O comércio foi o grande perturbador do mundo primitivo, porque até que
ele sobrevivesse, trazendo consigo a moeda e o lucro, não havia
propriedade, e, portanto, quase nada do que chamamos governo. Por toda parte, entre os povos primitivos, a posse da terra cabia a comunidade. Era costume entre os “selvagens” que o homem que dispusesse de víveres os partilhasse com quem não tinha, ou com os viajantes que pediam pouso; as comunidades vítimas das secas eram alimentadas pelas vizinhas. O comunismo trazia uma certa segurança a todos os sobreviventes das doenças e acidentes da pobreza e ignorância da primitiva sociedade; mas não os arrancava à pobreza. O individualismo trouxe a riqueza, mas trouxe também a insegurança e a escravidão; estimulou as forças latentes do homem superior, mas intensificou uma luta pela vida e fez o homem sentir amargamente uma pobreza que, sob o regime do comunismo, todos compartilhavam sem se sentirem oprimidos. O comunismo poderia sobreviver mais facilmente nas sociedades em que o homem estava sempre em movimento e os perigos eram mais constantes. Caçadores e cuidadores de rebanhos não sentiam necessidade da propriedade em terras, mas, quando a agricultura sobreveio, o homem verificou que o solo era mais bem cuidado e produzia mais sempre que o produto revertia para o lavrador e os seus. Consequentemente, a passagem do regime da caça para o da agricultura trouxe uma mudança da propriedade – da tribo para a família. Quando a família vai mais e mais assumindo a forma patriarcal, com a autoridade centrada no homem mais velho, a propriedade individualiza- se. Com frequência um homem de espírito empreendedor abandona o remanso da família e aventura-se para além das fronteiras tradicionais, e com rijo trabalho conquista solo às florestas ou aos pântanos; tais terras ele as guarda ciosamente para si, e por fim a sociedade reconhece seus direitos – e outra forma de propriedade tem início. A invenção da moeda cooperou com estes fatores para facilitar o acúmulo, o transporte e a transmissão da propriedade. A agricultura, enquanto gera a civilização, conduz não só a propriedade privada como à escravização. As comunidades caçadoras desconheciam a escravidão; as mulheres e os filhos dos caçadores bastavam para a realização do trabalho manual. Depois das excitações da caça ou da guerra, os homens caiam no lazer da paz. Para transformar a atividade espasmódica em trabalho regular, duas coisas se faziam necessárias: a rotina da lavoura e a organização do trabalho. Foi provavelmente através de séculos de escravidão que nossa raça adquiriu suas tradições e hábitos de trabalho. Ninguém realizaria um trabalho duro e contínuo senão pelo temor de castigos físicos, econômicos e sociais. A escravidão fez parte da disciplina através da qual o homem se preparou para a indústria.