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Se o homem começou com a fala, e a civilização com a agricultura, a

indústria teve início com o fogo. Não se trata de invenção humana; o


homem limitou-se a conservar o fogo e a imitar a natureza. O primeiro,
talvez, foi a tocha com que dominou o seu mais terrível inimigo – o
escuro; usou-o depois para aquecer-se; pôde assim passar-se dos trópicos
para zonas menos enervantes e lentamente conquistar o planeta. Aplicou-
o aos metais, para amolecê-los, temperá-los e confeiçoá-los em formas
diferentes daquelas em que os obtinha em estado natural.
Nas plantas que rodeavam o homem primitivo, muitos instrumentos se
revelavam em estado potencial. Do bambu tirou ele dardos, facas e
vasilhas; dos galhos de árvores fez tenazes, pinças e tornos; da casca e das
fibras teceu cordas e panos de inúmeras variedades. E acima de tudo fez o
bordão. Foi um invento modesto, mas de uso tão variado que sempre foi
olhado pelo homem como símbolo da autoridade. Na agricultura o
bordão se tornou a enxada; na guerra, a lança, o dardo, a seta, a espada,
a baioneta. De novo recorreu o homem ao mundo mineral e talhou a
pedra numa variedade de armas e instrumentos: martelos, bigornas,
panelas, raspadores, pontas de flechas, serras, cunhas, alavancas,
machados e brocas. Do mundo animal tirou colheres, vasos e vasilhas,
pratos, taças, navalhas e anzóis – utilizando-se de conchas da praia, de
marfim ou chifre, de dentes e ossos; também utilizou-se da pele e do pêlo
dos animais. Muitos desses artigos tinham cabos de pau, amarrados de
maneiras curiosas, com embiras ou tendões; ocasionalmente eram
colados com estranhas misturas de sangue.
A habilidade primeva revelou-se muito inventiva na arte de tecer. Embiras
de certas árvores, folhas e fibras eram trançadas para roupas e tapetes, e
às vezes com perfeição inigualada pela tecelagem mecânica. Novamente a
arte começava onde a natureza acabava; ossos de pássaros e peixes e
fibras de bambu eram transformados em agulhas; e os tendões dos
animais se afilavam de modo a passar pelo buraco das nossas mais finas
agulhas de hoje. Certas cascas eram macetadas para colchões e roupas,
peles eram secadas para calçados e peças de vestuário, fibras eram
tecidas em resistentes filaças, e lascas vegetais ou vimes eram trançados
em cestos de todas as formas, algumas mais belas que as de hoje.
Lado a lado, com a arte do cesto, surge a arte da cerâmica. A argila
aplicada sobre o vime para defendê-lo contra o fogo endurecia numa
casca, mantendo a forma do cesto mesmo depois de desaparecido o vime;
deve ter sido esse o primeiro estágio do desenvolvimento que iria
culminar nas admiráveis porcelanas da China. Ou talvez algumas placas de
argila secas ao sol sugerissem a arte da cerâmica; teria sido o primeiro
passo; o segundo foi substituir o sol pelo fogo. E surgiu a fabricação de
vasos de mil formas, para fins utilitários e finalmente para ornamento.
Desenhos feitos com os dedos, as unhas ou qualquer corpo duro sobre a
argila mole foram as primeiras formas de arte – e talvez os primeiros
vagidos da escrita.
Com a argila seca ao sol as tribos primitivas fizeram adobes e telhas. O
caçador nômade ou o criador de rebanhos preferia a tenda, removível de
um ponto para outro.
Apenas três passos tinham os primitivos de dar para a criação dos
fundamentos essenciais à civilização: os mecanismos de transporte, os
processos comerciais e um meio para troca de produtos. No começo,
sem dúvida nenhuma, era o homem sua própria besta de carga. Mas o
homem inventou a corda, as alavancas e as rodas; domesticou os animais
e pôs-lhes cargas ao lombo; construiu o primeiro trenó depois de haver
feito os animais arrastarem pelo campo galhos de árvores com sua
bagagem em cima; o trenó apenas se arrastava, mas se sob eles se
pudessem roletes, deslizaria com mais facilidade – e daí surgiram as rodas
e o carro. Lançou troncos a água, uniu-os, fez a jangada; cavando os
troncos, fez canoas – e os rios se tornaram estradas móveis. O caminhar
pela terra fez nascer a trilha, e da trilha nasceu a estrada. O homem
estudou as estrelas e passou a guiar as caravanas no deserto, e, através
das montanhas, por meio das luzes do céu. E remou e navegou de ilha
para ilha, e por fim devassou os mares, espalhando sua modesta cultura
por todos os continentes. Os principais problemas já estavam resolvidos
quando a escrita entrou em cena.
Desde que a habilidade dos homens e os recursos naturais estavam
diversa e desigualmente distribuídos, um povo podia, com a aplicação da
destreza manual e o uso dos materiais que tinham à mão, produzir
certas coisas melhor e mais facilmente que os vizinhos. Desses artigos
obtinha mais que o necessário ao consumo local e oferecia o excedente
aos vizinhos em troca de produtos que a estes igualmente sobravam – e
aí está a origem do comércio. O intercâmbio dos excedentes foi
inicialmente uma troca de presentes. A troca era facilitada pela guerra,
pelo roubo, pelos tributos, pelas multas ou pela compensação: os artigos
tinham de manter-se em movimento! Aos poucos um ordenado sistema
de trocas emergiu, e foram aparecendo postos de traficância, mercados e
bazares – primeiro, ocasional e periodicamente; depois, fixa e permanente
– onde os que possuíam artigos em excesso trocavam-nos pelos dos que
tinham necessidade.
Os primeiros instrumentos de troca foram os artigos de procura mais
geral, que todos aceitavam em pagamento: tâmaras, sal, peles, couro,
ornamentos, instrumentos, armas; em tal tráfico duas facas valeriam um
par de meias, os três valeriam um lençol, os quatro valeriam uma
espingarda, os cinco valeriam um cavalo; dois dentes de alce valeriam um
cavalo, e oito cavalos, uma mulher. Tudo foi empregado como dinheiro,
por algum povo, em certo tempo: feijão, anzóis, conchas, pérolas, contas,
sementes de cacau, chá, pimenta, e por último carneiros, porcos, vacas e
escravos. O gado constituía um bom padrão de valor e um meio de troca
entre caçadores e criadores; proporcionava renda com a criação e movia-
se com os próprios pés. Quando começou a mineração, lentamente os
metais substituíram os velhos padrões, pelo fato de sob pequena massa
representarem muito valor – e a prata e o ouro tornaram-se a moeda da
humanidade.

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