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As tribos de eslavos que haviam se submetidas pelos francos se

libertaram e passaram a saquear as vilas e os domínios rurais, au-


mentando a insegurança. Ao mesmo tempo, os nômades magia-
res (húngaros) fixaram-se no médio Danúbio e daí organizaram
ataques para saquear terras e vilas.
Também os normandos ou vikings (povos que viviam na atual
Dinamarca) transformaram seu padrão de relação com o conti-
nente europeu: começaram a incursionar por variados pontos da
costa norte da Europa também para saquear. Vinham para vender
peixe seco e peles, mas também se dedicavam ao saque e à pi-
lhagem das aldeias e dos domínios rurais. A Europa estava sendo
O Feudalismo “sitiada” pelas invasões do século IX. Esse fato não foi determi-
nante, mas ajudou a Europa a se feudalizar.
O feudalismo resultou da síntese entre a sociedade romana em
decadência e a sociedade bárbara germânica em transformação. As Características socioeco-
Para facilitar a compreensão do processo de formação do feuda-
lismo, procuraremos mostrar o legado da sociedade romana e dos
nômicas do feudalismo.
costumes bárbaros para esse novo sistema. O conceito feudalismo deriva da palavra feudo, que significa
“bem que é dado em troca”. Assim feudalismo é o nome que
Lembremos que a sociedade romana era eminentemente agrá- damos ao sistema no qual o feudo – um bem, que poderia ser
ria, mas com vida urbana intensa. Com as crises do século III e um ou mais senhorios (territorial), uma quantia anual (bolsa), a
IV, a escassez de mão-de-obra escrava levou os grandes proprie- armadura de um cavaleiro (loriga), um conjunto de direitos de
tários a abandonarem as cidades e rumar para suas villae (latifún- cobrança de obrigações (ban) – é o fundamento das relações so-
dios), onde exploravam o trabalho dos coloni (antigos escravos cioeconômicas e políticas.
ou camponeses que se tornaram vinculados à terra e dependentes
de seus senhores). Os coloni eram juridicamente livres, mas não O feudalismo foi um sistema tipicamente europeu. Desenvol-
podiam abandonar a terra. Esses trabalhadores são os precursores veu-se entre os séculos X e XI, mas atingiu seu auge no século
dos servos medievais. XII e início do século XIII, quando começou a entrar em deca-
dência. A agricultura era a atividade econômica que preponde-
A condição social passava, assim, a ser determinada pela rela- rava durante a época feudal e envolvia toda a população, direta
ção com a terra. A sociedade romana passava por um processo de ou indiretamente. O senhorio, a unidade básica de produção do
ruralização, acentuado pelo desaparecimento dos grupos médios sistema feudal era praticamente auto-suficiente. Produzia tudo ou
ligados ao comércio e às atividades urbanas em geral. Esse pro- quase tudo de que se tivesse necessidade: leite, madeira, ferro
cesso foi importante para a formação do feudalismo, pois refor- etc. O que não era produzido pelo senhorio era adquirido nos
çou o poder político dos senhores locais, enfraquecendo o poder pequenos mercados das aldeias.
central do império.
Os feudos territoriais ou senhorios (“do senhor”) eram dividi-
A descentralização política mencionada acima se acentuou dos em três partes: a reserva senhorial ou manso senhorial, que
com os bárbaros: o comitatus era uma velha instituição bárbara eram terras de uso exclusivo do senhor, embora trabalhadas pelos
que estabelecia uma relação de fidelidade mútua entre chefes e servos; as reservas dos camponeses ou manso servil, que eram as
guerreiros, o que reforçava os laços de dependência pessoal e terras exploradas pelos camponeses e suas famílias; as terras co-
diminuía um eventual poder central. Os chefes bárbaros remune- munais, construídas por pastos, florestas e baldios, que forneciam
ravam os seus colaboradores com terras, o chamado beneficium, frutas, madeiras, mel, castanhas etc. A caça era direito exclusivo
que dava alguma autonomia aos guerreiros que o recebiam, ou do senhor.
seja, independência para administrar seu território.
