre em tom de provocação. – Acho que o seu medo de me ter como
inimigo, agora, impede que as palavras fluam com a mesma doçura.
251
- Hahahaha – riu Baal com desgosto. – Medo? De ti, Girtab? Não simules
tolice, pois tolo tu não és. Sabes muito bem o motivo de eu não ter sido hostil
contigo daquela vez. Porém, se queres mais amabilidade da minha parte,
podes conseguir isso agindo da mesma forma como tu agiste há tanto tempo.
- Esse tempo já passou – disse Girtab de forma enfática, querendo por fim ao
assunto.
- Mas a minha proposta se repete. Será que vais vir para o meu lado
novamente, e matar aqueles que outrora tu chamaste de irmãos? – indagou o
demônio com nítido prazer ao usar essas palavras. – Rogo apenas para que tu
também não me traias no momento final, como tu fizeste daquela vez.
- Aquilo foi um erro - disse Girtab sem abrandar o cosmo -, um erro do qual eu
me arrependo amargamente, mas que me ensinou muito. A situação, agora, é
completamente diferente, pois eu sou muito diferente do que eu era naquela
época.
- Isso é inegável, e mesmo que tu quisesses negar, esse teu corpo coberto de
rugas denunciaria tua mentira. Além disso, a situação realmente não poderia se
repetir tal qual se deu daquela vez, não é mesmo?
- Ahh, não. Tu interpretaste-me mal – disse ele com um prazer nocivo – quando
digo que a situação não irá se repetir, falo isso não por considerar que tu
252
tenhas te tornado uma pessoa melhor. Não. Falo isso porque, dessa vez, será
impossível para ti assassinar o Grande Mestre do Santuário de Atena, uma vez
que esse posto agora pertence a ti. Como era mesmo o nome do homem a
quem tu mataste depois de ter jurado lealdade?
253
E agora Baal estava mais satisfeito do que poderia ter esperado, pois o
silêncio do Grande Mestre foi muito melhor do que qualquer explosão de fúria
que pudesse tê-lo acometido. Não havia forma de negar: ele estava abalado
com aquelas lembranças, e era disso que Baal se aproveitaria.
- O que foi, Girtab? A vergonha de teus atos te incomoda? Ergas essa cabeça
e venha para a luta, pois mostrarei minha piedade e darei o descanso merecido
a esse teu corpo velho. Assim, tu não precisarás mais lamentar os teus erros.
- Você vai se surpreender com o que esse corpo velho ainda é capaz de fazer.
O piso de mármore apresentava uma leve fenda, uma fina linha que se
localizava exatamente abaixo do escudo de Baal, mostrando que houvera
algum impacto quando ataque e defesa se opuseram, mas que ele havia sido
absorvido praticamente por completo pelo escudo energético criado pelo
inimigo.
254
- Finalmente o escorpião mostra o seu ferrão – disse Baal. – Eu devo admitir
que esperava mais de ti, Girtab.
- O que?
- Tentar atacar-me com uma técnica que eu já havia visto tantas vezes. Não
são vós, os guerreiros da elite do Santuário de Atena, que se orgulham em
dizer que um golpe não funciona duas vezes contra um Cavaleiro de Ouro?
Pois bem, o mesmo ocorre comigo, e devo acrescentar que eu me recordava
deste golpe ser mais poderoso. Talvez a idade tenha finalmente te prejudicado,
Girtab.
- Ou, talvez, você tenha aprendido a ter mais precaução, já que foi ferido
brutalmente por esse golpe quando eu te derrotei. Eu ainda me lembro da sua
expressão de dor – provocou Girtab com um sorriso no rosto.
- Sim, eu me lembro, mas isso não me fere mais – disse ele com um tom calmo
e melancólico -. Aprendi a conviver com os meus pecados sem fazer deles um
peso desnecessário. Eu não posso reverter o que fiz se eu ficar sofrendo
eternamente, da mesma forma que esse sofrimento também é incapaz de me
trazer o perdão. Assim sendo, prefiro evitar lamentações desnecessárias e
gozar de uma boa noite de sono sempre que me deito.
255
- E que lição seria esta?
- Não será tão fácil, pois eu também conheço todas as tuas técnicas.
256
de modo que agora era possível ver uma parte das entranhas da colina onde o
Santuário se localizava,
- Por que você está rindo? – quis saber o líder do Santuário, com um olhar
intrigado. – Por um acaso a dor te dá algum prazer, ou isso é apenas a loucura
que antecede a morte?
- Não. O corte no meu ombro confirma isso. O teu golpe só sobrepujou o meu
devido ao ângulo, não devido ao poder. Eu não estou trajando armadura
alguma, e mesmo assim teu golpe não foi capaz de amputar-me o membro.
257
tempo. Seu nome era Jacques De Molay, e essa técnica ele aprendeu aqui no
Santuário de Atena com Deneb de Capricórnio, há mais de duzentos anos.
- Eu tive uma leve suspeita quando Apep foi descoberto. Você não seria capaz
de arriscar seu plano de infiltração enviando alguém tão estúpido quanto Apep.
Então, eu fiquei vigilante, e a certeza veio quando você enfrentou Aloccer.
258
- Foi sua burrice – disse Girtab, e agora ele se jogara novamente sobre o
inimigo, desferindo uma série de socos.
“[i]Você vai se surpreender com o que esse corpo velho ainda é capaz
de fazer.[/i] As palavras do Grande Mestre ecoaram na memória de Baal, e
agora ele percebia que elas não haviam sido ditas em vão, pois aquele corpo
velho estava se mostrando capaz de mais coisas do que o esperado. A
velocidade, a potência e a precisão dos golpes do escorpiano eram
assombrosas, algo inesperado para alguém de idade tão avançada. Ainda
assim, mesmo com o braço profundamente ferido, Baal esquivava-se e contra-
atacava de forma esplêndida. Era um embate fantástico, mas não havia
expectadores.
