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A linha e o espaço

Humanidade, arte e politica

Arte e ciência são termos que adjetivam um único fenômeno humano: Politica (arte ou ciência
de governar). E tão humano quanto a arte, a ciência e a politica é o ato de democratizar
(colocar ao alcance do povo). Podemos erroneamente presumir que em um momento
primordial era universal o acesso às “coisas”. Parece ser bastante razoável, que, uma vez
disponível tudo que havia era acessível a todos os seres vivos. Seria assim algo espontâneo na
dinâmica entre os seres vivos e a natureza, seria inerente à natureza física e biológica
“democratizar” o aceso a matéria existente para todos os viventes, porem não o é. E é
exatamente o oposto disso que vem construindo as condições necessárias para evolução das
formas de vida. A competição por espaço, e, por consequência aos recursos, é a tônica que
move a vida nesse planeta. Assim o foi desde o período proterozoico. Onde seres unicelulares
avançados já competiam pelos melhores territórios e fontes de nutrientes. Darwin observou
que essa dinâmica fez com que tudo que era vivo tendia a evoluir ou sucumbir na razão entre
meio ambiente e concorrência. Para nós, homo sapiens, vivemos ainda a aurora do nosso
momento evolutivo. São menos de 300 mil anos que nos separam de nosso salto anterior na
escala humana, onde ainda participávamos de outra família de primatas. Somos uma espécie
tão recente que, se não por nossa engenhosidade em transformar tudo, se fossemos extintos
agora seria difícil localizar nossa marca em uma linha temporal de poucos milhões de anos.
Apesar do fato de estarmos “engatinhando” como espécie a humanidade trouxe consigo a
capacidade impar de analisar e processar informações sobre o que a cerca e sobre si. E são
essas evoluções singulares que nos distinguem dos outros seres vivos. A brutalidade das garras
e presas deu lugar a uma visão de excelente profundidade e multicolorida, as patas viraram
mãos, ferramentas sofisticadas, dotadas de um polegar opositor e inigualável habilidade
(perceber e processar). De maneira rápida passamos de competidores a dominantes.
Sobrepujamos todos os outros seres a condição de tutelados. Isso faz de nós deliberadamente
responsáveis pelo mundo que habitamos. De todos os avanços que conquistamos, temos em
nossa raiz mais profunda três marcos inexoráveis: Arte ciência e politica. E dessas conclusões
partem as intrigantes provas do nosso inicio como espécie. Os marcos originais em nossa
caminhada como criatura ciente e ativa são pontuados de valores que surgem junto com a
espécie e até hoje são considerados como principais virtudes. Marco civilizatório politico: Um
fóssil humano com fêmur cicatrizado, demonstrando que determinado individuo acidentado
foi cuidado pelo restante do bando e não deixado à própria sorte para uma possível morte.
Marco científico: domínio do fogo. Marco artístico: Pinturas rupestres. Esse conjunto de feitos
propiciou a nós entender que o homem havia migrado de conjuntura, que havia superado uma
importante etapa de apenas sobreviver, desembocando na transição do período paleolítico
para o neolítico com esse importante acervo de conhecimento e costumes que vem se
somando até os dias de hoje e ao qual viemos chamar de cultura humana.
O Faraó. Caesar. A cerca. O boi. A guerra.

Na segunda dinastia egípcia (2825 a 2 686 a.C) surgem os primeiros relatos do surgimento do
arame. Era usado como matéria prima para confecção de joias. É assimilado pelos romanos e
recebe o nome pelo qual conhecemos aeramen. O arame por definição é um fio de ferro, aço,
cobre ou qualquer outro metal ou liga de metais que é puxado à fieira. Após isso o arame
entra em um período de mais de 2 mil anos de amadurecimento tecnológico. Foi então
somente no século XIX que o arame ressurge na superfície da história, mais precisamente
entre 1844 e 1845 que as primeiras máquinas de fabricação de telas torcidas (chain link fence)
foram inventadas. A empresa Barnard, Bishop & Barnard na cidade Inglesa de Norwich, deu
início a fabricação de telas de arame torcidas, iniciando assim uma nova era nos cercamentos
de propriedade. Em 1873 um fazendeiro, Joseph Glidden, visitava uma feira rural em Illinois -
E.U.A. Após ver uma demonstração de uma nova cerca feitas com ripas de tabuas e arame liso
ele resolveu aprimora-la. Nasce daí o arame farpado. Em pouco tempo essa nova invenção é
difundida em todo oeste Norte Americano acelerando a economia com a implantação de
fazendas de gado. Gidden vendeu sua patente e royalties em 1876, vindo a se tornar um dos
homens mais ricos dos Estados Unidos. Concomitante o crescente uso militar do arame
farpado consolida esse “novo material” e o impulsiona para outras fronteiras. Com o advento
da primeira e segunda guerra se tornou item obrigatório em qualquer exercito e passou a ser
produzido em escala global.

