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CARACTERIZAÇÃO GEOAMBIENTAL DO SEMI-ÁRIDO.

Working Paper · May 2008


DOI: 10.13140/RG.2.2.23125.73445

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1 587

1 author:

Jémison Mattos dos Santos


State University of Feira de Santana, Brazil.
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Texto elaborado para documento do SRH – Programa Estadual de Combate à Desertificação do Estado da
Bahia - 2008

CARACTERIZAÇÃO GEOAMBIENTAL DO SEMI-ÁRIDO

Jémison Mattos dos Santos1

INTRODUÇÃO

O semi-árido brasileiro atualmente tem área de 982.563,3 km2 (que corresponde


aproximadamente 11% do território brasileiro) segundo Relatório Final elaborado pelo
Grupo de Trabalho Interministerial para Redelimitação do Semi-Árido Nordestino e do
Polígono das Secas. A região concentra 12,3% da população do país, mais de vinte
milhões de habitantes, em 1.133 municípios, o que representa, respectivamente, 21
habitantes/km² e 22% dos municípios brasileiros.

A região nordestina do Brasil é formada por uma área de aproximadamente 1.640.000


km2, correspondendo a 19,9% do território nacional, estendendo-se por 10 estados. Está
inserido entre as coordenadas geográficas: 1º a 18º de lat. S e 34º30’ de long. W. O semi-
árido nordestino ocupa cerca de 980.000 km2, ou seja, representa cerca de 69% do
Nordeste.

O Nordeste brasileiro é caracterizado por ser uma região com alta variabilidade climática
intra-sazonal e interanual na qual os efeitos climáticos sobre os recursos hídricos são
fatores que influenciam decisivamente no cotidiano das comunidades locais. A maioria da
população enfrenta grave escassez de água e alimentos, repercutindo-se severamente
sobre a saúde das populações, esboçando um cenário de aumento da mortalidade infantil
e de restrições econômicas, que paulatinamente reproduzem condições precárias de
sobrevivência das comunidades mais carentes.

A retirada da cobertura vegetal, bem como a implementação de perímetros irrigados, além


de indústrias de transformação e de mineração localizadas nas proximidades dos cursos
d' água, desencadeiam alterações nos padrões hidrológicos dos rios, que possuem
regime intermitente. O Projeto Áridas (BAHIA, 1995) assinala que esses corpos d’água,
possuindo vazão nula ou desprezível durante grande parte do ano, são extremamente
ineficientes quando utilizados como diluidores de despejos. Logo, o lançamento de águas
servidas e efluentes industriais, mesmo quando tratados, poderão ocasionar teores de
poluentes não recomendáveis para os usos preconizados.

A degradação das terras agricultáveis constitui um problema crescente do ambiente semi-


árido. As terras erodidas tornam-se mais vulneráveis as variações climáticas,
conseqüentemente ocorre à diminuição da fertilidade dos solos, principalmente se
enfrentar um longo período de estiagem. O efeito direto da degradação das terras é a
queda na produtividade e certamente afeta negativamente a qualidade de vida da
população, principalmente das pessoas que sobrevivem da terra (LIMA, K.C., PITIÁ,
A.M.A. & SANTOS, J.M. dos, 2006).

No semi-árido baiano verificou-se, que nos espaços onde a degradação das terras se
intensificou houve a substituição por áreas de pastagem ou as terras são abandonadas
por um longo período de tempo. Possivelmente, a intensificação desse processo

1
Geógrafo; Professor da Universidade de Feira de Santana – UEFS; Mestre em Geoquímica e Meio Ambiente; Especialista
em Gerenciamento Ambiental. Coordenador do Laboratório de Estudos da Dinâmica e Gestão do Ambiente Tropical –
GEOTRÓPICOS (UEFS).

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Texto elaborado para documento do SRH – Programa Estadual de Combate à Desertificação do Estado da
Bahia - 2008

ocasionará a Desertificação2 que se revela somente como um aspecto extremo da


deterioração dos geossistemas ou sistemas ecológicos, associada à ação combinada do
clima e da intensificação da exploração agropecuária.

