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6 DE JANEIRO DE 2003

MICHAEL A. ROBERTO

GINA M. CARIOGGIA

Monte Everest – 1996


Feitos incríveis e grandes tragédias ocorreram nas traiçoeiras encostas do Monte Everest na
primavera de 1996. Noventa e oito homens e mulheres escalaram o cume com sucesso, mas,
tristemente, 15 pessoas perderam suas vidas. Só em 10 de maio, 23 pessoas atingiram o topo,
incluindo Rob Hall e Scott Fischer, dois dos alpinistas de grande altitude mais experientes do mundo.
Infelizmente, Hall, Fischer e três outros morreram quando uma tempestade cobriu a montanha
durante sua descida. Outros escaparam com vida depois de vagarem por horas na escuridão,
enfrentando temperaturas abaixo de zero. Desde então, muitos tentaram entender o que aconteceu
naquele dia.

História do Everest
O Monte Everest eleva-se a 8.850 metros acima do nível do mar, e sua face culminante separa o
Nepal do Tibete.1 Enquanto trabalhava em Calcutá, na Índia, em 1852, Radhanath Sikhdar foi o
primeiro a calcular que este pico da cadeia do Himalaia era mais alto que qualquer outra montanha
do mundo. Muitos anos mais tarde, Sir Andrew Waugh, topógrafo geral britânico na Índia,
renomeou a montanha com o nome de seu antecessor Sir George Everest.2 Não surpreende que os
nativos residentes na região já tivessem um nome para o majestoso pico. O povo nepalês referia-se ao
cume como Sagarmatha, que significa deusa do céu, e os tibetanos usavam o nome Chomolungma,
que significa deusa do universo.3

A primeira expedição propôs-se a escalar o Everest em 1922, mas a equipe britânica liderada por
George Mallory não alcançou o cume. Em 1924 Mallory e seu parceiro na escalada desapareceram
durante outra tentativa. Ao todo, 15 expedições tentaram alcançar o topo e 24 homens morreram
antes que uma equipe tivesse sucesso.4 Em 29 de maio de 1953, Sir Edmund Hillary da Nova Zelândia
e Tenzing Norgay do Nepal alcançaram o topo. Os dois homens tornaram-se lendas instantâneas pelo
mundo afora.

Logo em seguida, outros formaram expedições e tentaram escalar o Everest. No início dos anos 80,
mais de 100 alpinistas haviam chegado ao topo, embora muitos outros tivessem morrido em seus
malfadados esforços.5 Uma expedição de 1985 marcou uma grande virada na história das tentativas
ao cume. O perito alpinista americano David Breashears conduziu um rico negociante Texano de 55
anos, Dick Bass, até o topo da montanha. Logo, alpinistas menos experientes começaram a desejar
escalar o Everest, e montanhistas de grande talento identificaram a oportunidade de lucrar ajudando

Caso LACC # 305P01 é a versão traduzida para Português do caso # 303061 da HBS. Os casos da HBS são desenvolvidos somente como base para
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Monte Everest - 1996

esses indivíduos a realizar seus sonhos. O número de expedições comerciais começou a aumentar
dramaticamente.6 O número de ascensões bem sucedidas totalizava 846 pelo final de 1996, sendo que
metade havia ocorrido nos últimos cinco anos.7 Estas notáveis realizações não vieram sem custo; 148
pessoas pereceram no período.8 (Para maiores informações sobre a história do Everest, ver Anexos 1 e 2.)

As Expedições de 1996
Trinta expedições partiram para a escalada do Monte Everest em 1996.9 Hall e Fischer lideraram
duas das maiores expedições comerciais. Um alpinista perito tipicamente organizava e liderava cada
um desses empreendimentos com fins lucrativos. O líder de uma expedição comercial servia de guia
para os indivíduos que desejassem obter auxílio para sua escalada. Cada cliente pagava uma taxa
substancial para participar da expedição. Hall, por exemplo, cobrava US$ 65.000 por cliente, a taxa
mais alta de qualquer guia do mundo.

Muitos outros alpinistas de renome mundial tentaram escalar o Everest em 1996. Por exemplo,
David Breashears e Ed Visturs lideraram uma expedição que produziu um filme IMAX sobre o
Everest. Estes dois homens haviam atingido o topo em várias ocasiões e haviam escalado muitas das
mais altas montanhas do mundo. Em contraste, algumas expedições exibiam uma alarmante falta de
experiência em alpinismo de grande altitude. Em particular, muitas pessoas expressavam sua
preocupação com a capacidade dos alpinistas taiwaneses, sul-africanos e noruegueses. Uma pessoa
fez o seguinte comentário sobre o time taiwanês: “Preferia estar na montanha com o time de trenó da
Jamaica.”10 Quando Hall começou a encontrar os membros de várias expedições, também expressou
sua preocupação com algumas das outras equipes. “Com tanta gente incompetente na montanha,
acho bem improvável que passemos por esta temporada sem que alguma coisa ruim aconteça lá em
cima.”11 Entretanto, de acordo com um observador, “O Rob achava que não ia ser ele; ele só estava
preocupado em ‘ter que tirar outra equipe do sufoco.’”12

Adventure Consultants
Em 1990, Hall e seu parceiro Gary Ball escalaram os Sete Cumes – os mais altos picos em cada um
dos sete continentes do mundo – num período de sete meses. Isso incluiu uma ascensão bem
sucedida do Everest – a primeira de Hall após duas tentativas fracassadas na década anterior. Os
parceiros financiaram este empreendimento através de patrocínios empresariais. Então, em 1992, os
dois homens fundaram a Adventure Consultants [Consultores em Aventura], uma empresa que
visava gerar lucros organizando e liderando expedições guiadas aos mais altos picos do mundo.13 A
empresa teve um sucesso rápido e considerável, mas infelizmente Ball morreu de um edema cerebral
numa expedição de 1993. Hall continuou a administrar a firma após a morte de seu sócio, e pelo final
de 1994 havia conduzido 39 clientes ao topo do Everest.14

No início de 1995, Hall anunciava outra expedição para o Everest: “Sucesso de 100%! Peça nosso
folheto colorido.”15 Entretanto, fracassou em conduzir qualquer cliente ao topo. Devido a neves
profundas que retardaram a escalada do grupo, Hall fez todos voltarem logo antes do cume,
acreditando que não o alcançariam a tempo de descer com segurança. Em 1996, Hall montou outra
vez uma expedição ao Everest, ansioso por provar que o fracasso do ano anterior era devido à
natureza e não a sua capacidade de guia.

Hall contratou Mike Groom, um alpinista australiano de 33 anos, e Andy Harris, um neozelandês
de 31, para servir como guias em sua expedição ao Everest de 1996.16 Groom tinha extensa experiência
em alpinismo de grande altitude e havia escalado o Everest sem oxigênio suplementar. Harris nunca

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havia tentado subir o Everest, embora houvesse escalado um pico muito difícil de 6.683 metros no
Himalaia. Além disso, havia guiado alpinistas nos Alpes Meridionais da Nova Zelândia.17

Hall também empregava sete xerpas para auxiliá-lo. Xerpas são montanheses que vivem no
Nepal, na região de Khumbu. Acostumados a viver e trabalhar em grandes altitudes, os xerpas
freqüentemente davam assistência àqueles que embarcavam em expedições para escalar o Himalaia.
Muitos grupos contratavam xerpas para transportar material e mantimentos à montanha. Alguns
xerpas escolhidos acompanhavam expedições até o cume, firmando cordas ao longo da rota dos
alpinistas. Os xerpas gozavam das compensações e do status social que vinham com a participação
nessas expedições, mas muitos perdiam a vida ao longo dos anos. Até 1996, 53 xerpas haviam
morrido na montanha, mais de um terço de todas as baixas no Everest.18

A Adventure Consultants recrutou oito clientes para juntar-se à expedição ao Everest de 1996.
Nenhum dos clientes havia jamais completado uma subida bem sucedida ao Everest, assim como
nenhum deles havia escalado qualquer outro pico acima de 8.000 metros. A seleção de Hall incluía
três médicos que almejavam escalar o Everest: Beck Weathers, Stuart Hutchison e John Taske.
Weathers, um patologista de Dallas, convenceu-se de que deveria tentar a escalada após ouvir a
respeito da subida bem sucedida de Bass. Weathers explicou:

Bass mostrou que o Everest estava no campo do possível para caras normais. Supondo que
você esteja razoavelmente em forma em tenha alguma poupança, acho que o maior obstáculo é
provavelmente tirar férias do trabalho e largar a família por dois meses.19

Frank Fischbeck e Doug Hansen estavam voltando ao Everest após várias tentativas mal
sucedidas de alcançar o topo. Fischbeck havia tentado escalar o Everest três vezes diferentes com
outro guia comercial, chegando apenas a cem metros do topo em uma ocasião.20 Hansen, um membro
da expedição de 1995 da Adventure Consultants, inicialmente expressou relutância em retornar ao
Everest. Entretanto, Hall convenceu-o pessoalmente, oferecendo a Hansen um desconto na taxa da
expedição. Hall sentia-se mal por não ter sido capaz de guiar Hansen ao topo em 1995.