Ninguém viu quando Girtab, após uma série de socos cruzados, ergueu
sua perna esquerda em um ângulo reto perfeito, não acertando o maxilar
inferior de Baal por menos de um milímetro, pois este jogou o corpo
pesadamente para trás, descrevendo um salto mortal que, além de
proporcionar-lhe uma esquiva no instante derradeiro, proporcionou-lhe a
chance de acertar o peito de Girtab com as pernas no momento em que ele
virava no ar.
Também não havia ninguém para ver como Girtab fora rápido em sua
reação ao ser atingido por Baal, agarrando as duas pernas do adversário no
momento em que elas tocaram o seu peito e jogavam-no para trás. Valendo-se
de sua própria força muscular e da força de propulsão gerada pelo golpe de
Baal, o Grande Mestre arremessou o adversário na mesma direção, em uma
rota ascendente, fazendo com que o corpo do demônio se chocasse contra
uma das colunas de mármore que sustentavam o teto da Sala do Grande
Mestre.
259
pé, juntando suas mãos – palma a palma -, como alguém que se prepara para
rezar.
260
- E não pretendo – respondeu-lhe ele, com a voz firme em meio ao esforço
depreendido para conter o poder do inimigo. – Já vivi por muito tempo, e o
simples vislumbre de uma batalha que se estenda por toda a eternidade me
causa cansaço.
- Não. Eu irei matar você o mais rápido possível, assim eu não preciso ficar
mais tempo nessa situação lastimável. Entretanto, esse lugar não é o palco
adequado para a nossa batalha, pois você não é digno dele.
- No local onde antes existia o seu principal templo na Babilônia – disse Girtab
de forma direta.
261
local onde ele fora mais humilhado em toda sua vida. Além disso, sair do
Santuário, agora que ele vira que Girtab estava em condições de resistir a uma
dura batalha, seria uma atitude sensata, já que ele conhecia o risco de ter de
enfrentar todos os outros Cavaleiros de Ouro se estivesse muito desgastado
pela luta contra o Grande Mestre.
- Para a maioria sim, mas não para todos. Salomão de Libra irá nos enviar até
lá.
- Sim – afirmou Girtab, sem tentar disfarçar que tudo ocorrera de caso
pensado.
- Mas, por qual motivo tu não me levaste para fora daqui enquanto ainda não
tinhas revelado que conhecia minha identidade verdadeira? Eu teria ido
contigo, e poderíamos ter lutado em outro local qualquer, sem a necessidade
de toda esta pantomima.
- Eu escolhi fazer isso aqui por dois motivos. O primeiro era testar sua força,
pois talvez você não pudesse ter acesso total ao seu poder, o que me permitiria
acabar com você por aqui mesmo, e aprisioná-lo onde nenhum inimigo poderia
libertá-lo, já que sempre haveria um vigia poderoso para garantir que você
permaneceria aprisionado.
“Entretanto, isso já não será possível, pois você escolheu um corpo forte e
poderoso, tornando-se um receptáculo perfeito, e te dando plenas condições
262
para batalha. Assim, o melhor é que lutemos em outro lugar, onde nossa
batalha causará menos destruição.”
E então Girtab elevou sua energia, fazendo com que uma aura dourada
e pulsante envolvesse seu corpo, emitindo uma ressonância leve e constante.
Baal percebeu que, embora sem grande intensidade, o cosmo do Grande
Mestre pareceu derrubar uma espécie de barreira que envolvia o local onde
estavam, e começou a envolver por completo todo o Santuário.
“Em meio a todo este tempo que se passou, enquanto muitos iam para o
descanso eterno eu continuei a frente de tudo o que se passou no Santuário, e
isso acabou despertando a admiração e a curiosidade de muitos, que
passaram a me considerar como invencível e até mesmo imortal. Quero dizer a
vocês, minhas valorosas crianças, e peço que permitam a esse velho o
desfrute de poder chamá-los assim, que chegou o momento de eu deixar o
meu posto, e passá-lo para mãos mais jovens e, talvez, mais hábeis do que as
minhas.
263
Contrariando o que muitos de vocês esperavam, não nomeio nem Cristos de
Peixes e nem Gerion de Touro como meus sucessores. Eu escolho Maria de
Virgem como o novo Grande Mestre do Santuário de Atena, e nomeio em seu
lugar, como o novo Cavaleiro de Ouro de Virgem e guardião da sexta Casa
Zodiacal o até então Cavaleiro de Prata de Triângulo, Izzak, que é aprendiz da
própria Maria.”
- Estas são minhas últimas ordens e decisões como Grande Mestre deste
Santuário, e abdico de minhas funções com a crença de que desempenhei um
bom papel até aqui. Mas não é por isso que resolvi comunicar-me com todos
vocês ao mesmo tempo. Meu objetivo é redimir-me de todos os erros que
cometi há centenas de anos, quando ainda era o Cavaleiro de Ouro de
Escorpião e lutei na Guerra Santa que explodiu após a morte de Yeshua, filho
de YHVH, que vocês conhecem pelo nome de Jesus Cristo.
264
brilhando fortemente próximo à constelação de Peixes, e ele havia dito que
assim que duas estações se passassem, aquela estrela se tornaria uma estrela
cadente, e que seu trajeto no céu indicaria o local onde nasceria, pela primeira
vez desde tempos imemoriais, a reencarnação do filho daquele que dividia o
poder supremo com Zeus.