A questão ambiental da pobreza e os desequilíbrios inter e intra-regionais no Nordeste


não podem ser atribuídos particularmente às questões climáticas assinaladas pelas
periódicas secas. São frutos de desequilíbrios sócio-econômicos e da problemática
estrutural relacionado ao desenvolvimento do país. A irregularidade das precipitações
decisivamente contribui para o agravamento do quadro de precariedade social enfrentado
pela maioria da população. Basta rememorar os mais recentes longos períodos de secas
a partir da década de 50, que fraziligou o tecido social e econômico devido à retração
brusca da produção agrícola de subsistência no campo. Essa perda expressiva da
produção agrícola gera alterações negativas no setor produtivo, sacrifica a renda dos
agricultores, induzindo o êxodo rural.

É notório que o quadro climático de deficiência e irregularidade das precipitações


constitui-se um nó de uma rede complexa de eventos, impactos e efeitos sócio-
ambientais, econômicos que traz obstáculos para o término da situação de subtração
crescente que aflige os trabalhadores rurais. Faz-se um destaque na melhoria das infra-
estruturas básicas (ex: saneamento ambiental, estradas, etc.), bem como da educação,
saúde e condições econômicas de trabalhar a terra.

ALGUNS ASPECTOS DO PROCESSO DE DEFINIÇÃO DA REGIÃO SEMI-ÁRIDA.

A região Semi-Árida foi criada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste


(SUDENE), baseado na Lei 7827/89, tendo sua área ampliada pela Resolução Nº.
10929/94 que corresponde cerca de 11,5% do território nacional, ou seja, 858.000 km2, ou
ainda, 52,4% da região Nordeste, ocupado por uma população de 30 milhões de
habitantes aproximadamente.

Para a EX-SUDENE, a Região Semi-Árida é formada por uma área contígua,


caracterizada pelo balanço hídrico negativo, resultantes de precipitações inferiores a 800
mm, forte insolação, temperaturas relativamente altas e regime de chuvas marcadas pela
escassez, irregularidade e concentração das precipitações num período de três meses.

A Lei Federal nº. 7.827 de 27 de setembro de 1989, no Art. 5º Parágrafo 4º, discute que o
Semi-Árido como “a região inserida na área de atuação da SUDENE, com precipitação
pluviométrica média anual de 800 mm. A SUDENE destacou o Semi-Árido por todos os
municípios incluídos na parte delimitada pela isoieta mais externa de 800 mm, bem como
aqueles que tiveram seus territórios parcialmente cortados por essa isoieta, na tentativa
de ampliar ao máximo a área delimitada.

Desde 2005, segundo a cartilha “Nova delimitação do Semi-Árido Brasileiro” (MIN),


formam incorporados 102 municípios aos 1.031 existentes. Com essa atualização, a área
classificada oficialmente como Semi-Árido Brasileiro é de 969.589,4 km. A Bahia tem 265

2
De acordo com a Agenda 21, em seu capítulo 12, a desertificação é definida como sendo a degradação das terras nas
regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, resultante de vários fatores, dentre eles as variações climáticas e as
atividades humanas e, para o MMA (1998) significa a “degradação do solo, dos recursos hídricos, da vegetação e da
qualidade de vida das pessoas que habitam o local, sendo considerada uma condição muito pior do que um deserto”.

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municípios inseridos na região, correspondendo a 23,4% de toda a região e 63,9 % do


Estado. Engloba uma área de 388.274 Km2, o que representa 70% da área do estado.
Tem-se que atualmente 7 milhões de pessoas vivem no Semi-Árido Baiano,
distribuídos em 291 municípios.