John Krakauer, jornalista da revista Outside, também se juntou à expedição através de um acerto
especial com Hall. Nos últimos dois anos, Fischer havia tentado convencer Krakauer a juntar-se a
uma de suas expedições ao Everest. Ele acreditava que um artigo de Krakauer daria grande
publicidade a sua empresa em crescimento. Entretanto, as negociações entre Fischer e a revista
Outside foram suspensas em janeiro de 1996, e Hall fez aos editores uma oferta mais atraente. Ele
negociou espaço de anúncio na revista em troca do pagamento pela expedição de Krakauer. Ávido
montanhista, Krakauer tinha pouca experiência em grande altitude. Antes de partir para o Nepal, ele
garantiu à mulher que não iria muito mais alto que o Acampamento Base, localizado a 5.364 metros
de altitude.

Lou Kasischke e Yasuko Namba completavam a equipe da Adventures Consultants.


Diferentemente de seus companheiros de equipe, estes dois clientes haviam escalado seis dos Sete
Cumes; só lhes havia escapado o Everest. Namba também era a única mulher do grupo. (Para uma
lista completa dos guias e clientes em ambas as expedições de Hall e Fischer, ver Anexo 3.)

Mountain Madness
Em 1984, Fischer fundou a Mountain Madness [Loucura pela Montanha], uma empresa que
oferecia cursos de montanhismo e expedições guiadas. Ao longo dos anos, Fischer havia conseguido
uma bela reputação por suas façanhas ousadas. Aqueles que o encontravam ficavam freqüentemente
impressionados com sua ambição, sua personalidade carismática e seu desejo de ser respeitado por

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seus colegas; seu assessor de imprensa observou: “O reconhecimento era importante para Scott. Ele
ansiava por isso. Ele tinha um lado vulnerável que a maioria não via.”21 Em 1994, em sua quarta
tentativa, Fischer atingiu o topo do Everest sem usar oxigênio suplementar.22 Fischer também escalou
muitos outros picos de 8.000 metros na década de 90. Finalmente, em 1996, decidiu organizar uma
expedição comercial ao Everest. Um assistente descreveu as motivações de Fischer para ser guia no
Everest, “Acho que ele olhava o sucesso de Rob Hall e pensava...’Se ele pode, eu posso.’”23 Na partida
de Fischer ao Nepal, um jornalista perguntou-lhe como sua família se sentia a respeito dos riscos de
uma subida ao Everest. Fischer ofereceu a seguinte resposta:

Eu acredito 100 por cento que eu volto...Minha mulher acredita 100 por cento que eu volto.
Ela não se preocupa comigo quando sou guia porque vou fazer todas as escolhas certas.
Quando acidentes acontecem, acho que é sempre falha humana. Então é isso que eu quero
eliminar.24

Fischer empregava dois guias para auxiliar clientes em sua expedição. Anatoli Boukreev era um
perito montanhista de grande altitude e um experiente guia vindo da Rússia. Ele havia escalado sete
das mais desafiadoras montanhas do mundo, incluindo o Everest, sem usar oxigênio suplementar.
Faltava a Neil Beidleman, o outro guia da expedição da Mountain Madness, o prestígio e a
experiência de Boukreev. Mesmo com sua vasta experiência, Boukreev reconhecia os perigos
inerentes à escalada do Everest. Quando Fischer recrutou-o para juntar-se à expedição, Boukreev
ofereceu o seguinte conselho:

Não há margem para erros. Você precisa de tempo bom e muita sorte. Você precisa de guias
qualificados, de alpinistas profissionais que conheçam grandes altitudes e montanhas. E
clientes? Você precisa selecioná-los com cuidado; você precisa de gente que possa assumir as
responsabilidades e os desafios da grande altitude. Isto não é o Monte Rainier. Escalar em
grande altitude requer um conjunto diferente de regras. Você tem que gerar autoconfiança em
seus alpinistas porque você não pode segurar as mãos deles o tempo todo.25

Os clientes de Fischer incluíam Sandy Pittman, uma conhecida socialite de Nova York, que
escrevia para as revistas Allure e Condé Nast Traveler. Fischer recrutou-a depois de falhar em
convencer Krakauer a ser seu cliente. Pittman planejava enviar relatórios diários pela Internet para a
NBC Interactive Media durante a escalada. Desde 1990 ela estava engajada numa campanha,
divulgada mundialmente, para escalar os Sete Cumes. Pittman precisava subir o Everest para
completar sua prova; ela havia fracassado em duas tentativas anteriores de alcançar o topo. Embora
não lhe faltassem destreza e experiência, muitos alpinistas experimentados não a tinham em alta
conta. Consideravam-na uma “diletante pretensiosa” e não gostavam “de seu jeito desavergonhado
de correr atrás dos holofotes.”26 Um dos amigos de Fischer descreveu sua motivação para recrutar
Pittman: “Scott via-a como uma pessoa importante, especial. Se ele levá-la ao topo, ôba!...Ela vai
escrever sobre ele; vai falar dele; vai carregá-lo na onda de sorte que ela teve.”27

Pete Schoening, uma lenda do montanhismo, também se juntou à equipe da Mountain Madness.
Schoening havia-se tornado uma figura respeitada na comunidade dos montanhistas ao resgatar
heroicamente seis companheiros durante uma expedição ao Himalaia em 1953. Agora com 68 anos,
queria tornar-se o mais velho a alcançar o topo. Klev, sobrinho de Schoening, acompanhava-o na
expedição. Klev, esquiador de encostas, não tinha muita experiência em grandes altitudes.28

Dale Kruse, um grande amigo de Fischer da área de Seattle, forneceu o capital inicial para a
expedição. A presença de Kruse criou um certo mal-estar no grupo, porque ele tinha um histórico de
doença em grande altitude.29 Lene Gammelgaard, Martin Adams, Charlotte Fox e Tim Madsen
completavam o grupo. Gammelgaard esperava tornar-se a primeira Escandinava a alcançar o topo.
Adams, um operador de Wall Street, tinha certa experiência em alpinismo, embora não se tivesse

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aventurado acima de 7.400 metros. Fox já tinha dois picos de 8.000 metros em seu cartel e anos de
experiência em alpinismo. Madsen, um patrulheiro de esqui, não tinha experiência em grande
altitude, mas treinara intensivamente com Fox antes da Expedição ao Everest.

Ao avaliar sua equipe, Fischer reconhecia que vários clientes não haviam passado muito tempo
em grande altitude. Entretanto, ele não parecia preocupado. Perguntado a respeito, disse:

A experiência é supervalorizada. Importante é a atitude, não a altitude...Temos toda a ficha


do grande E, já instalamos toda a fiação nele. Hoje em dia, vai por mim, construímos uma
estrada maravilhosa até o topo.30

A Viagem ao Acampamento Base


Em 31 de março de 1996, membros da expedição de Hall reuniram-se em Katmandu, no Nepal.
Muitos alpinistas encontraram-se pela primeira vez no Nepal. Viajaram de helicóptero de Katmandu
a Lukla, um vilarejo himalaio localizado a uma altitude de 2.804 metros.31 Dali, iniciaram a caminhada
pela estrada até o Acampamento Base, andando aproximadamente três a quatro horas por dia. Os
alpinistas comeram e dormiram em pousadas localizadas em vilarejos himalaios ao longo do
caminho. O ar poluído e as condições anti-higiênicas nos vilarejos mostraram-se um problema;
muitos alpinistas chegaram ao Acampamento Base com distúrbios respiratórios e digestivos.
Krakauer pegou uma tosse persistente, enquanto Harris, Kasischke e Taske sofreram distúrbios
intestinais.32 Beidleman também pegou uma tosse severa; alguns se perguntavam se sua condição
física não inibiria sua capacidade de servir como guia durante a escalada.33

