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05/02/2022 16:16 Quatro Cinco Um: a revista dos livros - Os efeitos colaterais da automação que deve atingir o Brasil

Desigualdades (br/categorias/desigualdades)

Desemprego high-
tech
O que os economistas pensam sobre a
mecanização no mercado de trabalho (ou
‘Como aprendemos a deixar de amar os
robôs e passamos a nos preocupar’)

Leonardo Monasterio

(br/autores/leonardo-monasterio)Willian
Adamczyk

(br/autores/willian-adamczyk)
01fev2022 01h51
(03fev2022 17h19)

Privacidade - Termos

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Nebulizador otimiza a atividade agrícola em vinhedo na


Espanha
Carbonero Stock

“Vai trabalhar, vagabundo!” foi, em uma tradução


livre, a maldição que o Deus cristão jogou sobre
nós quando fomos chutados do Paraíso. Por
milênios, ganhar o pão com o suor do rosto foi
mais uma punição do que uma promessa. Já a
partir da Revolução Industrial, tudo mudou e a
falta de emprego passou a ser uma ameaça para os
trabalhadores. O medo do desemprego se revelava
na oposição a tecnologias específicas: tecelões
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temiam a máquina de fiar; os acendedores de


lampião, a luz elétrica; os charreteiros, os
automóveis.

Economistas amam a tecnologia. Afinal, ela


tornou o mundo mais rico do que poderiam
sonhar nossos antepassados. A inovação
permanente tornou o trabalho mais produtivo,
permitiu a persistência do crescimento econômico
e, mesmo que de forma desigual, melhorou a
situação dos trabalhadores. Apesar disso, até nos
países mais ricos, eles seguem preocupados com o
impacto da tecnologia nos seus empregos. Hoje
estão disponíveis na Amazon mais de duas dúzias
de livros com a expressão “Future of Work”
(futuro do trabalho) no título, e a maioria foi
lançada na última década. Por que tanta
preocupação?

Além da ameaça do desemprego típico das crises


econômicas, uma outra passou a pairar sobre
nossa cabeça: a automação. Perder o emprego
para uma máquina ganhou sua própria definição,
o tal desemprego tecnológico. Não se perde apenas
um emprego, mas sim todas as oportunidades
futuras de retornar à mesma ocupação, que deixa
de existir. Privacidade - Termos

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No passado, quem mais sentia a ameaça do


desemprego tecnológico eram os trabalhadores
fabris. Hoje, o potencial da automação se estende
para setores agropecuários e de serviços. As novas
tecnologias de automação permitem que, por
exemplo, um drone identifique pragas e aplique
pesticidas em áreas contaminadas, com pouca
ajuda humana. No setor de serviços, até as
ocupações milenares passaram por rápidas
mudanças. Um professor da Universidade de
Bolonha do século 11 que fosse parar em uma aula
do fim do século 20 reconheceria o que estava
acontecendo. Porém, se o viajante no tempo
tivesse o azar de cair em 2020, ele teria mais
dificuldades em entender as aulas on-line, o
YouTube e as malditas reuniões virtuais. Se isso
aconteceu com uma atividade tão tradicional
quanto o magistério, é sensato arriscar que se
repetirá com outras ocupações.

Uma enorme produção acadêmica recente tem


discutido os impactos da automação sobre o
mercado de trabalho. Salvo um ou outro
sensacionalista, a produção atual é bem mais
matizada e foge dos extremos da tecnofilia ou da
tecnofobia. Ninguém defende que “automação
será nossa salvação e todos seremos felizes para Privacidade - Termos

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sempre”, que ficaremos todos desempregados ou


que um hal 9000, um Skynet ou um Borg
qualquer nos transformará em robota (escravos,
em tcheco). Um consenso é que o impacto da
automação será mal distribuído.

Revoluções tecnológicas nunca atingiram todos os


trabalhadores da mesma maneira e não há
motivos para supor que com a automação será
diferente. Na pesquisa em economia, já nos anos
60, Zvi Griliches e Jan Tinbergen consideravam
que os trabalhadores mais escolarizados teriam
maior aptidão para usar novas tecnologias. Essa
hipótese seria usada posteriormente para explicar
o aumento da desigualdade de rendimentos a
partir dos anos 80. Nessa visão, o capital humano
seria complementado pela tecnologia, fazendo os
mais qualificados terem ganhos salariais em razão
de ganhos de produtividade.