O estudo realizado por uma equipe interinstitucional por meio da PORTARIA


INTERMINISTERIAL Nº. 6, DE 29 DE MARÇO DE 2004 - Diário Oficial da União - Edição
Número 61 de 30/03/2004 que baseou a nova delimitação, levou em consideração a
média de precipitação pluviométrica de 800 mm, o Índice de Aridez de Thornthwaite, de
1941, (considerando-se semi-árido o município com índice de até 0,50) e Risco de Seca
(desde que superior a 60%) de cada um deles. Destaca-se que em Minas Gerais 45
novos municípios foram incorporados e na Bahia mais oito. O relatório sugere a não
utilização da região do polígono das secas.

A figura abaixo assinala as áreas de sobreposição da Região Nordeste, do Polígono das


Secas e da antiga e atual região Semi-árida do FNE.

Fig.01. Região Nordeste, Polígono das Secas e Região Semi-árida do FNE.

Fonte: MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Relatório final do grupo de trabalho


interministerial para redelimitação do semi-árido nordestino e do polígono das secas, 2005.

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Nesta região, o complexo relacionamento entre fatores ambientais e climáticos, processos


de mudança de uso e cobertura do solo e dinâmicas populacionais e socioeconômicas se
traduz num grande desafio para a tão almejada sustentabilidade ambiental.

Do ponto de vista climático, de maneira geral, o semi-árido possui elevados valores


térmicos médios anuais que oscilam entre 24 a 28º C. Está inserido entre as isoietas de
250 a 1000 mm, com elevadas taxas de evapotranspiracão (2.700 mm/ano). Apresenta
elevado déficit hídrico ao longo do ano, conseqüentemente, eleva-se também o índice de
aridez3 que assume valores médio de 0,30.

Quanto ao regime de chuvas tem-se uma estação úmida com período de duração de 3 a
4 meses, onde se verificam aproximadamente mais de 68% das precipitações durante o
ano. E uma estação seca que engloba o restante dos meses do ano. Caracteriza-se por
um regime variável, podendo ocorrer anos de chuvas excessivas e anos de chuvas
escassas, com períodos de estiagem prolongada.

“Sob o aspecto geológico-estrutural, o Nordeste apresenta significativa parcela de


terrenos cristalinos do embasamento Pré-Cambriano. A estes ficam superpostos os
conjuntos estruturais pertencentes às bacias sedimentares Paleozóicas e Mesozóicas.
Geomorfologicamente, a compartimentação do relevo exibe nítidas evidências da
estrutura geológica - como nas bacias sedimentares - além das marcas paleoclimáticas
nas superfícies de aplainamento escalonadas. Destas, a de formação mais recente e
intimamente relacionada com climas secos é a denominada depressão sertaneja. Ela é a
unidade geossistêmica de maior expressão espacial (...). Considera-se, ainda, os reflexos
dos processos morfodinâmicos atuais que são direta ou indiretamente subordinados ao
quadro semi-árido” (BANCO DO NORDESTE, 2005).

Estudos mais recentes de sub-compartimentação geomorfológica do semi-árido brasileiro


realizado pela FUNCEME assinalam 07 unidades geossistêmicas, que ocupa uma área
total de 853.383,59 Km2 e corresponde a 13,99% do Nordeste. Dentre as unidades
identificadas, destaca-se a Depressão Sertaneja que devido a sua extensão espacial
(415.921,36 Km2) representa a paisagem típica do semi-árido nordestino. Ocupando
48,74% em relação à área total do semi-árido (veja quadro em anexo).

A morfologia da depressão sertaneja envolve altimetrias inferiores a 200 m, sendo


constituída de rampas pedimentadas que se formam na base dos relevos residuais e vão
se desenvolvendo até encontrar o fundo dos vales fluviais, estando associada ao
predomínio de relevo plano ou suavemente ondulado, formas essas denominadas de
superfícies de pedimentação conservadas e dissecadas.

O referido compartimento geomorfológico que apresenta relevo plano ou suavemente


ondulado é limitado pelas serras e inselbergs, formas que possuem maior resistência
litológica e encontram-se em níveis altimétricos entre 200 a 600 m .