Fischer lidou com uma série de problemas logísticos inesperados durante a jornada até o
Acampamento Base. Primeiro, um problema na alfândega numa passagem da fronteira russa atrasou
a entrega do suprimento de oxigênio da equipe da Rússia ao Nepal. A questão da alfândega não dizia
respeito aos tubos de oxigênio, mas a um item que por acaso estava no mesmo caminhão, porém não
relacionado à expedição ao Everest. Um problema com um vôo fretado prejudicou a entrega da
barraca para grande altitude. No Nepal, o tempo ruim retardou a progressão dos iaques que
carregavam suprimentos de Katmandu ao Acampamento Base. Em seguida, irrompeu um conflito
com carregadores nepaleses, porque estes decidiram exigir um grande aumento de salário. Isto
também impediu a entrega de oxigênio e outros suprimentos ao Acampamento Base. Todos estes
problemas logísticos criaram um imenso peso sobre Fischer. Ele passou um tempo considerável
resolvendo estas questões, em vez de planejar o curso de ação da equipe ou de se aclimatar
adequadamente à maior altitude. Muitos notaram que ele parecia às vezes exausto durante os
primeiros dias da expedição.34

A equipe de Fischer chegou ao Acampamento Base em 8 de abril, e o grupo de Hall no dia


seguinte. O Acampamento Base consistia em um grande agrupamento de barracas que forneciam
abrigo a alpinistas de várias expedições. O complexo incluía uma enorme barraca-sede que os xerpas
reabasteciam regularmente com comida fresca e bebidas dos vilarejos abaixo. Além disso, o
Acampamento Base tinha duchas de campanha e uma barraca de comunicações que possibilitavam
aos alpinistas manter contato com pessoas do mundo inteiro. Estas instalações tornaram-se a casa dos
alpinistas pelas seis semanas seguintes.

Assim que chegou ao Acampamento Base, Boukreev começou a tirar conclusões sobre a
capacidade e a preparação de seus clientes. Ele mantinha reservas a respeito de alguns alpinistas:

Eu estava preocupado com o nível geral de prontidão e capacidade da


equipe...[particularmente] com as pessoas que não tinham nenhuma experiência de ataque a

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grandes altitudes...Nossa prática no treinamento e desenvolvimento dos alpinistas era de


firmar sua experiência e confiança por um longo período, começando com montanhas de
menor nível e formando-os como “diplomados” em 8.000 metros quando estivessem
preparados. Aqui, eu entendi, como havia sido o caso em outras expedições comerciais, eu
havia sido contratado para preparar a montanha para as pessoas ao invés do contrário.35

Krakauer também se sentia inquieto às vezes. Embora tivesse feito uma boa amizade com Hansen,
ele não se sentia tão confortável com os outros. Krakauer lembrou suas preocupações:

Eu não sabia ao certo o que pensar de meus companheiros. Em termos de perspectiva e


experiência eles não eram nada parecidos com os alpinistas durões com quem eu costumava ir
às montanhas. Mas eles pareciam caras legais, decentes...Em grande parte eu atribuía meu mal-
estar crescente ao fato de nunca ter feito uma escalada como membro de um grupo tão grande
– nada menos que um grupo de completos desconhecidos.36

Vários alpinistas preocupavam-se em saber se podiam confiar nos outros membros da equipe em
tempos difíceis. Muitos também se preocupavam com o que os outros pensavam deles. Ficavam
agitados com a possibilidade de não serem aceitos por seus companheiros de equipe. Boukreev disse
que achara difícil desenvolver relacionamentos com outros alpinistas, em parte porque não falava
inglês fluentemente. Krakauer também lamentava não ter laços fortes com seus companheiros:

No alpinismo, confiar em seus parceiros não é um problema menor. As ações de um


alpinista podem afetar o bem-estar da equipe inteira...Mas confiar no parceiro é um luxo
negado àqueles que se inscrevem numa subida guiada.37

Embora os clientes mantivessem dúvidas uns sobre os outros, permaneciam confiantes em suas
própria capacidade. Krakauer lembrou o que sentira ao chegar ao Acampamento Base:

Quando chegou a hora de cada um de nós avaliar sua própria capacidade e pesá-la contra
os formidáveis desafios da montanha mais alta do mundo, parecia às vezes que metade da
população no Acampamento Base sofria de ilusão patológica.38

Aclimatação
Em meados de abril, os alpinistas começaram a aclimatar-se às extenuantes atividades físicas em
grandes altitudes. A rotina de aclimatação consistia de uma série de escaladas cada vez mais difíceis,
com intervalos para repouso e recuperação. À medida que as expedições realizavam estas escaladas,
elas estabeleciam acampamentos adicionais ao longo do caminho até o topo (ver Anexo 4 para um
mapa da rota da escalada). As expedições subiam e desciam porções da rota durante a série de
escaladas, descansando à noite nos acampamentos que haviam montado. De acordo com o plano,
escalaram até algumas centenas de metros além do Acampamento III durante os exercícios. Quando
os grupos completaram a rotina de aclimatação, voltaram ao Acampamento Base para descansar e
preparar-se para o esforço final rumo ao topo.

A maioria das expedições seguia um padrão similar nos exercícios de aclimatação. Sem isso, os
alpinistas ficariam mais suscetíveis a doenças de altitude. Em particular, os alpinistas queriam evitar
o edema pulmonar de grande altitude (HAPE), uma condição em que líquidos acumulam-se nos
pulmões, e o edema cerebral de grande altitude (HACE), ou inchamento do cérebro. Ambas as
doenças podem ser mortais a não ser que o alpinista desça rapidamente a uma altitude menor – feito
difícil para alguém debilitado.

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Embora a aclimatação ajudasse a prevenir doenças, ela não preparava completamente os


alpinistas para a escassez de oxigênio em grandes altitudes. Por isso, muitos alpinistas planejavam
levar garrafas de oxigênio durante a subida final ao topo. Ao longo dos anos, 60 pessoas conseguiram
escalar o Everest sem oxigênio suplementar, incluindo Groom, Boukreev e Fischer.39 Em 1996,
entretanto, só Boukreev planejava subir sem ele. Isso preocupava vários alpinistas, que acreditavam
que os guias devessem sempre usar oxigênio suplementar para garantir que teriam capacidade física
e mental para dar assistência aos clientes.40 Mesmo com garrafas de oxigênio, subir até o topo do
Everest permanecia um enorme desafio. Breashears descreve a sensação: “Escalar acima de 26.000 pés
[7.800 metros], mesmo com garrafas de oxigênio, é como correr na esteira respirando por um
canudo.”41

A aclimatação começou com uma cansativa travessia pela Queda-de-Gelo de Kumbu, uma das
áreas mais perigosas da montanha. A queda-de-gelo ficava onde uma geleira maciça emergia da
parte baixa de um longo vale. Os movimentos da geleira criavam uma área traiçoeira cheia de fendas
profundas e pedaços instáveis de gelo que se elevavam sobre a rota da escalada. Em muitas áreas, os
alpinistas andavam sobre escadas estendidas horizontalmente através das fendas. Enquanto
caminhavam por entre as torres de gelo, torciam para não cair numa fenda ou ser enterrados por uma
avalanche.

Ao realizar os exercícios de aclimatação cada vez mais exigentes, Krakauer começou a ter dúvidas
sobre sua capacidade de alcançar o topo. Num certo ponto, expressou suas preocupações a Hall. O
líder da expedição respondeu, “Já deu certo 39 vezes, companheiro, e alguns dos caras que chegaram
lá em cima comigo eram quase tão patéticos como você.”42 Ao refletir mais tarde sobre esses
momentos de dúvida pessoal, Krakauer lembrou que Hall “gabou-se em mais de uma ocasião de que
conseguia colocar qualquer pessoa razoavelmente em forma no topo da montanha, e seu histórico
parecia justificar o que dizia.”43

Embora muitos alpinistas tivessem ido razoavelmente bem nos exercícios, alguns encontraram
sérias dificuldades. Por exemplo, Hansen descobriu estágios iniciais de congelamento em vários
dedos do pé. Sua laringe também congelou num dado momento.44 Chateado, Hansen descartou suas
chances de alcançar o topo. Hall incentivou Hansen a não desistir. Pete Schoening também enfrentou
obstáculos durante os exercícios de aclimatação; suas dificuldades respiratórias forçaram-no a usar
garrafas de oxigênio ainda no Acampamento Base. Isso preocupava Fischer porque ele havia
encomendado oxigênio apenas para uso em grandes altitudes. Ele não esperava que alguém
precisasse dele durante os estágios iniciais da subida.