“Eu não entendi do que ele falava, mas, assim que se passou o resto do verão
e todo o outono, e o inverno já estava nas suas últimas semanas, uma estrela
cadente apareceu no céu, iniciando seu trajeto próximo à constelação de
Peixes, exatamente onde houvera uma estrela quase seis meses antes.
Eu corri até Sidharta, e pedi que ele me explicasse melhor o que ele tinha dito
daquela vez há seis meses, e ele me falou sobre YHVH e Zeus, de como eles
se retiraram do comando do mundo devido à tristeza e decepção que tiveram
com a humanidade. Falou-me sobre a batalha que se seguiu no plano celeste,
onde Yeshua e Atena tiveram de unir forças para enfrentar um único inimigo, e
de como ele fora aprisionado por ambos, já que nem juntos eles tinham poder
de destruir uma criatura como Lúcifer.
Confesso que, naquele dia, eu fiquei seduzido com a história que me fora
contada, pois eu não conseguia imaginar um inimigo poderoso o suficiente para
obrigar Atena a unir forças com outra divindade. Os anos foram passando, e
notícias desse filho de YHVH começaram a chegar até o Santuário, de modo
que o Grande Mestre Aslam resolveu enviar uma comitiva de Cavaleiros para
conhecê-lo, e ver se, de fato, se tratava de quem diziam que era.
265
todos os judeus, mas sim da calma e da amabilidade que aqueles olhos
ostentavam.
Ele nos recebeu com alegria e simplicidade, sem nenhum exagero de palavras
corteses para inflar o nosso ego, e nem mesmo nenhum tipo de opulência
naquilo que nos foi oferecido para comer após a viagem que fizemos. Embora
sua família tivesse posses, pois seu pai humano fora um dos Juízes da Tribo
dos judeus e um habilidoso carpinteiro, uma profissão de prestígio naquela
época, ele nos ofereceu frutas, pão, vinho doce e água, e fez um dos gestos
mais inesperados de alguém de tão alto poder: enquanto comíamos e
bebíamos a sua mesa, ele lavava os nossos pés com água morna e óleos
aromáticos.
Em minha extrema arrogância, jamais poderia imaginar que o filho do deus que
rivalizava em poder com o próprio Zeus pudesse agir daquela forma. Falamos,
naquele dia, sobre as Guerras Santas pelas quais Atena passou nos milhares
de anos em que protegeu a humanidade sozinha, e falamos sobre a ameaça
de uma nova batalha, que o Grande Mestre havia vislumbrado em Star Hill.
Para nossa surpresa, ele admitiu saber que uma batalha de grandes
proporções estava para explodir, uma de proporções não vistas desde muito
tempo, quando Lúcifer ergueu seu exército em revolta, pois o próprio Lúcifer
poderia retornar se os inimigos triunfassem.”
- Então ele sabia! – falou Baal com visível espanto, pois até mesmo ele estava
ouvindo com atenção o relato de Girtab. – Ele sabia mesmo antes de eu iniciar
os ataques.
266
“Eu argumentei com ele, dizendo que o que precisávamos era de guerreiros
para combater essa ameaça, dizendo que a ajuda dele era essencial, pois
somente a união do poder dele com Atena possibilitou que Lúcifer fosse banido
e que, se havia a possibilidade dele retornar, era essencial que ele estivesse
pronto para a batalha. Yeshua respondeu-me, com extrema calma e gentileza,
que nem todas as batalhas se ganham por meio da luta, e que o alvo de sua
vinda à Terra não era o exército de demônios que se reunia, mas sim o
coração dos homens, em especial o coração de homens como eu, que eram
cheios de fúria e orgulho.
Que terrível lugar é aquele. Os dias são muito quentes, e a umidade torna
aquela prisão um inferno lamacento e fétido. Durante a noite, quando a maré
sobe e a temperatura cai, não é possível dormir, pois há o risco de se afogar
por algum descuido, ou mesmo morrer devido ao frio excessivo. Naquele
tempo em que fiquei aprisionado, eu jurei que me vingaria daquela humilhação.
267
homem justo, e disse que eu já havia cumprido o meu castigo, embora sem
atingir o efeito esperado.
- Eu me recordo deste dia – falou Baal, que parecia tão imerso nas lembranças
quanto Girtab – Foi a primeira vez que te vi lutando.
268
e mutilou Sidharta com sua espada, enquanto eu permaneci parado,
maravilhado com o poder dos dois. Sidharta ainda estava vivo, agonizando, já
sem um braço e o pé esquerdo, que haviam sido amputados por Azazel.
Foi então que eu me interpus aos dois, e comecei a lutar contra Azazel. Ele era
poderoso, mas eu estava no auge do meu poder e da minha sede por batalhas,
de modo que eu estava carregado do mesmo espírito assassino que ele, e não
arrefeci em momento algum. Muito pelo contrário: a cada golpe desferido,
minha energia parecia aumentar, e Azazel se viu em uma situação difícil contra
mim. Nesse momento eu percebi que não estávamos sozinhos, pois havia duas
pessoas acompanhando nossa batalha: um deles era Crios de Aquário, e o
outro eu desconhecia, mas podia sentir uma imensa energia emanando dele.
Azazel estava preparado para se lançar sobre mim novamente, mas aquele
estranho que nos observava deu-lhe uma única ordem, e ele abandonou o
campo de batalha. Assim que ele fugiu, eu fui até Sidharta que, embora ainda
vivo, estava ferido com gravidade. Eu analisei a situação e considerei, em um
julgamento estúpido e arrogante, que aquele homem mutilado não seria mais
de nenhuma utilidade ao Santuário de Atena, e me preparei para lançar minhas
Agulhas Escarlate contra ele, para por fim a sua vida e ao seu sofrimento, o
que eu considerei uma atitude sensata, embora eu soubesse que, no fundo do
meu coração, meu real desejo era vingança pelo que eu passei por seis meses.