Além disso, na Depressão Sertaneja tem-se os setores correspondentes às planícies


fluviais, que estão relacionados às áreas rebaixadas e aplainadas do relevo, formadas por

3
O índice de aridez é definido como a razão entre a precipitação e a evapotranspiracão potencial, ou seja, a perda máxima
possível de água pela evaporação e transpiração. O semi-árido está inserido na classe climática que varia entre de 0,21 e
0,5.

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depósitos de sedimentos fluviais.

Os recursos hídricos de superfície e de subsuperfície denotam as influências das


condições climáticas e morfoestruturais. Nos terrenos cristalinos da depressão sertaneja
há grande densidade e elevada freqüência de rios e riachos intermitentes ou com
escoamento episódico. É pequeno o potencial hidrogeológico. Nas áreas sedimentares,
por outro lado, a pequena freqüência de rios e riachos é compensada pelo maior potencial
de recursos de águas subterrâneas” (Op. cit).

“Os solos assumem uma grande variação, tanto quanto aos tipos, como em relação às
associações. Os de maior fertilidade natural e com melhor potencial de utilização agrícola
situam-se em áreas calcárias, do embasamento cristalino e em faixas de deposição
aluvial. Nas áreas de capeamentos areníticos dos planaltos sedimentares, a fertilidade
natural dos solos é menor, embora sejam boas as propriedades físicas dos mesmos. Os
recursos minerais são ainda deficientemente explorados, embora, em alguns casos, a
produção regional tenha grande participação na economia extrativa do país. Um caso a
ser ressaltado é o forte impulso alcançado pela exploração do granito nos últimos tempos”
(Op. cit).

CAATINGAS: O DOMÍNIO DOS “SERTÕES SECOS”.

O domínio das caatingas é caracterizado como um dos domínios de natureza marcante


no contexto climático e hidrológico da América do Sul.

Este domínio apresenta-se bastante original em decorrência de seus atributos bastante


específicos: climático, hidrológico e ecológico. Na realidade, os atributos do Nordeste
seco estão centrados no tipo de clima semi-árido regional, muito quente e sazonalmente
seco, que projeta derivadas mudanças radicais para o mundo das águas, o mundo
orgânico das caatingas e o mundo socioeconômico dos viventes dos sertões (AB SABER,
2003).

O clima semi-árido possui temperaturas bastante elevadas e relativamente constantes.(...)


No período seco existem nuvens esparsas, mas não chove. Na longa estiagem os sertões
funcionam, muitas vezes, como semidesertos nublados e nos períodos úmidos suas
árvores e arbustos de folhas miúdas e múltiplos espinhos protetores entremeados por
cactáceas empoeiradas enverdecem de forma bastante rápida (Op. cit).

Para o cotidiano do sertanejo e sobrevivência de sua família o fator mais grave reside nas
irregularidades climáticas periódicas que assolam o espaço social dos sertões secos.
Porém, os sertanejos têm pleno conhecimento das potencialidades produtivas de cada
espaço ou subespaço dos sertões secos. Vinculado a uma cultura de maturação, cada
grupo humano tem sua própria especialidade no pedaço que trabalha (Op.cit).

No domínio dos sertões secos, a somatória dos vales fluviais e suas estreitas planícies
não alcançam mais do que 2% do espaço total da região. Os rios intermitentes sazonários
da área nuclear dos sertões secos estavam sublinhados — na paisagem primária — por
estreitas florestas ciliares perenifólias ou subperenifólias, hoje quase eliminadas ou, pelo
menos, extensivamente degradadas. Estas florestas beiradeiras podem ser designadas
por "matas da c'raíba", pela utilização simbólica do nome da principal espécie arbórea

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dominante no seu sistema ecológico, para reenriquecer e reafeiçoar essas estreitas


galerias de matas da beira alta dos rios regionais, em lugares escolhidos, a fim de
propiciar uma grande campanha de reflorestamento ao longo da beirada alta dos rios
nordestinos, de todos os quadrantes (AB’ SABER, 1990).