Os problemas de Schoening continuaram durante o segundo exercício de aclimatação. Quando ele


falhou em completar a escalada com sucesso, Fischer acompanhou-o de volta ao Acampamento Base.
Mais tarde, quando o resto gozava um mais que necessário descanso, Fischer acompanhou Schoening
numa segunda tentativa de alcançar o Acampamento II. Neste momento, Boukreev ficou preocupado
com a condição física de Fischer:

Scott parecia cansado...era minha impressão que ele estava esgotado pelos problemas
logísticos com que estivera lidando, e porque havia descansado muito pouco, depois de sua
última excursão de aclimatação.45

Infelizmente, os problemas da equipe da Mountain Madness se intensificaram nos dias seguintes.


Ao descerem do Acampamento II, Fischer e Schoening encontraram Ngawang Topche, um xerpa que
parecia doente. Fischer instruíu-o a voltar ao Acampamento Base e procurar auxílio médico. Topche
preferiu ignorar o conselho de Fischer e continuou a subir. Quando ele chegou ao Acampamento II,
ficou claro que estava sofrendo de HAPE. Como o resgate por helicóptero era quase impossível numa
tamanha altitude, Beidleman e Madsen carregaram Topche montanha abaixo enquanto lhe davam

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grandes quantidades de oxigênio. No Acampamento Base, Topche não reagiu aos tratamentos usuais.
Assim, Fischer conseguiu transporte para um hospital local, onde Topche morreu semanas depois.46

Apesar desses desafios, as expedições completaram seus exercícios de aclimatação e voltaram ao


Acampamento Base no final de abril. Lá ficaram uma semana antes de iniciar seu arranque para o
topo. As expedições pretendiam efetuar sua investida ao topo durante o início de maio porque
parecia ser a melhor oportunidade para boas condições de tempo no alto da montanha. Os guias
reconheciam que só teriam uma pequena janela de oportunidade entre as fortes correntes de abril e a
estação de monções mais tarde na primavera. Nos últimos cinco anos, esta programação havia
funcionado de maneira notável; alpinistas haviam tido tempo bom no cume em cada temporada de
escalada. Entretanto, Breashears lembrava-se de vezes em que alpinistas encontraram condições
muito mais duras:

Várias temporadas com tempo bom levaram as pessoas a considerar o Everest benevolente.
Mas em meados da década de 80 – antes que muitos guias tivessem estado no Everest – houve
três temporadas [de escalada] seguidas em que ninguém escalou a montanha por causa do
vento feroz. O Everest pode ser um lugar onde as pessoas não conseguem enxergar ou andar,
onde barracas são destroçadas, onde os melhores acessórios de alta tecnologia não podem
salvá-lo.47

A Investida ao Topo
As expedições planejavam partir do Acampamento Base em 6 de maio para iniciar seu esforço
rumo ao topo. Enquanto os alpinistas completavam suas preparações finais, Hall enfatizava que os
clientes deviam seguir suas instruções durante a subida, ainda que isso significasse voltar antes de
atingir o topo:

Não vou tolerar dissensão lá em cima. Minha palavra é lei absoluta, inapelável. Se vocês
não gostarem de uma decisão específica que eu fizer, eu ficarei feliz em discutir com vocês
mais tarde, mas não enquanto estivermos em cima da montanha.48

Krakauer entendia a razão para essas regras básicas estritas. Ele lembrou que pensara, “Por
segurança, um guia responsável sempre vai insistir em ser o dono da bola – ele ou ela simplesmente
não pode se dar ao luxo de deixar cada cliente tomar decisões importantes de modo independente.”49

Hall explicou suas outras regras e procedimentos aos clientes. Os três guias (Hall, Harris e Groom)
se distribuiriam pelos clientes durante a escalada. Cada um levaria rádios, embora seus clientes não.
O plano de Hall previa que um dos guias escalaria à frente do grupo e outro serviria de “varredor”,
dando assistência aos clientes na retaguarda. O terceiro guia escalaria no meio do grupo. Desse
modo, nenhum cliente se encontraria longe de um guia ou rádio a qualquer tempo.

Fischer planejava seguir a disciplina de escalada de Hall durante sua investida ao topo, e ele
também trouxe somente poucos rádios. Quando Adams viu os rádios, ficou preocupado:

Hoje em dia você tem esses ótimos radinhos que não pesam quase nada, e que cada um dos
alpinistas deveria ter porque o custo [físico] de carregá-los é zero...Scott mostrou uns rádios
velhos de 10 canais, e eu disse, “Esses são os rádios que nós vamos usar!” E ele respondeu, “É,
só tenho isso.”Na minha opinião, os rádios eram uma piada. Foi um grande deslize dele ir até
lá com esses modelos ultrapassados.50

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Monte Everest - 1996

Antes de partir do Acampamento Base, Hall e Fischer lembraram a suas equipes a importância de
aderir à programação do dia no cume. A investida final teria lugar em 10 de maio, e exigia uma
dificílima caminhada de ida-e-volta de 18 horas do Acampamento IV ao topo. Os indivíduos
enfrentariam um enorme perigo caso não atingissem o topo ao meio-dia, porque nesse caso a descida
demoraria até a noite e iria faltar oxigênio suplementar. Os alpinistas precisariam dar meia-volta se
percebessem que não alcançariam o topo até o meio da tarde. Entretanto, Hall e Fischer sabiam que
os indivíduos achariam difícil dar meia-volta depois de chegar tão longe e despender tanto esforço.
Guy Cotter, um guia que escalara o Everest com Hall no passado, descreveu o problema que haviam
enfrentado em tentativas anteriores ao topo: “É muito difícil fazer alguém voltar do cume da
montanha. Se um cliente vê que o topo está perto e está firmemente decidido a chegar lá, vai rir da
sua cara e continuar subindo.”51

Hall e Fischer falavam com frequência da necessidade de estabelecer uma hora pré-determinada
para a meia-volta, para evitar uma situação perigosa. Na verdade, seis semanas apenas antes da
escalada, um jornalista havia escrito uma matéria sobre a famosa “Regra das Duas Horas” de Fischer
– “se você não está no topo às duas, é hora de voltar. A escuridão não é sua amiga.”52 Da mesma
forma, Hall regularmente lembrava a sua equipe a importância de aderir a uma regra estrita em
relação à necessidade e ao momento de voltar para o dia no cume. Krakauer lembrou que Hall “fazia
repetidos sermões sobre a importância de se ter uma hora pré-determinada para a meia-volta em
nosso dia no cume – em nosso caso seria provavelmente uma ou duas da tarde no máximo – e de se
respeitá-la por mais perto que estivéssemos do topo.”53

Na noite de 5 de maio, os alpinistas completaram suas preparações para a investida ao topo.


Enquanto descansava em sua barraca, Krakauer considerava os desafios à frente e refletia sobre sua
experiência como membro da equipe da Adventure Consultants:

Nesse fim de mundo, eu me sentia desconectado dos alpinistas em minha volta...Percebi


com tristeza que éramos uma equipe apenas no nome. Embora em poucas horas fôssemos
deixar o acampamento como um grupo, subiríamos como indivíduos, sem estar ligados um ao
outro por alguma corda ou por algum sentido profundo de lealdade. Cada cliente estava nisso
em proveito próprio, bem por aí.54

Do Acampamento Base ao Acampamento II


A expedição da Mountain Madness partiu para o Acampamento II em 6 de maio. Os alpinistas
começaram pela navegação através da Queda-de-gelo de Kumbu outra vez. Logo, Kruse ficou bem
doente e decidiu voltar. Fischer acompanhou-o até o Acampamento Base. Durante a descida, um guia
de outra expedição questionou por que Fischer escolhera acompanhar Kruse montanha abaixo
enquanto sua equipe lançava sua investida ao topo. Disse o outro guia, “O que você está fazendo
aqui em baixo? Seu pessoal está subindo.”Fischer explicou que Kruse estava mal. O guia questionou-
o novamente, “Por que não o mandou para baixo com outra pessoa?” Fischer respondeu, “O homem
estava em lágrimas, e eu não podia mandá-lo para baixo com qualquer outro... Eu não queria que
Anatoli [Boukreev] ou Neal [Beidleman] ou um dos xerpas [o fizesse]. Ele é meu amigo.”55

A equipe de Hall também partiu do Acampamento Base em 6 de maio. Os alpinistas chegaram ao


Acampamento II sem incidentes, embora Hansen continuasse a sentir os efeitos nocivos de sua
laringe e seus dedos enregelados. Ele não se sentia nem forte nem energético, e mesmo assim
avançava com determinação. Krakauer notou que “Doug estava com uma determinação infernal para
juntar-se ao esforço rumo ao topo.”Num certo momento, Hansen disse aos outros, “Dei demais de
mim para esta montanha para desistir agora, sem dar tudo o que eu tenho.”56