A sociedade germânica era também eminentemente agrária e A Sociedade Feudal
pastoril, o que acentuou o processo de ruralização da economia e A sociedade feudal era rigidamente estratificada, isto é, dificil-
da sociedade depois da invasão. mente havia mobilidade, pois a posição dos grupos era determi-
Uma das maiores contribuições da sociedade bárbara para a nada pela relação com a terra. Segundo a mentalidade da época,
concretização do feudalismo foi seu sistema de leis, que se ba- a sociedade estava dividida porque Deus determinara diferentes
seava no direito consuetudinário, isto é, nos antigos costumes funções para cada camada. Havia três camadas (ordens) fixas. O
herdados dos antepassados, para os quais as práticas fundavam a clero (sacerdotes) era a camada mais importante, considerada a
lei oral, que regulava as relações pessoais. intermediária entre Deus e os homens. Sua função era orar pela
salvação de todos. Os guerreiros (nobreza e aristocracia) lutavam
A contribuição dos árabes, eslavos e nor- para proteger o resto da sociedade dos males do mundo. O se po-
der vinha do fato de serem os donos da terra e terem o monopólio
mandos para a formação da Europa feudal. militar. Os trabalhadores deveriam produzir o necessário para o
No século IX, as sociedades européias encontravam-se em sustento de toda a sociedade.
avançado estado de ruralização. As invasões que ocorreram nes-
Na verdade, cada uma dessas ordens se subdividia em vários
se século fizeram com que os senhores rurais tentassem organizar
estratos internos. Havia diferentes tipos de trabalhadores: os pe-
uma defesa individualizada, erigindo castelos e fortificações.
quenos proprietários, que cultivavam seus lotes (alódios); os an-
Após conquistar o norte da África, invadir a Europa e dominar tigos proprietários, que se ligaram a um senhor (vilões, porque
a península ibérica, os muçulmanos, nos séculos IX e X, transfor- habitavam as vilas); e o trabalhador escravo, que não desapare-
maram o Mediterrâneo em seu domínio quase exclusivo. Os pos- cera totalmente na Europa medieval. Mas o principal trabalhador
tos comerciais desse mar ficaram em suas mãos, o que dificultava durante o período feudal era o servo, originário do antigo colo-
a atividade comercial e provocava o isolamento da Europa. nus. O servo não era um trabalhador livre, mas também não era
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um escravo. Estava ligado à terra, não podendo ser retirado dela Uma das principais funções militares da cavalaria era garantir e
para ser vendido. Outra diferença entre um servo e um escravo é ampliar os domínios dos senhores e reprimir rebeliões campone-
que o servo era dono dos instrumentos de produção. sas que ameaçassem o poder da aristocracia. Mas a militarização
servia também para defender a cristandade contra seus inimigos,
As relações sociais no Feudalismo por exemplo, os muçulmanos, ao mesmo tempo que garantia a
O feudalismo foi constituído pela aristocracia entre dois eixos conquista de mais terras.
de relações: as relações feudo-vassálicas e as relações servis de Os constantes combates acabavam destruindo as plantações e
produção. As relações feudo-vassálicas estabeleciam-se entre os campos. No século X, a igreja interveio, propondo a Trégua
membros da aristocracia militar e territorial e baseavam-se no de Deus, que determinava que não se poderia guerrear entre a
feudo, na fidelidade e na reciprocidade. As relações servis de pro- quinta-feira e a segunda-feira pela manhã.
dução estabeleciam-se entre o senhor da terra e o trabalhador e
estavam baseadas na desigualdade de condições e na exploração A Igreja Medieval Ocidental
do trabalho.