A caatinga — em todos os seus padrões regionais — constitui uma vegetação estépica de


clima semi-árido quente, de longa e rígida amarração às condições climáticas e
pedológicas regionais. Muito embora recebendo de 300 a 800 mm de precipitações
anuais, o domínio semi-árido nordestino fica sujeito a fortes irregularidades na sucessão
dos anos e à fortíssima e invariável evaporação na época da estiagem, a qual se estende
em média por seis a sete meses, nos quais se combinam: aridez sazonária; corte da
drenagem; aprofundamento generalizado dos lençóis d'água; rios perdendo correnteza
pela eventual alimentação dos lençóis ao invés de por eles serem alimentados. Não
existem desertos no interior das regiões semi-áridas do Nordeste, a despeito da grande
diversidade dos padrões de caatingas, entendidos no nível de geofácies ou de
ecossistemas. O fato dos sertões secos estarem sob a ação de uma fortíssima entrada de
energia solar, que responde por temperaturas médias anuais de 25 a 29°C de calor, não
implicou em uma desertificação biológica, permanecendo o mundo físico e biótico regional
sob um ritmo altamente sazonário, predominando secas de inverno e chuvas de verão.
Todos os rios regionais recuperando correnteza e atingindo o mar por ocasião das
chuvas. Não houvesse uma quase inversão da posição dos lençóis em relação ao perfil
geral das colinas sertanejas, seria bem mais fácil propor padrões de reflorestamento para
os sertões secos. De qualquer forma o fato da drenagem nordestina ser extensivamente
exorréica, envolvendo sempre rios-que-chegam-ao-mar, garante condições geoquímicas
excepcionais para o mosaico de solos regionais. Fato que torna viável pensar e
florestamentos/reflorestamentos, endereçados para a economia de uma sociedade rural
carente de recursos hídricos, mas não totalmente desprovida de estratégias para obter
água doce para as plantas e para o gado (Op. Cit.).

A Caatinga (savana estépica) é um bioma de grande heterogeneidade, onde 932


espécies vegetais estão registradas, 380 das quais são endêmicas e já foram
catalogadas, porém 56% da área está alterada. Cerca de 4% da Caatinga está protegida
por Unidades de Conservação Federais e Estaduais.

Um ecossistema, totalmente de exceção no interior dos sertões nordestinos, é o dos


campos de dunas de Xique-Xique, no médio vale inferior do São Francisco (Bahia). Trata-
se de um legítimo campo de dunas, elaborado em condições desérticas restritas, nos fins
do período Quaternário, que posteriormente foi fixado por vegetação arbustiva e
subarbórea, psamófila, sempre verde. Trata-se de um quadro geológico e biótico, da
categoria dos ecossistemas muito frágeis, a ser preservado com a maior urgência, para
evitar a reativação generalizada das velhas dunas regionais. Por motivo de falta de
discernimento cultural e científico, preserva-se o Raso da Catarina, enquanto se deixou à
margem de qualquer unidade de preservação o único documento de um deserto arenoso
interior, de que há notícia no território brasileiro, fixado por vegetação especializada nos
últimos 10 ou 12.000 anos. Por razões de um novo conhecimento físico e biótico da
região, há que defender a excepcionalidade ecológica da área, através do estatuto de
uma unidade de preservação, de validade integral (Op.cit).

“Existem ecossistemas de exceção, na forma de "enclaves", no interior do domínio das


caatingas: cerrados interfluviais em plataformas estruturais, na área de relevos
tabuliformes de Ribeira do Pombal (nordeste da Bahia); serrotes do tipo dos "inselbergs"

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com paredes rochosas (...) como no município de Milagres-Ba4; cabeços rochosos em


áreas de solos rasos, ocupados por diversos tipos de cactus e bromélias, nas mais
variadas regiões do Nordeste Seco; e setores de "altos pelados", denotando alta
escarificação laminar de solos, manchas de chão sub-rochoso expostas por grande
extensão, presença de cactus esparsos ou concentrados em touceiras, raras árvores
anãs, e diferentes tipos de bromélias” (Op. cit).