A realidade mostrou que a dicotomia de trabalho


qualificado vs. não qualificado era insuficiente
para entender as mudanças do mercado de
trabalho. Foi preciso ir além e olhar para os tipos
de tarefas executadas pelos trabalhadores em suas
ocupações. A partir dos anos 2000, influenciados
pelas pesquisas dos economistas David Autor e Privacidade - Termos

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Daron Acemoglu, os estudiosos da área criaram


tipologias para entender o impacto da tecnologia.
Uma classificação bastante útil distribui as tarefas
em dois eixos: o das rotineiras/não rotineiras e o
das manuais/não manuais. A automação atingiria
cada uma dessas quatro combinações de forma
distinta.

A inteligência artificial já gera ilustrações


ou mesmo poemas de qualidade aceitável

No eixo rotineiras/não rotineiras, percebeu-se que


tarefas repetitivas em ambientes estáveis podem
ser codificadas. Fechar embalagens em uma linha
de montagem ou contar dinheiro em um banco
são automatizáveis com relativa facilidade. Outras
tarefas exigem constante improviso e adaptação:
limpar ambientes, por exemplo, exige habilidades,
insumos e movimentos bastante diversos e não
estruturados. Nem as máquinas mais sofisticadas
superam esse desafio tão bem quanto os humanos.

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No outro eixo, algumas tarefas exigem força ou


habilidade manual, e outras são intensivas em
cognição, análise e interação social. Notem que há
tarefas não manuais, mas que são repetitivas. Um
recepcionista executa muitas tarefas não manuais,
mas que se repetem. Igualmente, há ocupações
manuais que não são repetitivas. Dirigir um
caminhão é um trabalho manual, mas que deve se
adaptar às imprevisibilidades do trânsito e ao
comportamento por vezes agressivo dos demais
motoristas.

Os beneficiados diretamente pela automação


seriam aqueles cujas ocupações requerem o uso de
criatividade na solução de problemas, inteligência
social para comunicação e interação com equipes.
Um médico não só se beneficia do acesso mais
rápido ao conhecimento como pode — ou poderá
— usar a inteligência artificial para complementar
os diagnósticos com maior precisão. Um advogado
pode usar a tecnologia para auxiliá-lo na
elaboração do texto das suas peças processuais. A
automação libera tempo para que ele foque nas
tarefas de maior valor cognitivo.

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No extremo oposto estão as ocupações exercidas


em ambientes controlados e que requerem pouca
inovação, como a maioria das tarefas rotineiras do
setor industrial. Nelas, os robôs tomam o lugar do
trabalhador. Mas no setor de serviços também há
muitas tarefas não manuais e repetitivas. Até
pouco tempo atrás, a emissão de uma passagem
aérea exigia um agente de viagem. Hoje, isso é
feito por nós mesmos, com alguns cliques
(geralmente mais do que gostaríamos).

Nos países desenvolvidos já se identificou uma


polarização do mercado de trabalho decorrente da
automação. Ela teria impacto nos empregos
intermediários, com crescimento no número de
trabalhadores em ocupações de mais alta
qualificação e produtividade, e também nos de
mais baixa qualificação e menores rendimentos.
Diaristas seguem com demanda em alta, torneiros
mecânicos perdem espaço e arquitetos recebem
salários cada vez mais altos. O resultado imediato
é um aumento da desigualdade de rendimentos.

Previsões
Qual será o impacto da automação no Brasil? A
polarização do mercado de trabalho se repetirá?
Estudos recentes têm contribuído para a Privacidade - Termos

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compreensão dos efeitos da automação sobre os


trabalhadores brasileiros. Assim como no resto do
mundo, o percentual estimado de empregos
automatizáveis varia, mas pode-se dizer que cerca
de metade dos trabalhadores exerce ocupações
que sofrerão transformações tecnológicas.

Leia também: O rolê do trabalho em 2022: uma entrevista com o


entregador e ativista Paulo Galo
(https://www.quatrocincoum.com.br/br/entrevistas/desigualdades/o-
bagulho-e-arriscado)

Para pesquisadores da Universidade de Brasília e


do Ipea, 55% da mão de obra formal, ou seja, 46
milhões de brasileiros, desempenha atividades
automatizáveis. Pesquisadores da IDados
acreditam em 58%. Já uma pesquisa da ufrj
projeta 60% do emprego. Essas pesquisas
importaram, em alguma medida, as estimativas
de automação de autores internacionais.
Construindo as próprias estimativas com técnicas
de machine learning, nossos estudos na Enap e puc-
rs identificaram até 45% dos trabalhadores
formais do setor privado e até 20% dos servidores
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federais exercendo ocupações automatizáveis. Isso


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representa mais de 14 milhões de trabalhadores,


sendo 7 milhões nos serviços, 6 milhões na
indústria e 1 milhão na agropecuária.
(Curiosamente, esses estudos só foram possíveis
graças às novas tecnologias. Muitos exigem
técnicas e capacidades computacionais que se
tornaram acessíveis faz pouco tempo.)