Vendo isso, e pressentindo minha intenção, Crios desceu sobre mim como uma
feroz e rigorosa tempestade de inverno, e parecia impossível que alguém tão
calmo e centrado como ele pudesse se tornar tão explosivo em sua fúria,
embora eu já soubesse de sua reputação como um guerreiro poderoso. Eu não
quis entender a razão daquilo, e preferi ignorar a razão dos meus atos ao invés
de considerar que minha atitude havia sido um erro, preferindo acreditar que o
Cavaleiro de Aquário havia se voltado contra mim, por uma razão que eu não
estava disposto a saber, pois só o que eu queria era lutar contra ele e, de
alguma forma, descontar minha raiva por ele não ter tentado me livrar do meu
confinamento no Cabo Súnion, já que ele sempre havia sido o meu melhor
amigo.
269
Ele tentou conversar comigo antes de começarmos a lutar, mas eu não estava
disposto a ouvir nada, nenhum discurso sobre lealdade, fraternidade ou honra:
eu só queria...”
E então Girtab fez uma longa pausa, e ninguém, a não ser Baal, viu as
lágrimas que correram copiosamente dos seus olhos. Uma tristeza, reprimida
há centenas de anos, aflorou no Grande Mestre, e suas palavras seguiram
embargadas pela emoção.
“Quem ele pensava que era para me julgar, para sentir-se decepcionado pelos
meus atos? Eu estava decidido a combatê-lo até o fim, mas eu havia me
esquecido que não éramos apenas nós que estávamos ali. O cosmo de
Sidharta cresceu rapidamente, e eu fui envolvido por ele. Logo ele começou a
entoar o seu mantra, e eu percebi que ele estava prestes a lançar sua técnica
de paralisação contra mim. Concentrei toda minha energia para resistir a ele, e
estava me saindo bem, até que Crios também resolveu tentar me paralisar.
Deuses, como eu era poderoso! Mesmo com aqueles dois valorosos Cavaleiros
de Ouro juntando suas energias para me deterem, eles não conseguiram. Eu já
preparava meu contra-ataque, e foi então que mais um cosmo se juntou ao
deles, e isso foi decisivo para que eu finalmente fosse detido.
270
apenas por Atena estar presente. Meu castigo foi o aprisionamento perpétuo no
Cabo Súnion!
- Foi no Cabo Súnion que eu conheci Baal, que se apresentou de uma forma
cortês e amigável. Ele elogiou o meu poder, e se mostrou inconformado com o
que acontecera comigo. Como podia alguém, em sã consciência, privar seus
exércitos de alguém como eu? Então ele me convidou para ingressar no seu
exército.
- “E tenha permitido que tu viesses para cá” – concluiu Baal ao mesmo tempo
em que Girtab falava isso a todos do Santuário. – Tu não te esqueceste de
nada disso, mesmo depois de tanto tempo?
271
eles poderiam se juntar ao seu exército. Mestre Aslam, porém, não era o tipo
de homem que permitiria que o inimigo se retirasse do campo de batalha, e ele
seguiu atacando Baal, que se limitou a se defender, falando-me o tempo todo
que aquilo era uma prova de como os guerreiros de Atena não se importavam
com a paz, pois, caso se importassem, estariam interessados unir forças pelo
bem da Terra e da humanidade ao invés de partirem para a batalha.
Mas eu não iria fugir com facilidade, e o adversário que se apresentou para
impedir a minha fuga foi o mais difícil que poderia ter aparecido: o próprio
Grande Mestre. Foi a batalha mais dura que eu já enfrentei, pois o velho Leão
Dourado era um combatente experiente e poderoso, que lutou ao lado do meu
mestre e conhecia todas as técnicas que ele havia me ensinado, enquanto eu
jamais havia visto nenhum Cavaleiro de Leão em combate. Mas, no fim, nem
mesmo a experiência e a habilidade dele foram suficientes, e eu o matei lá
mesmo, embora tenha saído com graves ferimentos.
Fui até o Egito, e entrei para o exército de Baal, que me colocou como seu
principal tenente, em posição inferior apenas a de Azazel, Asmodeus e
Mammon, que jamais aceitariam um humano em posição hierárquica
equivalente a deles, algo que o próprio Baal, também, jamais permitiria. Com a
morte do Mestre Aslam, foi Davi de Triângulo quem assumiu como Grande
Mestre, renovando os seus votos de lealdade a Atena.
272
e Pólux de Gêmeos, mas nada foi mais difícil do que ter de confrontar o meu
melhor amigo, Crios de Aquário. Eu havia me tornado mais experiente, mais
consciente e prudente quanto ao uso do meu poder, e meu cosmo ardia muito
mais forte do que o dele, de modo que eu poderia tê-la resolvido assim que
começamos.
O ódio em meu coração, a raiva pelo que eu havia passado, o desejo de poder,
tudo isso havia diminuído a cada um dos irmãos que eu matei, pois todos eles
estampavam em seu rosto uma profunda decepção. Baal sempre era educado
e gentil comigo, mas começava a se mostrar cada vez mais cruel, e um
assassino disposto a matar quem quer que se pusesse em seu caminho.
Aquilo mexeu comigo, e Baal percebeu que Crios poderia abalar minha
confiança e minha motivação em seguir nas hostes de Lúcifer, e foi então que
ele cometeu o maior erro da vida dele: tentar matar Crios de Aquário. Aquilo fez
com que minha venda caísse dos olhos, e só então eu percebi o que eu estava
273
fazendo. Melhor dizendo, foi só então que eu aceitei os meus erros e percebi,
na totalidade, o que eu estava fazendo, no que eu havia me transformado.