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Em 6 de maio, as duas expedições encontraram um alpinista descendo a montanha depois de


voltar a apenas uma hora de distância do topo. Göran Kropp, um alpinista sueco que tentava subir
sozinho, voltava porque concluíra que sua condição física enfraquecida não o deixaria atingir o topo e
descer com segurança. Ao ouvir esta notícia, Hall comentou o seguinte sobre a decisão de Kropp:

Dar meia-volta tão perto do topo...Isso mostrou um juízo incrível do jovem Göran. Estou
impressionado – na verdade, consideravelmente mais impressionado que se ele tivesse
continuado a escalada e conseguido chegar ao topo...Com determinação suficiente, qualquer
idiota pode subir este monte. A esperteza é voltar para baixo vivo.57

Do Acampamento II ao Acampamento III


Ambas as equipes passaram o dia seguinte no Acampamento II e partiram para o Acampamento
III em 8 de maio. Durante a escalada, uma pedra que caía, quase do tamanho de um pequeno
televisor, atingiu o peito de Harris. Felizmente, ele não caiu muito longe porque havia se amarrado a
cordas ancoradas ao longo do caminho. Embora Harris alegasse sentir apenas rigidez e hematomas,
ele parecia abalado após o incidente.

Enquanto isso, Breashears e a expedição do filme IMAX decidiram voltar durante sua investida ao
topo. Eles haviam passado uma noite de muita ventania no Acampamento III e concluíram que o
tempo estava muito instável para uma escalada ao cume. Preferiram esperar alguns dias antes de
tentar de novo.58 Viesturs lembra-se de ter sentido um certo constrangimento com a decisão:
“Sentimo-nos acanhados na descida. Estava todo o mundo subindo e pensamos, ‘Meu Deus, estamos
tomando a decisão certa?”59

Depois de encontrar a equipe do IMAX, Boukreev começou a preocupar-se com as prováveis


condições de tempo durante a investida ao topo pelo grupo:

Como Ed Viesturs, eu não estava feliz com as condições na montanha. Depois de mais de
duas décadas de alpinismo eu havia desenvolvido certas intuições, e minha sensação era de
que as coisas não estavam certas. Por vários dias o tempo não havia ficado estável, e fortes
ventos haviam soprado em elevações mais altas. Eu queria muito que ouvissem minhas
impressões, mas havia ficado cada vez mais claro para mim que Scott [Fischer] não respeitava
meu conselho do mesmo modo que o de Rob Hall...Minha voz não era tão autoritária como eu
teria gostado, então tentei não discutir, escolhendo em vez disso conter minhas intuições.60

Embora preocupado com o tempo, Boukreev sentia-se mais confortável com a atuação e a
condição física dos clientes da Mountain Madness. Eles pareciam estar em boa forma para a investida
ao topo. Entretanto, ele mantinha receios quanto a alguns membros da equipe de Hall. A escalada ao
Acampamento III provou-se bastante desafiadora para muitos clientes. Em particular, Kasischke e
Fischbeck penaram durante a subida. Quando Kasischke finalmente chegou ao Acampamento III,
exclamou frustrado, “Estou acabado. Estou acabado. Completamente sem gás.”61 Infelizmente o
trabalho dos alpinistas não terminava com sua chegada ao Acampamento III. Várias pessoas
precisavam picar gelo por horas para gerar água potável para os outros. Isso se provou um trabalho
esgotante em tamanhas altitudes.

Os guias então distribuíram garrafas de oxigênio, reguladores e máscaras aos clientes, e


instruíram-nos a respirar o oxigênio engarrafado à noite. Hall lembrou-os, “Cada minuto que vocês
passam a esta altitude e acima, suas mentes e corpos estão se deteriorando.”62 Krakauer lembrou-se
que pensara, “Células cerebrais estavam morrendo. Nosso sangue estava ficando perigosamente

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espesso, como uma pasta. Vasos capilares em nossas retinas estavam sangrando espontaneamente.
Mesmo em repouso, nossos corações batiam a uma cadência furiosa.”63

Acampamento IV
As equipes subiram ao Acampamento IV em 9 de maio. Quando Boukreev chegou ao campo,
encontrou vários xerpas lutando para montar as barracas com ventos estimados em mais de 60
milhas por hora. Boukreev perguntou a Hall sobre as condições: “Que vamos fazer? Tenho certeza de
que o tempo, claramente, não está bom o suficiente para atacar o topo.” Hall respondeu, “Minha
experiência é que frequentemente fica calmo depois de uma tormenta dessas, e se ela se dissipar à
noite faremos nossa investida amanhã. Se o tempo não mudar até meia-noite, então meu grupo
esperará mais 24 horas. Se o tempo ainda estiver ruim no segundo dia, então desceremos.”64

Vários clientes tinham ressalvas quanto ao plano de prosseguir naquela noite de ventania.
Kasischke recordou a conversa em sua barraca:

Havia uma tempestade rugindo lá fora no acampamento alto, e eu me lembro que em nossa
barraca estávamos discutindo...e éramos três contra um pela decisão de esperar. Estávamos
preocupados por não termos tido um dia inteiro de tempo bom e simplesmente...pensávamos
que seria sensato esperar um dia...quer dizer, se continuasse assim 24 horas depois, iríamos ter
um problema tentando descer.65

Pelas oito da noite, entretanto, os ferozes ventos se acalmaram; o ar parecia notavelmente parado.
Hall e Fischer anunciaram seus planos de prosseguir na investida ao topo. As equipes partiriam do
Acampamento IV pouco antes da meia-noite. Chegariam ao topo no início da tarde e desceriam ao
Acampamento IV antes de cair a noite. Hall e Fischer novamente ressaltaram a importância de voltar
se os alpinistas se atrasassem em relação ao plano, mas nenhum dos dois guias definiu uma hora
exata para a meia-volta. Krakauer explicou:

No Acampamento Base, antes de nossa investida ao topo, Hall havia contemplado dois
horários possíveis para a meia-volta – ou uma ou duas da tarde. Ele nunca declarou,
entretanto, qual dessas horas tínhamos de obedecer – o que era curioso, considerando o quanto
ele havia falado a respeito da importância de definir um prazo rígido e ater-se a ele o que quer
que acontecesse. Ficamos simplesmente com um entendimento vagamente articulado de que
Hall evitaria tomar uma decisão final até o dia no cume, depois de avaliar o tempo e outros
fatores, e então assumiria a responsabilidade de fazer todos voltarem na hora certa.66

Os clientes completaram suas preparações na noite de 9 de maio. Boukreev lembrou que os


clientes de Fischer pareciam estar animados. Entretanto, vários clientes de Hall preocupavam-se com
a condição física de Hansen, em rápida deterioração. Dr. Weathers explicou:

Ele estava reclamando que não dormia fazia dois dias, não havia comido. Mas estava
determinado a amarrar seu material nas costas e subir quando chegasse a hora. Eu estava
preocupado...ele havia passado o ano anterior inteiro remoendo o fato de ter chegado a 300 pés
do topo e tido de voltar. E eu quero dizer que isso o havia roído todo santo dia. Estava bem
claro que ele não seria impedido uma segunda vez. Doug ia continuar subindo em direção ao
topo enquanto ainda fosse capaz de respirar.67

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O Dia no Cume
As duas expedições partiram do Acampamento IV às onze e meia da noite de 9 de maio. Hall e
Fischer escalavam pela retaguarda, servindo de “varredores” para cada grupo. Cada cliente levava
duas garrafas de oxigênio. Cada garrafa duraria aproximadamente cinco a seis horas, supondo um
fluxo constante de dois litros por minuto. Os alpinistas planejavam pegar uma terceira garrafa no
Cume Sul durante a descida. Assim, os alpinistas precisavam completar a trajeto de ida-e-volta entre
o Acampamento IV e o topo em não mais que 18 horas ou enfrentar a possibilidade de descer na
escuridão sem oxigênio suplementar.