No conjunto dos ecossistemas das caatingas, os setores mais resistentes à erosão e


ações antrópicas rotineiras (pecuária extensiva, roçados) são aqueles correspondentes a
caatingas arbustivas ou arbustivo-arbóreas.

Segundo Ab’saber (projeto Floram), é prioritário fixar alguns fatores limitantes e listar
peculiaridades regionais de consideração obrigatória:

— é difícil para uma região semi-árida quente, dotada de índices de precipitação anuais
inferiores a 800 mm em sua área nuclear, competir com áreas tropicais úmidas, mais
favorecida por condições climáticas. Nesse sentido, uma política de florestamento ou
reflorestamento, dirigida para o Nordeste Seco não deve se preocupar, de saída, com a
questão de florestas produtivas (industriais ou energéticas). Em contrapartida, nenhuma
área do país requer uma política, tão imediata e diversificada, de florestas de interesse
social (social forestry), quanto o Nordeste. Fato que, necessariamente, implicará
melhorias de interesse econômico e social, a curtos e médios prazos, se corretamente
conduzidas.

— apenas áreas dotadas de precipitações superiores a 900 mm na periferia do Nordeste


Seco, em diferentes faixas de agrestes, podem comportar experimentos florestais,
similares àqueles já realizados para regiões úmidas. Nas faixas de agrestes ou similares,
os fatores limitantes são pró-parte climáticos e hidrológicos, porém em grande parte
edáficos. Para não falar nas sérias diferenças demográficas e agrárias que caracterizam
os agrestes senso strictu, do Nordeste Oriental, em relação às regiões subúmidas mais
interiores (Oeste e Noroeste da Bahia5, Sul do Piauí, Norte e Nordeste de Minas). Seria
desaconselhável introduzir grandes massas de florestas no interior dos espaços agrários
diferenciados e altamente humanizados do Nordeste Oriental. Mesmo assim, há que se
revisar a questão face às posturas e metas culturais e econômicas de uma política de
social forestry.

— independentemente de novos experimentos silviculturais, do tipo daqueles propostos


em alguns projetos preexistentes, é conveniente recuperar as experiências empíricas
acumuladas, através de diretrizes a um tempo agrárias e silviculturais. Para tanto, haveria
que se desdobrar à utilização de espécies arbóreas perenifólias ou subperenifólias,
incluindo árvores para sombreamento ou lenha, e árvores frutíferas ou produtoras de
favas ou frutos para rações. Nesse sentido, o conjunto das espécies passíveis de serem
utilizadas em reflorestamento é bem maior do que se supunha há alguns anos. Apenas
permanece fora de cogitação imediata uma seleção de espécies baseadas nos mesmos
critérios que orientaram os silvicultores para as terras úmidas intertropicais do Brasil. O
apelo direto ao uso de espécies de crescimento rápido do tipo dos eucaliptos, pinus ou
araucárias, para colinas sertanejas, seria um motivo de grandes insucessos e
desestímulo. Pelo contrário, as indicações são outras, envolvendo plantas nativas

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Trecho sublinhado inserido por SANTOS, J.M. dos. 2007
5
O negrito é nosso.

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beiradeiras, um amplo acervo de frutíferas regionais ou alienígenas, de par com espécies


adaptadas a conviver com as condições pedoclimáticas e hidrológicas dos sertões secos
(veja quadro abaixo).

CARACTERÍSTICAS GEOAMBIENTAIS GERAIS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO – 2007.