Crios não morreu, pois Davi fora rápido o suficiente para, junto comigo, criar
uma defesa efetiva ao golpe de Baal. Ele percebeu que eu havia mudado de
lado, e viu em mim uma ameaça, pois eu sabia de todos os seus planos, bem
como de todo o tipo de informação que o Santuário poderia precisar para
acabar com ele e seus exércitos. Mas Baal sempre foi prudente, e nem mesmo
ele iria tentar lutar contra Davi, Crios e eu, pois ele já havia me visto lutar
muitas vezes, e também percebera que Davi não era um simples guerreiro.
Ele fugiu e, quando apenas nós três ficamos ali, eu chorei como uma criança, e
finalmente eu me arrependi dos meus atos, assumi meus erros, e me
prontifiquei a ir para o Cabo Súnion por toda a minha vida, para pagar pelos
meus pecados. Davi, como Grande Mestre do Santuário, disse-me eu não era
digno de escolher o meu próprio castigo, e que eu devia desculpas a Atena
pelos meus atos. Entretanto, ele me disse, eu não era o tipo de guerreiro que
deveria ser posto de lado tão facilmente em uma situação como aquela, pois
meu poder e meu conhecimento sobre o inimigo poderiam ser vitais. De toda
forma, eu precisava ser punido.
Chegando ao Santuário, fui recebido com hostilidade por todos os que antes
me admiravam, e não resisti ou retribui a nenhum tipo de agressão verbal ou
física que tenha sofrido, pois Davi disse que minha penitência seria o
julgamento dos demais Cavaleiros de Ouro e que, se eu chegasse com vida
até a sala dele, aí eu dependeria do perdão de Atena para poder seguir adiante
como Cavaleiro de Ouro de Escorpião. Por sorte, o cosmo de Atena me
protegeu algumas vezes, e eu acabei sobrevivendo aos castigos que me forma
impostos. Mesmo com graves ferimentos, consegui chegar até Atena e pedir o
seu perdão, que me foi concedido com um sorriso. Mas Atena não estava
sozinha: Yeshua estava por lá, e ele me olhava com o mesmo olhar pacífico
daquela vez, mas eu podia perceber algo diferente nele.”
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- Então tu teves de te humilhar para voltar a este Santuário? – indagou Baal
com desdém – Que coisa vergonhosa, um guerreiro poderoso implorar para
lutar ao lado dos mais fracos.
“Descobri que Atena e Yeshua haviam conversado muitas vezes, e que ela
havia o convencido a lutar, a criar um exército, pois somente assim eles
poderiam ter alguma chance contra Baal. Sete bravos e poderosos homens,
alguns dentre os seus doze apóstolos, foram escolhidos por Yeshua como os
seus primeiros Virtus, o seu exército terrestre. O líder deles era Pedro, e muitas
foram as vezes em que ele e Davi se encontraram para trocar informações e
planos, tal qual Inocêncio e eu fizemos.
Asmodeus enfrentou o Pedro, que havia sido escolhido com o primeiro Grande
Mestre do Santuário de Yeshua, mesmo ainda não havendo nenhum Santuário
em Roma. Pedro seguiu Asmodeus até a ilha de Citera, e lá eles travaram um
combate equilibrado, mas Pedro acabou vencendo e tentou aprisioná-lo
utilizando o [i]Davi Sigillum[/i], uma técnica que o próprio Davi havia lhe
ensinado. Porém, Pedro não tinha poder suficiente para usar essa técnica de
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forma completa, e Davi teve de deixar Atena sozinha para ir auxiliá-lo, pois o
Grande Mestre era o último guardião no Santuário, e somente ele possuía o
poder e o conhecimento total usar o selamento que seria decisivo naquela
batalha.
O combinado seria que ele viesse para selar Baal quando eu estivesse para
derrota-lo, pois eu sabia que tinha poder para isso. Nós dois achávamos que
Pedro teria poder para aprisionar Asmodeus, mas quando ele não conseguiu
isso, Davi mudou os seus planos na última hora, e resolveu se arriscar e ir em
socorro de Pedro. Baal e eu travávamos a nossa batalha, algo sem
precedentes até então, superior a qualquer Guerra Santa que tenha sido
travada posteriormente. Com imensa dificuldade eu consegui derrotar Baal, e
chamei Davi para aprisioná-lo, sem saber que ele já havia utilizado a mesma
técnica apenas poucos segundos antes.
Mas isso não tirou-lhe a coragem, e Davi fez o que tinha de ser feito, mesmo
sabendo dos riscos. Foi assim que, extremamente cansado depois de realizar
um esforço tão grande, Davi morreu, alertando-me de que chegaria o momento
em que o selo perderia poder, já que não fora utilizado com força total, e que
Asmodeus se libertaria no mesmo momento, pois a diferença de tempo entre
os dois aprisionamentos era tão pequena que eles agiriam em unidade. Davi
morreu nos meus braços e, mesmo ele tendo sido um Cavaleiro de Prata e
tendo sido menos poderoso do que eu, ele foi um Cavaleiro de Atena como eu
jamais fui ou serei, mesmo tendo vivido todos esses anos.
