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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU)


INSTITUTO DE ARTES (IARTE) - CAMPUS SANTA MÔNICA
ESCRITAS CÊNICAS E DRAMATÚRGICAS NOS SÉCULOS XX E XXI
Profa. Dra. Renata Kamla

ASSISTÊNCIA DA PEÇA “FRITZL AGONISTA”: apontamentos e desdobramentos

MARCIEL DOMINGUES FERREIRA JUNIOR1

O espetáculo inicia-se com uma cortina de fumaça no palco, a partir da qual


entra a (única) personagem, a qual começa a subir uma escada que está no palco e
simula o conserto de uma fiação elétrica, oportunidade que a fumaça se dispersa
revelando a ambiência construída pelo cenário que induz à uma percepção de um
local fechado e melancólico, algo como um porão fechado, abafado, frio, sujo e cheio
de quinquilharias.

Nesse primeiro momento, em que a personagem está focada no contato com a


fiação, ela sofre uma descarga elétrica, e expressa uma dor agonizante,
demonstrando uma face além de “ser” humano, na verdade algo como um monstro
em sua essência, insipiente da racionalidade e movido apenas pelo instinto
animalesco de uma criatura pura em sua crueldade.

Após esse momento de agonia a personagem se recompõe e toma a


naturalidade de ser humano, o que pode ser percebido, inclusive, pela capacidade de
fala dela, quando se volta para um outro ser denominado de Natasha. Nesse instante,
ao começar a falar, ele começa a demonstrar certa ternura e sentimento fraterno pela
Natasha, explicando a ela sobre “monstros” e monstruosidades ocasionadas pela
“normalidade” da sociedade.

Nesse ponto, a própria personagem começa se reconhecer nessa normalidade


e, por isso, começa a utilizá-la para justificar as próprias ações, como que, a partir das
ações dele, fosse para protegê-la.

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Bacharel em Direito pela Faculdade Quirinópolis (FAQUI). Pós-graduando em Educação e Diversidade pelo
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). Pós-Graduado em Direito Penal e
Processo Penal pelo Instituto Elpidio Donizetti (IED). Pós-Graduado em Direito Constitucional pelo Instituto
Elpidio Donizetti (IED). Graduando do curso de Teatro pelo Instituto de Artes (IARTE) da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Endereço Eletrônico: marcieldominguesferreirajunior@gmail.com
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Sendo que, ao mesmo tempo que mostra sentimento de querer cuidar de


Natasha, também demonstra a ganância de vê-la como um objeto, cujo poderio
pertence a ele de forma absoluta, como que um brinquedo em que ele pode usar o
tanto quanto quiser.

Enquanto vai mostrando e justificando a própria crueldade a partir de


argumentos sobre um mundo vil e cruel, a personagem vai se despindo aos poucos,
até que chega ao ponto de estar seminu. Quando chega a esse momento, Natasha,
representada por um bolo em sua graciosidade e delicadeza, é completamente
devorada e destruída de um modo sujo e grotesco, destruindo-a em sua essência.

Sobre a peça, conforme extraído em entrevista ao próprio professor e ator


Narciso Telles, interprete da personagem principal da peça, o texto Fritzl Agonista é
de autoria do diretor e ator argentino Emilio García Wehbi, sendo o texto traduzido
para língua portuguesa pelo próprio Narciso Telles e por Karina Silva. De modo que a
proposta ora apresentada era a de falar sobre o assédio e da violência a partir de
casos reais – caso Natascha Kampusch e o caso Josef Fritzl – que ocorreram na
Áustria e que são a base do texto de Wehbi.

Em relação ao processo de montagem, a peça dirigida por Rafael Michaliche,


que juntamente com Narciso Telles construíram toda essa dramaturgia relacionada
ao enredo e ao cenário, os ensaios foram praticados a partir dessa ideia de
confinamento e cativeiro para uma perspectiva dual de homem/monstro e
homem/homem, sendo esse último o homem comum que se encontra na rua e que,
por vezes, pode acabar cometendo esse tipo de crime, sendo um homem alegórico
monstro que muitas vezes podemos imaginá-lo como a ideia da perversão, sendo
essa também, uma das ideias gerais da peça.

Assim, conforme ainda explicado por Narciso, em entrevista, o processo dessa


peça ocorreu com ensaios a partir da própria dramaturgia proposta, de maneira a
construir atmosferas diferentes para cada momento do Fritzel, como a escada e o
bolo. De modo a explicitar o lugar mais grotesco, bem, como do homem/monstro,
provocando essa ideia para um debate voltada à reflexão de, ao contrário do que
ocorre na maioria das peças que dão voz às vítimas, ao dar voz ao assediador em
uma peça como a de Fritzel temos essa consciência de que há outros Fritzel`s no
mundo, levando, assim, o espectador a refletir e impedir que ações assim aconteça.

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