Durante a escalada, quatro clientes (Taske, Hutchison, Kasischke e Fischbeck) preferiram voltar
antes de alcançar o topo. Krakauer descreveu sua decisão:

Para ter sucesso você precisa ser extremamente competitivo, mas se você for
excessivamente competitivo, você provavelmente morrerá. Além disso, acima de 26.000 pés a
linha entre o zelo adequado e a imprudente febre do topo se torna perigosamente fina. Assim
as encostas do Everest são cobertas com cadáveres. Taske, Hutchison, Kasischke e Fischbeck
haviam gasto cada um US$ 70.000 e aguentado semanas de agonia para ganhar essa única
chance de chegar ao topo...e mesmo assim, com uma dura decisão pela frente, estiveram entre
os poucos que fizeram a escolha certa naquele dia.68

Os outros continuaram sua jornada para o cume. Às cinco e meia da manhã, Krakauer e Ang
dorje, um dos xerpas, descobriram que nenhuma corda havia sido fixada ao longo dos últimos 500
metros da escalada. Hall e Fischer haviam planejado mandar vários xerpas à frente para fixar cordas
ao longo da rota, mas descartaram esses planos após ouvir que a expedição montenegrina havia
instalado linhas de corda durante sua investida anterior ao topo. Infelizmente, os montenegrinos sem
querer gastaram todas as cordas nos primeiros 400 metros acima do Acampamento IV. Krakauer e
Dorje queriam resolver o problema, mas os procedimentos de segurança de Hall exigiam que todos
os clientes esperassem pelos guias antes de prosseguir além do Balcão (localizado a 8.500 metros).
Isso significava que Krakauer não podia fixar nenhuma corda além daquele ponto. Os dois alpinistas
esperaram mais de uma hora pela chegada do resto da equipe de Hall. Restrições retardaram os
alpinistas pelo restante da subida, enquanto esperavam que os guias fixassem as linhas de corda.

De acordo com os procedimentos usuais de Fischer, Lopsang Jangbu, um xerpa da equipe da


Mountain Madness, deveria ter escalado à frente do grupo e ficado disponível para ajudar Dorje
enquanto Krakauer esperava os outros. Entretanto, Jangbu sentiu que Pittman estava penando logo
após a partida do Acampamento IV, e rebocou-a com uma corda curta por seis horas. Um dia antes,
Jangbu havia carregado o telefone-satélite de Pittman por horas, para diminuir a carga de sua
enfraquecida e sobrecarregada cliente. Esses extraordinários esforços deixaram-no exausto e doente
no dia do cume, fazendo-o ficar bem para trás dos primeiros alpinistas. Pittman reconhecia que o
nível extraordinário de assistência podia colocar uma exagerada carga sobre ele, mas não fez objeção
a sua decisão. Pittman explicou que “ela não se desatou do xerpa por respeito a sua autoridade.”69

Por outro lado, Fischer não conseguiria resolver o problema da linha de corda. Seus
procedimentos de segurança exigiam que servisse de “varredor” no dia do cume. Ele ficou para trás
do grupo para auxiliar clientes em dificuldades e fazê-los voltar se necessário. Entretanto, os
problemas de logística descritos anteriormente haviam desorganizado a rotina de aclimatação de
Fischer e prejudicado sua condição física. Além disso, Fischer parecia ter voltado a sofrer de uma
doença crônica contraída havia mais de uma década. Esses problemas de saúde fizeram-no afastar-se
muito dos outros e impediram-no de cumprir suas obrigações de “varredor”. Como resultado, ele
não podia avaliar a situação ou fazer clientes voltar quando os atrasos ocorreram. Também não podia
comunicar-se com os que estavam à frente do grupo, porque ele e Jangbu tinham os únicos rádios da

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equipe da Mountain Madness (já que os procedimentos de Fischer determinavam que o primeiro
ficasse à frente e o segundo atrás do grupo).

Muitos alpinistas notaram que a condição de Fischer estava se deteriorando, porém ninguém
questionou seu plano de prosseguir. Mais tarde, quando vários alpinistas desceram ao Acampamento
IV, encontraram Fischer ainda tentando subir com grande dificuldade. Entretanto, “ninguém discutiu
a aparência exausta de Fischer” ou aconselhou-o a voltar.70 A condição física do Dr. Weathers também
se deteriorou durante a subida. Ele descreveu o problema: “Um olho estava completamente opaco, eu
mal podia enxergar pelo outro, e eu havia perdido toda visão de profundidade.”71 Mesmo assim,
quando Hall tentou mandá-lo de volta ao Acampamento IV, ele convenceu o líder da expedição a
deixá-lo continuar.

Por volta de meio-dia, vários alpinistas aproximaram-se do Cume Sul, 100 metros abaixo do
topo. Ainda precisavam fixar cordas ao longo do Degrau de Hillary, uma parede vertical de
pedra e gelo de 40 pés, antes de alcançar o topo da montanha.72 Dados os contínuos atrasos,
muitos clientes escolheram levar sua terceira garrafa de oxigênio do Cume Sul a caminho do
topo, contrariamente ao plano inicial.

Pouco depois da uma da tarde, Krakauer, Harris e Boukreev tornaram-se os primeiros alpinistas a
atingir o topo. Beidleman e Adams chegaram pouco depois. Enquanto os outros decidiram descer
rapidamente, Beidleman ficou para trás, à espera dos clientes de sua equipe. Harris ficou muito
desorientado durante a descida e cometeu um erro crítico; ele concluiu, equivocadamente, que não
restava oxigênio suplementar no Cume Sul. Krakauer e Adams descobriram o erro quando chegaram
ao Cume Sul, mas não puderam convencer Harris de que ele estava errado. Por isso continuaram em
frente sem ele, esperando que ele logo os seguisse. Mais tarde, Krakauer lamentou não ter levantado
questões quanto à condição física de Harris ou sua capacidade de descer em segurança. Ele explicou:

Minha capacidade de discernir o óbvio estava exacerbada até um certo ponto pelo
protocolo entre o guia e seu cliente...É inconcebível para mim que eu tivesse descuidado de
reconhecer sua provação. Mas nessa expedição, Harris havia sido colocado no papel de guia
invencível, que estava ali para cuidar de mim e dos outros clientes;nós havíamos sido
doutrinados especificamente a não questionar o julgamento de nossos guias. Nem passou por
minha mente...que um guia podia precisar de ajuda urgente minha.73

Até duas da tarde, a maioria dos clientes de Fischer não havia chegado ao topo. Beidleman ficou
preocupado. Ele tinha sérias ressalvas quanto a pessoas que escalassem muito depois do meio-dia,
mas não se sentia confortável em dizer a Fischer e outros membros da equipe que eles deveriam
voltar. Beidleman explicou: “Eu era definitivamente considerado o terceiro guia, então tentei não ser
insistente. A consequência foi que nem sempre falei quando deveria.”74 Krakauer ofereceu avaliação
similar:

Porque a experiência de Beidleman em grande altitude era relativamente limitada, sua


posição na cadeia de comando estava abaixo da de Boukreev e Fischer. E seu pagamento
refletia seu status inferior: ele aceitara US$ 10.000 para ser guia no Everest, comparados aos
US$ 25.000 que Fischer pagava a Boukreev. Beidelman, sensível por natureza, estava bastante
consciente de seu lugar na hierarquia da expedição.75

Hall e Groom chegaram ao topo às duas e meia da tarde com vários clientes das duas expedições.
Os clientes descansaram e comemoraram seu feito por 40 minutos. Naquele momento, o tempo não
preocupava ninguém. Fischer alcançou o topo às quinze para as quatro e descobriu Hall ainda à
espera de Hansen. Hansen chegou ao topo pouco depois das quatro da tarde. (Para uma cronologia
detalhada dos eventos durante a investida ao topo, ver Anexo 5.)

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A Descida
Ao descerem até o Cume Sul, os clientes notaram uma piora no tempo. Nuvens de tempestade
começaram a mover-se para a área, os ventos elevaram-se e a neve começou a cair. Os clientes
pegaram mais garrafas de oxigênio e tentaram descer rapidamente. Entretanto, muitos se moviam a
passo de tartaruga devido a sua considerável fadiga e às condições de tempo que se deterioravam
com rapidez. Só Boukreev chegou ao Acampamento IV antes que a escuridão caísse sobre a
montanha. O guia russo explicou sua decisão de voltar depressa, em vez de esperar seus clientes:

Eu receava que os alpinistas que desciam pudessem ficar sem oxigênio antes de retornar ao
Acampamento IV...Eu queria descer ao Acampamento IV o mais depressa possível para me
esquentar e apanhar um suprimento de bebidas quentes e oxigênio para o caso de ter de subir
de volta à montanha para dar assistência aos alpinistas na descida.76

Mais tarde, Krakauer e outros questionaram a decisão de Boukreev. Eles destacaram que escalar
sem oxigênio suplementar dificultava sua resistência a baixas temperaturas; isso o forçou a descer
depressa para se esquentar. Além disso, eles questionaram sua decisão de monitorar a situação dos
clientes a partir do Acampamento IV, já que ele não podia enxergar o caminho da escalada por causa
da visibilidade zero, e também não podia comunicar-se com os clientes pelo rádio.77

Entrementes, enquanto os outros desciam, Hall permanecia acima do Degrau de Hillary com o
agonizante Hansen, que precisava desesperadamente de mais oxigênio. Hall pediu assistência a
Harris pelo rádio, mas o desorientado guia informou erradamente que não restava mais oxigênio no
Cume Sul. Harris então subiu para auxiliar Hall e Hansen. Quando os céus escureceram, Fischer
também começou a sucumbir logo abaixo do Cume Sul. Ele exclamou, “Estou muito doente...
Lopsang, estou morto.”78 O xerpa tentou ajudar Fischer, mas não conseguiu movê-lo. Ele não queria
sair do lado de Fischer, mas Fischer implorou que descesse ao Acampamento IV e mandasse
Boukreev de volta para ajudá-lo.