Depois, eu fui um dos poucos para os quais Yeshua apareceu quando seu
corpo ressuscitou, e ele me delegou uma missão importante, a mesma que
276
Atena havia me delegado: ficar vigilante, pois Baal retonaria um dia, e somente
eu poderia ter uma chance contra ele. Eu argumentei dizendo que muito tempo
poderia se passar até que Baal voltasse, e eu já não estaria mais vivo. Yeshua
decidiu, então, que eu deveria viver até que esse dia chegasse, mas previu que
minha extensão de vida terminaria no mesmo dia em que eu derrotasse Baal
novamente. Foi somente hoje que eu percebi que ele estava certo, e suas
palavras se confirmaram de uma forma simples, pois nessa batalha, aqui na
minha sala, Baal destruiu, sem querer, o que me mantinha vivo por todos esses
anos.”
- Finalmente tu vais revelar como pudeste viver por todos estes anos? – e
havia uma curiosidade indisfarçável na voz de Baal.
“Todos os dias em bebia água nele, e essa água renovava minhas energias,
deixando meu corpo quase imune ao efeito do passar dos anos. Eu envelheci
normalmente até os quarenta ou cinquenta anos, quando meu corpo ainda
gozava de seu vigor quase completo. Depois disso, meu corpo passou a
envelhecer muito lentamente, e julgo que ele não mudaria muito se mais cem
anos se passassem. Hoje, porém, Baal destruiu esse cálice, e minha hora de
morrer não demora a chegar. Por esse motivo, minhas últimas energias serão
usadas para derrotá-lo, e é por isso que já designei o meu sucessor, que deve
se encaminhar o quanto antes para esta sala, afim de assumir seu novo cargo
imediatamente, deixando sua antiga armadura para o seu sucessor.
Essa era a história que eu tinha que contar a vocês, uma confissão de todos os
meus erros, mas a mais pura verdade, uma verdade que eu evitei contar a
qualquer um durante longos e amargos anos. Julguem-me como quiserem, e
estão livres para amaldiçoarem o meu nome e a minha memória se quiserem.
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Não há nenhuma obrigação em recolher o meu corpo no campo de batalha
quando tudo estiver terminado, mas eu devo confessar que sempre esperei ser
enterrado dentro dos limites do Santuário, mesmo não merecendo um lugar
próximo a homens como Aslam, Crios e Davi. A escolha, agora, é de vocês.
Adeus.”
E a batalha começou!
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[b]CAPÍTULO XXI: [i]A Última Esperança[/i][/b]
O céu daquela vez, Girtab ainda lembrava, era azul e límpido, sem uma
única nuvem a maculá-lo, permitindo que o sol brilhasse em todo o seu
esplendor, sendo ele o único espectador daquela batalha que mudara os rumos
de toda uma era. Agora, uma nova batalha estava prestes a ter início, e ela
também implicaria no fim de uma era e no começo de uma nova, marcada
apenas por incertezas. Dessa vez, porém, o sol parecia não querer assistir ao
derramamento de sangue que estava por vir, e decidiu se ocultar atrás de uma
cortina de nuvens multicores: brancas, cinzas e negras.
279
Baal uniu as mãos, palma a palma, e concentrou sua energia. Mesmo
com o intenso calor daquela imensidão desértica, Girtab podia sentir um calor
maior irradiando do corpo do oponente, e ele já sabia o que estava por vir.
Desta vez o espetáculo elétrico foi mais intenso do que havia sido no
Santuário, embora sua potência não parecesse tão grande, uma vez que não
havia, no deserto, tantas coisas a serem destruídas com o impacto dos raios.
Baal estava concentrado em seu ataque, e viu seus raios atingirem Girtab em
cheio. Mas alguma coisa estava errada.
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- Maldito sejas! – gritou ele – Onde está a tua honra? Atacando-me pelas
costas?
- Não lhe ataquei sem prévio aviso, Baal, e isso é muito mais do que qualquer
um dos seus guerreiros teria feito em combate semelhante.
- Muito bem, se queres ser objetivo, sejamos. Mas previno-te de que tuas
agulhas não surtirão o efeito desejado em mim.
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- E por que não?
- Porque a dor é algo processado pela mente, e embora minha mente seja
quem controla este corpo, eu posso direcionar os estímulos de dor para a
mente inconsciente deste corpo.
- Sim.
Baal havia caído de joelhos, e sua única mão restante estava apertando
sua têmpora com força, fazendo pressão contrária a uma pressão interna em
seu crânio.
Todo o seu último grande plano havia corrido com perfeição, mesmo ao
custo do sacrifício do Papa Inocêncio. Porém, com Azazel aprisionado, seria
impossível que as [i]Chet[/i] fossem recriadas e, com Baal fora do caminho, o
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exército do portador da luz iria perder, com um único golpe, o seu líder e o seu
mais poderoso guerreiro. Gerion havia recebido instruções claras sobre como
agir, e Salomão e Cristos estavam a par dos demais planos emergenciais que
ele havia criado. Girtab confiava que Maria seria uma líder competente e,
auxiliada por Sacros, Salomão e Cristos, ela conseguiria por fim a essa Guerra
Santa antes que algo muito mais grave pudesse acontecer, e com muito menos
baixas do que normalmente teria acontecido.
A mão desceu célere como um raio, e o ar chiou quando foi cortado com
violência, e então Girtab sentiu o impacto do cutelo de sua mão contra algo
sólido. Porém, era algo sólido demais, e logo ele sentiu o seu corpo ser
repelido para longe, com grande violência.
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Próximo às ombreiras, o azul escuro que predominava na armadura era
rajado com listras irregulares, de um azul mais vivo e claro, e aí ficava evidente
à alusão ao céu tempestuoso, pois aquelas linhas eram raios. A veste era
encimada por um elmo, sem gorjal ou viseira, que tinha o formato da cabeça de
uma mosca, sendo que em seu topo, em cada lateral, também havia uma
granada amarela no local correspondente aos olhos. Além de uma série de
tachões de cor metálica, não havia nada de mais nas grevas, manoplas ou na
espádua da armadura, a não ser um par de asas trianguladas e de um azul
translúcido, que desciam até a altura das coxas de Baal.