Calder, Alexander

Aparentemente Alexander Calder foi o gênio criativo que recolocou o arame de volta ao seu
posto de material para artificies. Ainda em sua infância, aos 4 anos de idade no ano de 1902,
Calder já fazia seus brinquedos usando o “novo material”. É dessa época o simpático elefante
feito por ele e que hoje pertence ao acervo do Metropolitan, N.Y . Calder revisitou esse
material ao longo de sua fecunda carreira artística. Na década de 20 do séc XX surgem
esculturas de personalidades feitas de arame, logo em seguida o seu famoso circo, e por fim
Calder foi o artista responsável pela ultima grande transformação nas esculturas. Ele foi o
primeiro a expor uma escultura cinética: O “Móbile”.

A linha. A Arte.

Foi através das manifestações artísticas que o ser humano descreveu, analisou e comentou
seus primórdios, e graças a esses registros podemos inferir para além da arqueologia o que se
passava naquele alvorecer, e ainda hoje é assim. Usamos as linguagens artísticas para dizer
coisas que transcendem a lógica. É ainda a maneira mais sofisticada e universal de manifestar
aspectos do que é visível, invisível e sensível para a percepção humana. Criamos diversos
caminhos (linguagens) com métodos, técnicas e escolas para auxiliar o aprofundamento de
cada linha artística e capacitar o aparelho sensível do artista a expressar-se no máximo das
suas possibilidades. As escolas são um importante avanço para às linguagens, mas nunca um
limitante. O ensino formal não é fundamental para um ser humano utilizar-se das diversas
linguagens. É algo inato a nossa condição. E, desta mesma maneira, está a linha para o
desenho. Uma relação intrínseca e inexorável. Mesmo que possamos representar formas com
manchas de cor, iremos transformar os contornos criados em linha para limitar e “ler” as
formas, e, também, serão linhas as fronteiras tonais criadas entre uma mancha cromática e
outra. O ponto como origem e a linha como consequência. Essa é a maneira primordial de
conceber a imagem. E é da linha que parte o desenho, a pintura a forma. A forma
representada em uma superfície (2D) é o desenho. A forma representada em volume (3D) é a
escultura. Linha sobre o papel 2D. Linhas sobre o ar 3D. A escultura feita de linha. Essa proeza
poética foi atingida e é praticada a milênios. A transposição da linha em forma. E com o
advento do arame essa possibilidade ganhou grande potencial. O arame construindo a imagem
no ar. O arame como volume. A linha criando forma. Dos ourives Egípcios a Alexander Calder.
São milênios de sofisticada evolução cientifica e democratização de acesso. Das finas joias de
fios de metais preciosos ao arame farpado do pasto e do campo de batalha forjado no aço
carbono. Hoje o arame é farto e barato. Um material de fácil acesso e extremamente versátil.
Ele tem criado um fecundo nicho na arte popular e profissional. Do arame saem formas leves,
as vezes suspensas no ar, ou também maciças e densas. É um material limitado apenas pela
imaginação do artista. E dentro desse dialogo de técnicas e possibilidades o arame sempre
apresentará mais uma faceta. E dentre elas uma é para mim de especial afeição. Sabemos a
possibilidade da transposição do desenho 2D para a forma escultórica 3D, mas será o inverso
possível? A resposta é sim. Com o auxilio de uma fonte luminosa o volume criado em uma
escultura de arame vira uma matriz de impressão virtual. O jogo de luz e sobra cria a forma
efêmera que se projeta de maneira bidimensional no suporte escolhido. Abre-se assim mais
uma porta de possibilidades para esse fascinante material. Juntando novamente a evolução de
tecnológica dos materiais e a linguagem vivaz das artes. Sem limites, a expressão humana
prospera à medida que seu poderoso cérebro codifica e compreende o universo ao qual
estamos inseridos nos mais variados aspectos e espectros.

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