¾ Extensas áreas com precipitações inferiores a 800mm
¾ Longos períodos de seca anual (7 a 9 meses)
¾ Seca periódica que pode estender-se até 18 meses
¾ Vegetação xerófila
¾ Chuva concentrada em poucos meses e acentuada irregularidade temporo-espacial
¾ Elevados índices de evapotranspiracão devido às elevadas taxas de insolação anual
¾ Reduzida capacidade de retenção de água em terrenos do embasamento cristalino
¾ Solos deteriorados por compactação e exposição direta ao sol, chuva e vento.
¾ Aguaceiros – um dos processos morfogenéticos mais significativos na dinâmica das
paisagens
¾ Baixo potencial hídrico associado ao regime de intermitência dos rios.
Elaborado por: Santos, J. M. dos

O Nordeste Seco exige conhecimentos aprofundados, a diferentes escalas, para qualquer


planejamento dirigido para a solução de seus problemas. Há que conhecer os problemas
da terra e do clima, assim como os problemas que o mundo físico e ecológico projeta para
o homem e a sociedade. O cotidiano do sertanejo está marcado pelo ritmo e as
irregularidades das condicionantes climáticas, hidrológicas e ecológicas. A sociedade
sertaneja paga tributos múltiplos envolvendo, a um só tempo, a natureza, a economia
local e a economia nacional. Mesmo assim, tudo caminha razoavelmente nos períodos de
sazonalidade normal — meio ano seco, meio ano chuvoso ou semi-chuvoso —, mas não
é dado conviver com os anos de grandes secas, desemprego e fome. A alta fertilidade
humana da família sertaneja ameniza a solidão da vida social no domínio dos sertões;
entretanto, cria os maiores problemas de sobrevivência familiar, nos períodos de secas
prolongadas ou de crises nacionais. O apelo à emigração para distantes mercados de
trabalho, desenraiza membros do grupo de família e ameaça transformar os
remanescentes em minguados grupos de pessoas muito jovens ou muito velhas. Para as
quais não existem saídas sócio-econômicas, a curto ou médio prazos: emigram os jovens
mais fortes e ousados; restam crianças, anciões e vencidos (AB' SABER, 1990).

Logo, urge a necessidade de mudança de mentalidade, bem como a tomada de decisões


por parte dos poderes públicos, de um modo geral, e da sociedade civil organizada e
demais entidades do nosso Estado no enfrentamento das questões sócio-ambientais
inerentes ao crescente processo de degradação das terras, ou seja, do processo de
desertificação que já aflige alguns municípios do semi-árido baiano (Canudos,
Jeremoabo, Uauá, Juazeiro) visando assegurar a proteção ambiental e a melhoria das
condições de vida do homem do campo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AB' SABER, Aziz. Floram: Nordeste Seco. Estud. av., May/Aug. 1990, vol.4, no.9, p.149-
174.

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Bahia - 2008

________ Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. Ateliê,


São Paulo, 2003.
ARAÚJO, A.; SANTOS, M.; MEUNIER, I.; RODAL, M. Desertificação e Seca. Recife:
Gráfica e Editora do Nordeste Ltda., 2002. 63 p.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal.
Diretrizes para a Política Nacional de Controle da Desertificação. Brasília, 1998. 40p.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. AGENDA 21 - Conferência das Nações Unidas


sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992: Rio de Janeiro). Brasília: Senado
Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996. 585 p. Disponível em: <
http://www.ambiente.sp.gov.br/agenda21/indice.htm> Acesso em 10 de dezembro de
2007.
ESTADO DA BAHIA. Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Habitação.
Superintendência de Recursos Hídricos. Plano de Gerenciamento de Recursos
Hídricos do Estado da Bahia - PGRH/BA: plano de implementação. Salvador. fev.
1997

ESTADO DA BAHIA. Secretaria do Planejamento, Ciência e tecnologia - SEPLANTEC.


Programa de Desenvolvimento Sustentável da Região do Semi-árido do Estado da
Bahia: versão preliminar. Salvador. Jun. 1995.

LIMA, K.C., PITIÁ, A.M.A. & SANTOS, J.M. dos. Uma contribuição aos estudos de
Geomorfologia Climática em ambiente Semi-Árido na região Sudoeste da Bahia. In:
Simpósio Nacional de Geomorfologia. 6,2006. Anais. Goiânia, 2006. CD-ROM.

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