Em resumo, mesmo utilizando técnicas diversas,


os pesquisadores têm previsto que a automação
pode atingir fatias mais do que expressivas do
emprego dos brasileiros. Isso não causa surpresa,
uma vez que boa parte dos trabalhadores se
encontra ocupada naquelas tarefas rotineiras,
justamente aquelas em que podem ser
substituídos por máquinas.

Todas essas previsões devem ser lidas com muita


cautela. Em primeiro lugar, existe uma diferença
entre uma ocupação poder ser automatizada e
efetivamente sê-lo. Os baixos salários e até mesmo
empecilhos legais ou institucionais desaceleram a
introdução das novas tecnologias no Brasil.
Frentistas permanecem empregados não só por
resistência dos consumidores, mas por terem

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proteções legais e salários relativamente baixos


em relação aos custos dos equipamentos que os
substituiriam.

Em segundo lugar, os estudos se baseiam no que


aconteceu em períodos recentes, ou então na
opinião dos especialistas. O problema é que a
fronteira de atividades humanas que a máquina
pode exercer avança de forma inesperada. Nas
atividades criativas, os primeiros resultados são
visíveis. A inteligência artificial já gera ilustrações
ou mesmo poemas de qualidade aceitável. O
resultado do trabalho das máquinas é inferior ao
dos melhores do ramo, mas muitas vezes o
medíocre já é suficiente. Em breve, jingles
publicitários criados por software serão
indistinguíveis dos compostos por humanos;
sinfonias ainda terão que esperar mais um pouco.

Já as atividades que envolvem relações pessoais


resistem um tanto à inovação. Os chatbots dos
sites são ainda mais irritantes do que os serviços
de atendimento ao cliente tradicionais, e é bem
mais fácil cabular uma aula de ginástica no
YouTube do que com o personal trainer.

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Em meio a uma pandemia e uma crise econômica


duradoura, a discussão sobre automação no Brasil
pode parecer fora de tempo ou lugar. Certamente
existem problemas mais imediatos. Em algum
momento, contudo, o país voltará a sua
anormalidade normal, e será preciso nos
prepararmos para as mudanças trazidas pela
automação.

Até a crise iniciada em 2014, havia uma tendência


de queda da desigualdade na distribuição de
renda, decorrente de mudanças estruturais no
mercado de trabalho e de políticas públicas ativas.
É pouco provável que forças distributivas sigam
tão intensas nas próximas décadas. Os ganhos de
produtividade são bem-vindos e mais do que
necessários para o Brasil, mas um efeito colateral
da automação pode ser o agravamento da
desigualdade de rendimentos. Essa é a faceta
perigosa da automação.

Como lidar com essas mudanças? Os estudos são


corajosos nas previsões, mas bem menos nas
recomendações de políticas públicas. A política
mais óbvia seria a de retreinamento, para tornar
os trabalhadores mais maleáveis às novas
demandas de qualificação. A evidência a favor Privacidade - Termos

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desses programas não é tão clara. Ao que parece,


os detalhes do desenho e de implementação
determinam seu sucesso ou fracasso. Programas já
conhecidos como seguro-desemprego e
transferência de renda deveriam ser ampliados
para amortecer os efeitos nocivos das novas
tecnologias. Por fim, os subsídios ao capital devem
ser evitados, uma vez que podem gerar
robotização excessiva, sem grandes ganhos de
produtividade.

As previsões dos estudiosos de automação no


Brasil e no mundo tendem a ser ilusoriamente
precisas. Os números dão uma sensação de
segurança para os leitores. A certeza é que, como
sempre aconteceu, o futuro nos surpreenderá.
Ninguém na época do bug do milênio poderia
prever o surgimento de ocupações como
YouTuber ou digital influencer. Os erros, contudo,
não tornam inúteis as pesquisas sobre automação.
Pelo contrário, permitem que, com o suor de
nossos computadores, identifiquemos tendências
gerais do mercado de trabalho e nos preparemos
para as mudanças. Afinal, no longo prazo,
estaremos todos vivos.

Nota do editor Privacidade - Termos

Leia no site da
Quatro Cinco Um uma seleção de
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referências bibliográficas utilizadas neste texto.

Leia também: Bullshit jobs, os empregos inúteis que florescem no


capitalismo
(https://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/desigualdades/a-
vida-nao-e-util)

Veja todo o conteúdo da edição #54 (br/current_new/54)

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