Às seis da tarde, Hall permanecia com Hansen acima do Degrau de Hillary, incapaz de descê-lo
pela parede vertical de gelo. Pelo rádio, outros suplicavam a Hall que deixasse Hansen para trás, mas
Hall não queria abandonar seu cliente. Pouco depois, Boukreev voltou em direção à montanha para
auxiliar os outros. Infelizmente, ele encontrou tempestades de neve e vento que o forçaram a
abandonar sua tentativa de socorro.

Às nove da noite, só Krakauer e Adams haviam-se juntado ao guia russo no Acampamento IV.
Mais tarde naquela noite, um grupo de alpinistas convergia nas encostas acima do Acampamento IV.
Sem que soubessem, o campo estava a uma curta distância dali. Entretanto, eles não conseguiam
achar o caminho por causa das horríveis condições de tempo. O grupo incluía Beidleman, Groom,
sete clientes e três xerpas. Os alpinistas vagaram por um tempo, mas finalmente decidiram agrupar-
se e esperar uma pausa na tempestade. O tempo havia ficado terrível; visibilidade zero, e o efeito do
vento baixava a temperatura a menos 100 graus Fahrenheit. Fox recordou seus pensamentos de então:

Naquela hora eu estava quase acabada pelo frio. Meus olhos estavam congelados. Eu não
via como íamos sair daquilo vivos. O frio doía tanto que eu não pensava que não podia
aguentar mais. Simplesmente me encolhi como uma bola e torci para a morte chegar
depressa.79

Depois de um respiro no tempo, Klev Schoening, cujo pai doente havia escolhido não fazer parte
da investida ao topo, concluiu que sabia a direção do acampamento. Ele começou a incentivar os
outros a voltar a se mexer. Alguns alpinistas, entretanto, não conseguiam ficar de pé; outros perdiam
e recuperavam a consciência. Beidleman, Groom, Schoening e Gammelgaard conseguiram encontrar

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o caminho de volta ao Acampamento IV pouco antes da meia-noite. Forneceram informações


detalhadas a Boukreev, que partiu socorrer os outros. Ele percebeu a lanterna frontal de Madsen no
meio da tempestade e localizou o grupo. Ajudou Pittman, Fox e Madsen a voltar ao campo
aproximadamente às quatro e meia da manhã. Com relutância, eles deixaram Namba e Weathers
para trás, supondo que os alpinistas moribundos não podiam ser salvos naquele momento.

Às quatro e quarenta e três, Hall entrou em contato com o pessoal do Acampamento Base pelo
rádio. Disse-lhes que Hansen havia morrido e que Harris havia desaparecido. Hall acabou descendo
para o Cume Sul, mas não conseguiu prosseguir além daquele ponto. Enquanto isso, vários xerpas
partiram em socorro de Fischer ao raiar do dia. Encontraram-no quase morto. Os xerpas forneceram-
lhe oxigênio, mas logo concluíram que não podiam ajudá-lo. Deixaram-no e voltaram ao
Acampamento IV. Ninguém jamais viu Fischer outra vez.

Depois, naquela tarde, o Dr. Weathers espantou seus companheiros ao entrar no Acampamento
IV. Deixado como morto, de algum modo recobrara suas forças e encontrara o caminho de volta ao
acampamento. Incrivelmente, Hall também sobreviveu ao longo da tarde, sozinho no alto da
montanha. Às seis e vinte, Hall falou com a mulher, que havia sido conectada a seu rádio através do
telefone via satélite do Acampamento Base. Ele lhe disse, “Eu amo você. Durma bem, meu amor. Por
favor não se preocupe demais.”80 Tristemente, ninguém falou com Hall novamente após esta
comovente chamada.

Na manhã de 12 de maio, os alpinistas deram-se conta de uma sombria realidade. Cinco de seus
companheiros alpinistas não voltariam mais; Hall, Fischer, Hansen, Namba e Harris haviam morrido.
Transtornados e exaustos, os sobreviventes iniciaram sua descida ao Acampamento Base.

Refletindo sobre o Passado


Desde 1996, muitos analisaram as decisões tomadas por Hall e Fischer durante sua escalada, e
citaram algumas possíveis causas para a tragédia. Há muitas teorias rivais, e muito desacordo entre
os sobreviventes e outros peritos alpinistas. Alguns indivíduos, como Krakauer, reconheceram que
erros foram cometidos, mas enfatizaram que escalar o Everest sempre será um empreendimento
arriscado e perigoso. Afinal, tempestades, avalanches e quedas de grandes pedaços de gelo causaram
muitas mortes ao longo dos anos. Esta escola de pensamento enfatizava a inevitabilidade do fracasso
e da tragédia nas encostas do Everest. Krakauer explicou:

Analisar o que deu errado no Everest é uma atividade bastante útil; poderia provavelmente
prevenir algumas mortes adiante. Mas é ilusão acreditar que dissecar os trágicos eventos de
1996 em detalhes mínimos vai realmente reduzir a taxa futura de mortalidade de maneira
significativa. A ânsia de catalogar as centenas de asneiras para “aprender com os erros” é na
maior parte um exercício de negação e auto-engano. Se você conseguir se convencer de que
Rob Hall morreu porque cometeu uma série de erros estúpidos e você é esperto demais para
repetir esses mesmos erros, fica mais fácil para você tentar o Everest apesar de provas bem
fortes de que fazê-lo é desaconselhável. Verdade seja dita, escalar o Everest sempre foi um
empreendimento extraordinariamente perigoso e sem dúvida sempre será...os mais fortes
guias do mundo são às vezes impotentes para salvar até mesmo suas próprias vidas. Quatro
companheiros meus morreram não tanto porque os sistemas de Rob Hall eram falhos – na
verdade ninguém tinha sistema melhor – mas porque no Everest é a natureza dos sistemas
desmontar-se para valer.81

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Monte Everest - 1996

Outros colocaram que falhas humanas causaram a tragédia, e portanto essas mortes podiam ser
evitadas. Isso aponta para uma série de erros cruciais cometidos por Hall e Fischer durante a
expedição. Um guia experiente foi mais duro: “Os eventos de 10 de maio não foram acidente ou ato
de Deus. Foram o resultado final de pessoas que estavam tomando decisões sobre se deviam
prosseguir e como.”82

Boukreev reconheceu que as equipes cometeram erros críticos durante a escalada. Entretanto, ele
discordava dos que procuravam identificar um fator predominante na raiz da tragédia. Concluiu,
“Citar uma causa específica seria promover uma onisciência que somente deuses, bêbados, políticos e
dramaturgos podem alegar.”83

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Anexo 1: Chegadas ao Topo e Mortes no Everest

Chegadas ao Topo

Mortes

Fonte: Adaptado pelo autor do caso do livro de Broughton Coburn, Everest: Mountain Without Mercy (Everest: Montanha
Impiedosa)

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Anexo 2: Principais Eventos na História do Everest

1921: Na primeira expedição ao Everest, George Leigh Mallory e Guy Bullock alcançam o Colo
Norte (7.000 metros aproximadamente)

1922: Mallory e três outros alpinistas atingem 8.170 metros. Algumas semanas depois, Mallory faz
outra tentativa ao topo. Entretanto, encontra uma avalanche, o que resulta na morte de sete
xerpas (as primeiras mortes registradas no Everest)

1924: Edward Norton atingem 8.570 metros sem uso de oxigênio suplementar. Mallory e Andrew
Irvine fazem uma tentativa usando garrafas de oxigênio. Os dois morrem, e até hoje não se
sabe se chegaram ao topo durante sua escalada

1936: A sexta expedição britânica com objetivo Everest, mas falha em atingir o topo devido ao
início prematuro da temporada de monções. O grupo inicia o uso de pequenos rádios para
manter comunicações durante a expedição

1952: Raymond Lambert e o xerpa Tenzing Norgay atingem 8.595 metros usando oxigênio
suplementar. Tornam-se os primeiros alpinistas a quebrar o recorde de Norton de 1924.