A igreja sobreviveu às crises e mudanças do final da Antigüida-
A aristocracia feudal tirava seu sustento e garantia seu poder de e da Alta Idade Média. O clero monopolizava o saber em um
e sua riqueza por meio do trabalho do servo, da guerra e das mundo de analfabetos e foi responsável por conservar a cultura
alianças. Os servos, que recebiam um lote para cultivar e eram letrada da Antigüidade Clássica. Apesar de manter essa cultura
defendidos pelo senhor, deviam a este uma série de obrigações: atrelada aos seus interesses de grande senhora de terras, a Igreja
deviam trabalhar na reserva senhorial alguns dias por semana, muito contribuiu para que o conhecimento não estagnasse.
e todo o produto deste trabalho era do senhor feudal (corvéia);
A Igreja romana acumulou poderes que derivavam de sua ri-
entregava uma parte do que produziam na reserva servil (talha);
queza material e da influência espiritual que exercia sobre as
pagavam pelo uso do moinho ou lagar (banalidades); quando um
pessoas.
servo morria, os filhos deveriam pagar para continuar em suas
terras (mão-morta). A Igreja organizava-se hierarquicamente, o que a ajudava a
manter o poder. Havia o Alto e o Baixo clero. O primeiro, liga-
Havia um forte componente religioso nessa exploração do se-
do à aristocracia, detinha os cargos de direção (cardeais, bispos,
nhor sobre os servos, pois estes viam os senhores como proteto-
abades etc.). O segundo era composto de elementos vindos das
res e patronos, que os ajudavam em tempos difíceis.
camadas mais baixas. O chefe dessa hierarquia era o Bispo de
Mas, de alguma forma, os servos conseguiam ter algumas ati- Roma, que, em 455, recebeu o título de Papa, isto é, chefe da
vidades independentes. Os servos se ajudavam mutuamente nas Igreja Cristã. Ao clero secular, que estava em contato com as
pequenas plantações, nas pastagens das terras comunais ou em coisas do mundo, coube a tarefa de converter os bárbaros que
algumas festas. Tudo isso pode ser considerado como resistência invadiram a Europa. Ao clero regular (submetido a regras), que
ao poder dos senhores. ficava nos mosteiros, cabia a preservação da cultura e o aumento
do poder econômico da igreja.
As características políticas do Feudalismo As doações de terras feitas pelos reis e senhores laicos à igreja
Politicamente, o feudalismo caracterizou-se pela fragmentação faziam com que seu poder político aumentasse, pois ia se trans-
política. As relações pessoais tornavam-se mais fortes com o en- formando num “grande senhor feudal”. Essa posição fazia com
fraquecimento da atuação do Estado. Essas relações, denomina- que a Igreja tivesse que lutar pela defesa de seus interesses tanto
das feudo-vassálicas ou de suserania-vassalagem, originaram-se quanto os demais senhores feudais.
das tradições romanas e germânicas. Consistiam no ato de um
senhor doar bens, sobretudo terras e direitos a outro senhor em Mas o mais importante é que a Igreja católica exercia uma po-
troca de alguns favores e obrigações. O aristocrata que doava o derosa influência na sociedade. O controle que o clero detinha
bem era o suserano, e o que recebia era o vassalo. Essa prática de sobre a cultura reproduzia uma visão de mundo da Igreja; os pa-
doações não terminava aí: o aristocrata que recebia a terra a re- dres, em seus sermões, passavam essa visão de um mundo divi-
distribuía para outros aristocratas, que passavam a ter as mesmas dido em classes, naturalmente desiguais.
obrigações. Teoricamente, os senhores feudais recebiam terras
do rei, o soberano; mas com o parcelamento do poder político
ligado ao parcelamento da terra, o rei se transformou em um tipo
de suserano-mor, ou suserano dos suseranos.
O vassalo, em troca da terra, deveria auxiliar o suserano com Gravura medie-
seu exército quando ele precisasse, além de participar dos con- val, provavelmen-
selhos senhoriais. Ao suserano cabiam obrigações semelhantes te século XIII,
para com seu vassalo. mostrando o tra-
balho dos servos
As características militares do feudalismo. nos campos.
O cavaleiro foi a figura característica da organização militar do
feudalismo. Ser cavaleiro, com escudos, lanças, espadas, cota de
malha e armadura, era privilégio da aristocracia, pois o acesso
à cavalaria dependia da origem e da riqueza. Essa característica
estava ligada à separação entre guerreiros e chefe que se dera na
tribo germânica e também ao custo do equipamento completo de
um cavaleiro, que era muito alto para os mais pobres. Era preciso
ter muitas terras e servos trabalhando para sustentar o cavaleiro.
Ou seja, somente a aristocracia feudal era capaz disso.
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