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- Eu não... eu não... – balbuciou Girtab, aturdido pelo pavor.
- Não acreditas? – completou Baal por ele. – Neste caso, terei que
mostrar que isso é real.
- Haha, eis que aí está o todo poderoso Girtab, o Escorpião Imortal – zombou
Baal com desdém. – E, no entanto, ele é frágil e sangra como qualquer outro
homem. Adeus, Girtab de Escorpião.
A mão desceu rápida como uma águia, mas só atingiu a areia. Mesmo
assim, Baal vira o que acontecera, embora tarde o suficiente para poder
impedir.
- Quer dizer que ele tinha um reforço à espreita – disse o demônio, ainda de
costas para os dois salvadores do seu inimigo. – Para alguém que não
enxerga, tu foste muito preciso em teu movimento, Salomão de Libra.
- Para alguém tão cheio de si, dois inimigos a mais não deveriam significar
nada – falou o libriano. – Izzak e eu chegamos um pouco depois de eu os ter
enviado para cá, mas não interferimos na batalha em nenhum momento.
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- Mesmo que tivessem feito algo, isso seria irrelevante. O máximo que teriam
conseguido seria adiar por mais alguns instantes o irremediável fim que está
destinado a este mortal – disse Baal apontando para o corpo de Girtab.
- Hahaha – desdenhou Baal com uma risada grave, mas sem nenhum
divertimento real. –Falas de honra para mim? Se não me falha a memória, tu
estavas presente no dia em que eu renasci, e só não morreste por que outro
Cavaleiro de Ouro se interpôs entre nós e te protegeu do meu golpe, e eu
decidi poupá-los porque pretendia guardar forças para confrontar e matar
Girtab. Bem, independente de qual seja o escudo dourado que se interponha
entre nós desta vez, não há mais necessidade de eu te poupar, já que eu já
obtive o que pretendia.
- Não – disse Salomão com firmeza. – O Grande Mestre ainda está vivo.
- Temos? – repetiu Baal – Queres dizer que os dois lutarão comigo ao mesmo
tempo? E a honra, onde fica?
- Essa luta não é sua, Izzak – disse Salomão dando um passo à frente.
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- Você vai se negar a atender ao último pedido que o Grande Mestre lhe fez? –
indagou Salomão, austero como sempre – Não se trata de honra ou poder de
batalha, Izzak, mas sim de planos superiores, e você sabe o que isso significa.
- Girtab disse uma coisa antes de ser derrotado,e foi, talvez, uma das coisas
mais sensatas que eu já ouvi – interrompeu-os Baal.
- Ele disse
- Seu tolo, podias ter largado o corpo dele e ter fugido do meu golpe – disse
Baal, ainda com o punho pressionando o escudo dourado do libriano.
- Eu jamais faria isso. Eu jurei lutar por Atena para salvar esse mundo, e esse
homem que eu protegi é a grande esperança que temos de poder protegê-lo de
você e dos outros demônios.
- Realmente não, mas o que conta mesmo é por que e por quem eu morri.
- Perdoe-me por não chorar de comoção, mas é que pretendo guardar minhas
lágrimas para prantear a morte de vocês.
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E então ele chutou por debaixo do escudo que bloqueava seu punho,
mas seu pé foi detido pelo escudo do braço esquerdo, e o golpe não foi potente
o suficiente para causar danos tão graves quanto o que seu punho havia
provocado.
Olhando para baixo, esperando ver Girtab caído, Baal deu por si, mais
uma vez, privado de sua presa, que agora estava deitada atrás de um cavaleiro
de longos cabelos ruivos, que mantinha os braços abertos em sinal de
proteção, fazendo sua armadura dourada cintilar com a elevação do seu
cosmo.
- Áries! – gritou Baal, e ele estava realmente furioso. – Quantos ainda irão se
intrometer?
- Frixo! – disse falou Izzak com alegria, surpreso por ver o guardião da primeira
Casa Zodiacal fora do Santuário. – O que você faz aqui? Não entenda mal, eu
estou feliz por tê-lo aqui para nos ajudar, mas o Grande Mestre havia dado
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ordens para que você e os outro ficassem no Santuário, em suas respectivas
Casas.
- Foi a última vez que tu te interpôs entre um deus e o seu alvo, Cavaleiro de
Atena.
Baal esticou a mão mais uma vez, preparando o seu ataque, quando
percebeu que Salomão se levantava com dificuldades.
Por um momento, Salomão esperou que Baal fosse despejar toda a sua
fúria sobre ele, mas isso não ocorreu. Baal absorveu rapidamente a notícia,
como se isso fosse algo de pouca importância para ele, e então ele rebateu.
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- Nunca? Tens certeza disso? – e havia uma satisfação oculta em sua voz. –
Durante o tempo em que Girtab permitiu que eu freqüentasse sua sala, eu
gradativamente envenenei a água que ele bebia naquele maldito cálice que ele
usava, e ele jamais desconfiou. O curioso é que ele não morria com o veneno,
e eu realmente cogitei a possibilidade de ele ser realmente imortal.
- Ele sabia que você fazia isso, Baal – devolveu Salomão com um sorriso, e
esse sorriso foi maior ao ver a expressão do inimigo se fechar com o
desapontamento. – Ele permitiu que você continuasse fazendo isso, pois nada
de nocivo permanece nocivo quando depositado no Santo Graal. Era por esse
motivo que o Mestre sempre bebia água, e não vinho, e foi por isso que seu
veneno, a sua artimanha covarde para enfraquecer o Grande Mestre, não
funcionou. A grande verdade que se percebe por trás de tudo isso irrefutável.