1953: Edmund Hillary e o xerpa Tenzing Norgay tornam-se os primeiros alpinistas a chegar ao
topo do Everest. Sobem pela rota do Colo Sul

1960: Uma equipe tibetana e chinesa torna-se o primeiro grupo a chegar ao topo pela rota do Norte

1975: Junko Tabei é a primeira mulher a atingir o topo

1978: Peter Habeler e Reinhold Messner fazem a primeira escalada de sucesso sem oxigênio
suplementar

1980: Messner faz a primeira escalada solo

1983: David Breashears transmite as primeiras imagens televisionadas ao vivo do cume

1985: Breashears guia o negociante texano de 55 anos Dick Bass até o topo, tornando-se o primeiro
americano a atingir o topo duas vezes e iniciando as expedições comerciais. Breashears ainda
chegará ao topo duas vezes antes de sua expedição IMAX de 1996.

1990: Rob Hall chega ao topo em sua terceira tentativa.

1993: 129 pessoas chegam ao topo – um recorde para o Everest

1994: Scott Fischer alcança o topo em sua quarta tentativa. Consegue seu feito sem usar oxigênio
suplementar. Rob Hall chega ao topo pela quarta vez, levando o número de pessoas guiadas
por ele a 39.

1996: Quinze pessoas morrem no Everest – o máximo de mortes num único ano.

Fonte: Adaptado pelo autor do caso a partir de <http://www.everesthistory.com/time3.htm>; <http://www.kepplerassociates.com/


breashears.htm>, consultadas em 30 de setembro de 2002.

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Anexo 3 Expedições da Mountain Madness e da Adventure Consultants

Adventure Consultants Mountain Madness


Rob Hall Líder Scott Fischer Líder

Mike Groom Guia Anatoli Boukreev Guia

Andy Harris Guia Neal Beidleman Guia

Doug Hansen Cliente Sandy Hill Pittman Cliente

Dr. Beck Weathers Cliente Charlotte Fox Cliente

Frank Fischbeck Cliente Tim Madsen Cliente

Lou Kasischke Cliente Pete Schoening Cliente

Dr. John Taske Cliente Klev Schoening Cliente

Yasuko Namba Cliente Lene Gammelgaard Cliente

Jon Krakauer Cliente Martin Adams Cliente

Dr. Stuart Hutchison Cliente Dr. Dale Kruse Cliente

Ang Dorje Xerpa líder Lopsang Jangbu Xerpa líder

Seis xerpas alpinistas Sete xerpas alpinistas

Fonte: Adaptado pelo autor do caso do livro de JonKrakauer, Into Thin Air [Em Pleno Ar] (Nova York: Anchor Books, 1998),
pp. xix-xxi

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Anexo 4 Mapa Monte Everest – Rota Colo Sul

Fonte: Adaptado do livro de Anatoli Boukreev e G. Weston DeWalt, The Climb: Tragic Ambitions on Everest [A Escalada:
Ambições Trágicas no Everest] (Nova York: St. Martin’s Griffin, 1997)

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Anexo 5 Cronologia dos eventos durante a Investida ao Topo

9 de maio

11:30 p.m. As expedições começam a sair do Acampamento IV

10 de maio

5:30 p.m. Krakauer e Ang Dorje chegam ao Balcão (8.500)

10:00am. Beidleman é o primeiro alpinista a chegar ao Cume Sul (8.748 metros)

11:30 am Taske, Hutchison e Kasiscke voltam abaixo do Cume Sul

1:00 pm Boukreev, Harris e Krakauer chegam ao topo

1:25 pm Beidleman e Adams chegam ao topo

1:45 pm Klev Schoening chega ao topo da montanha

2:30 pm Hall, Groom, Madsen, Fox, Gammelgaard, Pittman e Namba chegam ao topo

3:10 pm Beidleman começa a guiar um grupo de clientes montanha abaixo

3:45 pm Fischer chega ao topo

4:15 pm Hansen chega ao topo da montanha

5:00 pm Boukreev entra no Acampamento IV

7:30 pm Beidleman, groom e um grupo de clientes juntam-se perto do Acampamento IV

8:00 pm Adams e Krakauer chegam ao Acampamento IV

11:30 pm Beidleman, Groom, Schoening e Gammelgaard acham o caminho para o


Acampamento IV

11 de maio

4:30 am Boukreev socorre Madsen, Fox e Pittman

4:43 am Do alto do Cume Sul, Hall anuncia a morte de Hansen

7:30 am Hutchison localiza Namba e Weathers mas conclui que não pode salvá-los

9:00 am Hall respira oxigênio suplementar pela primeira vez em 16 horas no Cume Sul

10:00 am Vários xerpas tentam socorrer Fischer, mas este não reage

4:30 pm Dr. Weathers entra no Acampamento IV

6:20 pm Hall fala com a mulher pela última vez

Fontes: Boukreev e DeWalt; Coburn; Krakauer.

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Notas
1
Web site do Monte Everest, www.mnteverest.net/history.html, consultado em 15 de outubro de 2002.
2
Jon Krakauer, Into Thin Air
3
Web site do Monte Everest,, www.mnteverest.net/history.html, consultado em 15 de outubro de 2002.
4
Krakauer, p. 15.
5
Broughton Coburn, Everest: Mountain Without Mercy (MacGillivray Freeman Films, 1997) pp. 248-250
6
Krakauer, pp. 24-25.
7
Copburn, p. 248.
8
Ibid., p. 250.
9
Krakauer, p. 26.
10
Anatoli Boukreev and G. Weston DeWalt, The Climb: Tragic Ambitions on Everest (New York: St. Martin’s Griffin, 1999), pp.
11
Krakauer, p. 130.
12
Ibid., p. 64.
13
Ibid., p. 41.
14
Ibid., p. 43.
15
Boukreev and DeWalt, p. 6.
16
Krakauer, pp. 37, 53.
17
Ibid., p. 62.
18
Ibid., p. 57.
19
Ibid., p. 25.
20
Ibid., p. 46.
21
Ibid., p. 83.
22
Boukreev and DeWalt, pp. 13-14.
23
Ibid., p. 7.
24
Krakauer, p. 84.
25
Boukreev and DeWalt, p. 21.
26
Krakauer, pp. 154-156.
27
Boukreev and DeWalt, p. 11.
28
Ibid., pp. 37-39.
29
Ibid., p. 40.
30
Krakauer, pp. 85-86.
31
Ibid., pp. 44-45.
32
Ibid., p. 74.
33
Boukreev and DeWalt, p. 60.
34
Ibid., p. 83.
35
Ibid., p. 57.
36
Krakauer, p. 46.
37
Ibid., p. 47.
38
Ibid., p. 114.
39
Ibid., p. 199-200.
40
Ibid., p. 200; Coburn, p.196.
41
Coburn, p. 246.
42
Krakauer, p. 91.
43
Ibid., p. 354.
44
Ibid., p. 162.
45
Boukreev and DeWalt, p. 83.
46
Krakauer, pp. 145-148.
47
Coburn, p. 23.
48
Krakauer, pp. 216-217.
49
Ibid., p. 219.
50
Boukreev and DeWalt, p. 61.
51
Krakauer, p. 293.
52
Boukreev and DeWalt, pp. 145-146.
53
Krakauer, p. 190.
54
Ibid., p. 213.
55
Boukreev and DeWalt, p. 116.
56
Krakauer, p. 191.
57
Ibid., p. 190.
58
Boukreev and DeWalt, p. 119.
59
Ibid., p. 120.
60
Ibid., p. 121.
61
Krakauer, p. 196.
62
Ibid., p. 200.
63
Ibid.
64
Boukreev and DeWalt, pp. 125-126.
65
Ibid., p. 127.
66
Krakauer, p. 232.
67
Ibid., p. 212.

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68
Ibid., pp. 233-234.
69
Ibid., p. 221.
70
Ibid., p. 265.
71
Ibid., p. 248.
72
Ibid., p. 236.
73
Ibid., p. 245.
74
Ibid., p. 260.
75
Ibid.
76
Boukreev and DeWalt, p. 217.
77
Krakauer, pp. 275-276.
78
Boukreev and DeWalt, p. 166.
79
Krakauer, pp. 271-272.
80
Ibid., p. 308.
81
Ibid., p. 356-358.
82
Coburn, p.192.
83
Boukreev and DeWalt, pp. 226-227.

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