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carregada de ódio e maldade. Os cabelos e os demais pelos do corpo
denunciavam que a estática se tornava mais poderosa a cada instante, e os
coriscos riscavam o céu, seguidos pelos trovões que ribombavam como
trombetas sopradas por gigantes.
- Eu sou um deus, e jamais senti ou sentirei medo de qualquer mortal, seja ele
um guerreiro de Atena ou não. Experimentei a fúria divina!
Em meio a tudo isso, Baal erguia-se a três metros do solo, com os raios
dançando a sua volta e sendo comandados pelo seu bel prazer. Sua armadura,
embora de um profundo tom escuro, parecia extremamente clara quando
contrastava com o céu acima dele. Seu sorriso presunçoso era indisfarçável, e
por qual motivo ele iria tentar escondê-lo, se a vitória era iminente? Alto e
robusto, incólume á fustigação dos raios e dos ventos, Baal erguia-se poderoso
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e imponente sobre os adversários abatidos, sendo ele a mais clara
representação de um deus vingativo e cruel.
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e o seu colar de contas. E lá estava ele, reto em meio a tempestade, tão
imponente quanto Baal, uma clara ameaça ao seu triunfo sobre os inimigos:
Girtab, o Escorpião Imortal, erguera-se uma vez para a batalha.
- Essa batalha não é de vocês – censurou-os Girtab, mas era evidente que
estava feliz por tê-los ali. – Agradeço por terem vindo em meu socorro, mas o
poder dele está além do alcance de vocês, até mesmo do meu. Voltem ao
Santuário e peçam desculpas a Grande Mestre por terem saído sem
autorização. Me felicita saber que vocês três me perdoaram pelos meus erros,
mas não quero que sejam punidos por sua lealdade a mim, pois a lealdade de
vocês é para com Atena e o Santuário.
- Mestre – disse Frixo, agora visível em meio às nuvens de areia, com seu
corpo ferido e coberto de sangue e lama, apoiado com o joelho para não cair -,
o senhor se enganou em uma coisa.
- No que, Frixo?
- E então, por que estão aqui? – indagou o velho escorpiano, com um quê de
desapontamento na voz.
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As lágrimas correram involuntárias pelo rosto de Girtab, mas elas
misturaram-se a chuva que escorria sobre seu corpo, e apenas ele soube que
chorara, embora desconfiasse que eles também sabiam.
- Não, Izzak, você não deve lutar – lembrou-lhe Salomão, agora apoiado em
seu ombro – você tem outro papel a realizar. O Grande Mestre havia me dado
instruções específicas, caso algo desse errado. Essa luta é do Cavaleiros de
Ouro.
- Como é possível que essa armadura exista se Azazel foi destruído? Essa não
é uma Chet de verdade.
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- Kali, a Morte, e Pazuzu, a Fome – respondeu Baal com certo prazer na voz. –
Foi divertido ver a ti a aos teus aliados tentando adivinhar quem eu recrutaria,
mas fico impressionado com a tua ousadia e compartilhar teus planos comigo,
mesmo já sabendo quem eu era enquanto usava o corpo do jovem guerreiro de
Yeshua.
- Sim, mas agora o teu precioso amigo Inocêncio está morto, e o sacrifício dele
para derrotar Azazel foi em vão. As Chet estão vivas novamente, e tu irás
morrer, como já sabes há tanto tempo.
- Você sempre tira conclusões precipitadas, Baal – falou Girtab – Não percebeu
nada quando Salomão disse que essa batalha era dos Cavaleiros de Ouro?
Baal ficou em silêncio, o que foi repetido pelos três Cavaleiros que lá
estavam. Frixo olhava Izzak e Salomão com uma expressão aturdida no rosto.
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paralisados em pleno ar por uma energia imensa, e já se prepararam para a
investida do inimigo quando sentiram seus pés tocando o solo novamente.
- Eu tenho outros planos para o que vai acontecer aqui. Na realidade, é o meu
último plano, um que eu tracei para a eventualidade de que tudo saísse errado
nos meus planos anteriores. Para isso, é de vital importância que vocês se
assegurem de proteger Izzak, mesmo que isso custe a vida de vocês. Posso
ainda pedir-lhes isso? Posso contar com esse último favor?
Baal descera novamente, e mais uma vez ele olhava Girtab com aqueles
olhos cheios de ira, mas agora um ar de desconfiança e desafio por detrás
deles. Ele ficou quase cara a cara o velho guerreiro, e então ele cerrou o punho
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esquerdo, num evidente preparo para um golpe frontal, esboçando um sorriso
que em nada amenizou a dureza de sua face.
- Como...quando?
- Eu disse que você nunca entende – falou Girtab enquanto arrancava, com um
puxão, o manto que lhe envolvia o corpo, revelando uma reluzente armadura
dourada a lhe proteger o corpo. – Na mesma batalha em que Inocêncio morreu
para aprisionar Azazel, morreu Serket, o Cavaleiro de Ouro de Escorpião. Com
a morte dele, a Armadura ficou sem dono, e a oitava Casa Zodiacal ficou sem
guardião. Agora que não sou mais o Grande Mestre, sou a única pessoa em
condições e com direito de assumir o posto. Mais uma vez, eu volto a ser
Girtab, o Cavaleiro de Ouro de Escorpião, o mesmo guerreiro que acabou com
você no passado, e que renasce no derradeiro instante, como a última
esperança de acabar com você, e eu juro, Baal: quando eu morrer, você virá
comigo.
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